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INTRODUÇÃO ÀS TRANSFORMADAS DE RADON

ANTÔNIO SÁ BARRETO

1. Introdução
Estas são notas de cinco aulas de um mini-curso que foi parte do “Symposium on Spectral
and Scattering Theory,” realizado em Recife e Serrambi, de 11 a 22 de Agosto de 2003.
O propósito desse mini-curso foi de apresentar ao estudante de graduação técnicas modernas
de equações a derivadas parciais através de um tópico relativamente simples, mas ao mesmo
tempo bastante moderno, e que talvez seja o primeiro contato do estudante de graduação com
um assunto de matemática desenvolvido no século 20. Os principais pré-requisitos para se ler
essas notas são um bom conhecimento de cálculo avançado e uma certa maturidade matemática.
Em seu famoso artigo [14], de 1917, Johann Radon definiu a seguinte aplicação: Dada uma
função contı́nua no plano R2 e de suporte compacto– isto é, existe C > 0 tal que f (x, y) = 0
para |(x, y)| > C– e um vetor ω ∈ R2 com |ω| = 1, a integral de linha da função f ao longo da
reta L(ω, s) que é perpendicular a w, e que está a uma distância s da origem, veja a figura 1,
será denotada por
Z
(1.1) Rf (ω, s) = f dl, s ∈ R, |ω| = 1,
L(ω,s)

Essa é uma aplicação que leva funções de (x, y) em funções de (ω, s). Na verdade vamos
demonstrar que
R : C0∞ (R2 ) −→ C0∞ (S1 × R)
(1.2)
f 7−→ Rf
leva uma função C ∞ de suporte compacto em R2 em uma função C ∞ de suporte compacto em
Sn−1 × R. Há várias perguntas naturais sobre esta aplicação:
1) R é injetiva?
2) Qual é a imagem de R?
3) É possivel se encontrar uma fórmula para a inversa de R?
Também é fácil de se ver que, se f (x, y) = 0 para todo (x, y) com |(x, y)| > ρ, então Rf (s, ω) =
0 para |s| > ρ, veja figura 2. Uma pergunta natural e muito importante é se a recı́proca é
verdadeira. Ou seja
4) Se Rf (ω, s) = 0 para |s| > ρ e para todo ω ∈ S1 , é verdade que f (x, y) = 0 para todo (x, y)
tal que |(x, y)| > ρ?
Finalmente, provavelmente o leitor está se perguntando:
5) Por que cargas d’água Radon ia se preocupar com uma coisa dessas?
A resposta da última pergunta é fácil: Eu não sei, e nem tenho certeza que Radon tinha de
fato um propósito para estudar essas perguntas. Fritz John escreve em [7] que o interesse de
1
2 SÁ BARRETO

ω
x

L(s, ω)

Figura 1. L(ω, s) = {z = (x, y) : hz, ωi = s} s ∈ R, ω ∈ S1 .

f=0

x
L(s, ω), s > ρ

Figura 2. Se f (x, y) = 0 quando |(x, y)| > ρ, então Rf (ω, s) = 0 quando |s| > ρ.

Radon por estas questões foi motivado por problemas em mecânica do contı́nuo, mas não dá
detalhes. Entretanto, recentemente as transformadas de Radon têm sido aplicadas em muitos
problemas práticos.
Muitas coisas em matemática, ou de um modo mais geral em ciências, são assim, se estuda
um problema por que ele é interessante, e a princı́pio pode vir a ter aplicações ou não.
Como este é um curso de matemática, aqui nós vamos procurar entender rigorosamente as
propriedades dessa transformada. Também vamos estudar a transformada raio-x.

2. Uma Breve Introdução À Tomografia


A tomografia é uma das tecnologias de maior sucesso em medicina. Há vários tipos de
tomografia, e pelo menos uma delas, a tomografia clássica, segundo Barret & Swindell [1],
TRANSFORMADAS DE RADON 3


I0

Figura 3. Raios-x incidente e emergente.

é baseada na transformada de Radon. A idéia básica desse procedimento, que primeiro foi
discutida em [3], é a seguinte:
Seja Ω ⊂ Rn um objeto no espaço Rn ; n = 2, 3, são os casos que interessam na prática. Seja ξ
uma reta no Rn e suponha um raio-x é direcionado a Ω ao longo da reta ξ. Veja figura 3. Sejam
I0 e I a intensidade do raio-x antes de penetrar em Ω e depois de sair de Ω repectivamente.
Quando o raio-x percorre uma distância ∆x ao longo de ξ ele sofre uma perda de intensidade
∆I. O modelo fı́sico diz que
∆I
= −f (x)∆x,
I
onde f (x) é chamado de coeficiente de absorção.
Portanto
dI
= −f (x) dx
I
Integrando esta equação ao longo da reta ξ temos
µ ¶ Z
I0
log = f (x) dx.
I ξ

A. Cormack, autor de [3], é um fı́sico sul-africano e um dos pioneiros nas aplicações to-
mográficas dos raios-x. A. Cormack conta em [4]– um artigo que escreveu para uma conferência
que festejou os setenta e cinco anos da transformada de Radon– que chegou a este problema
em 1956 quando trabalhava no departamento de radiologia do hospital Groote Schurr (o mesmo
onde foi feito o primeiro transplante de coração) na cidade do Cabo, África do Sul.
A aplicacão desta idéia é imediata. O médico deseja saber informações sobre os diferentes
tecidos de uma determinada parte do corpo humano a partir de medidas feitas com raios-x.
Por exemplo, a presença de uma anomalia num tecido gera uma diferença no seu coeficiente de
absorção e, se determinando o coeficiente de absorção, determina-se a presença de algo estranho
no tecido. Mas essas medidas não dão diretamente o valor do coeficiente de absorção, apenas
sua integral ao longo da reta percorrida pelo raio-x, veja figura 4. Portanto esta questão de
4 SÁ BARRETO

Maquina de Raios−x

                    

 
      
    
 
    
 
    
 
    
 
    
 
    
 
    
 
    
 
    
 
    
 
    
 
    
 
    
 
    
 
    
 
    
 
     
  
   Sensor

 

   
 

    
 

    
 

    
 

    
 

    
    

    
     
 

    
 

    
 

    
 

    
 

    
 

    
 

    
 

    
 

    
 

    
 

        
 
 
  

 
    
     

   
     

     
     

     
     

     
     

     
     

     
    
 
    

     
          
     

     
     

     
     

     
     

     
     

     
     

     
     

     
     

     
     

                
 
  

 
    
      

   
      

     
      

     
      

     
      

     
       

     
   

 
 
   
         

             
      

     
      

     
      

     
     

     
       

     
      

     
      

     
    

     
     

              
 
  

 
   
 
 
  
 
   
  
 
   
    
 
   
    
 
   
    
 
    
  
    
 
   
      
  
   
    
 
       
  
   
 
   
     
  
 
   
    
 
   
    
 
   
    
 
   
    
 
   
    
 
   
 
     
 
   
    
 
       
       
                 Objeto  
  

 
    
  
   
   
   
   
     
 
   
     
   
   
     
   
   
     
   
   
     
   
    
     
   
   
     
   
   
     
     
     
   
   
     
   
   
     
   
   
     
   
   
     
   
  
  
     
   
    
      
   
   
     
       
         
                  
 
 
   com diferentes

 
    
  
   
   
   
   
     
 
   
     
   
   
     
   
   
      
   
   
     
   
   
     
   
    
     
   
   
     
   
   
     
   
   
     
   
   
     
   
   
     
   
   
     
   
 
    
     
   
   
      
   
   
     
    
     
   coeficientes     
  
              
 
  

 
    
  
   
   
   
   
     
 
   
     
   
   
        
   
  
        
   
 
        
    

 
        
   
 
          
   
 
       
   
 
     
   
   
       
   
 
     
   
   
     
   
   
     
   
 
   
     
   
   
      
   
   
     
    
     
        
                
 
  

 
 
   
 
 
   
  
 
   
  
 
    
 
  
 
    
   
    
   
 
     
    
   
 
     
    
   
 
     
    
   
 
     
    
   
 
     
    
 
     
  
 
    
   
  
 
      
 
   
  
 
    
   
  
 
    
   
  
 
    
   
 
  
 
    
   
  
 
    
   
  
 
    
    
    
 
     
    
         
       
   ~
de absorcao
                    
        
       
            
            
            
            
              
               
           
          
          
          
          
          
          
                           
    
                                  

~

 
  


    


    


     
 

 

    

  

 
   

   

 
   

   

 
   

   

 
   

   

 
       

   

 

 
         
 

  

      
   


      
 

  

      
 

  

      
 

  

      
 

  

      
 

  

      
 

  

   

   

 

     

     
 
  

 
    

 
    

 
    

 
      
  

 
      
    

  
      
     
  
      
     
  
      
     
  
      
     
  
        
     
    
     
 
      
    

 
   
   
    

 
       
    

 
       
    

 
       
    

 
       
    

 
       
    

 
      
     

   
     
 
       
      
 
  

 
    

 
    

 
    

 
     
  

 
     
    

  
    
   
     
  
    
   
     
  
    
   
     
  
    
  


     
  
    
  

  
     
 
   
     

  
      
    



    
   
   



 
      
    

 
      
    

 
      
    

 
      
    

 
      
    

 
     
     

 
   
     
 
       
      
 
  

 
     
     
     
     
   
     
      
         
         
         
          
          
       


      
    


      
   

 
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
      
                     
 





 

   

 

 


   

  

 


   

  

 


      
 
   


      
  
   


      
  
   


      
  
   


      
  
   


      
  
  







 

      
  
  







 

       
  








 

      
  
  







 

   

   
  
 

 


   
   
  
   


   
   
  
   


   
   
  
   


   
   
  
   


   
   
  
   


      
  
     
   
 
   



 
      
     
 

                                          
     
    
     
    

                                      






   


 

    


 

    


 

    


 

    


 

    


 

    


 

    


 

   



 


   



 


   

 

 

   



 


    


 

    


 

    


 

    


 

    


 

    


 

   
  

  



 
                                                                            
                   
                   
 
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   


Sensor
Maquina de Raios−x

Figura 4. Espera-se detectar anomalias nos tecidos através de medidas de raios-x.

medicina é traduzida exatamente no problema de Radon, ou seja, é possı́vel se determinar o


coeficiente de absorção a partir de sua integral ao longo de retas?
Este exemplo também mostra a dificuldade de aplicação do método. Do ponto de vista
prático é impossı́vel se fazer medidas ao longo de todas as retas. Aı́ aparecem outras perguntas,
como quantas medidas se deve fazer para se ter uma aproximação boa, etc, que não vão ser
consideradas nestas notas de curso. Para mais detalhes o leitor deve consultar [1] e a bibliografia
lá citada. Para mais aplicações da transformada de Radon, ver [20].

3. Preliminares e a Transformada de Fourier


Antes de estudarmos as transformadas de Radon, precisamos relembrar alguns fatos ele-
mentares sobre a transformada de Fourier, que deve ser conhecida do leitor. Para o leitor que
não conhece a transformada de Fourier, esta é uma ótima oportunidade de conhecê-la. Como ve-
remos, a transformada de Fourier será importante no estudo da transformada de Radon, embora
a princı́pio não sejam relacionadas.
Seja C0∞ (Rn ) o conjunto das funções infinitamente diferenciáveis em Rn que têm suporte
compacto, isto é
C0∞ (Rn ) = {f ∈ C ∞ (Rn ); existe C > 0, tal que f (x) = 0, se |x| > C}.

Exercı́cio 3.1. Construa uma função em C ∞ (Rn ) que tenha suporte compacto.
1
Sugestão: Mostre primeiro que a função f (x) = e− x se x > 0 e f (x) = 0 se x ≤ 0, é C ∞ e
TRANSFORMADAS DE RADON 5

todas as suas derivadas se anulam em x = 0. Mostre que g(x) = f (x)f (1 − x) é uma função C ∞
e que g(x) = 0 se x ≤ 0 ou x ≥ 1.

A transformada de Fourier é definida pela seguinte integral


Z
(3.1) b
Ff (ξ) = f (ξ) = e−ihx,ξi f (x) dx, f ∈ C0∞ (Rn ),
Rn

onde hx, ξi = x1 ξ1 + ... + xn ξn é o produto interno canônico no espaço euclideano.


Seja S(Rn ) o conjunto das funções infinitamente diferenciáveis em Rn que satisfazem
¯ ¯
(3.2) |x|k ¯Dxm11 Dxm22 ...Dxmnn f (x)¯ < Ck,m1 ,...,mn , ∀ x ∈ Rn , k, m1 , ..., mn ∈ N,
1
onde |x| = (x21 + ... + x2n ) 2 .
Nós vamos necessitar dos seguintes resultados sobre a transformada de Fourier.

Teorema 3.1. A transformada de Fourier (3.1) satisfaz

(3.3) F : S(Rn ) −→ S(Rn ).

Além disso, é uma aplicação inversı́vel e sua inversa é dada por


Z
1
(3.4) f (x) = eihx,ξi fb(ξ) dξ.
(2π)n Rn

Exercı́cio 3.2. a) Demonstre que ∂ξ∂ j fb(ξ) = −ix


\ j f (ξ).
\
b) Demonstre que ξ fb(ξ) = −i ∂
f (ξ).
j ∂xj
c) Use os ı́tens a) e b) acima para demonstrar (3.3).
R
d) Demonstre que se Rn |f (x)|2 dx < ∞ e se fb(ξ) = 0 para todo ξ ∈ Rn então f (x) = 0 para
todo x ∈ Rn .

A demonstração de (3.4) não será dada aqui. O leitor pode encontrá-la no livro [11].

4. Transformada de Radon em Rn
A transformada de Radon foi extensivamente estudada por S. Helgason [10], F. John [8],
P. Lax & R. Phillips [12], D. Ludwig [13] e por muitos outros. Helgason estendeu a teoria
para espaços homogêneos mais gerais, icluı́ndo o espaço hiperbólico. A referência principal é
o excelente livro de S. Helgason [10]. Os teoremas incluı́dos aqui são clássicos e podem ser
encontrados nas referências acima, mas algumas das provas são um pouco diferentes das que
encontrei na literatura.
Dados um vetor unitário ω na esfera de raio 1 em Rn , que será denotada por Sn−1 , e um
número real s, o conjunto

(4.1) H(ω, s) = {x ∈ Rn : hx, ωi = s}

consiste de um hiperplano a uma distância |s| da origem e perpendicular ao vetor ω. A figura 1


contém uma ilustração do caso bidimensional.
6 SÁ BARRETO

Dada uma função f ∈ S(Rn ) considere a integral de superfı́cie da função f ao longo do plano
H(ω, s), isto é
Z
(4.2) Rf (ω, s) = f dS.
H(ω,s)

Há duas importantes obervações a serem feitas sobre a função Rf (ω, s). Primeiro note que
H(ω, s) = H(−ω, −s), portanto
Rf (ω, s) = Rf (−ω, −s).
Segundo, observe que dado k ∈ N,
Z Z Z
(4.3) sk Rf (ω, s) ds = hx, ωik f (x) dS ds.
R R H(ω,s)

Porém hx, ωik é um polinômio homogêneo de grau k em ω, com coeficientes que também
são polinômios homogêneos de grau k em x. Quando calculamos a integral (4.3) obtemos um
polinômio homogêneo de grau k em ω.
Essas duas observações nos dizem que para uma função F (ω, s) estar na imagem da aplicação
R é necessário que F satisfaça duas condições:
(4.4) F (ω, s) = F (−ω, −s),
Z
(4.5) sk F (ω, s) ds = Pk (ω) é um polinômio homogêneo de grau k em ω.
R

Exercı́cio 4.1. Verifique que se f ∈ S(Rn ), a integral (4.3) converge.


Exercı́cio 4.2. a) Demonstre que se ej = (0, 0, .., 1, 0, ..., 0), 1 na j-ésima posição, e fh (x) =
f (x + hej )
Z Z
Rfh (ω, s) = f (y + hej ) dSy = f (x) dSx =
hy,ωi=s hx,ωi=s+hωj
Rf (ω, s + hωj ).
b) Use a) para demonstrar que
∂f ∂Rf
R( )(ω, s) = ωj (ω, s).
∂xj ∂s
Pn ∂2f ∂ 2 Rf
c) Seja ∆f = j=1 ∂x2j . Use b) para demonstrar que R(∆f )(ω, s) = ∂s2
(ω, s).

Exercı́cio 4.3. Demonstre que


Z Z ∞
Rf (ω, s) = f (sω + tθ)tn−2 dt dθ,
ω⊥ 0
onde ω⊥ = {θ ∈ Sn−1 : hω, θi = 0}. Veja figura 5.

Exercı́cio 4.4. Uma função f : Rn −→ R é dita ser radial se existe g : R −→ R tal que
f (x) = g(|x|), para todo x ∈ Rn . Prove que se f é radial, então
Z ³ ´ Z ∞ ³ ´
1 1
(4.6) Rf (ω, s) = F (s) = g (s2 + |y|2 ) 2 dy = Ωn−1 g (s2 + t2 ) 2 tn−2 dt.
Rn−1 0
TRANSFORMADAS DE RADON 7

z= s ω + t θ

Figura 5. Exercı́cio 4.3


n−1
Ωn−1 denota a área da superfı́cie da esfera de raio 1 em Rn−1 . Sabe-se que Ωn−1 = 2 Γπ n−1
2
.
( 2 )
Assim definimos S(Sn−1 × R) como o conjunto das funções F que satisfazem:
F ∈ C ∞ (Sn−1 × R)
¯ l m ¯
(4.7) ¯∂ ∂ 1 ∂ mn ¯¯
|s|k ¯¯ l m1 ... F ≤ Ck,l,m1 ,...,mn , para todos k, l, m1 , m2 , ..., mn ∈ N.
∂s ∂ω1 ∂ωnmn ¯
O primeiro teorema é:
Teorema 4.1. A transformada de Radon é uma aplicação 1-1
def
(4.8) R : S(Rn ) ←→ M = {F ∈ S(Sn−1 × R) : F satisfaz (4.4) e (4.5)}.
Para demonstrar o Teorema 4.1 necessitamos antes explorar a conexão entre as transformadas
de Radon e de Fourier. Começamos pelo
Teorema 4.2. Se f ∈ S(Rn ) então a transformada de Fourier de Rf (ω, s) com respeito à
variável s satisfaz
Z
(4.9) d
Rf (ω, λ) = Rf (ω, s)e−iλs ds = fb(λω).
R
Demonstração. Observe que para todo k ∈ N, temos em virtude de (3.2),
Z Z
|s|k |Rf (ω, s)| ≤ |hω, xi|k |f (x)| dS ≤ |x|k |f (x)| dS < ∞.
H(ω,s) H(ω,s)

Desta forma a integral em (4.9) converge. Por outro lado, da definição de H(ω, s) e do teorema
de Fubini, temos que
Z Z ÃZ !
−iλs −iλs
Rf (ω, s)e ds = e f (x) dS ds =
R R H(ω,s)
Z ÃZ ! Z
e−iλhω,xi f (x) dS ds = e−iλhω,xi f (x) dx = fb(λω).
R H(ω,s) Rn
8 SÁ BARRETO

Isto completa a demonstração do Teorema 4.2. ¤


Exercı́cio 4.5. Seja
P : Sn−1 × (0, ∞) −→ Rn
(ω, s) 7−→ sω = x.
a) Demonstre que P é um difeomorfismo e que
P −1 : Rn −→ Sn−1 × (0, ∞)
x
x 7−→ ( , |x|)
|x|
é a inversa de P.
b) Demonstre que se f ∈ C ∞ (Rn ) então f ◦ P ∈ C ∞ (Sn−1 × [0, ∞)). Note que o intervalo inclui
s = 0.
x
c) Seja F ∈ C ∞ (Sn−1 × R). Mostre que F ◦ P −1 (x) = F ( |x| , |x|) é C ∞ (Rn \ 0) , ou seja é C ∞
em todos os pontos, exceto possivelmente a origem.
d) Seja F ∈ C ∞ (Sn−1 × R). Demonstre que f = F ◦ P −1 ∈ C ∞ (Rn ), ou seja é C ∞ na origem,
se e somente se
F ∈ C ∞ (Sn−1 × [0, ∞)), ou seja incluindo s = 0, e que
∂k
( F )(0, ω) = Pk (ω) para todo k ∈ N
∂sk
é um polinômio homogêneo de grau k.
Sugestão: Escreva a série de Taylor de F em r = 0. Use isto para provar que f tems uma série
de Taylor em x = 0 e que portanto é C ∞ na origem.
Exercı́cio 4.6. Utilize os fatos que
FRf (ω, λ) = fb(λω) e que fb ∈ S(Rn )
para concluir que F(s, ω) ∈ S(R × Sn−1 ).
Exercı́cio 4.7. Mostre que R é uma aplicação linear.
Exercı́cio 4.8. Aplique as fórmulas (3.4) e (4.9) para demonstrar que se f ∈ S(Rn ) e Rf = 0,
então f = 0. Use isto para mostrar que R é injetiva.
Agora estamos em posição de demonstrar o Teorema 4.1.
Demonstração. Nos resta provar que R definida em (4.8) é sobrejetiva. Ou seja, dada F (s, ω) ∈
M, demonstraremos que existe f ∈ S(Rn ) tal que F (s, ω) = Rf (s, ω).
De fato, como
Z
∂k b
sk F (s, ω) ds = sd
k F (0, ω) = ik F (0, ω)
R ∂λk
é por hipótese um polinômio homogêneo de grau k, o exercı́cio (4.5) nos dá que para ξ = λω,
f (ξ) = Fb(|ξ|, |ξ|
ξ
) ∈ C ∞ (Rn ), e como F ∈ S(R × Sn−1 ), concluı́mos de (3.3) que f ∈ S(Rn ). De
(4.9) deduzimos que F = RF −1 f. Isso termina a demonstração do Teorema 4.1. ¤
TRANSFORMADAS DE RADON 9

Portanto já sabemos que R : S(Rn ) ←→ M tem uma inversa. É portanto natural tentar
computar R−1 . Aqui aparece uma grande diferença entre os casos n par e ı́mpar.
Já que sabemos inverter a transformada de Fourier, e temos uma fórmula que relaciona as
tranformadas de Radon e de Fourier, vamos portanto utilizá-las.

Teorema 4.3. Seja n > 1 ı́mpar. Então


Z
1 ∂ n−1 Rf
(4.10) f (x) = (hx, ωi, ω) dS.
2(2iπ)n−1 Sn−1 ∂sn−1
Demonstração. Usando coordenadas polares em (3.4) temos:
Z Z Z ∞
1 ihx,ξi b 1
f (x) = e f (ξ) dξ = eihx,λωi fb(λω)λn−1 dλ dSω .
(2π)n Rn (2π)n Sn−1 0
Como n − 1 é par, temos em conseqüencia de (4.2)
Z Z ∞
1 1
f (x) = eihx,λωi fb(λω)λn−1 dλ dSω =
2 (2π)n Sn−1 −∞
Z Z ∞
1 1
eihx,λωi d
Rf (λ, ω)λn−1 dλ dSω .
2 (2π)n Sn−1 −∞
Visto que
Z ∞ Z ∞
1 ∂ n−1 1 ∂ n−1
eiλs λn−1 d
Rf (λ, ω) dλ = d(λ, ω) dλ = (2π)
eiλs Rf Rf (s, ω),
−∞ in−1 ∂sn−1 −∞ in−1 ∂sn−1
(4.10) está demonstrada. ¤
Essa fórmula tem uma propriedade muito importante que merece ser destacada. Para se obter
o valor da função f num ponto x0 , precisa se conhecer os valores Rf (s, ω) para s = hx0 , ωi.
Assim precisamos conhecer as integrais de f ao longo de planos que distam |hx0 , ωi| da origem.
Essa distância é no máximo igual a |x0 |. Não é necessário se conhecer as integrais de f ao longo
de todos os planos.
Isso, como veremos a seguir, é muito diferente quando n é par. Note que nesse caso a prova
do Teorema 4.3 não funciona e temos de modificá-la. Para isto devemos introduzir o operador
H conhecido como a transformada de Hilbert.

Definição 4.1. Para λ ∈ R seja sgn(λ) = 1 se λ ≥ 0 e sgn(λ) = −1 se λ < 0. Para f ∈ S(R) e


k ∈ N, seja
Z
1
Hf (s) = eiλs sgn(λ)fb(λ) dλ.
2π R
Teorema 4.4. Seja n > 1, par. Então
Z µ ¶
1 ∂ n−1
(4.11) f (x) = HRf (hx, ωi, ω) dS.
2(2iπ)n−1 Sn−1 ∂sn−1
Exercı́cio 4.9. Demonstre o Teorema 4.4.

O objetivio do próximo exercı́cio é encontrar uma fórmula mais direta para (4.11) quando
n = 2.
10 SÁ BARRETO

R2

x2
R1
x1
ρ 0

Figura 6. Descrição das hipóteses da proposição 4.1

Exercı́cio 4.10.

O Próximo objetivo é demonstrar a propriedade de suporte da transformada de Radon, que


é enunciado no seguinte resultado de Helgason [9], veja também [10]. Este teorema diz que,
se f (x) decai mais rapidamente do que qualquer potência negativa de |x| então o suporte de
f (x) é controlado pelo suporte de sua transformada de Radon. Ver a figura 2. O leitor deve se
perguntar por que assumimos esta propriedade de decaimento de f (x). Nós provaremos que o
teorema é falso sem esta hipótese.

Teorema 4.5. Seja f ∈ C ∞ (Rn ) tal que |x|k |f (x)| → 0, quando |x| → ∞, para todo k ∈ N. Se
Rf (s, ω) = 0 para |s| > ρ então f (x) = 0 para |x| > ρ.

Demonstração. Há várias provas e muitas generalizações deste teorema, entre elas citamos [2, 5,
9, 10, 13, 18, 16]. Nós seguiremos a demonstração de Helgason [10], que além de muito elegante,
também é muito instrutiva. Com a exceção da demonstração de Strichartz [18], que na verdade
é para o caso particular em que n = 2, todas as outras demonstrações são mais sofisticadas.
Começaremos a prova do Teorema 4.5 com um resultado que a princı́pio não tem relação
nenhuma com o que queremos provar, mas que será muito útil. Este resultado também é
importante por si mesmo.

Proposição 4.1. Seja f : Rn −→ R uma função C ∞ que satisfaz |x|k f (x) → 0 quando |x| → ∞.
Para x ∈ Rn , e r > 0 sejam
S(x, r) = {y : |y − x| = r}
a esfera centrada em x de raio r, e
B(z, r) = {y ∈ Rn : |y − z| < r}
a bola centrada no ponto z e de raio r. Suponha que existe ρ > 0 tal que
Z
f (y) dSy = 0, para todos x, r tais que B(x, r) ⊃ B(0, ρ),
S(x,r)

Veja a figura 6. Então f (x) = 0 para todo x tal que |x| > ρ.
TRANSFORMADAS DE RADON 11

Demonstração. Fixemos uma bola B(x, r) = {y : |y − x| < r} tal que B(x, r) ⊃ B(0, ρ). Temos
portanto que
Z Z
f (y) dy = f (y) dy = C, uma constante
B(x,r) Rn

Escrevendo z = y − x deduzimos que


Z
f (x + z) dz = C
B(0,r)

Tomando a derivada em xj temos que


Z Z
∂f ∂f
(x + z) dz = (x + z) dz = 0, j = 1, 2, ..., n.
B(0,r) ∂xj B(0,r) ∂yj

Considere o campo vetorial F (y) = f (x + y)(0, ...0, 1, 0, ..., 0), 1 na k-ésima posição. O teorema
da divergência nos dá que
Z Z
div F (y) dy = hF, ~ni dS.
B(0,r) S(0,r)

∂f
Mas div F (y) = + z) e hF, ~ni = f (x + y)ωk = f (x + y) yrk . Portanto obtivemos que
∂yk (x
Z Z
f (x + y)yk dS = f (x + y)(xk + yk ) dS = 0.
S(0,r) S(0,r)

Isso quer dizer que as hipóteses do teorema continuam valendo para a função xk f (x). Repetindo
o argumento concluimos que
Z
(4.12) f (y)P (y) dSy = 0, para todo polinômio P (y).
S(x,r)

Exercı́cio 4.11. Use o Teorema de Weierstrass, veja por exemplo o Teorema 7.24 de [15], para
demonstrar que (4.12) implica que f (x) = 0 se |x| > ρ.

Isto conclui a prova da proposição 4.1. ¤

Como em [10], provaremos primeiro o Teorema 4.5, com a hipótese adicional de que f é radial.
Ver exercı́cio 4.4 para a definição. Neste caso, sabemos do exercı́cio 4.4 que
Z ∞ ³ ´
1
F (s) = g (s2 + t2 ) 2 tn−2 dt.
0

Comecemos pelo caso n > 2. Tomando a derivada de F (s) obtemos


Z ∞ ³ ´ Z ∞
1 dF (s) 0 2 2 12 t n−3 ∂ h ³ 2 2 12
´i
= g (s + t ) 1 t dt = g (s + t ) tn−3 dt.
s ds 0 2 2
(s + t ) 2 0 ∂t

Se n = 3 temos
1 dF (s)
= g(s).
s ds
12 SÁ BARRETO

Isso portanto garante que g(s) = 0 se s > ρ, como querı́amos demonstrar. Se n > 3 repetimos o
argumento usado acima n − 2 vezes e obtemos
µ ¶
1 d n−2 dn−3 g(s)
(4.13) F (s) = .
s ds dsn−3
Portanto, usando as hipóteses de decaimento de g, concluı́mos que g(s) = 0 se s > ρ. Isto
termina a demonstração para n > 2. O caso n = 2 é mais difı́cil pois o argumento usado acima
não funciona. Neste caso temos
Z ∞ ³ ´
1
(4.14) F (s) = g (s2 + t2 ) 2 dt.
0
Comecemos pelo seguinte
Exercı́cio 4.12. O objetivo deste exercı́cio é provar que se T : R −→ R é uma função de classe
C 1 e H(u) é definida por
Z u
T (v)
H(u) = 1 dv,
0 (u2 − v 2 ) 2

então
Z v
π d uH(u)
T (v) = du.
4 dv 0 (v 2 − u2 ) 21
Sugestão. Faça o seguinte:
Passo 1: Multiplique H(u) por u(λ2 − u2 ) e integre de 0 a λ. Use o teorema de Fubini para trocar
a ordem de integração.
Passo 2: Mostre que
Z λ
1 1 π
u(u2 − v 2 )− 2 (λ2 − u2 )− 2 du =
s 4
Fazendo a mudança de variáveis u = s−1 e v −2 = u2 − s2 em (4.14) obtemos
µ ¶ Z u −2 −1
1 1 v g(v )
F = 1 dv.
u u 0 (u2 − v 2 ) 2
¡ ¢
Aplicando o exercı́cio 4.12 para H(u) = u1 F u1 e T (v) = v −2 g(v −1 ) obtemos
Z v
−2 −1 d F (u−1 )
v g(v ) = du
dv 0 (v 2 − u2 ) 21
Como F (s) = 0 para s > ρ segue que F (u−1 ) = 0 se u < ρ1 . Portanto se v < ρ1 a integral é zero.
Assim g(v −1 ) = 0 se v < ρ1 , como querı́amos demonstrar.
Portanto demontramos que se f é radial, decai mais rapidamente que qualquer potência
negativa de |x| quando |x| → ∞, e que se Rf (ω, s) = 0 para |s| > ρ, então f (x) = 0 para
|x| > ρ.
Exercı́cio 4.13. Observe que no caso em que f é radial nós provamos um resultado mais forte.
Veja que o fato de que f (|x|) decai mais rapidamente de que qualquer potência negativa de
|x| quando |x| → ∞ não foi na verdade utilizado. Analise a prova do teorema para este caso
particular e estabeleça a ordem de decaimento necessária para que o argumento funcione.
TRANSFORMADAS DE RADON 13

Agora iremos reduzir o caso geral a uma combinação do caso radial com a Proposição 4.1.
Seja |S(x, r)| a área da superfı́cie da esfera S(x, r). Dada uma função contı́nua f : Rn −→ R,
a média esférica de f com respeito a S(x, r) é definida por
Z
1
Mf (x, r) = f (y) dSy .
|S(x, r)| S(x,r)
Mas |S(x, r)| = rn−1 Ωn , onde Ωn a área da esfera de raio 1 em n dimensões. Por exemplo
Ω2 = 2π, Ω3 = 4π 2 . Fazendo a mudança de variáveis y − x = rθ, θ ∈ Sn−1 , deduzimos que
Z
1
Mf (x, r) = f (x + rθ) dSθ
Ωn Sn−1
Consideremos r = |z|, z ∈ Rn . Tomando a transformada de Radon de Mf (x, •) com respeito a
z temos, conforme exercı́cio 4.4,
Z Z ∞
Ωn−1
RMf (x, s) = f (x + (s2 + t2 )θ)tn−2 dtdSθ .
Ωn Sn−1 0
Por outro lado, consideremos a integral
Z
I(x, s) = Rf (ω, s + hx, ωi) dSω .
Sn−1
Usando a definição da transformada de Radon temos
Z ÃZ ! Z ÃZ !
I(x, s) = f (y) dSy dSω = f (y) dSy dSω =
Sn−1 hy,ωi=hx,ωi+s Sn−1 hy−x,ωi=s
Z ÃZ !
f (x + z) dSz dSω .
Sn−1 hz,ωi=s

Do exercı́cio 4.3 temos que


Z µZ Z ∞ ¶
n−2
I(x, s) = f (x + sω + tθ)t dt dθ dSω .
Sn−1 ω⊥ 0
1
Como hθ, ωi = 0, podemos escrever sω + tθ = (s2 + t2 ) 2 γ, onde γ = γ(t, s, θ, ω) ∈ Sn−1 pode ser
visto como uma rotação de ω. Assim temos, após trocar a ordem de integração,
Z Z ∞
1
(4.15) I(x, s) = Ωn−1 f (x + (s2 + t2 ) 2 ω)tn−2 dt dSω .
Sn−1 0
Portanto concluı́mos que
Z
1
(4.16) RMf (x, s) = Rf (ω, s + hx, ωi) dSω .
Ωn Sn−1
Como |s + hx, ωi| > ||s| − |x|| e como Rf (ω, s) = 0 se |s| > ρ, segue que RMf (x, s) = 0 se
||s| − |x|| > ρ. Como Mf (x, |z|) é radial em z segue do que já demonstramos que Mf (x, |z|) = 0
se |z| > ρ + |x|. Isso implica que
Z
f (y) dSy = 0 para todos x, r tais que S(x, r) ⊃ B(0, ρ) = 0.
S(x,r)

Portanto da Proposição 4.1 concluimos que f (x) = 0 se |x| > ρ. Isto conclui a demonstração do
Teorema 4.5. ¤
14 SÁ BARRETO

y B
R

A 1 x

Figura 7. Exercı́cio 4.14. Mostre que a integral na região limitada pela reta e
pelo semi-cı́culo é igual a zero. Popr outro lado, a integral ao longo do semi-cı́culo
vai para zero quando R → ∞.

Como uma conseqüência imediata do Teorema 4.5 temos:

Corolário 4.1. A transformada de Radon é uma aplicação 1 − 1 de

R : C0∞ (Rn ) −→ {F ∈ M : F tem suporte compacto}.

Finalmente apresentamos um contra-exemplo que mostra que a hipótese de decaimento não


pode ser removida do Teorema 4.5. Este exemplo foi tirado de [10].
def
Exercı́cio 4.14. Seja z = x + iy um numero complexo e sejam f (z) = z −k , k ∈ N e φ(z) =
φ(x, y) ∈ C ∞ (R2 ), tal que φ(z) = 0 se |z| < 21 , e φ(z) = 1 se |z| > 1. Então g(z) = φ(z)f (z) é
uma função C ∞ (C) que é holomorfa para |z| > 1.
R
a) Use o Teorema de Cauchy para mostrar que l g dSl = 0 para toda reta l que não intercepta
a bola B(0, 1). Veja figura 7.
b) Prove que se S(z0 , r) ⊃ B(0, 1)
Z Z
1
g dSω = r k (z − z )
dz.
S(z0 ,r) S(z0 ,r) z 0

1
c) Mostre que o resı́duo de em z = z0 é z1k e em z = 0 é − z1k .
z k (z−z0 )
R0 0
d) Use o cálculo dos resı́duos para mostrar que S(z0 ,r) g dSω = 0 para todo cı́rculo S(z0 , r) que
contém B(0, 1).
c) Conclua que o Teorema 4.5 não se aplica neste caso.

O Teorema 4.5 tem sido estendido para situações muito mais gerais do que a transformada
de Radon em Rn . Veja por exemplo [16, 17], porém esta questão do decaimento de f não é bem
compreendida. O objetivo do próximo exercı́cio e de dar uma demonstração para o Teorema 4.5
para o caso n = 2. Esta prova deve-se a R. Strichartz [18].

Exercı́cio 4.15.
TRANSFORMADAS DE RADON 15

5. A equação das ondas


Aqui aplicaremos a transformada de Radon para resolver o problema de Cauchy para a
equação das ondas em dimensão n ı́mpar utilizando a transformada de Radon. A referência
básica deste tratamento da equação da onda é [8]. Também referimos o leitor a [19]. Comece-
mos pelo caso n = 1.
Uma função u(x, t) de classe C ∞ (R2 ) é uma solução do problema de Cauchy para a equação
da onda se, dadas funções f1 (x), f2 (x) ∈ C0∞ (R),
∂2u ∂2u
− 2 = 0 em R × (0, ∞)
(5.1) ∂t2 ∂x
∂u
u(x, 0) = f1 (x), (x, 0) = f2 (x)
∂t
Nosso propósito é encontrar uma fórmula para u(x, t) em termos do dados iniciais f1 (x) e
f2 (x).
∂2u
Exercı́cio 5.1. Demontre que se uma função u(y, z) ∈ C ∞ (R2 ) satisfaz ∂y∂z = 0, então existem
F, G ∈ C ∞ (R) tais que
u(y, z) = F (y) + G(z).

Fazendo a mudança de coordenadas


y = x + t, z = x − t
¡ y+z y−z ¢
e denotando U (y, z) = u 2 , 2 = u(x, t), segue de (5.1) que
∂2U
= 0.
∂y∂z
Do exercı́cio 5.1 concluı́mos que U (y, z) = F (y) + G(z). Portanto temos que
u(x, t) = F1 (x + t) + F2 (x − t), F1 , F2 ∈ C ∞ (R).
As condições iniciais de (5.1) nos dão que
F1 (x) + F2 (x) = f1 (x)
F10 (x) − F20 (x) = f2 (x).
Tomando a derivada da primeira equação e somando-a à segunda obtemos
2F10 (x) = f10 (x) + f2 (x).
De modo semelhante obtemos
2F20 (x) = f10 (x) − f2 (x)
Usando o teorema fundamental do Cálculo encontramos que
Z
1 1 1 x
F1 (x) − F1 (x0 ) = f1 (x) − f1 (x0 ) + f2 (s) ds.
2 2 2 x0
Z
1 1 1 x
F2 (x) − F2 (x0 ) = f1 (x) − f1 (x0 ) − f2 (s) ds.
2 2 2 x0
16 SÁ BARRETO

t (x,t)

x−t x+t x

Figura 8. Interpretação geométrica da solução da equação da onda em dimensão


1. O valor da solução u(x, t) no ponto (x, t) só depende do valor do dado inicial
no intervalo [x − t, x + t].

Portanto temos que


Z x+t
1 1
(5.2) u(x, t) = (f1 (x + t) + f1 (x − t)) + f2 (s) ds.
2 2 x−t

Esta fórmula tem uma interpretação geométrica interessante. Ver a figura 8.

Exercı́cio 5.2. a) Mostre que se f1 (x) = 0 e f2 (x) = 0 para |x| > R, então u(x, t) = 0 se
|x| > t + R.
b) A interpretação fı́sica deste resultado é que as informações que se propagam através de (5.1)
o fazem com velocidade finita.

O próximo passo é resolver a equação das ondas em dimensões maiores do que um. Primeiro
recordamos que o Laplaciano ∆ em Rn é definido por:

∂2v ∂2v ∂2v


∆v(x) = 2 + 2 + ... + 2
∂x1 ∂x2 ∂xn

Nós estudaremos o problema de valor inicial (ou problema de Cauchy)

∂2u
− ∆u = 0 Rn × (0, ∞)
(5.3) ∂t2
∂u
u(x, 0) = f1 (x), (x, 0) = f2 (x), f1 , f2 ∈ C ∞ (Rn ).
∂t
Ou seja, como fizemos acima, queremos encontrar uma fórmula para u(x, t) em termos de f1 e f2 .
A idéia principal é a de reduzir este caso ao uni-dimensional. Esta é a utilidade da transformada
de Radon. O primeiro passo é lembrarmos que do exercı́cio 4.2,

∂ 2 Rf
(5.4) (ω, s) = R(∆f )(ω, s).
∂s2
TRANSFORMADAS DE RADON 17

Denotemos a transformada de Radon na variável x de u(x, t) por Ru(ω, s, t). De (5.4) obtemos

∂ 2 Ru ∂ 2 Ru
(ω, s, t) − (ω, s, t) = 0
∂t2 ∂s2
∂Ru
Ru(ω, s, 0) = Rf1 (ω, s), (ω, s, 0) = Rf2 (ω, s).
∂t

Aplicando (5.2) encontramos que


Z s+t
1 1
Ru(ω, s, t) = (Rf1 (ω, s + t) + Rf1 (ω, s − t)) + Rf2 (ω, µ) dµ.
2 2 s−t

Agora temos de tomar a transformada inversa de Radon de Ru. Como já vimos antes, há uma
diferença entre os casos n par e ı́mpar, sendo o caso ı́mpar mais simples. De (4.10) obtemos que,
1
com Cn = 2(2iπ) n−1 ,

Z
∂ n−1 Ru
u(x, t) = Cn n−1
(ω, hx, ωi, t) dSω =
Sn−1 ∂s
Z µ n−1 ¶
1 ∂ Rf1 ∂ n−1 Rf1
Cn (ω, hx, ωi + t) + (ω, hx, ωi − t) dSω +
2 Sn−1 ∂sn−1 ∂sn−1
Z µ n−2 ¶
1 ∂ Rf2 ∂ n−2 Rf2
Cn (ω, hx, ωi + t) − (ω, hx, ωi − t) dSω .
2 Sn−1 ∂sn−2 ∂sn−2

Agora observamos que, como n é ı́mpar e Rf (ω, s) = Rf (−ω, −s), temos


Z Z
∂ n−1 Rf1 ∂ n−1 Rf1
n−1
(ω, hx, ωi + t) dS ω = n−1
(ω, hx, ωi − t) dSω
Sn−1 ∂s Sn−1 ∂s
Z Z
∂ n−2 Rf2 ∂ n−2 Rf2
n−2
(ω, hx, ωi + t) dS ω = − n−2
(ω, hx, ωi − t) dSω .
Sn−1 ∂s Sn−1 ∂s

Portanto como n é ı́mpar,


Z µ ¶
∂ n−1 Rf1 ∂ n−2 Rf2
(5.5) u(x, t) = Cn (ω, hx, ωi + t) + (ω, hx, ωi + t) dSω .
Sn−1 ∂sn−1 ∂sn−2

Esta fórmula nos dá u em termos das transformadas de Radon de f1 e f2 e é a base da Teoria
de Espalhamento de Lax & Phillips, [12]. Pode-se transformá-la em uma fórmula envolvendo f1
e f2 diretamente, mas nós só faremos isso aqui no caso n = 3.
Tomando n = 3 em (5.5) obtemos
Z Z
1 ∂ 2 Rf1 1 ∂Rf2
u(x, t) = − 2 2
(ω, hx, ωi + t) dSω − 2 (ω, hx, ωi + t) dSω =
8π Sn−1 ∂s 8π Sn−1 ∂s
Z Z
1 ∂2 1 ∂
− 2 2 Rf1 (ω, hx, ωi + t) dSω − 2 Rf2 (ω, hx, ωi + t) dSω .
8π ∂t Sn−1 8π ∂t Sn−1
18 SÁ BARRETO

(x,t)

t 3
R
x
t
S(x,t)

Figura 9. Para se obter u(x, t) integra-se o dado inicial sobre a superfı́cie da


esfera centrada em x e de raio t.

Visto que Ω2 = 2π, obtemos de (4.15) que

−4πu(x, t) =
Z Z ∞ Z Z ∞
∂2 2 2 21 ∂ 1

2
f1 (x + (s + t ) ω)s ds dSω y)) + f (x + (s2 + t2 ) 2 ω)s ds dSω =
∂t Sn−1 0 ∂t n−1 0
µ Z Z ∞ ¶ Z S Z ∞
∂ ∂ 1 ∂ 1
t f1 (x + (s2 + t2 ) 2 ω) ds dSω t f2 (x + (s2 + t2 ) 2 ω) ds dSω .
∂t S n−1 0 ∂s S n−1 0 ∂s
Portanto
µ Z ¶ Z
∂ t t
(5.6) u(x, t) = f1 (x + tω) dSω + f2 (x + tω) dSω .
∂t 4π Sn−1 4π Sn−1

Veja a figura 9 para uma interpretação geométrica desta solução.


O caso n > 3 ı́mpar não é muito diferente, apenas é necessário um certo cuidado quando se
toma as derivadas, mas o cálculo não é muito diferente do que foi feito para se chegar à equação
(4.13). Pode se mostrar que se n > 3 é ı́mpar então

cn Ωn u(x, t) =
õ ¶ n−3 Z ! µ ¶ n−3 µ Z ¶
∂ 1∂ 2
n−2 1∂ 2
t f1 (x + tω) dSω + tn−2 f2 (x + tω) dSω .
∂t t ∂t Sn−1 t ∂t Sn−1

O leitor interessado deve ler [8] para mais detalhes.


TRANSFORMADAS DE RADON 19

u=0

u=0 u=0

suporte de f e f
1 2

Figura 10. Princı́pio de Huygens em dimensão ı́mpar.

Exercı́cio 5.3. Seja v(x, t, s) uma solução de


∂2v
− ∆x v = 0, para x ∈ Rn , t > s ≥ 0
∂t2
v(x, 0, s) = 0 para x ∈ Rn s ≥ 0
∂v
(x, 0, s) = f (x, s) para x ∈ Rn s ≥ 0.
∂t
Mostre que
Z t
u(x, t) = v(x, t − s, s) ds
0
satisfaz
∂2u
− ∆x u = f (x, t) para x ∈ Rn , t > 0
∂t2
∂u
u(x, 0) = 0, (x, 0) = 0 para x ∈ Rn .
∂t
Esta relação é conhecida como o prinı́pio de Duhamel.

Exercı́cio 5.4. Obtenha uma fórmula para a solução de


∂2u
− ∆x u = f (x, t) para x ∈ R3 , t > 0
∂t2
∂u
u(x, 0) = f1 (x), (x, 0) = f2 (x) para x ∈ Rn .
∂t
Exercı́cio 5.5. Mostre que se n = 3 e f1 (x) = f2 (x) = 0 para |x| > R, então a solução de (5.3)
satisfaz
u(x, t) = 0 se t < |x| − R ou se t > |x| + R.
Este fenômeno é conhecido como o princı́pio de Huygens. Veja figura 10.

Exercı́cio 5.6. Compare o exercı́cio 5.5 com o caso n = 1. Qual é a diferença?


20 SÁ BARRETO

L(ω, z )

z
ω
y
ω

Figura 11. Parametrização da reta L.

6. A Transformada Raio-x
Nas seções anteriores nós tratamos a transformada de Radon, mas nas questões que levantamos
na primeira seção, as integrais obtidas eram ao longo de retas, e não ao longo de hiperplanos.
Aqui estudaremos um pouco da transformada raio-x. Primeiro necessitamos encontrar uma
parametrização para as retas do Rn . Vimos no caso da transformada de Radon, que os hiper-
planos são parametrizados por um vetor ω ∈ Sn−1 e um número real s, ou seja qualquer hiper-
plano H pode ser descrito por (4.1).
No caso de uma reta L, sabemos que para caracterizá-la necessitamos de um vetor ω ∈ Sn−1 ,
o vetor diretor, e um ponto, mas temos de ter um pouco de cuidado, pois a parametrização tem
de ser 1 − 1. Tomemos o ponto z = L ∩ ω ⊥ , onde ω ⊥ é o hiperplano perpendicular a ω. Veja
figura 11. E denotamos L = L(ω, z).
Dada uma função contı́nua f ∈ S(Rn ), considere a aplicação
Z
Xf (ω, z) = f (y) dly .
L(ω,z)

Esta é a chamada transformada raio-x de f ao longo da reta L(ω, z).


Exercı́cio 6.1. Demonstre que se n = 2,
Xf (ω, z) = Rf (ω ⊥ , |z|).
Primeiro vamos estabelecer a relação entre as transformada raio-x e a transformada de Radon.
Proposição 6.1. Dados ω ∈ Sn−1 e s ∈ R, temos
Z
Rf (ω, s) = Xf (θ, z) dz,
θ ⊥ ∩H(ω,s)
TRANSFORMADAS DE RADON 21

L( θ,z)
θ ω
z ω
ω

Figura 12. Como se obtém a transformada de Radon a partir da transformada


raio-x.

onde θ é qualquer vetor unitário satisfazendo hθ, ωi = 0.

Demonstração. Basta olhar a figura 12. ¤

Portanto, conhecida Xf (ω, z) para toda reta L, também se conhece Rf (x, s) para todo ω ∈
Sn−1 e todo s ∈ R. Assim deduzimos dos teoremas ja demonstrados para a transformada de
Radon

Teorema 6.1. Sejam f, g ∈ C0∞ (Rn ) e suponha que dado ρ > 0


Z
(f (y) − g(y)) dly = 0
L(ω,z)

para toda reta L(ω, z) que não intercepta B(0, ρ). Então f (x) = g(x) para todo x 6∈ B(0, ρ).

Este resultado tem uma interpretação interessante. Por exemplo, não creio que seja muito
saudável bombardear o fı́gado ou o coração de alguém com raios-x. Mas o teorema acima diz
que para se obter informações sobre outros órgãos, não é necessário atingir essas partes vitais
com radiação.
Pode-se estabelecer uma relação entre a transformada raio-x e a transformada de Fourier, de
modo semelhante ao que foi feito com a transformada de Radon. Também pode se usar esta
relação para conseguir uma fórmula para a inversa da transformada raio-x. Referimos o leitor
para o livro de Helgason [10].

7. Agradecimentos
Este trabalho foi financiado em parte pela National Science Foundation projeto número DMS-
0140657.
Agradeço ao CNPq, à FINEP e ao Instituto do Milênio pela generosidade em financiar o
Symposium on Scattering and Spectral Theory, mesmo em tempos economicamente difı́ceis. A
ajuda da International Mathematical Union também foi fundamental para a realização deste
evento.
Os Professores Francisco Brito, Fernando Cardoso e Gunther Uhlmann foram generosos em
lerem essas notas, fazeres correções e darem sugestões.
Também agradeço ao Departamento de Matemática da UFPE pela hospitalidade durante a
semana em que este curso foi ministrado.
22 SÁ BARRETO

Referências
[1] H. Barret & W. Swindell. Radiological imaging. Academic Press, (1981).
[2] J. Boman. Helgason’s support theorem for Radon transforms– a new proof and a generalization. Mathematical
Methods in Tomography (Oberwolfach, 1990), Lecture Notes in Math.1497, 1-5 Springer, Berlin, (1991).
[3] A. Comrack. Representation of a function by its line integrals. J. Appl. Phys., 34, 2722-2727, (1963).
[4] A. Cormack. My connection with the Radon transform. 75 years of Radon transform. Conference Proceedings
and Lecture Notes in Mathematical Physics, Vol. 4. S. Gindikin & P. Michor, editores. International Press
Inc. Boston, (1992).
[5] B. Droste. A new proof of the support theorem and the range characterization for the Radon tranform.
Manuscripta Math. 2-3, 289-296, (1983).
[6] P. Funk. Über eine geometrischr anwendung der abelschen integralgleichung. Math. Ann. 77, 129-135, (1916).
[7] F. John. Reminiscences. 75 years of Radon transform. Conference Proceedings and Lecture Notes in Mathe-
matical Physics, Vol. 4. S. Gindikin & P. Michor, editores. International Press Inc. Boston, (1992).
[8] F. John. Plane waves and spherical means. Wiley-Interscience, New York, (1955).
[9] S. Helgason. A duality in integral geometry: some generalizations of the Radon transform. Bull. Amer. Math.
Soc. 70 , 435-446, (1964).
[10] S. Helgason. Radon transform. Birkhäuser 1980, 2a edição (1999).
[11] J. Hounie. Teoria elementar das distribuições. XII Colóquio brasileiro de Mat. IMPA, (1979)
[12] P. Lax & R. Phillips. Scattering theory. Academic press (edição revisada) (1989 ).
[13] D. Ludwig. The Radon transform on Euclidean space. Comm. Pure Appl. Math. 23, 49-81, (1966).
[14] J. Radon. Über die Bestimmung von Funktionen durch ihre integralwerte längs gewisser Mannigfaltigkeiten.
Ber. Verch. Sächs. Akad. Wiss. Leipzig Math. Nat. Kd. 69, 262-277, (1917)
[15] W. Rudin. Princı́pios de análise matemática. Editora da Universidade de Brası́lia, (1971).
[16] A. Sá Barreto. Radiation fields on asymptotically Euclidean manifolds. A ser publicado em Comm. in. P.D.E.
[17] A. Sá Barreto. A support theorem for radiation fields and inverse scattering on asymptotically hyperbolic
manifolds. Pré-publicação, 2003.
[18] R. Strichartz. Radon inversion– variations on a theme. Amer. Math. Monthly. 89, 377-384, (1982).
[19] G. Uhlmann. Análise microlocal e teoria de espalhamento. VIII Escola Latino-Americana de Matemática.
IMPA (1986).
[20] J. Zubelli. An introduction to inverse problems. Examples, methods and questions. 22o Colóquio Brasileiro
de Matemática. IMPA, (1999).

Department of Mathematics, Purdue University, 150 North University Street, West Lafayette
IN 47907, USA
E-mail address: sabarre@math.purdue.edu

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