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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

PREFÁCIO

Olá, caro leitor. Primeiro, deixe eu me apresentar. Meu nome é Josué


Ribeiro. Minhas qualificações acadêmicas não interessam muito, mas
se você quiser saber, eu estudei Psicologia na UFMG, Universidade
Federal de Minas Gerais.
Um período muito turbulento e sofrido de minha vida, já que
estudar numa universidade federal sendo um conservador olavista,
como era o meu caso, foi uma tarefa extremamente árdua. Tudo –
literalmente tudo – que meus professores e colegas falavam
provocavam em mim gatilhos fortíssimos, coisas associadas ao pavor
de uma ameaça comunista ou ataques diretos a Jesus Cristo e a sua
Igreja.
Quando Jair Bolsonaro venceu as eleições em 2018, eu acreditei,
como aliás o próprio presidente também acreditou, bem como boa
parcela dos seus eleitores, que essa vitória só aconteceu por conta de
uma intervenção divina para salvar o nosso país. Pois até o dia anterior
nós, conservadores, éramos apenas um bando de malucos que
pregávamos no deserto, e não éramos realmente levados a sério.
E eu teria permanecido com essa crença por toda minha vida, talvez.
No entanto, uma série de improváveis eventos fez com que eu passasse
a questionar aquele que era o principal pilar de toda a minha visão de
mundo: a crença na infalibilidade da bíblia e do Deus bíblico. E então,
todo aquele edifício erigido ao longo dos anos – Deus, conservadorismo,
família, patriotismo, tradição, anticomunismo, infalibilidade de Olavo
de Carvalho – começou a ruir rapidamente.
O que se sucedeu a esse terremoto de confusão e perplexidade foi
esse livro, que acabou sendo publicado na Amazon no dia 29 de abril

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Josué A. Ribeiro

de 2020, curiosamente, mesmo dia em que o senhor Olavo de Carvalho


faz aniversário. Eu comecei a escrever muito antes, em meados de
2019. Dediquei-me a essa tarefa com todo meu empenho e esforço. Mas
conforme o castelo de cartas ia ruindo e eu enxergava as coisas mais
claramente, fiz inúmeras correções.
O resultado final me deixou bastante contente e orgulhoso, não
tanto pelo sucesso comercial do livro, que, honestamente, ficou aquém
do que eu esperava. Mas pelo fato de eu ter saído dessa aventura como
uma pessoa infinitamente mais inteligente e esclarecida do que eu era
quando entrei. E então percebi que toda aquela ideologia conservadora
e neo puritana que eu acreditava equivalia a algo como um freio de mão
puxado, algo que não apenas atrapalhava, mas me impedia de alcançar
o meu pleno potencial.
É claro que esse livro tem seus defeitos. Eu ainda tinha respeito pela
figura do “filósofo”, e em vários momentos me senti profundamente
receoso de estar questionando. Eu afirmei, conforme Olavo ensina, que
a inquisição dos católicos tinha sido mais branda que a dos
protestantes, ignorando um dos maiores flagelos que já houve na
humanidade que foi a Inquisição Espanhola. Eu manifestei em certo
momento um discurso que alguns podem interpretar como racismo ou
de supremacia branca. Eu ainda me identificava como militante
bolsonarista – tudo isso, resquícios de uma fase anterior e presentes
ainda nesse período de transição.
Hoje, esse passado vem sendo superado, a cada dia mais. Não me
tornei de esquerda – mantenho muitas das críticas que tinha antes em
relação a essa ideologia, e sou mais identificado com a centro-direita ou
direita liberal, apesar de também apoiar um conservadorismo
moderado. Mas hoje me sinto totalmente livre para exercer críticas
sobre um mandatário de direita, bem como um mandatário de
esquerda. Acho que a palavra é flexibilidade. E flexibilidade é algo
importante. Afinal, como ensina Bruce Lee, toda posição rígida é uma

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

posição de vulnerabilidade, e tudo aquilo que não pode se curvar,


quebra.
Portanto, esse livro representa a minha caminhada em direção a
uma maior liberdade de pensamento e consciência. Apesar de que eu
ainda não havia chegado ao estágio em que estou hoje, eu já estava bem
adiantado no caminho. Não sei se a liberdade completa chega algum
dia, afinal sempre podemos progredir. Mas hoje, quando leio Olavo,
tudo que ele escreve me parece de uma superficialidade e um sofisma
tão grandes que eu chego a achar cômico ter colocado esse senhor num
pedestal tão alto, durante tanto tempo. E realmente me faz pensar
como nossa vida é efêmera, como armadilhas que a princípio nos
pareceriam tolas podem nos escravizar, às vezes por uma vida inteira.
Desejo que você faça uma boa leitura, e, principalmente, se você é
alguém que se identifica como conservador ou admirador do Olavo, e
está aberto a desafiar sua atual visão de mundo com a perspectiva de
um ex olavista, de alguém que esteve envolvido nisso de corpo e alma
e até o pescoço mas conseguiu se libertar, acredito que a leitura será
extremamente proveitosa.

Atenciosamente,
Josué de Almeida Ribeiro.
Outubro de 2021

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Josué A. Ribeiro

Edição Geral: Arte Impressa Editora

1ª Edição
Outono de 2020

Copyright © 2020 Josué de Almeida Ribeiro


Todos os direitos reservados

FICHA CATALOGRÁFICA

R484v Ribeiro, Josué de Almeida, 1982-


Verdades e Crenças – Um Contraponto a Olavo de Carvalho /
Josué A. Ribeiro.
Belo Horizonte: Arte Impressa Editora, 2020
190 p. ; 23 cm

ISBN: 978-65-990828-0-1

1. Religião 2. Política 3. Pensamentos.


I. Título.

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

SUMÁRIO

SUMÁRIO ...............................................................................6
AGRADECIMENTOS ................................................................... 7
INTRODUÇÃO ..........................................................................9
CAPÍTULO 1 ........................................................................... 17
CAPÍTULO 2 ......................................................................... 34
CAPÍTULO 3 ..........................................................................47
CAPÍTULO 4 ..........................................................................65
CAPÍTULO 5 .......................................................................... 91
CAPÍTULO 6 ........................................................................ 120
CAPÍTULO 7 ........................................................................ 146
CAPÍTULO 8 ........................................................................ 162
APÊNDICE .......................................................................... 169

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Josué A. Ribeiro

AGRADECIMENTOS

- A meus pais, Márcio e Marília, que me geraram e me criaram com


muito amor.

- A meu amigo de infância, Guilherme de Sá Meneghin, por me


encorajar e me inspirar como pessoa.

- A todos os meus amigos e pessoas próximas, que me ofereceram


amizade e companhia indispensáveis, e por todas as pessoas que, direta
ou indiretamente, contribuíram para a minha formação. Não é
necessário citar seus nomes, eles sabem quem são.

- Ao pessoal da editora Clube Arte Impressa, em especial a Leninha


Sousa, por jamais soltar da minha mão até eu me sentir seguro.

- Ao filósofo Olavo de Carvalho, por ter sido a inspiração deste


trabalho.

- A Deus, seja lá quem ou o que ele for.

Josué A. Ribeiro

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

“Envelhecer é um processo extraordinário


em que você se torna a pessoa
que sempre deveria ter sido.”

- David Bowie

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Josué A. Ribeiro

INTRODUÇÃO
Ou: Por que escrever este livro?

O primeiro esclarecimento que devo fazer para o meu leitor é um


bem simples e crucial: sobre o que é este livro, e o que me motivou a
escrevê-lo.
Pois bem, então vamos a ele: esse trabalho se trata de uma resposta
a obra do filósofo Olavo de Carvalho, mais conhecido como o mentor
intelectual do presidente Jair Bolsonaro. Ele é um homem que, durante
muitos anos, exerceu sobre mim uma enorme influência, a exemplo do
que faz com milhares de brasileiros e brasileiras.
A reação que a maioria das pessoas têm a esse filósofo costuma ser
bastante apaixonada. Muitos acham que ele está sempre certo, outros
o odeiam e acham que ele é um charlatão que só propaga mentiras e
bobagens. A despeito do que dizem seus críticos, Olavo foi, através de
seus esforços, um dos responsáveis, ou talvez o principal responsável,
por uma grande reviravolta em nosso país, um feito impressionante
para um indivíduo solitário e lutando contra toda a classe acadêmica e
midiática.
É claro que, se não houvesse também em nosso tempo um político
tão notável quanto Jair Bolsonaro, e outros homens igualmente
notáveis como Sergio Moro, Olavo não teria como ter feito tanta
diferença. Olavo pode ter preparado o terreno para que a população
aceitasse um discurso como o de Bolsonaro, mas isso não muda o fato
de que, apesar de que Olavo é realmente o principal filósofo da nova
direita brasileira, Bolsonaro é, em vários aspectos, muito maior do que
Olavo.

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

De fato, eu tenho muitos questionamentos a Olavo. O principal é


devido ao fato de ele defender certas crenças fantasiosas a respeito da
Igreja, da ciência e do misticismo religioso, quando até mesmo pessoas
bem menos sagazes são capazes de ter um posicionamento mais crítico
em relação a esses assuntos. Outro questionamento é quanto ao estilo
do filósofo, que qualquer um que não esteja cego já observou que é
excessivamente autoritário e controverso.
Escolhi, nesse trabalho, adotar um tom totalmente sincero, e que é,
por vezes, bastante duro. Em alguns momentos me senti receoso, mas
depois ponderei que devo expressar aqui o que realmente penso, e não
amaciar minha linguagem para agradar a ciclano ou beltrano. Claro,
outras pessoas têm o direito de discordar o tanto quanto queiram, mas
devem respeitar o meu direito a ter a minha opinião.
Comento, é claro, algumas das declarações inusitadas de Olavo, que
mais parecem ter saído da boca de um lunático. Como pode alguém,
que em alguns momentos é tão lúcido, em outros dizer coisas tão
absurdas?
Na verdade, enquanto estive escrevendo esse livro, fiquei algumas
vezes com certo receio de estar me estendendo demais. Pois certas
coisas que Olavo fala são tão malucas, que parece até perda de tempo
explicar que aquilo não é bem assim. Mas como existem muitos que o
levam a sério em tudo que ele diz, eu fiz esse trabalho.
E como o principal tema desse livro são as crenças, o meu maior
objetivo aqui é questionar a visão de que ter um posicionamento crítico
em relação às supostas revelações divinas contidas na Bíblia Sagrada
seja “coisa de comunista”. Esse não será o único tema presente, mas é
a linha mestra a partir da qual toda obra se desenvolve.
Para os cristãos que estiverem lendo este livro, o que eu posso dizer
é que, em momento algum, eu pretendo dizer o que vocês devem
acreditar. Apenas direi as coisas como elas me parecem. Tenho família
cristã e amigos cristãos. Conforme já adiantei, algumas críticas que faço

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Josué A. Ribeiro

aqui são bastante contundentes, mas vocês estão livres para discordar.
Se quiserem aproveitar o que eu tenho a dizer, ótimo. Se não, descarte.
Porque não existe uma religião independente das pessoas, pois são as
pessoas que fazem a religião. A religião é exatamente aquilo que nós
fazemos dela. Portanto, se formos espertos, ficamos com o que há de
bom e descartamos o que há de ruim, e vivemos em paz. E assim
seguimos nossa vida.
Além disso, se você enxergar Jesus como um amigo íntimo, aquele
salvador bondoso, carinhoso, que vai te dar um abraço e te consolar
quando você estiver triste, que vai celebrar junto com você suas
conquistas, que vai te entender quando ninguém mais te entende, e que
vai estar do seu lado quando ninguém mais estiver, isso pode ser algo
bom. Pessoas que se apegam a essa imagem de Jesus costumam ser
pessoas de ótimo coração e muito boa índole, pessoas que você sempre
vai querer ter por perto, pois afinal, elas também seguem esse mesmo
modelo de conduta ao qual se apegam e tem como exemplo. Mas é claro
que não é bom exagerar, porque responder com bondade quando
outras pessoas abusam de você é apenas encorajá-las pra que
continuem com os abusos.
Mas quanto a mim, eu realmente decidi me afastar. Não digo que
nunca mais colocarei os pés em uma igreja, mas, quando isso
acontecer, eu terei que ter trabalhado mais essa parte do meu ser, que
por enquanto ainda está ferida e traumatizada, devido a eu ter me
envolvido demais com o lado mais tóxico da religião. Sim, eu
costumava ser um cristão, e não apenas isso, mas também aquele tipo
de cristão dos mais bitolados e fundamentalistas. Não digo que Olavo
de Carvalho tenha sido o único responsável por isso, mas certamente
ele exerceu grande influência para que eu tenha me tornado assim.
Em muitos testemunhos encontrados na internet, é possível ver que
quando a pessoa fazia parte de uma certa comunidade ou seita
religiosa, aquelas crenças exerciam sobre ela tamanha pressão e

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

autoridade que ela se sentia absolutamente esmagada. Mas uma vez


que ela tenha se libertado delas, ela não consegue deixar de achar
engraçado, e ao mesmo tempo trágico, ter se sujeitado a tantos abusos
por causa da fé.
Mas mesmo quando o tema “abuso espiritual” é levantado, muitos
ainda defendem a fé bíblica, dizendo que tal abuso é obra de líderes
espirituais corruptos, e não uma consequência previsível do que
acontece quando se leva a bíblia realmente a sério e segue-se os seus
ensinamentos ao pé da letra. Um pouco parecido com o que os
marxistas dizem a respeito das experiências passadas de socialismo não
terem sido socialismo de verdade.
O processo de libertação no caso de um abuso espiritual pode jamais
acontecer, ou durar em alguns casos, décadas, e a pessoa acaba
perdendo nisso um tempo precioso, que jamais voltará atrás. Afinal, a
vida é curta, e não tem rascunho1.
Isso não quer dizer que eu tenha me tornado um cético e
materialista. Pelo contrário, acho a espiritualidade algo de fundamental
importância. Se olharmos para pessoas que tiveram tudo que poderiam
querer na vida: fama, dinheiro, sucesso, reconhecimento, intensa
admiração e mesmo amor por parte de inúmeros fãs e, mesmo assim,
tiveram um destino totalmente trágico, vemos que não são apenas as
coisas mundanas que trazem felicidade. São astros como Kurt Cobain,
Chris Cornell ou Robin Williams, além de tantos outros, que ou se
mataram, ou se enveredaram pelo caminho das drogas (como Amy
Winehouse), e tiveram um desfecho semelhante. Não é possível deixar
de pensar que, se todas essas pessoas tivessem trabalhado um pouco
mais o lado da espiritualidade, talvez estivessem entre nós até hoje,

1 Como exemplo de um desses testemunhos, de uma mulher chamada Emma Swain, que ficou 27
anos no pentecostalismo, pesquise: “Emma Swain ex Christian” (conteúdo em inglês).

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Josué A. Ribeiro

felizes e desfrutando de seu sucesso.


Mas assim como a diferença entre o remédio e o veneno é a
dosagem, é preciso identificar o ponto em que ter aquilo que se
convencionou chamar “temor a Deus” ajuda, e o ponto a partir do qual
começa a atrapalhar. Porque viver cheio de medos, repressões e
superstições é algo que não é nada salutar. Explorando os textos
bíblicos, líderes religiosos podem induzir seus fiéis a submeterem-se a
condições de extrema insalubridade mental e psicológica, grandes
prejuízos financeiros e traumas dos mais diversos.
O meu processo de desconversão se deu quase que por acaso. Em
certo ponto de minha vida, encontrei uma pessoa que fez com que eu
voltasse a me interessar por jogar um jogo de RPG que muito havia me
fascinado na época da adolescência, e que ainda hoje me fascina,
chamado Vampiro: A Máscara. Nesse jogo, e também em outros jogos
da mesma editora (White Wolf), eu tinha a oportunidade de, por alguns
instantes, deixar de ser um jovem fraco e inexperiente e me tornar uma
poderosa e temida criatura sobrenatural, podendo viver na pele de meu
personagem um interessantíssimo drama de horror pessoal e
envolvido nas mais ardilosas conspirações, intrigas e tramas.
Mas claro, havia problemas para alguém que, como eu, desejava
levar a fé em Cristo a sério. Vampiros são monstros que lembram os
demônios, e ainda bebem o sangue dos humanos, prática que a bíblia
considera abominável. Ao participar daquele jogo, eu desprezava a
pureza que há em Cristo e dava legalidade para a ação dos demônios
de Satanás em minha vida e, assim, colocava a minha própria salvação
eterna em risco.
Mas como naquela época eu estava com muita vontade de jogar, eu
acabei barganhando com o Altíssimo, pedindo pelo Seu amor para que
Ele não me lançasse ao inferno quando eu morresse apenas por
apreciar aquele jogo.
Isso acabou me levando a um estágio em que eu relativizei as

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

verdades bíblicas, acreditando, com toda razão, que a vida já era pesada
e dura demais para eu me privar até mesmo de minhas mais caras
diversões e passatempos, e que Cristo não se importaria muito com
isso. Essa foi a fase em que eu me tornei um cristão liberal, dessa vez
mais liberal do que jamais havia sido antes. Pois esse pensamento que
passei a ter ia em clara oposição ao ensinamento que, no meu
entendimento, era a principal mensagem de Cristo: negar-se a si
mesmo, e fazer apenas a vontade de Deus.
Claro que, ao chegar a esse estágio, eu já estava com um pé fora da
religião. Mas até então nada de tão inusual, pois eu já havia passado
antes por fases mais liberais. E as fases liberais se alternavam com
outras em que eu era muito devoto, como um caranguejo que estivesse
prestes a sair do balde e depois fosse puxado de novo por outro
caranguejo até o fundo. Pois a crença religiosa tem seus mecanismos
de autodefesa intrínsecos, que são muito fortes, além da pressão de
uma comunidade de pessoas em volta que também têm essas crenças.
Porém, dessa vez, tomei coragem e decidi chutar o balde. E,
vencendo um temor e tremor inicial, me abri ao inquérito e escrutínio
de figuras sagradas, e comecei a pesquisar sobre a verdade envolvida
no relato bíblico sobre Jesus. E cheguei a conclusões surpreendentes.
Pois estudiosos como Kenneth Humphreys chegam até mesmo a
dizer que o Cristo foi uma mera invenção dos romanos para incutir nos
povos dominados a obediência perante as autoridades constituídas da
época, e dessa forma, evitar que houvessem revoluções e revoltas
contra Roma. Muitos ensinamentos de Jesus, na bíblia, parecem
apontar nessa direção. Afinal, por que ele ensinou a “dar a César o que
é de César”, e que seus seguidores, quando agredidos, deveriam “virar
a outra face”? Não seriam esses ensinamentos uma vil exploração da
bondade das pessoas?
Pelo fato de que, obviamente, eu nunca estive lá naquela época e
nunca vi com meus próprios olhos, não posso afirmar nada. Mas

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Josué A. Ribeiro

apenas o fato de alguém poder fazer essa argumentação e levantar um


grande número de evidências históricas em seu favor, já é por si só
bastante revelador. Talvez a aposta no Jesus Cristo revelado nas
escrituras como sendo alguém que tinha o poder e a autoridade para
ditar regras para cada pequeno aspecto da minha vida, fosse alta
demais.
E assim, aprofundando-me nesses questionamentos, em pouco
tempo foi plantada a semente da dúvida, e logo aquilo foi se
avolumando até eu me tornar certo de que havia sim algo errado. E eu
percebi uma coisa óbvia: Deus não poderia me condenar por fazer
perguntas honestas e sinceras, sem nenhuma atitude de intencional e
premeditada rebeldia, e muito menos malícia demoníaca.
Seria mesmo necessário prestar uma vassalagem e total submissão
a Cristo para ser salvo de um inferno eterno de mármore e fogo? Todos
são obrigados a adorá-lo, a reconhecer sua divindade e a implorar a ele
para que perdoe seus pecados? E quanto àqueles comportamentos
altamente devotos e aquela adoração histérica, com tanta reverência e
submissão?
No fundo, eu sempre achei estranho. Afinal, Deus é Deus e não uma
criança mimada de cinco anos. Será que Ele realmente precisava ser
adorado daquela maneira? E será que não seria muita presunção, por
parte de pessoas que frequentam igrejas evangélicas, quando gritam
coisas como: “Glória a Deus!” “Aleluia!”, e bordões similares, que
realmente Ele esteja lá, assistindo de camarote e todo comovido ao ver
essas reações?
Hoje estou convencido de que isso são apenas coisas humanas, que
não provém realmente de um mandamento divino. Tanto a adoração
extravagante e extrovertida dos cristãos evangélicos, quanto a
adoração piedosa e submissa dos católicos mais tradicionais, nada mais
são do que condutas da comunidade religiosa, que só fazem sentido
para ela, mas que nada dizem sobre Deus. Não é necessário

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

comportamentos alterados para falar com Deus. Se Ele é realmente


poderoso e onisciente, conhece até nossos pensamentos, por isso, não
há necessidade de agir como se Ele precisasse ver nosso
comportamento externo dentro de um culto religioso.
Mas, como o livro é um contraponto a Olavo, acho necessário falar
um pouco sobre esse filósofo. No primeiro capítulo, farei alguns
comentários, apresentando um resumo de suas realizações, e porque
tantas pessoas ficam convencidas de que todas as palavras que saem de
sua boca ou são escritas por suas mãos são verdades absolutas e quase
que autoevidentes.

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Josué A. Ribeiro

CAPÍTULO 1

Olavo de Carvalho, de louco a líder da revolução.


Ou: Olavo sempre tem razão?

A essa altura, tenho certeza que grande parte dos brasileiros com
alguma cultura já deve ter ouvido falar do filósofo Olavo de Carvalho.
Nem que seja, como a mídia o descreve, como o “ideólogo” do governo
Jair Bolsonaro. Através de suas ideias, ele se tornou muito influente e
poderoso, tendo inclusive influenciado na nomeação de ministros de
Bolsonaro através de simples comentários no perfil do Facebook.
Façamos um pequeno resumo de suas realizações, para dar a
dimensão do tamanho da mudança de paradigma que ele iniciou
dentro da sociedade, pelo menos no aspecto mais visível, mas
certamente também em outros aspectos. Afinal, o Olavo é muito mais
do que um simples influenciador político: ele também faz esforços para
restaurar uma alta cultura no Brasil e, claro, é responsável por um
grande número de conversões religiosas.
Em 2019, Jair Bolsonaro assume a presidência, depois de sua
improvável vitória nas eleições do ano anterior. Membros importantes
do governo recentemente eleito já admitem que, se não fosse por Olavo
de Carvalho, a reviravolta política que ocorreu no Brasil e culminou por
eleger o ex capitão do exército e deputado jamais teria acontecido.
Paulo Guedes, o ministro da economia, diz a Olavo: “Você é o líder da
revolução.” E o próprio Bolsonaro diz a respeito do filósofo: “Em grande
parte, devemos a ele a revolução que estamos vivendo.”
Mas todos que tem memória lembram que nem sempre foi assim.
Até relativamente pouco tempo atrás, Olavo e seus admiradores, que

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

compartilhavam de suas ideias, eram ridicularizados em páginas como


“Olavo de Carvalho nos odeia”, na finada rede social Orkut. Ele era
retratado como um grande bufão, em sua raivosa, louca, inútil e
patética cruzada contra o comunismo, o marxismo cultural e o Foro de
São Paulo.
Naqueles tempos, os presidentes Lula, e depois Dilma, gozavam de
altíssima popularidade. A mídia era enormemente favorável ao PT, a
economia ia bem, os jornais anunciavam recordes atrás de recordes e
novos marcos sendo alcançados, no que parecia ser finalmente o
despertar de um gigante, que havia deixado de ser somente o país do
futuro.
Como exemplo emblemático disso, a importante revista estrangeira
The Economist, no ano de 2009, publicava em sua capa o Cristo
Redentor decolando como um foguete. Lula era apresentado, não
apenas no Brasil mas também no exterior, como um homem simples e
humilde, porém com grandes e revolucionárias ideias. Um simples
operário que havia realizado o sonho de tornar-se presidente. Um
esquerdista moderado e grande democrata, que havia em seu governo
trazido paz e prosperidade ao país, aliados a um profundo
comprometimento com o bem-estar do povo, principalmente dos mais
humildes, parte da população da qual ele mesmo era um representante.
No Jornal Nacional, que na época dominava de forma incontestável
as noites de horário nobre, podíamos ver matérias jornalísticas
mostrando acontecimentos como esse: um faxineiro, que trabalhava
num aeroporto, encontrou uma bolsa com 10 mil dólares pertencentes
a um turista suíço e resolveu devolver na hora. Em troca, pelo
surpreendente gesto de honestidade, ele fez um único pedido ao
pessoal do aeroporto: queria ir ao Palácio do Planalto conhecer o
presidente. Depois, conforme narra o jornalista: foto com o presidente,

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Josué A. Ribeiro

autógrafo no uniforme e uns bons dedos de prosa2.


Nesse episódio, o fato de Lula ter deixado escapar uma fala em que
dizia indiretamente ao faxineiro que ele deveria ter ficado com o
dinheiro é tão revelador quanto a cobertura de pop star e celebridade
que a mídia dava ao então presidente, num verdadeiro culto à
personalidade do líder, que contrasta de maneira evidente com o
tratamento que hoje a maior parte da imprensa dá a Jair Bolsonaro.
Em 2005 houve o escândalo do mensalão, e por algum momento,
pareceu que aquele castelo de cartas poderia ruir. Mas apesar da
oportunidade que tinha em suas mãos, a oposição, então capitaneada
pelo PSDB, achou melhor não fazer nada. O PT iria “sangrar” e nas
próximas eleições seriam facilmente derrotados. O que aconteceu nós
sabemos: em 2006, Lula vence Alckmin com 60,83% dos votos.
Algumas figuras importantes do partido haviam até sido queimadas
no escândalo, como o deputado e ministro da Casa Civil José Dirceu,
mas nada que comprometesse o projeto de poder petista; vão-se os
anéis, ficam-se os dedos.
Àquela altura, estava óbvio que o PT realmente iria dar as cartas
durante muito tempo. Nenhum dos poucos opositores via como toda
aquela estrutura de poder criada por eles, com apoio quase total da
mídia, dos artistas, das universidades desde há muitos anos
completamente dominadas pela esquerda, da CNBB e da maior parte
do clero católico, da OAB e de mais uma infinidade de organizações
representantes da sociedade civil, poderia ser derrubada. Olavo de
Carvalho explicava como a esquerda, através do gramscismo, havia
tomado conta de todas aquelas instituições.
Lula era uma quase unanimidade, com apenas 5% dos brasileiros

2
Digitando as palavras chave: “faxineiro Lula” no Google ou outro motor de buscas, o
leitor poderá conferir essa história.

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

reprovando o seu governo, e a aprovação passava dos 80% e às vezes


chegava quase aos 90%. Os demais políticos petistas importantes
também eram celebrados, a oposição reconhecia os seus méritos, e as
boas notícias, como a descoberta do petróleo na camada do pré sal, não
paravam de chegar.
Certamente, os líderes petistas também ficaram inebriados em sua
própria sensação de invencibilidade, e com todo aquele sucesso,
acabaram se tornando mais incautos do que deveriam. Assim, sem que
os órgãos fiscalizadores ou a mídia dessem o menor alarde,
procederam ao maior roubo de dinheiro público que já houve na
história, aliando-se a megaempresários corruptos e diretores de
estatais para roubar quantias bilionárias. Conforme foi revelado anos
mais tarde, os esquemas de corrupção criados nada tinham de
sofisticados. Mas como nada disso aparecia, os tucanos diziam que
colocavam o país na frente dos interesses partidários e não iam apostar
no “quanto pior, melhor”. Não ousavam atacar a figura quase
sacrossanta do presidente Lula, a quem rendiam homenagens mesmo
durante a campanha eleitoral3.
Diante desse quadro assustador, lá estava o nosso bravo e incansável
filósofo, dizendo que o PSDB era apenas a direita do Partido Comunista
e não uma oposição de verdade; que o PSDB e o PT faziam, juntos, parte
de uma “estratégia das tesouras”, ou seja, a disputa entre eles não era
ideológica, mas apenas por cargos, e qualquer um desses partidos que
ganhasse as eleições não ia atrapalhar em nada a marcha em direção
ao socialismo.
Isso, ensinava o nosso professor, tanto no Brasil como em todo
continente latino americano, graças ao Foro de São Paulo, fundado por
Lula e Fidel Castro e que tinha Lula como presidente de honra. Além

3
Para mais detalhes, pesquise: “Serra usa imagem de Lula no horário eleitoral”.

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Josué A. Ribeiro

de Lula e Fidel, eram integrantes do Foro, políticos como Hugo Chávez,


Evo Morales, Rafael Correa e Cristina Kirchner, todos no poder em seus
respectivos países. A organização associava partidos políticos de
esquerda a quadrilhas de narcotraficantes e guerrilheiros, e a mídia
silenciava completamente sobre esse assunto. Olavo nunca poupou
adjetivos para falar dessa ocultação, que ele chamava abertamente de
uma operação criminosa.
Quando ingressei na comunidade Olavo de Carvalho no Orkut, no
ano de 2005, depois de ficar profundamente impressionado pela leitura
de seu livro O Imbecil Coletivo, a comunidade não chegava a 2 mil
membros, numa época em que a maioria dos brasileiros eram usuários
muito ativos dessa rede social. Havia na comunidade pessoas de todo o
Brasil, e algumas morando no exterior. Vários dos membros se
tornaram meus amigos virtuais, e temos mantido muitos diálogos e
debates desde aquela época, o que sempre me deixou bastante
sintonizado com o olavismo. Éramos as "olavetes", epíteto que nos foi
dado pela comunidade rival que pretendia nos ridicularizar.
De fato, éramos poucos, dispersos e só podíamos espernear. O
próprio Olavo admitiu que a direita nacional era um movimento tão
marginalizado que a soma total do custo de seus meios de expressão
não pagava uma campanha eleitoral de vereador, conforme explicou
em seu artigo “Nós, a direita”. Claro, Jair Bolsonaro já era deputado,
mas ele era visto apenas como um tresloucado de extrema direita que
defendia o regime militar. Uma excrescência, uma espécie de bicho
exótico dentro do Congresso Nacional, e atraía mais curiosidade do que
qualquer outra coisa. Assim como todos nós que nos identificávamos
como conservadores.
Mesmo assim, Olavo continuava seu trabalho como um diligente
pregador no deserto, desde o seu bunker no interior da Virginia.
Durante anos, absolutamente sozinho nesse empreendimento, falava
aos brasileiros através de artigos de jornal e da Internet, ignorando

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

corajosamente durante anos as ameaças de morte e as zombarias


quanto ao seu tom apocalíptico, ou os rótulos de teórico da conspiração,
ou diante das distorções propositais de suas denúncias, como quando
espalharam o boato de que ele havia dito que nas garrafas de uma
marca de refrigerantes havia fetos abortados.
Olavo também atacava, sem nenhum temor, em seus livros, artigos
e conferências, todos os símbolos da esquerda, e refutava todos os
filósofos que eram considerados verdadeiras sumidades intelectuais, e
em cuja autoridade quase divina toda a esquerda se apoiava. Além de
Karl Marx, eram pensadores como: Michel Foucault, Herbert Marcuse,
Adorno, Richard Rorty, Paulo Freire e muitos outros. Sem o até então
inédito trabalho de derrubar a autoridade desses ídolos, toda a luta
cultural iria, segundo Olavo, “fazer buraco n’água. ”
Mas graças a sua admirável coragem e persistência, aliadas a uma
oratória poderosa e uma altíssima erudição, com a qual humilhava
impiedosamente todos os intelectuais acadêmicos que contra ele se
opunham nos debates, seu trabalho foi, aos poucos, despertando maior
atenção. E furando a "espiral do silêncio", ou seja, a tendência das
pessoas de permanecerem em silêncio quando julgam que sua visão de
mundo é minoritária e, além disso, grandemente repudiada pela
maioria das pessoas. E essa minoria não tinha nem mesmo um
vocabulário correto pra expressar suas discordâncias.
De fato, antes de Olavo, a direita tinha que se expressar no mesmo
vocabulário que a esquerda usava, deixando a discussão viciada, pois a
direita não tinha uma linguagem própria. Era como disputar uma
partida contra um adversário que determinava todas as regras do jogo,
e é claro, ele fazia as regras de uma maneira que favorecia a ele mesmo
vencer todas as disputas.
Além de dar a direita uma linguagem própria, Olavo foi responsável
por ter formado um grande número de formadores de opinião, que por
sua vez passavam a divulgar as mesmas ideias que ele tinha. O filósofo

22
Josué A. Ribeiro

ensina que a circulação de ideias obedece a regras mais ou menos


constantes e exatas, começando com a discussão entre um pequeno
grupo de intelectuais até ir gradualmente se alastrando até o restante
da sociedade, através de círculos concêntricos, e que foi assim com
todas as ideologias que se tornaram majoritárias, inclusive o nazismo
e o socialismo.
Ele fez o mesmo com as ideias do conservadorismo, que estavam há
muito tempo ausentes do debate público. E graças à difusão da
Internet, a coisa se potencializou, apesar de Olavo já ter dito que esse
processo precisaria de no mínimo 30 anos e que a eleição de Jair
Bolsonaro foi uma “ejaculação precoce”.
Ainda assim, podemos dizer com segurança que o filósofo foi o
artífice da restauração no Brasil de uma direita muito combativa,
abertamente conservadora e anticomunista, que mesmo a despeito de
toda a censura na academia e na mídia, já não tinha vergonha de se
assumir, nem era presa fácil para os estratagemas retóricos da
esquerda, e respondia seus adversários à altura.
Apenas para dar um exemplo, antes de Olavo surgir, quando um
esquerdista xingava um direitista de “fascista!”, o direitista ficava se
explicando e se desculpando, querendo mostrar que era uma boa
pessoa e não era um fascista, o que no final das contas fazia o
esquerdista sair vitorioso no embate. Depois dele, a resposta padrão
passou a ser “fascista é você!”, ou, “fascista é o (palavrão
impronunciável) da sua mãe!”, como sugeriu Olavo, o filósofo boca
suja.
Quando surgiu a Lava Jato, aqueles que foram direta ou
indiretamente influenciados pelas ideias dele, foram o segmento da
população que, desde o princípio, mais apoiou as investigações
anticorrupção que atingiam em cheio ao partido que estava no poder e
aos seus aliados. Subitamente, a mídia começava a falar do surgimento
de uma “onda conservadora” no Brasil, que se opunha a coisas como

23
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

aborto e beijo lésbico nas novelas.


Mas isso ainda não foi suficiente para impedir a reeleição de Dilma
Rousseff em 2014, ainda que o resultado tivesse sido
surpreendentemente apertado. Dilma venceu as eleições com a
promessa de que as contas públicas do país iam bem, apesar dos alertas
de seu adversário, o então senador Aécio Neves, de que não era esse o
caso. Por hora, a população havia resolvido ignorar os alertas e as
denúncias de corrupção que se avolumavam, na esperança fútil de que
tudo estava ainda correndo bem.
Porém, quando ficou claro a crise econômica e o estelionato eleitoral,
o povo perdeu a paciência. Quase que do dia para noite, chegavam as
notícias de que a popularidade de Dilma havia atingido níveis
baixíssimos. Começou a ouvir-se pelas ruas de todas as principais
cidades do país o barulho das panelas. Aécio Neves, apesar de ter se
mostrado certo quanto ao seu diagnóstico sobre o estado das finanças
públicas, caiu em desgraça quando gravações mostraram que ele
também estava envolvido em corrupção.
A Lava Jato àquela altura tinha muito prestígio, principalmente na
pessoa de seu principal representante, o juiz Sérgio Moro; e chegava
cada vez mais perto dos principais figurões do PT e, por tabela, do
principal líder do petismo, aquele que era a encarnação mesma de tudo
que esse partido representava: o outrora quase mítico Luiz Inácio Lula
da Silva. Os impressionantes valores de dinheiro roubado, revelados
pelas investigações e delações premiadas dos criminosos presos,
deixavam a todos boquiabertos.
Tornou-se questão de tempo até chegar-se ao principal responsável
por aquilo tudo, que àquela altura todos já sabiam quem era. A
população, ou a maior parte dela, cansada de tanta sujeira e sofrendo
com o súbito grande aumento do desemprego, o empobrecimento e a
insegurança generalizados, queria a punição de todo e qualquer
político, independente do partido, e de qualquer autoridade que

24
Josué A. Ribeiro

estivesse envolvida em escândalos.


Toda essa profunda revolta traduziu-se naquilo que há algum tempo
atrás parecia impossível: a derrocada do PT. Vendo que a situação
estava saindo completamente do controle, o partido ainda tenta
algumas manobras desesperadas, que irritaram ainda mais a
população. Para tentar salvar Lula, acossado nas investigações de
corrupção na Lava Jato, Dilma o nomeia ministro da Casa Civil, dando
a ele o foro privilegiado que o livrava das mãos do juiz Moro.
Moro respondeu divulgando ao público diálogos comprometedores
entre a presidente e o ex presidente, em que a trama entre os dois já
aparecia orquestrada. Pouco depois, o juiz federal de Brasília, Itagiba
Catta Preta, concedeu liminar suspendendo a nomeação afirmando que
havia indícios de crime de responsabilidade, na medida em que tinha
como objetivo garantir foro privilegiado ao ex presidente investigado.
Mas o principal personagem nessa história não foi nenhum juiz ou
agente público, e sim o próprio povo brasileiro que se mobilizou para
exigir mudanças. Convocados por grupos nas redes sociais, tomando
as ruas do país em manifestações nunca antes vistas, vestidos de verde
amarelo em oposição ao vermelho do PT, saíam não apenas pra
protestar contra a corrupção, mas para dar um recado claro: o povo
brasileiro não queria saber de comunismo, não queria saber de
Gramsci, não queria saber de Foro de São Paulo, não queria saber de
crime, estava atento a tudo que estava acontecendo, exigia a queda de
Dilma e também a prisão de Lula, que nada mais eram que bandidos
lesa pátria, culpados de alta traição ao país.
Todo esse discurso lhe soa familiar? Quando vi aquilo, tive certeza:
Olavo de Carvalho, filósofo sem diploma, louco conspiracionista,
divulgador de ideias estranhas e perigosas, ridicularizado pela
esquerda chique e elitista, havia ganhado o Brasil. Quando estive
presente na primeira manifestação anti PT, em que havia um mar de
pessoas de todas as idades vestidas com as cores nacionais, vi, ao deixar

25
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

a passeata, uma moça bastante jovem conversando com seus amigos


enquanto mostrava um exemplar de O mínimo que você precisa saber
pra não ser um idiota, livro do filósofo que era naquela altura um best
seller, sucesso absoluto de vendas.
E também, como é de conhecimento geral, haviam vários cartazes
com um dos mais famosos bordões dos manifestantes, que fazia uma
clara referência ao filósofo. Dizia simplesmente: “Olavo tem razão.”
Quando o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha,
coloca em pauta a votação do impeachment de Dilma, cujas pedaladas
fiscais haviam colocado o país na maior recessão de sua história, foi em
resposta ao povo organizado nas ruas. O Brasil inteiro acompanhou a
votação e houve celebrações em todas as partes do país quando
finalmente ficou claro o resultado. Dilma sofria impeachment, e Michel
Temer assumiria.
A esquerda também acompanhava, mas entre eles havia choro,
revolta, tristeza e clima de velório. Tão acostumados a darem as cartas,
ditarem as pautas, serem os guardiões da moral e condutores do
processo histórico, sentiam na pele o gosto amargo da derrota, da
rejeição, e da perda de sua autoridade intelectual.
Pouco depois disso, Lula, que já era réu em vários processos, é
condenado por Moro no caso do triplex de Guarujá. A pena que o juiz
havia dado, de 9 anos, é aumentada para 12 anos no julgamento em
segunda instância, proferido pelos três desembargadores do TRF4 de
forma unânime.
A decisão final se Lula iria mesmo para a cadeia cai nas mãos do
STF, cujos juízes haviam sido indicados em sua maioria por Lula e
Dilma. Respondendo a um absurdo habeas corpus impetrado pela
defesa do ex presidente, o STF decide, por 6 votos a 5, negar o pedido.
Novamente, a pressão do povo nas ruas, que havia feito uma grande
manifestação um dia antes do julgamento, é um fator decisivo para a
decisão dos jurados.

26
Josué A. Ribeiro

No dia seguinte a esse julgamento, a ordem de prisão de Lula já


estava expedida por Moro. Lula, na condição de réu condenado, deveria
se entregar às autoridades. Ao invés disso, ele se refugiou no Sindicato
dos Metalúrgicos do ABC em São Bernardo do Campo, o lugar que
havia sido o berço do petismo. Lá, em meio a uma multidão de
apoiadores, Lula desafia as autoridades, diz que é perseguido político,
critica a imprensa e prega o controle social da mídia. Seus apoiadores
ficam bastante exaltados, e estão dispostos até mesmo a entrar em
confronto físico com os agentes públicos para impedir que ele fosse
preso. E teriam ficado ali por muito tempo dando guarida a Lula e
impedindo as autoridades de o prenderem, se o chefe assim desejasse.
Mas nada disso é necessário, pois, diante da ameaça de ver sua situação
legal ainda mais deteriorada, Lula resolve se entregar à polícia, na
expectativa de que em breve seria solto.
Enquanto escrevo essas linhas, ele ainda se encontra preso no prédio
da Superintendência Regional da PF em Curitiba, no Paraná, desde o
dia 7 de abril de 2018, portanto, há mais de um ano4.
Mas 2018, é claro, ainda aguardava maiores surpresas. Pois esse era
um ano em que não apenas o Brasil disputaria outra Copa do Mundo e
Lula havia sido preso, mas também em que haveriam outras eleições
presidenciais, que decidiriam o futuro do Brasil não apenas nos
próximos 4 anos, mas, provavelmente, muito além disso. Se a esquerda
voltasse ao poder, todo o avanço que a direita havia conseguido até
então iria ser barrado e as coisas iriam retroceder a um nível em que
eram desde antes de a população ter ido às ruas e Dilma ter sofrido o
impeachment. E o único que poderia impedir isso era ninguém menos
que Jair Bolsonaro.
Mas havia alguns problemas. Jair Bolsonaro concorria por um

4
Ele acabou sendo solto no dia 8 de novembro de 2019.

27
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

partido nanico e teria pouquíssimo tempo de televisão. A mídia,


obviamente, não simpatizava nem um pouco com a sua candidatura.
Não apenas por motivos ideológicos, mas também porque ele
anunciava abertamente que, caso eleito, o dinheiro público para
propagandas e para financiar os órgãos da mídia tradicional iria
minguar. E suas muitas declarações altamente polêmicas e
controversas, que supostamente retratariam um homem altamente
preconceituoso, retrógrado, homofóbico, machista, desequilibrado e
raivoso, eram exploradas até a exaustão pelos adversários. De acordo
com a opinião de sebosos comentaristas políticos profissionais,
considerando todas essas deficiências e obstáculos que Bolsonaro teria
de enfrentar, ele não tinha a menor chance e seria moído pelo sistema.
No entanto, onde alguns viam desequilíbrio, outros viam virtude e
coragem. Afinal, Bolsonaro, ao longo de todos aqueles anos no
Congresso Nacional, nunca havia se corrompido. Nunca havia aceitado
dinheiro de propina ou participado de obscuras negociatas. E essa era
a maior força de sua candidatura: era o homem forte e corajoso, que
tinha um discurso forte contra a criminalidade e a corrupção, que
falava a verdade doa a quem doer, e que, principalmente, era
incorruptível.
Apesar das tentativas dos jornalistas de colocarem em xeque esse
histórico, apresentando em seus noticiários e manchetes dos jornais
episódios em que ele supostamente teria se corrompido, a população
percebia o truque e que havia por trás dessas denúncias não um
legítimo interesse em contar a verdade dos fatos, mas sim, uma
tentativa desesperada de tirar a credibilidade de Bolsonaro a qualquer
custo.
Mas mesmo com o pouco tempo de televisão e com os incessantes
ataques por parte de seus adversários, Bolsonaro era recebido em toda
parte por grandes e entusiasmadas multidões, que gritavam o seu
nome, ouviam atentamente seus discursos e lhe chamavam de mito. O

28
Josué A. Ribeiro

candidato usava principalmente a internet e as redes sociais para fazer


sua campanha, o que também marcou uma total mudança de
paradigma. A esquerda, vendo que não conseguia de forma alguma
minar o apoio a ele, começava a ficar cada vez mais preocupada e
desesperada.
Foi então que, no dia 6 de setembro de 2018, na véspera do dia de
independência do Brasil, uma data muito emblemática, Bolsonaro
sofre, na cidade mineira de Juiz de Fora, um atentado que por muito
pouco não tira a sua vida. O militante de esquerda e integrante do PSOL
durante 7 anos, Adélio Bispo de Oliveira, armado com uma faca, se
mistura no meio dos apoiadores do candidato e desfere um golpe
contra ele.
Bolsonaro é salvo graças a rápida e eficiente ação dos médicos da
Santa Casa de Juiz de Fora. Adélio Bispo é preso e, aparentemente
simulando uma insanidade, diz que cometeu o crime a mando de Deus.
Mas as ligações e os contatos que ele possui são intrigantes. Quatro
renomados advogados aparecem imediatamente para defendê-lo, e
enquanto escrevo essas linhas, nada sobre esse caso está devidamente
esclarecido. Talvez futuramente saberemos mais a respeito, mas por
enquanto, só podemos especular.
Enquanto se recupera no hospital, Bolsonaro está impossibilitado de
fazer campanha ou de participar dos debates. Por um momento, os
ataques contra ele cessam e todos desejam que ele se recupere, e
lamentam o estado radical de polarização política em que o Brasil havia
chegado. Mas, conforme a saúde de Bolsonaro vai melhorando, os
ataques vão retornando, e ele é até mesmo responsabilizado pelos
demais candidatos por não comparecer mais aos debates.
O primeiro turno das eleições, realizado no dia de 7 de outubro, dava
a vitória de Bolsonaro com 46% dos votos, porcentagem ainda
insuficiente para garantir sua eleição. Ele disputaria o segundo turno
com Fernando Haddad, do PT, que havia recebido 29% dos votos.

29
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

Entre os eleitores de Bolsonaro, há muita crítica e desconfiança em


relação ao processo eleitoral realizado através das urnas eletrônicas,
pois elas seriam passíveis de fraude e não há transparência suficiente
na apuração. E todas essas críticas vinham sendo feitas com muita
veemência por Olavo de Carvalho.
O segundo turno, realizado no dia 28 de outubro, ocorreu em meio
a muito suspense e nervosismo por parte de todo o povo brasileiro. As
pesquisas apontavam a vitória de Bolsonaro, o que teoricamente
deveria deixar seus eleitores mais tranquilos, mas havia muito medo,
justificado ou não, de que os adversários pudessem fraudar as urnas.
Afinal, eles eram capazes de tudo. Entre a esquerda havia, apesar do
desânimo de alguns, esperança entre outros de que o candidato petista
pudesse, na última hora, conseguir uma vitória. Pois parecia mesmo
inacreditável que os brasileiros estivessem prestes a eleger para
presidente um candidato tão retrógrado e obscurantista.
No final do dia todos estavam muito tensos e atentos, aguardando o
resultado das apurações ser anunciado. Quando finalmente apareceu,
ficou claro que as pesquisas, pelo menos na reta final, não mentiam,
que as suspeitas de fraude eram exageradas e que o eleitor brasileiro
havia mesmo decidido dar uma guinada de 180 graus em relação aos
rumos do país. Jair Bolsonaro foi eleito com 55% dos votos, contra 45%
de Fernando Haddad.
As eleições de 2018 marcavam uma vitória incontestável para a
direita conservadora, que havia conseguido não apenas eleger seu
presidente, mas também fazer ganhos massivos no congresso, com o
PSL, partido de Bolsonaro, saltando do status de partido nanico a uma
das maiores forças. Muitos governadores vencem as eleições em seus
Estados com um discurso alinhado ao de Bolsonaro, como Wilson
Witzel no Rio de Janeiro. Em Minas Gerais, vence Romeu Zema, com
uma plataforma de grande defesa ao liberalismo econômico, e Dilma
Rousseff perde sua disputa por uma das vagas ao senado. Além da

30
Josué A. Ribeiro

esquerda, o PSDB também sofria uma grande derrota, encolhendo de


tamanho e apenas conseguindo eleger João Dória como governador em
São Paulo graças a uma aproximação maior dele com o discurso de
Bolsonaro.
A esquerda, desnorteada, acusava até mesmo os idosos apoiadores
de Bolsonaro, senhores e senhoras, de espalharem notícias falsas em
correntes pelo WhatsApp, o que acabou desequilibrando injustamente
a balança a favor do candidato conservador. Essas “notícias falsas”,
muitas das vezes, eram apenas coisas como explicações de como se
dava a tomada das instituições da sociedade por parte da esquerda
socialista, através da estratégia concebida por Antônio Gramsci de
ocupar todos os espaços, e como esse processo já estava avançado no
Brasil.
Ou seja, nada que Olavo de Carvalho já não tivesse denunciado anos
atrás. As ideias impopulares que o filósofo havia lançado já haviam se
tornado como seres vivos adultos e já caminhavam com suas próprias
pernas, mesmo que quem estivesse compartilhando a informação não
tivesse a menor ideia de quem fosse Olavo de Carvalho.
Um homem com esse histórico parece, de fato, acima de qualquer
questionamento. Devido a suas realizações, amplamente reconhecidas
por seus admiradores e até mesmo por muitos de seus críticos, ele
ganhou uma aura de infalibilidade e invencibilidade. Sozinho, ele
declarou guerra contra a incontestável e aparentemente invencível
hegemonia intelectual que a esquerda detinha, e venceu; e ele não teria
feito isso se não estivesse muito preparado. O olavismo cultural firmou-
se como uma das principais correntes intelectuais do Brasil, a despeito
de todo boicote da mídia e das universidades.
Quando comecei a manifestar algumas discordâncias em relação a
aspectos dessa filosofia, meus amigos conservadores me disseram que,
para questioná-lo, eu deveria ter o mesmo preparo e erudição que ele.
Afinal, apenas alguém que estudou todas as coisas que ele estudou

31
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

poderia ousar levantar questionamentos.


Olavo começou questionando o establishment em nome da sua
própria consciência individual, e acabou depois disso, se tornando o
próprio establishment. E este também tem seus defensores fanáticos,
que reagem com ataques raivosos a qualquer ideia que lhes seja
estranha ou heterodoxa, mesmo que essa ideia seja apenas um fruto do
exercício da consciência individual, algo que é tão defendido por Olavo.
Existiria, por acaso, o imbecil coletivo da direita?
Claro, Olavo é muito criticado por seus oponentes. Não sem motivo,
afinal ele é um polemista cuja metralhadora giratória atira para todos
os lados. E eu também estou consciente que não serei poupado, caso
esse meu trabalho chegue ao conhecimento dele. Mas na maioria das
vezes, os críticos são verdadeiros inimigos ferozes, que não
reconhecem nele nada de bom e querem apenas destruí-lo de todas as
formas. Às vezes se valem de estratégias bem pouco éticas, como:
acusações falsas, invasão da privacidade, ou tentar convencer o público
que ele não é cristão, e sim um islâmico infiltrado.
Quanto a mim, como tantos outros brasileiros, estou muito grato a
ele por ter sido, conforme ele mesmo se definiu, o "parteiro" da direita
brasileira, pois antes dele havia uma total hegemonia esquerdista que
era uma coisa realmente medonha e detestável. Então, a minha crítica
não é com o intuito de destruí-lo, apenas de fazer uma separação entre
o que há de bom e o que há de ruim dentro dessa nova corrente
filosófica que ele iniciou, que eu estou chamando de olavismo.
Pois tendo eu sido olavista por muitos anos, sei que existe dentro
dessa corrente uma certa ortodoxia informal, até porque todos sabem
que Olavo não gosta de ser contrariado, e às vezes reage com fúria
quando isso acontece, mesmo que a discordância seja pequena. Outros
críticos que já observaram isso dizem que o olavismo, como movimento
intelectual, mais parece uma seita religiosa. Quanto a mim, não vou tão
longe a ponto de classificar o movimento de forma tão depreciativa,

32
Josué A. Ribeiro

mas admito que tais críticos têm alguma razão no que dizem.
Pois Olavo, de fato, formou e forma muitos intelectuais. Mas
imaginamos que um bom intelectual deve se abrir para todos os
pensamentos, e o próprio Olavo fez isso, pois estudou muitos
pensadores e bebeu das mais diversas fontes. Então, não seria normal
pensar que qualquer intelectual, mesmo um que seja formado por ele,
precisa se aventurar a possibilidade de estudar autores que ele nunca
indicou, e de chegar a conclusões diferentes das que ele chegou?
Quanto a pergunta: Olavo sempre tem razão? A minha resposta é
que, na minha opinião, ele tem razão em muitas coisas, mas está muito
longe de estar certo em tudo. Um homem com um dos intelectos mais
poderosos que eu já vi, mas também com uma inteligência emocional
que é, em muitos casos, minúscula. Muito inteligente, porém muito
distante do que eu considero ser uma pessoa sábia. Peço ao leitor que
me perdoe por meus sentimentos ambíguos em relação a ele. Pois de
minha parte, ele merece tanto grandes elogios quanto fortes críticas. E
talvez alguns vejam isso como uma incoerência. Mas é o que sinto
realmente, e estou sendo sincero.
Conforme já foi dito, meus questionamentos não são exatamente os
de um filósofo, mas somente os de uma pessoa comum exercendo sua
livre consciência, já que a atmosfera do olavismo cultural, com a qual
estou tão familiarizado, não deixa de ser, por vezes, enormemente
estafante.

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

CAPÍTULO 2

Olavo de Carvalho e a defesa da tradição.


Ou: O mundo moderno é assim tão ruim?

Olavo de Carvalho é o maior intelectual brasileiro da atualidade;


disso, não restam dúvidas. Mas, como questionador das narrativas
esquerdistas e ferrenho defensor do cristianismo, ele às vezes parece ir
um pouco longe demais. Seria possível que a esquerda fosse capaz de
falsificar tanto a história real a ponto de criar uma história oficial
totalmente fictícia e oposta aos fatos? Não de acordo com o ex agente
comunista e desertor Ion Mihai Pacepa, especialista no assunto da
desinformação e autor do livro de mesmo nome, e muitos outros
estudiosos, para os quais toda mentira, para ser boa e convincente,
precisa ter, pelo menos, alguma parte que seja verdadeira.
OIavo, em um de seus artigos encontrados na Internet intitulado
“Santo Tomás, a vaca voadora e nós”, diz: “Não há estudioso sério que
hoje possa contestar a afirmação de Schelling, segundo a qual a
transição da filosofia medieval para a atmosfera moderna inaugurada
por Descartes assinala a queda do pensamento filosófico para um nível
pueril.”
Professor Olavo, devemos crer que a atmosfera moderna
inaugurada por Descartes foi um erro, um desvio que não deveria ter
acontecido e pareceria uma bobagem para qualquer filósofo medieval?
Então por que, afinal, inaugurou uma nova era? Não havia algo de
inovador e interessante naquelas novas ideias?
Olavo nos alerta que nem todas as revelações bíblicas são
autoevidentes e que só devem ser aceitas em função da credibilidade

34
Josué A. Ribeiro

daquele que as fez, no caso, Cristo. Seguindo esse mesmo raciocínio,


não seria o racionalismo de Descartes interessante e atrativo às pessoas
da época justamente por que propunha lançar a dúvida sistemática
sobre tudo, até mesmo sobre os dogmas e verdades da Igreja?
Olavo explica que até Santo Tomás de Aquino, o homem ocidental
tinha uma perspectiva de abertura para a transcendência e, com o
advento do pensamento moderno, isso acabou e essa via se fechou, o
que acabou gerando uma grande queda no horizonte de consciência da
população.
O professor pode ter razão nisso, mas não seria essa quebra com o
pensamento medieval algo realmente necessário, já que a ordem social
medieval estava muito longe de ser um ambiente de liberdade de
crença e pensamento?
Ele prossegue: “Descartes, malgrado sua alegação de aprendizado
escolástico, recai em erros lógicos primários que nenhum estudante
medieval cometeria, como o de não perceber que uma noção puntual do
ego pensante é um conceito abstrato e não uma intuição direta.”
Longe de mim ter conhecimento filosófico o suficiente para rebater
essa afirmação do professor. Portanto, se ele diz que Descartes cometia
um erro elementar nas bases de sua filosofia, deve ser verdade. Mas há
uma pergunta: por que nenhum dos intelectuais contrários a
Descartes, que com certeza estavam presentes na época dele, fez uma
refutação filosófica que um simples estudante medieval teria sido capaz
de fazer? Se ele tivesse sido desacreditado logo no início, seria lógico
supor que não teria causado uma ruptura com o modelo anterior.
De qualquer forma, em 1667, a Igreja Católica coloca os livros de
Descartes no Index, a lista de livros proibidos. Bela forma de combater
uma ideia contrária, não? Por que não refutar ou debater, ao invés de
recorrer a esse expediente?
Olavo também afirma que “nenhum historiador profissional do

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

mundo aceita hoje a lenda setecentista que deprecia a Idade Média como
“Idade das Trevas”, mas ela continua firmemente arraigada no credo
universitário brasileiro.”
De fato, a Idade Média, que foi um período que durou
aproximadamente mil anos, apesar de ter sido, a princípio, uma
ruptura traumática com a Antiguidade e toda sua cultura e
conhecimento, não foi totalmente carente de inovações técnicas. Houve
avanços importantes na tecnologia agrícola, artes, literatura,
arquitetura e outras áreas culturais. E também, é claro, não há motivos
para negar os méritos da filosofia medieval e considerá-la totalmente
superada.
Mas também, não é possível negar, e acredito também que nenhum
historiador profissional do mundo faça isso, que na Idade Média a
Igreja Católica era a instituição mais poderosa que existia. Numa época
em que a riqueza era medida pela quantidade de terras, ela chegou a
ser proprietária de quase dois terços das terras da Europa Ocidental. E
ela usava todo esse poder que tinha não apenas para construir belas
catedrais, mas também para perseguir, censurar, matar e praticar toda
sorte de atrocidades. E no Oriente, a Igreja Ortodoxa fez a mesma coisa.
Gostaria de ver Olavo falar algo mais profundo a respeito desse
assunto, já que muitas das pessoas influenciadas por ele assumem uma
perspectiva de total defesa da Igreja, como se ela nunca tivesse feito
nada de errado, e como se toda a historiografia oficial sobre esse tema
fosse absolutamente caluniosa, feita para colocar a Igreja em
descrédito. Quais são as provas de que existe realmente essa
conspiração?
Olavo se apoia em estudiosos que fazem essa defesa incondicional
da Igreja em todos os aspectos, inclusive os mais controversos. Como
Rodney Stark, um sociólogo da religião americano e professor
universitário. Mas quais são as provas de que esses estudiosos é que
estão corretos, e todos os demais mentem? Por que a mentira? Por que

36
Josué A. Ribeiro

apenas a opinião desses autores deve ser levada em conta, e toda a


versão oficial, que parece bastante sólida em documentações e
evidências históricas, deve ser desprezada? Estaria o próprio Papa
enganado quando pediu desculpas, em nome da Igreja, levando em
conta a versão oficial?
As pessoas que compram os livros de Rodney Stark não estariam
procurando por algo ou alguém que confirmasse a elas aquilo que elas
mesmas já estavam predispostas a acreditar? Algo que se encaixasse
com suas visões de mundo, seus valores e suas mais caras devoções?
Os estudiosos usam o termo “viés de confirmação” para descrever essa
tendência, bastante natural a nós, seres humanos. Mas aquele que
busca apenas a confirmação de suas crenças, raramente busca a
verdade. E considerando que Olavo diz que submete todas as suas
ideias a grande escrutínio antes de adotá-las como suas, fico me
perguntando onde, nesse caso, o escrutínio falhou.
A Reforma Protestante talvez tenha sido o primeiro acontecimento
que quebrou a hegemonia da Igreja Católica. Mas isso também gerou
guerras terríveis que mataram milhões de pessoas, como a Guerra dos
30 anos, cujas estimativas de perda populacional chegam até a metade
da população da Europa Central. Em muitas partes da Alemanha, nem
mesmo a II Guerra Mundial teve efeitos tão devastadores.
Os protestantes acusam a Igreja Católica, mas se isentam de culpa,
como se eles mesmos não tivessem praticado intolerância,
perseguições e atrocidades. Como se não tivessem feito a sua própria
Inquisição, que foi até mais cruel que a dos católicos, e promovido
também caça às bruxas.
Olavo afirma que a Inquisição foi um avanço na medida em que
primeiro estabelecia um inquérito para apenas depois chegar a
conclusões sobre se havia ou não havia culpa nos denunciados. Ótimo,
mas eu ainda prefiro viver numa época em que ninguém é denunciado
por motivo de bruxaria, heresia, pacto com o diabo, ou até mesmo,

37
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

sodomia – até porque tais acusações, obviamente, jamais podiam ser


provadas, e na prática levaram a muitos abusos, como por exemplo, a
acusação e posterior massacre dos cavaleiros da Ordem dos
Templários, uma das grandes atrocidades da Idade Média, levada a
cabo pelo rei da França, Filipe o Belo, com apoio do Papa Clemente V.
Não seria a modernidade, com as fundamentais bases e suportes da
filosofia moderna, a responsável, pelo menos no Ocidente, por fazer
com que as pessoas não mais se matassem umas às outras por motivos
religiosos? É claro que isso foi um processo bastante gradual, mas, se
o poder da Igreja nunca houvesse sido questionado, ela não estaria até
hoje queimando bruxas e hereges na fogueira, proibindo livros,
declarando guerras santas e cometendo crueldades e arbitrariedades
das mais diversas? O que a faria mudar seus modos de ação, que foram
mantidos por tantos séculos, se não a oposição de alguma outra força,
no caso, a modernidade?
Conforme nos informa o Livro Negro do Cristianismo, a Idade Média
cristã foi um período de intensa intolerância religiosa. Aqueles que,
mesmo motivados pelos mais puros ideais cristãos, rejeitavam a
autoridade eclesiástica, eram brutalmente perseguidos, com os nobres
e clérigos se organizando para exterminar habitantes de regiões
inteiras.
Ainda segundo informações desse livro, muitas pessoas foram
torturadas e assassinadas de formas horrendas apenas por terem
apoiado teses como a de que Jesus e os apóstolos não possuíam bens
materiais. O mero fato de ter uma bíblia em casa já era suficiente para
levantar suspeitas de ser um inimigo da Igreja. Se essa bíblia fosse
traduzida e não tivesse autorização, a condenação por heresia era certa.
Quando foi questionado a respeito desse livro por um ouvinte, Olavo
disse que não havia lido, mas que mesmo assim, podia apostar que se
tratava de propaganda enganosa. Ficou alterado e manifestou muita
irritação, dizendo que está farto de denunciar e ver que essas coisas

38
Josué A. Ribeiro

passam impunes. Sugere até acionar judicialmente os autores, depois,


cobra uma reação dos cardeais e bispos, e diz que só não reagem
porque são comunistas e inimigos infiltrados na Igreja. Mesmo sem ter
lido o livro, diz que os autores mentem com um cinismo ilimitado 5.
Como assim, Olavo? Para escrever esse livro, os autores
pesquisaram e utilizaram de farta documentação. Gostaria realmente
de ver você, professor Olavo, se posicionar de forma mais madura
sobre esse assunto. Se quer provar que os autores mentem, pelo menos
leia o livro e aponte quais são as mentiras, e prove, porque apenas a
sua indignação não é prova de nada. E aliás, você critica muito esse tipo
de comportamento, quando parte de professores esquerdistas. Por que
então age da mesma forma? 6
E como você mesmo disse, nem mesmo os cardeais e bispos estão
muito preocupados. Porque então você toma partido da Igreja dessa
forma tão extremada? Os cardeais e bispos são todos comunistas? Até
onde eu sei, os leigos deveriam respeitar a hierarquia da Igreja. Ou
então, mudarem de religião. O que me parece é que essa Igreja que o
senhor defende é uma que você idealiza, e não a que existe de fato. A
Igreja Católica do Olavo é uma que só existe dentro da cabeça do
próprio Olavo, e nessa Igreja, ele é a autoridade suprema.
Alguns dos meus colegas conservadores, profundamente religiosos,
não reconhecem que a Igreja Católica tenha cometido crimes, fato que,
conforme mencionei anteriormente, foi reconhecido até pelo papa João
Paulo II, que pediu perdão pelos “pecados” da Igreja. Se até o Papa
reconheceu esses “pecados”, é claro que os leigos também teriam que
reconhecer, sob pena de estarem caindo em fanatismo religioso. O dito

5
Esse vídeo em que o professor se manifesta sobre esse tema encontra-se no youtube e
é intitulado “Olavo de Carvalho faz alguns comentários sobre o livro negro do capitalismo, e
mais...”
6
Confira no youtube, no vídeo “Olavo responde a um professor comunista.”

39
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

popular de ser mais católico que o próprio Papa já é verdadeiro em


muitos casos.
O cristianismo, de fato, possui valores muito nobres e que devem
ser defendidos por todos os seres humanos decentes, como: a caridade,
o amor, o respeito, o decoro, a honestidade e a virtude. E muitos
cristãos ao longo da história, tornaram-se notáveis pela profusão das
grandes e belas virtudes que exibiam. Em momentos difíceis, eles
arriscavam suas próprias vidas para proteger seus companheiros, seus
irmãos e seus semelhantes e mesmo pessoas completamente
desconhecidas. Mas pretender que os cristãos, mesmo cristãos devotos
(e talvez, principalmente, eles) jamais tenham cometido crimes, é como
tapar o sol com a peneira.
E mesmo no Livro Negro do Cristianismo, os autores fazem a
mesma consideração nos parágrafos iniciais. Quando mencionamos
esse tema, bastante indigesto no meio conservador, dos crimes
cometidos pelo cristianismo ao longo da história, não quer dizer com
isso que estamos defendendo satanismo, degradação moral, indecência
ou qualquer coisa contrária ao bem e à virtude. Estamos,
simplesmente, nos reportando a fatos historicamente documentados.
O cristianismo parece realmente ter tido algum valor pedagógico.
Na Roma pagã, apesar de haver liberdade religiosa, reinava uma
grande imoralidade, onde boa parte da população se regozijava nas
arenas vendo espetáculos em que outros seres humanos eram
torturados e brutalmente mortos. Isso, enquanto comiam até vomitar
ou faziam sexo com jovens pré-púberes nas arquibancadas. O
cristianismo pode ter dado um fim a esse tipo atrocidades cometidas
em nome do puro deleite e diversão, apesar de ter iniciado uma nova
era de atrocidades cometidas em nome de Deus.
Mas os cristãos olavistas assumem como propriedade de sua religião
tudo que é bom e virtuoso; o verdadeiro, o justo, o belo, o sublime, o
bem supremo. Segundo eles, antes do cristianismo eram as trevas, e foi

40
Josué A. Ribeiro

unicamente o cristianismo, personificado em Jesus Cristo, que trouxe


valores nobres para a humanidade.
Será que toda a defesa de valores humanos tem que ser feita sempre
em nome da fé cristã? Antes do cristianismo ter surgido não havia
virtude e não havia ninguém virtuoso? O que dizer de filósofos como
Sócrates, Platão, Aristóteles, Sêneca e toda a filosofia dos antigos
estoicos, tão semelhante, em muitos aspectos, ao que os cristãos
defendem?
Os japoneses, como povo, são diligentes, responsáveis e educados. É
um país onde o grande empresário almoça no restaurante na mesa ao
lado do trabalhador, e as crianças, não importa a classe social, são desde
cedo ensinadas a lavar os próprios banheiros. Certamente, os japoneses
também têm seus desafios que devem enfrentar para o futuro, como o
alto número de suicídios de jovens e a baixa taxa de natalidade. Mas
sim, é um país que tem grandes qualidades e um povo admirável.
Então, você deveria pensar que isso se deve ao fato de ser um país
cristão. Mas qual a porcentagem de cristãos entre a população
japonesa? No Japão, ao longo de toda a sua história, nunca houve uma
porcentagem significativa de cristãos entre sua população. Hoje,
apenas 2,3% dos japoneses se identificam como cristãos.
Por que a sociedade japonesa funciona bem, apesar da ausência
quase completa de cristianismo ou de influência cristã, a exemplo de
outras sociedades ao redor do mundo? Não seria lógico supor que isso
se dá porque os valores éticos e morais não são propriedade dessa ou
daquela religião, dessa ou daquela cultura, desse ou daquele povo, mas,
sim, valores humanos? E que todo ser humano dotado de uma
consciência entende muito bem o que é o bem e o que é o mal, sem
precisar ter uma religião para fazer essa distinção?
Aliás, alguns experimentos parecem provar que mesmo entre
animais ditos irracionais, como os lobos e os macacos, há
comportamentos éticos e não éticos, condutas nobres e altruístas e

41
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

outras vis e pouco nobres, mostrando que até entre eles existe uma
noção de bem e mal. Muitos cristãos conservadores, por outro lado,
dizem que os animais são governados apenas pelo instinto, que é,
portanto, impossível que tenham sentimentos de verdadeira amizade e
lealdade. E também defendem, é claro, que eles não possuem nenhuma
alma que sobreviva à morte de seus corpos físicos, sendo esse um
privilégio dado apenas aos seres humanos que foram feitos à imagem
e semelhança de Deus.
Sobre o tal apego a valores pré-modernos, vou contar uma história
que é sintomática. Há um tempo atrás, vi um grupo de defesa da
tradição em uma rede social defendendo nada menos do que a invasão
de Israel pelos exércitos cristãos para fazer os impiedosos judeus
aceitarem Jesus Cristo a força. Afinal, os lugares santos onde Jesus
nasceu, pregou seu ministério e morreu, estão todos localizados em
Israel; são propriedade dos cristãos, e não dos judeus. Deveriam então
invadir e conquistar a Terra Santa, bem como fizeram os valorosos
cruzados, eles sim que eram um perfeito modelo de correção, coragem,
virtude e fé, e não esses homens frouxos e afeminados de hoje.
A publicação tinha muitas reações, com vários comentários
apoiando o autor da postagem, e ninguém parecia se dar conta que
aquilo era uma insanidade completa. Como se alguém realmente em
seu íntimo acreditasse naquelas coisas. Como se a vida real fosse um
imenso jogo de RPG. Como se as vidas humanas e perdas materiais
nada importassem; o que importa é somente a glória de Cristo.
É claro que, na vida real, os exércitos cruzados praticaram
atrocidades inomináveis, mas existe hoje essa moda, em alguns círculos
conservadores, de achar que eles eram apenas valorosos guerreiros e
heróis da fé.
Também já testemunhei nas redes sociais alguns religiosos repletos
de uma ira absurda, desencadeada pelos motivos mais fúteis, xingando
e ofendendo pessoas das piores maneiras apenas porque elas fizeram

42
Josué A. Ribeiro

alguma crítica a Igreja ou ao clero. Provavelmente, são pessoas que


receberam uma má influência de Olavo. É como aquele torcedor de
time de futebol que, quando alguém diz que o time dele é feio, reage
com uma violenta e inesperada agressão física. Onde foi parar o senso
das proporções, tão defendido por Olavo? E onde foi parar o
mandamento do Cristo: "amai-vos uns aos outros como eu vos amei"?
Isso parece ser efeito de uma revolta contra o mundo moderno. É
um mundo onde tudo é descartável. Onde algumas pessoas trocam de
parceiros sexuais como quem troca de roupa, onde muitos são fúteis e
superficiais, onde existem disparates como defender-se o direito de
matar bebês recém-nascidos como parte dos direitos reprodutivos da
mulher, onde uma sinfonia de Bach ou Beethoven está em pé de
igualdade com uma batida de funk carioca, e onde a música e a cultura
consumidas pela maioria das pessoas são extremamente estúpidas e
vulgares. Onde você é valorizado não por aquilo que é, mas pelo que
possui ou aparenta ser. Tudo isso pode causar revolta e ira em qualquer
um que tenha apreço por valores mais elevados.
Mas, retornar a era da intolerância e das perseguições religiosas, das
guerras santas, da submissão das mulheres, da imposição de crenças
como verdades absolutas, da perseguição aos feiticeiros, bruxas,
hereges, gays e minorias, e da proibição do livre pensamento e livre
expressão, não são soluções aceitáveis.
Olavo de Carvalho já afirmou que não defende essas coisas, e já
alertou seus discípulos a não embarcarem por esse caminho. Mas sua
crítica ácida à modernidade, e uma defesa exacerbada da tradição, de
uma espécie de passado glorioso, belo e moral, em oposição a uma
modernidade degenerada e corrupta, pode muito bem fazer alguns
incautos seguirem por essa trilha. E sobretudo, o exemplo que Olavo
dá ao usar uma retórica tão inflamada para atacar pessoas com visões
opostas às dele.
Sim, concordo com Olavo que vigaristas devem ser denunciados.

43
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

Mas será que qualquer pessoa que defenda um ponto de vista com o
qual ele não está de acordo, é um vigarista? Será que ele, por mais que
tenha preparo e estudo, tem o direito de se considerar o dono da
verdade, e atacar com a fúria de um anjo vingador qualquer um que
tenha uma posição diferente? Ele deveria saber que é melhor tomar
cuidado, pois se você abusa muito do expediente de rotular todos os
seus rivais de vigaristas, as pessoas podem começar a desconfiar que o
vigarista é você.
E através de seu exemplo, Olavo parece ter estimulado uma nova
onda, em que algumas pessoas colocam a si mesmas como medida de
todas as coisas boas e justas, e passam a fazer denúncias moralistas,
em um tom de profunda ira e reprovação, contra aqueles que se
desviam do que, na cabeça deles, é a mais pura e autoevidente conduta
moral. E se existe outra pessoa que discorde, as brigas se tornam
terríveis, pois em toda sua indignação moral, elas não estão dispostas
a ceder nem um milímetro de razão para a outra pessoa, e então os
ataques verbais e os insultos, de parte a parte, descem ao nível do
esgoto.
O caso do youtuber Nando Moura, que foi conhecido (não sei se
ainda é) como o maior canal no youtube da direita conservadora no
mundo, que de uma hora para a outra, passou de apoiador
incondicional de Bolsonaro a crítico feroz, enxergando-o como um
grande traidor e parte de um sistema corrupto, e então passou a atacá-
lo com grande virulência e indignação moral, é um bom exemplo. E
claro que os apoiadores do presidente ficaram indignados, então surgiu
essa briga. E Nando Moura, acreditando ter mais razão que eles, passou
a falar em nome da mais pura e óbvia lógica matemática de que 2 + 2
= 4, e xingar inscritos que até ontem eram seus seguidores fiéis. (Eu
também costumava ser inscrito no canal de Nando, eu também
protestei em sua comunidade, e também fui xingado pelo próprio
Nando. Quanta honra!)

44
Josué A. Ribeiro

Nesse caso específico, é claro que Nando Moura não tem razão, e os
apoiadores do presidente têm toda a razão ao ficarem indignados com
ele. Mas Nando Moura apenas assimilou o estilo de Olavo de fazer
acusações indignadas contra aqueles contra os quais tenha alguma
discordância. E a discordância dele com Bolsonaro, que deveria ser
apenas algo pequeno e pontual, acabou se tornando para ele algo
semelhante a uma imperdoável traição, da qual ele era o heroico e
destemido denunciante. E claro que, nesse caso, surgem suspeitas de
que ele tenha obtido algum favorecimento para mudar de lado.
Esse tipo de intolerância e intransigência para com o próximo
parece mesmo algo mais ligado a épocas passadas, em que a vida era
vivida com grande brutalidade. E se alguém fazia algo que o outro não
gostava, já era motivo para cortar-lhe a cabeça com um golpe de
espada. E parece que estamos retornando a uma certa intolerância. Não
mais damos golpes de espada, mas usamos nossas palavras como
armas destinadas a matar a dignidade e a reputação do outro. E no caso
de Nando Moura, tendo uma audiência tão grande, suas palavras são
armas bem poderosas.
Olavo de Carvalho, é claro, repudiou Nando Moura por sua nova
postura. Mas Nando Moura apenas aprendeu os métodos de Olavo, e
os usou de uma forma inesperada.
Claro que, hoje em dia, com os poucos filhos que são gerados pelas
famílias e tratados como se fossem reis e rainhas, esse tipo de atitude
intolerante e narcisista está aumentando entre os jovens. No caso de
Olavo, parece ter ensinado muitos adultos a se comportarem também
dessa maneira.
Em relação ao fato de as pessoas estarem tendo poucos filhos, não
as critico, afinal, todos sabem como o mundo está complicado e como
é complicado criar um filho. Talvez os pais pudessem ensinar a seus
filhos que, fora de seus lares, num mundo cheio de competição, malícia
e maldade, eles precisam se acostumar com a ideia de que serão

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

tratados com muito mais dureza e severidade. E certamente, poderiam


começar a aprender isso desde cedo.
O mundo moderno precisa ser corrigido sim, em inúmeras coisas. E
nem sempre ele está apenas melhorando. Em certos aspectos, ele pode
piorar muito em relação ao que era há até pouco tempo. Mas é uma
coisa bem óbvia dizer que estamos bem melhor hoje do que estávamos
na Idade Média. Basta lembrar que, naquela época, houve uma peste
tão terrível que, em questão de um ano, matou um terço de toda a
população da Europa.
Sempre haverá problemas no mundo. Claro, devemos aprender com
o passado e resgatar nele coisas que eram nobres, e corrigir em nossa
sociedade aspectos que antes iam bem e hoje estão indo mal. Mas
devemos olhar pra frente também, e nada justifica lutar contra o fato
de que no passado ocorreram atrocidades terríveis praticadas em nome
de Cristo. Sim, cristãos fizeram isso. Não são apenas os comunistas que
cometem atrocidades. E aliás, se você é alguém que luta pela verdade,
deve respeitá-la como ela é, e não querer recriá-la a sua imagem e
semelhança.

46
Josué A. Ribeiro

CAPÍTULO 3

Contradições cristãs,
ou: As fragilidades da rocha

Tendo já levantado, no capítulo anterior, a discussão sobre o


passado de crimes e atrocidades do cristianismo, gostaria de focar
agora em outro aspecto: como as escrituras, o edifício em que assenta
toda a religião cristã, estão cheias de absurdos e contradições, e como
a bíblia é maleável o suficiente para ser usada para significar
praticamente qualquer coisa que seu pregador queira.
Em sua versão mais difundida, o cristianismo é apresentado como
um caminho de regras morais extremamente rígidas, e também como
o único caminho que leva até Deus, estando todas as demais religiões
erradas. E aquele que for persistente no erro não terá a salvação de sua
alma, e receberá em troca a justa paga por sua iniquidade, que é a
eternidade no inferno. (Ou, segundo alguns, não há realmente um
inferno. A alma é “apenas” destruída...)
Ou seja, um indiano que viva segundo regras morais bastante
nobres, busca fazer o bem e vive com menos de dois dólares por dia,
vai para o inferno porque reza ao Deus Shiva agradecendo pelas boas
fortunas e pedindo bênção e proteção, mas ignora que Nosso Senhor
Jesus Cristo tenha morrido na cruz do calvário para que todos que nele
acreditassem pudessem ser salvos.
Conforme dito no capítulo anterior, Olavo é um grande defensor da
fé e da tradição cristã, mas ele desaconselha seus seguidores a seguirem
a moral católica à risca. Em um de seus célebres vídeos na internet,
“Perder as ilusões sobre esta vida”, quando perguntado por um ouvinte

47
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

de onde ele tirava tanta força para trombetear pensamentos tão


perigosos, ele diz que primeiro você tem que perder as ilusões com essa
vida, pois somente quando você entende que serve a algo muito maior
do que si mesmo, você é capaz de realmente fazer uma diferença. Mas,
para isso, você deve estar disposto a abrir mão de dinheiro, mulheres,
cargos e até da própria vida, se necessário. Nisso não há nenhuma
hipocrisia; ele não teria feito tanto se não tivesse aplicado essa regra a
si próprio.
E, falando a seu ouvinte, ele explica fazendo uma analogia com a
doutrina da Igreja, elencando como os obstáculos para o homem atingir
seu máximo potencial os três inimigos da alma: o mundo, o diabo e a
carne. Até aí sua fala é bastante lógica e coerente, mas, depois, ele diz
algo que entra em claro choque com a doutrina católica que ele
defende: “Quando eu falo isso, eu não quero dizer que você tem que ser
santinho. Não! Você vai fazer um monte de pecados. Todo mundo faz.
O segredo é ter inteligência para você mesmo não deixar se enganar pelo
que você está fazendo.”
Mas o fato é que a Igreja não tem realmente nenhuma regra que
prevê que o fiel, mesmo que esteja colocando tudo em risco para
defender a Cristo ou à própria instituição, tem o direito de se isentar
de culpa no caso de cometer um pecado grave. Nem que ele pode deixar
se enganar pelo que ele mesmo faz. Aliás, isso é coisa que o próprio
senso comum também diz, não?
E por que Olavo usa um termo pejorativo, "santinho", para se referir
aos católicos que seguem fielmente a doutrina da Igreja, conforme a
própria Igreja ensina? Por acaso ele tem toda essa autoridade para
debochar do ensinamento da Igreja, ao mesmo tempo em que fala em
nome dela?
Parece que Olavo faz uma deturpação da doutrina para dar maior
liberdade ao fiel, ao mesmo tempo em que faz da luta contra a esquerda
uma luta a favor da Igreja e do próprio Cristo, como se isso tudo fosse

48
Josué A. Ribeiro

a mesma coisa. Assim, essa luta ideológica se torna uma espécie de


guerra santa.
Para combater a esquerda, cheia de fanatismo por parte de seus
militantes, talvez fosse mesmo necessário criar uma corrente
antagônica que fosse igualmente apaixonada por sua própria causa e
repudiasse a causa do adversário. Mas era realmente necessário ter
envolvido a religião nisso?
Claro que ele tem o direito de acreditar naquilo que ele quiser. Mas
se ele usasse uma pequeníssima fração de seu espírito crítico, tão
mordaz em relação às ideias modernas, com as ideias da Igreja, teria
evitado muita confusão e até fanatismo religioso por parte de pessoas
que são tão intensamente influenciadas por ele, e que o tem como
modelo máximo de inteligência e discernimento.
A Igreja que Olavo defende é bem parecida com a do Concílio
Vaticano I: rígida (mas nem tanto), conservadora e bastante
anticomunista. Assim, não deveria existir espaço nela para sacerdotes
com uma visão favorável à esquerda. Cardeais, bispos e demais
religiosos comunistas seriam, na verdade, traidores infiltrados,
tentando fazer a Igreja deixar de ser a manifestação de Cristo na Terra
e se tornar uma caixa de reverberação de ideias comunistas, como
sugeriu Antônio Gramsci.
Mas, apesar de essa visão da Igreja ser coerente com a tradição,
todos sabem que a Igreja de hoje nada tem a ver com aquela do Concílio
Vaticano I; tanto que a esquerda católica foi uma das maiores forças
que ajudou Lula a chegar no poder, e tanto que Bergoglio (Francisco) é
hoje o Papa.
Como admite o ex agente comunista dos tempos da guerra fria, Ion
Mihai Pacepa, em seu livro Desinformação, a esquerda católica foi
impulsionada pela KGB soviética que, percebendo a força e influência
dessa instituição junto às classes populares, resolveu usar de sua
própria influência para criar a Teologia da Libertação, que nada mais é

49
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

do que interpretar as escrituras sagradas de acordo com o viés


marxista.
Esse foi, como todos sabem, um plano extremamente bem-sucedido.
Mas é razoável pensar que não teria sido assim, caso a própria bíblia
não tivesse, em suas linhas, tantas passagens e ensinamentos
(atribuídos ao próprio Cristo) que parecem estar em total sintonia com
a visão socialista de mundo. Como, por exemplo, a passagem em que
Jesus manda um homem rico, que parecia sob todos os aspectos ser
bastante justo, devoto e fiel, vender todos os seus bens e distribuir aos
pobres, caso quisesse ser perfeito. O que sempre me chamou atenção
nessa passagem é a total frieza e falta de empatia que Jesus demonstra
por esse homem.
Apesar de que certos cristãos conservadores parecem achar que o
conservadorismo é uma doutrina política que deriva diretamente da
bíblia e dos ensinamentos de Jesus, o que eles fazem com passagens
como a parábola do filho pródigo? Ou a doutrina da não resistência ao
mal (perdoar sempre, virar a outra face)? Ou a ideia de que os ricos são
maus apenas por serem ricos, e os pobres são bons apenas por serem
pobres? (“Em verdade, vos digo: é mais fácil um camelo passar por um
buraco de uma agulha do que um rico entrar no céu”.)
Olavo menciona a encíclica papal da década de 50, que prevê
excomunhão automática para o fiel que aderir ao comunismo, em
diversas ocasiões. Mas, como a Igreja não buscou reforçar sua própria
lei, e ao invés disso, nomeou como membros do clero inúmeros
sacerdotes esquerdistas ou simpatizantes da esquerda, a encíclica se
tornou, na prática, letra morta. Qual é o verdadeiro catolicismo, o da
década de 50 ou o atual do Papa Francisco? E quem dá a palavra final
sobre isso?
Olavo culpa unicamente os comunistas pela ocupação de espaços
que fizeram na Igreja. Mas será que a própria Igreja não poderia ter
criado mecanismos internos que tivessem impedido que tal ocupação

50
Josué A. Ribeiro

acontecesse? Ou pelo menos, ser mais criteriosa com quem nomeava


para o sacerdócio? Nessa e em outras partes do discurso do filósofo, a
Igreja e os cristãos aparecem sempre como vítimas, e quase nunca (ou
nunca) como culpados.
As regras e recomendações do catecismo, que na teoria servem para
orientar a totalidade do rebanho, na prática são letra morta para a
ampla maioria dos fiéis, e nem por isso chega a ser um problema para
as autoridades da Igreja, tanto que esse assunto da moral raramente é
mencionado – e quando o é, são por membros do clero altamente
conservadores, como o padre Paulo Ricardo, amigo de Olavo e que já
participou de podcasts ao lado do filósofo.
E o próprio Olavo, mesmo sendo tão defensor da Igreja Católica,
quando diz que “todo mundo faz um monte de pecados” não estaria,
na prática, confirmando que o ensino moral da Igreja só tem valor
enquanto um ideal, mas que é na prática inalcançável? Acaba apenas
fazendo os fiéis talvez se sentirem culpados por pecados contra a moral,
como masturbação ou fornicação. Dependendo de quão praticante for
o católico, se ele cometer esses pecados irá procurar um padre para se
confessar, apesar de teoricamente isso ser obrigatório, para que não
seja feita a comunhão de forma indigna.
Na prática a Igreja Católica tem inúmeras leis que ninguém fiscaliza
e ninguém controla. Apesar da aparente rigidez e severidade, é uma
espécie de terra de ninguém espiritual. Quanto aos protestantes
evangélicos, são milhares de denominações distintas, cada uma
apresentando seu enfoque particular sobre qual é a mensagem
universal de Jesus Cristo para a salvação de todos os povos.
Muitos cristãos seguem a doutrina da Igreja de forma integral,
abstendo-se de masturbação e guardando-se virgens até o casamento,
que aliás, deve ser único e indissolúvel. (E até onde eu sei, Olavo não
seguiu esse preceito, o que faria dele, para a doutrina conservadora da
Igreja, indigno de receber a Eucaristia). E se, por acaso, acontece de

51
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

violarem esses princípios, ou tantos outros que vêm acompanhados


destes, são tomados por uma terrível e angustiante sensação de culpa,
como se Deus estivesse mesmo muito preocupado com assuntos tão
relevantes.
E apesar de Olavo usar de sua influência e poder de persuasão para
defender o cristianismo, ele também sofre crítica por parte de católicos
que são mais firmemente apegados à moral. Eles o condenam não
apenas por ele fazer vista grossa para os pecados que vão contra a
moral, mas também pelo uso de palavrões, coisas que ao ver deles são
sujas e imorais, e não deveriam jamais sair da boca de um verdadeiro
santo.
Para eles, o fiel deveria renunciar a todos os prazeres e
entretenimentos mundanos. Em compensação, ele pode (e deve) ler a
bíblia, rezar, confessar a Cristo, confessar seus pecados, estudar a vida
dos santos, ser santo, ouvir músicas santas, respeitar os dias santos, ter
pensamentos santos, praticar caridade, obedecer aos pais, pagar todo
o imposto devido, ser respeitoso, ser obediente, ser humilde, ser
manso, servir de exemplo, ser compassivo... a lista parece não acabar
mais.
E eles acreditam que as demais pessoas que não aceitam o governo
de Cristo em suas vidas e não se submetem a essas mesmas regras são
rebeldes contra Deus, e que essas pessoas serão punidas por Ele depois
de terem encerrado sua jornada na Terra. Por sua rebelião, serão
jogadas no lago de fogo que arde com enxofre, e atormentadas dia e
noite pelos séculos dos séculos, junto com o diabo e seus anjos. Isso faz
com que se tornem verdadeiros moralistas, cheios de julgamentos em
relação a conduta alheia e se sentindo santos de Deus, apesar de a
soberba também ser um pecado.
E o mandamento de amar ao próximo como a si mesmo, por acaso,
só se aplica se o próximo também amar a Deus sob todas as coisas e se
submeter as regras da religião? Mas onde isso se encaixa com a

52
Josué A. Ribeiro

caridade cristã, que deveria ser universal? Olavo de Carvalho denuncia


a estimulação contraditória como uma arma de engenharia social
empregada pela esquerda, destinada a "quebrar as defesas psicológicas
do indivíduo e reduzi-lo a um estado de credulidade devota, no qual ele
aceita como naturais e certos os comandos mais absurdos, as opiniões
mais incongruentes7." Certo. Mas e quanto a religião? Se for seguida
com todo o zelo, empenho e fé, como nos exortam os pregadores e
líderes religiosos, também não faz exatamente isso?
Alguns cristãos acreditam que o próprio diabo e seus demônios
ficam encarregados de torturar eternamente os impenitentes, o que fez
parte de muito do imaginário cristão medieval. Mas se Deus quer que
essas pessoas sejam mesmo punidas, e se o diabo as pune, não estaria
então o diabo fazendo a vontade de Deus? Mas não é dito na bíblia que
o diabo é o opositor, aquele que se opõe a Deus de todas as formas?
Todas essas crenças e condutas estão baseadas na veracidade da
revelação divina, presente nas escrituras sagradas. Essa é a rocha na
qual todo cristão constrói seu edifício espiritual, e deveria ser um solo
firme resistente a todos os abalos e intempéries. Quando Olavo de
Carvalho se reporta a autoridade da Igreja, ele está também se
reportando a autoridade da revelação bíblica, já que o cristianismo só
existe em função dessa revelação. O cristianismo não é meramente um
código moral que existe independente do que foi revelado pelas
escrituras.
Portanto, cabe a pergunta: Essa revelação é realmente sólida a ponto
de não apresentar nenhuma contradição? Não e, de fato, inúmeras são
as contradições. Irei, a seguir, citar alguns exemplos. Note que essas
indagações nada têm de originais, e são feitas até mesmo por crianças
que frequentam as escolas bíblicas. Como todos sabemos, as crianças

7
Ele diz isso em seu artigo "Engenharia da Confusão", encontrado em seu site,
www.olavodecarvalho.org.

53
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

são muito sinceras, e até o próprio Cristo elevou a sabedoria e a


inocência dos infantes como critério necessário para entrar no Reino
dos Céus. Então, por que não faríamos isso?
Vamos começar com um paradoxo bíblico crucial. Nas escrituras é
profetizado que o Filho do Homem deverá sofrer muito para libertar o
homem da escravidão do pecado. Ele deverá ser brutalmente torturado,
escarnecido e sacrificado, porque essa era a vontade de Deus desde
antes da fundação do mundo. Claro, não vamos aqui questionar a
vontade de Deus, por mais estranha que ela nos pareça, afinal as
escrituras também dizem que a sabedoria de Deus é loucura para os
homens.
Mas apontemos apenas o homem que foi o responsável para que a
vontade de Deus se cumprisse: Judas Iscariotes, aquele ladrão invejoso
que traiu Jesus em troca de 30 moedas de prata. Se não fosse por Judas
ter entregue o salvador, teria ele morrido em nosso lugar enquanto
ainda éramos pecadores? Se ele não tivesse morrido da forma que
morreu, ainda assim seríamos salvos?
A “palavra de Deus” diz que tudo deveria ter acontecido exatamente
do jeito que aconteceu para que os planos de Deus para a humanidade
se realizassem. Então, não teria Judas sido, se não um herói, pelo
menos um homem predestinado e fundamental nos planos de Deus?
Ele podia ser um traidor sim, mas era um traidor necessário, e sua
traição foi, de certa forma, santa. Mas por que Deus se valeria de um
traidor para pôr em ação o seu plano de salvação para a humanidade?
Outra passagem do evangelho que sempre me intrigou desde
quando eu li pela primeira vez é a de João capítulo 5, dos versículos 2
ao 18. Essa passagem mostra muito bem como os cristãos coam o
mosquito e engolem o camelo, e aceitam as coisas mais absurdas por
puro temor de que, caso não o façam, estarão fazendo uma grave
afronta a Deus, ou trilhando a perigosa estrada que leva até o ateísmo
e a total descrença. Peço licença para transcrever na integralidade essa

54
Josué A. Ribeiro

passagem citada.
“Ora, existe ali, junto à Porta das Ovelhas, um tanque, chamado em
hebraico Betesda, o qual tem cinco pavilhões. Nestes, jazia uma
multidão de enfermos, cegos, coxos, paralíticos esperando que se
movesse a água. Porquanto um anjo descia em certo tempo, agitando-
a; e o primeiro que entrava no tanque, uma vez agitada a água, sarava
de qualquer doença que tivesse. Estava ali um homem enfermo havia
trinta e oito anos. Jesus, vendo-o deitado e sabendo que estava assim há
muito tempo, perguntou-lhe: Queres ser curado? Respondeu-lhe o
enfermo: Senhor, não tenho ninguém que me ponha no tanque, quando
a água é agitada; pois, enquanto eu vou, desce outro antes de mim.
Então, lhe disse Jesus: Levanta-te, toma o teu leito e anda.
Imediatamente, o homem se viu curado e, tomando o leito, pôs-se a
andar. E aquele dia era sábado. Por isso, disseram os judeus ao que fora
curado: Hoje é sábado e não te é lícito carregar o leito. Ao que ele lhes
respondeu: O mesmo que me curou me disse: Toma o teu leito e anda.
Perguntaram-lhe eles: Quem é o homem que te disse: Toma o teu leito
e anda? Mas o que fora curado não sabia quem era; porque Jesus se
havia retirado, por haver muita gente naquele lugar. Mais tarde, Jesus
o encontrou no templo e lhe disse: Olha que já estás curado; não peques
mais, para que não te suceda coisa pior. O homem retirou-se e disse aos
judeus que fora Jesus quem o havia curado. E os judeus perseguiam
Jesus porque fazia essas coisas no sábado. Mas ele lhes disse: Meu Pai
trabalha até agora e eu trabalho também. Por isso, pois, os judeus ainda
mais procuravam matá-lo, porque não somente violava o sábado, mas
também dizia que Deus era seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus.”
Para efeito de argumentação, vamos aceitar a premissa que Jesus
realmente fez todos os milagres incríveis que foram descritos ao longo
de todo evangelho. Afinal, não parece tão inverossímil que houvesse
realmente uma pessoa que caminhou entre nós que tivesse todos esses
dons espetaculares. Mas, então, devemos aceitar todo o resto. Todas as
histórias – inclusive a descrita no parágrafo anterior – são factuais. Mas

55
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

cabem alguns questionamentos.


Primeiro: O anjo era visível ou invisível? Se era visível, porque não
falaram a ele sobre o problema com o homem enfermo a longos trinta
e oito anos, para que fosse organizada uma fila para atender a todos os
doentes, cegos, coxos e paralíticos, de forma que ninguém ficasse de
fora nem tivesse que esperar por tanto tempo? Mas, se o anjo era
invisível, como sabiam que era um anjo? E será que ele não se cansava
de ficar fazendo sempre aquela mesma atividade, tão repetitiva e
enfadonha?
Segundo, se tudo que o homem precisava era de alguém que o
pusesse no tanque enquanto a água era agitada, então não era
necessário nem mesmo Jesus, com seus poderes miraculosos, para
curá-lo. Qualquer homem forte e saudável poderia lhe pôr no tanque
quando a água era agitada. E por que a cura desse enfermo específico
causou tanta revolta junto aos judeus, já que era um evento corriqueiro
o fato de alguém sempre sair curado quando o anjo agitava as águas,
qualquer que fosse o dia da semana?
Apesar de não dizer a periodicidade de tempo em que as águas eram
agitadas, a bíblia menciona que havia uma multidão de doentes
esperando. Nessa e noutras passagens do evangelho, aparece uma
imensa quantidade de enfermos, coxos, cegos, paralíticos e pessoas
com problemas semelhantes, que são curadas miraculosamente.
Estatisticamente, qual a probabilidade de haverem tantas pessoas com
esses problemas concentradas numa única região da época antiga?
E quanto a ressurreição de Cristo? Olavo afirma categoricamente
que se trata de um fato histórico, único e imutável, e isso supostamente
provaria que todos os demais relatos bíblicos são reais. Mas será que
ele, em seu íntimo, realmente acredita que esse dogma cristão tenha
sido um fato histórico tão real quanto a queda da Bastilha ou os
atentados de 11 de setembro? Onde então esse fato histórico aparece
narrado por historiadores ou testemunhas independentes? Aparece

56
Josué A. Ribeiro

somente na bíblia. A bíblia realmente narra fatos históricos?


Jesus ter aparecido a seus discípulos depois de morto é uma crença
dos cristãos, mas se fosse realmente um fato histórico universalmente
aceito, deveria ser aceito sem nenhuma controvérsia pelos judeus,
muçulmanos e pessoas de outras religiões. Como é, por exemplo, a
invasão e tomada de Roma pelos bárbaros. Algum historiador
profissional do mundo realmente concorda que a ressurreição de Cristo
seja um fato histórico registrado pela ciência histórica? Ou é apenas um
dogma religioso ensinado às crianças nas escolas bíblicas?
Para grande parte da população brasileira, duvidar que Cristo tenha
ressuscitado pode ser um tabu fortíssimo, pois isso pode ter sido
ensinado a eles desde a mais tenra idade. Mas as pessoas aceitam isso
mais por sentimento de culpa e devoção religiosa, ou por realmente
crerem em seu íntimo que foi um evento real? Quando dizem que
creem, creem nisso com toda certeza e segurança, ou apenas têm medo,
temor que Deus se vingue delas caso não acreditem, insegurança, ou
querem mostrar o quanto são piedosas?
Sim, podem aceitar como possibilidade, afinal não estiveram lá para
ver com os próprios olhos. Mas se alguém negar que os atentados de 11
de setembro aconteceram, será considerado louco. Alguém que negue
que a ressurreição de Cristo tenha acontecido será considerado louco
por estar negando um fato óbvio? Por que é que existem ateus e céticos
então?
Alguns mais sensatos entendem a ressurreição de Cristo apenas
como uma metáfora bíblica para a existência de uma vida após a morte.
Se é assim, ótimo, e eu estou plenamente de acordo com essa
interpretação. Então, quando perguntamos a essas pessoas se elas
acreditam na ressurreição de Cristo elas dizem que sim, mas levando
em conta esse entendimento.
Mas entre dizer que a ressurreição de Cristo é uma metáfora para a
vida após a morte, e dizer que é um fato histórico literal, um milagre

57
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

sobrenatural que aconteceu exatamente da maneira como narram as


escrituras, vai uma grande diferença. E Olavo parece justamente
acreditar nessa segunda opção, e mais do que isso, a trata como algo
óbvio e evidente.
E quanto ao Antigo Testamento? Ao analisarmos, vemos que os
relatos são igualmente problemáticos. Tomemos como exemplo uma
das histórias mais célebres desse livro, relatada em Gênesis: o dilúvio e
a arca de Noé. Acredito que todos estão familiarizados com essa
história, de forma que não é preciso descrevê-la. Mas vamos fazer
algumas perguntas, perguntas genuínas e honestas que qualquer
criança faria.
Como Noé conseguiu construir uma arca tão grande para que
coubesse um casal de cada espécie de animais da Terra? E como ele
colocou esses animais lá? E como animais herbívoros ficaram lá, junto
com animais carnívoros? E, durante os 40 dias e 40 noites do dilúvio,
o que eles comiam? E se comiam e bebiam, naturalmente tinham que
evacuar. Ou não comiam nada, porque Deus fez eles não terem fome?
E por que teve Deus que matar tudo na Terra que respirava? Será que
não havia ninguém bom, trabalhadores, gente honesta, íntegra?
Estatisticamente, qual a probabilidade de a totalidade da população da
Terra ser totalmente corrupta e má? E certo, se essa história realmente
aconteceu, a arca, que era tão grande, deveria estar em algum lugar e
ser visível até hoje. Onde está a arca? Não sobrou nem um resquício
dela para que a população visse e acreditasse?
Já ouvi até uma pessoa cristã, diante desses questionamentos, dizer
que essa história é só uma metáfora para o Novo Testamento.
Desconheço a lógica usada para fazer essa associação. Mas, se as
passagens bíblicas podem significar qualquer coisa, qual seria o
significado real delas, afinal?
E se tudo que a bíblia diz, através de suas alegorias, é que tudo que
existe foi criado por um Deus (ainda que esse processo pode ter levado

58
Josué A. Ribeiro

bilhões de anos, e não meros seis dias), que devemos viver nossas vidas
de maneira íntegra e que existe uma vida após a morte, eu estou de
acordo. Mas nesse caso, não sei porque seria necessário ler a bíblia, já
que interpretá-la num sentido mais literal e tentar viver sua vida
obedecendo a todos os seus confusos e arbitrários mandamentos, e
dando atenção a todas as suas inefáveis profecias, é algo que deixa o
indivíduo confuso, perdido e desorientado. E muito suscetível a ser
completamente controlado pelos líderes de sua igreja, afinal, eles se
apresentam como os decifradores dos enigmas bíblicos.
Também é fato reconhecido que o Deus do Antigo Testamento
mandava seu povo escolhido cometer massacres contra outros povos,
mesmo contra mulheres e crianças. E os pastores evangélicos até
mesmo defendem essas ações do Deus bíblico – estive presente em um
culto evangélico e vi isso com meus próprios olhos. Mas devemos
reconhecer que isso é algo que não é moral e justo de maneira
nenhuma. Poderia Deus ordenar ações imorais? Ou só porque Deus
ordenou que fosse feito, passa a ser moral? Qual a diferença disso para
os radicais islâmicos que explodem aviões em prédios? Eles só estavam
errados porque seguiam a Alá, e não a Jeová?
Mais uma passagem que revela o caráter psicótico do Deus bíblico é
uma em que ele manda uma ursa matar 42 jovens porque eles haviam
zombado do profeta Eliseu, chamando-o de calvo. É interessante notar
que há muitas semelhanças entre esse comportamento do Deus bíblico
e o comportamento dos atuais esquerdistas, que são igualmente
sensíveis e reativos, e acham que devem ser proibidas quaisquer
referências depreciativas a características físicas que não estejam de
acordo com os padrões de beleza ideais da sociedade. Teria sido Jeová
bíblico o primeiro esquerdista da história?
Esses são apenas alguns exemplos, colhidos a esmo, mas se alguém
quisesse escrever um livro apenas comentando sobre as contradições e
absurdos presentes na bíblia, seria um livro bastante volumoso. Em

59
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

muitas passagens, aparecem versículos contando um mesmo evento de


maneira diferente, ou seja, uma passagem bíblica desmentindo a outra,
e você fica sem saber qual delas é a verdadeira. Isso acontece de forma
rotineira na bíblia, mesmo com o apóstolo Paulo afirmando, em sua
epístola ao Coríntios, que Deus não é autor de confusão.
E o próprio fato de haver um narrador onisciente, que conhece todos
os acontecimentos, ações e diálogos de Jesus, até mesmo os diálogos
que ele teve com Satanás quando passou 40 dias e 40 noites no deserto
sem comer nada, não é estranho? Se alguém está narrando, é natural
supor que foi uma testemunha direta dos acontecimentos ou diálogos,
mas isso é impossível. Afinal, Jesus não estava sozinho no deserto com
Satanás?
Mas os meus amigos conservadores, aparentemente, acreditam que
pontuar essas coisas é como entrar numa espiral marxista, até por fim
matar Deus de vez. Ficamos assim com duas opções: ou o cristianismo
antimarxista ou o marxismo anticristão. Será mesmo que não há
alternativa a isso?
E mesmo tendo de defender todo o óbvio irracionalismo de sua
religião, muitos dos cristãos conservadores dizem que aqueles que não
aceitam os seus princípios fazem isso por motivo de rebelião de suas
próprias paixões desordenadas contra a razão. Como se fosse mesmo
muito racional acreditar que Deus mandou fogo dos céus para destruir
completamente Sodoma e Gomorra junto com toda sua população, e
que a mulher de Ló que olhou pra trás virou uma estátua de sal, e
outras coisas assim.
E também, mesmo sendo a bíblia o livro que fundou as bases da
nossa civilização ocidental, como querem alguns católicos, não disse
uma única palavra contra o cruel regime da escravidão, mas antes
ordenou aos escravos que obedecessem aos seus senhores terrenos
com todo respeito, temor e sinceridade no coração, como se estivessem
servindo ao próprio Cristo.

60
Josué A. Ribeiro

Novamente enfatizo que, escrevendo essas coisas, eu não desejo


negar importantes valores cristãos ou mesmo matar Deus – se é que
isso fosse de fato possível. Certamente, muitos valores cristãos, que
coincidem com valores de outras doutrinas filosóficas ou espirituais,
são muito importantes para a sociedade. Mas, ao aceitar tudo sem
questionar, o indivíduo acaba entrando numa armadilha que tem um
grande potencial de fazê-lo viver um inferno na Terra, antes mesmo de
ter ido se encontrar com Deus.
Pois vamos falar a verdade: quem é que se sente muito confortável
sendo um verdadeiro beato religioso, desses que não faz nada errado,
que se mantém limpo e imaculado como um perfeito cordeiro,
eternamente fugindo do demônio que está sempre a espreita? E não se
sujando com nenhuma das obras do capiroto, como: músicas seculares,
danças, filmes, séries, bebidas alcoólicas, tabagismo, sexo, paqueras,
baladas, jogos, irreverências, palavrões, quaisquer outras profanidades
e qualquer coisa que, mesmo remotamente, envolva religiões pagãs ou
ocultismo, nessa submissão absoluta a um Deus que a própria bíblia
admite que é louco para nós?
Claro que os evangélicos, diante de tanta repressão, resolvem criar
as músicas gospel, as danças gospel, as baladas gospel, os jogos gospel
ou qualquer outra coisa gospel, apesar de os líderes às vezes também
os advertirem de que, fazendo isso, eles também correm o risco de cair
no inferno gospel.
Mas, apesar de que o mercado gospel movimenta muito dinheiro,
como comparar um produto padrão do mercado gospel com um
produto de alta qualidade do "mundo"? É como comparar uma
quinquilharia chinesa com um Iphone de última geração. Talvez seja
por isso que tantas pessoas preferem ir para o inferno, para estarem
na companhia do demônio, do que irem para o céu, para estarem na
companhia de Deus!
Muitas pessoas querem acreditar num Cristo mais humano,

61
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

amoroso, bom, misericordioso, que deu a vida por nós. Nada contra, e
isso pode até mesmo ser algo bastante reconfortante para nós. Mas há
várias passagens bíblicas que revelam um personagem muito diferente.
Talvez, a bíblia esteja errada, e o verdadeiro Cristo tenha sido mesmo
esse que é idealizado, e não o que é descrito pelas escrituras. Tenho
consciência que, ao atacar esse símbolo tão forte de nossa civilização,
estou, de certa forma, alimentando controvérsia e desunião. Mas não
vejo porque, em nome de uma união em torno dos caros valores
civilizacionais, alguém deveria ter compromisso com o erro.
Por que Jesus, na bíblia, apesar de em alguns trechos parecer ser um
libertário que luta contra a opressão dos fariseus, noutros aparece
sempre como um profeta sisudo, sério, pudico, autoritário, sectário,
que nos ensina que quem olhar para uma mulher com intenção impura
já é um adúltero em seu coração? Ou que se levarmos uma bofetada
numa face devemos dar a outra? Ou que quem não crer que ele é o
messias já está condenado? Ou que quem não o amar mais do que ama
a si mesmo não é digno dele? Ou que os mortos deveriam enterrar seus
próprios mortos, chamando de mortos os parentes vivos do pai de um
de seus seguidores?
Por que o Deus feito homem nunca demonstra emoções tão
naturalmente humanas, como o riso e a descontração? Apesar de se
apresentar como boa notícia, o evangelho é, aparentemente, algo tão
alegre e cheio de vida como um túmulo de mármore.
Talvez, seja por isso que na Idade Média cristã a morte fosse algo tão
cultivado e celebrado, conforme podemos ver por muitas das
manifestações artísticas daquele período. E também que muitos
cristãos, mesmo nos dias de hoje, sejam tão obcecados com a ideia de
conquistar recompensas eternas na vida após a morte, que se esquecem
que a vida antes da morte também é digna de ser vivida.
Olavo de Carvalho, apesar de afirmar que seguir a moral católica a
risca é desnecessário, ainda assim a coloca como um ideal de virtude e

62
Josué A. Ribeiro

correção que, apesar de ser inalcançável para todos nós, continua sendo
aquele padrão que é realmente o correto, e ao qual todos nós devemos
pedir perdão a Deus por não conseguir alcançar. Ele diz que a Igreja
existe exatamente para isso: para perdoar os pecados. Mas por que
Deus cria para nós padrões inalcançáveis e irreais, e depois exige que
nós peçamos perdão a Ele por não conseguirmos seguir? E esse perdão,
por acaso, só é concedido por intermédio da Igreja, que é constituída
por homens tão mortais e falhos como todos nós?
Pois, seguindo fielmente a religião católica, você não pode pedir
perdão diretamente a Deus, sozinho em seu quarto; precisa procurar
um padre e, sujeitando-se a um certo constrangimento, contar o que
quer que tenha feito de errado, e depois fazer sua penitência. E se o
pecado é recorrente, deve estar sempre se confessando, apesar de na
doutrina também constar que o fiel, após a confissão, deve ter a firme
determinação de não voltar a praticar o mesmo pecado.
Mas não é uma perda de tempo e energia o fiel estar sempre
procurando o padre pra confessar a ele coisas tão importantes como
que andou olhando imagens de mulheres nuas na internet? Será que o
padre tem tanto tempo livre assim? Ou será que ele agradece a Deus o
fato de seus paroquianos não serem tão zelosos com as regras do
catolicismo? Enquanto isso, outros católicos mais conservadores
reclamam que vivemos tempos de grande apostasia, e as pessoas não
frequentam mais as igrejas. Talvez o fato de até a grande maioria do
próprio clero não levar seu catecismo muito a sério tenha algo a ver
com isso?
A bíblia, com todas as suas fábulas e mitologias fantásticas, dá
margem a muitas formas de superstição, como a teologia da
prosperidade, em que pastores estelionatários extorquem
violentamente seus fiéis, sem a menor culpa ou constrangimento. Em
grande parte das vezes, pessoas humildes, trabalhadoras e que passam
por grandes dificuldades.

63
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

Alguns autores que fazem apologética cristã dizem que a ciência só


pode ter prosperado graças ao cristianismo, pois havia em seu bojo
uma cosmovisão em que um Deus ordeiro havia criado um mundo
ordeiro que obedecia a certas leis naturais, e podia ser conhecido
através da lógica e da razão. A ironia fica clara, mas é apenas mais uma
prova que o cristianismo pode ser praticamente qualquer coisa que o
seu pregador quiser.

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Josué A. Ribeiro

CAPÍTULO 4

Os milagres e o sobrenatural e a interpretação que é


dada a eles.
Ou: Quando a exceção vira a regra.

Durante vários anos, Olavo de Carvalho manteve seu programa de


rádio online pela internet, chamado de True Outspeak. Lá, ele falava a
seus ouvintes sobre todos os temas conservadores que foram
popularizados graças a ele, como: globalismo, religiões, dinastias, nova
ordem mundial, gayzismo, revolução cultural, gramscismo, socialismo,
politicamente correto, islamismo, eurasianismo, entre outros.
Logo ao início do programa, ele fazia uma prece a um santo que até
então eu nunca havia ouvido falar: o padre Pio de Pietrelcina. Olavo
rogava a esse santo pedindo para que nenhuma injustiça fosse
cometida ao longo de toda a sua apresentação.
Algum tempo depois, eu fui pesquisar quem era, afinal, aquele
misterioso homem a quem o professor tinha tanto respeito e devoção.
Descobri que o padre Pio de Pietrelcina foi, de fato, uma pessoa real,
um notável religioso, muito santo e piedoso, nascido na cidade italiana
de Pietrelcina em 25 de maio de 1887 e falecido em San Giovanni
Rotondo a 23 de setembro de 1968.
O padre Pio não foi apenas um religioso extremamente sério e
bondoso. Consta em sua biografia que ele foi alvo, ainda em vida, de
uma veneração popular de grandes proporções, devido ao fato de que
ele apresentava muitos carismas e dons espirituais, como: o dom da
bilocação, da levitação, das curas milagrosas, dos perfumes que
exalava, entre outros. De fato, há uma grande quantidade de milagres

65
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

e dons incríveis que são atribuídos a ele, que também tinha a presença
de estigmas em suas mãos, que até mesmo sangravam toda vez que ele
fazia as celebrações de suas missas, que chegavam a durar três horas.
Fiquei verdadeiramente intrigado com aquilo. Ainda mais quando
soube que o corpo do padre Pio, morto há tantos anos, encontrava-se
ainda intacto, incorrupto, não apresentando nenhum sinal dos
processos naturais que ocorrem quando todo ser humano morre, ou
seja, o processo de decomposição, em que o corpo é decomposto por
micro-organismos como fungos e bactérias, e torna-se um cadáver
putrefato, exalando um cheiro horrível, até que no final, o que resta são
apenas os ossos e, por fim, apenas o pó.
Recentemente, através de informações do famoso site católico O
Catequista, descobri que o corpo do padre Pio não estava realmente
intacto, mas apenas parcialmente decomposto8. Apesar do mal-
entendido que demorou algum tempo para ser desfeito, o site esclarece
que jamais nenhuma autoridade da Igreja declarou que o corpo do
padre Pio estivesse milagrosamente incorrupto, ainda que uma réplica
de silicone fosse mostrada como sendo verdadeiramente o corpo do
santo.
Segundo os médicos, quando foi aberto o caixão em que estava o
corpo do padre Pio não havia nenhum mal cheiro, apesar da grande
umidade. Bem, já é alguma coisa, mas muitos católicos ainda
acreditam, como eu acreditava até pouco tempo atrás, que estivesse
realmente completamente incorrupto, e que a tal réplica de silicone
fosse real.
Assim como o padre Pio, há diversos outros santos católicos que
estão totalmente ou parcialmente incorruptos como: Santa Bernadete

8
Fonte: www.ocatequista.com.br, artigo "A polêmica sobre o corpo "incorrupto" de
Padre Pio."

66
Josué A. Ribeiro

de Lourdes, Santa Catarina de Bolonha, Santa Cecília, São Silvano,


Santa Rita de Cássia, São João Maria Vianney ou São Francisco Xavier,
todos eles mortos há muitos anos ou séculos atrás9.
Recentemente, anunciou-se que o corpo de um jovem italiano,
muito devoto, chamado Carlo Acutis, que faleceu precocemente devido
a uma leucemia, também se encontrava incorrupto quando foi
exumado, e a notícia, apesar de ignorada pela grande mídia, circulou
através de mensagens na internet e no WhatsApp. As imagens do corpo
não foram divulgadas, mas Carlo encontra-se em processo de
canonização.
Também na Itália, na cidade de Lanciano, teria ocorrido o seguinte
acontecimento: um padre estava celebrando a missa e não acreditava
em seu íntimo na real presença de Cristo na Eucaristia. Para sua
surpresa, quando ele consagrou o pão e o vinho, eles se tornaram
realmente em carne e sangue. Isso aconteceu no oitavo século de nossa
era (entre os anos de 701 e 800 depois de Cristo) e a carne e sangue
ainda seguem preservados em Lanciano.
Um estudo científico feito em 1971 da carne e do sangue descobriram
que a carne é do miocárdio no coração, e o tipo sanguíneo é AB, o tipo
predominante entre os judeus. Essas coisas realmente não têm
nenhuma explicação científica: como pode o pão e o vinho terem
realmente se transformado em carne e sangue?
Santa Teresa Neuman, segundo relatos, de 1922 até 1962, viveu
consumindo apenas a Eucaristia, e nenhum outro alimento. Estigmas
apareciam em suas mãos, pés e testa e ela, algumas vezes, chegava a
sangrar meio litro de sangue em um dia. Ainda assim, ela retornava a
seu estado normal de saúde a cada novo domingo. Muitos dos médicos

9
Buscando pelo termo “santos incorruptos da Igreja Católica” o leitor poderá conferir
essa informação.

67
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

que a acompanhavam e estudavam sua vida ficaram perplexos com


esse fato.
Segundo o que é relatado, São Januário, que foi nomeado bispo da
cidade de Benevento, na Itália, ainda na época do Império Romano
pagão, foi jogado, juntamente com seus diáconos na arena, que estava
cheia de leões famintos. O povo assistia, entusiasmado, para ver o
sangue dos cristãos. Todavia, ao se aproximarem do grupo, os animais
ficaram dóceis e passaram a lamber os pés do santo. Então, por ordem
de Diocleciano, o último imperador romano a perseguir os cristãos, eles
foram decapitados no ano de 305.
A história não para por aí, pois o sangue de São Januário está
preservado coagulado na Catedral de Nápoles, na Itália, que, segundo
a tradição, foi recolhido de seu corpo após seu martírio. Ainda assim,
ele se liquefaz três vezes a cada ano. Como isso é possível?
Considerando que São Januário morreu há mais de mil e setecentos
anos atrás, seu sangue já deveria ter se tornado poeira há muito
tempo10.
Eu poderia dar mais exemplos como esses, mas vou ficar por aqui.
Há vários relatos de santos que fizeram coisas extraordinárias como
essas: voar, curas milagrosas, bilocação, entre outras coisas.
Alguns poderiam dizer que tudo isso não passa de fraudes, coisas
que a Igreja inventa para manipular seus fiéis. Mas não quero entrar
por essa corrente de pensamento, pois implicaria em apostar na teoria
da conspiração de que a Igreja está realmente mentindo e enganando
a todos em relação a todas essas coisas, porque a Igreja afirma que
todos esses sinais são reais. Portanto, vamos considerar que a Igreja
não mente, e eles são de fato reais.

10
Essas histórias podem ser conferidas no vídeo “Proof of the supernatural and miracles
– Catholic Miracles” (em inglês).

68
Josué A. Ribeiro

Dito isso, pergunto ao leitor: o que eles têm em comum? Todos eles?
Resposta: eles não são a regra. Ao invés disso, são eventos
extraordinários e raríssimos, tanto que podem datar de muitos séculos
atrás.
De fato, eu conheço padres e religiosos que são muito piedosos e
seguem com bastante zelo toda a doutrina da Igreja e toda a sua moral,
e são grandes defensores da fé. Um dos exemplos que posso citar, de
um homem bastante conhecido, é o padre Paulo Ricardo. Acredito que,
caso houvesse a necessidade, esses homens estariam até mesmo
prontos para o martírio, como os virtuosos santos do passado. Então,
por que é que eles não exibem nenhum dom, carisma ou sinal
milagroso? De fato, a vida deles nesse quesito é tão ordinariamente
comum como a de qualquer um de nós.
Isso leva a outra pergunta: qual a porcentagem de pessoas
verdadeiramente santas e dispostas a morrer por Cristo são capazes de
emitir sinais milagrosos? Alguns diriam que esse é um cálculo
mesquinho, mas eu acho que é sim relevante. Afinal, Jesus chega a
dizer, nas escrituras, que todos aqueles que o seguissem seriam capazes
de fazer sinais ainda maiores do que ele fez.
O Brasil tem, no ano de 2019, uma população que chega quase aos
216 milhões de pessoas. Entre todas essas pessoas, quantas delas são
cristãs praticantes e fervorosas? E quantas delas são capazes de fazer
curas milagrosas, ou voar, ou terem estigmas que sangram
continuamente e mesmo assim não tem sua saúde afetada?
No mundo inteiro, são 2,3 bilhões de cristãos. A parte cristã da
população mundial representa cerca de 33% da humanidade nos
últimos cem anos, o que significa que uma em cada três pessoas no
mundo são cristãs. Isso significa realmente muita, muita gente. De
todas essas pessoas, quantas delas foram capazes de emitir sinais
milagrosos tão impressionantes como os do padre Pio? Ou mesmo
qualquer sinal sobrenatural que fosse digno de nota?

69
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

Claro, há alguns que acreditam que figuras já desmoralizadas


perante a opinião pública, como o pastor Waldomiro ou o bispo Edir
Macedo, ou mesmo Inri Cristo, sejam capazes de emitir sinais
milagrosos em profusão. Então, por que eles, se valendo dos poderosos
meios de comunicação que temos disponíveis hoje, não mostram esses
milagres sendo praticados ao vivo e a cores para que todos acreditem?
Ou mesmo façam uma profecia que realmente se cumpra? Ou
demonstrem algum sinal sobrenatural que demonstre, de alguma
forma, que não são meros charlatões e exploradores da ignorância
alheia?
Se fosse assim realmente tão importante para Deus que todas as
pessoas se convertessem a fé em Cristo, que todos assumissem o
cristianismo, desde o Brasil, Europa, Estados Unidos até os confins da
Ásia, África, Oceania e todas as regiões mais remotas, por que é que
Ele, sendo onipotente, não faz cair sobre a Terra uma chuva de
milagres em nome de Cristo?
Ora, se eu visse com meus próprios olhos um homem cego voltando
a ver, um paralítico voltando a andar, um doente terminal voltando a
ter saúde plena, tudo isso sendo feito de maneira sobrenatural
invocando-se o nome de Jesus Cristo, eu jamais faria qualquer
questionamento quanto ao que Deus desejava para a humanidade.
Estaria claro como a água que o desejo Dele era que todos confessassem
a Cristo como senhor e salvador, conforme diz a bíblia, e seguissem a
sua religião. Aliás, se as coisas realmente funcionassem assim, não só a
quase totalidade da população mundial seria cristã, mas nós nem
mesmo precisaríamos de hospitais, médicos ou enfermeiros.
Deveríamos todos nós aceitar as doutrinas da Igreja porque há
relatos de que, há muito tempo, em certo lugar, uma certa pessoa
realizou um certo sinal, que é algo que nós pessoalmente nunca vimos
nem veremos e muito menos conseguiremos reproduzir? E mesmo que
ela tenha de fato realizado esse sinal, isso seria um chamamento

70
Josué A. Ribeiro

inequívoco de Deus para que toda a humanidade se convertesse à


religião daquela pessoa?
Se, conforme narra o relato bíblico, nem São Tomé acreditou no
relato dos outros discípulos, com os quais convivia diariamente, que
Jesus havia ressuscitado, por que eu haveria de aceitar que esses relatos
de milagres provam a veracidade das revelações bíblicas e da doutrina
da Igreja, milagres esses que nem são tão claros e óbvios assim? E, em
aceitá-los, isso implicaria em reformular completamente todos os meus
hábitos, de coisas que hoje me parecem totalmente naturais e
corriqueiras, passar a enxergá-las como vis e pecaminosas. Se a oferta
é essa, eu agradeço, mas vou recusar.
Aqui e ali aparecem cristãos relatando coisas como cura de câncer
ou outras doenças ou condições, e atribuindo isso a uma intervenção
divina. Se por acaso não ocorre a cura e a pessoa vem a falecer, isso foi
apenas a vontade de Deus, que precisa ser aceita. Mas curas também
podem acontecer com pessoas de qualquer religião, ou mesmo com
ateus. Eu tenho um amigo ateu que conseguiu curar-se de um câncer
através da medicina e da quimioterapia. E obviamente, ele não atribui
essa cura a Deus ou Jesus Cristo.
Quanto ao tema de milagres em outras religiões, como espiritismo,
budismo, hinduísmo, xintoísmo, islamismo ou qualquer outra, não
estou suficientemente bem informado se existem casos incríveis como
aqueles que foram relatados a respeito do padre Pio. Mas sei que,
orando com fé e perseverança a seus respectivos deuses, eles
conseguem coisas como curas interiores, bênçãos, livramentos e paz
interior. Ou seja, nada que seja muito diferente do que o fiel cristão
espera conseguir através do seu relacionamento com Deus e Jesus
Cristo.
Os católicos também gostam de citar o tema das aparições marianas.
Essas aparições são fenômenos nos quais se acredita que a Virgem
Maria tenha aparecido a uma ou várias pessoas, chamadas

71
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

popularmente de videntes, na maioria, católicos11.


A mais famosa dessas aparições é certamente aquela ocorrida na
localidade de Fátima, em Portugal, durante o ano de 1917. Outras
aparições ocorreram e continuam ocorrendo em muitos outros lugares
ao redor do mundo, inclusive no Brasil, em São José dos Pinhais,
Paraná, e Itapiranga e Manaus, no Estado do Amazonas.
Assim como as famosas aparições de Merdjugorie, na Bósnia, várias
aparições marianas começaram a acontecer, em um certo momento no
passado e continuam ainda acontecendo no presente, inclusive as
aparições que acontecem aqui no Brasil. E a Virgem Maria continua
passando mensagens a humanidade, que são levadas até nós através
dos videntes. Mas aparentemente, ninguém está se importando muito.
Movido por uma grande curiosidade em relação às coisas do além,
eu li algumas das mensagens passadas às videntes em Merdjugorie.
Afinal, essa é considerada uma aparição importantíssima por muitos
fiéis, e se a própria Virgem estava vindo do outro mundo para nos
mandar mensagens, era natural supor que fosse algo relevante. Mas,
para minha decepção, as mensagens continham apenas conteúdos
bastante vagos, imprecisos e triviais. Coisas como: “Mantenham a fé,
perseverem na esperança, eu, a Virgem santa, estou com cada um de
vocês.”
Só eu acho estranho que uma figura tão nobre como a Virgem Maria,
a santíssima Mãe de Deus na crença de todos católicos, se preste ao
papel de sair da glória do paraíso e vir até a Terra para dar mensagens
tão inócuas, que nada dizem de importante, e terminam por ser
ignoradas por todos, até mesmo pelos católicos? Uma figura tão
sagrada, venerada e digna não deveria agir de modo a cair na total
irrelevância.

11
Basta consultar o verbete “aparições marianas” em seu motor de buscas.

72
Josué A. Ribeiro

Outra coisa que acho bastante estranha é que tenha sido a Virgem
Maria a escolhida para mandar mensagens aos cristãos. Pois, como
todos sabem, ela é considerada uma figura muito importante entre os
católicos, mas não entre os protestantes. Para os protestantes, Maria é
apenas uma mulher que foi considerada justa e digna por Deus, mas
era apenas um ser humano, não uma mediadora entre Deus e os
homens; esse papel só cabe ao próprio Jesus Cristo.
Refletindo essa crença de que Maria tenha sido apenas uma mulher
virtuosa, e não uma espécie de divindade (não que seja realmente no
dogma católico, mas na prática acaba sendo), os protestantes afirmam
que Maria e José tiveram filhos, que foram irmãos de Jesus; já os
católicos afirmam que ela permaneceu sempre virgem, mesmo tendo
sido casada com José. Maria era tão santa, e tão exemplar para todas as
mulheres, que não fazia sexo nem com o seu próprio marido. Quando
a bíblia menciona os irmãos de Jesus, é porque o idioma hebraico da
época não tinha uma palavra específica para designar primos. Assim,
primos eram chamados de irmãos, o que acabou gerando a confusão.
A importantíssima polêmica quanto a Jesus ter tido irmãos, ou
apenas primos, persiste até hoje. Mas, certamente, Jesus era a pessoa
mais adequada para mandar mensagens que fossem ouvidas por todos
os cristãos, e até por toda a humanidade, já que ele sim é considerado
a principal figura, tanto no protestantismo como no catolicismo.
Aliás, se ele tivesse aparecido no momento em que houve a confusão
com a reforma protestante e esclarecido aos fiéis se a religião certa era
o catolicismo ou o protestantismo, milhões de vidas teriam sido
poupadas. Por que ele não fez isso e, ao invés disso, permaneceu lá onde
quer que estivesse, alheio e indiferente a toda aquela destruição e
carnificina feitas em seu nome?
Mas os católicos acreditam nas aparições marianas, e o fato de ter
sido Maria quem apareceu de forma sobrenatural é uma prova de que
eles estão corretos a respeito de ela não ter sido uma simples mulher

73
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

virtuosa, mas sim, de ter sido tão virtuosa que foi alçada (na prática,
não no dogma) por Deus a categoria de semidivindade, e as aparições
foram uma forma que Deus encontrou de humilhar os protestantes,
porque Deus está com os católicos e despreza os protestantes.
Além disso, nos seus terços do rosário, os católicos rezam dez Ave
Marias para cada Pai Nosso. Apesar de dizerem que não adoram Maria,
como acusam os protestantes, mas que apenas a veneram, os católicos,
na prática, passam a maior parte do tempo em que rezam, rezando
para ela.
Os protestantes, por sua vez, não negam que as aparições de Maria
sejam de fato um fenômeno sobrenatural. Mas, segundo eles, trata-se
de um fenômeno sobrenatural não pertencente ao Deus vivo, o Deus de
Abraão, Isaque e Jacó e sim, um truque do inimigo de Deus, Satanás,
para levar os pobres pecadores à perdição eterna. Nesse caso, Deus está
com os protestantes e odeia os católicos.
Pois, para os protestantes, os católicos são todos culpados de grave
pecado de idolatria com todas as suas imagens e culto aos santos, e
muitos deles chegam a dizer que os católicos não serão salvos. Santos
são apenas Deus e Jesus. Não está claro se acham que, durante todo
período de cerca de mil anos em que a Igreja Católica era a única igreja
cristã que havia no Ocidente, todas as pessoas iam para o inferno, até
que o salvador Martinho Lutero tenha aparecido e fundado a religião
verdadeira, que levava seus praticantes até o céu.
Os católicos mais tradicionais, por sua vez, também acham que o
protestantismo seja uma religião demoníaca que leva todos os seus
praticantes ao inferno. Afinal, eles se desviaram da tradição e da sã
doutrina, da única Igreja que foi verdadeiramente fundada por nosso
senhor e salvador Jesus Cristo, tendo o apóstolo Pedro como o primeiro
Papa da história.
Já os judeus, o povo que Deus escolheu para levar sua importante
doutrina para toda a humanidade, ou seja, foi através deles que tudo

74
Josué A. Ribeiro

começou, criticam todos os cristãos, tanto católicos, protestantes e


ortodoxos, por eles considerarem que Jesus é Deus. Pois para eles, Deus
é apenas um. Na visão do judaísmo, nada de trindade divina, três
pessoas e um só Deus ou coisas semelhantes. Eles levam o monoteísmo
a sério, e nisso eu estou de acordo com eles. Já os católicos cultuam não
apenas Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo, mas também a Mãe
de Deus e mais um grande número de santos que caminharam com
Deus. Muitos não percebem, mas isso remete a um politeísmo digno
das mais confusas crenças pagãs da Antiguidade.
Estranhamente, tanto católicos como protestantes manifestam, com
poucas exceções, grande simpatia pelo judaísmo, pelo sionismo, pelo
povo judeu e pelo estado de Israel. Quanto aos judeus, desprezam as
crenças dos cristãos e a sua devoção a Jesus. Na verdade, Jesus é tratado
pelos judeus com uma considerável hostilidade, e certos comentários
que fazem a respeito de Jesus e Maria fariam qualquer cristão devoto
ficar escandalizado. Apesar disso, em Israel os turistas cristãos são
muito bem vindos para visitar os lugares santos por onde Jesus
peregrinou.
Olavo de Carvalho é católico, mas tenta ser um mediador nessa
eterna briga entre católicos e protestantes. Ele diz a seus seguidores,
tanto católicos como protestantes, para colocarem suas diferenças de
lado e lutarem contra o verdadeiro inimigo, aquele que ambos têm em
comum e que no fim das contas é o único que importa, ou seja, a
esquerda marxista e anticristã. Mesmo assim, disputas entre católicos
e evangélicos são coisas extremamente comuns, e muitas vezes,
bastante feias e desagradáveis.
Mas, voltando ao tema das aparições marianas, se nem os católicos
levam a sério todas essas aparições, já que a maior parte delas não é
reconhecida pelo Vaticano, eles devem, pelo menos, levar a sério as
aparições de Fátima, aquelas que são, sim, reconhecidíssimas e
consideradas as mais importantes aparições que já houveram na

75
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

história.
Vamos falar dela então. Essas aparições foram vistas por três
crianças portuguesas, Lúcia dos Santos (10 anos), Francisco Marto (9
anos) e Jacinta Marto (7 anos) na localidade de Fátima. Lúcia via, ouvia
e falava com a aparição, Jacinta via e ouvia e Francisco apenas via-a,
mas não a ouvia12.
Antes da aparição da Virgem Maria, houve a aparição de um Anjo
(pelo menos, de acordo com o relato de Lúcia). Isso se deu no ano de
1916. Essas visões permaneceram inéditas até 1937, quando então,
Lúcia as divulga pela primeira vez. Segundo Lúcia, era uma luz mais
branca que a neve com a forma dum jovem, transparente, mais
brilhante que um cristal atravessado pelos raios do Sol. À medida que
se aproximava, iam distinguindo suas feições. O Anjo lhes dirige a
palavra e diz para não temerem, pois ele é o Anjo da paz. E lhes faz
repetir a seguinte oração: "Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-
Vos. Peço-Vos perdão para os que não creem, não adoram, não
esperam e não Vos amam."
Ainda segundo o relato, a atmosfera de sobrenatural que envolveu
as crianças logo que tiveram o primeiro contato e diálogo com o Anjo
era tão intensa que quase não se davam conta da própria existência,
por um grande espaço de tempo, e ficavam repetindo sempre a mesma
oração. A presença de Deus sentia-se tão intensa que nem mesmo se
atreviam a falar, e isso só foi muito lentamente desaparecendo. Essa foi
a primeira aparição.
A segunda aparição do Anjo deu-se no verão de 1916. Dessa vez, ele
recomendava às crianças orar muito e oferecer constantemente ao
Altíssimo orações e sacrifícios e, sobretudo, aceitar e suportar com

12
Consultei a wikipedia, verbete Aparições de Fátima, o portal Últimas e Derradeiras
Graças (www.derradeirasgracas.com), além de outras fontes.

76
Josué A. Ribeiro

submissão o sofrimento que o Senhor lhes enviasse. E desapareceu.


Lúcia relata como o valor do sacrifício é agradável para Deus, e como
tem o poder de converter os pecadores. Por isso, os videntes, mesmo
sendo ainda crianças, dedicavam-se a mortificações e penitências,
como passar horas prostrados por terra, repetindo a oração que o Anjo
os tinha ensinado.
Não preciso nem dizer como tudo isso é tão familiar ao catolicismo:
sacrifício, penitência, mortificação, submissão, sofrimento. E os fiéis,
mesmo crianças como os videntes de Fátima, devem praticar todas
essas coisas pela conversão de todos os pecadores. Estranho, pois dizem
que Deus não interfere em nosso livre arbítrio e, de repente, praticar
todas essas obras de sacrifício e mortificação irá fazer com que outras
pessoas se convertam. Não seria isso uma forma de controle mental?
Na terceira aparição do Anjo, ele diz às crianças como Nosso Senhor
Jesus Cristo está terrivelmente ultrajado pelos homens ingratos e pede
a elas para repararem seus crimes e consolarem o seu Deus.
Novamente, as crianças sentem todas aquelas sensações físicas de um
êxtase espiritual profundo, que tanto as absorvia e aniquilava quase por
completo, como também as fazia sentir uma grande sensação de paz e
felicidade.
Também acho estranho que os crimes e ultrajes de uns possam ser
reparados e consolados pelas ações de outros. Por que os que não tem
nenhuma culpa de ter ultrajado Nosso Senhor devem se penitenciar
por outros que o fizeram? Não seria mais lógico pedir àqueles que
cometeram o ultraje que paguem suas próprias dívidas?
A primeira aparição de Nossa Senhora acontece no dia 13 de maio
de 1917. Era “uma senhora vestida de branco e mais brilhante que o
sol”, novamente de acordo com a narração de Lúcia. Da mão direita de
Nossa Senhora pendia um rosário. Ela pede às crianças para não terem
medo e diz que não lhes faz mal. Afirma que procede do céu. Depois
pede às crianças para que nos próximos 6 meses compareçam sempre

77
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

naquela mesma hora e naquele mesmo lugar, a Cova da Iria, próximo


da aldeia de Aljustrel, sempre ao décimo terceiro dia do mês.
Lúcia a pergunta se vai para o céu e Nossa Senhora responde que
sim. Depois pergunta se Jacinta vai e ela responde que Jacinta também
irá. Mas quanto a Francisco, faz uma ressalva: diz que ele terá que rezar
muitos terços. Ainda não ficou claro para mim por que Francisco
precisava de mais penitência do que Lúcia e Jacinta para entrar no céu.
Ao final, Nossa Senhora pede para que rezem o terço todos os dias para
alcançarem a paz no mundo e o fim da guerra – naquela altura,
desenrolava-se na Europa a Primeira Guerra Mundial.
Na aparição do dia 13 de junho de 1917, aparecem nas falas de Nossa
Senhora os mesmos temas de conversão e penitência. Ela diz que, em
breve, irá levar Jacinta e Francisco para o céu, mas Lúcia teria que ficar
mais tempo, pois Jesus queria usar-se dela para estabelecer no mundo
a devoção ao seu Imaculado Coração. Nossa Senhora também diz a
Lúcia que ela não ficará sozinha, pois estará sempre presente com ela.
Francisco e Jacinta, ainda crianças, de fato falecem, ele em 1919, ela
em 1920, vítimas de pneumonia. Ambos são canonizados durante o
pontificado do Papa Francisco, no ano de 2017. Apesar de Nossa
Senhora ter os consolado dizendo que iam para o céu, e dito que não
lhes faria mal, fica novamente a ideia recorrente de que, dentro do
catolicismo, a morte é mais celebrada do que a vida.
Na aparição de 13 de julho de 1917, ocorre a revelação do primeiro
segredo de Fátima, que nada mais é do que a visão do inferno. Essa era
uma coisa realmente terrível. “Um grande mar de fogo que parecia
estar debaixo da terra. Mergulhados nesse fogo os demônios e as almas,
como se fossem brasas transparentes e negras ou bronzeadas com
forma humana que flutuavam no incêndio levadas pelas chamas que
d'elas mesmas saíam, juntamente com nuvens de fumo, caindo para
todos os lados, semelhante ao cair das fagulhas em os grandes incêndios
sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dor e desespero que

78
Josué A. Ribeiro

horrorizava e fazia estremecer de pavor. Os demônios distinguiam-se


por formas horríveis e asquerosas de animais espantosos e
desconhecidos, mas transparentes e negros.”
Pelo visto, Nossa Senhora não se importou em deixar as crianças
impressionadas demais. Qual a necessidade disso, visto que o inferno
já era um dogma cristão anunciado pelo próprio Cristo? Mas, segundo
Lúcia, ela era bondosa, pois antes havia lhes prevenido com a promessa
de levá-las para o Céu. Se assim não fosse, teriam morrido de susto e
pavor.
Felizmente, Nossa Senhora quer salvar as almas dos pobres
pecadores, e assim evitar que caiam no inferno, através da devoção ao
seu Imaculado Coração. Diz às crianças que se elas fizerem o que ela
disser, salvar-se-ão muitas almas e terão paz. Diz que a guerra irá
acabar, mas se não deixarem de ofender a Deus, no reinado de Pio XI,
começará outra pior e esse será o sinal que Deus dará que vai punir o
mundo de seus crimes por meio da guerra, da fome e das perseguições.
Depois, pede para que a Rússia seja consagrada ao seu Imaculado
Coração e, se fizerem isso, a Rússia se converterá e terão paz, caso
contrário, a Rússia espalhará os seus erros pelo mundo, promovendo
guerras e perseguições à Igreja. Os bons serão martirizados, o Santo
Padre terá muito que sofrer e várias nações serão aniquiladas. Mas ela
diz que, por fim, seu Imaculado Coração triunfará, pois, o Santo Padre
irá consagrar a ela a Rússia, que se converterá, e será concedido ao
mundo algum tempo de paz. Em Portugal se conservará sempre o
dogma da fé.
Novamente, aparece a questão de uma pessoa poder ser salva do
inferno pelas ações de outra. As crianças, por acaso, realmente teriam
poder de, através de suas ações, conseguir a salvação para terceiros? Se
eu rezar pedindo a salvação de outra pessoa, isso realmente fará Deus
mudar de ideia? Note bem, em relação à questão mais crucial de todas:
se ela será salva ou não. Eu sou tão importante, que virei conselheiro

79
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

do Altíssimo? Eu enxergo as coisas melhor que Ele? Isso não seria cair
no pecado de soberba? E não é um pouco estranho Nossa Senhora
colocar sobre os ombros dessas pobres crianças do interior de Portugal
um peso e responsabilidade tão grandes, que nem adultos maduros
conseguiriam lidar?
Nossa Senhora realmente parece prever com exatidão que, anos
mais tarde, haveria outra guerra, ainda pior, ainda que esse segredo só
foi escrito por Lúcia em 1941, depois que a Segunda Guerra Mundial já
havia começado. Mas a culpa, aparentemente, é dos pecadores que não
param de ofender a Deus, sem que ela esclareça exatamente qual a
natureza dessas ofensas. Ela poderia ter dito para tomarem cuidado
com o nacionalismo exacerbado, com as pretensões militares
expansionistas e imperialistas ou com o racismo e antissemitismo, pois,
aí sim, faria algum sentido. Ou até mesmo, pedir para darem o recado
ao povo alemão para rejeitar de todas as maneiras Hitler e o Partido
Nazista e toda sua ideologia.
Mesmo que ela tivesse dito isso, e os videntes tivessem dado o
recado, duvido que os alemães teriam escutado. Mas quando ela diz
para não ofenderem a Deus, que é uma coisa completamente vaga e
subjetiva, como isso poderia ter ajudado pra alguma coisa? Novamente,
por que é que Nossa Senhora se dá ao trabalho de descer do Céu para
dar a humanidade avisos tão inócuos e irrelevantes, que não tem poder
nenhum de mudar nada ou de evitar que as tragédias e catástrofes
aconteçam?
Mais que isso: por que Deus é tão vingativo que quer punir o mundo
por meio de guerra, fome e perseguições? Quais são os crimes do
mundo que merecem essa punição tão horrenda? E todas as pessoas
são igualmente culpadas? Todos são, indistintamente, perversos
criminosos que devem sofrer amargamente? Não existe ninguém bom
ou inocente? Os judeus que foram perseguidos por Hitler, também se
encaixam nessa categoria? Eles também eram culpados de crime

80
Josué A. Ribeiro

segundo Nossa Senhora, e Hitler foi instrumento nas mãos de Deus?


O fato de Nossa Senhora ser tão absurdamente egocêntrica e
narcisista, a ponto de condicionar a paz no mundo e a salvação das
almas à devoção de seu Imaculado Coração, não chama muita atenção
dos católicos. Mas ela é, segundo a doutrina, a mais humilde das
criaturas de Deus, tanto que os demônios tremem humilhados e
amedrontados só de ouvir seu nome, de acordo com os relatos do padre
exorcista Gabriel Amorth.
Outra coisa estranha é Nossa Senhora ser tão severa a ponto de
considerar que a humanidade, de uma forma bem genérica e
inespecífica, cometa crimes, sem dizer exatamente quais crimes são
esses, e chamar os verdadeiros crimes e atrocidades cometidos pelos
comunistas russos apenas de “erros”. Onde está o senso de proporções
de Nossa Senhora?
Nossa Senhora também prevê que a Rússia será consagrada e que,
em Portugal, se conservará sempre o dogma da fé. De fato, ainda existe
alguma religiosidade em Portugal, apesar de que, como em quase toda
a Europa, o secularismo predomina. Quanto a Rússia, ela até hoje não
foi consagrada da maneira que Nossa Senhora pediu em Fátima.
Aparentemente, nem os Papas dão ouvidos a Nossa Senhora.
Na aparição do dia 13 de setembro de 1917, Nossa Senhora aparece
pouco depois das crianças começarem a rezar o terço com o povo. E
dessa vez dá o seguinte recado: "Continuem a rezar o terço, para
alcançarem o fim da guerra. Em Outubro virá também Nosso Senhor,
Nossa Senhora das Dores e do Carmo, São José com o Menino Jesus para
abençoarem o mundo. Deus está contente com os vossos sacrifícios, mas
não quer que durmais com a corda. Trazei-a só durante o dia."
O que acho mais curioso nessa fala é o fato de Nossa Senhora dizer
que virá também "Nosso Senhor" e o "Menino Jesus". Como assim, são
pessoas diferentes? Pensei que o menino Jesus fosse apenas uma
referência a Nosso Senhor Jesus Cristo quando ele ainda era uma

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

criança. E Nossa Senhora, apesar de no relato bíblico ser apenas Maria,


também se desdobra em três pessoas diferentes: a própria Nossa
Senhora de Fátima, além de Nossa Senhora das Dores e do Carmo.
Apenas São José continua sendo apenas São José.
Também afirma que curará alguns doentes, outros não. E para o
mês seguinte, promete um milagre para que todos acreditem.
Bem, eu sempre ouvia os líderes religiosos dizerem que Deus não
faz acepção de pessoas. Sendo assim, Nossa Senhora deveria curar
todos os doentes, não apenas alguns. E a essa altura, Nossa Senhora
cura tanto quanto Jesus. Complicado para os católicos, então, dizerem
que Nossa Senhora não esteja no mesmo patamar de Jesus. Mas e
quanto ao milagre para que todos acreditassem? Essa foi uma
promessa bastante grandiosa, teria ela realmente se cumprido?
Para o dia 13 de outubro de 1917, o trio de crianças previu um
milagre no sol. Segundo relatos, 40 mil romeiros foram a Fátima nessa
data e teriam avistado um globo luminoso que girava sobre si mesmo
e movia-se em ziguezague do nascente para o poente, por cerca de dez
minutos. Luzes coloridas refletiram na paisagem e nas pessoas, que
também relataram curas inexplicáveis. Nossa Senhora também pediu
para que lá construíssem uma capela em sua honra, e de fato, foi
construído um grande santuário naquela região.
Mas porque afinal, se Nossa Senhora queria que todo o mundo
acreditasse em sua mensagem, fez um milagre que, pode ter sido
impressionante sim, mas que foi visto apenas pelos romeiros em
Fátima? Afinal, sua promessa era fazer um sinal para que todos
acreditassem. Os romeiros, se já acreditavam, não precisavam de ver
nenhum milagre para acreditar mais. Ao passo que, o restante do
mundo, precisava sim ver um sinal para acreditar.
O terceiro segredo foi revelado apenas no ano de 2000. Trata-se da
previsão sobre o atentado ao Papa que ocorreu no ano de 1981, quando
o Papa João Paulo II foi alvejado por um militante comunista. A profecia

82
Josué A. Ribeiro

foi tratada apenas como um livramento, mas de qualquer forma não


evitou que o Papa, de fato, sofresse o atentado, e só foi divulgada 19
anos depois de que o acontecimento ao qual se referia a profecia
acontecesse.
Com tantos problemas que há nessa história, o que espanta mesmo
é que alguém ainda preste atenção nela. Mas o professor Olavo, tão
sagaz para denunciar falhas lógicas e filosóficas no pensamento de
Descartes e de outros filósofos modernos tão conhecidos e admirados
como Kant, cai nela como um patinho. Tanto que, diversas vezes, falou
a seus ouvintes que para resolver o caos presente no mundo era preciso
fazer a consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Nossa Senhora,
como se isso não fosse algo que apenas o Papa tenha o poder de fazer,
e como se fazer isso fosse resultar que todos os problemas do mundo
fossem resolvidos como num passe de mágica.
São muitas as aparições marianas. Não sei se os videntes realmente
veem alguma coisa ou não. Mas, considerando as inúmeras
contradições e elementos bizarros que aparecem, desmascaradas por
qualquer breve análise crítica, o mais prudente é ignorá-las por
completo. Esse fenômeno como um todo não passa de uma tremenda
empulhação, como diria o nosso professor.
Por fim, gostaria de analisar também o fenômeno da demonologia,
outro tópico importante quando falamos da cosmovisão cristã. Pois,
como sabemos, no evangelho é ensinado que Jesus expulsava muitos
demônios e tinha total autoridade sobre eles, e passou essa autoridade
a seus discípulos. Assim, o tema da demonologia sempre foi muito
importante para todos os cristãos.
Vários sites, vídeos e testemunhos espalhados pela internet nos dão
conta que todas as grandes bandas e artistas que fizeram muito sucesso
ao longo da história venderam sua alma ao demônio em troca de
riqueza e fama. Isso se refere a pessoas tão queridas e saudosas como
o falecido Freddie Mercury. Assim, ao ouvir músicas ou assistir filmes

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

ou qualquer outro produto da cultura pop, você estaria sendo exposto


a mensagens subliminares com conteúdo satânico. Isso afetaria até
mesmo as inocentes crianças.
Então, ficamos sabendo que eles fizeram sucesso não graças ao seu
talento, apesar de que este fosse óbvio para qualquer um que prestasse
um pouco de atenção; mas porque foram ajudados pelo demônio, tendo
em troca oferecido suas próprias almas. Não é estranho que existam
tantas pessoas dispostas a fazer pactos com essas entidades malignas,
em troca de dinheiro e fama, e ainda assim, a imensa maioria delas não
são nem ricas nem famosas? Por que o demônio escolhe uns, mas
despreza outros?
No livro Exorcismo – Uma História Verdadeira, de Thomas B. Allen,
é contada a história verdadeira que inspirou o filme O Exorcista. Nessa
história se encontram os mesmos elementos que são encontrados no
filme, ou seja: um menino foi possuído pelo demônio, depois de passar
muito tempo brincando com seu tabuleiro ouija. Estranhos fenômenos
começam a acontecer: o menino se torna cada vez mais recluso, passa
a ter comportamentos bizarros, até que coisas verdadeiramente
bizarras como objetos voarem, terror, barulhos e vários fenômenos
inexplicáveis que estão associados com a ação demoníaca.
Os pais tentam resolver através da medicina psiquiátrica, mas sem
nenhum sucesso. Depois, recorrem a pastores protestantes, mas
nenhum deles dá conta de expulsar o demônio. Até que os próprios
pastores recomendam que ele procure um padre católico. O exorcismo
é descrito nas páginas seguintes e lembra bastante aquele que é
mostrado no filme. No final, depois de uma grande luta em
longuíssimas e horripilantes sessões, que acabam por deixar o padre e
seus assistentes completamente extenuados, o demônio é finalmente
expulso.
Padres dos EUA afirmaram que, em 2018, nunca houveram tantos
pedidos de exorcismo. Aparentemente, é algo que vem acontecendo em

84
Josué A. Ribeiro

todo mundo. O recentemente falecido padre italiano, Gabrielle Amorth,


reconhecido mundialmente como o exorcista do Vaticano, ao que
parece, chegou a fazer mais de 40 mil exorcismos. Ele escreveu
diversos livros descrevendo alguns desses casos e contando sobre sua
experiência combatendo o maligno. Eu já li vários desses relatos, que
parecem realmente incríveis. Amorth costumava dizer que quando um
demônio é expulso, essa é uma ação sobrenatural do próprio Deus. Mas
ele também demonstrava frustração com a falta de fé e o ceticismo
quanto ao tema da ação do demônio entre a imensa maioria do próprio
clero católico, o que demonstra que eles mesmos não estavam muito
impressionados.
O irmão Alexandre Mazzali, em seu livro Demonologia e Psiquiatria,
nos informa que é preciso discernir os casos em que há uma doença
psiquiátrica, como esquizofrenia, epilepsia, transtorno bipolar ou outra
do tipo, e os casos em que há uma verdadeira atividade demoníaca
extraordinária, sendo que o mais grave desses casos é a possessão. O
médico psiquiatra deve tratar das doenças psiquiátricas, enquanto os
casos em que há verdadeira ação demoníaca extraordinária deve-se
recorrer a padres exorcistas.
Segundo Mazzali, a ação mais comum do demônio é a simples ação
ordinária ou tentação demoníaca. Apesar que ele não chega a dar
exemplos de situações como essa, presentes no dia a dia de todas as
pessoas, aparentemente acontece quando o demônio tenta o fiel em
situações como: desviar o olhar para ver um decote ou uma calça justa
de uma mulher, contar uma mentira qualquer ou sentir preguiça de ir
à missa. Mas todas as pessoas do mundo são tentadas pelo demônio
para fazer coisas semelhantes, e elas na grande maioria das vezes,
fazem o que o demônio quer. Pensando assim, faz mais sentido crer
que é o demônio, e não Deus, que é onipresente e onipotente.
Ainda segundo Mazzali, os exorcistas famosos são claros ao dizer
que entre 90 e 95% dos casos que parecem possessão são apenas uma

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

desordem psicológica, e que praticar exorcismos solenes em simples


doentes mentais, além de representar para o exorcista um desgaste
muito grande, faz os doentes não apresentarem qualquer melhora, e
por fim geram um descrédito em relação aos exorcismos e às coisas
sagradas de modo geral.
Mas existem também casos em que a psiquiatria se torna impotente.
Mazzali relata que o padre Gabrielle Amorth costumava dizer que um
exorcista experimentado está mais habilitado a distinguir essa
diferença do que o psiquiatra, pois, na maior parte das vezes, o
psiquiatra nem sequer acredita na possessão diabólica. O exorcista, por
vezes, apenas de pousar sua mão sobre a cabeça de um possuído faz
com que ele caia por terra, manifestando dessa forma a ação de uma
força sobrenatural, e não uma simples psicopatologia. Um pouco
estranho, então, que ainda assim ocorra que padres exorcistas façam
exorcismos solenes em simples doentes mentais.
Por vezes, apenas enquanto o exorcista começa a fazer uma oração,
o possuído entra em transe. Nesses casos fica claro a possessão e então
é necessário proceder ao exorcismo, que pode durar mais ou menos
tempo dependendo da gravidade do caso. É necessário amarrar os
braços e pernas do possuído, pois ele pode manifestar força
sobrenatural. Podem ocorrer fenômenos como telecinesia, tiptologia,
fantasmogênese, levitação ou até materialização de objetos. O demônio,
possuindo a vítima, também tem conhecimento de línguas ocultas e
sabe até os pecados ocultos de todos que estão presentes na sala. Por
isso, o exorcista precisa ser, antes de tudo, um religioso com uma vida
absolutamente santa e irrepreensível.
Mas o que pode causar a possessão de uma pessoa? Segundo
Mazzali, isso acontece devido ao envolvimento de parte do povo com o
mundo do ocultismo e tudo o que gira ao redor dele. Frequentar missas
negras ou participar de magia negra, por exemplo. Mas, obviamente,
não são todas as pessoas que tomam parte nessas coisas que são

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Josué A. Ribeiro

possuídas. E não fica muito claro até que ponto o ocultismo ainda é
seguro, e a partir de qual ponto passa a se tornar arriscado; alguns
veem ação diabólica até em vídeo games, livros, mangás, músicas
seculares, programas de televisão, board games ou jogos de RPG.
Para esses padres exorcistas, o meio mais eficiente de se proteger da
ação diabólica é através de um exercício de ascetismo espiritual,
participação nos ritos de sua religião (no caso, católica), afastar-se do
pecado e da descrença, e viver uma vida que seja correta, justa,
obediente e devota diante do Senhor. Mas, estranhamente, a maioria
dos ateus e céticos jamais teve qualquer problema com o fenômeno da
ação extraordinária do maligno, isso é, jamais foram vexados,
possuídos ou sofreram infestação.
Não estou negando que esses casos de possessão demoníaca são
reais, pois, ao que parece, estão muito bem documentados (apesar de
que os exorcismos praticados por pastores evangélicos nas suas igrejas
serem, na imensa maioria dos casos, pelo menos, puro teatro). O que
eu questiono é a necessidade de aderir a práticas religiosas específicas,
já que, conforme os próprios exorcistas admitem, esse é um fenômeno
extremamente raro. Tão raro que a quase totalidade das pessoas vivem
suas vidas cotidianas sem jamais se preocupar com ele.
Os mais afetados pelas ações dos demônios, ironicamente, são os
próprios cristãos, que, atribuindo-lhes tanta importância e tanto poder,
imaginam que eles estão sempre os rodeando no ar, mesmo quando
vão tomar banho, praticar sexo ou ir ao banheiro. E que, cedendo
mesmo ao menor e mais insignificante dos pecados, estão sendo
vítimas de ação demoníaca.
Amigos cristãos, convido-os a refletir um pouco. Pois viver sob o
peso de tanto medo e superstição é algo extremamente maléfico para
vocês ou para qualquer um que tenha essas crenças. Deus não é um
monstro para colocar a nós, seres humanos na Terra, e ao mesmo
tempo, enchê-la de espíritos maléficos invisíveis que ficam nos

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

tentando a todo instante.


Se você viver sua vida dignamente, obedecendo aos bons princípios
e não praticando nenhum mal de forma consciente, você não tem razão
para sentir medo que qualquer força sobrenatural vá te influenciar ou
te possuir. Mas, se você pratica o mal, a mentira, a enganação, a
trapaça, talvez, aí sim, tenha motivos para temer. Mas, nesse caso, não
é nenhum demônio que vai te punir, simplesmente vai acontecer. Veja
o que sucedeu ao ex presidente Lula, que passou de herói do povo a um
bandido e impostor, sendo desprezado e odiado pela maior parte da
população brasileira. Existe certa sabedoria no dito popular que diz:
aqui se faz, aqui se paga. Mas quem faz o que é direito tem o direito de
andar de cabeça erguida, sem ter de ficar temeroso de que está sendo
um instrumento de qualquer força sobrenatural maligna.
E apesar da crença que apenas Jesus Cristo tem o poder e autoridade
para expulsar demônios, com uma breve pesquisa você descobre que
em outras práticas religiosas, como judaísmo, Islã e até doutrinas
orientais, também existe a figura do exorcista. A crença sobre o que é
que causa as perturbações espirituais variam em cada religião, mas
todas elas conseguem, de algum modo, lidar com o problema.
Tomar o caso dos possessos, que são aparentemente pessoas que
realmente são afetadas por espíritos malignos, para generalizar que
toda e qualquer pessoa na Terra também seja, é novamente fazer a
exceção virar a regra. Desculpem, cristãos, eu não posso concordar com
isso.
É claro que a bíblia, com todas suas mitologias totalmente
fantásticas e inverossímeis, dá margem a esses pensamentos. Com
tantas pessoas em seu juízo perfeitamente normal acreditando que
uma simples hóstia consagrada por um padre se converte
magicamente no corpo e no sangue de Cristo, fica difícil culpar pessoas
que sofrem de esquizofrenia ou outras desordens mentais de criarem
todo um pensamento delirante envolvendo temas religiosos. De fato,

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Josué A. Ribeiro

os delírios envolvendo a temática mística e religiosa são encontrados


aos montes em doentes mentais dentro de hospitais psiquiátricos.
E Olavo de Carvalho, mais uma vez ecoando pensamentos mágicos
absurdos que são completamente descabidos para um intelectual de
seu porte e importância, chega a postar em sua página textos como
esse:
"Pregação de moral não adianta, vara de marmelo não adianta,
psicologia não adianta, tolerância e intolerância são a mesma porcaria,
só uma coisa no mundo funciona: chama-se EUCARISTIA. Não é ‘Jesus’
em abstrato, um Jesus meramente verbal acompanhado de visões
histéricas. É o Jesus que veio na carne e que ESTÁ NO PÃO E NO VINHO
da Eucaristia. Só isso funciona, só isso impede que os seres humanos se
tornem lobos e vampiros. Só isso assegura a presença do bem no
mundo."
Ora, vamos então fazer um estudo científico para saber se Olavo tem
razão, se o consumo da Eucaristia está realmente associado a
comportamentos mais bondosos e altruístas. E que esse estudo seja
realizado por cientistas ateus, pra não levantar suspeitas. Mas será
mesmo que alguém, fora do círculo de seguidores de Olavo, leva isso a
sério? Será mesmo que ele não percebe o tamanho da confusão e
loucura que ele induz em seus pobres leitores e seguidores com
comentários como esse? Esse é o mesmo homem que refuta a mecânica
de Newton e a relatividade de Einstein? O que ele quer, afinal? Fazer
com que as pessoas na sociedade moderna do século XXI tenham o
mesmo tipo de pensamento de um camponês europeu da época de
Santo Tomás de Aquino?
Alguns doentes, esquizofrênicos ou mesmo soropositivos ou
pacientes com câncer ou outras doenças graves, dando ouvidos a esses
milagreiros, podem parar de tomar seus medicamentos, na expectativa
que Jesus irá curá-las ou, de fato, já as curou, o que resultará apenas
em um agravamento de suas condições. Não me digam que essas coisas

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

não acontecem, pois eu sei que acontecem e são mais comuns do que
se imagina.
Talvez algumas pessoas podem até ter sido, de fato, curadas.
Milagres podem acontecer, mas é Deus quem escolhe quando, com
quem e onde, e esses eventos em que as leis da natureza são desafiadas
são tão raros que é melhor descartar totalmente a hipótese de que eles
venham a acontecer. A não ser, talvez, se for absolutamente necessário
e não houver alternativa. Deus age quando quiser e como quiser, e não
obedecendo a expectativas humanas.
Quanto a expectativa sobre a volta de Cristo, a mais grandiosa e
incrível profecia do cristianismo que, supostamente, estaria muito
próxima, basta dizer que a primeira geração de cristãos já esperava
testemunhar sua segunda vinda ainda durante seu tempo de vida. Hoje,
os sinais que aparecem são: guerras, perseguições, terremotos, tempos
difíceis e outras coisas assim. Ou seja, todas as coisas que estiveram
presentes no mundo desde sempre.
Quem quiser apostar suas fichas nisso e esperar a volta de Cristo,
que espere sentado. Quanto a mim, vou seguir minha vida contando
com a hipótese muito mais realista de que isso nunca vai acontecer. Os
religiosos, ao encherem a cabeça de seus fiéis com essas histórias,
acabam gerando neles um monte de crenças e expectativas irreais que
atrapalham muito mais do que ajudam. E quanto ao Olavo, deveria
observar com mais cautela as coisas que diz, sob pena de ser levado a
sério apenas por um pequeno gueto, e ser visto pelas demais pessoas
mais como um excêntrico guru religioso do que como um filósofo sério.

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Josué A. Ribeiro

CAPÍTULO 5

Por uma sã espiritualidade.


Ou: Expondo mecanismos de alienação

Por volta dos anos de 2003 até 2006, mais ou menos, eu costumava
ter dois amigos muito especiais. Não que hoje não sejamos, mas como
acontece com todos, cada um segue o seu próprio caminho e se afasta
dos demais. Mas naquela época, éramos tão próximos que todo fim de
semana costumávamos sair juntos, conversar amenidades e também
assuntos importantes, paquerar as garotas, compartilhar nossas
vivências, rir, falar das nossas frustrações, já que nenhum de nós havia
ainda alcançado qualquer sucesso significativo, e também confessar
uns aos outros nossos sonhos, desejos e planos. E como morávamos no
mesmo bairro e bem próximos uns aos outros, mesmo durante a
semana costumávamos nos encontrar.
Foi um desses amigos que me apresentou às ideias da direita, eu
que, até então, era um esquerdista convicto. E claro, ao Olavo de
Carvalho. Rapidamente, ao ler o livro do filósofo, me convenci que ele
tinha razão em suas ideias. E assim, o fato que nós três éramos
olavistas, numa época em que os conservadores brasileiros não
enchiam uma kombi, era um fator a mais em nossa relação de
cumplicidade.
Um belo dia, um desses meus amigos veio até mim e ao nosso outro
amigo para contar, todo entusiasmado, uma grande novidade: havia se
convertido a Jesus e resolvido nascer de novo, e em breve seria
batizado. Nós, que não havíamos sido, apenas desejamos que ele fosse
feliz em sua nova fase.

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

Mas esse amigo, depois dessa conversão, já não era mais a mesma
pessoa. Ele havia se tornado tão pudico, que até um mero beijo na boca
visto num filme já era motivo de escândalo, e de ele ou tapar os olhos,
ou sair da sala, ou pular a cena. É claro que aquilo não deixava de ser
cômico e até ridículo, provocando nas demais pessoas algumas risadas
involuntárias. Mas ele, resolutamente, ignorava todos os nossos apelos
e argumentações de que aquilo não era algo imoral e de que Deus não
estava preocupado com aquelas coisas.
Quando ele fazia proselitismo ou tentava argumentar a favor de suas
novas crenças, ele começava falando: “Quando Adão pecou, a
humanidade foi separada de Deus...” e continuava. Naquela ocasião, o
que me causava mais espanto não era nem aquela história totalmente
incoerente da serpente falante e do fruto proibido, que eu sempre havia
entendido como metáforas, mas o fato de ele se referir a essas coisas
como se fossem acontecimentos factuais, e referir-se a Adão, um
personagem totalmente mitológico, como se houvesse sido uma pessoa
real de carne e osso, como Hitler, Júlio César ou Napoleão Bonaparte.
Apesar de ter achado isso quando ainda era bastante jovem, anos
mais tarde estava eu enfrentando profundas dificuldades e aflições em
minha vida, e resolvi dar um crédito àquele misterioso Deus cristão. O
Deus das causas impossíveis e dos milagres. E resolvi, pela primeira
vez em minha vida, entrar numa igreja evangélica. Até então, desde
que eu havia conhecido Olavo, era apenas um simpatizante do
cristianismo e católico nominal.
Antes disso, já havia até participado, no ano de 2008, de um
seminário proferido pelo falecido historiador católico e professor
universitário Orlando Fedeli, em que ele defendia a Igreja Católica pré-
conciliar como sendo a única via que levava a salvação, e rejeitando não
apenas todas as demais religiões, como também a Igreja Católica pós
Concílio Vaticano II. Também aparecia a temática de total defesa da
história da Igreja em relação a perseguição a hereges, bruxas e guerras

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Josué A. Ribeiro

religiosas. Mas eu procurei esse seminário, não porque estivesse


particularmente interessado em defender algum posicionamento
específico a respeito da Igreja. Eu participei porque achei que, de
alguma forma, aquilo ia me aproximar mais de Deus, e talvez me ajudar
a lidar com toda a grande confusão que era a minha vida.
Em relação a minha conversão ao cristianismo evangélico, fui
aconselhado por uma conhecida que já participava dessa religião, que
me recomendou uma igreja que era prodigiosa em milagres e sinais.
Isso foi no ano de 2011. Era uma igreja da linha neopentecostal, que
ficava do outro lado da cidade, me forçando a ter um grande trabalho
e gasto de tempo apenas para me deslocar até lá. Mas aquilo era o de
menos, pois se Deus fosse mesmo me presentear com um livramento
para todos aqueles sofrimentos que eu enfrentava, todo esforço valia a
pena.
E de fato, apareceu um sinal, aparentemente sobrenatural. Mas sim,
um pequeno sinal, e pronto: aquilo já foi suficiente para me convencer
que Jesus Cristo realmente fazia milagres até os dias de hoje, que a
bíblia estava totalmente correta e que eu deveria entregar minha vida
nas mãos do senhor e salvador Cristo Jesus, e confiar na vontade do
Deus bíblico. E passei a fazer algumas coisas que eu imaginava que
nunca faria, como por exemplo, postar em minhas redes sociais
constrangedoras mensagens de conversão, e dar muito do meu pouco
e suado dinheiro para pastores engravatados.
A submissão de alguns cristãos à vontade desse Deus, e por
consequência aos líderes da sua igreja, é algo tão absoluto que eles
acreditam que o correto é o fiel nunca fazer a sua própria vontade,
apenas confiar Nele e deixar que a vontade Dele seja feita em sua vida.
Fazer a própria vontade é um sinal de independência e rebeldia que
Deus reprova de todas as formas, e que apenas leva a pessoa à desgraça
e ruína completas. Isso também era uma das coisas que o meu amigo
costumava falar, e que eu ouvi de todos os meus companheiros quando

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

participei de uma célula na igreja evangélica.


Além disso, havia a noção de que Deus era ciumento, e essa era uma
importante mensagem dos pastores. Isso, a princípio, produz um
grande conforto psicológico. Imagine ser tão importante a ponto de
Deus sentir ciúmes de você! Mas depois do conforto inicial, isso se torna
uma prisão. Porque a cada vez que você se sente tentado a praticar
algum pecado, você pensa que Deus vai se sentir traído. Você peca uma
vez, pede perdão e está tudo bem. Mas e se for pecar uma segunda vez?
E uma terceira? Seria como a mulher traída que perdoou o marido
adúltero e depois é traída de novo e de novo? Até quando ela vai
suportar isso?
Primeiro dizem: sem fé, é impossível agradar a Deus. Certo, então
ótimo, afinal eu tenho fé, acredito em Jesus, frequento a igreja e adoro
Deus em espírito e em verdade, assim como manda o figurino. E estou
até dando dízimo a igreja, pois foi Ele que nos deu nosso sustento e nós
apenas devolvemos a Ele uma parte. Então, estou cumprindo a minha
parte direitinho. Mas depois dizem: sem santidade é impossível
agradar a Deus, pois afinal, Deus é santo. Então não pode pecar. Bom,
será que não dá pra ficar com aquela passagem que diz que o perdão
de Deus é ilimitado? Não, dizem os líderes, porque Deus é ciumento, e
com Deus não se brinca. E Deus também castiga. Ele é infinitamente
bom sim, mas também é infinitamente justo, e a Sua justiça não pode
permitir que quem faça o que é mal aos Seus olhos fique impune.
Se você fizer algo que desagrade a liderança da igreja, podem te
acusar não apenas de ser ingrato, mas de estar cuspindo na cara do
próprio Cristo. Não, isso não aconteceu comigo, mas aconteceu com
uma pessoa que eu conheço, o que me faz pensar que não é assim tão
incomum. O nível de pressão psicológica e chantagem emocional a que
os crentes são submetidos dentro das igrejas é uma coisa assustadora.
Eu também fiquei assustado com a seriedade que os evangélicos
davam a questão da pureza sexual, vendo que aquele meu velho amigo

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Josué A. Ribeiro

não era exatamente uma exceção a regra. Apesar de que eu a princípio


tive dificuldades pra me adequar a esse novo padrão, com o tempo
aceitei a castidade como algo santo e admirável. E me sentia muito
culpado, tratando o meu próprio desejo sexual como uma imundície,
que fazia de mim uma criatura nojenta e indigna.
Secretamente invejava o paganismo, que via o ser humano e sua
sexualidade como algo perfeitamente são e natural, totalmente em
harmonia com o cosmos e o universo. Não havia grandes remorsos ou
preocupações, não havia pecado original. Mas, ponderava, esses eram
apenas escravos de Satanás, que certamente iriam para o inferno após
a morte.
Em uma dessas igrejas, mais tradicionais, eu tinha a sensação que
as pessoas me tratavam como um tipo desprezível e indesejado, uma
gentalha com a qual os crentes de linhagem mais nobre não deveriam
se misturar. Isso me fez perceber que, mesmo no meio cristão, também
havia o bom e velho sistema de castas, e que mesmo as mensagens
cristãs de não fazer discriminação entre os irmãos não podiam impedir
que também nesse meio houvessem pessoas mais populares e outras
mais excluídas.
Mas de fato, acho que eu exagerei a dose no quesito de viver a minha
vida com fé. Particularmente, dei uma ênfase exagerada na passagem
em que Jesus diz que Deus oculta a verdade dos sábios e entendidos, e
a revela aos pequenos e humildes. Assim, passei a ver virtude e
sabedoria na mais pura e simples ignorância. Evangélicos pobres se
debatendo no chão depois de terem sido exorcizados por um pastor,
não significavam uma histeria coletiva, e sim, o poder de Deus. Afinal,
Deus não é autor de confusão.
E também passei a desprezar as sutilezas, as muitas nuances e
sofisticações do pensamento filosófico, afinal, a sabedoria dos homens
era loucura para Deus. O pensamento racional, a ciência, a prudência
de desconfiar um pouco de supostas revelações divinas, ficaram todas

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

num segundo plano. Naquela época, eu ouvi no youtube o áudio do


livro "A divina revelação do inferno", de Mary Baxter, e acreditei em
cada palavra. Também acreditava no relato de supostos místicos
cristãos que afirmavam terem visitado o inferno, e lá visto até mesmo
crianças sendo torturadas. O pecado delas? Terem desprezado Jesus, e
ficado muito tempo assistindo na televisão animes e desenhos
animados contendo mensagens subliminares satânicas.
Mas eu queria mesmo estar do lado certo, do lado vencedor, então,
escolhia Deus e a sabedoria de Deus. Livros e ensinamentos de filósofos
ou psicólogos não me interessavam, eu queria apenas me aprofundar
nos mistérios da bíblia e da teologia. Afinal, tudo que eu precisava saber
estava lá. Aquele era o manual de instruções do ser humano, deixados
a nós pelo próprio Criador, que inspirou os autores das escrituras
sagradas de maneira sobrenatural. E desvendando a bíblia, eu
desvendaria o próprio ser humano.
E conforme já mencionei, eu era um ávido consumidor de
mensagens proféticas e místicas, exortações, estudos bíblicos,
demonologia e teorias sobre pactos com demônio, teorias sobre
reptilianos, teorias de conspiração sobre os Illuminatti, visitas ao céu e
ao inferno, e outras coisas assim.
Acompanhei muito de perto os vídeos de um anônimo que se
identificava apenas como danizudo, que eram extremamente
sensacionalistas e bem feitos, e tão impressionantes que chegavam a
me hipnotizar. Apesar de denunciar as mensagens subliminares
presentes nos vídeos de sucesso das grandes estrelas internacionais da
música, em seus vídeos também ele usava uma trilha sonora
assustadora, e muitos efeitos visuais, que me deixavam mais alerta e
apreensivo do que se eu estivesse vendo um filme de terror.
Ele denunciava, com muita bravura e valentia, os poderosos e
onipresentes Illuminatti, que usavam de toda sua inimaginável riqueza,
poder e seu conhecimento oculto para conduzir a humanidade, cega

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Josué A. Ribeiro

como um rebanho, rumo à degeneração, ao abate e à total perdição


espiritual. Apesar disso, o lema do canal, "conhecimento é poder",
também remetia a ocultismo, apesar de na época eu ter ignorado esse
detalhe.
E claro, o principal detentor desse conhecimento e desse poder era
o próprio danizudo, que generosamente compartilhava todas essas
informações, secretas e confidencialíssimas, das pessoas mais cruéis e
poderosas do mundo, com todos os inscritos de seu canal. Mas, até
onde eu sei, os Illuminatti ainda não tomaram nenhuma providência
pra calar esse sujeito tão audacioso e atrevido.
Nessa época ainda não se falava muito sobre Terra plana, mas se eu
tivesse tido contato com essa teoria, com certeza teria me tornado um
terraplanista convicto. Pois, mesmo depois de já haver passado o pico
dessa minha fase de maior fervor religioso e credulidade, realmente
levei a sério essa teoria quando me propus a estudá-la. E também dei
algum crédito a afirmações como a Terra ter só 6 mil anos, que
dinossauros e seres humanos conviveram lado a lado e que vacinas são
uma conspiração da elite mundial satânica para envenenar a
humanidade.
Pois são corajosos homens de Deus, de grande cultura, inteligência
e erudição, como Afonso Vasconcelos, o e ex professor da USP e doutor
em geofísica, e dono do canal Ciência de Verdade no youtube, que
anunciam para nós essas verdades. (Acho que eu deveria dizer:
"verdades").
Infelizmente, para esses valorosos varões, elas são ocultadas da
humanidade pela mídia e pelos governos e agências espaciais, para nos
fazer crer que nossa vida não faz sentido nenhum, e que somos, dentro
de um universo tão gigantesco, tão relevantes como vírus ou bactérias,
e não criaturas importantes, amadas por Deus e criadas a sua imagem
e semelhança. E todas as mentiras da ciência moderna tem como
objetivo desmentir as verdades que são reveladas na bíblia, e fazer o

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

homem moderno crer em uma cosmologia satânica, em que não é


necessário ter respeito algum pelas coisas sagradas, e nem se tem o
importantíssimo conhecimento de que você é um ser criado por Deus
e que possui um lugar de destaque na criação.
Olavo de Carvalho disse que estudou a teoria da planicidade das
águas, e não havia ainda encontrado nada que pudesse refutá-la. Antes
disso, ele já havia endossado os livros e teses do físico e matemático
católico Wolfgang Smith, que defende o modelo geocêntrico e é um
crítico do heliocentrismo. Smith, que segundo consta, é um homem
com boa reputação no meio científico por ter ajudado a resolver o
problema da reentrada atmosférica em viagens espaciais, escreveu
livros como "A sabedoria da antiga cosmologia", em que aponta
contradições e falhas em nosso modelo cosmológico atual, e, como o
próprio título do livro sugere, defende a antiga cosmologia.
Durante algum tempo eu achei isso incrível, e quis adquirir esse
livro. Mesmo sem ler nenhuma linha dele, já acreditava em suas
premissas. Mas depois ponderei que a humanidade não vai deixar de
acreditar na astronomia moderna jamais, a não ser que a Nasa, ou
mesmo alguma outra agência espacial de menor porte, venha a público
dizer que estavam enganados, que não é a Terra que gira ao redor do
sol, e sim o sol e os astros que giram ao redor da Terra. Mas muitos
acham que sabem que é uma conspiração, e que as agências espaciais
escondem a verdade. Assim como outros também acham que sabem
que há uma conspiração entre os historiadores para contar uma
história caluniosa sobre a Igreja, e assim sujar a sua imagem.
Mas Olavo de Carvalho aposta que Wolfgang Smith, com seus livros,
vai ser mais forte que todas as agências espaciais e toda a física
moderna, e no fim, a humanidade reconhecerá que é ele que tem razão,
e que é a cosmologia antiga que estava correta, e nós voltaremos a ter
a mesma visão que tínhamos desde a época de Ptolomeu e antes de
Copérnico e Galileu. E descobriremos, então, que desde aquela época

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Josué A. Ribeiro

vínhamos sendo enganados, e que a Igreja Católica estava certa na


polêmica contra Galileu.
Parece bizarro? Mas, nas palavras de Olavo, Wolfgang Smith já
venceu essa disputa. Pois Olavo leu toda a obra de Wolfgang Smith, e
está convicto de que ele tem razão. Portanto, a Terra está parada, e o
sol e os astros giram ao redor dela. Bravo, Olavo! Isso que é acreditar
piamente no poder de um homem sozinho contra um consenso da
humanidade que já dura aproximadamente cinco séculos.
Mas muitos realmente dão crédito a Olavo em tudo que ele diz. E,
aventurando-se pelos mistérios da ciência olavista, começando com
Olavo, você chega no doutor Afonso, afinal, os dois já trocaram alguns
afagos. O doutor Afonso parece um homem admirável, pois mesmo
sendo doutor em geofísica, ex professor titular da USP e tendo se
formado com todos os méritos, jamais deu as costas a Cristo.
E se por acaso você é uma pessoa comum que acompanha o Olavo e
sabe a respeito dos estudos de Wolfgang Smith, e acredita que Olavo
está certo e portanto, acha que a Terra está parada e o sol e os astros
se movem ao redor dela, basta só mais um pequeno passo e alguns
vídeos do doutor Afonso pra você acreditar que a Terra também é
plana. Afinal, o próprio Olavo não encontrou nada que refutasse a
teoria da planicidade das águas.
E, já que você já foi tão longe, acreditar que vacinas foram criadas
pela elite satânica para envenenar os nossos filhos é só mais um passo.
Jamais permita que alguém dê esse veneno a suas pequeninas e
inocentes crianças! Você não vai querer que elas desenvolvam autismo.
Isso está provado, afinal, o doutor Afonso já leu vários livros falando
disso, mostra estatísticas bastante convincentes, e até exibe esses livros
em seus vídeos, para que você mesmo possa adquiri-los e lê-los, caso
tenha fluência na língua inglesa.
A essa altura, você já desenvolveu um laço afetivo e sentimental com
um cientista de verdade, um cristão tão corajoso, heroico, esclarecido e

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

nobre como o doutor Afonso. E você jamais acreditará que ele será
capaz de mentir ou estar enganado. Ele é o seu guia. E se ele te disser
que dinossauros e humanos viveram juntos, que embalagens plásticas
são responsáveis por um aumento na quantidade de homossexuais no
mundo, que a Terra tem só 6 mil anos, que o mundo e o ser humano
foram criados dentro de um intervalo de 6 dias, e que todos os eventos
fantásticos narrados na bíblia aconteceram literalmente, você vai
acreditar.
Depois o doutor Afonso diz que, devido a inversão do campo
magnético da Terra, que está iminente, o domo que cobre todo o nosso
plano irá se romper, e a Terra será inundada por plasma, produzindo
uma catástrofe de proporções bíblicas, e você terá que estar preparado
para isso. Seja cauteloso! O mínimo que você pode fazer é comprar um
kit de sobrevivência. E mantenha-se informado, assistindo a mais
vídeos do doutor Afonso.
Nesse ponto, você acredita no doutor Afonso até se ele te disser que,
se você estiver passando por dificuldades financeiras, não precisa se
preocupar, basta rezar pra Jeová com muita fé, pedindo dinheiro, e você
vai virar a esquina da rua da sua casa e achar uma nota de cem reais
dando sopa no chão, bem na sua frente. Aleluia! Glória a Deus!
(Ele realmente conta, em um de seus vídeos, que certa vez um amigo
lhe ligou pois estava muito aflito e precisava de um dinheiro
emprestado. Mesmo tendo boas condições financeiras, o doutor Afonso
não emprestou, mas ao invés disso, deu um conselho valiosíssimo: ore
ao Deus de Abraão, Isaque e Jacó pedindo esse dinheiro, e Ele irá lhe
dar. Sim, realmente muito cristão da parte do doutor Afonso!)
Levanto essas questões sobre ciência (sim, alguns chamam isso de
ciência, e até mesmo de ciência de verdade), porque muitas pessoas que
acreditam em Terra plana, e em outras teorias semelhantes, fazem isso
influenciadas por sua cosmovisão cristã, e sua grande disposição de
acreditar nas histórias bíblicas de forma literal. (Mas nem todas. Alguns

100
Josué A. Ribeiro

que acreditam na Terra plana não são cristãos).


Mas é fato que o doutor Afonso admitiu, em um de seus vídeos, que
sua inflamada defesa da teoria da Terra plana tem tudo a ver com o
fato de essa teoria estar em maior harmonia com o literalismo bíblico.
Ou seja, se ele não fosse um cristão fundamentalista, provavelmente
pensaria de modo diferente. Da mesma forma, Olavo de Carvalho
também parece deixar que suas crenças religiosas afetem o julgamento
que ele tem sobre temas relacionados à ciência.
Para Olavo, não basta apenas ser um gênio na filosofia política; ele
também tem que estar certo nas questões científicas, enxergando tudo
o que quase ninguém mais enxerga. O homem é mesmo um visionário!
Mas será que compensa apostar tão alto numa área que nem é a dele?
Poxa, se está tão convicto, pelo menos espere alguma agência espacial
dar com a língua nos dentes! Ou pelo menos, algum de seus altos
funcionários, que tenha informações confidenciais e provas concretas.
Olavo afirma que a ciência moderna, que a população julga ser algo
tão exato, racional e matemático, está na verdade, desde as suas bases,
repleta de esoterismo, misticismo e alquimia. Pode até ser. Mas
honestamente, eu preferia ter ignorado essa informação, porque não
sei que diferença vai fazer na minha vida. Olavo nos informa a respeito
de uma infinidade de coisas, mas muitas vezes, são coisas que estão
muito além do nosso alcance exercer alguma ação efetiva ou fazer um
julgamento são.
Alguns seguidores do filósofo também tem essa compulsão, ou seja,
se eles não souberem a verdade verdadeira a respeito de tudo que existe
e tudo que está acontecendo, o mundo irá acabar. E gastam uma
imensa quantidade de tempo e esforço tentando filtrar a verdade em
meio a tantas mentiras. Fique atento às últimas maquinações de
George Soros, espalhe para todos os seus contatos! Isso é muito
importante! O povo precisa saber! Não se preocupe em parecer
inconveniente e chato, espalhando essas informações para pessoas que

101
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

nem estão interessadas. Afinal, o que nós devemos fazer, como nobres
soldados de Cristo, é lutar pela verdade. Mesmo não dispondo de
nenhum meio de comunicação em massa para levar essa informação
aos lares dos brasileiros, se todos nós fizermos nosso trabalho de
formiguinha, tudo vai dar certo!
E com qual objetivo? O que poderão fazer os pobres receptores
dessas mensagens a respeito de coisas como essas? Será que esse
trabalho de formiguinha, informando pessoas que muitas vezes nem
sabem quem é George Soros, realmente vai impedir George Soros de
fazer seja lá o que for que ele queira fazer? Não seria melhor lembrar a
essas pessoas que ficam fazendo essa militância tão obstinada que, por
acaso, elas também têm uma vida? E que, esforçando-se tanto para
lutar contra a alienação, acabam elas próprias se tornando fanáticas e
alienadas? Como são felizes as pessoas que vivem suas vidas com mais
leveza e menos preocupação!
E esses militantes costumam enxergar a realidade de forma bem
binária: bem ou mal, Cristo ou o demônio, branco ou preto. E não dão
atenção às diferentes tonalidades de cinza. Algumas vezes, você pode
concordar com eles em muitas coisas, mas se não concorda em tudo, já
passou para o lado do mal e só merece receber críticas e insultos. Afinal,
não é assim também que Olavo age?
Claro que também não podemos permanecer completamente
ignorantes e alienados, alheios a tudo que acontece. Realmente
precisamos saber de algumas coisas importantíssimas que não são
divulgadas na grande mídia, ou notícias que são muito distorcidas, e
buscar nos informar, e sim, compartilhar com nossos contatos o que
for mais relevante, de fácil entendimento, e que não seja fake news.
Outras vezes, porém, a ignorância é uma bênção. Eu confesso que,
mesmo tendo devotado tanto tempo pra estudar sobre os Illuminatti,
os reptilianos e a demonologia, ainda não achei nada de útil pra fazer
com esse conhecimento. E a essa altura, prefiro nem pensar mais a

102
Josué A. Ribeiro

respeito disso.
E pra falar a verdade, em 99,9% do meu tempo eu não estou muito
preocupado com o assunto do formato da Terra. Ela é redonda, mas se
fosse plana, não mudaria minha vida em nada, nem provaria o
literalismo bíblico. Eu não chego a ser um aficionado por filmes e séries
de ficção científica e extraterrestres. Mas também, o fato de ela ser
redonda e o universo incrivelmente grande, não me coloca no mesmo
status ontológico de um vírus ou bactéria, como algumas vezes
sugerem os terraplanistas.
Conforme sugeri no título do capítulo, parece claro que a
espiritualidade de uma pessoa tem sim a ver com seu estado de
alienação. Pois se ela tem uma espiritualidade caótica e bagunçada, ela
acaba tendo comportamentos e crenças que a deixam muito alienadas
em relação às demais pessoas, e ainda acredita em qualquer coisa que
o seu guru ou líder espiritual diga a ela. Pode ser o pastor evangélico
falando que se ela vender seus bens e depositar o dinheiro na conta da
igreja Deus vai retribuí-la em dobro, pode ser o doutor Afonso fazendo
alarmismo a respeito da inversão do polo magnético da Terra, o
rompimento do domo e a queda do plasma em cima das nossas cabeças.
E a pessoa, se estiver confusa demais, irá acreditar.
Mas claro que não são apenas teóricos de conspiração que provocam
essa alienação em seus ouvintes. A grande mídia também faz
exatamente a mesma coisa. E no caso dela é pior, porque o público que
atinge é muito maior. E muitas vezes, é um público que se considera
esclarecido e elitizado, não como aqueles pobres ignorantes que dão
ouvidos a teóricos de conspiração. Mas aí também ocorre um
problema, porque nem toda teoria de conspiração é ruim e falsa; as
vezes, o que ela está falando é a mais pura verdade, enquanto a grande
mídia está enchendo a cabeça das pessoas com mentiras.
Como fazer essa distinção? É preciso ficar atento. Talvez seguir o
conselho bíblico: examinar todas as coisas, e ficar com o que é bom. E

103
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

muitas vezes, é preciso aguardar que o tempo mostre o que é


verdadeiro e o que é falso. Não convém dar opiniões precipitadas a
respeito de nada, especialmente se você não é um especialista na área.
Mas pessoas que falem num tom mais calmo e sereno, sem um
excessivo sensacionalismo, sem apresentarem-se como donas da
verdade, sem apostarem em teses excessivamente inverossímeis, sem
quererem criar um vínculo emocional com o ouvinte, afirmando que
estão heroicamente lutando contra um cruel sistema que é onipotente
e onipresente, e fundamentando suas denúncias com bons argumentos
ou evidências claras, que estejam ao alcance para qualquer um
averiguar, são mais dignas de confiança.
Afinal, se houvesse mesmo algum sistema onipotente e onipresente,
que não deixa nada escapar ao seu controle, políticos como Bolsonaro
e Trump, com um discurso tão contrário ao establishment político e
midiático de seus respectivos países, jamais teriam sido eleitos. Isso só
vem a mostrar algo que deveria ser óbvio desde o princípio: o nosso
destino está em nossas mãos. E por mais que os poderosos tentem nos
controlar, alguma coisa sempre escapa ao controle.
Portanto, apostar que existem pessoas extremamente
inescrupulosas, cruéis e poderosas, que estejam fazendo coisas como
criar vírus em laboratório para causar uma terrível pandemia no
mundo, e poderem através disso destruir seus inimigos e tornarem-se
ainda mais poderosos, é algo que só deve ser levado a sério caso existam
evidências fortíssimas, ou mesmo provas, de que é esse o caso. Essa
hipótese não precisa ser descartada de imediato, mas deve ser vista
com ceticismo, a não ser que surjam novos dados que a corroborem.
Os ateus têm razão quando dizem que alegações extraordinárias
exigem evidências extraordinárias. (No momento em que escrevo essas
linhas, a pandemia de corona vírus assola a humanidade.)
Eu confesso que, no primeiro contato que tive com Olavo de
Carvalho, ao ler seu livro O Imbecil Coletivo, ele me pareceu a pessoa

104
Josué A. Ribeiro

mais sã, lúcida, equilibrada e inteligente que havia em todo o mundo.


Nada naquele livro parece maluquice ou coisa de gente que está "fora
da casinha". Muito pelo contrário. E como a primeira impressão é a que
fica, eu passei a aceitar também as outras coisas que ele dizia, mesmo
que já não fossem demonstradas com uma argumentação tão rica e
detalhada ou evidências tão claras. Mas, para as pessoas cujo primeiro
contato com ele é sabendo que ele é um filósofo terraplanista sem
nenhuma formação acadêmica, fica realmente complicado levá-lo a
sério em qualquer coisa que ele diga.
Sobre a minha trajetória no cristianismo evangélico, depois de ter
participado em várias celebrações em cultos e até de ser batizado em
uma dessas igrejas, eu comecei a acreditar demais no sobrenatural e
ver sinais sobrenaturais de Deus em toda parte, em que o Criador
estaria se comunicando comigo. E eu estava destinado a ser um grande
profeta dos tempos modernos, um verdadeiro escolhido de Deus. Esse
era o sentido da minha vida, e tudo que eu havia vivido antes era
apenas uma preparação para esse grande momento. Seria o meu
momento de glória, em que eu teria toda a evidência e reconhecimento
que nunca havia tido.
Isso acabou me levando a agir de maneira insensata, e de fato
ocorreu um evento trágico, que não quero mencionar aqui em detalhes,
mas que quase acabou por me levar à morte. Isso aconteceu no ano de
2013, apenas dois anos depois de eu ter me tornado um cristão
evangélico.
Levei algum tempo para me recuperar disso. As cicatrizes estão
presentes até hoje. Mas isso ainda não foi suficiente para fazer com que
eu rejeitasse de vez o cristianismo. Afinal de contas, aquela cosmovisão
fazia todo sentido: se eu me comportasse e fosse um bom menino
diante daquele Deus, negasse a mim mesmo e fizesse a vontade Dele,
Ele iria me presentear, ao fim de minha jornada terrestre, com o
paraíso que havia feito especialmente para os seus eleitos. E o que eram

105
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

os 70, 80 anos que eu viveria aqui na Terra, na melhor das hipóteses,


comparados com a eternidade?
Assim, durante algum tempo, ainda permaneci na religião. Mas, um
pouco traumatizado com as igrejas evangélicas, resolvi optar pela sã
doutrina católica, que era mais racional e balanceada; e afinal, o meu
próprio líder intelectual, Olavo de Carvalho, um homem que era
exemplo pra mim em tudo, era católico, o que sem dúvida contava
muito.
Durante alguns anos, fiquei acreditando no catolicismo. Tinha fases
em que eu era mais devoto e tinha fases em que eu era mais liberal. De
qualquer forma, no ano de 2016 participei do curso de crisma em uma
paróquia católica próxima de onde eu moro, e no ano de 2017 fui
crismado, perante toda a comunidade religiosa, e repetindo as palavras
ritualísticas ordenadas pelo padre, que incluíam renunciar totalmente
a Satanás e a todas as suas obras.
Foi apenas muito recentemente que criei coragem e resolvi ler
material que oferecia não apenas uma visão crítica em relação aos
exageros feitos por alguns cristãos, mas que chegava a questionar até
mesmo a real existência de Jesus como personagem histórico. E mais
que isso, apresentava grandes problemas com os ensinamentos dele,
sugerindo que, ao invés de um salvador real, ele foi apenas um
personagem fictício que criou para a humanidade muito mais
problemas do que soluções.
Bastou algumas leituras para que isso produzisse em mim um
grande efeito, já que eu já me encontrava de um modo em que sentia
que aquelas crenças que eu carregava eram não apenas desnecessárias,
mas até mesmo um estorvo. E então, fui lentamente recuperando em
minha consciência as histórias sobre as coisas nada bonitas que os
cristãos haviam feito ao longo da sua história, como os crimes e as
perseguições, que eu desde há muito tempo estava resolvendo ignorar,
influenciado por Olavo de Carvalho e seu grupo, que costumam

106
Josué A. Ribeiro

apresentar a Igreja sempre como santa, virgem e imaculada, e todas as


tentativas de afirmar o contrário disso não passariam de sórdidas
campanhas de difamação movidas por pérfidos adversários.
Sobre a questão se Jesus realmente existiu ou não, eu francamente
não sei; e também ignoro se sua ação no mundo tenha sido mais
benéfica do que maléfica, ou mais maléfica do que benéfica.
Certamente, para algumas pessoas ele é bom, enquanto para outras é
ruim. Mas, falando sobre o meu caso específico, posso dizer, com
tranquilidade, que rejeitar o cristianismo, e ignorar Jesus, foi
certamente uma libertação. E se algum dia eu voltar a acreditar em
Jesus, ele será para mim como um amigo íntimo de longa data, e não
como um tirano ameaçador e autoritário.
Novamente enfatizo que rejeitar o cristianismo não é a mesma coisa
que rejeitar todos os valores cristãos e tornar-se anticristão. É
simplesmente, escolher outros referenciais nos quais se apoiar. E
muitas vezes, esses referenciais coincidem bastante com aqueles que
nos são dados pelo cristianismo, mas sem todo aquele ranço moralista
e supersticioso tão característico dos cristãos mais conservadores.
Acredito que muito do apelo que essa religião tem junto às massas é
devido a uma ideia, que todos nós seres humanos costumamos ter, que
a dor e o sofrimento são muito mais dignos e admiráveis do que a
felicidade e a alegria. Assim, quando vemos uma pessoa se sentindo
alegre e satisfeita, passamos imediatamente a condená-la, mesmo que
seja inconscientemente. Ignoramos que a vida sempre dá suas lições
em todos, e que o aprendizado sempre custa muito caro. Achamos que
o outro está sempre bem enquanto nós estamos mal, e por isso nos
sentimos invejosos e até queremos que Deus o castigue por isso.
Inversamente, muitas pessoas querem apresentar-se como se
sempre estivessem bem e extremamente felizes. Nessa era das redes
sociais, elas compartilham suas fotos em viagens, festas, celebrações
entre amigos, mostrando as conquistas que obtiveram ou então em

107
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

momentos de alegre intimidade com o seu parceiro ou parceira.


Bem, de fato não há nada errado em celebrar suas próprias vitórias
e alegrias. Mas não é possível evitar o pensamento de que existe, no
comportamento de pessoas que querem apenas mostrar o quanto estão
bem, um desejo, inconsciente ou não, de exercer poder sobre os outros.
De mostrarem aos outros que não são simples pessoas comuns, mas
sim tão chiques e glamorosas como uma estrela do cinema. Apesar de
que, no fundo, talvez elas mesmas estejam se sentindo tristes e erradas.
Um exemplo óbvio desse tipo de pessoa que me ocorre citar agora é
aquele homem que, há alguns anos, ficou conhecido como o “rei do
camarote”.
Mas, voltando ao tema em discussão. Percebo que a imensa maioria
daqueles que rejeitam o cristianismo se tornam ateus ou céticos.
Rejeitam o Deus cristão e, na maioria das vezes, não colocam nada no
lugar. O problema da relação com o divino é resolvido negando-o em
qualquer forma ou perspectiva que ele apareça. Essas pessoas
costumam ter uma atitude de rebeldia, como se estivessem dizendo ao
Altíssimo: “Você não manda em mim!”, como se isso fosse afetá-lo de
alguma forma.
A lógica que usam para negar o transcendente e a transcendência é,
no entanto, como diria Olavo, bastante pueril. Para citar um exemplo,
o famoso paradoxo de Epicuro, que usam para dizer que Deus ou não
é bom ou não é onipotente, pelo fato de que existe de fato o mal no
mundo e Ele não age para impedir, pode ser facilmente resolvido se
você entende que Deus, apesar de ser, de fato, bom e onipotente,
respeita nosso livre arbítrio e não quer nos tratar como crianças que
precisassem sempre de uma babá.
Deus, obviamente, não quer que o ser humano sofra
demasiadamente, mas ele também sabe que muitas vezes é só através
desse sofrimento que o homem pode evoluir, não apenas como
indivíduo, mas também como espécie. Veja como as civilizações vem

108
Josué A. Ribeiro

evoluindo com o passar dos anos, novas histórias sendo contadas,


novos dramas, novas aprendizagens e novas experiências. E isso não
seria possível se o homem estivesse sempre na sua zona de conforto,
apenas aguardando para ter seus desejos e necessidades atendidos
como uma criança birrenta, mimada e sem nenhuma maturidade.
Obviamente, as dificuldades são muito maiores para uns do que para
outros, mas, eventualmente, todos terão de lidar com problemas.
Além disso, quando você tem em conta que a morte não é o fim, mas
apenas uma passagem, muitas das coisas que não fazem nenhum
sentido na perspectiva de um ateu passam a fazer sentido. Todos
aqueles mortos nos gulags e nos campos de concentração, não estão,
de fato, mortos. Estão vivos em algum outro lugar, desfrutando de suas
novas condições depois de terem passado por tanto sofrimento injusto
aqui na Terra.
A modernidade realmente parece ter barrado essa perspectiva para
a transcendência. E nesse sentido, é mesmo muito útil resgatar o
trabalho de filósofos medievais como Tomás de Aquino, para os quais
essa questão estava tão clara que chegava a ser óbvia. Foi este filósofo
quem, pela primeira vez, mostrou como é possível, com o uso da razão,
demonstrar a existência de Deus, em suas cinco vias de demonstração
ou provas.
Mas essas provas apenas demonstram que de fato, há um Deus, e
nada dizem sobre quem ou o que é esse Deus (e nem mesmo
poderiam). Para os filósofos medievais era realmente o Deus bíblico,
mas para aqueles que discordam que seja, basta considerar que
realmente existe um Deus que teve sua existência provada através da
pura lógica e racionalidade, ainda que nós não o conheçamos.
Apesar do fato de eu realmente não ter nenhuma certeza sobre
quem ou o que é Deus, isso não significa que eu não tenha algumas
crenças sobre ele. Crenças que, obviamente, eu não desejo impor a
ninguém, apenas que do meu ponto de vista fazem sentido, trazem

109
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

conforto, não induzem a nenhuma alienação, e que eu pude moldar


também ao estudar experiências místicas narradas por certas pessoas,
principalmente por pessoas que passaram por experiências de quase
morte (EQM). Mais recentemente, eu também vim a estudar as
experiências fora do corpo (EFC).
As EQM's, apesar de desprezadas por alguns, são tão significativas a
ponto de até o grande católico e defensor da tradição, Olavo de
Carvalho, se reportar a elas. Foram narradas pela primeira vez por
Raymond Moody em seu livro Life after Life (Vida após a Vida) em 1975.
Esse livro foi traduzido para várias línguas e vendeu mais de 13 milhões
de cópias. Hoje, existe todo um nicho de literatura que é inteiramente
dedicado a esse tema.
Essas experiências ocorrem quando a pessoa chega tão perto da
morte que suas funções vitais chegam a cessar durante alguns
instantes, e ela quase miraculosamente, volta à vida. Não acontecem
com todas as pessoas que passam por esse estágio, claro, mesmo assim,
há um número significativo delas, a ponto de, de acordo com a
Academia Europeia de Neurologia, uma em cada dez pessoas relatam
ter uma EQM em algum momento de suas vidas.
As descrições que essas pessoas fazem dessas experiências podem
variar imensamente, com algumas delas, inclusive, parecendo
demonstrar um Deus bíblico que quer que as pessoas sigam a bíblia ao
pé da letra. Mas no geral, demonstram um Deus mais transcendental e
misterioso. As sensações e vivências sobrenaturais que essas pessoas
descrevem já estavam presentes nos relatos colhidos por Raymond
Moody em seu livro escrito em 1975.
Esses elementos comuns nessas experiências são: a) uma sensação
avassaladora de paz e bem-estar, inclusive libertação de toda dor e
angústia; b) a impressão de estar fora de seu próprio corpo; c) a
sensação de estar passando por um túnel; d) tornar-se consciente de
uma luz extremamente branca ou, em alguns casos, dourada; e)

110
Josué A. Ribeiro

encontrar-se ou, talvez, comunicar-se com um “ser de luz”; f) ver uma


rápida sucessão de imagens de seu passado, ver toda sua vida passar
diante de seus olhos; g) ter experiências com um outro mundo, um
mundo de grande paz e beleza.
Claro, nem todas as experiências incluem todos esses elementos.
Esses são apenas os mais comumente citados. E nem todas as
experiências são positivas; algumas são muito negativas e
assustadoras.
Já as experiências fora do corpo (EFC), ou as viagens astrais,
parecem dar conta que existem, para as pessoas falecidas, realidades
tão ou talvez até mais reais do que a nossa realidade física. Esses
místicos dizem como os espíritos, ao invés de serem translúcidos e
imateriais, tem experiências corpóreas, reais, sólidas, em ambientes
que podem ser dimensões extremamente semelhantes a Terra, porém,
muito mais belas e estáveis. Existem também mundos muito densos e
horripilantes, que as pessoas também podem ir dependendo de sua
vibração espiritual, ou seja, se elas estiverem vibrando numa
frequência negativa em que predomine o egoísmo e a indiferença ao
próximo.
O primeiro místico a relatar coisas semelhantes a essas foi o sueco
Emmanuel Swedenborg, ainda no século XVII. Swedenborg, longe de
ter sido um louco desvairado, foi um homem de ciência muito
importante e respeitado em sua época, e veio a influenciar muitos
pensadores importantes que vieram depois dele, como Immanuel Kant.
Hoje, são muitos os que tem essas experiências e relatam coisas
semelhantes, como o místico e artista alemão Jurgen Ziewe.
Algumas pessoas acham um absurdo dar atenção a esses relatos e
não dar atenção à bíblia. Afinal, a bíblia diz, nas palavras de Jesus,
conforme são narradas pelos evangelistas, que são poucos aqueles que
se salvam. E certamente, não haveria espaço para pessoas de religiões
pagãs ou pluralistas religiosos em geral. Talvez fosse mais seguro

111
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

seguir o caminho estreito dos cristãos do que apostar as fichas num


Deus benevolente, que olha mais para o caráter de seus filhos do que
para suas condutas religiosas.
Eu também já passei várias vezes por esse dilema. E várias vezes
optei pela opção que me parecia a mais segura. Mas depois de analisar
friamente todos os problemas e contradições que haviam no
cristianismo, senti-me bastante tranquilo para chegar à conclusão que
é apenas uma religião, e não o único caminho que leva até Deus.
Mas eu sempre fui uma pessoa cautelosa. E continuo achando que a
eternidade vale muito mais a pena do que essa rápida e efêmera vida
terrestre. A única diferença é que minha visão se tornou muito mais
clara, passei a enxergar toda a floresta e não apenas as árvores. Mas
claro, esse é um processo muito particular e pessoal para cada
indivíduo, e cada um deve ser respeitado em suas convicções e no
momento em que se encontra em sua caminhada, mesmo que não faça
muito sentido para nós no momento.
Mais um fator que conta a favor da credibilidade dessas experiências
místicas é o fato de que muitas das pessoas que passaram por elas
mostram-se genuinamente tocadas. Algumas chegam mesmo a ir aos
prantos quando, ao relatar suas experiências, recordam-se de toda a
paz, serenidade e êxtase. Se estivessem de fato mentindo, seriam
capazes até mesmo de ir aos prantos por conta dessa mentira? E o que
ganhariam com isso?
Aparecem também alguns relatos inverossímeis sobre revelações
que certas pessoas tiveram dos próprios seres angelicais enquanto
estiveram do outro lado, como estranhas visões sobre o futuro da
Terra, doutrinas sobre alienígenas, e outras doutrinas filosóficas que
podem chegar mesmo a ser perigosas, como no caso de uma jovem
americana de 18 anos, chamada Allison “Alli” Bierma, que se suicidou
influenciada por um livro escrito pela autora Betty Eadie que,
supostamente, tratava de sua experiência de quase morte. Depois de

112
Josué A. Ribeiro

haver lido esse livro, que descrevia tanta beleza e ausência de


julgamento por parte de Deus, Alli decidiu que continuar sua jornada
aqui na Terra não valeria mais a pena, e que queria ir para junto de
Deus e de seu namorado, que também havia recentemente cometido
suicídio.
No livro de Betty Eadie, aparecem temáticas relacionadas a
ocultismo, mágica e toda a temática envolvendo a perigosa
espiritualidade new age, ou Nova Era, com sua doutrina dizendo que o
ser humano é, ao mesmo tempo mortal e divino, e defendendo um total
relativismo moral. Segundo os defensores da Nova Era, ao morrermos,
não importa como tenha sido a nossa conduta na Terra, iremos todos
nos transmutar em perfeitos seres de luz e viver um êxtase espiritual
eterno, mesmo que tenhamos praticado atrocidades horríveis em nossa
vida. Eles também recomendam aos que são vítimas de atrocidades que
perdoem seus malfeitores, dizendo que todo mal que se sofre faz parte
de uma espécie de “contrato de alma” que o indivíduo já teria assinado
e concordado antes mesmo de nascer, portanto, ele deve aceitar tudo
passivamente, e manter-se sempre num estado de espírito em que
prevaleça apenas o amor (e nisso consistiria a verdadeira evolução
espiritual).
Particularmente, eu tenho dificuldades em aceitar ensinamentos
como a pré existência da alma antes mesmo de sua concepção no ventre
materno. Olavo de Carvalho, em seu livro A Nova Era e a Revolução
Cultural, faz um estudo aprofundado da ideologia da Nova Era,
apontando seus inúmeros problemas e contradições, e porque ela é
uma doutrina louca e falsa, e que gera imensas confusões e
contradições na cabeça de seus adeptos.
De fato, há uma imensa quantidade de falsários quando o tema são
assuntos religiosos ou metafísicos, que vendem falsas esperanças
relatando histórias que nunca aconteceram, mas que vendem livros
porque o povo quer muito se apegar a alguma coisa boa que pareça

113
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

real. E conforme dito anteriormente, mesmo no caso de visões


genuínas, algumas informações passadas pelas pessoas que tiveram a
experiência parecem ser falsas.
Mas as experiências místicas, uma vez filtradas por algum exame
crítico, apontam que, não somente existe algo, como que esse algo pode
ser realmente muito bom. E conforme dito, as pessoas que têm essas
experiências ficam tão impressionadas que relatam ter absoluta certeza
da existência de uma transcendência, mesmo pessoas que
anteriormente haviam sido profundamente céticas.
Ao invés de pensar que uma pessoa, mesmo tendo sido
profundamente má durante toda sua vida, no momento final passou
por uma conversão religiosa e foi para o céu, e que uma pessoa que
nunca foi má, mas também jamais passou por uma conversão, morreu
e foi para o inferno, acho muito mais lógico acreditar em leis kármicas,
imutáveis, de causa e efeito, que irão proporcionar uma perfeita justiça.
Seria uma lei tão constante e universal como, por exemplo, a lei da
gravidade.
Uma questão também interessante de ser abordada é se Deus age
no mundo ou se deixa o mundo e o ser humano que nele vive, entregues
à sua própria sorte. Acredito sim que ele age, mas sua ação é sutil e
bastante pontual, pois ele respeita o livre arbítrio do ser humano ao
máximo. Tão sutil, que aqueles que quiserem, de todas as formas,
negar-se a enxergá-la, poderão continuar fazendo isso sempre que
quiserem. É claro que se o ser humano cruzar os braços e não fizer a
sua parte, não há ação divina que possa salvá-lo e isso terá sido, no final
das contas, uma escolha dele mesmo.
Mas essa ação de Deus está longe de ser algo óbvio, e pode criar
contradições na cabeça de religiosos mais fanáticos. Afinal, por que
durante o mandato de Lula Deus mandou a alta das commodities, e
durante o mandato de Bolsonaro ele manda covid-19? Pode até parecer
para alguns que Deus é petista.

114
Josué A. Ribeiro

Parece haver uma maneira adequada e saudável de lidar com o


divino, que não é nem o negando totalmente, como fazem os ateus,
nem estabelecendo com ele relações altamente neuróticas, como fazem
os fundamentalistas. A bíblia pode ser um livro riquíssimo,
historicamente e culturalmente falando, mas pretender que seja como
a palavra do próprio Deus revelado para a humanidade, que deve segui-
la à risca sob pena de condenação eterna, é uma ideia terrível e que
deve ser fortemente combatida, talvez até em nome da compaixão
cristã para com o próximo.
Na verdade, pelos motivos que são expostos ao longo dessa obra,
acredito que a bíblia deveria ser apenas uma peça de museu, não um
livro que as pessoas ainda hoje leem e levam a sério. Mas o advento da
democratização dos meios de comunicação no mundo moderno,
paradoxalmente, está levando cada vez mais pessoas a afastarem-se da
racionalidade e aprofundarem-se na superstição.
Talvez já tenha ficado claro para o leitor, nesse ponto, o motivo de
meus sentimentos ambíguos em relação a Olavo. Ele combate
fortemente o comunismo, mas ao mesmo tempo alimenta um grande
fanatismo, principalmente religioso. É como um remédio que combate
uma doença ao mesmo tempo em que causa outra.
Acho relevante falar também do Islã, pois apesar de essa religião não
ter nada a ver com a nossa cultura, vem a cada dia crescendo seu
número de adeptos e se tornando mais presente em nossa realidade.
Estou muito longe de ser um especialista nesse tema, sei apenas o
básico, ou seja: que eles podem se tornar fanáticos e perigosos,
cometendo atos terroristas, mentira e disfarce em nome da propagação
de sua fé, crueldade com as mulheres e com os animais, pena de morte
para gays e para qualquer um que pratique a apostasia, isso é,
abandone o Islã, entre outras coisas.
E os lugares onde ele faz parte daquela cultura, e é majoritário? Não
é de admirar que muitos deles são teocracias altamente opressoras e

115
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

cruéis, em que o indivíduo não tem nenhuma liberdade de pensamento


ou expressão, e as mulheres são tratadas como propriedade de seus
maridos, não podendo nem ao menos mostrar seus rostos em público.
O cristianismo também costumava submeter o povo a uma grande
opressão, mas devido a ação de alguns agentes históricos isso mudou,
o que não foi o caso com o Islã, que ordena em seu livro sagrado, o
Corão, punir com a morte aqueles que praticarem a apostasia.
Não sei o que acontecerá no futuro em relação a todos os
muçulmanos que estão entrando na Europa e impondo seus costumes
e leis aos nativos como se fossem eles mesmos que estivessem em seus
próprios países, tendo um grande número de filhos, com uma taxa de
natalidade muito superior à do europeu médio, e ainda tendo suas
grandes famílias sustentadas pelos europeus.
Talvez a Europa, daqui a poucos anos, seja totalmente muçulmana.
Talvez, influenciados pelo secularismo do velho continente, os
muçulmanos venham, aos poucos, a abandonarem ou relativizarem
suas crenças, que poderiam fazer sentido na Idade Média, mas que
absolutamente não fazem nenhum sentido em um mundo moderno.
Muitos atos terroristas na Europa foram cometidos por pessoas que
eram tidas como inofensivas, meros muçulmanos moderados, e
plenamente integrados à sociedade. Isso, é claro, fez com que todos
ficassem confusos e desorientados. Mas acredito que o que acontece
com essas pessoas é o mesmo que acontecia comigo quando era cristão:
alternam fases de maior moderação com outras fases de maior
fanatismo. Como uma gangorra, essas fases vão e vem, e não terminam
até que a pessoa tenha rejeitado de vez aquelas crenças. Isso, no Islã,
pode ser mais complicado, por motivo de ser punido com a morte pelos
líderes religiosos.
Mas os cristãos enxergam a si mesmos como perfeitos, o bem
absoluto, ao mesmo tempo em que generalizam que todos os
muçulmanos são, realmente, pessoas totalmente dominadas por

116
Josué A. Ribeiro

Satanás. Assim, para combater esse mal absoluto, seria necessário fazer
toda a Europa voltar a ser cristã, e expulsar os infiéis. Uma luta inglória,
em que eles precisam combater não apenas os muçulmanos, mas
também todo um consenso do mundo secular que já vem desde o século
XIX, ou talvez antes disso. E se não fizerem isso, toda a civilização estará
perdida.
Já que o Islã agora também é um problema do Ocidente, e não
apenas dos países muçulmanos, talvez uma solução para resolver esse
problema seria mover um combate intelectual e ideológico contra a
doutrina islâmica, e dinfundi-la nos principais meios de comunicação,
assim como iluministas como Voltaire combateram dessa maneira a
doutrina cristã no século XVIII. Mas claro, isso teria que ser feito com
muito cuidado, pois afrontas ao profeta Maomé e demais provocações
ostensivas são respondidas com outros atos terroristas.
O problema, na Europa, é o fato de o passado de intolerância racista
e totalitária ter legitimado um discurso multiculturalista e antirracista
tão forte, a ponto de os cidadãos europeus, muitas vezes, sentirem um
profundo ressentimento em relação à sua própria etnia e cultura. Isso
faz com que se tornem excessivamente tímidos em relação a criticar
culturas e doutrinas alheias, mesmo que seja algo que os esteja
afetando diretamente. Podem criticar a si mesmos, mas não podem
jamais criticar os outros; isso é visto como preconceito e intolerância.
Aliás, toda essa pregação contra o racismo assume que apenas os
brancos podem ser racistas, e que as outras raças não são racistas de
maneira alguma. É claro que isso não é verdade. E os supremacistas
negros, que abertamente hostilizam pessoas brancas, usando até
mesmo termos pejorativos para se referirem a elas? Estranhamente,
esses não são considerados supremacistas raciais ou racistas, e pelo
contrário, às vezes são até glamorizados pela mídia e por classes
universitárias, enquanto um branco já é considerado racista e culpado
só por ter vindo ao mundo.

117
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

Parece que vivemos realmente um momento de guerra assimétrica


contra a raça caucasiana, e isso a nível mundial, talvez com exceção da
Rússia e de outros países da Europa Oriental. As pessoas brancas,
acoadas, nem parecem se preocupar mais se haverá um futuro para
elas, a despeito de terem criado a filosofia e a maior parte da
infraestrutura e tecnologia do mundo atual, da qual toda a humanidade
se beneficia.
E quem emprega esse combate contra a raça branca? Na maior parte
das vezes são os próprios brancos ricos, sentindo-se culpados demais
por estarem desfrutando de seu conforto em países de primeiro
mundo, enquanto africanos, asiáticos e sul americanos sofrem.
Também sentem-se culpados por seus antepassados terem cometido
crimes contra outras etnias durante o processo de colonização.
Felizmente, hoje em dia existem também muitos negros mais
esclarecidos, supostamente as maiores vítimas do racismo, que dizem
a essas pessoas: "Tá legal, nós sabemos que vocês não são racistas. Mas
não precisam se odiar tanto!"
E claro que grande parte dos europeus também não estão nem um
pouco satisfeitos com essa política de fronteiras abertas. Se eu fosse um
europeu, a última coisa que eu iria querer em meu país é a presença de
estrangeiros hostis ou de imigrantes econômicos vindos da África. Eles
representam não apenas um prejuízo aos cofres públicos, uma vez que
em grande parte das vezes são improdutivos e vivem de auxílios
governamentais, mas também um risco óbvio e imediato à segurança
nacional e mesmo à sobrevivência de longo prazo de uma cultura
europeia.
As reportagens sobre imigrantes miseráveis, perdidos em alto mar
em embarcações improvisadas, tentando chegar à Europa correndo
todos os riscos possíveis que uma situação dessas possa oferecer, não
deixam de ser uma chantagem emocional. Porque realmente, ninguém
obrigou aquelas pessoas a fazerem aquilo. Elas tomaram essa atitude

118
Josué A. Ribeiro

de livre e espontânea vontade, e tendo conhecimento de todos os riscos.


Mas, aparentemente, o povo europeu deve ser responsabilizado porque
os povos de fora são pobres, e admitir em seus países a maior
quantidade deles que for possível. Não precisa ser um gênio para
chegar à conclusão que, se todo cidadão miserável do mundo for levado
a Europa e ter de ser cuidado e alimentado, no final, é a Europa que
estará um caos completo.
Os seres humanos, e também os países e comunidades, fazem suas
escolhas. Elas é que determinarão seus destinos. Acreditar em Deus é
bom, mas é preciso ter claro que somos nós os principais responsáveis
pela nossa própria felicidade, e não acreditar que somos meros
fantoches nas mãos de Deus. Isso é algo que pode ser bastante óbvio
para pessoas mais céticas e racionais, mas, infelizmente, são muitos
aqueles que, acreditando tanto em Deus, ficam imersos numa aflitiva
paralisia e deixam de assumir o controle de suas vidas. E também se
submetem a terríveis abusos praticados por líderes religiosos
desonestos, algo que eles, mais cedo ou mais tarde, virão a se
arrepender amargamente.

119
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

CAPÍTULO 6

A esquerda radical e suas loucuras.


Ou: Quando a rebeldia se torna autodestrutiva

Agora vou deixar um pouco de lado a discussão sobre religião e falar


sobre outro importante tema de nossa atualidade, a questão política e
ideológica. Apesar de que, não é exatamente deixar de discutir religião,
já que a crença ideológica de tantas pessoas também não deixa de ser
uma visão religiosa, com todos os seus dogmas, artigos de fé e regras
de conduta.
Antes de tudo, devo considerar que há pessoas bem próximas a mim
que se identificam como sendo de esquerda e, mesmo assim, nosso
relacionamento é muito bom, mesmo elas sabendo que eu me identifico
com a direita e votei em Bolsonaro. Isso é possível quando o esquerdista
é realmente um liberal, que acredita em fazer suas escolhas e deixar
que o outro faça as dele, mas não é possível quando a pessoa se torna
autoritária a ponto de pensar que todos que pensam diferente dele são
fascistas, pessoas execráveis e inimigas da espécie humana.
Do mesmo modo, acho bastante problemático quando encontro
direitistas que, ao menor sinal de que o outro tenha alguma visão mais
identificada com a esquerda, tratam logo de insultá-lo. Olavo de
Carvalho, infelizmente, ensejou as pessoas a esse tipo de conduta, com
algumas declarações que proferiu, como a de que comunistas são
cúmplices morais de genocídio e a escória da humanidade. Pode ser,
mas nem toda pessoa com simpatia pela esquerda é um comunista, e é
muito importante fazer essa distinção. Assim como Olavo de Carvalho
mostrou ao Brasil que a direita é uma corrente de pensamento

120
Josué A. Ribeiro

totalmente legítima, não podemos cair no erro de achar que a esquerda


democrática não tem legitimidade nenhuma e tem que ser
exterminada.
Aliás, existe sim um elemento extremamente nobre na esquerda. Se
considerarmos que alguns médicos, ou outros profissionais liberais,
ganham em duas consultas de meia hora o que um trabalhador
assalariado ganha num mês inteiro, trabalhando feito um condenado e
as vezes perdendo 4 horas por dia dentro de um ônibus lotado para se
deslocar até o trabalho, vemos que há sim algo muito errado. Sim,
profissionais como médicos podem ser extremamente competentes,
estudaram muito, se especializaram, são muito estudiosos e
inteligentes. Mesmo assim, não é justo que haja tanta disparidade. Eu
não sei como resolver isso, não sou um especialista nesse assunto. Mas
que há algo que precisa ser corrigido urgentemente, há.
E se considerarmos que prefeitos e até vereadores de cidades
pequenas recebem salários altíssimos, que permitem a eles ter uma
vida cheia de luxos, enquanto a população da cidade está em uma
situação paupérrima e com uma infraestrutura precária, a situação fica
ainda mais revoltante. Isso para não falar dos políticos de Brasília e
toda sua corrupção e privilégios que concedem a si mesmos, pois afinal,
eles fazem as leis.
Mas gostaria que, entre os esquerdistas, houvesse uma maior
coerência entre o discurso e a prática. Pois, muitas vezes, são eles
mesmos que recebem salários altíssimos e totalmente fora da realidade
do brasileiro comum. E, apesar do discurso de maior igualdade, tem
comportamentos altamente elitistas e excludentes, são extremamente
esnobes e hedonistas, e não abrem mão de nem um centavo do dinheiro
que acham que é deles por direito. E até se acham explorados pelo
capital.
Por outro lado, se eles mostrassem com suas ações que seu discurso
é verdadeiro e sincero, com certeza a população como um todo os

121
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

levaria mais a sério. Como bem lembra Olavo, não deveriam esperar
até o advento de uma sociedade perfeita e utópica para começarem a
ser generosos com seus irmãos menos favorecidos - até porque, na
sociedade humana, sempre haverá problemas.
Hoje em dia, o povo brasileiro (ou pelo menos, boa parte dele) está
bastante atento às contradições e aos absurdos dessas pessoas, mas
nem sempre foi assim. Durante muito tempo, estiveram adormecidos.
Vou tentar trazer aqui um pouco da minha própria perspectiva em
relação a esse assunto, tentando fazer uma análise equilibrada, apesar
de que, como qualquer ser humano, eu não consiga ser totalmente
isento.
Como todos sabem, a esquerda é herdeira do pensamento
humanista secular que fez parte do Iluminismo, ou seja, aquela
corrente que foi crítica em relação a autoridade da Igreja e questionou-
a de todas as formas possíveis. Diziam querer jogar “luz” sobre as
“trevas” medievais. Mas a ideologia esquerdista caminhou para muito
além disso, a ponto de que hoje, Voltaire, o célebre libertário dos
tempos do Iluminismo, muito provavelmente seria chamado de
“fascista” por certos esquerdistas, porque ele foi um defensor do livre
comércio e contra o controle do estado na economia.
É correto dizer que o pensamento da esquerda moderna se
aproxima muito mais com os de outro pensador iluminista, o suíço Jean
Jacques Rousseau, melhor conhecido por ter criado o mito do “bom
selvagem”. Isso também se reflete no pensamento esquerdista, em que
índios, imigrantes e desvalidos ocupam um espaço de destaque, bem
como qualquer pessoa que se identifique como parte de alguma
minoria supostamente perseguida ou discriminada.
Mas claro que não há como falar de esquerda sem mencionar o
socialismo. O socialismo foi uma ideologia política que surgiu dentro
do seio da esquerda humanista secular e materialista e, durante muito
tempo, ser socialista e ser de esquerda foram sinônimos. Mesmo

122
Josué A. Ribeiro

considerando que o socialismo mudou muito seu significado desde os


tempos de Marx, Lenin e Stalin para cá, devido a repercussão negativa
das atrocidades cometidas por eles, alguns esquerdistas ainda
expressam simpatia por essas figuras, chegando a dizer que "Stalin
matou foi pouco".
A Revolução Russa, de 1917, foi marcada como sendo a primeira
experiência socialista da história. Depois disso, os socialistas ainda
conquistariam o poder em vários outros países, como China, todos os
países do leste europeu, Cuba, e vários países africanos e asiáticos,
como a Coreia do Norte. O resultado dessa experiência pode ser
contabilizado no número de suas vítimas: pelo menos 100 milhões de
mortos em tempos de paz, conforme nos relata o Livro Negro do
Comunismo, fora as perseguições, as prisões, as torturas, a total
ausência de liberdade, os campos de trabalho forçado e a miséria.
Em comum com os comunistas do passado, os comunistas
modernos empregam uma oposição obstinada a seus adversários
políticos. Em alguns casos, é uma guerra total, com direito ao uso da
terrível estratégia da terra arrasada. Ou seja, se é um governante de
direita que está no poder, vale praticamente tudo para derrubá-lo:
mentiras, acusações falsas, sabotagens, subversão, boicotes, greves. E
um processo de desumanização do adversário que, apesar de não
chegar a exortações pelo seu assassinato, ainda assim, nos faz lembrar
das acusações que os nazistas faziam contra os judeus ou que os
stalinistas faziam contra os burgueses. Hoje, a moda é comparar o
oponente a Hitler. Qualquer um que esteja à direita do socialista, é,
literalmente, o próprio Hitler.
Mas está na natureza da esquerda ser extremamente mutável. Marx
dizia que a revolução seria feita pelos operários e trabalhadores, e toda
propriedade privada seria abolida. Hoje, em sua maior parte,
apresentam-se apenas como reformadores do capitalismo, ou seja,
afirmam querer criar um capitalismo mais humano, em que os pobres,

123
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

desvalidos e as minorias também sejam contemplados.


Isso aconteceu porque o proletariado e a classe trabalhadora, que
Marx previu que iria se revoltar contra a classe burguesa e fazer a
revolução, foi se tornando, com o passar do tempo, cada vez mais
adepto do capitalismo. À medida que o regime capitalista ia fazendo
aumentar a qualidade de vida dos trabalhadores, eles não viram
nenhum motivo para se rebelar contra ele, a ponto de a classe
trabalhadora ter sido extremamente decisiva para o brexit, na
Inglaterra, a eleição de Trump, nos Estados Unidos e também de
Bolsonaro no Brasil.
Apesar de esquerdistas dizerem que a pessoa ser pobre e de direita
é uma contradição, como uma vítima que se apaixona por seu algoz,
esse discurso só faz sentido se considerarmos que é direito de todos os
pobres fazer luta de classes e se apropriar dos bens de outros de forma
violenta. Mas não se aplica para um pobre honesto, que quer progredir
apenas através do próprio trabalho. E se fosse mesmo algo tão
autoevidente o fato de as políticas de esquerda ajudarem os pobres, o
povo da Venezuela não estaria na situação que está.
Aliás, o fato de haverem pobres de direita e pobres de esquerda, ricos
de direita e ricos de esquerda, e haverem pessoas de direita e de
esquerda entre todos os nichos profissionais e classes sociais, já basta
para desmentir a ideia de que é a classe social a que se pertence que
determina seu alinhamento ideológico, como defendia Marx. Além
disso, também existem mulheres de direita e mulheres de esquerda,
gays de direita e gays de esquerda, negros de direita e negros de
esquerda, índios de direita e índios de esquerda. Nenhuma corrente
ideológica tem adesão exclusiva de qualquer grupo.
Mas, de fato, a esquerda hoje parece não mais se importar tanto com
os trabalhadores ou a classe trabalhadora, mas, sim, outros tipos de
pessoas como: mulheres, gays, travestis, negros, índios, muçulmanos,
e o lumpemproletariado constituído por classes como mendigos,

124
Josué A. Ribeiro

prostitutas e batedores de carteira (as famosas vítimas da sociedade).


É por isso que, num eventual embate entre a polícia e os criminosos,
a esquerda tem preferência pelos últimos. Até meliantes perigosos que
tenham cometido crimes hediondos, como o famoso delinquente
Champinha, são defendidos por várias figuras ilustres na esquerda,
como a tristemente célebre deputada do PT, Maria do Rosário.
A polícia, muitas vezes, é retratada por eles como uma classe fascista
que defende apenas os interesses da elite dominante, e trata de maneira
brutal e repressiva todos os pobres, pretos e demais vítimas da
sociedade. Os policiais é que seriam, nessa visão, os verdadeiros
criminosos. O fato de muitos deles serem advindos de classes mais
baixas e serem também negros, não muda em nada essa visão.
O indivíduo sem conhecimento de política, ao apoiar os partidos
mais fortemente identificados com o socialismo, também apoia causas
como: o desarmamento civil, a desmilitarização ou o fim das polícias, a
liberação das drogas, a redução da idade de consentimento sexual, o
feminismo radical, o aborto em qualquer caso, a imposição do ensino
da ideologia de gênero nas escolas infantis, políticas de ação afirmativa
e políticas de reparação financeira a minorias, criminalização da
homofobia e outras causas semelhantes a essas. E também, a supressão
de todo o discurso contrário a elas, que, se plenamente implementadas,
levariam a sociedade a um completo caos (como já vem levando, em
alguns casos).
A luta da esquerda em favor das minorias levou à criação das
políticas identitárias. Explorando ressentimentos de vários grupos em
questões como racismo, machismo e homofobia, eles conseguiram
trazer para junto de si grandes porções do eleitorado que apoiam essas
ideias. Assim, para ser parte do movimento, basta ser membro de
alguma minoria ou, então, um ser humano supostamente com grande
iluminação espiritual que, desviando-se do natural egoísmo e
abraçando de forma corajosa o altruísmo, torna-se protetor delas e

125
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

defensor de seus direitos.


A esquerda identitária hoje é um grande problema para a sociedade,
pois não acreditam em debate, em meritocracia, em convencimento
racional, em direito de divergir e, de fato, tudo isso será passado caso
eles saiam vitoriosos nessa disputa. Apenas acreditam que a sociedade
é determinada por questões raciais e de gênero, e que agir
drasticamente para combater esses males é mais importante do que
qualquer outra coisa. Assim, até a liberdade individual mais básica de
todas, o direito a livre expressão e livre pensamento, teria de ser
eliminada. Será que são essas mesmas pessoas que chamam a si
mesmas de "liberais"?
Eles estão muito preocupados em demonstrar suas virtudes, o
quanto são tolerantes, progressistas, conscientes, bondosos e
modernos, e claro que vai aí uma boa dose de vaidade e exibicionismo.
E também, em suas palavras, problematizam comportamentos e
atitudes já longamente estabelecidos dentro da sociedade, denunciando
o seu inerente racismo, homofobia, xenofobia, machismo, ou seja lá o
que for.
Acredito que todos são testemunhas que certas piadas, comentários
e atitudes, que antes eram vistos como naturais e não despertavam a
menor revolta, hoje são vistos como sinais claros de que a pessoa que
as fez ou proferiu é uma malfeitora e inimiga da espécie humana.
Apesar que isso pode ter tido seu lado bom na medida em que inibiu
alguns comportamentos abusivos, o fato de problematizarem tanto
muitos comportamentos ou falas absolutamente triviais faz que o
esquerdista não consiga conviver em paz com uma pessoa normal, que
não tenha essas neuroses.
Na mesma medida em que se veem como guardiões da virtude,
atribuem a seus adversários na direita um total egoísmo elitista,
excludente, que não se preocupa com os pobres e com as minorias e
quer atender apenas as classes dominantes que sempre mandaram no

126
Josué A. Ribeiro

mundo. Sim, esta pode ser uma visão extremamente simplória, mas
talvez, por isso mesmo, seja tão persuasiva: o que pode ser mais
cômodo do que, sem precisar fazer nenhum esforço, estar do lado do
“bem” e do progresso que luta contra as forças do “mal” e do atraso?
Além desses elementos psicológicos e da exposição à doutrinação
(cada vez mais precoce, ao ponto de, em alguns lugares, crianças de dez
anos já estarem discutindo temas como “direitos das mulheres”), há
também outros motivos puramente oportunistas, como ascender na
hierarquia universitária ou parecer virtuoso aos olhos da grande mídia.
Para criar um modelo econômico e social que atenda não apenas aos
ricos, mas também aos pobres e desfavorecidos, seria necessário
regular a economia. Criar imensas burocracias, leis e mais leis, que
supostamente protegem a população contra a ganância dos
empresários. Entre a esquerda, o empresário ou empreendedor é
geralmente visto como vilão, e o lucro é considerado algo grosseiro, vil
e egoísta, mas que pode até ser tolerado, contanto que o empresário
arque com suas responsabilidades sociais, pagando devidamente todos
os seus impostos e contribuições e respeitando toda a imensa
burocracia, e ainda tendo de lidar com uma justiça do trabalho bastante
tendenciosa.
Desnecessário dizer, essa foi a política que o Brasil seguiu durante
décadas: tratar o empresário como um espoliador do povo. Por isso, a
vida de muitos deles hoje é um martírio, pois precisam se desdobrar
para honrar todos os seus compromissos com impostos, leis e acertos
trabalhistas, e ainda entregar um bom produto para o seu cliente, que
seja superior ao da concorrência.
Durante os anos petistas, a economia esteve, durante um bom
tempo, indo bem, e ninguém questionava a capacidade dos
governantes de conseguir gerar prosperidade e bonança ao país. Além
do ambiente econômico externo favorável, com alta das commodities,
essa bonança se dava também devido ao governo conceder aos

127
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

cidadãos um crédito artificialmente barato, sem respeitar as regras da


responsabilidade fiscal e deixando intactos os graves problemas
estruturais que haviam, e ainda praticando uma galopante corrupção,
sem precedentes na história. Depois, quando veio a ressaca de toda essa
farra, ela foi forte e devastadora, e estamos até hoje tentando nos
recuperar dela.
Não é nenhuma surpresa que, seguindo uma política assim durante
tanto tempo, o Brasil seja hoje um país com tantos pobres, miseráveis
e desempregados, pois são os empresários e trabalhadores que, de fato,
produzem toda a riqueza que existe em uma sociedade. E se eles não
conseguirem lucrar e prosperar, toda a sociedade também será afetada
por isso. Sendo assim, pensar que os políticos são aqueles que devem
nos proteger da ganância dos empresários é um pensamento
completamente equivocado.
Por outro lado, se os empresários estiverem prosperando, poderão
fazer mais contratações e também aumentar o salário dos
trabalhadores, que, ganhando mais, movimentarão mais a economia,
gerando assim, um ciclo virtuoso. Por isso, ao adotar políticas liberais,
o país entra no caminho da prosperidade.
Num ambiente de prosperidade e pleno emprego, o trabalhador se
torna cada vez mais valioso, e as empresas disputam os bons
trabalhadores com grande afinco, oferecendo a eles melhores salários
e benefícios para que eles façam parte de seus quadros - assim como os
times de futebol (que também são empresas) disputam os melhores
jogadores oferecendo a eles grandes salários. Enquanto no socialismo,
apesar de sua retórica de defesa dos trabalhadores, ao adotarem
medidas de excessivo intervencionismo econômico, acabam no fim das
contas massacrando tanto os patrões quanto os empregados. (Como
exemplo, o que está acontecendo atualmente na Argentina).
É por isso que os países mais economicamente livres estão entre os
países com mais alto índice de desenvolvimento humano e maior PIB

128
Josué A. Ribeiro

per capta. Mesmo os países nórdicos, como a Dinamarca, a Suécia e a


Noruega, citados, por vezes, como exemplos de países socialistas que
deram certo, também pontuam muito bem na escala de liberdade
econômica, estando entre os países mais livres.
Na Suécia, certamente um país de primeiro mundo e muito
próspero, os impostos são altos sim, consideravelmente mais altos que
no Brasil, e há um amplo estado de bem-estar social. E a Suécia tem
sido de fato governada por um partido de esquerda desde as últimas
décadas. Mas, conforme podemos ver no vídeo “Sweden is not a
socialist success” no youtube, a Suécia não se tornou um país rico sem
antes cortarem os gastos públicos, privatizarem suas empresas
estatais, reformarem suas aposentadorias que hoje são pagas
individualmente por cada trabalhador (privadas). Nas escolas,
adotaram o sistema de vouchers, em que os pais podem escolher em
qual escola seus filhos vão estudar. E cidadãos de baixa renda é que
pagam a maior parte dos impostos e não os ricos; eles não tiram dos
ricos para dar aos pobres.
Mesmo assim, não existe na Suécia tanta disparidade entre o que
ganha um médico e o que ganha um trabalhador braçal. Alguma coisa
eles acertaram em cheio, e nós talvez ainda não entendemos muito
bem. E quase não existe corrupção entre a classe política. Certamente,
a esquerda do Brasil ainda precisa evoluir muito pra ficar como a
esquerda da Suécia.
Mas mesmo a Suécia, sob muitos aspectos um modelo para a
humanidade, sofre hoje, graças à mentalidade politicamente correta de
seu povo e de seus governantes de esquerda, com a política de
fronteiras abertas e com o influxo massivo de imigrantes iletrados do
Oriente Médio e da África, que não querem trabalhar e que são
responsáveis pela grande maioria dos crimes violentos que acontecem
hoje naquele país. E a mídia sueca nem ao menos divulga a etnia dos
criminosos, de tanto medo que os suecos têm de serem vistos como

129
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

racistas.
Com isso, obviamente, eu não quero dizer que todas as pessoas da
África e do Oriente Médio são criminosas; eles são, em sua maioria,
pessoas ordeiras que querem apenas viver suas vidas em paz. Mas,
aparentemente, as pessoas que estão imigrando para a Suécia não estão
com as melhores das intenções.
Parte da esquerda no Brasil presta apoio e solidariedade a ditadores
como Maduro e Raul Castro, que foram responsáveis não apenas por
violência, mortes e repressão, como também por arruinar a economia
de seus países, chegando a provocar a miséria e a fome generalizadas.
E não custa lembrar que o governo petista concedeu empréstimos
bilionários e a fundo perdido para essas e outras ditaduras socialistas,
dinheiro suado do povo brasileiro que foi usado pelos governos petistas
para fazer politicagem e demagogia em outros países.
A Venezuela, antes de Chávez chegar ao poder, era um dos países
mais ricos e prósperos da América Latina. Também Cuba, antes de
Fidel Castro, era um país rico e próspero. Mas se na esquerda nacional
há quem louve governantes que fizeram isso a seus países, não seria
nenhuma surpresa que, se tivessem o poder aqui em nosso país, fariam
a mesma coisa.
Grandes cidades americanas e europeias governadas pela esquerda
socialista, já em grande parte, não lembram em nada as desenvolvidas
e ordeiras metrópoles de primeiro mundo que deveriam ser. Imensas
quantidades de mendigos ou imigrantes que usam as próprias ruas
como se fossem banheiros, grande quantidade de pessoas fazendo uso
de drogas pesadas, sem que haja das autoridades locais nenhuma
medida pra combater esse problema, transportes públicos lotados,
criminalidade altíssima em algumas áreas, desrespeito aos direitos
humanos, custo de vida elevado a ponto de obrigar o cidadão a gastar
grande parte de seus ganhos mensais pra morar numa simples
quitinete.

130
Josué A. Ribeiro

E o fato de grande parte da esquerda, não somente no Brasil, mas


também em outros países, ter ligações com o crime organizado, é algo
que essas pessoas não querem considerar ou se negam a enxergar,
dizendo que se trata de teoria da conspiração.
Mas, e quanto ao fato de o próprio Lula, o maior nome da esquerda
em nosso país, aparecer em um vídeo falando em público sobre o Foro
de São Paulo, louvando-o como uma grande iniciativa da esquerda que
possibilitou a ela um grande avanço em toda a América Latina? Essa
mesma organização que juntava as Farc a partidos políticos, como se
não houvesse nisso nenhum problema.
Recentemente, quando um traficante carioca foi gravado dizendo
que no passado o PCC tinha um diálogo “cabuloso” com integrantes do
governo, e que o agora ministro Moro não dá trégua aos criminosos,
isso chamou pouca atenção na mídia. Mas é apenas uma consequência
do fato de que os governos anteriores costumavam tratar criminosos
como se fossem parceiros legítimos, com os quais era possível dialogar
e chegar a acordos.
Combater o crime não é, de fato, uma grande preocupação da
esquerda. Mas eles enxergam a si mesmos como portadores de uma
libertadora racionalidade iluminista, contra as trevas medievais da
religião e do conservadorismo. E o combate que movem aos princípios
religiosos e conservadores é tão intenso que, muitas vezes, os fazem
abandonar todo bom senso e agirem de maneira insensata.
Assim, quando a religião prega a decência e o pudor, eles podem
responder agindo de forma abertamente indecente e despudorada.
Dizem que fazem isso para quebrar tabus e libertar a mente das
pessoas. Nudez em público, atentado violento ao pudor, uso ou abuso
de drogas, falta de decoro em relação aos próprios excrementos ou
sangue menstrual, profanação de símbolos religiosos, comportamento
agressivo e rude, bloqueio de estradas ou vias públicas, queima de
pneus, depredação de patrimônio público, caos e violência, banalização

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

do sexo, vulgaridade, exposição de crianças à conteúdo adulto e outras


coisas assim, são algumas de suas formas de expressão ou protesto.
Não vou citar exemplos, mas conto que o leitor tenha, em sua memória
recente, alguns deles.
A atitude anticristã da extrema esquerda nota-se por defenderem
um estilo de vida que remete sempre a um dos sete pecados capitais
condenados pela Igreja: a gula, a avareza, a luxúria, a ira, a inveja, a
preguiça e o orgulho ou vaidade, e a perseguição midiática a aqueles
que se opõe. De fato, a oposição ao cristianismo entre alguns deles é
tanta, que chegam a participar de rituais satânicos ou magia negra,
envolvendo elementos dos mais mórbidos e repulsivos.
Mas claro que há também os cristãos de esquerda, sendo o Papa
Francisco, o maior líder cristão do mundo, o principal exemplo. O atual
Papa, sendo um chefe de Estado, não se preocupa em demonstrar ao
mundo sua má disfarçada preferência por líderes políticos
esquerdistas. Ele também parece considerar o aquecimento global
como uma grande questão teológica, e reforça os apelos para que os
europeus abandonem todos os seus instintos de autopreservação,
adotem uma política de fronteiras abertas, e admitam o maior número
possível de imigrantes hostis em seus países, claro, em nome do amor
cristão.
Em todas as áreas em que a extrema esquerda entra, ela deixa sua
marca. A arte se torna vulgar, niilista e sem sentido, cujo propósito é
apenas chocar. A cultura é rebaixada. O ensino acadêmico vira
doutrinação. O humor, impedido de soar ofensivo, perde a graça e
torna-se politicamente correto – mas ofensas aos cristãos e
conservadores ainda estão permitidas. O jornalismo vira propaganda e
desinformação. E a política visa a tornar o cidadão pobre e totalmente
dependente em relação aos políticos e aos programas governamentais.
Assim como os socialistas do passado, os socialistas modernos nivelam
o ser humano por baixo.

132
Josué A. Ribeiro

Alguns esquerdistas, rebelando-se contra os padrões burgueses de


beleza e estética, fazem o melhor de si para ficarem com uma aparência
feia e repulsiva. Jovens universitários, que antes de entrar para
universidade eram belos e bem cuidados, depois de passarem por toda
aquela doutrinação esquerdista, se tornam portadores de uma
aparência estranha e bizarra. Cortam o cabelo ou adotam penteados
estranhíssimos, enchem-se de piercings e tatuagens, vestem-se mal,
não se depilam, não tomam banho, não cuidam da higiene nem tomam
cuidado com o corpo e muitas vezes engordam. Em seus semblantes,
prevalece aquele familiar olhar rebelde e desafiador, como se
estivessem brigando com o mundo e com toda a sociedade que tenta
manter uma aparência de respeitabilidade e decência.
Outros se tornam veganos e adotam como bandeira a proteção e
solidariedade aos animais, às vezes, adotando e cuidando de muitos
deles. Graças a mais recente onda de feminismo, tendem a ver a mulher
sempre como vítima, e o homem como um estuprador em potencial,
não importando se ele é realmente um criminoso perigoso ou somente
um pacato cidadão. E ele fica proibido de manifestar, em sua fala ou
comportamento, qualquer coisa que possa ser vista como
"masculinidade tóxica", ou seja, o que há até pouco tempo atrás era
apenas o que era visto como um padrão saudável de masculinidade e
virilidade. As mulheres, por outro lado, estão livres pra adotar
comportamentos dignos dos homens cafajestes do passado.
Há uma aberta hostilidade em relação a homens brancos, mas estes
podem ser aceitos, contanto que, reconheçam o passado de crimes de
sua etnia e gênero e se penitenciem de maneira apropriada. Os
opositores políticos são denunciados como racistas e homofóbicos, e o
erotismo gay é celebrado e não pode ser criticado de maneira nenhuma,
mesmo quando há óbvios excessos.
Assim como na religião, há os infiéis, ou seja, os direitistas ou
pessoas que não partilham das ideias esquerdistas, e os hereges, ou

133
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

seja, esquerdistas que se desviaram da ortodoxia ao falarem algo que


pudesse ser visto como excludente em relação a alguma minoria, ou
terem algum comportamento que pudesse ser visto como excludente.
E como são muitas as minorias, o esquerdista tem que estar sempre
pisando em ovos.
Um exemplo que me ocorre citar é a escritora inglesa Jennifer
Rowling, autora da saga Harry Potter. Ela sempre foi uma grande
defensora e entusiasta da esquerda, mas, ao afirmar em um tuíte que
mulheres transexuais não deveriam usar banheiros femininos, caiu
vítima da patrulha da esquerda identitária, e foi acusada de transfobia.
Ou seja, parece que basta pecar uma vez, para ser considerado um
pecador para sempre. É a cultura do “cancelamento”: na seita
esquerdista, não há perdão.
As culturas africana, indígena e todas as culturas não europeias são
celebradas pela esquerda, que acusa a sociedade ocidental de ser
excessivamente eurocêntrica. Em algumas universidades americanas,
grandes poetas, escritores ou filósofos, como Shakespeare, tiveram
suas imagens retiradas, porque eram europeus, e substituídos por
artistas pertencentes a alguma minoria racial, mesmo sendo esses de
muito menor expressão.
Nos Estados Unidos, a esquerda do Partido Democrata adota um
discurso bastante radicalizado. Já nas prévias para o que será a eleição
de 2020, a oposição a Trump aposta em coisas como acabar com os
planos de saúde privados e oferecer tratamento médico gratuito não
apenas a toda a população americana, mas também a todos os
imigrantes ilegais que atravessarem a fronteira.
Os esquerdistas americanos também alimentaram, durante anos, a
fantasiosa teoria de conspiração de que o presidente americano tinha
sido eleito graças a uma alta traição ao país, um conluio com agentes
russos para fraudar os resultados eleitorais que deveriam, de outra
maneira, ter dado a vitória a Hillary Clinton. Mesmo depois dessa

134
Josué A. Ribeiro

conspiração ter sido desmentida por Robert Mueller, o procurador


encarregado de investigá-la, os jornalistas e comentaristas televisivos
que propagaram com tanto alarde e entusiasmo essa informação falsa
não vieram a público fazer uma retratação ou pedir desculpas, e
continuaram os ataques a Trump como se nada tivesse acontecido.
De fato, não apenas no exterior, mas também no Brasil, a maior
parte da mídia toma partido da esquerda. Não irei aqui me focar no
motivo pelo qual isso acontece, e também com a maior parte dos
membros de outras classes que são altamente prestigiadas, como os
artistas. Mas ele é bem explicado ao longo da obra de Olavo de
Carvalho. Ele apontou para a total ocupação de espaços preconizada
por Gramsci, que se tornou a principal estratégia da esquerda. Von
Mises também escreveu um livro apenas sobre esse assunto (A
Mentalidade anticapitalista). Acredito que a maior parte das pessoas já
está familiarizada com esse tema. Caso não estejam, ficam aí as
sugestões.
Para disfarçar suas preferências ideológicas ou interesses
financeiros, ou ambos, órgãos de mídia comprometidos com essa visão
exibem a opinião de intelectuais ou especialistas que tem um claro
comprometimento ideológico, mas que não são apresentados ao
público enquanto partidários, e sim como portadores de uma opinião
que é total consenso entre todos os estudiosos. Dessa forma, toda vez
que Bolsonaro apresenta uma medida considerada polêmica, fica
parecendo, pelas lentes da grande mídia, que ele é um louco extremista
desafiando todo o consenso acadêmico.
O famoso jornal americano New York Times, expondo uma visão
comum entre a mídia, recentemente responsabilizou o Youtube e os
youtubers de direita pela radicalização política do Brasil. Mas por que
nunca denunciam a esquerda, e sempre a direita? Claro, entre aqueles
que reagem também há também algum radicalismo, mas sejamos
honestos: quem realmente começou isso?

135
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

Em certos veículos de mídia, a posição de esquerda é sempre


apresentada como moderada, correta e às vezes até científica, enquanto
os direitistas são censurados e seu discurso é classificado como discurso
de fanatismo, ódio e intolerância. Isso é o que o professor Olavo
chamou de guerra assimétrica, em que a um lado é permitido usar de
toda força, enquanto o outro é tolhido de todas as formas.
Olavo ensinou que tentar chegar a um meio termo com a esquerda
radical, apelando à sua moderação e capacidade de também sentirem
um pouco de empatia pelas posições da direita, é ignorar o fanatismo
do adversário. Seria como repetir as fracassadas políticas de
apaziguamento de Neville Chamberlain.
Mas grande parte da população já entendeu o que é essa guerra
cultural, que definirá os destinos de nossa civilização. Se seguiremos
um caminho de desenvolvimento, autonomia e verdadeiro progresso,
ou se seremos tragados juntos com toda a autodestruição que a
extrema esquerda promove, o que levaria, no fim das contas, nossa
civilização a ser dominada por outras, como a islâmica ou a chinesa.
Por isso, devemos combater essas ideias (e também, os principais
agentes que promovem tais ideias, como lembra Olavo). Isso inclui
também a temas aparentemente tão unânimes quanto o aquecimento
global, pois a esquerda parece querer se impor como único caminho
possível para salvar o planeta. Mas a despeito do tão propalado
consenso entre os cientistas, aparentemente existe uma grande histeria
nesse movimento. Pois se as alegações de Al Gore estivessem corretas,
nesse ano de 2020 já deveríamos ter observado o nível dos mares subir
algo próximo a sete metros, mas acho que ainda estamos esperando
por semelhante catástrofe.
Sim, de fato, em muitos locais onde os verões eram amenos, hoje há
verões bastante quentes. Mas também temos observado invernos
bastante frios. Deveriam os EUA e os países ricos apoiar políticas para
redução das emissões de gás carbônico, que afetariam gravemente suas

136
Josué A. Ribeiro

economias, implicando em prejuízos multibilionários? E quanto aos


países pobres, que ainda precisam se industrializar e tornarem-se
ricos? Deveriam eles permanecer pobres para sempre, em nome da
salvação da espécie humana do aquecimento global?
Se fosse assim, todo ferrenho defensor dessa teoria deveria fazer um
voto de pobreza e parar de desperdiçar os recursos do planeta. Mas
alguns famosos artistas e ativistas que fazem essa militância tem estilos
de vida altamente luxuosos, vão de um lugar para o outro em seus
jatinhos altamente poluentes, e nem por isso tem dramas de
consciência.
Só os outros devem fazer sacrifícios? Isso não seria uma grande
hipocrisia por parte dessas pessoas? Já que querem que as pessoas se
comportem de tal maneira, não deveriam servir de exemplo? Sim, a
causa ambiental é legítima. Mas não é legítimo usá-la como arma de
chantagem emocional e obtenção de poder absoluto.
Existe também um grupo, que não se identifica muito nem com a
direita e nem com a esquerda, mas pretendem-se como apóstolos da
liberdade. Consideram-se anarquistas, ou anarcocapitalistas. Pregam a
total abolição dos estados, dos governos e um mundo onde tudo
passasse para as mãos da iniciativa privada.
Apesar de que a maioria deles são genuinamente idealistas e bem-
intencionados, parecem não perceber que um modelo assim não seria
como uma utópica sociedade sem leis e sem coerção, mas, ao invés
disso, seria a imposição da lei mais arbitrária e cruel que existe, que é
a vontade do mais forte. De fato, uma das principais funções do estado
é garantir que o direito do mais fraco também seja respeitado. E a ideia
de um mundo sem estado é uma que, assim como o comunismo, não
tem como ser aplicada na prática; é uma utopia inatingível.
De qualquer forma, o que temos atualmente, graças a um muito
improvável processo histórico, é o governo Bolsonaro. Há várias coisas
que me desagradam nele, principalmente o seu tom excessivamente

137
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

messiânico, e o presidente parece desconsiderar que no Brasil não há


só cristãos, mas também ateus, agnósticos, pessoas sem religião e
também pessoas que seguem outras religiões, e que ele governa para
essas pessoas também. Sejamos francos, em alguns momentos
Bolsonaro mais parece o Cabo Daciolo. E claro, não custa lembrar que
ele realmente foi autor de várias declarações bastante ofensivas e
infelizes.
Mas vale lembrar também que ele não é o primeiro líder brasileiro
recente que adota o tom messiânico; pois também estava muito
presente no discurso de Lula, ainda que fosse de um tipo diferente,
político, e não religioso como o de Bolsonaro. Quem não se lembra do
famoso bordão do ex presidente e ex presidiário: "Nunca antes na
história desse país"?
Apesar dos defeitos de Bolsonaro, considero que apoiá-lo é bastante
importante, porque o bolsonarismo é hoje a única força política no
Brasil capaz de fazer frente a uma esquerda que é excessivamente
radical e revolucionária, e uma classe política que é excessivamente
corrupta. E principalmente porque Bolsonaro, apesar de ter, em certos
momentos, dito frases truculentas, é um homem muito bom, honesto
e leal ao povo, e até muito mais equilibrado do que seus críticos
sugerem, e isso importa mais do que o fato de ele ser de direita ou de
esquerda.
Diferentes grupos políticos se revezarem no poder é algo bastante
saudável e necessário, e faz parte de toda democracia. Só gostaria que
a extrema esquerda corrupta e inescrupulosa estivesse fora da disputa,
e fosse substituída por uma esquerda feita por gente mais leal e
honesta. Mas apenas o tempo dirá o que vai acontecer, e eventos
realmente muito surpreendentes podem pegar a todos desprevenidos

138
Josué A. Ribeiro

– não foi isso o que vimos acontecer em nossa história recente? 13


Apesar de eu ter todas essas opiniões contrárias a esquerda,
principalmente aos fanáticos de esquerda, gostaria também de reforçar
a argumentação que fiz no início desse capítulo, pois entendo que nós
estamos vivendo um momento muito delicado em nosso país, em que
nunca estivemos tão divididos, e cada lado odiando o outro com grande
intensidade. Isso não é algo natural, saudável, ou desejável em uma
sociedade. Como encontrar então uma solução?
Claro que a esquerda tem sua parcela de culpa, e ela não é pequena.
Mas nós, da direita, também temos a nossa. Vamos reconhecer uma
coisa: Olavo de Carvalho, e nós todos da direita juntos, (também
assumo a minha parcela de culpa), combatemos a esquerda com uma
agressividade exagerada. O nosso discurso, em nenhum momento,
ofereceu a eles qualquer ponte, qualquer trégua, qualquer cessar fogo.
É claro que, se o direitista está calmamente fazendo sua argumentação
ou expondo sua visão de mundo e alguém o xinga de "fascista", a
resposta "Eu não sou fascista! Fascista deve ser você", é bastante
apropriada. Mas exageramos na dose, e por vezes, atacamos pessoas
que eram simples esquerdistas moderados, com uma grande
brutalidade verbal.
E isso fez com que a esquerda se unisse numa oposição fortíssima a
Jair Bolsonaro. Pois Bolsonaro, apesar de ser um homem simples, bom
e honesto, é também o maior símbolo dessa nova direita, beligerante,
provocadora e possuidora de alguns militantes muito fanáticos. E
algumas falas e atitudes de Bolsonaro não colaboram muito. Para citar
um exemplo, o discurso que ele fez durante seu voto para o
impeachment de Dilma, em que fez uma reverência ao coronel Ustra,

13
Antes de eu ter escrito isso, a pandemia de corona vírus ainda não tinha assolado o
mundo, e no momento em que faço essa observação, suas implicações na política ainda são
difíceis de prever.

139
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

não foi uma atitude muito sensata. Aquele não era o momento de
levantar o debate sobre se Ustra foi herói ou vilão. O que esse discurso
de Bolsonaro significou, na prática? Colocar mais lenha na fogueira.
E o ódio acaba se retroalimentando, pois as ações de uns acabam
provocando reações de outros, e isso parece não ter fim. Eu gostaria
sim de ver um cessar fogo nessa guerra. Cada lado faz alguma
concessão, e nos encontramos no meio do caminho. Claro que ainda
haverá divergências entre nós, mas seremos apenas rivais, não
inimigos mortais. Mas a essa altura, sei que isso deve ser uma utopia
maior do que ver a humanidade colonizar o planeta Marte.
Devo também fazer outras ressalvas. Conforme ficou claro para o
leitor, eu fui influenciado por Olavo de Carvalho, me identifico com a
direita e com o anticomunismo. Acredito sim que, sem a oposição dos
anticomunistas, o comunismo teria realmente dominado o mundo
inteiro, e produzido uma tragédia de proporções inimagináveis.
Mas também, não sou ingênuo. Pretender que no nosso lado só
existam heróis e mártires é falsificar a história. O que ditaduras de
direita fizeram em países como Argentina e Chile, não é algo que deva
ser defendido por ninguém. Sim, no Chile pelo menos, Pinochet
conseguiu criar uma sociedade capitalista e próspera. Mas as
atrocidades que ele cometeu contra os opositores políticos nunca serão
esquecidas, e a juventude atual do Chile talvez seja tão partidária da
esquerda justamente por causa do legado cruel de Pinochet.
Na Argentina, a ditadura militar de direita matou tanta gente, que é
difícil imaginar que um político com o mesmo perfil de Jair Bolsonaro
possa vir a ser eleito naquele país. (Para ser mais exato, o número de
mortos e desaparecidos pela ditadura argentina foi de
aproximadamente 30 mil pessoas). E Mauricio Macri acabou sendo um
presidente sem pulso, que não teve coragem de tomar medidas
impopulares mas necessárias para salvar a economia, o que acabou
fazendo com que os kirchneristas voltassem ao poder. A Argentina vive

140
Josué A. Ribeiro

hoje uma tragédia digna de grande comoção, mas não pode ser negado
que os governantes de direita que estiveram no poder naquele país têm
grande parcela de culpa.
No Brasil, os nossos militares também cometeram muitos erros,
mas pelo menos, eles tiveram o bom senso de não endurecer demais o
regime. Claro que, ao combater os comunistas naquela época, não tinha
como não sujar as mãos, afinal eles promoviam luta armada e grande
subversão. Dizer que muitos dos que combateram os militares lutavam
por uma ditadura comunista, e não por democracia, é chover no
molhado; assim como pontuar que as polpudas indenizações que foram
concedidas a antigos opositores do regime são abusivas, pois afinal, não
havia mocinhos naquela história.
E enquanto escrevo essas linhas, a situação política no Brasil está
extremamente tensa, com o Congresso e o STF sabotando o Executivo
de todas as formas. Parece que vivemos um parlamentarismo branco,
e quem governa o Brasil de fato é Rodrigo Maia.
Na crise do corona vírus, depois de os governadores terem adotado
um sistema de quarentena horizontal, contra a quarentena vertical que
foi proposta por Bolsonaro, agora o Parlamento parece querer obrigar
Bolsonaro a pagar a conta dos governadores. Isso não prejudica apenas
a Bolsonaro, prejudica a todo o povo brasileiro. Mas para os
digníssimos parlamentares, isso é o que menos importa.
De acordo com Roberto Jefferson, em entrevista concedida a
Oswaldo Eustáquio no dia 20 de abril de 2020, o Parlamento está para
votar um projeto de lei de 2003 que permite ao presidente da Câmara
poder ser eleito quantas vezes quiser. Enquanto isso, as medidas
provisórias de Bolsonaro, de imediato interesse do Brasil, ficam
engavetadas.
Bolsonaro fica imobilizado, desempenhando um papel quase
figurativo, como se fosse a rainha da Inglaterra. Em meio a isso, vários
apoiadores do presidente pedem intervenção militar. Eu não sou a

141
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

favor de intervenção militar, mas também não sou a favor disso que a
classe política corrupta está fazendo com o primeiro presidente
honesto desde a redemocratização.
Rodrigo Maia é quem decide o que vai ser votado ou não. Nesse
sistema atual, o presidente da Câmara tem muito mais poder do que o
presidente da república, porque a maioria dos parlamentares também
são corruptos como ele e estão com ele e contra o presidente honesto.
Mas nós, o povo brasileiro, não elegemos Rodrigo Maia; elegemos Jair
Bolsonaro. Rodrigo Maia, por sua vez, só aceita votar as pautas do
governo se o governo negociar, e a essa altura, acredito que todos nós
estamos bastante cientes sobre o que significa negociação para Rodrigo
Maia.
Parece que a classe política corrupta tem uma estratégia: Rodrigo
Maia, Davi Alcolumbre, e os juízes corruptos do STF mandam soltar os
criminosos, votar leis que deem a classe política todos os tipos de
privilégios, e aprovam todos os tipos de leis que vão contra o programa
político que elegeu Bolsonaro. E Bolsonaro leva a culpa, pois o povo
vive na ilusão de que vivemos, de fato, num sistema presidencialista. O
fato de não estarem havendo debates no Parlamento nesses tempos de
pandemia fazem as votações penderem ainda mais de acordo com os
interesses dos políticos corruptos.
Agindo dessa forma, esperam se livrar de Bolsonaro, e colocar em
seu lugar um político tradicional, ou seja, um político corrupto que
participe das negociatas, como sempre vinha sendo feito até Bolsonaro
aparecer. Ou talvez, instalar um sistema parlamentarista de fato,
mesmo o povo brasileiro jamais tendo concordado com isso.
A minha opinião é que deveria ser tomada alguma medida para
aumentar as prerrogativas do poder Executivo, e limitar um pouco os
poderes do presidente da Câmara dos Deputados. Como isso poderia
ser feito? Plebiscito, reforma política... Não sei. Pois afinal, temos ou
não temos um sistema presidencialista? Que sistema presidencialista é

142
Josué A. Ribeiro

esse, que o presidente só consegue governar se usar o dinheiro dos


impostos pagos pelos brasileiros para pagar propinas e oferecer
vantagens à classe política corrupta?
Estamos em uma encruzilhada. Se a classe política corrupta se livrar
de Bolsonaro e as coisas voltarem a ser como eram antes, teremos
perdido uma oportunidade de ouro, que talvez só voltaremos a ter
daqui a um século, depois que todos nós que hoje estamos vivos já
tivermos ido para o além-túmulo. Se o leitor acha que eu exagero,
pense bem: se o povo brasileiro repudiar Bolsonaro, qual a chance de
vermos ser eleito, nos próximos anos, um político que não rouba nem
deixa roubar?
Porém, se houver de fato uma intervenção militar, isso irá causar
um grande desgaste internacional e também com boa parte da opinião
pública, que tem uma visão muito negativa sobre esse tipo de medida.
E de fato, isso é horrível e espero que nunca ocorra de novo. O que fazer
então? Não sei. Que Deus nos ajude.
Bolsonaro, em seu discurso no dia 19 de abril, em frente ao QG do
Exército, confirmou que é totalmente a favor da democracia. Eu tenho
certeza que ele, assim como todos nós, não veríamos o menor problema
em governarmos e fazermos uma alternância de poder com uma
esquerda que fosse realmente honesta e patriota. Mas nesse mundo em
que nós vivemos, a política é realmente muito nojenta. A esperança é
que o povo se eduque cada vez mais e consiga enxergar além do óbvio,
pois o que querem os que jogam com a desinformação é que o povo
enxergue apenas o óbvio.
Apenas uma última consideração, antes de terminar. Durante muito
tempo, tive como certo que o socialismo havia falhado miseravelmente
em todo e qualquer país que tivesse sido implementado. Mas,
recentemente, conversei via internet com um amigo virtual croata que
conheci num grupo que discute metafísica e vida após a morte. Ele me
contou que durante quase toda a sua vida havia sido de esquerda, mas

143
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

agora, quando já está em idade madura, tem muitas visões de direita.


Ou seja, não é de forma alguma um radical. Conversamos em inglês,
idioma universal que permite que nos comuniquemos com qualquer
pessoa do mundo.
Para a minha grande surpresa, segundo esse amigo, a melhor época
que houve para viver naquela região, em que havia uma rica e vibrante
vida cultural, foi sob o governo do ditador socialista Josip Broz Tito.
Perguntei se haviam filas para comprar comida e adquirir produtos de
primeira necessidade, e ele me disse que nunca houve nada disso
durante aqueles anos. Tito, que governou a antiga república da
Iugoslávia do ano de 1953 até sua morte, em 1980, foi o único líder
socialista que teve coragem de desafiar Stalin, formando o grupo de
países não alinhados, aquele que não fazia parte nem do bloco
capitalista liderado pelos EUA, nem do bloco socialista liderado pela
União Soviética.
Tito seguiu uma política bastante distinta daquela defendida por
Marx e praticada na União Soviética e nos demais países socialistas.
Empresas antes controladas pelo governo, passaram a ser propriedade
dos trabalhadores. A autogestão foi a principal característica de seu
governo. Estrangeiros podiam viajar livremente pela Iugoslávia, e
iugoslavos podiam viajar livremente para outros países. Havia
considerável liberdade de expressão e liberdade religiosa.
A principal diferença do socialismo praticado por Tito e as demais
experiências socialistas, é que Tito não era o tipo de líder que desejava
concentrar todo o poder em suas mãos. Ele defendia as liberdades
individuais e concedia bastante autonomia às regiões governadas, e
permitia uma grande descentralização de poderes. Segundo
informações da Wikipédia, entre as décadas de 1960 e 1970 houve um
grande crescimento e expansão econômica na Iugoslávia. Então, se
alguém estiver interessado em estudar sobre um caso de país tido como
socialista que deu certo, talvez devesse olhar para a Iugoslávia de Josip

144
Josué A. Ribeiro

Broz Tito.

145
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

CAPÍTULO 7

A moral sexual católica e suas bobagens.


Ou: Quando a natureza vence a ideologia

Apesar de estar presente em toda parte nesse mundo moderno em


que vivemos, sexo e sexualidade são temas que muitas pessoas se
sentem bastante embaraçadas em abordar. Mas como o tema da moral
sexual é recorrente no olavismo, vou falar de alguns pontos. E claro,
Olavo de Carvalho será mais uma vez mencionado.
Bem, o sexo engloba um conjunto de fatores que vão muito além do
ato sexual em si. O sexo é o que permite ao ser humano a reprodução.
Se não fosse o sexo, não haveria pai, mãe, irmão, tio, primo, avô, avó.
Não haveria famílias, que são a base de construção de qualquer
sociedade. Independente de hoje termos configurações familiares das
mais diversas, não muda o fato que todo ser humano precisa ter, pelo
menos, um pai e uma mãe biológicos – e muitos estudos mostram que
uma família tradicional ainda é o ambiente mais saudável em que uma
criança pode ser educada.
Outro aspecto é que, se desejamos estar bonitos e atraentes, algo que
é bastante natural, isso também tem a ver com o sexo. Quantos
produtos e serviços o ser humano faz uso para deixá-lo mais bonito(a)
e atraente? Batom, maquiagem, perfume, roupas, penteados e mais um
monte de coisas.
E se formos honestos, também iremos admitir que o fato de
querermos ganhar mais dinheiro e ascender socialmente está também
relacionado ao fato de desejarmos adquirir mais bens e mais status
para chamarmos atenção de outros homens ou mulheres. E

146
Josué A. Ribeiro

principalmente, para despertarmos a atenção daqueles que são mais


atraentes e sexualmente desejáveis.
Alguém já tentou imaginar um mundo sem sexo? Se a libido de
todas as pessoas fosse reduzida a zero? Em primeiro lugar, haveria um
grande número de suicídios. As pessoas não teriam muita motivação
para terem grandes planos, projetos e ambições. Não se importariam
em nada com a beleza, já que ver uma pessoa, por mais bela que fosse,
seria equivalente a ver um cachorro.
Muitos começariam a usar drogas pesadas para obterem algo que
fosse semelhante a aquela descarga de prazer do sexo. Outros iriam
querer apenas comer e dormir, e se tornariam imensamente
comodistas. Nenhum romance faria mais sentido. E, mesmo que se de
alguma forma houvesse reprodução assexuada, um mundo sem sexo
seria um lugar bastante estranho e desinteressante. Acho que só os
católicos ultra conservadores é que iriam gostar de um mundo assim.
É por isso que eu tenho dificuldade em conceber uma vida após a
morte em que esse elemento esteja completamente ausente (como por
exemplo, que nós deixemos de ser homens e mulheres e nos tornemos
anjos assexuados). E quando eu era cristão e lia na bíblia aquela
passagem em que Jesus diz que na ressurreição ninguém se casa nem
se dá em casamento, mas são como anjos no céu, aquilo me causava
uma grande angústia. Mas são muitos os que acreditam que no paraíso
ficamos apenas contemplando eternamente a face de Deus, ou tocando
harpas nas nuvens, ou rodopiando eternamente em torno de um globo
de luz, já que lá não há nenhum espaço para atividades mundanas ou
pecaminosas.
Isso está em total sintonia com o restante da mensagem cristã, que
retrata o sexo como algo bastante sujo, uma concessão dada apenas aos
casados. E o apóstolo Paulo chega até mesmo a desaconselhar o
casamento (portanto, qualquer prática sexual) ao longo de suas
epístolas, pois assim, a pessoa viveria para agradar apenas a Deus, e

147
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

não a seu marido ou esposa.


A Igreja Católica levou isso bastante a sério, na medida em que
exigiu que seus sacerdotes, padres e freiras adotassem o celibato. Os
padres que ingressam em alguma ordem religiosa são obrigados
também a fazer um voto de pobreza, e deixam seus bens para a própria
instituição, depois de seu falecimento. Apenas os padres diocesanos não
têm essa obrigação. Isso, é claro, levantou suspeitas de que o interesse
da Igreja no celibato de seus sacerdotes é puramente econômico. E a
Igreja Católica, de fato, é bastante rica; qualquer um que tenha visitado
o Vaticano sabe disso. Natural, para uma instituição que chegou a ser
proprietária de quase dois terços das terras da Europa Ocidental e que
cobrava indulgências de seus fiéis.
Mas a despeito do que diz o apóstolo Paulo, mesmo pessoas que são
bastante dedicadas a Deus também sentem falta de uma companhia.
Acredito que os padres e freiras deveriam sim ter o direito de se
casarem, até porque as inúmeras denúncias de casos de pedofilia
praticados por padres são uma mancha terrível para a Igreja e para os
católicos. Pedófilos podem sim querer se tornar padres apenas para
poderem ter oportunidade de abusar de crianças. Afinal, quem
desconfiaria de um padre? É um disfarce perfeito para um predador
voraz.
Por outro lado, se os sacerdotes pudessem se casar, então é natural
supor que pessoas boas e justas, mas que nem consideram a hipótese
de serem sacerdotes por causa do celibato, possam vir a se interessar.
Assim, é natural supor que os casos de pedofilia iriam se tornar mais
raros. Além disso, seria um grande alento para os padres justos e fiéis,
mas que passam por uma imensa provação e angústia por causa do
celibato obrigatório.
Pois, sejamos honestos, nada supera o prazer de um bom sexo. É
óbvio que não queremos que esse assunto venha à tona sempre, mas
somente em ocasiões específicas, em que estamos em total privacidade

148
Josué A. Ribeiro

junto de nossos parceiros, e nas demais ocasiões cada um deve guardar


para si mesmo, e não ficar expondo aos outros sem o seu
consentimento.
Claro que existem muitos que gostam de expor suas luxúrias a
qualquer um que esteja por perto, o que acaba criando embaraço e mal-
estar nos outros. São pessoas medíocres, totalmente governadas pelo
baixo-ventre, e vivem apenas para satisfazer seus desejos mais
imediatos. Portam-se de forma que seria normal esperar de um macaco
bonobo, não de alguém dotado de um cérebro racional. São muitos (e
muitas) os que hoje se comportam apenas como órgãos sexuais que
falam e andam. As prostitutas e profissionais do sexo têm muito mais
dignidade do que esses que se prostituem de graça.
Os apóstolos que escreveram o Novo Testamento, por outro lado,
garantem que nem os adúlteros, nem os fornicadores, nem os
sodomitas, nem qualquer um que pratique impureza sexual, terá seu
nome escrito no livro da vida e deverá, ao invés disso, sofrer as
punições que cabem aos impenitentes no inferno. A única alternativa
para escapar desse destino é através do arrependimento e conversão
religiosa, e passar a viver uma vida nova, em que os velhos hábitos já
não tem mais lugar.
O catecismo da Igreja Católica diz que, quando há um pecado contra
a castidade, trata-se sempre de matéria grave. Assim, o adultério, o
homossexualismo, a fornicação e a masturbação são todos eles pecados
graves, que implicam em perda da salvação eterna caso não haja o
apropriado arrependimento e confissão, e a determinação do católico a
não voltar a praticar esses pecados. Mas defensores da Igreja dizem que
ela não é contra o sexo, apenas contra o sexo desordenado. É claro que
essas pessoas já são cristãs convictas e não admitem em hipótese
alguma que a doutrina da Igreja tenha qualquer falha.
Mas será mesmo que o ensino moral da Igreja é algo assim tão
verdadeiro e autoevidente, como querem alguns católicos? De fato, ela

149
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

está certa quando nos diz que o adultério é um pecado grave. Mas se
não tivesse dito, ninguém saberia? Pois ao que parece, qualquer pessoa
que tenha bom senso sabe disso, sendo católico ou não. E todos sabem
também que nada é mais brutal e rancoroso do que a vingança de
alguém que foi vítima de adultério. As mulheres, principalmente, às
vezes são vingativas até por capricho; talvez o seu companheiro não
tenha feito nada de tão errado, mas elas têm que se vingar porque
ficaram com o orgulho ferido.
Quanto à fornicação, certamente é moralmente errado se envolve
promiscuidade; se o indivíduo troca de parceiras sexuais como quem
tira uma meia usada, fazendo uso de subterfúgios e mentiras para
convencê-las a deitarem-se com ele. Novamente, não é necessário a
Igreja Católica nos informar que isso é errado, pois todos sabemos. Mas
para um casal que está junto, numa relação onde há respeito e amor,
não faz sentido dizer que se eles estiverem tendo relações sem estarem
casados estão fazendo uma coisa errada. Errado e anormal é o
contrário disso, ou seja, se estão juntos, mas não estão desfrutando dos
momentos de intimidade que são normais e naturais para qualquer
casal, que esteja casado ou não.
Aliás, num país como o nosso em que o desemprego é tão alto e o
salário mínimo mal dá pra comer, deveriam sim ser tomadas medidas
para que as pessoas mais pobres possam casar-se e relacionar-se tendo
acesso a meios de contracepção, caso sejam completamente desvalidas
e não tenham como fazer um planejamento familiar. É algo muito
contraditório o fato de haverem famílias extremamente pobres que
sejam tão numerosas, enquanto casais que têm todas as condições não
têm filho nenhum. E na maioria das vezes não é por motivo de
infertilidade; simplesmente, não querem se dar ao trabalho de criar um
filho, ou acham que o mundo já tem seres humanos demais.
Quanto aos casamentos religiosos, são coisas bastante desejadas por
certas pessoas que possuem uma boa condição socioeconômica. Pois

150
Josué A. Ribeiro

esses casamentos têm direito a toda a pompa e circunstância, por isso


são um fetiche para essas pessoas, mesmo que elas sejam aquelas que
passam um ano inteiro sem ir numa missa. A Igreja, apesar de ter a
opção preferencial pelos mais pobres, doutrina que vem desde os
primórdios da instituição e que foi reforçada no Concílio Ecumênico
Vaticano II, também precisa faturar.
Mas nos casamentos de católicos ou evangélicos ricos, existem todos
aqueles ritos demoradíssimos, todas aquelas roupas caríssimas dos
noivos e de seus convidados, especialmente a noiva com seu vestido
branco de véu e grinalda que fica arrastando no chão, às vezes com
cinco metros de cauda, o que mais parece um símbolo de status em
uma cultura primitiva.
Mas esse nem é o principal problema, afinal as pessoas ricas têm
direito de gastarem o dinheiro delas da maneira que melhor
entenderem. O problema é a própria doutrina da Igreja, que afirma que
os noivos devem casar virgens, e que o casamento só é consumado após
a primeira relação sexual. (A Virgem Maria, sendo uma semidivindade,
foi uma exceção a regra). Portanto, a mulher possuir um hímen intacto
não seria apenas um símbolo de pureza, mas também seria,
teoricamente, obrigatório. E o casamento deve ser único e indissolúvel,
ou até que a morte os separe.
Jesus afirma na bíblia que quando os noivos se casam, são unidos
pelo próprio Deus. E aquele que repudia sua esposa e casa com outra
comete adultério, exceto em caso de infidelidade; e aquele que casa com
a repudiada também comete adultério. Por isso, conseguir a anulação
de um casamento católico é um processo extremamente penoso, longo
e burocrático. São as regras da Igreja, e com fundamento nas palavras
do próprio Cristo.
Alguns católicos que se separaram de seus cônjuges até mesmo se
privam de ter um novo relacionamento, a não ser que a Igreja conceda
a anulação do casamento anterior. E quem se casa no rito civil com uma

151
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

outra pessoa está sendo infiel ao seu primeiro cônjuge, na visão da


Igreja, portanto em pecado mortal, por isso está excluída dos
sacramentos, entre eles a comunhão.
Estou de acordo com os esforços do Papa Francisco, em sua
exortação apostólica Amoris laetitia, para dar maior flexibilidade a
essas regras, que são, francamente, desumanas. Parece até que quem
não teve sorte e não acertou de primeira, e não casou-se virgem logo
com o grande amor de sua vida, deve optar por, ou manter um
casamento onde não há nenhum amor, ou separar-se e permanecer
sozinho pra sempre, ou encontrar outra companhia e ser visto pela
doutrina católica como um contumaz pecador mortal, excluído até
mesmo da comunhão, e depois que falecer ir direto para o inferno.
Mas setores conservadores da Igreja acusam o próprio Papa de cair
em uma gravíssima heresia, o que, se fosse realmente levado até suas
últimas consequências, seria o suficiente para produzir outro grande
cisma, como aquele que houve entre a Igreja Oriental e a Igreja
Ocidental, ou entre os católicos e os protestantes. E, nessa polêmica do
Papa com os setores conservadores, certamente haveria acontecido
exatamente isso, caso estivéssemos vivendo em um período de maior
fervor religioso, e não nessa época moderna em que as verdades da
Igreja já são relativizadas, e a Igreja já não tem mais tanta importância
- a despeito de gente como Olavo de Carvalho achar que o pensamento
moderno é um retrocesso em relação ao pensamento medieval.
Católicos ultra conservadores recomendam a modéstia, ou seja,
nada de calça jeans, muito menos decotes, vestidos, calças ou roupas
sensuais. Para as mulheres, a recomendação é que vistam-se com
discrição, ou exatamente como uma senhora bastante idosa, pois isso é
o que Deus aprova. Por favor, não exagere nas maquiagens, nem nos
penteados. Para os homens, evitem estilos despojados, esportivos ou
imodestos. Andróginos, metrossexuais, góticos, ou qualquer outro que
tenha algum estilo mais extravagante, já tem garantida sua passagem

152
Josué A. Ribeiro

só de ida para o inferno, a não ser que se arrependa e se torne um novo


homem.
E em relação ao romantismo, têm uma visão bastante cética. Um
casal bom é um casal que se dá bem, se compreende, que tem as
mesmas ideias a respeito da vida, os mesmos costumes e, sobretudo, a
mesma Fé religiosa. Nada de afetos descontrolados, deslumbramentos,
encantamento com as qualidades físicas ou intelectuais do outro,
paixão romântica ou tórridas noites de sexo. Afinal, você vai ter que se
acostumar com as coisas mais corriqueiras do casamento, como os
roncos, os peidos e o mau hálito. O casamento deve ser tão trivial e
monótono quanto possível, e o sexo, apenas um ato mecânico,
desapaixonado, e tendo em vista apenas a procriação14.
Quanto a masturbação, nós, que somos apenas pessoas não salvas,
entendemos como uma prática bastante instintiva e natural, e não
como moralmente repreensível. Certamente é prejudicial à saúde se for
algo excessivo. Mas constitui-se tão somente num problema de saúde,
física e mental, e não num problema moral. Mas a Igreja coloca em um
mesmo patamar de gravidade moral o adultério e a masturbação. Não
é estranho? Tanto isso não é verdade, que um único adultério, se
descoberto, é suficiente para acabar com um relacionamento, ou
mesmo um casamento de muitos anos. Já a masturbação, mesmo que
seja excessiva, pode gerar um mal-estar temporário entre o casal até
que o problema seja resolvido, mas não constitui ela unicamente um
motivo para encerrar o relacionamento. (Pelo menos para pagãos como
nós).
E, como todos sabem, a Igreja ainda não aceita nenhum método
contraceptivo, a não ser os métodos naturais em que o casal apenas
tem relações nos períodos em que a mulher está infértil. É contra a

14
Fonte: http://www.oprincipedoscruzados.com.br, tema: Romantismo.

153
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

camisinha, a pílula e todos os demais métodos. Não sei até quando a


Igreja vai manter esse posicionamento, que é, francamente, uma piada
de mal gosto, mas que alguns fiéis ainda levam a sério.
O simples fato de a grande maioria da humanidade e até dos
próprios católicos ignorar o ensinamento da Igreja em relação às
questões da moral sexual, já mostra que ela está completamente
desatualizada em relação a esse assunto, e que sua postura de
condenação ao sexo e ao prazer é algo anacrônico, pertencente a eras
passadas, mas não ao mundo atual em que vivemos. E o próprio Papa
Francisco está ciente disso.
Os protestantes acusam os católicos de não levarem a sério Jesus
Cristo e seus ensinamentos, que podem ser duros sim, mas são a
verdade revelada. De fato, em algumas igrejas cristãs evangélicas, os
pastores têm um discurso com um enfoque muito maior no
ensinamento bíblico, e ao contrário da maioria dos padres católicos,
que há muito já deixaram esse assunto da pureza sexual de lado em
seus sermões, ainda fazem exortações contra os pecados da carne,
como a fornicação. Cristãos evangélicos renascidos, que passaram por
profundas experiências espirituais, defendem esses pontos de vista
conservadores em relação a moral, como o sexo ser algo que apenas os
casais que estiverem casados têm o direito de fazer.
E claro, são contra a pornografia. Tendo uma ênfase tão grande na
moral sexual, acreditam que a pornografia é um mal que veio
diretamente do inferno e uma obra de Satanás; e que aquele que assiste
pornografia se torna escravo de Satanás, o inimigo de nossas almas,
aquele que veio apenas para roubar, matar e destruir.
Portanto, é de se esperar que os cristãos renascidos tenham um
verdadeiro horror à pornografia, porque ela é a verdadeira antítese de
tudo que para eles é mais precioso e sagrado. É algo extremamente
imoral da perspectiva cristã, algo que o Jeová do Antigo Testamento
seria capaz de mandar um novo dilúvio para extirpar da face da Terra

154
Josué A. Ribeiro

e recomeçar a humanidade de novo do zero. Todos sabem como o Deus


cristão é pudico, furioso e ciumento, e que nada poderia irritá-lo mais
do que toda essa imoralidade praticada de forma tão desavergonhada.
No entanto, de acordo com vários estudos, mesmo entre esses
cristãos que amam Jesus com todo seu coração e abominam as obras
de Satanás com igual intensidade, a maioria assiste pornografia com
alguma regularidade. Simplesmente, a tentação é forte demais para
eles suportarem, e nem mesmo o Espírito Santo, ou a Eucaristia,
conseguem frear esses impulsos. Alguns falam em fraqueza e falta de
fé, mas o que parece mesmo é que a ideologia não consegue ser maior
do que a natureza.
O único modo de acabar totalmente com o consumo de pornografia
seria tornando-a ilegal. Mas entre os políticos ou os pregadores
cristãos, poucos têm coragem de comprar essa briga, até porque sabem
que enfrentariam muita resistência. (Malditos masturbadores!) Assim,
limitam-se a apenas fazer condenações morais, que aparentemente não
tem muito impacto. Parece que a pornografia, gratuita e acessada por
qualquer adolescente com um telefone celular, veio para ficar. E isso,
apesar ter seu lado bom, é algo que ainda muitos de nós precisam
aprender a lidar.
Pois o seu consumo, é claro, pode ser bastante prejudicial ao cérebro,
principalmente se for em doses elevadas. Muitos já observaram o
fenômeno das disfunções sexuais desencadeadas pelo uso de
pornografia, e existe um movimento, conhecido como nofap, que busca
curar as pessoas de quaisquer disfunções ou vícios sexuais. O nofap
significa abstinência total de pornografia e masturbação, e representa
uma grande luta por parte de seus adeptos, que se encontram em
fóruns online dedicados ao assunto para relatar suas experiências e se
encorajar mutuamente. Apesar de o movimento ser bastante criticado,
eles têm razão em uma coisa: um pouco de abstinência pode fazer
milagres pelo seu desempenho sexual, principalmente se você é uma

155
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

pessoa com vício em pornografia.


Quanto aos profissionais da indústria pornográfica, principalmente
as atrizes e atores, apesar de serem alvo de muita condenação e
preconceito, não há como negar que fazem a alegria de muitos adultos
solitários e rejeitados, e até servem de inspiração para muitos casais.
Eles não obrigam ninguém a vê-los praticando sexo; só assiste quem
quer e vai atrás. Não acho que sejam, necessariamente, pessoas
indecentes e imorais, apesar de que em alguns casos podem ser. Mas
também, até onde eu sei, também podem ser pessoas com um bom
nível de elevação espiritual.
Apesar de serem profissionais do sexo, isso não significa que não
tenham outros interesses mais nobres, ou que não tenham
sentimentos. Pra mim, são apenas pessoas comuns, que possuem uma
boa aparência, que tem uma sensualidade aflorada e uma queda pelo
exibicionismo, e claro, estão interessadas no dinheiro. Mas por que
condená-los tanto, se afinal, quase todos nós também gostamos de
sexo, e quase todos nós também fazemos ou já fizemos?
Em seu artigo “A era dos masturbadores”, Olavo afirma que
qualquer relação sexual que bloqueie propositadamente a possibilidade
da reprodução equivale a masturbação. Apenas relações sexuais que
estejam abertas a essa possibilidade são relações sexuais de fato, para
o filósofo. Ele também afirma que a separação da sensação orgásmica
de sua finalidade reprodutiva contribui para gerar uma infantilização
nas massas.
Será que ele acharia que retornar a uma era em que não haviam os
métodos contraceptivos seria um avanço para a humanidade? Isso
produziria, é óbvio, uma reversão em relação aos comportamentos
sexuais presentes e à emancipação das mulheres. E naturalmente, um
grande número de bebês seria gerado. Será que a Terra realmente
poderia arcar com um crescimento exponencial de seres humanos,
indefinidamente? Será que as pessoas estariam felizes com o fato de

156
Josué A. Ribeiro

que, cada relação sexual que tivessem, poderia estar sujeita a resultar
numa gravidez?
Em outros momentos, ele não é muito enfático contra a
masturbação e nem contra a fornicação, e mesmo na questão do
adultério ele tem uma postura liberal, pois, numa série de postagens
no Facebook, recomendou aos maridos traídos perdoarem suas esposas
adúlteras. Mas existe, sim, uma prática sexual que o filósofo não vê com
bons olhos, e essa é a prática da sodomia, ou sexo anal (ou também o
oral). Ele é um detrator e crítico desse tipo de sexo, já o tendo
condenado diversas vezes como algo que é contra a moral e a dignidade
humana, e além disso, provoca câncer. Mas, como todos sabem, ele é
também um fumante inveterado, e ardente defensor do tabagismo.
(Nisso concordo com ele, pois eu também fumo.)
Essa condenação à sodomia também está presente na tradição
católica, que não apenas a descreve como um pecado grave, mas como
um pecado tão grave que é um dos quatro pecados que clama aos céus
por vingança. Os outros três são: assassinato de inocentes, oprimir as
viúvas e os órfãos e defraudar o trabalhador de seu salário. O que para
muitas pessoas é apenas um gosto, para a Igreja Católica se trata de um
crime tão cruel e desumano como assassinar um inocente. Não é de
admirar que, durante a Idade Média, ser acusado de sodomia era
motivo para morrer na fogueira.
O precedente bíblico para uma condenação tão forte à sodomia é a
destruição de Sodoma e Gomorra, por Deus, pela prática desse pecado.
O engraçado é que nem mesmo a pedofilia entra no rol dos pecados
que clamam aos céus por vingança. Não é estranho que duas pessoas
adultas com mútuo consentimento praticarem sodomia seja mais grave
do que um adulto abusar de uma criança?
Olavo também afirmou, em alguma de suas apresentações, que os
homens ou mulheres que pratiquem atos libidinosos com pessoas do
mesmo sexo e não se arrependerem, irão para o inferno. A Igreja

157
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

considera o homossexualismo um grave (ou deveria dizer: gravíssimo)


pecado contra a castidade, e intrinsecamente desordenada.
(Aparentemente, é mais grave se forem, no caso, dois homens). Mas
fica a pergunta: Por que Deus faria uma pessoa se sentir de
determinada forma, e depois condená-la por ela agir de acordo com tais
sentimentos? Ou talvez achem que é o demônio, e não Deus, quem
provoca essas coisas. Mas não é dito na própria bíblia que o demônio
não faz nada sem o consentimento de Deus?
Quanto aos pedófilos, que sentem atração sexual por crianças ou
jovens pré púberes, faz sentido haver uma proibição, pois a criança não
tem discernimento, e passar pela experiência de um abuso é para ela
algo extremamente traumático, que deixará marcas durante toda sua
vida. Os filhos das outras pessoas devem ser deixados em paz, isso é
óbvio.
Mas no caso de dois homossexuais adultos, esse argumento não faz
muito sentido, pois não se tratam mais de crianças. Claro que existe
muita depravação no meio gay, assim como também existe no meio
hétero. Mas dizer que por isso os gays não devem ou não podem se
relacionar sexualmente, é coisa de gente que nutre uma verdadeira
obsessão por fiscalizar o ânus alheio.
Tendo eu contato com muitos dos leitores do filósofo, percebo
atitudes e falas preconceituosas em relação aos gays, como uma
generalização de que todos os gays são promíscuos, ou que nenhum
deles seja uma pessoa confiável. No núcleo duro do olavismo, a opinião
de que eles podem, sim, ser pessoas boas e confiáveis e de que ninguém
tem culpa por ser gay, é uma espécie de desvio da ortodoxia.
E claro, a sodomia não é algo restrito aos gays. Muitos homens e
mulheres heterossexuais também apreciam a prática, apesar que
muitos conservadores mais diretamente influenciados pelo olavismo
acham isso um absurdo. Mas na verdade, correm até boatos que
existem evangélicas que praticam apenas essa modalidade antes do

158
Josué A. Ribeiro

casamento, para poderem casar-se "virgens"; acredito que a essa


altura, a maioria das pessoas já ouviu falar a respeito desses boatos.
Em relação a essas visões sobre a moral sexual, não seria uma
opinião mais sensata aquela de que o que duas pessoas maduras e
adultas fazem com consentimento mútuo, na privacidade de seus
quartos, não deveria ser assunto de preocupação para mais ninguém?
E que o melhor a fazer é viver sua vida e deixar o outro viver a dele?
Outro ponto que os católicos, evangélicos e conservadores
influenciados pelo pensamento de Olavo insistem é que o aborto
equivale sempre, em todos os casos, a um assassinato. Até o uso da
pílula do dia seguinte seria equivalente a mulher matar seu próprio
filho.
É verdade que se a mulher chegou ao ponto de precisar de uma
pílula do dia seguinte, quer dizer que ela realmente não agiu de forma
muito responsável. Mas sejamos francos: quem é totalmente
responsável o tempo todo?
E sim, o aborto é uma prática que pode ser de extrema crueldade e
egoísmo, uma vez que o feto já esteja desenvolvido, já sinta dor, já
tenha alguma consciência. Há até quem defenda matar o bebê uma vez
que ele já tenha nascido. É lamentável que certas pessoas tenham um
tamanho narcisismo e irresponsabilidade a ponto de achar que podem
decidir quem tem direito de viver e quem deve morrer. Matar uma
criança já nascida por motivo de conveniência é algo que apenas revela
o nazista que existe em alguns homens e mulheres.
Mas também não é possível deixar de notar que existe, no
movimento dos que são a favor da vida, um certo exagero e histeria.
Opõe-se ao aborto de forma dogmática, sem considerar os agravantes,
atenuantes e as circunstâncias de cada caso. Por exemplo, no caso de
uma menina de onze anos que tenha sido estuprada pelo padrasto, e
disso tenha resultado uma gravidez, vão tentar convencer a menina
que se ela fizer o aborto estará matando seu filho. Assim, a garota se

159
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

torna quase como culpada pelo fato de ela própria ter sofrido uma
violência.
Nada contra os conservadores religiosos quererem viver suas vidas
da maneira que desejarem, submetendo-se às regras morais e crenças
que quiserem se submeter. Mas não devem achar que as demais
pessoas devam fazer isso também. O estado religioso não existe mais,
graças a Deus. E a vida já é dura e pesada o bastante para que nós ainda
tenhamos que carregar sobre nossos ombros esses fardos
desnecessários, frutos de dogmatismo religioso, e que nada tem a ver
com a razão – apesar de os religiosos, às vezes, dizerem que a não
aceitação da religião deles tem a ver com rebelião das paixões
desordenadas contra a razão.
Cristãos conservadores veem seus próprios símbolos, ritos e dogmas
como sacrossantos, e exigem que todos respeitem. Mas o respeito que
exigem para si, não oferecem aos outros. Crenças alheias são
desrespeitadas rotineiramente, como quando afirmam
categoricamente que Iemanjá é um demônio. Eles podem aviltar, mas
não podem ser aviltados.
Olavo, por sua vez, faz muitas piadas com os homossexuais e com o
homossexualismo. Claro que piadas com gays não tem que ser
censuradas, e claro que Olavo tem direito de falar o que ele quiser. Mas,
quando as piadas são com Jesus, ele diz que se trata de genocídio
cultural. Estranho isso. Eu penso que ou você é uma pessoa irreverente
que faz e aceita piadas sem o menor problema, ou você é uma pessoa
grave, sisuda e sem senso de humor, que não faz piadas nem as aceita
de jeito nenhum. Mas Olavo quer ser as duas coisas ao mesmo tempo,
cada uma delas quando convém a ele. Sim, cristãos são mortos em
países muçulmanos apenas por serem cristãos. Mas gays também são,
apenas por serem gays.
As piadas podem ser criticadas, pois eu achei que o especial de Natal
de 2019 feito pelo canal Porta dos Fundos não foi algo tão engraçado.

160
Josué A. Ribeiro

Prefiro as piadas que exagerem algum traço conhecido do personagem


que é representado, do que as piadas que distorçam completamente
suas características. Um Jesus gay pode ser algo bastante ofensivo, mas
não considero particularmente engraçado.
Mas não acho que devam ser proibidas piadas com Jesus, nem
piadas com gays. Sou totalmente a favor da total liberdade de
expressão, e simples piadas não matam ninguém. Os cristãos, um
grupo que é tão forte e numeroso em nosso país, não correm nenhum
risco de sofrer genocídio porque o Porta dos Fundos retratou Jesus
como gay. E será que, em seu íntimo, alguém realmente acredita nisso?
Todo ser humano tem o direito de buscar sua própria felicidade e o
que faz um feliz não é o mesmo que faria outro igualmente feliz. Sim,
sei que esse é um discurso já bastante clichê e talvez bastante
desgastado, mas cada pessoa deve ser respeitada em suas diferenças, e
não devemos nos ofender ou nos escandalizar por qualquer coisa.
Acho absurdo quando a extrema esquerda se escandaliza com uma
família tradicional, composta por um marido, uma esposa e seus filhos.
Mas os conservadores também não deveriam se escandalizar com um
casal gay. E se uma pessoa é solteira, isso é problema dela. Pode ser por
opção dela, ou pode ser por opção de outras pessoas que não querem
ela. Isso pouco importa. O melhor é que, realmente, cada um cuide de
sua própria vida, e tente resolver seus problemas e ser feliz. Afinal,
Deus deu ao homem e à mulher inteligência para que eles sejam
responsáveis por suas vidas e por suas escolhas.

161
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

CAPÍTULO 8

Conclusão e considerações finais

Esse livro é resultado de um profundo e longo processo de reflexões,


e devo admitir que minhas visões mudaram muito desde o dia em que
comecei a escrevê-lo (que foi por volta de meados de 2019) até o dia de
hoje (19 de abril de 2020), e eu fui, ao longo desse tempo, fazendo
inúmeras alterações e acréscimos no texto, de forma que hoje ele já está
bastante diferente do que era em sua primeira versão. Glória a Deus
pela era digital! E por não dependermos mais de usar as antigas
máquinas de escrever, que teriam tornado esse processo infinitamente
mais complicado.
Pois eu sou exatamente como Raul Seixas: uma metamorfose
ambulante. Portanto, se eu for escrever um novo livro (e eu tenho
planos de fazer isso), talvez minhas ideias já estejam um pouco
diferentes das que tenho hoje. De qualquer forma, a minha expectativa
é que as ideias que eu expressei aqui, na forma em que estão, sirvam
para provocar reflexões proveitosas para outras pessoas. E espero que
qualquer lacuna que eu tenha deixado seja preenchida pelas próprias
reflexões do leitor.
Olavo de Carvalho, em seu livro Jardim das Aflições, disse algo com
o qual me identifico totalmente. Apesar de que, em minha opinião, ele
mesmo não seguiu aquilo que ensinou. De qualquer forma, gostaria de
citá-lo, porque esse seu ensinamento serve de modelo e inspiração para
mim, e espero que sirva também para outras pessoas. Diz o seguinte:
Nem mesmo pretendo mudar a opinião de quem goste da sua. Hoje
em dia as pessoas criam opiniões como animais de estimação,
sucedâneos do afeto humano. Quanto às minhas, trato-as a pão e água,

162
Josué A. Ribeiro

ginástica sueca e chibatadas, levando muitas delas à morte por


definhamento, a outras estrangulando no berço ou esmagando-as a
golpes de fatos que as desmentem: fico com as que sobrevivem. Não
posso recomendar esse regime às almas sensíveis, mas desconheço
outro que possa nos colocar na pista da verdade, supondo-se que a
desejemos. E se aqui submeto ideias alheias a esse tratamento
impiedoso, é porque algumas delas já foram minhas — e, como disse
Goethe, contra nada somos mais severos do que contra os erros que
abandonamos.”
Isso! Perfeito. Gostaria de dizer ao leitor que esse foi o homem que
me impressionou. Não o homem que atribui poderes mágicos à
Eucaristia, que diz que um dogma cristão é um fato histórico, ou que
aposta em teses científicas completamente arcaicas, mesmo sem ser
um cientista.
Olavo critica o excessivo rigor científico da classe acadêmica como
responsável por gerar uma grande esterilidade no pensamento que é
produzido nas universidades. Mas é preciso ver também o outro lado
da moeda. Não ter rigor nenhum, e afirmar que as coisas sejam de tal
forma porque são ou porque você disse que são, acaba produzindo uma
grande confusão no público que segue e leva a sério o que você diz.
Da mesma forma, digo a quem estiver lendo: não precisa concordar
com tudo que eu digo aqui, pois talvez nem eu mesmo concorde com
tudo daqui a alguns anos. Mas tenha o bom senso de desconfiar um
pouco de suas próprias ideias, e não pense que Deus te proíbe de pensar
ou questionar certas coisas. Porque o Deus que eu conheço é um Deus
que ama seus filhos, que somos nós, e Ele não nos condena pelo delito
de opinião.
Olavo de Carvalho é sim, em muitos aspectos, um homem notável.
Mas, para quem realmente o conhece, sabe que é também um homem
extremamente narcisista. Eu nem vou me dar ao trabalho de
demonstrar isso através de exemplos. Qualquer um pode acessar os

163
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

comentários que ele faz em suas redes sociais e ver isso com seus
próprios olhos, e tirar suas próprias conclusões.
Então, não é necessário segui-lo e dar ouvidos a tudo que ele diz,
como se ele fosse a perfeição em pessoa. Ele diz coisas importantes sim,
mas também diz muitas bobagens. Aliás, foi ele mesmo quem disse a
seus ouvintes que ninguém deve ser apenas elogiado ou criticado
unilateralmente, pois afinal, é impossível para qualquer pessoa ou
figura pública estar totalmente certa em tudo, ou totalmente errada em
tudo. Então, por que essa mesma regra não se aplica a ele? 15
Algumas críticas que ele fez foram realmente certeiras. Vou citar
essa: a detestável característica do brasileiro de, ao contemplar alguém
com alguma qualidade digna de louvor ou admiração, ao invés de
admirá-lo, sente-se invejoso. E, ao invés de dar as devidas honras a
quem as merece, esforça-se ao máximo para destruir ou ocultar os
feitos ou qualidades da pessoa invejada, porque se sente humilhado
demais por não possuir as mesmas qualidades.
(Claro, nem todos os brasileiros são assim. Mas, dentro da minha
experiência, não é muito comum mesmo as pessoas reconhecerem os
méritos de outra, a não ser que essa pessoa já seja uma figura
consagrada e com uma boa reputação pública).
E preferem dar visibilidade e honrarias a pessoas medíocres e
vulgares, pois assim se sentem mais confortáveis pensando que mesmo
as pessoas que alcançaram os pícaros da glória não são melhores do
que eles. Dessa forma, estabelece-se um terrível e sufocante culto à
mediocridade, que ajuda a fazer a vida tornar-se vazia, angustiante e
sem sentido para aqueles que tem aspirações mais elevadas. A eleição
de Lula e o declínio da alta cultura tem a ver com isso, conforme ensina
o filósofo. Ou, acrescento eu, o impressionante sucesso alcançado por

15
Confira ele dizer isso no vídeo "Olavo responde a um professor comunista" no youtube.

164
Josué A. Ribeiro

esses intragáveis cantores de música popularesca, ou desses estilos


como o funk carioca; a arte, ao invés de servir para elevar o ser
humano, apenas o retrata em toda sua grosseria e feiura.
Outra crítica certeira que ele fez foi dizer que o brasileiro tem uma
cultura de grande apego por diplomas e títulos, e desprezo pelo
verdadeiro conhecimento. O conhecimento é apenas um detalhe, um
adereço com pouca importância; o que vale mesmo é o título. Assim,
vemos no Brasil pessoas que teoricamente deveriam ser cultas,
consumindo uma cultura extremamente pobre e de mal gosto, e que,
apesar de ostentarem um diploma, não se tornam pessoas melhores e
mais inteligentes.
Mas Olavo, como o grande narcisista que é, não é muito tolerante a
questionamentos. Estabelece com seus leitores uma relação
semelhante como a de um pai em relação a seus filhos. E um pai que,
apesar de carinhoso, não gosta de ter sua autoridade questionada. Ele
oferece toda amizade e cumplicidade a eles, então, por que haveriam
de desafiá-lo?
Bem, quanto a mim, estou bastante contente por enxergar o mundo
hoje de uma forma bastante diferente do que enxergava quando
atribuía a ele uma sabedoria e onisciência quase divinas.
“A verdade deve ser dita com amor, mas o amor nunca pode impedir
a verdade de ser dita.” - conforme ensina Santo Agostinho. Tentei
realizar essa tarefa ao longo deste trabalho, que foi bastante desafiador
para mim. Mas foi um desafio que eu tive muito prazer em enfrentar.
Quanto ao que virá depois, não me preocupo, mas estou com uma boa
sensação de ter feito um bom trabalho. Lançamos as sementes, mas se
elas vão germinar e se transformar em belas árvores, é algo que não
depende mais de nós.
Eu também já passei pelo seminário de filosofia de Olavo de
Carvalho. Assisti a algumas de suas vídeo aulas e pretendi fazer o curso
para, segundo a promessa que ele faz, tornar-me um intelectual

165
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

capacitado a discutir os temas mais importantes da atualidade, e fazer


uma grande diferença na sociedade.
Tenho dois questionamentos em relação ao seminário. Um, o
primeiro e mais óbvio, é o fato de que os alunos não obtêm nenhum
diploma ou certificado passando pelo seu curso. Na academia, pelo
menos, podem obter um diploma, que os torna habilitados a exercer
uma atividade profissional ou a dar aulas. Mas fazendo o curso do
Olavo, o estudante precisa ainda, de alguma forma, cavar seu próprio
espaço, o que não é uma tarefa nada fácil, apesar de o filósofo afirmar
que seus alunos são a única esperança do Brasil para retomar o
esplendor cultural que nosso país já teve no passado.
Se seus alunos serão realmente capazes de cumprir essa ambiciosa
promessa, ainda teremos que ver. É uma aposta que ele faz em seus
alunos, e os alunos fazem nele. Caso ocorresse, o Brasil conseguiria um
salto educacional realmente incrível. Mas, se tratando de uma
personalidade egocêntrica como Olavo, eu sei que o fator vaidade está
muito presente quando ele faz essas promessas grandiosas.
O outro questionamento é que, apesar de Olavo criticar as
imposturas intelectuais da esquerda, ele também é um mestre na arte
de falar, falar e não dizer nada de importante. As aulas do seminário de
filosofia, pelo menos as iniciais, de três horas, poderiam ser resumidas
em meia hora ou menos, sem prejuízo para a mensagem que é
transmitida. Ou talvez seja apenas eu que não tenho inteligência
suficiente para discernir uma mensagem clara em todo aquele
palavrório.
Em relação ao cristianismo, repito aquilo que disse na introdução:
ele é exatamente aquilo que nós fazemos dele. Eu considero que
pregadores como Caio Fábio fazem um ótimo trabalho ao desmistificar
tantas ideias terríveis de pastores evangélicos, mas é claro que ele é
criticado e chamado de herege pelos mais ortodoxos. E esses cristãos
conservadores fazem o papel de guardiões da fé e da moral,

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Josué A. Ribeiro

determinando o que é e o que não é lícito em se tratando das regras de


Deus.
Cristãos mais zelosos podem pensar que se você não segue mais a
religião é porque você se recusa a acreditar de forma premeditada, e
inventa desculpas para não acreditar. Podem duvidar da sua
sinceridade, te atribuir um monte de motivações sórdidas e pouco
nobres, achar que você vai para o inferno e não serem mais seus amigos
– isso, apesar de todo aquele discurso de amor cristão. Por causa dessa
pressão social, que é especialmente forte em um país tão religioso como
nosso, muitos podem hesitar em falar o que realmente pensam.
Mesmo assim, não é de admirar que houvesse, ao longo da história,
tantos hereges e tantas pessoas que questionassem a doutrina católica,
porque ela realmente é uma ideologia muito repressiva. E também,
devo acrescentar que muitos aderem a ela apenas para ostentar uma
santidade que não tem, ou para sentirem-se livres para proferir
julgamentos e condenações em nome de uma suposta verdade
divinamente revelada. Isso, para algumas pessoas, é bastante
prazeroso.
Para outras pessoas, participar da comunidade religiosa é uma
importante fonte de satisfação e de socialização. Se é assim, ótimo,
afinal, cada um deve fazer o que tem vontade. E a fé pode sim ser algo
que faça muito bem a pessoa, contanto que ela tenha discernimento pra
saber o que é bom e o que é ruim dentro daquilo que ela acredita.
É bem possível que alguns digam que, nesse livro, eu ataco o
cristianismo. Mas prefiro não ver assim, pois considero que a única
coisa que eu ataco aqui é o fanatismo religioso. E outros talvez irão
reclamar que eu critico apenas o cristianismo, e poupo outras crenças,
que também tem problemas tão ou mais graves quanto os do
cristianismo.
Sim, imagino que todas as religiões têm problemas, mas não sei
muita coisa de religiões como a umbanda ou o candomblé, exceto a

167
Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

propaganda negativa que o cristianismo faz delas. Então, me abstenho


de comentar. E sei muito menos de religiões tão distantes e
incompreensíveis para nós como o hinduísmo, por exemplo. Mas a
minha principal experiência foi no cristianismo, e no Brasil, a maior
parte da população é cristã, por isso acredito que o que digo aqui é sim
importante.
E, segundo alguns levantamentos, em breve a maior parte da
população brasileira será de evangélicos. Então acho que estou
remando contra a maré, e é possível que eu desperte a ira de várias
pessoas. Mas a minha luta aqui é pela verdade, e talvez eu devesse dizer
Verdade com V maiúsculo, já que isso é tão relevante para alguns.
Assim como você quer que a sua crença no que é Verdade para você
seja respeitada, respeite também a crença dos outros, e aquilo que é
Verdade para eles. Isso não faz dessas pessoas seus inimigos, ou
inimigas de Deus, ou pessoas imorais e corruptas. Que todos nós
possamos viver em paz uns com os outros, respeitando as diferenças e
demonstrando um genuíno amor ao próximo, conforme Cristo nos
ensinou.

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Josué A. Ribeiro

APÊNDICE

Durante anos em que eu fui cristão, sempre pedia a Deus uma


revelação, algum sinal de que aquilo que eu estava acreditando era
mesmo uma verdade; ou melhor, não somente uma verdade, mas a
verdade que existia e que era a correta. Nunca obtive nenhum sinal
muito claro, apesar de minha insistência.
Eis que agora, num momento em que vejo que meu livro está quase
terminado, aparece algo estranho e aparentemente sobrenatural. É
algo bem sutil, que talvez seja apenas um devaneio de minha
imaginação, mas de qualquer forma, acho interessante deixar
registrado aqui para que o leitor tire suas próprias conclusões.
Ao escrever isso, lembro de uma das lições que Olavo deu em seu
seminário de filosofia, logo na primeira ou segunda aula, que eu
realmente não tinha prestado muita atenção por achar ser algo óbvio
demais. Não lembro exatamente das palavras que o filósofo empregou,
mas lembro o seu sentido: se algo aconteceu com você, e somente com
você, portanto, você é a única testemunha, você deve tentar relatar
aquilo com a maior exatidão possível, pois assim, aquele acontecimento
ou experiência individual pode se tornar um conhecimento coletivo.
Então, vamos ao relato do que realmente aconteceu.
Mais uma madrugada ruminando os acontecimentos do dia,
pensando em minha vida, pensando no que fazer, pensando nas
minhas dificuldades, nas minhas lutas e nos meus planos. Ponho a
cabeça no travesseiro, puxo o lençol e vou dormir, tranquilamente, o
sono dos justos. Depois de algum tempo, adormeci, no que parecia ser
mais uma noite normal como qualquer outra.
Eis que, algum tempo depois, eu tive um sonho lúcido – bastante
lúcido, na verdade. É algo que já ocorreu comigo, mas em raríssimas

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

ocasiões, e quando ocorre, não é nada planejado; simplesmente,


acontece. Um sonho lúcido é quando você está sonhando, mas está
plenamente consciente de tudo que está acontecendo: você sabe até que
está na cama, dormindo, mas está de alguma forma consciente de seu
sonho e de tudo que está acontecendo.
Nesse episódio, em primeiro lugar eu tive consciência de que estava
dormindo, no meu quarto, em cima da minha cama. Sabia que era o
meu quarto, sabia que era a minha cama e que eu estava lá, deitado e
dormindo. Achei aquilo um pouco curioso, mas não tive maiores
preocupações, afinal, coisas estranhas e inusuais acontecem o tempo
todo.
Mas não fiquei nessa situação por muito tempo, pois logo apareceu
algo, uma espécie de força, ou entidade, que tinha um aspecto disforme
e que logo encheu todo o quarto. Parecia irresistível e que logo eu
percebi como sendo algo maligno e corrupto. Sem poder reagir, eu
sentia aquela força grudando em minha pele, como se fosse uma
espécie de cola. E, à medida que aquilo ia colando em mim, parecia
assumir uma forma mais definida, que eu logo percebi como sendo
duas belas mulheres. Elas estavam nuas, e logo eu senti um poderoso
arrebatamento erótico tomando conta de todo meu ser. Sim, era
prazeroso, mas ao mesmo tempo eu conseguia perceber, de alguma
forma, que aquilo era negativo, não era bom. Apesar que, se eu tivesse
deixado aquilo continuar, saberia que o prazer seria intenso, algo em
mim dizia que poderia me causar algum mal.
Então tenho uma sensação de que, se eu quisesse e que aquilo fosse
embora, deveria fazer as orações cristãs. Então eu começo a rezar, um
Pai Nosso seguido por uma Ave Maria e sinto aquela força rapidamente
desgrudando do meu corpo e se tornando novamente disforme. Era
como se aquelas orações cristãs tivessem o poder de repelir aquela
força maligna.
Acordo e vou até o portão de minha casa e vejo que está escancarado

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Josué A. Ribeiro

para a rua. Aquilo é estranhíssimo. Então percebo que ainda estou


dormindo. Novamente me sinto no meu quarto e novamente sinto
aquela força com as mesmas sensações: a sensação de algo estar
grudando na pele, as belas mulheres nuas, a sensação de algo corrupto
e o poderoso erotismo. Novamente, começo a rezar um Pai Nosso e
uma Ave Maria e sinto aquela força desaparecendo com a mesma
rapidez que havia aparecido e que tomava conta do meu corpo. Depois,
repito até outras orações cristãs que eu não me lembrava direito e o
nome de Deus e de Jesus, para exorcizar de vez aquela força ou
entidade.
Ao fazer essas preces, eu as fazia com grande devoção. E quando
aquela força finalmente foi embora, eu acordei. Estava em meu quarto,
e dessa vez sabia que não era um sonho. Aquilo tinha acontecido
mesmo. E então me lembro que eu não sou mais cristão. Um pouco
frustrado, eu olho pra cima e pergunto ao Altíssimo: “Deus, por que
você faz isso comigo?”
Depois, plenamente consciente, eu penso: Se isso aconteceu, eu
preciso relatar, pois nada acontece por acaso. E se esse acontecimento
está tão vívido em minha memória, talvez mereça também chegar ao
conhecimento de meu leitor. Em relação ao divino, somos como cegos
apalpando um elefante. Um apalpa a tromba e acha que é uma cobra;
outro apalpa a perna e acha que é um tronco de árvore, outro apalpa a
orelha e acha que é uma folha e assim sucessivamente. Apesar da
confusão, acho que é correto que todas essas visões, aparentemente
contraditórias, sejam relatadas.
Ainda não sei como interpretar o meu sonho e, por mais lúcido que
tenha sido, continua sendo apenas um sonho. Estou apenas relatando
a minha experiência e peço para que o leitor julgue da maneira que
achar mais adequada; se ele quiser achar que esse é apenas um
devaneio sem sentido, é claro, está também totalmente livre para fazer
isso.

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Verdades e Crenças – Um contraponto a Olavo de Carvalho

Essas revelações confusas e aparentemente contraditórias apenas


reforçam a minha crença de que Deus não quer se revelar de forma
plena a nós. Pois se ele (ou Ele) fizesse isso, estaria interferindo em
nosso livre arbítrio. E isso é para Ele a coisa mais importante, que deve
ser preservada em nós a qualquer custo. Se eu posso dizer que possuo
alguma crença religiosa, então é exatamente essa.

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