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Artigo

Introdução à Transformada
de Radon
Antônio Sá Barreto demos definir outras análogas, em que integra-se so-
bre variedades lineares de dimensão 1, 2, 3, · · · , n − 1.
Purdue University Por exemplo, em dimensão n = 3, podemos definir as
transformadas utilizando integrais sobre retas ou pla-
nos. A transformada em que se integra sobre retas leva
o nome de Transformada Raio-X.
  Consideremos primeiramente o caso n = 2. Neste
caso, or hiperplanos são retas e a Transformada de Ra-

O
propósito deste artigo é apresentar ao estudante don coincide com a Transformada Raio-X. Será útil tra-
de graduação técnicas de equações a derivadas balhar com uma parametrização conveniente das retas.
parciais e de geometria integral por meio de um tópico Qualquer reta L ⊂ R2 é dada por uma equação
relativamente simples, mas ao mesmo tempo bastante
interessante e moderno. Esse tópico possibilitará ao  x, ω  = s ,
aluno um primeiro contato com um assunto de grande
em que x = ( x1 , x2 ) e  x, ω  = x1 ω1 + x2 ω2 . Note que
interesse em matemática, que começou a ser desenvol-
L = L(ω, s) = L(−ω, −s) é perpendicular a ω e, se
vido no século XX e que ainda desperta interesse de
|ω | = 1, está a uma distância |s| da origem (ver a fi-
muitos pesquisadores. O pré-requisito para se ler es-
gura 1). Mais precisamente, a Transformada de Radon
tas notas é um bom conhecimento de cálculo avançado.
no plano será definida por
Familiaridade com propriedades de funções de uma va- 
riável complexa é desejável, mas não essencial. R f (ω, s) = f d , |ω | = 1 s ∈ R . (1.1)
 x,ω =s
Este artigo é baseado nas notas de aulas de minicur-
sos sobre as Transformadas de Radon e problemas in- Essa é uma aplicação que transforma funções de ( x1 , x2 )
versos que tive a oportunidade de ministrar durante em funções de (ω, s).
duas edições do Simpósio em Teorias Espectral e de Es-
palhamento, realizadas em Recife e Serrambi, de 11 a
15 de agosto de 2003 e de 11 a 15 de agosto de 2008. y
Registro aqui meus agradecimentos à CAPES, ao Clay
Mathematics Institute, ao CNPq, à FACEPE, à FINEP,
ao Instituto do Milênio, à International Mathematical
Union, à National Science Foundation e à Universidade
Federal de Pernambuco, que patrocinaram esses encon-
s
tros.
L(ω, s)
Em seu famoso artigo [16], de 1917, Johann Radon ω
definiu a seguinte aplicação: dada uma função contí-
x
nua no espaço R n , n ≥ 2, de suporte compacto – isto
é, existe C > 0 tal que f ( x ) = 0 para | x | ≥ C – e um
hiperplano H (dimensão n − 1), tome a integral da fun- Figura 1: L(ω, s) = { x = ( x1 , x2 ) :  x, ω  = s}, com
ção f ao longo de H. Além dessa transformada, po- s ∈ R e ω ∈ S1 .

1
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{Artigo}

Na verdade, vamos demonstrar que

R : C00 (R2 ) −→ C00 (S1 × R )


(1.2)
f −→ R f
L
leva uma função contínua de suporte compacto em R2
em uma função contínua de suporte compacto em S1 ×
ρ
R. Há várias perguntas naturais sobre essa aplicação:

1) R é injetiva?

2) Qual é a imagem de R?

Figura 2: Como f = 0 fora da região escura, então


3) É possível se encontrar uma fórmula para a inversa
R f (ω, s) = 0 quando |s| ≥ ρ.
de R?

Seja Ω ⊂ R n um objeto no espaço R n (n = 2 ou 3


Também é fácil de se ver que se f ( x ) = 0 para todo x
são os casos que interessam na prática). Seja L uma reta
com | x | ≥ ρ então R f (ω, s) = 0 para |s| ≥ ρ (ver a
no R n e suponha que um raio-X é direcionado a Ω ao
figura 2). Uma pergunta natural e muito importante é
longo da reta L (ver a figura 3). Sejam I0 e I1 as inten-
se a recíproca é verdadeira. Ou seja,
sidades do raio-X antes de penetrar em Ω e depois de
4) Se R f (ω, s) = 0 para |s| ≥ ρ e para todo ω ∈ S1 , é sair de Ω, respectivamente. Um modelo físico relaciona
verdade que f ( x ) = 0 para todo x tal que | x | ≥ ρ? a intensidade I do raio-X e a distância  ao longo da reta
por meio da equação
Provavelmente o leitor está se perguntando por que
dI
Radon iria se preocupar com uma coisa dessas. Eu não = − f () I ,
d
sei e nem tenho ceteza de que Radon tinha de fato um
propósito para estudar essas perguntas. Fritz John es- em que f () é chamado de coeficiente de absorção. Inte-
creve em [12] que o interesse de Radon por essas ques- grando esta equação ao longo da reta L, temos
tões foi motivado por problemas em mecânica do contí-   
I0
nuo, mas não dá detalhes. Entretanto, desde o final dos log = f d .
I1 L
anos 50, as Transformadas de Radon têm sido aplicadas
Como foi descrito acima, pode-se medir I1 e I0 e dessa
em muitos problemas práticos e, hoje, é um tópico de 
forma se mede L f d para todas as retas L. A pergunta
grande interesse. Nosso objetivo é procurar entender
é se podemos determinar f a partir desse dado. Esse é
rigorosamente as propriedades dessa transformada.
exatamente o mesmo problema estudado por Radon.

         Ω


   I1

A tomografia é uma das tecnologias de maior sucesso I ()
L
em medicina. Há vários tipos de tomografia e, pelo me-
nos uma delas, a tomografia clássica, segundo Barret e
I0
Swindell ([1]), é baseada na transformada de Radon. A
ideia básica desse procedimento, que primeiro foi dis-
cutida em [4], é a seguinte. Figura 3: Raios-X incidente e emergente.

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{Artigo}

A aplicacão dessa ideia é imediata. O médico deseja uma camada de pré-sal a quilômetros de distância den-
saber informações sobre os diferentes tecidos de uma tro da terra e embaixo de quilômetros de água? Uma
determinada parte do corpo humano a partir de medi- coisa é certa, a Petrobras nao sonhou com o mapa do te-
das feitas com raios-X. Por exemplo, a presença de uma souro. As companhias de petróleo têm grandes navios
anomalia num tecido gera uma diferença no seu coefi- que são equipados com um canhão de ar comprimido e
ciente de absorção e, determinando-se o coeficiente de uma rede, similar a uma de pesca, equipada com cen-
absorção, determina-se a presença de algo estranho no tenas de microfones. A rede é estendida na superfície
tecido. Mas essas medidas não dão diretamente o valor da água e puxada pelo navio. O canhão envia ondas
do coeficiente de absorção, apenas sua integral ao longo de som ao fundo do oceano e os microfones captam o
da reta percorrida pelo raio-X (ver a figura 4). Portanto, som refletido. Analisando-se as propriedades das on-
essa questão da medicina é traduzida exatamente no das de som que foram emitidas e refletidas, espera-se
problema de Radon, ou seja: é possível se determinar o deduzir propriedades do solo abaixo do mar, inclusive
coeficiente de absorção a partir de sua integral ao longo presença de petróleo. O modelo matemático envolvido
de retas? é bastante complicado, porém tem várias coisas em co-
A. Cormack, um físico sul-africano e um dos pionei- mum com o problema da Radon.
ros nas aplicações tomográficas, conta, em [3] – um ar- máquina de raios-X
tigo que escreveu para uma conferência que festejou os
setenta e cinco anos da Transformada de Radon – que
sensor
chegou a esse problema em 1956, quando trabalhava no
departamento de radiologia do Hospital Groote Schurr
(o mesmo onde foi feito o primeiro transplante de co-
ração), na cidade do Cabo, África do Sul. Ele recebeu
o Prêmio Nobel em medicina em 1979 pela contribui-
objeto com
ção que deu nessa área (sua palestra na cerimônia de diferentes
entrega do prêmio, que é de fácil leitura, pode ser en- coeficientes
de absorção
contrada em http://nobelprize.org/nobel_prizes/medicine/ sensor
laureates/1979/cormack-speech.html).
Esse exemplo também mostra a dificuldade de apli-
cação do método. Do ponto de vista prático, é impossí-
vel se fazerem medidas ao longo de todas as retas. Aí máquina de raios-X
aparecem outras perguntas – como quantas medidas se Figura 4: Espera-se detectar anomalias nos tecidos por
deve fazer para se ter uma aproximação boa – que não meio de medidas de raios-X.
serão consideradas neste artigo. Para mais detalhes, o
leitor deve consultar [1] e a bibliografia lá citada.
      
Esse tipo de problema é um exemplo do que se chama
de problema inverso. Neste exemplo, temos uma equação Antes de estudarmos as Transformadas de Radon, pre-
diferencial que sabemos resolver. O problema inverso é cisamos relembrar alguns fatos sobre a Transformada
encontrar o coeficiente da equação a partir de dados so- de Fourier, que deve ser conhecida do leitor.
bre suas soluções. Ou seja, conhecemos I1 e I0 e quere- Se f é uma função contínua de suporte compacto
mos determinar f a partir deste dado. Esta é uma área (denota-se f ∈ C00 (R n )), a Transformada de Fourier de
de pesquisa extremamente interessante e de aplicações f é definida pela integral

importantíssimas. Por exemplo, hoje se fala muito no
F f (ξ ) = f(ξ ) = e−i x,ξ  f ( x ) dx , (3.1)
“pré-sal”. O leitor teria ideia de como se pode descobrir Rn

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em que  x, ξ  = x1 ξ 1 + ... + xn ξ n é o produto interno vamos assumir que n = 1. Porém esta demonstra-

canônico no espaço euclidiano e i = −1. ção pode ser generalizada para n maior. Primeiro re-
Seja S(R n ) o conjunto das funções infinitamente di- cordemos que uma função F (ξ 1 + iξ 2 ) = u(ξ 1 , ξ 2 ) +

ferenciáveis em Rn que satisfazem iv(ξ 1 , ξ 2 ), de classe C1 , em que i = −1 e ξ j ∈ R,
  j = 1, 2, é analítica se satisfaz as equações de Cauchy-
(1 + | x |)k  Dxm11 Dxm22 ...Dxmnn f ( x ) ≤ C , (3.2) Riemann

para quaisquer x ∈ R n e k, m1 , ..., mn ∈ N, em que | x | = ∂u ∂v ∂u ∂v


= , =− .
1 ∂ξ 1 ∂ξ 2 ∂ξ 2 ∂ξ 1
( x12 + ... + xn2 ) e C é uma constante que depende de
2
2
k, m1 , ..., mn . Por exemplo, f ( x ) = e−| x| ∈ S(R n ). A Também lembremos que se F (ξ 1 , ξ 2 ) é analítica e
fórmula (3.1) também pode ser aplicada a funções nesse
∂kξ 1 ∂m
ξ 2 F (0, 0) = 0 ,
espaço, e é disso que trata o teorema seguinte.
para todo k, m ∈ N, então F = 0 (para uma demonstra-
Teorema 3.1. A Transformada de Fourier
ção desses resultados, consulte [14]).
n n Usando esses dois fatos, demonstraremos o teorema.
F : S(R ) −→ S(R ) (3.3)
A primeira observação é que, se f ∈ C00 (R ), então po-
definida por (3.1) é uma aplicação inversível e sua inversa é demos estender a Transformada de Fourier de f para o
dada por plano complexo simplesmente tomando
 
1
f (x) = ei x,ξ  f(ξ ) dξ . (3.4) F f (ξ 1 + iξ 2 ) = e−ix(ξ 1 +iξ 2 ) f ( x ) dx
(2π )n Rn R

Além disso ela satisfaz = e−ixξ 1 + xξ 2 f ( x ) dx .
R


F f (ξ ) = F (−ix j f )(ξ ) , Como f tem suporte compacto, ou seja, existe C > 0
∂ξ j tal que f ( x ) = 0 se | x | ≥ C, a integral converge e,
(3.5)
∂ portanto, F f (ξ 1 + iξ 2 ) está bem definida. A segunda
ξ j F f (ξ ) = F (−i f )(ξ )
∂x j
observação é que F f (ξ 1 + iξ 2 ) é uma função analítica
A demonstração desse teorema não será dada aqui. de z = ξ 1 + iξ 2 . Para demonstrar isso basta usar que
O leitor pode encontrá-la em [10], por exemplo. eixz é uma função analítica de z e que, pelo fato de f
O teorema seguinte decorre do teorema de Stone- ser contínua de suporte compacto, podemos comutar
Weierstrass, que em geral se estuda num primeiro curso as derivadas em ξ j , j = 1, 2, com a integral em x e ver
de análise matemática (ver [17], por exemplo). Vamos que

dar uma demonstração desse resultado em dimensão 1
∂ξ j F f (ξ 1 + iξ 2 ) = ∂ξ j e−ixξ 1 + xξ 2 f ( x ) dx ,
usando alguns fatos elementares da teoria de funções R

analíticas de uma variável complexa. para j = 1, 2. Assim, como e−ixξ 1 + xξ 2 satisfaz as equa-

Teorema 3.2. Seja f ( x ) uma função contínua de suporte ções de Cauchy-Riemann, F f também as satisfaz e,

compacto em R n , e suponha-se que, para todo polinômio portanto, é analítica. Finalmente, utilizaremos (3.6)

p( x ), se tenha para demonstrar que



∂kξ 1 ∂m
ξ 2 F f ( ξ 1 + iξ 2 ) = 0 se ξ 1 = ξ 2 = 0 (3.7)
p( x ) f ( x ) dx = 0 . (3.6)
Rn
e, portanto, deduzir que F f (ξ 1 + iξ 2 ) = 0 para todo
Então f = 0.
ξ 1 , ξ 2 . Em particular isso é verdade para ξ 2 = 0 e por-
Demonstração. Para não necessitarmos utilizar resulta- tanto a transformada de Fourier (real) f é nula. No Teo-
dos sobre funções de mais de uma variável complexa, rema 3.1, afirmamos que a transformada de Fourier é

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injetora em S(R ). De fato ela é injetora também em di- em que ω pertence à esfera unitária S n−1 de R n e s é
versos outros espaços (ver [10]), entre os quais C00 (R ). um número real. Note-se que o hiperplano está a uma
Como F f = 0, temos então que f = 0. distância |s| da origem e é perpendicular ao vetor ω (a
Para demonstrar (3.7), primeiro é preciso notar que, figura 1 contém uma ilustração do caso bidimensional).
como f ∈ C00 (R ), isto nos permite comutar as derivadas Dada uma função f ∈ S(R n ), considere-se a integral
em ξ com a integral em x, logo de superfície da função f ao longo do plano H (ω, s),
∂m k isto é,
ξ 1 ∂ξ 2 F f ( ξ 1 + iξ 2 )
 
= ∂m k
ξ 1 ∂ξ 2 e−ixξ 1 + xξ 2 f ( x ) dx R f (ω, s) = f dS . (4.2)
H (ω,s)
R
= (−i )m e−ixξ 1 + xξ 2 x m+k f ( x ) dx Há algumas importantes obervações a serem feitas
R
e, portanto, quando ξ 1 = ξ 2 = 0, temos, em virtude de sobre a função R f (ω, s). Primeiro, notemos que se

(3.6), que f ( x ) = 0 para todo x com | x | ≥ ρ então



∂m k
ξ 1 ∂ξ 2 F f (0) = (−i )
m
x m+k f ( x ) dx = 0 . R f (ω, s) = 0 se |s| ≥ ρ . (4.3)
R
Segundo, como H (ω, s) = H (−ω, −s), tem-se

Observemos que a condição de que f tenha suporte R f (ω, s) = R f (−ω, −s) . (4.4)
compacto é essencial e que se for substituída por f ∈
Finalmente, observemos que, dado k ∈ N,
S(R ) então o resultado não será mais válido. Para exi-
  
bir um contraexemplo, basta tomar uma função g ∈ sk R f (ω, s) ds =  x, ω k f ( x ) dS ds . (4.5)
R R H (ω,s)
S(R ) tal que todas as suas derivadas se anulem em
ξ = 0 e usar f = F −1 g. De acordo com os cálculos Porém  x, ω k é um polinômio homogêneo de grau k
que fizemos acima, f satisfaz (3.7), porém f = 0. A di- em ω, com coeficientes que também são polinômios ho-
ferença é que g não tem uma extensão analítica para o mogêneos de grau k em x. Quando calculamos a inte-
plano complexo. gral (4.5), obtemos um polinômio homogêneo de grau k
em ω. Portanto,
     R n 
Pk (ω ) = sk F (ω, s) ds (4.6)
R
A Transformada de Radon foi extensivamente estudada
é um polinômio homogêneo de grau k em ω.
por S. Helgason ([8]), F. John ([11]), P. Lax e R. Phillips
Definimos S(S n−1 × R ) como o conjunto das funções
([13]), D. Ludwig ([15]), e por muitos outros. Helga-
F ∈ C ∞ (S n−1 × R ) tais que, dado qualquer operador
son estendeu a teoria para espaços homogêneos mais
diferencial L em S n−1 , linear e com coeficientes de classe
gerais, inclusive para o espaço hiperbólico. A referên-
C ∞ , temos
cia principal é o excelente livro de S. Helgason ([8]). Os
teoremas incluídos aqui são clássicos e podem ser en- sup (1 + |s|)k | L( F )(ω, s)| < ∞. (4.7)
(ω,s)
contrados nessas referências.
Na verdade, esta definição envolve a noção de deriva-
Dado um hiperplano H ⊂ R n , n ≥ 2, tome-se a inte-
das de uma função definida numa esfera (que é uma va-
gral de f sobre H. Essa aplicação associa a f uma fun-
riedade diferenciável). Evitaremos discutir esse tópico
ção definida no espaço dos hiperplanos em R n . Para
e, para mais detalhes, remetemos o leitor a [18] ou ao
simplificar nossa discussão, entenderemos que qual-
Capítulo 2 de [9], que é uma referência mais específica
quer hiperplano H ⊂ R n pode ser representado por
para operadores diferenciais em variedades.
uma equação
O principal resultado desta seção é o seguinte teo-
H (ω, s) = { x ∈ R n :  x, ω  = s} , (4.1) rema.

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Teorema 4.1. R é uma aplicação inversível entre os espaços de H (ω, s) e o Teorema de Fubini, temos que

R : S(R ) −→ M , n R f (ω, s)e−iλs ds
R
  
= e−iλs f ( x ) dS ds
em que M é o subespaço das funções S(S n−1 × R ) que sa- R  x,ω =s)
  
tisfazem (4.4) e (4.6).
= e−iλω,x f ( x ) dS ds
R  x,ω =s

Necessitaremos de uma série de resultados para de- = e−iλω,x f ( x ) dx
Rn
monstrar o Teorema 4.1. Começaremos pelo seguinte
= f(λω ) .
lema, cuja demonstração fica como exercício para o lei-
tor. Isto completa a demonstração do lema.

Agora fica fácil demonstrar que R é injetiva. Se f ∈


Lema 4.1. Se e j = (0, 0, .., 1, 0, ..., 0), com o valor 1 na j-
S(R n ) e R f = 0 então obtemos do Lema 4.2 que F f =
ésima posição, e f h ( x ) = f ( x + he j ), então
0. Como F é injetiva, segue que f = 0.

A segunda tarefa é demonstrar que se F (ω, s) ∈
R f h (ω, s) = f (y + he j ) dSy
y,ω =s S(S n−1 × R ) satisfaz (4.4) e (4.6) então existe uma fun-

= f ( x ) dSx (4.8) ção f ∈ S(R n ) tal que F = R f . Novamente vamos usar
 x,ω =s+hω j
a relação entre as Transformadas de Radon e de Fourier.
= R f (ω, s + hω j ) . Note-se que a fórmula (4.9) diz que a Transformada de
Fourier em s de R f (ω, s) é essencialmente dada pela
Desta forma,
Transformada de Fourier de f em coordenadas polares,
∂f ∂R f com a diferença de que λ não é necessariamente posi-
R( )(ω, s) = ω j (ω, s)
∂x j ∂s tivo. O próximo passo é o seguinte lema, cuja demons-
tração também deixamos como exercício para o leitor.
∂2 f
e, portanto, se ∆ f = ∑nj=1 então
∂x2j Lema 4.3. Seja

∂2 R f P : S n−1 × [0, ∞) −→ R n
R(∆ f )(ω, s) = (ω, s) .
∂s2 (ω, s) −→ sω = x .

Usando-se esse lema, pode-se facilmente demonstrar a transformação que associa coordenadas polares (ω, s) a um
que R : S(R n ) −→ S(S n−1 × R ). A seguir, demons- ponto x ∈ R n . P desfruta das seguintes propriedades:
traremos que R é injetiva. Para isso, necessitaremos ex-
I. A restrição de P ,
plorar a conexão entre a Transformada de Radon e a de
Fourier. P0 : S n−1 × (0, ∞) −→ R n \ 0 ,

Lema 4.2. Se f ∈ S(R n ) então a Transformada de Fourier é um difeomorfismo (C ∞ e bijetiva) e sua inversa
de R f (ω, s) com respeito à variável s satisfaz
P0−1 : R n \ 0 −→ S n−1 × (0, ∞)
 x
f (ω, λ) =
R R f (ω, s)e−iλs ds = f(λω ) . (4.9) x −→ ( , | x |)
|x|
R

é a inversa de P .
Demonstração. Como f ∈ S(R n ), temos, em virtude do
Lema 4.1, que R f ∈ S(S n−1 × R ) e, portanto, a integral II. Se f ∈ C ∞ (R n ) então f ◦ P ∈ C ∞ (S n−1 × [0, ∞)).
(4.9) é bem definida. Por outro lado, usando a definição Note-se que o intervalo inclui s = 0.

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III. Se F ∈ C ∞ (S n−1 × (0, ∞)), então F ◦ P0−1 ( x ) = Observe-se que in−1 = ±1 e que o lado direito de
F ( | xx| , | x |) está em C ∞ (R n \ 0), ou seja, é C ∞ em to- (4.11) é um número real se f é real.
dos os pontos, exceto possivelmente na origem.
Demonstração. Usando coordenadas polares em (3.4),
IV. Se F ∈ C ∞ (S n−1 × (0, ∞)), então f = F ◦ P0−1 se es- temos:

tende a uma função em C ∞ (R n ) (ou seja, é C ∞ também 1
f (x) = ei x,ξ  f(ξ ) dξ
na origem) se e somente se F ∈ C ∞ (S n−1 × [0, ∞)) e (2π )n Rn
  ∞
1
= ei x,λω  f(λω )λn−1 dλ dSω .
∂k (2π )n Sn−1 0
Pk (ω ) = ( F )(ω, 0) (4.10)
∂sk
Como n − 1 é par e  x, λω  não se altera se trocarmos
é um polinômio de grau k, para todo k ∈ N. (λ, ω ) → (−λ, −ω ), podemos estender a integral em λ
para todo R para obter
Sugestões para a demonstração. A demonstração da pro-
  ∞
priedade I é fácil. As propriedades I I e I I I são con- 1 1
f (x) = ei x,λω  f(λω )λn−1 dλ dSω ,
2 (2π )n S n −1 −∞
sequências imediatas de I. A propriedade IV é a única
que não é trivial. Para demonstrá-la, escreva-se a série e, por causa de (4.9), chegar a
  ∞
de Taylor de F em s = 0. Use-se (4.10) para provar que 1 1 f (ω, λ)λn−1 dλ dSω .
f (x) = ei x,λω  R
f = P0−1 F, que é C ∞ em R n \ 0, tem uma série de Taylor 2 (2π )n S n −1 −∞

em x = 0 e que, portanto, é C ∞ na origem. Utilizando (3.1) e (3.5), obtemos


 ∞
Resta-nos provar que R é sobrejetiva. Ou seja, dada eiλs λn−1 R
f (ω, λ) dλ
−∞
F (ω, s) ∈ M, demonstraremos que existe f ∈ S(R n ) 
∂n−1 ∞ iλs 
1
tal que F (ω, s) = R f (ω, s). De fato, como = e R f (ω, λ) dλ
in−1 ∂sn−1 −∞

1 ∂ n −1
sk F (ω, s) ds = F (sk F )(ω, 0) = (2π ) n−1 n−1 R f (ω, s) ,
R i ∂s
∂k e, assim, (4.11) está demonstrada.
= ik F ( F )(ω, 0)
∂λk
Essa fórmula tem uma propriedade muito impor-
é, por hipótese, um polinômio homogêneo de grau k, o
tante que merece ser destacada. Para se obter o valor da
Lema 4.3 nos dá que, para ξ = λω, f (ξ ) = F(|ξ |, ξ ) ∈ |ξ | função f num ponto x0 , basta que se conheça R f (ω, s)
C ∞ (R n ), e como F ∈ S(S n−1 × R ), concluímos de (3.3)
para valores próximos a s =  x0 , ω  (pois é preciso de-
que f ∈ S(R n ). De (4.9) deduzimos que F = RF −1 f .
rivar em relação a s). Assim, precisamos conhecer as
Isso encerra a demonstração do Teorema 4.1.
integrais de f ao longo de planos com distância à ori-
Portanto, já sabemos que R : S(R n ) −→ M tem uma gem próxima de | x0 , ω |, que é, no máximo, | x0 |. Não
inversa. É, pois, natural tentar-se computar R −1 . Aqui é necessário se conhecerem as integrais de f ao longo
aparece uma grande diferença entre os casos n par e ím- de todos os planos.
par. Isso, como veremos a seguir, é muito diferente
Já que sabemos inverter a Transformada de Fourier e quando n é par. Note-se que, neste caso, n − 1 é ím-
temos uma fórmula que relaciona as tranformadas de par e a prova do Teorema 4.2 não funciona. Temos, por-
Radon e de Fourier. Vamos, portanto, utilizá-las. tanto, que modificá-la. Para isso devemos introduzir
um operador diferente, que é um exemplo de um ope-
Teorema 4.2. Seja n > 1 ímpar. Então
rador pseudodiferencial. Se f ∈ S(R ) e m ∈ R + , defi-

1 ∂ n −1 R f nimos o operador
f (x) = (ω,  x, ω ) dSω .
2(2iπ )n−1 S n −1 ∂sn−1 im

(4.11) |∂s |m f (s) = eiλs |λ|m f(λ) dλ .
2π R

7
Matemática Universitária nº47 47
{Artigo}

Note-se que, por causa de (3.5), quando m é um número suporte de f ( x ) é controlado pelo suporte de sua Trans-
par, temos |∂s |m f = ∂m
s f. formada de Radon (ver a figura 2).

Teorema 4.3. Seja n > 1, par. Então O leitor deve se perguntar por que assumimos essa
 propriedade de decaimento de f ( x ). É fácil provar que
1  
n −1
f (x) = |∂s | R f ( x, ω , ω ) dS . o resultado é falso sem essa hipótese. Trabalharemos
2(2iπ )n−1 S n −1
em dimensão n = 2 e utilizaremos propriedades de fun-
(4.12)
ções analíticas. Seja z = x + iy e tome-se uma função
A demonstração desse teorema é quase idêntica à do f (z) que é contínua em todo o plano C e que satisfaz
Teorema 4.2. A única diferença é que, quando se passa f (z) = z−m , m ∈ N, m ≥ 2, se |z| > 1. Pode-se cons-
da integral sobre (0, ∞) para a integral de (−∞, ∞), te- truir f ∈ C ∞ , com estas propriedades, mas isso é mais
mos de substituir λn−1 por |λ|n−1 , uma vez que nesse difícil. Mostraremos que para qualquer reta L ⊂ R2 tal
caso n − 1 é ímpar. Note-se que a observação que se se- que L ∩ B(0, 1) = ∅ (em que B(0, 1) = {z : |z| ≤ 1})

gue à demonstração do Teorema 4.2 não é mais válida temos L f d = 0.
quando n é par. Lembremos que o Teorema de Cauchy diz que se f é
Assim, respondemos às primeiras três perguntas fei- uma função analítica em uma região O ⊂ C e se Γ ⊂ O
tas na introdução. Vamos agora nos ocupar em respon- é uma curva fechada, que é união finita de curvas de
der à quarta pergunta, que é muito importante para as 
classe C ∞ , então a integral de linha Γ f d vale zero.
aplicações. Por exemplo, voltemos à tomografia. Como Desta forma, seja C (0, R) o círculo de raio R centrado
vimos, o experimento com os raios-X mede a Transfor- na origem, e R >> 0. Seja Γ a curva fechada que de-
mada de Radon do coeficiente de absorção de um certo fine a região do plano limitada pela reta L e o círculo
meio, como um tecido do corpo humano. O radiolo- C (0, R) que não contém a origem. Como f é analítica
gista, então, compara esses dados com os de um tecido fora do disco B(0, 1), temos, pelo Teorema de Cauchy,
normal e percebe que as duas são idênticas fora de uma 
que Γ f d = 0. Mas
certa região. Isso implica que, fora daquela região, não
  
há qualquer anomalia no tecido? O experimento seria f d = f d + f d = 0 ,
inútil se isto não fosse verdadeiro, ou seja, se uma ano- Γ C + (0,R) LR

malia localizada numa certa região de um tecido provo-


em que C + (0, R) e L R são as partes de C (0, R) e L que
casse um efeito global na Transformada de Radon. Com
formam Γ (ver a figura 5).
esse método, portanto, não seria possível localizar um
Como f (z) = z−m , se |z| > 1, temos
tumor, por exemplo.
O próximo objetivo é demonstrar o teorema seguinte.   
  −m 1− m
 
 C+ (0,R) f d ≤ C+ (0,R) |z| d ≤ 2πR .
Teorema 4.4. Seja f ∈ C ∞ (R n ), n ≥ 2, tal que
| x |k | f ( x )| → 0, quando | x | → ∞, para todo k ∈ N. Seja
Portanto, como m ≥ 2,
Ω ⊂ R n um conjunto compacto e convexo e suponha que

para qualquer hiperplano H ⊂ R n tal que H ∩ Ω = ∅ te- lim f d = 0 .
 R→∞ C + (0,R)
nhamos H f dS = 0. Então f ( x ) = 0 para todo x ∈ Ω.

Lembramos que um conjunto Ω ⊂ R n é convexo se Por outro lado,


para quaisquer dois pontos em Ω o segmento de reta  
que os une está contido em Ω. lim f d = f d .
R→∞ L R L
Esse teorema deve-se a Helgason ([7]; ver também

[8]). Esse teorema diz que se f ( x ) decai mais rapida- Dessa forma, conlcuímos que L f d = 0. Porém f = 0
mente do que qualquer potência negativa de | x | então o para |z| ≥ 1.

8
48 Matemática Universitária nº47
{Artigo}

maremos Lθ , pode ser parametrizada por


L
C + (0, R) x (t, θ ) = ( x1 (t), x2 (t))
LR C (0, R) = (s cos θ + t sin θ, −s sin θ + t cos θ ) , t ∈ R .
R
A reta L = { x1 = s} corresponde a θ = 0. Dessa
forma, para θ suficientemente pequeno, e s ≥ s0 , temos
1 
f (s cos θ + t sin θ, −s sin θ + t cos θ ) dt = 0 .
R

Tomando a derivada em θ desta equação, temos



∂ x1 f (s cos θ + t sin θ, −s sin θ + t cos θ )(−s sin θ + t cos θ ) dt+
R

∂ x2 f (s cos θ + t sin θ, −s sin θ + t cos θ )(−s cos θ − t sin θ ) dt = 0 .
R

Tomando θ = 0, obtemos

(t∂s f (s, t) − s∂t f (s, t)) dt = 0 .
Figura 5: A curva Γ formada pelo segmento L R e pelo R

arco de círculo C + (0, R). Como f tem suporte compacto, o Teorema Fundamen-

tal do Cálculo implica que R ∂t f (s, t) dt = 0. Assim,
Demonstração do Teorema 4.4. Há várias provas e mui-
concluímos que
tas generalizações desse teorema, entre elas citamos 
[2, 5, 7, 8, 15, 19]. Nós demonstraremos esse resultado ∂s t f (s, t) dt = 0 .
R
para o caso em que f tem suporte compacto e seguire- 
Portanto, t f (s, t) dt é uma constante e, como f tem
mos a prova de Strichartz ([19]). O leitor interessado R
suporte compacto, f (s, t) = 0 se s é suficientemente
deve consultar o livro de Helgason ([8]) para a demons-
grande. Portanto, temos
tração do caso geral, pois, além de muito elegante, tam-

bém é muito instrutiva. Ela é, porém, muito mais com- t f (s, t) dt = 0 , s ≥ s0 .
plicada tecnicamente do que a demosntração que dare- R
 
mos aqui. Faremos a demonstração para o caso n = 2, Como R f (s, t) dt = 0, segue que R s f (s, t) dt = 0.
mas é fácil estendê-la para qualquer n > 2, e deixamos Assim, concluímos que para qualquer polinômio
isso como exercício para o leitor.
Primeiro, dada uma reta L tal que L ∩ Ω = ∅, es- L = { x1 = s } x1
colhemos um sistema de coordenadas x = ( x1 , x2 ) de
forma que a origem 0 = (0, 0) pertença a Ω e que L =
{ x1 = s0 }, e que para cada s ≥ s0 , a reta L = { x1 = s}
não intersecta Ω (ver a figura 6). Portanto, por hipótese,
θ
temos

f (s, x2 ) dx2 = 0, s ≥ s0 .
R Lθ
Como Ω é um conjunto convexo, podemos fazer uma Ω
rotação de uma reta L = { x1 = s}, s ≥ s0 , de um ân-
gulo θ bastante pequeno de forma que a reta assim ob-
tida seja tangente ao círculo centrado em 0 e de raio s,
mas que também nao intersecta Ω. Essa reta, que cha- Figura 6: Domínio Ω, coordenadas x e retas L e Lθ .

9
Matemática Universitária nº47 49
{Artigo}

p( x1 , x2 ) de grau 1 vale


p( x ) f ( x ) d x = 0 ,
L
L(ω, z)
para toda reta L tal que L ∩ Ω = ∅. Usando o mesmo
argumento para a função p( x ) f ( x ), no lugar de f , con- z
cluímos que para qualquer polinômio q( x ) de grau ar- ω

bitrário vale L q( x ) f ( x ) d x = 0, contanto que L ∩ Ω =
∅. Portanto, em particular, voltando a usar as coorde-
nadas ( x1 , x2 ) acima, obtemos que


tk f (s, t) dt = 0 , k ∈ N, s ≥ s0 . ω⊥
R

Como f tem suporte compacto, deduzimos do Teo-


rema 3.2 que f (s, t) = 0 para todo s ≥ s0 e para todo
t ∈ R. Assim, concluímos que f ( x ) = 0 se x ∈ Ω. Figura 7: Parametrização da reta L.

Dada uma função contínua f ∈ S(R n ), considere a


aplicação
    
X f (ω, z) = f (y) dy .
L(ω,z)
Nas seções anteriores tratamos a Transformada de Ra-
Essa é a chamada Transformada Raio-X de f ao longo
don, que diz respeito à integral de uma função ao longo
da reta L(ω, z). Como L(ω, z) = L(−ω, z) segue ime-
de hiperplanos, mas poderíamos ter tomado a integral
diatamente que X f (ω, z) = X f (−ω, z). Também é fácil
de f ao longo de planos de dimensão inferior. O lei-
demonstrar o seguinte resultado:
tor interessado nesse assunto deve consultar [8]. Nesta
seção estudaremos um pouco sobre o caso em que a in- Proposição 5.1. Se n = 2,
tegral de f é tomada ao longo de retas que, pelo que foi
discutido na seção 2, se chama Transformada Raio-X. X f (ω, z) = R f (ω ⊥ , |z|) .
Assim, como no caso da Transformada de Radon, ne-
Primeiro, vamos estabelecer a relação entre a Trans-
cessitamos encontrar uma parametrização para as re-
formada Raio-X e a Transformada de Radon.
tas do R n . Vimos no caso da Transformada de Radon,
que os hiperplanos são parametrizados por um vetor Proposição 5.2. Dados ω ∈ S n−1 e s ∈ R, temos
ω ∈ S n −1 e um número real s, ou seja qualquer hiper- 
plano H pode ser descrito por (4.1). R f (ω, s) = X f (θ, z) dz ,
θ ⊥ ∩ H (ω,s)
No caso de uma reta L, sabemos que, para
em que θ é qualquer vetor unitário satisfazendo θ, ω  = 0.
caracterizá-la, necessitamos de um vetor ω ∈ S n−1 , o
vetor diretor, e um ponto, mas temos de ter um pouco Demonstração. Basta olhar a figura 8.
de cuidado ao escolher esse ponto, pois queremos en-
contrar uma parametrização que seja bem definida. As- Portanto, conhecida X f (ω, z) para toda reta L, tam-
sim, tomemos o ponto z = L ∩ ω⊥ , em que ω⊥ é o hi- bém se conhece R f ( x, s) para todo ω e todo s. Assim,
perplano perpendicular a ω passando pela origem (ver deduzimos o seguinte teorema a partir dos teoremas já
a figura 7). E denotamos L = L(ω, z). demonstrados para a Transformada de Radon.

10
50 Matemática Universitária nº47
{Artigo}

Teorema 5.1. Sejam f , g ∈ C0∞ (R n ) e suponha-se que, dado Cauchy para a equação da onda se ,
ρ > 0,
∂2 u ∂2 u
 − 2 = 0 em R × (0, ∞)
∂t2 ∂x (6.1)
( f (y) − g(y)) dy = 0 ∂u
L(ω,z) u( x, 0) = f 1 ( x ), ( x, 0) = f 2 ( x ) .
∂t
para toda reta L(ω, z) que não intersecta B(0, ρ). Então Nosso propósito é encontrar uma fórmula para u( x, t)
f ( x ) = g( x ) para todo x ∈ B(0, ρ). em termos do dados iniciais f 1 ( x ) e f 2 ( x ). Comecemos
pelo seguinte lema elementar, cuja prova, mais uma
Pode-se estabelecer uma relação entre a Transfor-
vez, fica para o leitor.
mada Raio-X e a Transformada de Fourier, de modo se-
∂2 u
melhante ao que foi feito com a Transformada de Ra- Lema 6.1. Se u(y, z) ∈ C ∞ (R2 ) satisfaz ∂y∂z = 0 então
don. Também pode-se usar essa relação a fim de conse- existem F, G ∈ C ∞ (R ) tais que
guir uma fórmula para a inversa da Transformada Raio-
u(y, z) = F (y) + G (z) .
X. Remetemos o leitor para o livro de Helgason ([8]).
Em alguns exemplos de problema inversos, obtém-se Fazendo a mudança de coordenadas
a integral de uma função, ou às vezes de um tensor, ao
y = x+t , z = x−t
longo de uma família de hipersuperfícies, que não são
 
necessariamente planos. Para um artigo expositório so- y+z y−z
e denotando U (y, z) = u 2 , 2 = u( x, t), segue de
bre alguns problemas inversos, recomendamos o artigo (6.1) que
[6].
∂2 U
= 0.
∂y∂z
L(θ, z)
θ⊥ ∩ ω⊥ Do Lema 6.1 concluímos que U (y, z) = F (y) + G (z).
z Portanto, temos que
ω ω⊥
u( x, t) = F1 ( x + t) + F2 ( x − t), F1 , F2 ∈ C ∞ (R ) .
θ
As condições iniciais de (6.1) nos dão que

F1 ( x ) + F2 ( x ) = f 1 ( x )
F1 ( x ) − F2 ( x ) = f 2 ( x ) .
Figura 8: Como se obtém a Transformada de Radon a
partir da Transformada Raio-X. Tomando a derivada da primeira equação e somando-a
à segunda, obtemos

     2F1 ( x ) = f 1 ( x ) + f 2 ( x ) .

Concluímos este artigo com uma aplicação da Trans- De modo semelhante, obtemos
formada de Radon em equações diferenciais parciais.
2F2 ( x ) = f 1 ( x ) − f 2 ( x ) .
Utilizaremos a Transformada de Radon para resolver o
Problema de Cauchy da equação da onda em dimensão Usando o teorema fundamental do Cálculo, encon-
n ímpar. A referência básica deste tratamento da equa- tramos que
ção da onda é [11]. Também remetemos o leitor a [20]. 1 1

1 x
F1 ( x ) − F1 ( x0 ) = f (x) − f ( x0 ) + f 2 (s) ds ,
Comecemos pelo caso n = 1. 2 1 2 1 2 x0
 x
Dadas funções f 1 ( x ), f 2 ( x ) ∈ C0∞ (R ), uma função 1 1 1
F2 ( x ) − F2 ( x0 ) = f 1 ( x ) − f ( x0 ) − f 2 (s) ds .
u( x, t) de classe C ∞ (R2 ) é uma solução do problema de 2 2 1 2 x0

11
Matemática Universitária nº47 51
{Artigo}

Portanto, t

1 1 x +t
u( x, t) = ( f ( x + t) + f 1 ( x − t)) + f 2 (s) ds . ( x, t)
2 1 2 x −t
(6.2)

Essa fórmula tem uma interpretação geométrica inte-


ressante (ver a figura 9).
O resultado seguinte fica como exercício para o leitor.

Proposição 6.1. Se f 1 ( x ) = 0 e f 2 ( x ) = 0 para | x | > R,


e u( x, t) é uma solução de (6.1), então u( x, t) = 0 se | x | >
x−t x+t x
t + R.
Figura 9: Interpretação geométrica da solução da equa-
A interpretação física desse resultado é que as infor-
ção da onda em dimensão 1. O valor da solução u( x, t)
mações que se propagam por meio de (6.1) o fazem com
no ponto ( x, t) só depende do valor do dado inicial no
velocidade finita.
intervalo [ x − t, x + t].
O próximo passo é resolver a equação da onda em
dimensões maiores do que um. Primeiro recordamos
que o Laplaciano ∆ em R n é definido por Aplicando (6.2), encontramos que

∂2 v ∂2 v ∂2 v 1
∆v( x ) = + + . . . + . Ru(ω, s, t) = (R f 1 (ω, s + t) + R f 1 (ω, s − t))
∂x12 ∂x22 ∂xn2 2

1 s+t
Estudaremos o problema de valor inicial (ou Problema + R f 2 (ω, µ) dµ .
2 s−t
de Cauchy)
Agora temos de tomar a transformada inversa de Ra-
∂2 u
− ∆u = 0 em R n × (0, ∞) don de Ru. Como já vimos antes, há uma diferença
∂t2
∂u entre os casos em que n é par ou ímpar: o caso ímpar é
u( x, 0) = f 1 ( x ), ( x, 0) = f 2 ( x ), f 1 , f 2 ∈ C ∞ (R n ) .
∂t mais simples. De (4.11) obtemos que, com
(6.3)
1
Ou seja, como fizemos acima, queremos encontrar uma Cn = ,
2(2iπ )n−1
fórmula para u( x, t) em termos de f 1 e f 2 . A ideia prin-
cipal é a de reduzir esse caso ao unidimensional. Essa é vale
a utilidade da Transformada de Radon.

O primeiro passo é lembrarmos, do Lema 4.1, que ∂ n −1 R u
u( x, t) = Cn (ω,  x, ω , t) dSω
S n−1 ∂sn−1
∂2 R f 1
  n −1
R f1
(ω, s) = R(∆ f )(ω, s) . (6.4) = Cn

(ω,  x, ω  + t)
∂s2 2 ∂sn−1
S n −1

Denotemos a Transformada de Radon na variável x de ∂ n −1 R f 1
+ (ω,  x, ω  − t) dSω
u( x, t) por Ru(ω, s, t). De (6.4) obtemos ∂sn−1
 
1 ∂ n −2 R f 2
∂2 R u ∂2 R u + Cn (ω,  x, ω  + t)
(ω, s, t) − (ω, s, t) = 0 2 S n −1 ∂sn−2
∂t 2 ∂s2 
∂ n −2 R f 2
− ( ω,  x, ω  − t ) dSω .
e ∂sn−2
∂Ru
Ru(ω, s, 0) = R f 1 (ω, s) , (ω, s, 0) = R f 2 (ω, s) .
∂t Agora observamos que, como n é ímpar e R f (ω, s) =

12
52 Matemática Universitária nº47
{Artigo}

R f (−ω, −s), então Esse fenômeno é conhecido como o princípio de Huy-


 gens (ver a figura 10).
∂ n −1 R f 1
(ω,  x, ω  + t) dSω
S n −1 ∂sn−1

∂ n −1 R f 1 
= (ω,  x, ω  − t) dSω
S n−1 ∂sn−1

∂ n −2 R f 2 Este trabalho foi financiado, em parte, pela National
(ω,  x, ω  + t) dSω
S n −1 ∂sn−2 Science Foundation projeto número DMS-0901334, e

∂ n −2 R f 2 parte pelo CNPq, Edital Universal 470997/2009-5.
=− (ω,  x, ω  − t) dSω .
S n−1 ∂sn−2
Agradeço também ao Prof. Ramón Mendoza e a Fi-
Portanto, como n é ímpar, lipe dos Santos, da UFPE, pelos comentários. Sou grato
  n −1
∂ R f1 ao Prof. Severino Toscano pela sugestão de publicar es-
u( x, t) =Cn (ω,  x, ω  + t)
S n − 1 ∂s −1
n tas notas na Matemática Universitária. Agradeço a Ro-
 (6.5)
∂ n −2 R f 2 sário Sá Barreto por corrigir os inúmeros erros de por-
+ ( ω,  x, ω  + t ) dSω .
∂sn−2 tuguês. Sem dúvida, os que restaram, são de minha
Essa fórmula nos dá u em termos das Transformadas responsabilidade.
de Radon de f 1 e f 2 e é a base da Teoria de Espalha-
mento de Lax e Phillips ([13]). Pode-se transformá-la 
em uma fórmula envolvendo f 1 e f 2 diretamente, mas
não faremos esses cálculos aqui; e apenas remetemos o [1] B ARRET, H. H.; S WINDELL , W. Radiological ima-
leitor interessado ao livro [8]. Observamos somente que ging. New York: Academic Press, 1981. 2v.
existe uma constante Kn , que só depende de n, tal que
[2] B OMAN , J. Helgason’s support theorem for Radon
  n −3 

∂ 1 ∂ 2
n −2 transforms – a new proof and a generalization. In:
Kn u( x, t) = t f 1 ( x + tω ) dSω
∂t t ∂t S n −1 Mathematical Methods in Tomography, Oberwolfach,
  n −3    1990. Berlin: Springer, 1991. p. 1–5. (Lecture Notes
1 ∂ 2
n −2
+ t f 2 ( x + tω ) dSω . in Mathematics, 1497)
t ∂t S n −1
(6.6)
[3] C ORMACK , A. My connection with the Radon
O leitor interessado deve ler [11] para mais detalhes. O transform. In: G INDIKIN ; M ICHOR , P.; (E DS .)
seguinte resultado é uma simples consequência de (6.6). 75 YEARS OF R ADON TRANSFORM . C ONFERENCE
Proposição 6.2. Se n > 1 é ímpar e se f 1 ( x ) = f 2 ( x ) = 0 P ROCEEDINGS AND L ECTURE N OTES IN M ATHE -
para | x | > R, então a solução u de (6.3) satisfaz MATICAL P HYSICS , 4, V IENNA , 1992. Proceedings.
Cambridge: International Press, 1994. p. 32–35.
u( x, t) = 0 se t < | x | − R ou se t > | x | + R .
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suporte de f 1 e f 2 296, 1983.

[6] G REENLEAF, A.; K URYLEV, Y.; L ASSAS , M.; U HL -


Figura 10: Princípio de Huygens em dimensão ímpar. MANN , G. Invisibility and inverse problems. Bulle-

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14
54 Matemática Universitária nº47

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