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RESUMEN
ABSTRACT
Revista do Programa de Pós-Graduação Há uma leitura corrente na de então esse nome passaria a
em Geografia e do Departamento de
Geografia da UFES bibliografia especializada se- designar um conjunto bastante
Julho-Setembro, 2018 gundo a qual os espaços públi- heterogêneo de manifestações.
ISSN 2175-3709
cos só funcionam politicamente Também no Brasil, sobre-
quando são investidos por gran- tudo a partir de 2013, diversas
des movimentos sociais que manifestações dessa natureza
os ocupam e, por meio de sua têm sido observadas. Entretan-
mobilização, ganham publici- to, neste caso, a palavra ocu-
dade e reconhecimento. Recen- pação já esteve anteriormente
temente, a eclosão de grandes associada a processos de mobi-
manifestações políticas, em lização política que se utilizam
diversas partes do mundo, veio da permanência em um lugar
apenas reforçar esta aborda- como estratégia de luta e con-
gem. Também nos últimos anos testação. Os lugares ocupados
observou-se uma rápida difusão eram, em geral, edificações, pú-
de um modelo de mobilização blicas ou privadas e, até os dias
dos espaços públicos que ficou atuais, essa modalidade de ocu-
globalmente conhecido como pação é a que possui maior re-
“ocupação” (Castells, 2013). percussão e visibilidade, como
Trata-se de uma estratégia de no exemplo dos movimentos
reivindicação empregada por que, no final do ano de 2015,
alguns movimentos sociais que ocuparam as escolas da rede
se caracteriza pela permanência pública do estado de São Pau-
de um grupo de pessoas em es- lo, e que obtiveram amplo êxito
paços públicos como modo de em suas reivindicações.
comunicar o desacordo ao po- Os movimentos de ocupa-
der constituído. ção ao redor do mundo apre-
Em sua forma mais recente sentam a seguinte estrutura em
o fenômeno parece ter tido ori- comum: a contestação de algu-
gem, ou pelo menos ter ganha- ma proposição advinda do po-
do grande repercussão quando der constituído, a permanência
da ocupação da praça de paz ce- continuada e a gestão coletiva
lestial (Tiananmen), em Beijng, de espaços públicos ou institu-
por estudantes e outros grupos cionais. Durante a permanência
que reivindicavam reformas há uma intenção explícita de
no regime político, com maior demonstrar a possibilidade de
democratização da vida social se criar uma forma de organi-
na China. Desde então, movi- zação social e política diversa
mentos similares ocorreram em daquela que constitui a socie-
diferentes contextos e países, dade dominante. Esta forma de
como por exemplo, na conheci- organização alternativa estaria
da primavera árabe, entre 2010 baseada na solidariedade, na
e 2015, em 2011 na Espanha, horizontalidade e na inexistên-
com os indignados e, também cia de uma liderança clara. A
em 2011, no Occupy Wall Street prática destes movimentos pre-
que fez da própria ação, de ocu- tende demonstrar a viabilidade
par, sua denominação. A partir de se construir uma democracia
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Paulo Cesar da Costa Gomes Espaços públicos como lugares de política
Leticia Parente Ribeiro Páginas 5 à 11
Paulo Cesar da Costa Gomes Espaços públicos como lugares de política
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direta, contestando o modelo outras pessoas. Essa experiência permite 1 - Cotejar com a noção de
a conexão com coisas da vida concreta,
da democracia representativa. do cotidiano, e acaba com essa lógica genoespaço, desenvolvida
Harmonia, vontade coletiva, burguesa das universidades, porque os por Paulo Cesar da Costa
alunos do ensino superior são pessoas Gomes, em A condição ur-
forte solidariedade são os va- que foram selecionadas, de uma certa
lores mais amplamente veicu- forma. Não devemos fazer oposição ao bana: ensaios de geopolíti-
projeto de lei, por princípio, mas a uma ca da cidade (2001: 60-80).
lados, aproximando-se assim ordem social (O Globo, 13/04/2018)
da ideia de uma comunidade¹
(Castells, 2013).
OCUPANDO OS ESPAÇOS
Em termos de estratégias es-
PÚBLICOS
paciais, destaca-se, nas ocupa-
ções, o controle progressivo do A palavra ocupar em sua
acesso aos recursos e do ingres- acepção mais básica designa
so e circulação de pessoas, dada o ato de preencher um espaço.
a alegada ameaça representada Este ato pode traduzir tanto o
pela própria ordem social cons- sentido de simples permanência
tituída. O perfil demográfi- como aquele no qual a perma-
co dos ocupantes é, em geral, nência constitui uma forma de
formado majoritariamente por reivindicação, ou ainda de esta-
extratos mais jovens da popu- belecer a autoridade, o controle
lação, usuários intensivos das sobre um território.
redes sociais que difundem ra- Embora a “ocupação” seja
pidamente suas pautas e estabe- um dos modelos mais recentes
lecem canais de comunicação de manifestação política que
internos e externos para estes se vale dos espaços públicos, é
grupos. Em um primeiro mo- preciso reconhecer, no entanto,
mento, essas ocupações dura- toda uma gama de tipos de mo-
riam, em princípio, até o recuo bilização da população, como
da proposição que gerou o pró- as barricadas, passeatas e co-
prio movimento. Mais recen- mícios que, almejando alcançar
temente, no entanto, a duração objetivos claramente políticos,
tende a não ser mais delimitada se valem também da visibili-
já que o objetivo promulgado dade, propriedade inerente aos
seria a implantação de um mo- espaços públicos, para veicular
delo alternativo exemplar de suas demandas. A própria es-
uma nova sociedade fundada colha dos lugares atua no grau
em novos valores. de visibilidade alcançado pe-
Em abril de 2018, durante las manifestações. Além disso,
a ocupação do centro Pierre- essa escolha agrega às deman-
-Mendès-France – um anexo da das certos significados que são
Universidade de Paris 1, tam- conotados pelos espaços sele-
bém conhecido como “Tolbiac” cionados, potencializando as-
–, iniciada como reação ao pro- sim as ações.
jeto de lei do governo francês Desde o final do século
que visava alterar as condições XVIII, movimentos políticos
de ingresso às universidades, têm nas ruas uma arena pri-
um dos manifestantes assim se vilegiada de reivindicação e
Revista do Programa de Pós-Graduação
expressou: empoderamento. Para muitos em Geografia e do Departamento de
Aqui na ocupação as pessoas aprendem, a revolução francesa de 1789 Geografia da UFES
leem livros, produzem. É a primeira vez
que alguns fizeram as tarefas de casa para teria constituído o exemplo Julho-Setembro, 2018
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paradigmático, tomado como menos organizadas, nas quais
referência por inúmeros outros predominam menores densida-
Revista do Programa de Pós-Graduação movimentos políticos ocorridos des, um aspecto mais “carna-
em Geografia e do Departamento de a partir do século XIX (Ozouf, valesco” (iniciativas pessoais
Geografia da UFES
Julho-Setembro, 2018
1988). Este é o caso das revo- de apresentação pública, cria-
ISSN 2175-3709 luções de 1848 até a socieda- tividade e menor controle dos
de contemporânea, que tem no sentidos evocados e das formas
movimento de maio de 1968 de fazê-lo), percursos pouco
na França, com seus paralelepí- orientados, e concentrações em
pedos, suas barricadas e seus grandes logradouros. Contudo,
slogans gritados e escritos nos a despeito desta gradação, a
muros da cidade, uma revisão força destas manifestações está
do modelo revolucionário. Em vinculada, em grande medida,
todos esses casos, o domínio a sua capacidade de produzir
das ruas significa a possibilida- uma voz, a “voz das ruas”² que,
de de transformação das estru- em uníssono, apresenta seus
turas sociais. pleitos.
Essas manifestações têm a Via de regra, manifestações
sua eclosão associada, comu- desta natureza são consideradas
mente, a um evento catalizador. o fundamento da ação política
Como estratégia global, tal as- nos espaços públicos. E, tam-
sociação contribui para ampliar bém por isso, sua ausência é
a mobilização e alargar a ade- comumente interpretada como
são ao movimento, mas, simul- um dos principais sintomas da
taneamente, implica uma dimi- chamada morte do caráter polí-
nuição da expressão individual tico dos espaços públicos. Por
dos manifestantes, bem como outro lado, a bibliografia espe-
uma limitação da possibilidade cializada raramente atribui um
de aparecimento de dissenso, significado político forte ao uso
de hesitações. A uniformização ordinário dos espaços públicos.
dos participantes com cores e Por não produzir uma voz unifi-
adereços identificadores é um cada ou explicitamente orienta-
dos elementos que simbolica- da, a ocupação cotidiana destes
mente homogeneíza a manifes- espaços não constituiria um ato
tação. político. É justamente esta in-
Considerando apenas os ca- terpretação que gostaríamos de
sos mais recentes de manifes- colocar em questão.
tações políticas nas ruas brasi-
leiras, seria possível reconhecer VIVENDO OS ESPAÇOS
uma variedade no grau de orga- PÚBLICOS: EXEMPLOS
nização, coesão e controle da DO RIO DE JANEIRO
participação e da expressão.
Nesta gradação há manifesta- Aquilo que denominamos
ções mais organizadas, que se de “vida pública” na cidade,
caracterizam pela centralidade, ou seja, o conjunto de rituais
palavras de ordem, oradores que regulam a co-presença de
2 - O mecanismo do “micro- pessoas com expectativas, inte-
fone humano” é a expressão previamente definidos, roteiros
físicos e narrativos, aglomera- resses e valores muito diversos
mais clara desta veleidade
de produzir uma voz única. ções finais e clímax; até versões sob o mesmo espaço, não é o
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS