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Teresina-PI
2016
André Mendes de Carvalho Castelo Branco
Teresina-PI
2016
Castelo Branco, André Mendes de Carvalho.
C348p Patrimônio ferroviário em Capitão de Campos - PI: diretrizes para
preservação integrada do conjunto ferroviário / André Mendes de
Carvalho Castelo Branco. – Teresina, 2016.
219 f. Ilust. 8 pranchas.
CDD: 721.028
André Mendes de Carvalho Castelo Branco
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________________
Prof.ª M. Sc. Neuza Brito de Arêa Leão Melo - Instituto de Ciências Jurídicas e Sociais
Professor Camillo Filho
___________________________________________________________________________
Prof.ª Esp. Claudiana Cruz dos Anjos - Instituto de Ciências Jurídicas e Sociais Professor
Camillo Filho
___________________________________________________________________________
Arq.ª Esp. Patrícia Mendes dos Santos - Secretaria de Estado de Cultura do Piauí
AGRADECIMENTOS
Desde o início da graduação, ouvi que um trabalho como este depende da ajuda de
amigos. Ao longo do processo de pesquisa e elaboração deste Trabalho Final de Graduação,
não só verifiquei que é verdade, como tive uma prova de que é um mito a figura do
pesquisador solitário e isolado - a pesquisa acadêmica efetivamente depende de uma rede de
relações para sua viabilização. Assim, agradeço, aqui, a todos que formaram esta rede que
possibilitou meu TFG.
A minha família, Frederico, Ana Valéria e Bruno, pelo apoio e companhia em todos os
momentos difíceis.
A Neuza Melo, que foi minha orientadora em todos os sentidos da palavra. Sem ela,
este trabalho teria sido impossível por muitos motivos.
A minha avó e minha tia, Teresa e Auxiliadora, pela torcida perene.
A meu tio, historiador Pedro Vilarinho, pelo conhecimento e apoio.
A meu pai, Frederico, pela companhia e ajuda na pesquisa de campo.
A João Eulálio de Pádua, pelo material referente ao Parque Estação Cidadania.
A Ranieri Pierotti, pelo tempo, pela atenção e pelo material sobre a ferrovia no Piauí.
A Patrícia Mendes, pelo material sobre a política estadual de preservação do
patrimônio.
A Claudiana dos Anjos, pelo conhecimento compartilhado na forma de conversas,
bibliografia e orientações na pré-banca.
A Pedro Henrique Brito e Raquel Feitosa Cavalcante, servidores do IPHAN/PI, pela
boa vontade, atenção e contribuição para o acesso ao Inventário de Conhecimento realizado
pelo Instituto sobre a malha ferroviária do Piauí.
A Maria Luiza, moradora de Capitão de Campos, pela conversa e pelas informações
disponibilizadas.
A Pedro Veras, ferroviário aposentado e também morador de Capitão de Campos, pelo
relato e pelas importantes informações cedidas.
A Raquel Carvalho e Flávia Maia, por mostrar o que é ser arquiteto com seus TFGs.
A Juliana Lopes Elias Aragão, professora que deu contribuição inestimável para meu
crescimento disponibilizando tanto do seu tempo e atenção para discutir pesquisa.
A Laline Mendes e Áureo Tupinambá, arquitetos que me receberam em seus
escritórios, confiaram em meu trabalho e proporcionaram importante aprendizado.
A Mariana, Jefferson, João Gabriel, Ivo e Anderson, arquitetos e colegas de trabalho
com quem cresci muito.
A toda a equipe da Gerência de Obras e Serviços de Engenharia (GOS), da
Superintendência de Desenvolvimento Urbano (SDU) Sul, por me receberem e
proporcionarem, também, aprendizado.
A Aminna Sá, colega de artigos.
Aos amigos Ana Clara, Victor, Camila, Anna, Ennio, Nayeno, Filipe, Juliana, João
Lucas e Raissa. Vocês são um tesouro pra mim.
Aos amigos que me acompanharam na graduação em arquitetura, no ICF e na FAU:
Adelcy, Aminna, Carol, Luciana, Marinas, Rhana, Wagner, Jaime, She, Tatiane, Jessica, Cris,
Tarsila, Aline, Adriano, Marcela, Beatriz, Tina.
Aos amigos arquitetos com quem eu tive o prazer de conviver e trocar experiências ao
longo desse caminho: Victor, Marina, Lumena, Tássia, Ana Bárbara, Ludmila, Diego,
Willane, Igor, Luna, Samir, Cezar, Leo, Jefferson e Amina.
A todos, meu muito obrigado.
RESUMO
The present work deals with the railway heritage in Piauí, Brazil, particularly with the
railway architectural ensemble located in the city of Capitão de Campos, 118,5 km from the
state capital, Teresina, which comprises the passenger station, housing units for Rede
Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA) employees and other related buildings. It's
intended to analyze the buildings in particular and the ensemble they constitute, in the
relations they make up between them as much as in those they establish with the urban,
cultural and socioeconomic contexts, in the municipality and in the state. The work also aims
to build on the knowledge of them, promoting awareness about the subject and their
acknowledgement as cultural heritage, while also providing the grounds for intervening for
their conservation. For that, an ample study was conducted on the theory of architecture and
conservation, the history and architecture of the railway and the recommendations of the
heritage charters adopted by various national and international organizations, as a means for
making the action more consistent. The study then proceeds to three case studies, in order to
put the previously gained knowledge in perspective and relate them to other initiatives of the
kind. Then, a critical analysis was conducted on that heritage and its meanings, so as to
develop guidelines for the adaptive reuse, in an ample context. In conclusion, the heritage in
question is very significant in the context of railway architecture and heritage in the state,
granting special importance to the knowledge built throughout the study and making it
relevant to future studies in this field.
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 17
2 REFERENCIAL TEÓRICO .............................................................................................. 25
2.1 ARQUITETURA, CIDADE E SÍTIO HISTÓRICO.......................................................... 25
2.2 DO MONUMENTO AO PATRIMÔNIO CULTURAL .................................................... 30
2.3 AS TEORIAS E INICIATIVAS DE PRESERVAÇÃO .................................................... 38
2.4 AS CARTAS PATRIMONIAIS ......................................................................................... 49
3 A PRÁTICA PRESERVACIONISTA ............................................................................... 57
3.1 A PRESERVAÇÃO NO BRASIL ..................................................................................... 57
3.2 A PRESERVAÇÃO NO PIAUÍ ......................................................................................... 76
4 HISTÓRIA E ARQUITETURA DA FERROVIA ........................................................... 86
4.1 A FERROVIA NO MUNDO ............................................................................................. 86
4.2 A FERROVIA NO BRASIL .............................................................................................. 97
4.3 A FERROVIA NO PIAUÍ ................................................................................................ 116
5 A FERROVIA EM CAPITÃO DE CAMPOS ................................................................ 132
6 ESTUDO DE CASOS SEMELHANTES ........................................................................ 134
6.1 CINCINNATI UNION TERMINAL (OHIO, EUA) ....................................................... 135
6.2 COMPLEXO CULTURAL E MEMORIAL FERROVIÁRIO DE SANTOS DUMONT
(MG) ....................................................................................................................................... 141
6.3 PARQUE ESTAÇÃO CIDADANIA (TERESINA, PI) .................................................. 151
7 DIRETRIZES PARA PRESERVAÇÃO INTEGRADA ............................................... 159
7.1 IDENTIFICAÇÃO, CONHECIMENTO E DIAGNÓSTICO ......................................... 160
7.1.1 Localização ................................................................................................................... 161
7.1.1.1 Contexto Municipal .................................................................................................... 161
7.1.1.2 Área do conjunto ........................................................................................................ 169
7.1.2 Levantamento arquitetônico....................................................................................... 172
7.1.3 Contexto histórico ........................................................................................................ 172
7.1.4 Análise tipológica ......................................................................................................... 173
7.1.5 Análise dos valores e significação ............................................................................... 186
7.1.6 Modificações e situação atual ..................................................................................... 191
7.1.7 Mapeamento de danos ................................................................................................. 194
7.1.8 Legislação incidente..................................................................................................... 197
7.2 DIRETRIZES PARA PRESERVAÇÃO INTEGRADA ................................................. 198
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 205
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 207
APÊNDICE A – BENS PROTEGIDOS NO PIAUÍ .......................................................... 215
APÊNDICE B – LEVANTAMENTO ARQUITETÔNICO DO CONJUNTO............... 219
APÊNDICE C – DIAGNÓSTICO E MAPEAMENTO DE DANOS .............................. 223
APÊNDICE D – DIRETRIZES PARA PRESERVAÇÃO INTEGRADA ...................... 227
17
1 INTRODUÇÃO
Figuras 01 e 02 – Mapa do Brasil, com o Piauí destacado; Mapa do Piauí, com o percurso da EFCP, as principais
cidades por onde a linha passou e a cidade de Capitão de Campos destacada.
Figuras 03 e 04 – A Estação Ferroviária (marcada com o ponto amarelo) na mancha urbana de Capitão de
Campos; a implantação da estação de passageiros (marcada com o ponto azul) e das residências dos
trabalhadores da RFFSA (marcadas com os pontos laranja).
Fonte: Elaborado por André Castelo Branco, com imagens do Google Earth, 2016.
19
daquela cidade (SOUSA, 2008). O Rio Parnaíba apresentava então condições desfavoráveis
para navegação, por causa da estiagem e do assoreamento; assim, os comerciantes da região
passaram a reivindicar do governo a construção de uma ferrovia que ligasse a capital ao
litoral, servindo as áreas extrativistas, e também de um porto marítimo na cidade de
Amarração, atual Luís Correia. Enquanto o porto nunca foi concluído, a ferrovia foi
implantada, tendo a construção sido iniciada nos anos 1910 no litoral e a linha sido expandida
gradualmente para o sul em quatro etapas, até chegar a Teresina em 1969. O conjunto de
Capitão de Campos foi construído na terceira, entre Piripiri e Campo Maior, pelo 2º Batalhão
de Engenharia de Construção do Exército (2º BEC) (VIEIRA, 2009).
O declínio simultâneo das exportações piauienses e do transporte ferroviário em geral
no Brasil, que perdeu relevância em favor das rodovias a partir das primeiras décadas do
século XX, eventualmente levou ao fim da operação da linha na década de 1980 e à extinção
definitiva da RFFSA em 2007 (INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRIO E ARTÍSTICO
NACIONAL, 2010; VIEIRA, 2010). A Lei nº 11.483/2007, que trata da extinção da Rede,
define que o patrimônio da empresa seja transferido à União, ficando os bens operacionais sob
responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e os não
operacionais sob a da Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Ao Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) cabe avaliar e definir quais bens possuem
significação cultural relevante, que passam então à sua responsabilidade. No Piauí, os
conjuntos ferroviários tiveram destinos variados: o de Parnaíba foi cedido ao governo local e
passou a abrigar diversos órgãos da administração pública; a estação de Piracuruca foi
restaurada pelo IPHAN e cedida à Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE); a
de Brasileira continua abandonada, em ruínas; o conjunto de Capitão de Campos está ocupado
irregularmente e usado para moradia.
Apesar do fim das operações da linha e da extinção da RFFSA, o acervo arquitetônico
construído permanece como testemunha do trabalho a ele relacionado, do período de
desenvolvimento do qual fez parte e das consequências sociais e espaciais do trem. É,
portanto, importante patrimônio cultural a ser reconhecido, fruído e preservado.
A problematização aqui colocada tem dimensão teórica e prática. No aspecto teórico,
trata-se de estudar o patrimônio ferroviário piauiense, dentro do seu contexto urbano e
econômico e de um recorte espaço-temporal específico, como conjunto de objetos portadores
de valores culturais (ainda que não reconhecidos e apropriados na plenitude desse sentido pela
população que com eles convive cotidianamente), componentes de uma paisagem
característica e representativos de um momento relevante da história do estado. Já no âmbito
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prático, busca-se pensar medidas que objetivem seu conhecimento, apropriação e, por fim, sua
preservação integrada ao planejamento urbano, lançando mão de todo o ferramental teórico e
prático desenvolvido ao longo da graduação em Arquitetura e Urbanismo.
O objetivo geral deste trabalho é propor diretrizes para a preservação integrada do
Conjunto Ferroviário de Capitão de Campos - PI, que orientem seu uso e sua relação nos
contextos urbano e socioeconômico do município.
Para tanto, realizou-se levantamentos históricos, métricos, fotográficos, de legislação e
de patologias dos bens estudados; produziu-se registros fotográficos e gráficos das
edificações; pesquisou-se a história e a significação das edificações para sua a comunidade
envolvente, através de depoimentos de pessoas da comunidade; estudou-se casos semelhantes
de bens patrimoniais ferroviários que sofreram intervenção, no Brasil, no mundo e no Piauí; e
estudou-se a realidade do município, através do mapeamento dos edifícios institucionais, da
análise de dados do IBGE, da observação da paisagem e do conhecimento das atividades
desenvolvidas pela população nos espaços públicos. A análise integrada de todos esses
aspectos, à luz do referencial teórico estudado, formou o fundamento das diretrizes propostas.
O patrimônio industrial, do qual a infraestrutura de transporte é parte integrante, é uma
categoria recente, mas relevante de patrimônio cultural. Os bens patrimoniais da
industrialização são vestígios da cultural industrial e carregam o testemunho de atividades que
têm profundas consequências históricas, característica que justifica, por si só, sua preservação
(THE INTERNATIONAL COMITTEE FOR THE CONSERVATION OF THE
INDUSTRIAL HERITAGE, 2003). A ferrovia teve influência significativa na vida da
população dos lugares por onde passou, nos aspectos econômico, social e cultural, sendo,
assim elemento importante na paisagem cultural das cidades em que foi implantada. Além
disso, é também testemunha do ciclo econômico do extrativismo no Piauí e símbolo de um
importante período de desenvolvimento do estado.
A questão ferroviária piauiense tem sido objeto de diversos trabalhos acadêmicos, mas
o tema carece de estudos feitos na perspectiva da análise da sua arquitetura e da preservação
como patrimônio cultural. Assim, este trabalho é relevante por preencher essa lacuna no Piauí,
tratando do tema por um viés ainda pouco explorado, elaborando uma proposta de intervenção
compatível e exequível e fornecendo subsídios para futuras iniciativas do tipo.
A pesquisa é importante também por propor-se a documentar a arquitetura e o estado
atual de conservação de edificações de importância e valor histórico e arquitetônico e a
reconhecer sua significação para as paisagens culturais que compõem, na perspectiva da sua
preservação, atividade que foi realizada apenas parcialmente pelo IPHAN em 2008. Tal
22
procedimento é um dos instrumentos recomendados pelo The International Comittee for the
Conservation of the Industrial Heritage (TICCIH), primeira organização de proteção do
patrimônio industrial do mundo, para conservação destes bens, devendo ser realizado antes de
qualquer proposta de intervenção. Contribuir-se-á, ainda, para a discussão sobre as
consequências da descontinuação do uso de bens patrimoniais e sobre as possibilidades de uso
continuado compatíveis com a preservação de bens industriais.
Diretrizes para preservação integrada de sítios históricos urbanos como as ora
propostas têm grandes potencialidades. Ao promover o reconhecimento e a preservação
desses bens, resgata-se seu potencial pedagógico, cultural e econômico, inclusive através do
turismo cultural e do incentivo à economia solidária. Tais medidas podem contribuir
significativamente para a qualidade de vida da população envolvente e para o
desenvolvimento das regiões que as recebem.
A metodologia adotada para fundamentar a proposta foi aquela prescrita pelo restauro
crítico, que parte da análise crítica. Num primeiro momento, solicitou-se ao IPHAN todo o
material existente sobre as edificações em estudo. O Inventário de Conhecimento recebido
contém mapa geral da rede estadual e das linhas individualmente, fichas índice (contendo
fotos, descrições, endereço, proprietário, avaliações do estado de conservação e nível de
preservação, indicação da presença de bens móveis integrados, formação de conjunto,
tipologia arquitetônica, coordenadas geográficas, interesse local na utilização, presença de
valor cultural e vigilância, usos original e atual, proteção existente e proposta, data e técnico
responsável), fichas de levantamento em campo, levantamento fotográfico (fotografias e
descrições), levantamento físico-arquitetônico, Relatório Técnico sobre a linha e Relatório
Síntese sobre a malha ferroviária do estado.
De posse do material recebido pelo Instituto, fez-se uma pesquisa bibliográfica a
respeito da trajetória desses bens ao longo da história e visitas ao local para reconhecimento
do espaço, da condição material atual das edificações e compreensão da realidade social na
qual elas estão inseridas. Foram contatadas algumas pessoas do município, que ofereceram
informações e olhares pertinentes para isso.
À luz dos conceitos expostos no Referencial Teórico, realizou-se então a análise e
reconhecimento do objeto da intervenção e o estudo de casos semelhantes, tratando de
exemplos significativos de bens patrimoniais ferroviários que passaram por intervenções, a
níveis internacional, nacional e estadual.
Passou-se ao conhecimento e diagnóstico do conjunto ferroviário de Capitão de
Campos, em que se identificou os valores culturais e significações que carrega, os contextos
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2 REFERENCIAL TEÓRICO
Este tópico apresenta os conceitos e definições de termos que foram importantes para
a execução do trabalho e são fundamentais para sua compreensão. Inicia-se com as ideias de
arquitetura, cidade e sítio histórico, que são as peças fundamentais em torno das quais as
demais ideias se articulam; discute-se então a trajetória dos termos envolvidos na ideia de
patrimônio, do monumento da antiguidade até o patrimônio cultural contemporâneo; em
seguida, apresenta-se um panorama das teorias e iniciativas de preservação do patrimônio,
com ênfase no chamado restauro crítico, adotado atualmente; traça-se então um quadro geral
sobre o patrimônio industrial, do qual o ferroviário faz parte; por último, apresenta-se as
cartas patrimoniais mais pertinentes a esta intervenção, que são documentos de referência para
pesquisadores e profissionais do patrimônio, elaborados por eles em encontros.
Objetiva-se, com isso, esclarecer as posturas norteadoras do trabalho e, ao mesmo
tempo, fornecer subsídios para a compreensão das ações empreendidas ao longo das fases de
pesquisa, análise e projeto de intervenção.
uma vez que a classificação física dos setores das sociedades históricas são cristalizações dos
setores da sociedade contemporânea à análise. A exceção a essa tendência é a História da
Arte, cujos estudos por esse viés são exceções e, frequentemente, recorrem à arqueologia
(BENEVOLO, 2001).
Por fim, o autor considera que
A cidade pode ser estudada como um objeto normal da investigação histórica, nem
privilegiado nem ligado de modo especial ao chamado espírito de uma época. Como
uma construção histórica variável no tempo, às vezes em uníssono com outros fatos,
às vezes em antecipação, outras vezes em atraso, segundo modalidades sempre
variáveis (BENEVOLO, 2001, p. 28).
Dessa forma, Benevolo evita falhas e simplificações ao reconhecer a historicidade da
própria relação entre cidade e sociedade, ao mesmo tempo em que reafirma o caráter de
objeto histórico da primeira, com potencial para carregar importantes testemunhos e
informações a respeito desta última. Reafirma-se assim que a cidade e a arquitetura são
documentos históricos de fundamental importância e cujo estudo pode revelar informações
valiosas sobre a sociedade que as criaram; é importante, porém, identificar se os fatos urbanos
aconteceram em antecipação, uníssono ou como resposta a determinadas estruturas sociais de
que se está tratando.
A presente pesquisa considera, portanto, que o estudo da arquitetura das estações, das
casas, armazéns e demais edificações da ferrovia, no caso específico de Capitão de Campos,
permite conhecer diversos aspectos da história da cidade e da sociedade que ali vive.
O Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS, na sigla em inglês) foi
fundado em 1964 e atua junto à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e
a Cultura (Unesco, também na sigla em inglês) como consultor em questões relacionadas ao
patrimônio material. Em 1987, a entidade adotou em assembleia geral a Carta de Washington,
que afirma que “[...] todas as cidades do mundo são expressões materiais da diversidade das
sociedades através da história e são todas, por essa razão, históricas” (INTERNATIONAL
COUNCIL ON MONUMENTS AND SITES [ICOMOS], 1987, p. 1). Seus bairros e centros
históricos são considerados documentos e expressões dos valores das sociedades urbanas
tradicionais, devendo ser preservados, conservados, restaurados e ter um desenvolvimento
coerente e uma adaptação harmoniosa com a vida contemporânea (ICOMOS, 1987). Tal
postura é perfeitamente alinhada ao pensamento dos três teóricos apresentados até aqui,
deixando claro o valor cultural e histórico das cidades.
Ao longo do processo de crescimento e transformação pelo qual a cidade passa na sua
trajetória, seus diferentes momentos de desenvolvimento vão ficando marcados na sua forma,
legíveis em sua arquitetura. O lugar da primeira ocupação, que guarda registros importantes
29
sobre o surgimento dos povoamentos, é chamado de sítio histórico. Nas cidades brasileiras
mais antigas, fundadas ainda no período colonial, ele é facilmente reconhecível: é aquele
espaço em que estão presentes a praça, a igreja matriz e a casa de câmara e cadeira. Por vezes,
há grandes conjuntos arquitetônicos expressivos no seu entorno, representativos da arquitetura
trazida pelos colonizadores ou, quando sua ocupação foi posterior, já com elementos ecléticos
mesclados à arquitetura tradicional. Independente de qual seja a forma específica que suas
fachadas apresentem, o sítio histórico urbano é documento importante dos momentos
anteriores da cidade.
A cidade de Capitão de Campos não apresenta um sítio histórico urbano formalmente
reconhecível; sua edificação mais antiga, a Casa de Fazenda da Dona Alemã, encontra-se
completamente inserida no tecido urbano e cercada por outras edificações menos expressivas,
que não carregam o mesmo valor histórico. Edificada no século XIX, é um exemplo
característico da arquitetura rural piauiense e carrega o testemunho da fundação da cidade,
uma vez que está relacionada ao surgimento do povoado que primeiro surgiu ali. No entanto,
é testemunha histórica solitária, pois o conjunto da Estação Ferroviária está afastado, já em
área de mancha urbana bem menos densa. Frisa-se, porém, a possibilidade de se agenciar
esses testemunhos históricos numa intervenção que propicie a requalificação da área ao
mesmo tempo em que preserve e evidencie os valores culturais desses bens, promovendo o
conhecimento da população sobre eles para que possam cumprir esse papel de guardar a
memória do município.
Elaborada também no ano de 1987, a Carta de Petrópolis compreende a cidade
enquanto expressão cultural, socialmente fabricada. Adotando posicionamento que dialoga
com aquele presente na Carta de Washington, o documento apresenta a seguinte definição
para o sítio histórico urbano:
Entende-se como sítio histórico urbano o espaço que concentra testemunhos do fazer
cultural da cidade em suas diversas manifestações. Esse sítio histórico urbano deve
ser entendido em seu sentido operacional de área crítica, e não por oposição a
espaços não-históricos da cidade, já que toda cidade é um organismo histórico
(SEMINÁRIO BRASILEIRO PARA PRESERVAÇÃO E REVITALIZAÇÃO DE
CENTROS HISTÓRICOS, 1987, p. 1).
O contexto do sítio histórico urbano (SHU) inclui “[...] as paisagens natural e
construída, assim como a vivência de seus habitantes num espaço de valores produzidos no
passado e no presente, em processo dinâmico de transformação [...]” (SEMINÁRIO
BRASILEIRO PARA PRESERVAÇÃO E REVITALIZAÇÃO DE CENTROS
HISTÓRICOS, 1987, p. 1). Todo novo espaço deve ser acrescido ao SHU tendo essa
dimensão em mente e considerando as novas intervenções como testemunhos ambientais em
30
por excelência, com a difusão de outras formas de registro e memórias artificiais, e a beleza
ganhou importância crescente, adquirindo estatuto próprio, não mais restrita à perfeita
execução e ao ornamento do monumento. Surgiu nessa época a percepção da alteridade das
sociedades, a redescoberta das antiguidades na perspectiva de “documentar para conhecer,
admirar e suplantar” a arte antiga e o projeto inédito de estudar e conservar um edifício
apenas por ser testemunho histórico e/ou obra de arte. Os olhares convergentes do esteta e do
historiador passaram a selecionar, entre um número pré-existente de objetos, aqueles que
receberão o status de monumentos históricos. Esta nova categoria difere do monumento pelo
seu caráter não-intencional, seu valor atribuído a posteriori e a relação que mantém com o
tempo, a memória e o saber, que repercutirá em diferenças nas condições de preservação. O
monumento assume esse caráter no ato de sua criação e é preservado enquanto cumpre essa
função, enquanto o monumento histórico, por ser constituído enquanto tal por um ato de
valoração e curadoria, é entendido como ocupando um lugar imutável e definitivo num
conjunto fixado pelo saber, o que teoricamente demandaria sua preservação permanente
(CHOAY, 2006; FONSECA, 2009; SANT’ANNA, 2009).
A partir do século XVI, estudiosos de vários países (Choay cita exemplos franceses,
italianos, ingleses, holandeses e alemães) conhecidos como antiquários passaram a se dedicar
ao estudo e catalogação dos monumentos históricos. Inicialmente, esses eruditos dedicaram-se
aos monumentos históricos oriundos das Antiguidades Clássicas, posteriormente voltando-se
para aqueles que testemunhariam a origem das suas próprias sociedades, as antiguidades
nacionais, com o objetivo de dotar a tradição cristã de um corpus de bens notáveis comparável
àquele de que dispunha a Greco-romana (CHOAY, 2006).
Os conjuntos constituídos pelas antiguidades nacionais acabariam por cumprir o papel
de base material para a criação e consolidação das “culturas nacionais” dos Estados-nação que
foram surgindo na Europa, especialmente no período que se seguiu à Revolução Francesa de
1789. Como reação ao vandalismo revolucionário que vinha depredando diversas obras vistas
como símbolos do Antigo Regime, o governo revolucionário tomou para si a tarefa de
preservá-los. Dessa forma, resgatou-se o termo romano patrimonium e surgiu, então, a
iniciativa de ressignificar o conjunto dos bens confiscados, que agora seriam de propriedade
coletiva, da nação. Um recorte desses bens formaria um elemento novo, o patrimônio
nacional, definido por motivações morais, pedagógicas e ideológicas com o objetivo de criar
uma identidade nacional, objetivando a nação e fornecendo provas materiais da história
oficial. Fortalecia-se, assim, a ideia de que os franceses tinham uma língua, um território e
uma história comuns, sendo um só povo: os gauleses (FONSECA, 2009; FUNARI;
32
PELEGRINI, 2006). Essa noção de patrimônio nacional foi muito difundida por todo o século
XIX e XX, permanecendo ainda hoje em alguns contextos. Ela é a origem do nome do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional brasileiro, que, não coincidentemente,
foi inspirado no modelo francês de tutela estatal do patrimônio nacional.
Até a 2ª Guerra Mundial, os bens patrimoniais eram monumentos pré-industriais
provenientes da arqueologia e da história da arquitetura erudita. Na Europa, eram assim
valorados praticamente apenas os remanescentes da Antiguidade, os edifícios religiosos da
Idade Média e alguns castelos, enquanto no Brasil o patrimônio histórico e artístico nacional
era composto fundamentalmente de edifícios religiosos, governamentais e militares do
período colonial e de algumas obras modernistas. Após o conflito, houve uma extensão
cronológica, tipológica e geográfica desses bens, que passaram a incluir edificações não
Monumentais de outros usos, épocas e lugares (CHOAY, 2006).
Após o fim da guerra, foram postas em xeque as interpretações nacionalistas do
passado e novos agentes sociais assumiram o centro da ação social e política. A nova
conjuntura e a cooperação internacional impulsionaram novas abordagens mais abrangentes e
menos restritivas de cultura e de patrimônio (FUNARI; PELEGRINI, 2006). Mudou também
o foco da preservação, gradualmente passando do monumento isolado para o entorno, o sítio
histórico e, finalmente, para o território (FIGUEIREDO, 2008).
Uma das facetas dessa ampliação do campo patrimonial foi o reconhecimento pelo
mundo ocidental (de “ascendência cultural” europeia) dos bens imateriais, ou seja, os
processos e práticas culturais, sem a necessidade da mediação de objetos. Essa percepção
surgiu em grande parte a partir da experiência dos países orientais e do terceiro mundo, que
contam em seu patrimônio com diversas criações populares, importantes por expressarem
conhecimentos, práticas e processos culturais, além de um relacionamento com o meio
ambiente. A prática ocidental e seu arcabouço legal, baseados na conservação e autenticidade
de objetos, não eram suficientes para a atuação nos casos em que o que importa preservar é
um meio de produzir objetos, uma prática ou uma ideia (SANT’ANNA, 2009).
A segunda metade do século XX viu surgir novas questões. A antropologia e a
etnografia tornaram-se agentes importantes nesse contexto, através da inclusão da produção
dos “esquecidos” no universo dos bens patrimoniais; a valorização (e inclusão no universo do
patrimônio) dos bens referentes aos operários, camponeses, imigrantes, minorias étnicas,
mulheres, população LGBT, entre outros, se dá através do reforço do seu valor cultural, o que
gradativamente levou à sobreposição das noções de bem patrimonial e bem cultural. A
preservação do patrimônio não se justifica mais pelo valor de nacionalidade – numa
33
perspectiva fundada em valores éticos e estéticos, essa postura tem sido traduzida atualmente
pela noção de direitos culturais, demanda formulada a partir da consideração de que a
educação (entendida como formação) é de interesse universal (FONSECA, 2009). A
expressão direitos culturais foi reconhecida a nível internacional na Declaração Universal dos
Direitos do Homem, da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948 e a nível nacional
pela Constituição de 1988, que atribui ao Estado o dever de garantir a todos “o pleno
exercício dos direitos culturais” (BRASIL, 2016; ONU, 2009).
Nesse contexto de ampliação do próprio conceito de patrimônio e do que é
considerado como tal que ocorreu a partir do segundo pós-guerra, surgiu uma nova categoria:
o Patrimônio Industrial. Enquanto diversos outros bens materiais são fruto de interesse e
preservação já desde a Antiguidade, ainda que de forma distinta da atual, percebe-se uma
primeira preocupação incipiente e pontual com a preservação do legado da indústria apenas
no fim do século XVIII, na França. No século XIX, ela aparece também em países como
Suécia, Inglaterra e Portugal. Um debate amplo e aprofundado sobre o tema, porém, só surge
na década de 1950, na Inglaterra, país considerado protagonista da Revolução Industrial
(KÜHL, 2008; RODRIGUES, 2010).
Em acordo com a tradição dos antiquários daquele país, profissionais oriundos de
áreas como História e Arqueologia passaram a se interessar por esses bens e a fazer circular
informações sobre eles em suas publicações nas primeiras décadas do século XX. A expressão
“arqueologia industrial”, presente num texto português do século XIX, foi popularizada no
meio anglófono dessa forma, através de um artigo de Michael Rix, da Universidade de
Birmingham, publicado na revista The Amateur Historian em 1955, que chamava a atenção
para a necessidade de se estudar e preservar sítios e relíquias da industrialização inglesa dos
séculos XVIII e XIX. A partir de então, outras disciplinas debruçaram-se sobre esses
vestígios, adotando o inventário como instrumento preferencial.
Esse debate chegou ao campo arquitetônico vinculado à discussão sobre a tradição
funcional na arquitetura ao longo dos séculos e a variedade e qualidade formais de edificações
erguidas tendo a funcionalidade como preocupação principal, identificando essa postura em
edifícios já do século XVIII, muito anteriores ao Modernismo, portanto. Nesse sentido, o
volume de julho de 1957 da revista Architectural Review cumpriu um importante papel na
divulgação e consolidação do conhecimento sobre o tema. Os edifícios contendo elementos
pré-fabricados (eles mesmos sendo produtos industriais, portanto) e a arquitetura ferroviária
estão vinculados à discussão sobre o Patrimônio Industrial desde sua gênese. A ferrovia,
especificamente, está intimamente relacionada ao processo de industrialização, uma vez que o
34
impulsionou e foi por ele também impulsionada. O tema ganharia relevância e abertura junto
a um público amplo a partir dos anos 1960, quando da destruição de exemplares significativos
da arquitetura do ferro, como a Estação Euston e o Coal Exchange (KÜHL, 2008).
A Estação Euston, construída em 1837, foi a primeira grande estação terminal do
mundo e a primeira a receber linhas intermunicipais em Londres. A empresa responsável pela
operação da ferrovia decidiu construir um grande pórtico que simbolizasse o caráter de
entrada para o centro e o norte do reino, além da novidade da era ferroviária. Assim, o
arquiteto Philip Hardwick projetou o maior propileu dórico já construído (Figura 07), com 22
metros de altura. Além de demonstrar a inspiração da arquitetura romana que Hardwick
conheceu em viagem à Itália em 1818-19, a estrutura também guarda a característica da total
separação formal e funcional entre o edifício de passageiros e administração e a gare onde os
trens efetivamente paravam para embarque e desembarque, um grande galpão de 61 metros de
comprimento com cobertura estruturada em ferro forjado. Nos anos 1960, a estação original
foi demolida para dar lugar ao atual edifício modernista.
O Coal Exchange, espécie de bolsa de valores do carvão, foi o primeiro grande
edifício construído com emprego significativo de ferro fundido em sua estrutura, entre 1847 e
1849 (anterior ao Palácio de Cristal de 1851, portanto). Contava com fachadas de estética
neorrenascentista a oeste e sul, enquanto no vértice havia um pórtico dórico semicircular
sustentando uma torre naquele mesmo estilo. Ao centro, havia uma rotunda coberta por uma
grande cúpula envidraçada de 18 metros de diâmetro, estruturada por sete costelas de ferro
fundido. O edifício ficou sem uso com a nacionalização do carvão após a 2ª Guerra Mundial e
terminou por ser demolido em 1962, para dar lugar ao alargamento da rua.
35
Figuras 07 e 08 – O pórtico da Estação Euston, c. 1896; vista lateral da maquete do Coal Exchange.
Fontes: http://www.ucl.ac.uk/. Acesso em: 12 out. 2016. http://www.vam.ac.uk/. Acesso em: 12 out. 2016.
Tais edificações costumam ocupar áreas centrais das cidades e, por vezes, constituem
verdadeiros complexos de grandes proporções. Assim, os bens patrimoniais industriais estão
constantemente sujeitos a ameaças, tanto pelo seu não reconhecimento enquanto patrimônio
cultural pela população, quanto pela dinâmica ágil do capital que pode impor transformações
rápidas a esses bens, sua obsolescência funcional, o crescimento das cidades e a pressão
imobiliária (KÜHL, 2008; RODRIGUES, 2010).
Até a década de 1980, o debate em torno dessa questão buscou oferecer definições.
Em geral, reconheceu-se as particularidades dos processos de industrialização em cada país e
a presença de vestígios significativos em todos os momentos da história da humanidade, mas
enfatizou-se o período iniciado na segunda metade do século XVIII; perdeu relevância a
questão da diferenciação objetiva entre artesanato e indústria, mas elegendo-se como objeto
de estudo principal os bens relacionados às atividades produtivas, aos meios de transporte,
geração de energia e comunicações, bem como os espaços das atividades sociais relacionadas;
e colocou-se como objetivos a pesquisa, o levantamento, o registro e a preservação desses
bens. Num primeiro momento, essa atuação foi definida como disciplina autônoma, mas o
desenvolvimento das reflexões levou à sua consolidação como um campo temático em que é
necessário articular os campos teórico-metodológicos de várias disciplinas (KÜHL, 2010).
A Carta de Nizhny Tagil sobre o Patrimônio Industrial, documento adotado na
Assembleia Geral do TICCIH em 2003, consolidou as discussões anteriores numa definição
atualizada e abrangente que inclui nesse campo os vestígios da cultura industrial portadores de
uma gama de valores e envolvidos em diversos aspectos da estruturação dos espaços, mas não
apresenta uma síntese satisfatória dos métodos de ação adequados a esse patrimônio,
referindo-se a documentos formulados tendo em vista bens pré-industriais. Em 2011, porém,
o TICCIH elaborou em conjunto com o ICOMOS um novo documento, chamado Princípios
36
de Dublin, em que essa definição é aprofundada para incluir a paisagem cultural constituída
por esses bens e todos os aspectos intangíveis que carregam. Também são apresentadas
diretrizes mais claras para a ação, que incluem a pesquisa, a documentação, a conservação e a
promoção do conhecimento sobre esse patrimônio, aspecto importante tanto por não ter sido
devidamente destacado anteriormente como também por buscar superar a dificuldade que essa
categoria de bens tem em relação à sua apreciação e reconhecimento pela população enquanto
patrimônio cultural (ICOMOS; TICCIH, 2011; TICCIH, 2003).
Atualmente, de acordo com Kühl (2010), as expressões arqueologia industrial e
patrimônio industrial são comumente consideradas sinônimos, ainda que haja
questionamentos sobre a pertinência de se utilizar o termo “arqueologia” para casos em que
não se empregam técnicas tradicionais daquela disciplina, como escavações. Apesar do
contínuo reforço da necessidade de multidisciplinaridade, os estudos sobre o tema
permanecem em sua maioria monodisciplinares, geralmente estudos de caso registrando um
aspecto da história dos bens ou descrevendo exemplos de intervenção sem aprofundar o
conhecimento sobre os processos de industrialização ou discutir a fundamentação e
pertinência das intervenções. Faz-se necessário, assim, relacionar o patrimônio industrial às
teorias da preservação, de modo a identificar de maneira consistente os bens a serem
preservados e a fundamentar as intervenções realizadas, articulando os aspectos específicos da
questão (como sua arquitetura) com sua inserção no espaço, ao longo do tempo e em suas
relações com a estruturação da cidade e do território. Tendo essas questões em mente, aquelas
de ordem prática (de uso, econômicas, entre outras) deixam de ser as únicas e passam a ser
indicativas e concomitantes. O processo de intervenção desses bens, em suma, deve se
fundamentar no mesmo arcabouço teórico-metodológico que se aplica às demais categorias do
patrimônio cultural, tendo sempre presente a questão das razões por que se preserva (KÜHL,
2010).
Por sua natureza diferenciada dos bens patrimoniais pré-industriais, para atuar na sua
preservação é necessário considerar as condições de reutilização desse patrimônio, que deve
ser encarada sob dois aspectos diferentes. Primeiramente, a herança industrial fora de uso
geralmente é composta por edifícios sólidos, sóbrios e de fácil manutenção, que se prestam
facilmente a novos usos, proporcionando uma conservação de bens de valor e uma economia
logística. Em segundo lugar, os lugares desse patrimônio representam tanto a memória afetiva
daqueles que viveram aquele espaço e tiveram nele seu horizonte, quanto um documento em
escala regional de uma fase da civilização industrial, cujas próprias dimensões colocam
desafios para sua preservação em um momento de reorganização dos territórios urbanos. Sua
37
interações do homem com o meio natural ao longo do tempo. São, por isso, tempo passado,
mas também tempo presente por estarem inseridas na vida atual e a forma dessa inserção
também é relevante para seus conteúdos. A identidade da paisagem não reside apenas em sua
forma, mas também na maneira como a sociedade a apreende (aí incluso a memória e as
significações) e vivencia (NASCIMENTO; SCIFONI, 2010).
À luz dos conceitos expostos, considera-se os imóveis onde se desenvolveram as
atividades ferroviárias em Capitão de Campos como patrimônio cultural pelo testemunho que
carregam, pelas práticas que abrigaram e pelas características materiais do espaço e das
edificações.
sentido ou uso após o fim da sociedade que lhes atribuía significado no passado (CHOAY,
2006; FONSECA, 2009).
Nos séculos XIV e XV, no contexto do Renascimento italiano, ocorreu a gênese do
olhar distanciado e esteta que selecionava edifícios notáveis, transformando-os em objeto de
reflexão e contemplação. Esse processo, em que artistas e humanistas “impregnaram-se
mutuamente” na redescoberta da arte e da humanitas clássica, deu origem ao conceito de
monumento histórico, ainda que só viesse a receber esse nome séculos depois. À época,
muitos monumentos da Roma Antiga estavam em ruínas, em parte pelo uso de seu material
para novas construções ou para a fabricação de cal a partir do mármore. Os humanistas
passaram a preconizar a conservação e a vigilância desses monumentos, tarefa assumida pelo
papa, agora de maneira distanciada e objetiva através de bulas que proibiam demolições, e da
realização de levantamentos, desobstruções e restaurações. Porém, essa prática oficial também
incorria em incoerências e muitas edificações antigas (como o Circus Maximus e o próprio
Coliseu de Roma) foram tratadas como fontes de materiais de construção já prontos para
utilização a um custo reduzido, inclusive pelos próprios papas, ao mesmo tempo em que eram
admiradas e estudadas (CHOAY, 2006; FONSECA, 2009; KÜHL, 1998).
A partir daí, surgiram os antiquários, eruditos que se dedicavam ao estudo,
catalogação e coleção das antiguidades. Estes estudiosos formaram uma rede dedicada a essa
atividade, presente em diversos países da Europa; empreendiam viagens de estudo, trocavam
informações, estabeleciam importantes coleções, catalogações e sistematização de bens,
entendidos como documentos históricos. Seu trabalho, usado para ilustrar textos antigos e
confirmar hipóteses históricas, permitiu formar séries tipológicas e, às vezes, cronológicas dos
bens, preservados em “museus de papel”. Essas séries tomavam a forma de dossiês, catálogos
e compilações e, por vezes, eram restritas a uma única tipologia, como epígrafes e moedas,
refletindo a especialização de alguns dos colecionadores. Foi muito importante o trabalho de
artistas que contribuíram para a iconografia das antiguidades e às vezes eram, eles mesmos,
antiquários; alguns arquitetos inclusive reproduziram monumentos notáveis, como os
desenhos detalhados dos relevos da Coluna de Trajano feitos por Pietro Bartoli (CHOAY,
2006; FONSECA, 2009).
Os antiquários foram responsáveis pela preservação de muitos bens importantes, pela
redescoberta de outras antiguidades (que não a greco-romana) pelos europeus, através de
novas escavações e da ampliação do raio das viagens para incluir o Oriente Próximo, o Egito
e o Sudão. Estes eruditos estiveram em atividade relevante até a Revolução Francesa,
mantendo-se atores importantes sobretudo na Inglaterra até meados do século XX. A
40
destruição de bens da Igreja durante a Reforma Anglicana inglesa do século XVI gerou
algumas iniciativas de preservação, motivadas pelo senso prático (que repudiava a destruição
de edifícios ainda em condições de utilização) e pela sensibilidade, mas o gosto pela arte e
pelo conhecimento não bastava ainda para gerar uma proteção sistemática das antiguidades
(CHOAY, 2006; FONSECA, 2009).
Com o passar do tempo, os antiquários voltaram-se cada vez mais para os bens que
seriam testemunho das origens de suas próprias sociedades, antes e, especialmente, depois do
domínio romano; buscou-se criar um conjunto de obras de arte e edifícios representativos da
tradição cristã, análogo ao que já existia para a Antiguidade pagã. Ao mesmo tempo,
reforçava-se a diferenciação desse conjunto em relação às fontes clássicas, com a intenção de
afirmar a originalidade e a excelência da civilização ocidental cristã. Outro viés era o de
afirmar particularidades nacionais em relação aos cânones italianos, postura significativa
especialmente na Inglaterra. Esse novo projeto, de base nacionalista, inicia-se no fim do
século XVI e por vezes atribuíam a essas antiguidades nacionais apenas valor histórico, como
produto dos “tempos intermediários” entre a Antiguidade Clássica e o Renascimento, postura
que privava seus estudiosos de referências importantes da história da arte. A arquitetura gótica
foi, assim, estudada e catalogada com diversas simplificações e juízos negativos sobre sua
estética em vários países. Ao longo de toda a Idade Moderna, a atividade dos antiquários
passou por diversas outras transformações, tanto com relação ao refinamento e embasamento
do seu método comparativo, que se desenvolveu de modo análogo à metodologia das ciências
da natureza, quanto na questão da representação, que foi gradualmente ganhando precisão e
culminou no desenvolvimento do desenho projetivo atual (CHOAY, 2006).
A postura de amor à arte e a exigência da sua presença física difundiu-se o suficiente
nesse período para mobilizar setores sociais significativos o bastante e gerar as primeiras
iniciativas institucionalizadas de preservação material das obras de arte: a criação dos museus,
invenção do século XVIII baseada no modelo das coleções privadas e inserida no projeto
geral iluminista de democratização do saber. Curiosamente, a tentativa de estender essa
iniciativa ao patrimônio arquitetônico teve resultado oposto, marcado pela dilapidação de
obras importantes para enriquecer coleções em lugares distantes, caso dos Mármores de Elgin
retirados do Parthenon e levados à Grã-Bretanha, onde ainda se encontram (CHOAY, 2006).
A partir da Revolução Francesa de 1789, o governo francês passou a tomar medidas
para a salvaguarda de bens patrimoniais. Num primeiro momento, o grande motivador dessa
tomada de ação foi a transferência de bens da Coroa, da Igreja e dos emigrados à nação; esse
patrimônio, entendido primordialmente no sentido econômico, demandava sua preservação e
41
manutenção para evitar perdas financeiras. O governo buscou inventariar esses bens e seu
estado de conservação, reunindo diversos deles em museus como o Louvre. Num segundo
momento, a partir de 1792, aconteceu uma grande onda de vandalismo revolucionário, em que
o aparato burocrático editou decretos quase simultâneos e contraditórios, determinando a
destruição de monumentos e, logo depois, sua salvaguarda. A institucionalização definitiva da
atividade de preservação na França ocorreu após 1830, quando foi criado o cargo de Inspetor
dos Monumentos Históricos. Prosper Mérimée, que assumiu o cargo em 1832, percorreu o
país inventariando os bens que constituíam o patrimônio nacional do país, percebendo então
que a população, especialmente nas províncias distantes de Paris, era em geral indiferente aos
monumentos históricos, exceto quando eles apresentavam algum motivo específico para
apego, como o valor religioso (CHOAY, 2006; FONSECA, 2006).
Esse novo movimento de preservação superou ao mesmo tempo o senso prático que
encarava o patrimônio como riqueza material da nação e a conservação apenas iconográfica
dos antiquários. Adotando posturas já difundidas nas ciências naturais, a ação preservacionista
governamental declarou explicitamente a intenção moral, política e pedagógica de contribuir
para a formação dos cidadãos e celebrar os sucessos da nação. Assim, a estes bens, reunidos
num conjunto denominado patrimônio nacional, foi atribuído primeiramente o valor nacional,
de legitimação da identidade, que lhe permitiu cumprir o papel de base da cultura nacional.
Dele derivavam os outros: o valor cognitivo (educativo) e o econômico. O valor artístico dos
monumentos, nessa época, era considerado inferior na hierarquia (CHOAY, 2006;
FONSECA, 2009).
Essa importância maior do valor nacional sofreria mudanças com a Revolução
Industrial (aprox. 1760-1840). O processo de industrialização, movimento planetário que teve
diferentes datas de início em cada país, gerou uma verdadeira ruptura com o passado, uma
percepção da existência de um período anterior, em que se situava o monumento histórico, e o
tempo presente; o patrimônio não era mais um ideal a ser resgatado, mas algo
irremediavelmente perdido pelo ciclo natural de aparecimento e morte. Ao mesmo tempo em
que difundiu pelo mundo o conceito de monumento histórico e a prática institucionalizada de
preservação, nesse processo passaram a ser priorizados também pela primeira vez os valores
de sensibilidade, pertencentes ao domínio recente da história da arte. A adoção pela arte
romântica de um culto às ruínas como lembrança da transitoriedade das obras humanas, a
consciência do advento dessa nova era e o reconhecimento do valor de reverência inspirado
pela memória eram as características principais do conceito de monumento histórico que
permeou todo o século XIX e parte do XX (CHOAY, 2006; FONSECA, 2009).
42
histórico, mas não sua historicidade. Sua ideia de monumento histórico é uma abstração e sua
autenticidade não é fundamental (CHOAY, 2006; FONSECA, 2009).
Os princípios de Viollet-le-Duc inspiraram grandes intervenções em diversos países no
século XIX, inclusive em cidades italianas como Florença, Veneza e Nápoles. No fim do
século, o engenheiro, arquiteto e historiador da arte italiano Camillo Boito (que possuía, como
outros conterrâneos seus, formação polivalente e transitava livremente entre os mundos da
arte e da técnica) elaborou uma síntese entre a postura de Ruskin e a de Viollet-le-Duc,
resolvendo a contradição entre restaurar e conservar numa teoria conhecida como Restauro
Moderno. De Ruskin, Boito assimila a noção de autenticidade, conferindo importância aos
sucessivos acréscimos aos edifícios ao longo do tempo como formando uma estratificação
quase geológica e contribuindo para o caráter singular de cada monumento. Já da teoria de
Viollet-le-Duc, Boito adota a prioridade do presente em relação ao passado, afirmando a
legitimidade da restauração. Defende, porém, que o trabalho de intervenção é uma medida
paliativa extrema e deve ter caráter ortopédico, adventício e acrescentado, devendo ser
ostensivamente marcado, não passando por original. As intervenções seriam inevitavelmente
marcadas pelo estilo, conhecimento e técnicas de sua época. Os conceitos de autenticidade,
hierarquia das intervenções e estilo de restauração da teoria de Boito deram origem a
enunciações ainda importantes (CHOAY, 2006; FONSECA, 2009).
Atuando também na Itália na mesma época de Boito, Luca Beltrami elaborou uma
outra teoria, conhecida como Restauro Histórico, que encarava o monumento como
documento cuja intervenção deveria ser embasada por outros (como livros, arquivos e
gravuras) e pela análise da própria edificação. Cada monumento é único e concluído, não se
devendo recorrer a analogias com outros elementos, mas havia certa margem para
subjetividade, tornando o Restauro Histórico uma espécie de alternativa moderada ao
Restauro Estilístico. Seu objetivo era a diminuição dos danos provocados pelo tempo,
considerados absolutamente indesejáveis, ao contrário da teoria de Ruskin. Beltrami defende a
importância dos valores figurativos e a necessidade de restituir a unidade e a continuidade
formal da obra, atuando de forma ampla e até mesmo inovadora, desde que fundamentado por
profunda e rigorosa pesquisa. Quando a imagem encontra-se destruída por um dano muito
grave, porém, esta teoria coloca a impossibilidade de refazê-la (ELIAS, 2007).
No início do século XX, o austríaco Alois Riegl elaborou a teoria dos valores, a partir
de uma perspectiva distanciada, independente de representações da nacionalidade e mais
focada na percepção por considerar que esta é o elemento central de fundamentação da prática
preservacionista. Riegl identificou a dissociação entre duas categorias principais de valores:
44
na sua consistência física e na sua dúplice polaridade estética e histórica, com vistas à sua
transmissão para o futuro” (BRANDI, 2004, p. 30).
A partir desse reconhecimento, Brandi enuncia o primeiro axioma da restauração:
“restaura-se somente a matéria da obra de arte” (BRANDI, 2004, p. 31). Essa matéria é
entendida como o que dá suporte à transmissão da imagem, existindo ao mesmo tempo que
ela. Porém, quando a intervenção colocar a necessidade de sacrificar uma parte da matéria,
esse ato deve ser realizado sempre respeitando a prioridade da instância estética, pois o gesto
criador é irrepetível. O momento do reconhecimento da obra também deve ser historicizado,
localizado no tempo e no espaço, e entre ele e o momento da criação da obra decorreram
inúmeros outros momentos históricos em que pode ter havido acréscimos e alterações na obra.
Esses três momentos compõem a instância histórica da obra, de onde Brandi conclui com seu
segundo axioma, afirmando que “a restauração deve visar ao restabelecimento da unidade
potencial da obra de arte, desde que isso seja possível sem cometer um falso artístico ou um
falso histórico, e sem cancelar nenhum traço da passagem da obra de arte no tempo”
(BRANDI, 2004, p. 33).
A importância da teoria dos valores permaneceu após sua formulação inicial por Alois
Riegl, mas assumindo contornos distintos com a identificação de novos valores, tanto
culturais quanto socioeconômicos. Entre os culturais, há os valores de identidade,
relacionados aos laços afetivos da sociedade com objetos ou sítios; o valor técnico ou artístico
relativo, que se baseia na investigação científica e histórico-crítica e trata da relevância
daquele bem cultural; o valor de originalidade, que relaciona aquele bem a outros semelhantes
de modo a definir sua originalidade, representatividade ou singularidade, de onde se derivará
a necessidade de proteção; o valor histórico, característica do que é testemunho da evolução
da capacidade de realização do homem; e o valor de antiguidade, que rejeita intervenções
alheias ao desgaste natural pelo tempo (FIGUEIREDO, 2008).
Já entre os valores socioeconômicos, destacam-se o valor econômico, ligado à geração
de renda e cujo manejo inadequado pode ocasionar danos; o valor funcional, que encara o uso
continuado do bem como favorecendo sua continuidade; o valor educativo, que fornece meios
para integrar o bem ao presente através da conscientização da população e do potencial para o
turismo cultural; o valor social, relacionado às atividades tradicionais ali realizadas, que
estabelecem a identidade social e cultural; e o valor político, que atrai a atenção do público
para um bem relacionado a eventos históricos dentro do seu contexto regional e nacional
(FIGUEIREDO, 2008).
47
Os princípios teóricos de Brandi, bem como a atuação precedida pela análise crítica e
fundada na dialética entre as instâncias artística e histórica da obra de arte, foram
incorporados a algumas cartas patrimoniais, como a Carta Italiana do Restauro e à Carta de
Veneza, transpondo as fronteiras da Itália e sendo difundidos na prática de diversos outros
países. Dessa forma, muitas das suas formulações permanecem válidas atualmente, mesmo
num contexto de ampliação do conceito de patrimônio e inclusão de muitos dos “bens
cotidianos”. O outro componente fundamental para a atuação contemporânea é a teoria dos
valores, apesar de ter passado por desenvolvimentos importantes após sua formulação por
Riegl, pois o reconhecimento desses valores é parte fundamental da análise crítica realizada
sobre um bem antes de qualquer proposta de intervenção.
Segundo Manoela Rufinoni (2013), o reconhecimento do patrimônio industrial
enquanto tal surgiu, nos anos 1960, junto à sua apreciação como elemento constitutivo de uma
paisagem cultural, de cuja formação é um dos responsáveis. Em meio às novas questões
teóricas e práticas colocadas por essa nova categoria, foram elaboradas diretrizes para a
seleção dos bens industriais a serem preservados, que incluíam seu grau de unicidade ou
singularidade, sua representatividade como referencial de determinada técnica ou época, suas
dimensões e possibilidade de reuso, a verificação do suporte financeiro local e a identificação
dos artefatos associados a pessoas ou fatos importantes.
Ainda segundo a autora, para atuar na salvaguarda desses bens, é necessário analisá-
los como um conjunto, como patrimônio urbano, uma vez que costumam apresentar vários
edifícios com características distintas, mas inter-relacionados, como espaços de produção e
transporte de bens, residências, entre outros. É preciso adotar critérios que situem esses bens
tanto no seu contexto histórico quanto no contexto da formação da "personalidade" da região
em que estão inseridos, analisando sua escala, a assimilação de seus edifícios ao entorno e o
efeito de conjunto que forma com o tecido urbano, que são os atributos que lhe conferem
representatividade (RUFINONI, 2013).
O reuso, instrumento reconhecidamente importante para a preservação, também é
pertinente para os bens industriais, mas deve-se buscar uma função que seja adequada tanto à
sua configuração espacial e realidade construtiva e arquitetônica quanto à sua realidade
histórica. Esta última deve ser observada tanto na relação entro o uso/significado original e o
proposto para a edificação isolada quanto na compreensão do duplo sistema de relações que o
edifício assumia: horizontalmente, dentro do espaço urbano em que se situa, e verticalmente,
dentro do setor produtivo do qual fazia parte. A nova função proposta deve ser compatível
48
O texto coloca a variedade dos bens que compõem esse patrimônio, que incluem os
bens móveis componentes de sua atmosfera, afirma sua função educativa e suas
potencialidades econômicas e sociais e chama atenção para as ameaças a que estão sujeitos
pela antiguidade, ignorância, degradação e planejamento urbano que não os leva em
consideração. Para afastar essas ameaças, é proposta a conservação integrada, que consiste no
emprego conjunto das técnicas de restauração e da pesquisa de funções apropriadas e deve ser
realizada com um espírito de justiça social, sem promover o êxodo das populações já fixadas
naquele local. Deve-se empregar recursos jurídicos, administrativos, financeiros e técnicos,
com especial atenção à multidisciplinaridade e à educação patrimonial, de modo que se torne
uma prática assimilada ao planejamento urbano e, como disposto no início, presente nos
quadros da vida da população (CONGRESSO SOBRE O PATRIMÔNIO
ARQUITETÔNICO EUROPEU, 2014).
A Carta de Burra, elaborada pelo ICOMOS da Austrália em 1980, apresenta definições
para os conceitos comumente envolvidos nas atividades de preservação do patrimônio, como
significação cultural, composta pelo valor estético, histórico, científico ou social de um bem
para as gerações passadas, presentes ou futuras; conservação, termo amplo que designa os
cuidados dispensados a um bem para conservar suas características culturalmente
significativas; manutenção, que é a proteção contínua da substância, do conteúdo e do
entorno; preservação, que é o ato de manter a substância de um bem e desacelerar sua
degradação; restauração, que é o restabelecimento dessa matéria a um estado anterior
conhecido; a reconstrução, que é semelhante à restauração, com a diferença de que se
caracteriza pela introdução de matéria nova; adaptação, que é o agenciamento do bem para
um novo uso, compatível com sua significação; o uso compatível, por fim, que é aquele que
não implica mudança na significação cultural da substância, mudanças irreversíveis
substanciais ou impactos significativos (ICOMOS, 2014a). Com relação às diretrizes para a
atuação, essa Carta reafirma o disposto na Carta de Veneza.
É importante frisar também que essas definições de conservação e preservação são
muito difundidas nos países de língua inglesa, enquanto no Brasil a academia e os órgãos
atuantes nas políticas patrimoniais utilizam cotidianamente esses termos com definições
inversas das apresentadas na Carta de Burra, com conservação designando as ações de
manutenção da matéria do bem e desaceleração da sua degradação, enquanto preservação é o
termo amplo que compreende todas as medidas tomadas para a continuidade da matéria e da
significação do monumento. A Decisão Normativa Nº 83, elaborada pelo Conselho Federal de
Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CONFEA) em 2008, traz os conceitos difundidos no
52
preservação deve manter a ambiência ao mesmo tempo em que assegura a permanência das
populações residentes e a continuidade da polifuncionalidade. Coloca-se a possiblidade de
empregar inventários participativos como forma de conhecimento e valoração, mas também
como instrumento de fortalecimento do vínculo da população com SHU. Deve-se também
propiciar a ação conjunta de todas as esferas do governo e a sociedade interessada
(SEMINÁRIO BRASILEIRO PARA PRESERVAÇÃO E REVITALIZAÇÃO DE
CENTROS HISTÓRICOS, 2014).
Alguns anos depois, em 1995, aconteceu em Lisboa o 1º Encontro Luso-Brasileiro de
Reabilitação Urbana, cujo documento final foi a Carta de Lisboa sobre a Reabilitação Urbana
Integrada, comumente conhecida como Carta de Lisboa. A primeira parte desse documento
traz uma série de definições sobre a preservação e intervenção em edifícios e sítios históricos,
das quais a maior parte está em acordo com as demais Cartas apresentadas. Destaca-se aqui o
conceito de requalificação urbana, especialmente pertinente para a proposta que se deseja aqui
embasar:
É uma estratégia de gestão urbana que procura requalificar a cidade existente através
de intervenções múltiplas destinadas a valorizar as potencialidades sociais,
económicas e funcionais a fim de melhorar a qualidade de vida das populações
residentes; isso exige o melhoramento das condições físicas do parque construído
pela sua reabilitação e instalação de equipamentos, infraestruturas, espaços públicos,
mantendo a identidade e as características da área da cidade a que dizem respeito
(ENCONTRO LUSO-BRASILEIRO DE REABILITAÇÃO URBANA, 1995, p. 1).
O restante da Carta traz ainda a necessidade de se inserir as medidas de preservação na
lógica do desenvolvimento sustentado, à medida em que contradizem uma certa lógica
consumista imobiliária, prolongam a vida útil das edificações e mantêm sua presença na vida
econômica, sempre tendo como objetivo a melhoria nas condições de vida do ser humano
(ENCONTRO LUSO-BRASILEIRO DE REABILITAÇÃO URBANA, 1995).
Com a já mencionada ampliação do campo do patrimônio ocorrida na segunda metade
do século XX, um dos desdobramentos foi a edição de cartas patrimoniais dedicadas a
categorias específicas de patrimônio. Em 2003, o The International Comittee for the
Conservation of the Industrial Heritage (TICCIH) realizou uma reunião na cidade russa de
Nizhny Tagil, na qual foi redigida a primeira carta dedicada ao patrimônio industrial. A
primeira parte é dedicada a definir essa categoria de patrimônio, que inclui “[...] os vestígios
da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitectónico ou
científico” (TICCIH, 2003, p. 3). Estão inclusos nesse universo bens relacionados à produção
de matéria-prima, beneficiamento, manufatura, geração de energia e transportes,
representativa de um momento em que a humanidade ingressou com a Revolução Industrial,
54
faz parte e para o próprio projeto, uma vez que este deve ser fruto de estudos consistentes e
não de mera especulação.
Referenciando-se nos conceitos expostos, a intervenção proposta para o conjunto de
Capitão de Campos é definida como uma requalificação urbana, nos termos da definição da
Carta de Lisboa, uma vez que se almejou valorizar as potencialidades da área através do
projeto. As formulações presentes nas demais cartas mencionadas são pontos importantes para
a análise crítica que necessariamente precede a proposta, tanto para a apreensão da realidade
atual quanto para a compreensão dos valores e significância de que os bens são portadores.
57
3 A PRÁTICA PRESERVACIONISTA
arquitetura moderna recebeu apoio oficial através da nomeação de Lúcio Costa para a direção
da Escola Nacional de Belas Artes e a formação de uma equipe de jovens arquitetos
modernistas para a criação do prédio do MES, considerado hoje um marco importante do
Modernismo no país que se converteu em um monumento aos novos tempos (FONSECA,
2009).
Esse movimento apresentou um sentido de ruptura com a arte produzida até então no
Brasil, cuja literatura era acomodada, formalmente rebuscada e imbuída de ufanismo, fruto da
vida cultural restrita dos períodos colonial e imperial. A literatura modernista veio, assim,
para fundar de fato uma literatura que cumprisse a função social de elaborar esteticamente
uma representação crítica do real, ao mesmo tempo em que formulavam uma nova expressão
artística, afinada com a vanguarda europeia e com a modernidade. A tônica nacionalista vinha
do pensamento de que um rompimento com o passado só fazia sentido em países que já
contavam com uma traição nacional internalizada, enquanto no Brasil a tradição ainda estava
por construir. Assim, essa construção conferiria o caráter de novo e particular àquela arte.
Lúcio Costa fez movimento inverso para chegar ao mesmo ponto ao partir do neocolonialismo
para o modernismo, integrando modernidade e tradição na reflexão sobre as especificidades
da arquitetura e seu contexto. Essa peculiaridade dos modernistas brasileiros, a busca ao
mesmo tempo de ruptura e construção de uma tradição, está na base do seu trabalho junto à
área patrimonial. Nesse momento, ocorre também a afirmação da importância de Minas
Gerais para o movimento, tanto por ser a origem de membros importantes quanto pelas
viagens culturais que diversos artistas empreenderam ao estado. Lá, os intelectuais que mais
tarde integrariam o SPHAN “descobriram” o barroco mineiro, entendido como primeira
manifestação cultural tipicamente brasileira, e perceberam a necessidade de proteger os
monumentos históricos (FONSECA, 2009).
As iniciativas preservacionistas estatais precursoras vieram, em resposta às denúncias
de perda de bens importantes, na forma da criação de Inspetorias Estaduais de Monumentos
Históricos na esfera estadual, em Minas Gerais (1926), na Bahia (1927) e em Pernambuco
(1928), que tinham acervos significativos. Na esfera federal, as primeiras iniciativas surgiram
no âmbito dos museus nacionais. Nos anos 1920, alguns anteprojetos de lei para defesa do
patrimônio histórico e artístico nacional foram apresentados ao Congresso, esbarrando sempre
na questão da propriedade. A primeira iniciativa preservacionista do governo federal foi a
elevação de Ouro Preto a monumento nacional, realizada por decreto em 1933, e o primeiro
órgão federal dedicado à preservação foi a Inspetoria dos Monumentos Nacionais, criada em
1934 e vinculada ao Museu Histórico Nacional. No mesmo ano, Gustavo Capanema assumiu
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o MES, atribuindo aos modernistas a tarefa patrimonial tanto pela sua proximidade com o
movimento quanto pela qualidade da produção de seus integrantes (FONSECA, 2009).
O Estado Novo (1937-1945) integrou o ideário patrimonial no seu projeto de
construção da nação e apelo a uma identidade nacional. Em meio a esse contexto, Capanema
solicitou ao poeta Mário de Andrade que elaborasse, em 1936, um projeto para a criação do
órgão preservacionista federal e suas diretrizes de atuação para proteção do patrimônio. O
projeto tinha peculiaridades em relação ao realizado na Europa, por contar com uma definição
ampla que reunia todo o universo de bens patrimoniais sob a proteção de uma única
instituição. Andrade definiu o Patrimônio Artístico Nacional como “todas as obras de arte
pura ou aplicada, popular ou erudita, nacional ou estrangeira” e, pela amplitude do próprio
conceito adotado de arte como “habilidade com que o engenho humano se utiliza da ciência,
das coisas e dos fatos”, encarava como constituinte desse conjunto a totalidade dos bens
culturais, antecipando a abordagem atual de patrimônio ao considerar significativas todas as
manifestações culturais do homem brasileiro. A noção de arte, definida então próxima da
concepção antropológica de cultura, com ênfase não esteticista, era o elemento unificador da
ideia de patrimônio. As obras eram classificadas em oito categorias: arte arqueológica, arte
ameríndia, arte popular, arte histórica, arte erudita nacional, arte erudita estrangeira, artes
aplicadas nacionais e artes aplicadas estrangeiras. Mário de Andrade considerava que, em
caso de um mesmo bem apresentar valor ao mesmo tempo artístico e histórico, deveria ser
patrimonializado pelo valor histórico, que teria o potencial de “atrair as massas para os
monumentos” (FONSECA, 2009; VILLASCHI, 2008).
Em 1936, o SPHAN foi criado dentro da estrutura do MES, tendo Rodrigo Melo
Franco de Andrade como diretor, Mário de Andrade como assistente técnico em São Paulo,
Lúcio Costa como chefe da Divisão de Estudos e Tombamentos, Carlos Drummond de
Andrade como chefe da Seção de História, entre outros nomes de destaque (FONSECA,
2009). Após um período de funcionamento experimental, o governo federal editou no ano
seguinte o Decreto-Lei nº 25/37, que regulamenta a atuação do órgão. Em comparação ao
projeto de Andrade, o texto efetivamente adotado adota escopo bem mais restrito de bens para
proteção, apresentando a seguinte definição:
Constitue o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e
imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse público, quer por sua
vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor
arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico (BRASIL, 1937, p. 1).
Ainda que a conceituação de patrimônio tenha ficado em aberto, é possível perceber
que o Decreto-Lei coloca toda a ênfase nos bens materiais, ao invés de abranger toda a
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diversidade de manifestações prevista no texto anterior. Considera-se que essa postura foi
fruto da moderação do ministro Capanema, que buscou evitar a asfixia a que o órgão estaria
sujeito se assumisse todas as obrigações que o projeto de Andrade supunha (FONSECA,
2009; VILLASCHI, 2008).
Além das definições conceituais e organizacionais, que já haviam sido equacionadas,
também coube a este decreto-lei equacionar a questão da propriedade, que havia inviabilizado
os projetos anteriores. Apoiando-se no fato de a Constituição de 1934 ter estabelecido um
limite ao direito de propriedade na forma da sua função social, estabeleceu-se um novo
instrumento para a preservação, o instituto do tombamento. Essa nova medida garante a
continuidade do uso e da posse daquele bem ao mesmo tempo em que estabelece a
obrigatoriedade de proteção, criando um compromisso entre o direito individual à propriedade
e o interesse público na preservação enquanto eliminava a onerosa necessidade de
desapropriação. Do ponto de vista legal, a atuação do SPHAN estava então resolvida,
restando a tarefa de legitimá-lo socialmente. Franco de Andrade buscou alcançar esse objetivo
através da fixação de um padrão de trabalho dentro de rigorosos padrões, a incorporação de
quadros qualificados, a imagem de coesão e desvinculamento de interesses partidários e a
defesa intransigente do decreto-lei. Nesse contexto, as diferenças entre o anteprojeto de Mário
de Andrade e o texto adotado de fato não constituem uma oposição incontornável. O recuo na
definição de patrimônio e a atuação centrada nos bens materiais foram medidas motivadas
pela conjuntura da época e, como o tombamento interfere em outros valores (especialmente
econômicos), era necessário fundamentá-lo em critérios juridicamente defensáveis e
socialmente aceitáveis, impondo limites ao “vanguardismo” do órgão (FONSECA, 2009).
O tombamento teve seu nome inspirado na Torre do Tombo, o arquivo público
português, e é empregado continuamente pelo órgão desde então. O atual IPHAN apresenta a
seguinte definição:
É o mais antigo instrumento de proteção em utilização pelo IPHAN e proíbe a
destruição de bens culturais tombados, colocando-os sob vigilância do Instituto. Para
ser tombado, um bem passa por um processo administrativo, até ser inscrito em pelo
menos um dos quatro Livros do Tombo instituídos pelo Decreto: Livro do Tombo
Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; Livro do Tombo Histórico; Livro do
Tombo das Belas Artes; e Livro do Tombo das Artes Aplicadas (IPHAN, 2014A).
O espírito do anteprojeto de Mário de Andrade permaneceu nas diversas publicações
feitas pelo SPHAN sobre as produções populares e regionais e no reconhecimento do seu
valor pelos quadros da instituição. A prática dos tombamentos, porém, concentrou-se nos
remanescentes da arte colonial, ameaçados pela urbanização, pela comercialização com
colecionadores estrangeiros e pelo descaso da população que identificava aqueles bens com
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ideias de atraso. Os quadros do órgão percorreram o país nos últimos anos da década de 1930
pesquisando bens que formariam esse corpo inicial do patrimônio artístico e nacional
brasileiro, privilegiando as áreas onde ocorreram os chamados ciclos econômicos, nas regiões
Sudeste e Nordeste, tendo as regiões Norte e Centro-Oeste sido contempladas apenas na
década seguinte. O conjunto deixa clara uma associação entre identidade nacional, patrimônio
cultural e a experiência colonizadora portuguesa (FONSECA, 2009; MILET, 1988).
A descoberta do barroco e da arquitetura colonial pelos intelectuais do SPHAN não se
deu através do discurso triunfalista oficial, mas pela noção de civilização material, que
considerava aqueles bens na sua relação com o processo histórico de ocupação das diferentes
regiões do país. Essa foi também a justificativa para privilegiar os representantes da herança
cultural portuguesa, pois se considerou que as culturas negra e indígena não haviam deixado
vestígios relevantes. Da mesma forma que o valor histórico era atribuído de acordo com a
historiografia da época, a priorização dos monumentos arquitetônicos religiosos aconteceu
pelo seu número e por uma intenção didática e exemplificativa, uma vez que nessa cultura de
origem latina o templo religioso era enfatizado no tecido urbano e recebia decoração opulenta.
Já o valor de excepcionalidade segundo o qual se selecionava os bens estava relacionado ao
caráter discricionário da patrimonialização. Rodrigo Melo Franco de Andrade afirmava que
essa excepcionalidade deveria ser ajuizada não em comparação com exemplos já consagrados
de outros países, mas com o universo dos bens produzido no Brasil (FONSECA, 2009;
MILET, 1988).
Outro desafio que o órgão precisou enfrentar foi o da legitimação dos seus critérios de
atuação junto à população, que esperava reconhecer no patrimônio valores de beleza e
realidade da nação (numa postura que Alois Riegl já previa, ao afirmar que o conjunto das
pessoas buscava o valor de novidade nos monumentos). O SPHAN, porém, selecionava e
atuava sobre os bens de acordo com critérios que se pretendiam científicos, relacionados à
autenticidade, cujos valores só eram evidentes para um grupo restrito de pessoas. Os quadros
do órgão terminaram, nesse sentido, por se integrar à postura estadonovista de construção da
nação ao esperar que o Estado assumisse o papel de guardião e mediador dos valores
culturais. Seu corpo técnico predominantemente de arquitetos acabou por marcar o conjunto
de tombamentos realizados até os anos 60 por outros critérios, decorrentes da forma e da
leitura que os modernistas faziam da história da arquitetura brasileira. Essa prática se
cristalizou numa espécie de jurisprudência que guiou a atuação do órgão ao longo das suas
primeiras décadas (FONSECA, 2009).
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mantidos à margem da política cultural. Enquanto o SPHAN da fase heroica buscou atingir a
sociedade através de uma campanha de educação popular, a SEC pretendia não só levar em
consideração as necessidades dos diferentes grupos sociais como proporcionar a participação
destes em todos os processos. Buscou-se, assim, legitimar a política de preservação do
patrimônio nos anos 1980 através da participação social, não mais pela seleção rigorosa de
bens de valor excepcional (FONSECA, 2009).
Esse novo discurso de participação foi não só compatível com o momento de abertura
democrática dos últimos governos militares como foi também encampado pela Nova
República iniciada em 1985. O novo período democrático tem mostrado diversas
reorganizações institucionais na área da cultura. Em 1985, a SEC foi substituída pelo
Ministério da Cultura (MinC), que buscou aprofundar a participação da sociedade através da
criação de assessorias especiais, a realização de seminários e a implantação da Lei nº
7.505/1986 (Lei Sarney), de incentivos ficais. Em 1988, a nova Constituição incorporou a
política cultural aos seus artigos 215 e 216, que estabelecem as formas pelas quais o Estado
garantirá o exercício dos direitos culturais. Em 1990, a Lei Sarney foi revogada e
posteriormente substituída pela Lei nº 8.313/1991 (Lei Rouanet), que ao longo do tempo
fortaleceu o mecenato (incentivo a projetos culturais por meio de incentivos fiscais) como
mecanismo de fomento. No mesmo ano, o MinC foi transformado em Secretaria da Cultura,
diretamente vinculada à Presidência da República, e voltou a ser ministério em 1992, situação
em que se encontra atualmente. Ainda em 1990, a SPHAN e a FNpM foram transformadas no
Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural (IBPC), renomeado como o atual Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 1994 (FONSECA, 2009).
A seção da Constituição de 1988 que trata da cultura, alterada pelas Emendas
Constitucionais nº 42/2003, nº 48/2005 e nº 71/2012, é composta pelos artigos 215 e 216, a
seguir:
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e
acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão
das manifestações culturais.
§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e
afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório
nacional.
§ 2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação
para os diferentes segmentos étnicos nacionais.
§ 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual,
visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder
público que conduzem à:
I - defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;
II - produção, promoção e difusão de bens culturais;
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documentação periódica (no mínimo, a cada dez anos) e em ações de fomento e incentivo. Foi
criado também o Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), que busca subsidiar as
ações de registro e realizar um recenseamento mais amplo dessas manifestações. Ao adotar o
conceito de referência cultural, buscou-se também superar a oposição entre patrimônio
material e imaterial (SANT’ANNA, 2009; VILLASCHI, 2008).
Em 2004, o IPHAN foi reestruturado, aumentando o número de superintendências e
sua capilaridade no território nacional. Em 2006, o coordenador do Programa Monumenta,
arquiteto Luiz Fernando de Almeida, foi nomeado presidente do IPHAN e o programa foi
integrado ao Instituto. Esse momento trouxe mudanças significativas para o órgão, por
resgatar sua capacidade de realizar ações de preservação e sua capacidade de investimento,
redimensionar o órgão no arranjo institucional e proporcionar maior articulação e
proximidade com outros ministérios, gerando força institucional. Os resultados obtidos nas
intervenções com financiamento do BID, a repactuação do IPHAN com estados e municípios,
o incentivo ao planejamento urbano e a ampliação do acesso da população de baixa renda a
financiamentos para intervir em imóveis privados foram apontados como pontos positivos do
programa. A seleção de projetos foi encerrada em 2006 e o programa foi prorrogado até 2009,
por ainda contar com obras em andamento (GIANNECCHINI, 2014; SCHICCHI, 2012).
Também em 2009, como parte do Sistema Nacional do Patrimônio Cultural, o debate
atual sobre intervenções em centros históricos foi incorporado ao instrumento do Plano de
Ação para Cidades Históricas, que consiste num planejamento integrado que trate de todas as
potencialidades de cerca de 140 cidades que têm seu patrimônio cultural como elemento
estratégico para o desenvolvimento. O Plano é elaborado por parcerias entre o IPHAN e os
estados e municípios e se diferencia do Programa Monumenta por ser uma ação integrada à
estrutura do Instituto desde o começo, por trabalhar com perspectivas globais que não se
restringem a perímetros tombados ou projetos pontuais e por contar com financiamento
inteiramente estatal. Cabe aos municípios elaborar um plano de execução das medidas, que
são então supervisionadas pelo Instituto (IPHAN, 2009; SCHICCHI, 2012).
Em 1992, com o avanço da discussão sobre a paisagem cultural, a Unesco havia
estabelecido essa figura como uma nova tipologia de reconhecimento de bens culturais. Anos
depois, o IPHAN se alinhou àquele órgão e instituiu, através da Portaria nº 127/2009, a
Chancela da Paisagem Cultural. Os bens que receberão esta chancela são definidos como “[...]
uma porção peculiar do território nacional, representativa do processo de interação do homem
com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram
valores” (BRASIL, 2009, p. 17). Este instrumento se diferencia do registro do patrimônio
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imaterial por não tratar de práticas específicas, mas de modos de vida, formas de estar no
mundo. Exemplos dessas paisagens no país são o sertanejo e a caatinga, o pantanal e o
boiadeiro, o cerrado e o candango, as tradições da mata e as tribos indígenas, entre outros. A
chancela pressupõe um pacto entre o poder público, a sociedade civil e a iniciativa privada
para a gestão compartilhada dessas porções do território (IPHAN, 2014a).
Após o fim do Programa Monumenta, foi lançado em 2009 o Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC) das Cidades Históricas, parte do PAC mais amplo criado pelo governo
federal em 2007. O novo programa sucedeu diretamente ao Monumenta na medida em que
compreendeu investimentos em restaurações, reabilitações e infraestrutura, com a diferença
de que o escopo é restrito a obras e, assim como nos Planos de Ação, o investimento é
completamente oriundo de fontes estatais. Inicialmente, a participação no programa foi
oferecida a 173 cidades com sítios tombados ou em processo de tombamento, mas 44 foram
efetivamente contempladas com obras. Adicionalmente, foi disponibilizado crédito para
proprietários de imóveis particulares em 105 cidades com conjuntos tombados realizarem
reformas por iniciativa própria. Os bens inclusos estão divididos em seis categorias: museus,
instituições de ensino, igrejas históricas, patrimônio ferroviário, equipamentos culturais e
fortes e fortalezas (GIANNECCHINI, 2014; IPHAN, 2013).
A inclusão de uma categoria de bens formada pelo patrimônio ferroviário está em
consonância com um processo mais amplo que se iniciou no IPHAN em 2007, quando foi
encerrado o processo de liquidação da RFFSA com sua extinção pela Lei nº 11.483/2007. O
texto delega ao Instituto a obrigação de “[...] receber e administrar os bens móveis e imóveis
de valor artístico, histórico e cultural, oriundos da extinta RFFSA, e zelar pela sua guarda e
manutenção” (BRASIL, 2007, p. 07), além de preservar e difundir a “Memória Ferroviária
constituída pelo patrimônio artístico, cultural e histórico do setor ferroviário” (BRASIL, 2007,
p. 07).
A enunciação desse termo, feita no parlamento com intervenção das associações de
ferroviários, se utilizou de uma retórica homogeneizante e positiva, de modo a criar uma
história ferroviária estável. A academia, buscando compreender o conteúdo da expressão,
comumente relacionou temas da história da ferrovia, da arquitetura ferroviária e das relações
sociais que se desenvolveram no país durante todo o trajeto desse modal. Até então, o
patrimônio ferroviário era discutido e recebia iniciativas de salvaguarda através do instituto
do tombamento, especialmente a partir dos anos 1980. Essa lei, porém, colocou duas novas
questões: a atribuição de valorar e preservar um conjunto de cerca de 50 mil bens e as
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preservar, sendo necessário coletar e analisar informações que revelem a identidade dos bens;
que a configuração espacial faz forma a principal característica, que se expõe à contemplação,
informa sobre a vida social e é fonte de entendimento histórico; que o estudo dessa
configuração espacial deve considerar a formação histórica, sua morfologia, sua função na
estrutura regional e da cidade, sua dinâmica de uso, produção e apropriação pela sociedade; e
que os bens demandam conhecimento a partir de categorias de análise e técnicas apropriadas
(PROCHNOW, 2014).
Além de colocar um entendimento mais amplo do que o da Lei nº 11.483 sobre o que
constitui a memória ferroviária, incluindo diversas dimensões sociais, históricas e culturais, o
IPHAN estabeleceu também nessa minuta que só passarão para sua responsabilidade aqueles
bens que forem valorados e, só então, requisitados para tal. A minuta dispõe ainda sobre
parâmetros para garantir o uso e conservação dos bens, através de parcerias com entes
públicos ou privados para cessão. Foi colocada a seguinte ordem de prioridade: uso original
ou que faça referência ao transporte ferroviário; uso de função similar e compatível à
atividade de transporte ferroviário; usos ligados à preservação da memória ferroviária (museu,
biblioteca, arquivos); usos ligados a outras finalidades culturais; usos ligados a funções da
administração pública; outros usos, de caráter público, que não representem ameaça à
integridade física do bem. Nesses critérios está presente a continuidade da prática
empreendida pelo PRESERFE nos anos 1980 e 1990 (PROCHNOW, 2014).
Em dezembro de 2010, o IPHAN normatizou definitivamente a questão, tendo com
base a minuta do ano anterior, na forma da Portaria nº 407/2010. A portaria coloca os
parâmetros de valoração e procedimentos de inscrição na Lista do Patrimônio Cultural
Ferroviário (LPCF) e institui a Comissão de Avaliação do Patrimônio Cultural Ferroviário
(CAPCF), composta pelos coordenadores do DEPAM, que tem a atribuição de analisar os
pedidos de inclusão na LPCF realizados pelas superintendências estaduais do IPHAN
(PROCHNOW, 2014).
O texto da portaria criou a LPCF, cuja gestão ficou a cargo da CTPF e em que serão
inscritos os bens ferroviários valorados pela CAPCF. A inscrição dos bens na lista garante a
proteção, “[...] com vistas a evitar seu perecimento ou sua degradação, apoiar sua
conservação, divulgar sua existência e fornecer suporte a ações administrativas e legais de
competência do poder público” (BRASIL, 2010b, p. 39).
Os processos administrativos que solicitam a inclusão de bens na lista são instruídos
nas superintendências estaduais ou na própria CTPF, devem incluir um “[...] parecer técnico
que ateste as reais condições de apropriação social do bem, em especial quanto a sua
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O território que hoje constitui o estado do Piauí foi colonizado a partir do século XVII,
no contexto do ciclo da cana-de-açúcar na faixa litorânea leste do nordeste brasileiro. O
fortalecimento dessa monocultura levou à iniciativa de reservar as áreas mais próximas ao
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litoral exclusivamente para esse fim, tendo como consequência a interiorização da pecuária. O
Rio São Francisco constituiu uma espécie de fronteira, assim, entre as duas atividades, e os
vales dos rios Piauí e Canindé, na atual região central do estado, passou a ser ocupado por
fazendas de criação extensiva de gado. A região era parte do chamado sertão de dentro, a rota
terrestre interiorana entre Salvador e o Maranhão e o Pará. Na década de 1710, foi criada a
Capitania de São José do Piauí, com sua sede administrativa estabelecida entre os dois rios, na
cidade de Oeiras. A permanência desse ciclo econômico centrado na pecuária durante todo o
período colonial levou à consolidação de uma arquitetura despojada, rústica, baseada em
técnicas tradicionais e no emprego de materiais naturais, presentes nos meios urbano e rural
(FIGUEIREDO, 2003; TEIXEIRA, 2014).
No início da década de 1820, quando o rei D. João VI transferiu a sede da Coroa do
Rio de Janeiro de volta a Lisboa, a independência do Brasil era encarada como inevitável. Na
tentativa de manter as regiões mais ao norte sob domínio português, a metrópole enviou
tropas para Oeiras, sob o comando do major Fidié. Após a Proclamação da Independência por
D. Pedro I em 1822, em São Paulo, o movimento pelo desligamento de Portugal ganhou força
gradativamente no Piauí, com Fidié deslocando seus soldados até Parnaíba. Dali, dirigiu-se a
Campo Maior, onde travou em 1823 a Batalha do Jenipapo contra revoltosos, e seguindo para
Caxias, no Maranhão, onde foi cercado e rendido por forças reunidas do Piauí e Ceará. Tal
fato pavimentou o caminho para a adesão definitiva da província ao Império do Brasil e para a
consolidação do poder político de Sousa Martins, futuro Visconde da Parnaíba, na região.
Após a Independência, o Piauí teve também participação na Confederação do
Equador, movimento republicano de 1824 centrado em Recife, e na Balaiada, movimento
iniciado em 1838 em Caxias e que fez oposição ao governo de Sousa Martins, sendo
derrotado definitivamente pelo exército imperial em 1841. Em 1852, a capital foi transferida
de Oeiras para a região da Vila Nova do Poti, às margens do Rio Parnaíba, que foi rebatizada
como Teresina em homenagem à imperatriz Teresa Cristina. A mudança objetivava tirar
proveito da navegação no rio e rivalizar com a influência econômica que Caxias exercia sobre
o Piauí e acabou por contribuir para a estagnação econômica da antiga capital, cujo sítio
histórico conserva muitas das feições coloniais até hoje.
A cidade de Parnaíba, no litoral, teve vocação comercial exportadora desde sua origem
no século XVIII, quando comerciava charque. Posteriormente tratou de produtos como
algodão, fumo, couro, pedras, sementes e, no início do século XX, foi o ponto de embarque de
cera, óleos e amêndoas do extrativismo local para o mercado internacional. Seu sítio histórico
conta com exemplares coloniais importantes, como o Porto das Barcas, o Sobrado Simplício
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Dias e o Sobrado de Dona Auta. Esse contato com outras regiões introduziu novos repertórios
na arquitetura local, dando origem a um ecletismo peculiar que incorporou as referências
externas através do hibridismo com as formas, técnicas, métodos e materiais da arquitetura
tradicional (FIGUEIREDO, 2003; MELO, 2012).
Teresina, Amarante e Pedro II tiveram origem ou passaram por períodos de
desenvolvimento em meados do século XIX, mas constituíram sítios históricos diferentes. As
duas primeiras tinham como base econômica o comércio através da navegação no Rio
Parnaíba, mas Teresina foi dotada de um traçado urbano regular, que buscou posteriormente
modelos urbanos da Revolução Industrial distanciados dos coloniais. Amarante estabeleceu-se
espontaneamente sob a influência dos elementos coloniais e ecléticos, mas com configuração
bastante diversa do núcleo colonial tradicional centrado na praça da igreja matriz. Por sua
relação com o comércio e a navegação, a cidade se formou tendo a avenida que leva ao cais
como espinha dorsal. Já Pedro II, na região serrana do estado, conserva em seu sítio histórico
tanto os traços ecléticos quanto a herança colonial na arquitetura (FIGUEIREDO, 2003).
Capitão de Campos, a 118,5 km a nordeste da capital Teresina, teve origem rural, na
fazenda de Jovita de Sousa Barros. A ocupação da região se deu com o estabelecimento de
comércios nos anos 1930 e se intensificou com a construção da rodovia BR-343, nos anos
1940. A cidade não apresenta um sítio histórico homogêneo ou coeso; a edificação mais
antiga é a Casa de Fazenda da Dona Alemã, erguida no fim do século XIX, único bem
daquele município que conta com proteção legal, sendo tombada a nível estadual. Também
notáveis são o conjunto da estação ferroviária, erguido no início dos anos 1950, a edificação
onde atualmente funciona a biblioteca municipal, construída nos anos 1960 ou 1970 para
abrigar a usina elétrica municipal e uma casa sem data de construção conhecida, que
incorporou alguns elementos da estética da estação e permanece com função residencial.
Todos esses exemplos, inclusive a Casa da Dona Alemã, carecem de documentação,
conhecimento e valoração mais efetivos (IPHAN, 2008b; PIAUÍ, 2016).
No meio rural, o Piauí apresenta casas de fazenda significativas erguidas nos séculos
XVIII e XIX, em municípios como Aroazes, Esperantina, José de Freitas e Oeiras. Essa
arquitetura conta com programas diversificados, que incluem elementos como capela, espaços
de trabalho e moradia de vaqueiro. Os materiais mais tradicionais, ainda empregados em
diversas áreas do estado, são a carnaúba, a pedra e o barro, com exemplares apresentando
estrutura independente em madeira, alvenaria autoportante em adobe ou pedra e, por vezes,
apenas taipa. As plantas geralmente eram retangulares, com telhados de barro ou palha em
duas ou quatro águas, apresentando ainda, como elemento marcante, as varandas e alpendres,
79
Superintendência do IPHAN no Estado do Piauí. Nos anos seguintes, o órgão iniciou vários
inventários e estudos, realizando diversos novos tombamentos na década de 2010. Merecem
destaque, por seu porte e relevância, os tombamentos dos Conjuntos Históricos e Paisagísticos
de Parnaíba, Oeiras e Piracuruca. Atualmente, o IPHAN do Piauí conta com um Escritório
Técnico em São Raimundo Nonato e com um escritório para atendimento ao público em
Parnaíba (IPHAN, 2014b).
No universo dos bens piauienses valorados e protegidos pelo IPHAN por meio do
tombamento a nível federal, constante em tabela no Apêndice A, é possível constatar um
recorte no conjunto dos seis primeiros bens a receberem a medida, ainda à época dos
primeiros tombamentos do órgão. A metade são edifícios religiosos (no caso da Igreja São
Benedito, apenas suas portas) e cinco são remanescentes do passado colonial. Houve um hiato
de mais de 50 anos entre esses primeiros tombamentos, realizados entre 1938 e 1940, e os
demais, posteriores a 1990. Um reconhecimento e salvaguarda mais constante de bens só
ocorreram após a autonomia administrativa do órgão no estado.
Já na relação dos bens piauienses inscritos na Lista do Patrimônio Cultural
Ferroviário, também presente no Apêndice A, percebe-se que foram valorados pelo IPHAN
apenas aquelas edificações que apresentam arquitetura com características formais mais
marcantes: três estações construídas ainda na década de 1920, de tipologia eclética e com
referências à arquitetura produzida na Europa, e outros edifícios acrescentados ao conjunto da
Estação de Parnaíba ao longo dos anos 1940 e 1950, de tipologia Art Déco.
É interessante ressaltar que o conjunto da Estação de Teresina goza de proteção legal
na forma do tombamento a nível federal, da inscrição na Lista do Patrimônio Ferroviário e do
tombamento a nível estadual. A Estação de Parnaíba é protegida tanto pelo tombamento a
nível federal do Conjunto Histórico e Paisagístico de Parnaíba, em cujo perímetro está
situada, quanto pela sua inscrição na Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário. Já a Estação de
Floriópolis, situada também no município de Parnaíba, não goza de nenhuma forma de
proteção legal, mas suas características arquitetônicas únicas justificaram uma intervenção
realizada pelo IPHAN em 2010, em que suas paredes e tetos foram restaurados, acrescentou-
se novas esquadrias e cobertura e criou-se uma praça no entorno, para tornar o espaço atraente
para a comunidade local.
O estado já recebeu, também, intervenções integradas a programas federais. Como
parte do Programa Monumenta, o sítio histórico de Oeiras foi selecionado para receber obras
na Igreja N. Sra. das Vitórias, nas Capelas dos Passos da Paixão, no Museu de Arte Sacra, no
Sobrado dos Ferraz, no Sobrado do Major Selemérico, no Cine-Teatro, no Mercado Público,
81
no Café Oeiras, na Ponte Grande Zacarias de Góis e nas Praças Orlando de Carvalho,
Mafrense e Marechal Deodoro, apesar de nem todas terem recebidos intervenções de fato
(DIOGO, 2009). Já o PAC Cidades Históricas incluiu a restauração do Porto das Barcas, do
Sobrado Simplício Dias, das Igrejas de N. Sra. das Graças e de N. Sra. do Rosário, da Capela
de N. Sra. do Monte Serrate, do Sobrado da Dona Auta, do Casarão da Escola de Direito
Miranda Osório e do Complexo Ferroviário, todos no sítio histórico da cidade de Parnaíba
(IPHAN, 2013b).
A respeito das práticas preservacionistas institucionalizadas a nível estadual,
No Brasil, até os anos de 1970, ainda era vago o interesse público regional na
preservação do patrimônio cultural e, no Piauí, não era diferente. No estado, a
institucionalização do patrimônio se iniciaria em meados da década de 70 por meio
de inúmeras leis e decretos, num reconhecimento da necessidade de proteção dos
seus bens culturais. Esse procedimento estava vinculado aos macros [sic] objetivos
provenientes das recomendações internacionais citadas, das quais o Brasil é
signatário, e que influenciaram na elaboração de políticas públicas em nível federal
que terminaram por auxiliar estados e municípios na missão de salvaguardar seus
bens culturais já que, na maioria dos casos não conseguiam sozinhos fazê-lo
(PEDRAZZANI, 2005, p. 56-57).
Esta situação começou a mudar com os encontros de governadores realizados em 1970
e 1971, em que se colocou a necessidade da esfera estadual atuar em conjunto com a federal
para a preservação. Tais encontros tiveram influência na criação do Programa Integrado de
Reconstrução de Cidades Históricas (PCH), que tinha viés de fomento ao turismo cultural,
especialmente na perspectiva do desenvolvimento de regiões carentes, o que levou a um foco
inicial nas regiões Norte e Nordeste. A partir de 1975, realizou-se estudos para contemplar
Oeiras, Amarante, Parnaíba e Piracuruca e, em 1978, firmou-se um convênio entre o governo
federal e o estadual para execução do Programa Estadual de Restauração e Preservação, parte
do PCH, que objetivava criar infraestrutura adequada para a atividade turística
(PEDRAZZANI, 2005).
Até essa mesma década, só eram alvo de medidas institucionais de preservação no
estado os bens tombados a nível federal, não havendo legislação específica nem órgão
responsável pela salvaguarda do patrimônio de valor regional. Nessa época, incentivou-se
(tanto a nível internacional, nos diversos encontros e cartas, quanto a nível nacional) a
descentralização da política patrimonial e a criação de aparato institucional e legal específico
nas esferas menores da administração pública. No Piauí, duas iniciativas foram tomadas no
ano de 1975: a reestruturação do Conselho Estadual de Cultura (CEC), com a atribuição de
defender o patrimônio cultural e propor medidas ao poder público para tal, e a criação da
Fundação Cultural do Piauí (FUNDAC) pelo governo do estado (PEDRAZZANI, 2005). A
Lei estadual nº 3.320/75, que estabelece sua criação, afirma que
82
O transporte por trilhos é uma criação antiga da humanidade, como atesta o Diolkos,
um trilho de pedra utilizado para o transporte de embarcações por terra próximo à cidade de
Corinto, na Grécia, entre os séculos VI A.C. e I D.C. Ao longo da Idade Média e da Idade
Moderna, sistemas de vagões sobre trilhos foram desenvolvidos de variadas formas, com
operação por tração humana ou animal. Em relação às carroças, que rodavam sobre
superfícies irregulares, esse sistema apresentava a vantagem de que as rodas e trilhos rígidos
permitiam o transporte de cargas muito maiores com a mesma tração. Assim, mostraram-se
ideais para o transporte de grandes densidades de carga, como minérios.
A ferrovia motorizada, um dos símbolos mais marcantes da Revolução Industrial, é
filha tecnológica das minas de carvão do norte da Inglaterra. A locomotiva foi desenvolvida
adaptando-se o já difundido motor a vapor para a tração dos vagões que transportavam o
carvão nas minas, que antes eram deslocados sobre os trilhos por tração animal ou humana. O
novo trem a vapor permitia o transporte de composições mais longas (e, consequentemente,
de maiores cargas) por longas distâncias, sendo primeiramente empregado no transporte da
produção inglesa de carvão, que deu um salto sem precedentes no início do século XIX. A
primeira estrada de ferro pública do mundo a contar com essa nova tecnologia, a Stockton &
Darlington Railway (S&DR), foi inaugurada em 1825 para transporte do minério até o litoral,
iniciando o emprego da locomotiva no transporte de passageiros em 1833 (HOBSBAWM,
2007).
87
ganharam importância nos projetos ferroviários. Iniciou-se nesse período a reflexão crítica
sobre a arquitetura das estações e sobre que caráter esta teria. As atividades foram separadas
em edifícios específicos (frequentemente apresentando partidos arquitetônicos e formas
totalmente diferentes) e aumentou a demanda pela especialização cada vez maior dos
profissionais de projeto, o que gerou a publicação de diversos tratados sobre o assunto a partir
da segunda metade do século XIX, que deixam claro a componente de experimentalismo que
caracterizou a arquitetura ferroviária desde o início (FINGER, 2013).
De natureza eminentemente prática, esses textos discutiam e apresentavam soluções
projetuais para diversas questões, da implantação dos edifícios à organização dos fluxos, e
recomendavam aquelas que julgavam as melhores. A ampla circulação desses trabalhos
contribuiu para a consolidação dessas soluções como “fórmulas” amplamente reproduzidas e
adaptadas pelo mundo. Indicativa desse processo é a terminologia: de ampla variação entre
países e línguas distintos, consolidou-se no Brasil a denominação de “estação” para o edifício
que realiza as funções diretamente relacionadas aos passageiros, de “gare” para a cobertura
das plataformas e de “complexos” ou “pátios” para o conjunto de edificações destinadas a
atender as funções ferroviárias (FINGER, 2013).
Os programas de necessidades passaram por transformações ao longo do tempo.
Depois dos primeiros anos dedicados exclusivamente ao transporte de cargas, a inclusão do
transporte de passageiros no rol das funções dos complexos ferroviários levou seu programa a
se constituir basicamente por quatro eixos: atividades ligadas ao transporte de passageiros
(embarque e desembarque, bilheteria, sala de espera, despacho de bagagens e, posteriormente,
restaurantes, hotéis e outras amenidades); atividades ligadas ao transporte de cargas (carga e
descarga, armazéns e depósitos); atividades ligadas à manutenção e operação (oficinas,
abrigos para locomotivas e vagões, caixas-d’água, armazenamento de combustível,
equipamentos de sinalização, gruas, monta-cargas, entre outras); e atividades administrativas
(escritórios, almoxarifados, dependências para funcionários, entre outras) (FINGER, 2013).
Os tratados apresentavam soluções que buscavam a separação destes eixos de funções
em edifícios distintos, assim como sua implantação buscava separar as funções internas das de
atendimento externo. Os complexos ferroviários acabaram por ser classificados em categorias,
a depender do local de implantação, importância em relação à linha e os serviços que
concentravam. A organização difundida conta com os complexos terminais ou de
extremidade, que receberiam toda a gama de funções; os complexos intermediários ou de
passagem, que seriam divididos em classes de acordo com a importância da localidade e
receberiam apenas parte das funções; e os complexos de entroncamento ou ramificação, que
90
poderiam receber todas as funções por sua localização estratégica e complexidade. Haveria
ainda uma última categoria, situadas em localidades de pouco tráfego: as haltes ou paradas,
que contariam apenas com um edifício simplificado ou mesmo um abrigo. Com o tempo, o
crescimento dos núcleos urbanos em que as ferrovias estavam situadas, a intensificação do
tráfego e o desenvolvimento de materiais levaram a programas mais complexos e aquele
experimentalismo dos primeiros projetos deu lugar a uma maior reflexão sobre o ordenamento
dessa tipologia e o caráter dessa arquitetura (FINGER, 2013).
Beatriz Kühl (1998, p 59) afirma, sobre esse novo tipo arquitetônico, que
A primeira estação ferroviária, Crown Street (1830), em Liverpool, foi construída
por George Stephenson e J. Forster, apresentando características que se tornariam
canônicas em estações posteriores. O edifício principal, de forma retangular, foi
disposto com seu lado maior paralelo à linha e contava com bilheterias, sala de
espera, escritório, e, no primeiro andar, estavam localizadas as dependências do
chefe da estação. As plataformas eram cobertas por tesouras de madeira que
venciam um vão de cerca de 9 metros. [...] O embarque e desembarque de
passageiros, em ambas as estações, era feito de um dos lados da linha, através da
edificação retangular. Essa solução foi amplamente utilizada em estações nos vários
países na primeira década da expansão ferroviária [...], transformando-se na solução
mais natural a ser empregada nas estações intermediárias e de passagem.
Figuras 11 e 12 – A Crown Street Railway Station, em gravura de 1833; o interior da London Paddington
Station,(construída em 1854 e retratada aqui em 1965) ilustrando as novas possibilidades formais e técnicas da
arquitetura do ferro. Ambas deixam transparecer a busca por vencer grandes vãos na área de embarque.
Figuras 13 e 14 – Esquema de fluxo ideal para estações intermediárias; principais esquemas de implantação
adotados em estações intermediárias
Figuras 15 e 16 – Esquema de zoneamento ideal para estações terminais; principais esquemas de implantação
adotados em estações terminais
metal e vidro, marcando a cobertura na fachada; os pórticos, que enfatizavam a ideia de “porta
de entrada”; os grandes vestíbulos e saguões, comparados a foyers de teatro pela característica
como ponto de encontro; a proeminência do relógio, que projetou o controle do tempo da
atividade ferroviária ao ritmo geral das cidades e contribuiu para firmar as estações como
marcos urbanos (FINGER, 2013).
Com relação à ornamentação, após esse primeiro período de aplicação de estilos
históricos, os tratados de meados do século XIX recomendavam que as estações dos grandes
centros urbanos adotassem os estilos dos edifícios daquelas cidades, enquanto as de menor
porte deveriam receber tratamento mais simplificado. É desse período a Gare Du Nord (Paris,
1861-4), que conta com marquise metálica e fechamentos de metal e vidro, ao mesmo tempo
em que apresenta grandes colunas jônicas ladeando as aberturas. Já aquelas implantadas em
localidades menores ou no campo poderiam empregar o molde dos chalés rurais, pois
permitiriam cobrir as plataformas de embarque com seus beirais largos sem a necessidade de
estruturas independentes para as coberturas (FINGER, 2013).
Figuras 19 a 22 – Gare D’Orsay (1900), em Paris, projeto de Victor Laloux, Lucien Magne e Émile Bénard;
Paddington Station (1854), em Londres, projeto de Isambard Brunel e Matthew Wyatt; Gare Du Nord (1861-
1864), em Paris, projeto de Jacques Hittorf; pequena estação construída no vale do Rio Reno, na primeira metade
do século XIX, em forma de chalé.
A arquitetura ferroviária passou por uma renovação no final do século XIX, com a
popularização de linguagens como o Art Nouveau e as discussões sobre pureza formal que
influenciaram posteriormente o Movimento Moderno. Desse período, destaca-se a Estação de
Karlsplatz (Viena, 1894), de Otto Wagner, que conta com superfícies planas e tira partido do
“estado natural” dos materiais, especialmente o ferro (FINGER, 2013).
Figuras 24 e 25 – A Estação Central de Stuttgart (1927), projeto de Bonatz e Scholer; a Estação Central de
Helsinque (1904-1919), projeto de Eliel Saarinen.
Fontes: http://4.bp.blogspot.com/_Ci2BjNP9jjA/TKd7TxNL-
CI/AAAAAAAABG8/r1fxmEyrOC0/s1600/Stuttgart_hbf1.jpg. Acesso em: 19 out. 2016.
http://edition.cnn.com/2013/05/07/travel/five-train-stations-worth-a-stop/. Acesso em: 09 ago. 2016.
No período entre guerras, elementos do Estilo Internacional, como as formas
geometrizadas simplificadas e os panos de vidro, foram assimilados em algumas estações,
96
Figuras 26 e 27 – A Estação Santa Maria Novella em Florença (1934-1936), projeto de Giovanni Michelucci; a
Estação de Versailles-Chantiers (1931-1933), projeto de A. Ventre.
Figuras 28 e 29 – A Estação Guia de Pacobaíba, a mais antiga do Brasil, em 2013; trem no cais que funcionava
como parte da estação, em foto sem data.
A arquitetura foi impactada pela influência das formas dos edifícios ferroviários e
também pelos produtos industriais que, antes restritos a cidades portuárias como Rio de
Janeiro, Recife e Salvador, passaram a ser transportados por trem até localidades do interior.
O ecletismo entrou no Brasil na segunda metade do século XIX, quando já era alvo de críticas
na Europa, adquirindo aqui caráter de símbolo de modernidade, pelo distanciamento formal
das referências coloniais e pela “atualização tecnológica” representada pela incorporação de
materiais e técnicas industriais. A arquitetura ferroviária teve papel importante nesse processo
de popularização da linguagem eclética e dos novos materiais e técnicas, introduzindo a
alvenaria de tijolos cozidos maciços, o cimento, as telhas do tipo Marselha, folhas de flandres
e cobre para calhas, rufos e condutores, vidros decorados, azulejos e ladrilhos hidráulicos.
Esses elementos passaram a ser também importados e, posteriormente, produzidos no Brasil,
sendo adotados na arquitetura privada. No início do século XX, processo semelhante ocorreu
também com o concreto armado e o Art Déco (FINGER, 2013).
Como a tecnologia ferroviária foi importada para o Brasil já depois de desenvolvida e
consolidada na Europa, os edifícios construídos na implantação das primeiras linhas repetiram
em grande medida os modelos externos. As atividades desenvolvidas nos primeiros
complexos ferroviários brasileiros seriam, assim, divididas nos mesmos quatro grupos: as
ligadas ao transporte de passageiros, as ligadas ao transporte de cargas, as ligadas à
manutenção e operação da linha e as ligadas às atividades administrativas. Estas atividades
estavam dispostas ao longo das linhas de modo a otimizar a mão de obra, agrupadas em torno
de pátios. Como muitas vezes as linhas implantadas passavam por locais isolados, distantes de
núcleos urbanos, em diversas situações houve a necessidade de instalar trabalhadores em
lugares ainda desabitados, constituindo assentamentos que, algumas vezes, deram origem a
novos povoados e cidades e, em outras, foram abandonadas (FINGER, 2013).
Também como na Europa, os complexos ferroviários seguiram a lógica de se
estruturar conforme sua importância e posição na linha, podendo ser classificados em
complexos terminais, intermediários ou de entroncamento. Havia também as oficinas de
manutenção com equipe técnica permanente, situadas em algumas localidades onde houvesse
maior demanda por esse serviço ou maior disponibilidade de mão de obra. Esse esquema de
organização foi amplamente empregado no país no primeiro século de instalação de ferrovias
e permaneceu mesmo depois da criação da RFFSA (FINGER, 2013).
No início da implantação, percebe-se que a maioria dos complexos eram pequenos e
construídos de forma precária, sendo posteriormente ampliados ou, mesmo, reconstruídos
quando aumentava a demanda. Com frequência, também se observa simples paradas, como as
102
haltes dos tratados ferroviários. Consistiam em um único edifício, simplificado, muitas vezes
apenas um abrigo para embarque e desembarque, a exemplo da Estação de Floriópolis, em
Parnaíba, no Piauí (FINGER, 2013).
Figuras 31 a 34 – A Estação de União dos Palmares – AL, em 2005; a Estação de Capanema – PA, em 1907; a
Estação Matador, em Rio do Sul – SC nos anos 1930; a Estação de Cocal – PI em 2016.
Fontes: http://www.estacoesferroviarias.com.br/. Acesso em: 24 out. 2016. Acervo de André Castelo Branco,
2016.
O modelo unilateral foi empregado por todo o país, em estações de linhas, portes e
regiões distintas, como a Estação de Cruzeiro – SP, a Estação da Luz, em São Paulo, a
Estação Guia de Pacobaíba, no Rio de Janeiro, e a Estação de Teresina, no Piauí. A maior
variação acontecia na planta, quando a estação agregava também a moradia do chefe da
estação no mesmo edifício. Nesses casos, encontra-se plantas em forma de T e L. Um outro
modelo também adotado com certa frequência foi o bilateral, com o edifício de passageiros de
um lado da linha e o armazém do lado oposto, por vezes contando com uma gare interligando
os dois, a exemplo da Estação de Ipu (FINGER, 2013).
104
Figuras 37 e 38 – A Estação Avenida, em Campos de Goitacazes – RJ; a Estação General Cordeiro, em Sabará –
MG.
Figuras 39 a 42: A Estação de São João Del-Rei – MG; a Estação da Luz (São Paulo – SP); a Estação de
Mairinque – SP; a Estação Dom Pedro II ou Estação Central do Brasil (Rio de Janeiro – RJ).
Figuras 43 e 44 – A Estação de Teresina, que conta com espaços habitacionais no segundo e terceiro pavimentos;
a Casa do Agente, pertencente ao mesmo conjunto.
percebe-se que os materiais tradicionais foram utilizados em conjunto com os da era industrial
em diversos casos, nunca deixando totalmente de ser utilizados (FINGER, 2013).
De maneira geral, a arquitetura ferroviária brasileira apresenta poucas variações
tipológicas e funcionais, basicamente reproduzindo os modelos europeus. Porém, há uma
significativa diversidade formal, decorrente dos diferentes materiais, linguagens e
composições adotados. Após o primeiro momento de experimentalismo e de edifícios simples
construídos com o mínimo investimento necessário, muitas ferrovias passaram por um
aumento da demanda, com o crescimento das cidades que serviam e com suas estações
assumindo o status social de porta de entrada e ponto de encontro. Dessa forma, houve
diversos casos de reconstrução completa de edifícios, visando resolver essas novas questões
funcionais e simbólicas (FINGER, 2013).
Uma particularidade das estações brasileiras, em relação às europeias, é o fato de
terem mantido a separação formal entre espaços de serviços para passageiros e espaços para
carga e embarque. As estações de passageiros receberam tratamentos diferenciados, conforme
sua importância. Nas grandes cidades, nas pontas de linha e nos entroncamentos (estações de
1ª classe), as estações costumavam ser de maior porte e receber tratamento técnico e estético
mais trabalhado. Já nas demais, de 2ª e 3ª classe, recebiam tratamento mais simplificado e a
maioria foi inspirada no modelo de chalé rural, com telhado de duas águas projetado sobre a
plataforma. Algumas das estações construídas por empresas brasileiras ou inglesas contavam
também com gares, estruturadas inicialmente em madeira e, posteriormente, em ferro
(FINGER, 2013).
O repertório formal das estações brasileiras formou-se com base numa tentativa de se
integrar ao discurso de progresso e de aproximação com os grandes centros da Europa, além
de algumas tentativas, por parte das empresas que administravam as primeiras linhas, que
constituir identidade formal própria. Esse viés ideológico e a chegada dos novos materiais
industrializados foram determinantes para a adoção do ecletismo como “estilo oficial” desses
edifícios no país durante o século XIX. Essa hegemonia foi rompida depois do advento do
concreto armado, empregado de forma pioneira na Estação de Mairinque. O material ofereceu
novas possibilidades formais, viabilizando o Art Déco que seria largamente adotado nas
linhas administradas pelo Estado na época de Vargas (1930-1945), a exemplo de outros
edifícios públicos. Após a 2ª Guerra Mundial, assim como na Europa, também no Brasil as
estações assumiram a linguagem do Movimento Moderno, abandonando as referências
históricas e se aproximando formalmente das demais tipologias arquitetônicas (FINGER,
2013).
109
Média anual
Período Crescimento (km) Rede total (km)
(km/ano)
1854 – 1870 744 44 744
1871 – 1890 9.228 266 9.972
1891 – 1910 11.352 568 21.324
1911 – 1930 11.152 558 32.476
1931 – 1954 4.539 189 37.015
Fonte: IBGE, 1954.
110
Fonte: Elaborado por André Castelo Branco, 2016, a partir de planta produzida pela Inventariança da RFFSA em
1959, presente na Estação João Pessoa, em São Luís – MA, e publicada em VIEIRA, 2010.
Também nas formas e materiais essas primeiras estações reproduziram os chalés
rurais. Sua volumetria prismática simples, a partir da planta retangular disposta paralelamente
aos trilhos, recebe cobertura em telhado de duas águas, com amplos beirais protegendo as
plataformas. Os embasamentos, cunhais e molduras das aberturas apresentam relevos
reproduzindo as formas de grandes blocos de alvenaria. Todas as estações da linha
apresentam um dístico no frontão, composto geralmente pela sigla EFCP, o nome da estação e
o ano em que se supõe que tenha sido construída. As estações de Parnaíba e Luís correia
apresentam frontão com entablamento de cornijas, em formato triangular, com o dístico ou
centro; já Cocal e Piracuruca estendem o mesmo acabamento das demais paredes ao frontão.
As esquadrias, em madeira, frequentemente apresentavam almofadas ou venezianas. Em
Parnaíba e Piracuruca, as aberturas são em arco pleno, apresentando bandeiras com
fechamento em gradil ou madeira. Em Cocal e Luís Correia, as esquadrias têm vergas retas.
Nessas construções, foram empregados materiais industriais até então novos no estado, como
o tijolo maciço de cerâmica cozida e a telha plana (conhecida como telha Marselha ou telha
Pará). O aspecto de chalé era reforçado também, pelo menos no caso de Parnaíba, por
lambrequins aplicados ao longo dos beirais nos quatro lados da estação, hoje perdidos. Esses
materiais e o cromatismo amarelo, que foram adotados ao longo da linha, influenciaram a
arquitetura das residências particulares das cidades por onde passou.
121
Figuras 52 a 55: As primeiras estações da EFCP, construídas entre 1920 e 1923. A partir de cima, à esquerda, e
em sentido horário: Piracuruca, Parnaíba, Cocal e Luís Correia.
Fontes: Foto de Piracuruca: acervo de Neuza Melo, 2014. As demais: acervo de André Castelo Branco, 2016.
Destoa do conjunto a estação de Floriópolis (Figuras 56 a 58), construída em Parnaíba
entre a sede daquela cidade e Luís Correia, também nesse primeiro trecho. Estudos do IPHAN
apontam que sua construção se iniciou ainda na década de 1910, possivelmente entre 1916 e
1920, e sua inauguração foi em 1922. A edificação apresenta algumas peculiaridades. Tem
estrutura em concreto armado, sendo um dos primeiros exemplos do uso do material no Piauí.
A armação do concreto é feita com trilhos, como evidenciado por um pequeno pedaço
remanescente de uma viga que colapsou. Apesar de sua pequena dimensão, com configuração
semelhante às haltes dos manuais europeus, Floriópolis recebeu um acabamento bastante
elaborado, com argamassa marmorizada, relevos que antecipam alguns elementos Déco,
fachada com motivos geométricos remetendo ao clássico e simetria rígida, além de pinturas
em seu interior e do piso em ladrilho hidráulico (IPHAN, 2008b).
Por esses elementos significativos, a estação passou em 2010 por uma intervenção
para restauro e consolidação estrutural, em que se recebeu tratamento como monumento
contemplativo pela dificuldade de dar uso à sua pequena área. Foi construída uma área
pavimentada no seu entorno imediato, com a instalação de bancos. Não se conseguiu levantar
122
a informação precisa de como teria sido sua cobertura original, de modo que se construiu uma
cobertura metálica que marcasse o caráter de adição posterior. Para conhecimento do bem, foi
instalado em sua frente um painel contando sua história, hoje arrancado. Ainda em frente à
estação, encontra-se a casa onde residiu o engenheiro Miguel Furtado Bacelar, responsável
pela construção da linha, que foi ocupada posteriormente pelo chefe da estação. Esta casa
também é única no conjunto das residências da EFCP, pela referência às tradicionais casas de
fazenda piauienses na sua grande varanda que faz a transição entre o exterior e o interior em
toda a sua frente.
elementos decorativos e sem ritmo marcado das aberturas. Altos é ainda mais simplificada,
com a peculiaridade de ter a cobertura da plataforma alpendrada, mas próxima à do corpo do
edifício. Já as estações da linha da RVC são mais simples que a de Altos, contando com
beirais curtos, alpendre estruturado por trilhos apenas de um lado, aberturas com vergas retas
e sem ritmo demarcado.
cidade a empregar esse material. Há esquadrias altas, em madeira e vidro, com venezianas, o
piso é de ladrilho hidráulico e as escadas são de madeira. Seu cromatismo amarelo e marrom,
bem como os novos materiais, foi assimilado pela arquitetura local. Compõem o conjunto os
dois armazéns, locados também paralelos à linha, a casa do agente, no lado oposto aos trilhos,
e a oficina, próxima ao limite norte do terreno. A área livre, que não foi empregada na
expansão do pátio, recebeu o Parque Estação Cidadania, inaugurado em 2016.
seguindo a mesma linguagem, varandas com balaustradas, além de serem bastante sólidas e
alteadas em relação ao solo, garantindo proteção contra a água das chuvas.
Figuras 66 e 67: Vila ferroviária em Parnaíba; vila ferroviária no povoado Miradouro, em Campo Maior – PI.
Bagagens e Mercadorias
Ano Passageiros Animais
encomendas (kg) (kg)
1927 51.023 264.892 3.998 6.177.661
1928 39.352 218.137 1.616 4.491.146
1929 26.648 117.490 802 3.697.174
1930 (até
12.821 54.352 365 1.804.289
junho)
Fonte: VIEIRA, 2010.
126
Nos anos 1930, iniciou-se um novo ciclo no país, com a chegada de Getúlio Vargas ao
poder central. A Crise de 1929 se fez sentir no país e as consequências para o setor ferroviário
foram relevantes. O governo federal, comandado por Getúlio Vargas de 1930 a 1945, realizou
a estatização de diversas linhas para mantê-las em funcionamento, mudou o foco dos
investimentos para a rodovia e incentivou a industrialização do país (VIEIRA, 2010).
No Piauí, nessa década, houve a lenta expansão da EFCP. O projeto original,
publicado em mapa pelo Ministério da Viação e Obras Públicas em 1913, previa que os
trilhos seguissem de Piracuruca para oeste, passando pelas cidades de Batalha, Barras e
Campo Maior. Desse modo, percorreriam a zona produtora de carnaúba do vale do Rio dos
Matos e regiões com fazendas importantes próximas ao Rio Longá. As razões da mudança de
traçado em direção ao sul, servindo as cidades de Brasileira e Piripiri, não são conhecidas,
embora seja provável que estejam relacionadas ao papel desta última cidade como região
concentradora de produção (papel que ainda cumpre, como entroncamento rodoviário) e pela
sua expressiva produção agrícola própria, também no vale do Rio dos Matos (IPHAN,
2008b).
O trecho em Brasileira e Piripiri foi entregue em 1937 e passou mais de duas décadas
tendo ali sua ponta de linha. A EFSLT, que havia chegado a São Luís a partir de Caxias em
1915, foi finalmente concluída em 1939 com a inauguração da Ponte João Luís Ferreira sobre
o Rio Parnaíba, entre Teresina e Timon. A linha Petrolina – Teresina da VFFLB, cujo
primeiro trecho (entre Petrolina e Pau Ferro, em Pernambuco) havia sigo inaugurado em
1923, chegou às cidades piauienses de Acauã e Paulista (hoje Paulistana) em 1936 e 1938,
respectivamente. Ao longo da década, o protagonismo de Parnaíba no comércio do estado
começou a declinar, com a produção sendo gradativamente reorientada para os estados
vizinhos através das rodovias, ao invés do litoral. No fim dos anos 1930, o Piauí contava com
191 km da EFCP e cerca de 40 km da VFFLB, enquanto a rede rodoviária do estado havia
chegado a 7.324 km em 1937. No mesmo ano, foram entregues 181,5 km da rodovia que
ligaria Teresina a Fortaleza, chegando até Campo Maior. Previa-se que a estrada chegaria a
Piripi em 1940 (IBGE, 1954; VIEIRA, 2010).
Nos anos 1940, a rede ferroviária do estado não foi mais expandida. Após a ligação
férrea entre Teresina e São Luís ser efetivada em 1939, a EFCP foi vinculada
administrativamente à EFSLT, permanecendo com sede na capital maranhense até 1946.
Nesse período, o complexo ferroviário de Parnaíba começou a ser expandido, com a
construção de um posto médico, novos armazéns e, posteriormente, um almoxarifado e novo
escritório. A importância das cidades do norte do estado para o comércio começou a diminuir,
127
por motivos que incluíam as mudanças nos mercados internacionais após o fim da 2ª Guerra
Mundial (1939-1945), a possibilidade de escoar cargas a partir de Teresina para São Luís e a
crescente importância e penetração da rede rodoviária (IPHAN, 2008b).
O projeto do trecho ferroviário que passa em Piripiri, Capitão de Campos, Cocal de
Telha e Campo Maior foi elaborado pelo Departamento Nacional de Estradas de Ferro
(DNEF) e aprovado em 1943. Sua construção ficou a cargo da representação do DNEF no
Piauí, sendo executada por empreitada a partir de 1947. Em 1955, através de um convênio
firmado entre o Ministério da Guerra e o Ministério da Viação e Obras Públicas, os trabalhos
foram entregues ao 4º Batalhão de Engenharia de Construção (BEC), sediado em Crateús –
CE e, posteriormente, ao 2º BEC, instalado em 1958 em Teresina (VIEIRA, 2010).
Na década de 1950, paralelamente ao investimento na indústria automobilística e na
expansão da malha rodoviária do país, o governo de Juscelino Kubitschek (1956 – 1961)
buscou modernizar o sistema ferroviário brasileiro, que gerava custos para os cofres públicos
pelo seu déficit. Para isso, criou a RFFSA em 1957, através da fusão de diversas linhas
regionais, incluindo a RVC, a EFSLT e a EFCP. A nova empresa buscava, através da
centralização da gestão e do planejamento alinhado às estratégias globais do governo federal,
modernizar a rede e torná-la eficiente e rentável. Uma das medidas tomadas foi a identificação
dos ramais antieconômicos, que seriam desativados (VIEIRA, 2010).
Em pronunciamento de 1955, o senador piauiense Mendonça Clark fez um apanhado
dos problemas que acometiam a EFCP, citando as baixas velocidades desenvolvidas, a pouca
potência das locomotivas a vapor, que limitavam sua capacidade de carga, e as más condições
de conservação das linhas e do material rodante, causados pelo estrangulamento dos recursos
investidos. A rede rodoviária do Piauí contava, em 1956, com 9.555 km de estradas ao todo,
quase inteiramente apenas com revestimento primário. Em 1959, um estudo realizado a
pedido da União recomenda a construção de uma rodovia federal paralela ao traçado da
EFCP, mas sem sua desativação imediata, que poderia prejudicar o comércio das ceras e óleos
naturais, que permanecia relevante. Como a linha vinha sendo considerada antieconômica, o
engenheiro Alberto Silva, então seu diretor, elaborou em 1961 um estudo com o objetivo de
reivindicar junto ao governo a compra de duas locomotivas a diesel, que contribuiriam para
sanear as contas da linha (VIEIRA, 2010).
Em 1962, com o início da operação do trecho Piripiri – Campo Maior, o 2º BEC
publicou um relatório dos trabalhos realizados ali, entre 1955 e 1961. Segundo o documento,
foram edificados 77,398 km de via, 11 pontes, 39 casas para funcionários agrupadas em 7
pontos (Tabocas, São Joaquim, Estação de 4ª Classe de Capitão de Campos, Cocal de Telha,
128
Figura 68: Toda a rede que a RFFSA instalou no estado e os municípios por onde passa.
Fonte: Elaborado por André Castelo Branco, 2016, a partir de IPHAN, 2008b.
Consta nos guias ferroviários que o tráfego de passageiros nas linhas de Teresina a
Luís Correia e a Fortaleza ocorreu até o ano de 1979, embora outras fontes coloquem a data
de 1987. A antiga pretensão parnaibana do porto e da ferrovia como obras irmãs que
impulsionariam o comércio a partir do norte do estado nunca se concretizou. O porto
marítimo de Luís Correia foi projetado nos anos 1960 e as obras iniciaram em 1976, sendo
paralisadas em 1986, retomadas em 2008 e paralisadas novamente em 2011. Há diversas
denúncias de irregularidades e muitos materiais e equipamentos deixados no local sofreram
deterioração. A RFFSA foi incluída no Programa Nacional de Desestatização dos anos 1990,
sendo realizado o leilão da malha nordeste em 1997. No ano seguinte, começou a operar a
Companhia Ferroviária do Nordeste (CFN), atual Ferrovia Transnordestina Logística (FTL),
que tem a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) como um dos principais acionistas.
Atualmente, as concessões são reguladas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres
(ANTT) (IPHAN, 2010; VIEIRA, 2010).
A linha entre Teresina e o litoral teve o serviço interrompido e os funcionários foram
desmobilizados em 1994. A FTL segue operando desde então no transporte de cargas entre os
130
estados do Maranhão, Piauí e Ceará, utilizando os trilhos da EFCP até Altos e dali seguindo
pelos municípios de Coivaras, Alto Longá, Novo Santo Antônio, Castelo do Piauí e Buriti dos
Montes, alcançando então Crateús, no Ceará, e chegando a Fortaleza através de Sobral
(Figura 69). A partir dali, a rede também concedida à FTL alcança o estado da Paraíba e, a
partir dele, também o Rio Grande do Norte, Pernambuco e Alagoas. Com exceção de Altos, a
via piauiense da FTL não passa por dentro dos principais núcleos urbanos.
Figura 69 – Parte da malha em operação pela FTL, nos estados do Maranhão, Piauí e Ceará.
Fonte: http://www.csn.com.br/irj/go/km/docs/csn_multimidia/transnordestina/imagens/mapaTLSApeq.jpg.
Acesso em: 31 out. 2016.
132
As informações sobre a cidade de Capitão de Campos são esparsas, assim como sobre
o advento da ferrovia no local. Sabe-se que a povoação no local teve origem na fazenda de
Jovita de Sousa Barros, à qual se seguiram as casas de Sesoste Manoel de Araújo e de Manoel
Lopes. Em 1935, o comerciante Acelino Coelho de Rezende, vindo de Piripiri, instalou-se na
região e estabeleceu um comércio, que prosperou. Após o traçado da rodovia BR – 343, em
1943, seu empreendimento foi ampliado para abranger farmácia, bar, posto de gasolina e um
outro galpão livre. A povoação cresceu, com a vinda de mais pessoas, e prosseguiu-se às
articulações para sua emancipação como município, instalado em 1957 (IBGE, 2016b;
IPHAN, 2008b).
Capitão de Campos foi servida pela rodovia antes da ferrovia, que foi implantada ali
antes da emancipação do município. A via que passa pela cidade faz parte do trecho Piripiri –
Campo Maior, construído pelo DNEF a partir de 1947 e depois pelo 2º BEC a partir de 1955,
encerrando-se os trabalhos em 1961. Segundo o relatório dos trabalhos e o termo de
recebimento do trecho, elaborados pelo 2º BEC, o conjunto de Capitão de Campos é
caracterizado como de 4ª Classe, está situado no quilômetro 28 do trecho e conta com a
Estação de Passageiros (155,76 m²), uma Casa de Agente (85,07 m²), uma Casa de Feitor
(61,33 m²), uma Casa de Guarda-Chave (61,33 m²), quatro casas para outros trabalhadores
(totalizando 221,92 m²), uma caixa d’água de 25.000 L e um poço tubular com bomba (2º
BEC, 1962 apud VIEIRA, 2010).
Para a realização da pesquisa, realizou-se uma entrevista com o senhor Pedro Veras,
funcionário aposentado da RFFSA. Natural de Luís Correia, Veras foi contratado pela Rede e
lotado em Capitão de Campos em 1962, quando a ferrovia foi implantada no local, tendo
trabalhado na manutenção da estrada de ferro desde então e permanecido na função até 1994,
quando a empresa encerrou suas operações.
Segundo Veras, havia 10 funcionários trabalhando na estrada de ferro naquela
localidade, sendo oito responsáveis pela manutenção, um feitor, que coordenava o trabalho
dos oito, e um mestre de linha, responsável pelos oito e pelo feitor. Os oito funcionários
deslocavam-se até 10 km acima ou abaixo da estação em trolleys, em grupos de quatro,
enquanto o mestre de linha contaria com um trolley próprio, diferenciado. Por vezes, o
veículo, que pesaria cerca de 60 kg, precisaria ser tirado manualmente dos trilhos pelos
trabalhadores para evitar colisões com um trem que se aproximava. Um dos oito operários
seria um manobrista, encarregado de mover, também manualmente, os trilhos que fariam o
133
trem seguir por uma ou outra via das duas que havia no pátio. A via seria duplicada dessa
forma para acomodar trolleys e um “trem de lastro”, que operaria na manutenção da linha.
Ainda segundo o ex-ferroviário, havia dois trabalhadores na estação de passageiros:
um guarda, responsável pela segurança, e um agente, responsável pela venda de bilhetes,
operação do telégrafo e demais operações relativas aos passageiros. No trem, haveria três
funcionários responsáveis por carregar bagagens e conferir bilhetes, dois guarda-freios
responsáveis pela frenagem, um foguista responsável por abastecer a caldeira e um maquinista
responsável pela operação da locomotiva. Com o advento da locomotiva a diesel, o foguista
teria sido substituído por mais um maquinista.
Para evitar incêndios, as casas com cobertura de palha teriam sido proibidas e as já
existentes, demolidas na faixa de domínio da ferrovia, que seria de 15 m. Os trens seriam
diários, de segunda a sábado, fazendo o percurso de Teresina a Luís Correia em um sentido
num dia e no sentido oposto no dia seguinte. As composições teriam em média oito vagões,
sendo metade para carga e metade para passageiros. Veras se recorda de trens carregando
gado, mas não babaçu ou carnaúba (que, na sua lembrança, seria transportada
majoritariamente por caminhões).
Quando do fim da operação da RFFSA no local, em 1994, Veras relata que os
operários da Rede foram removidos das residências, que permaneceram fechadas. Ao longo
dos anos seguintes, algumas pessoas teriam pedido a uma pessoa ligada à Rede (um
engenheiro, segundo Veras) para se instalar temporariamente nas residências dos ferroviários,
enquanto não conseguissem construir uma residência para si. Teriam obtido essa autorização
“informal”, permanecendo, desde então, instaladas ali.
No mesmo dia, foi também realizada uma entrevista com Maria Luana Freitas,
moradora local, que relatou a construção de diversas residências e pequenos comércios no
entorno do conjunto ferroviário, mas em momento posterior à sua implantação. Na residência
de seu pai, vizinha à estação de passageiros, vê-se ainda uma das estacas de madeira do
cercamento original da faixa de domínio, bem como os vestígios de uma placa, possivelmente
de indicação quilométrica.
Atualmente, tanto a estação de passageiros quanto as cinco residências estão ocupadas
irregularmente por famílias, a casa de bomba está em ruínas e o abrigo de ferramentas anexo à
estação é usado para criação de animais.
134
Figuras 71 e 72: A localização de Cincinnati (ponto vermelho) nos EUA; vista do Union Terminal com o jardim,
o saguão de passageiros e as plataformas
cascata e espelho d’água com linhas geométricas, dialogando com o edifício. O arco da
fachada é uma espécie de tímpano da rotunda central do edifício, um meio-domo de quase 55
metros de diâmetro, que era o único do hemisfério ocidental e o maior do mundo à época de
sua construção (hoje superado pela Sydney Opera House), cujo tambor é revestido
internamente por dois grandes mosaicos representando a história dos transportes e da cidade
de Cincinnati. Os trilhos estavam implantados paralelamente ao volume formado pela rotunda
e pelas alas laterais; o acesso às oito plataformas com capacidade para 216 trens diários se
dava por um saguão perpendicular, decorado com 16 grandes mosaicos em pastilha de vidro,
cada um representando um setor da economia importante para a cidade. O complexo incluía
salão de beleza, livraria, cinema, loja de brinquedos, banca de jornal, lanchonete, sala de chá,
salas de jantar, lounges com banheiros, entre diversas outras amenidades que geraram a
alcunha de “uma cidade dentro da cidade” (CINCINNATI HISTORICAL SOCIETY, 2002;
CINCINNATI MUSEUM CENTER, 2014; SKARMEAS, 2008).
137
Figuras 73 a 77 – Fachada do Cincinnati Union Terminal; o interior da rotunda; o interior do lounge das
mulheres; detalhes de dois dos mosaicos do saguão.
anos seguintes. O número de passageiros veio a subir novamente na década de 1940, quando
soldados ativos na 2ª Guerra Mundial deslocavam-se através da estação para os diversos
teatros de operações, chegando ao pico de 34 mil passageiros diários em 1944, incluindo os
civis sujeitos a racionamentos de combustível. O momento de prosperidade pós-guerra
ocasionou a disseminação do automóvel e, com a consolidação do sistema de rodovias
interestaduais e o crescimento do transporte aeroviário, a ferrovia entrou em declínio
novamente. Em 1953, o terminal recebia 51 trens diários, número que diminuiu para 24 em
1962 e para apenas dois em 1972 (CINCINNATI HISTORICAL SOCIETY, 2002;
CINCINNATI MUSEUM CENTER, 2014; SKARMEAS, 2008).
Buscaram-se alternativas para viabilizar economicamente a continuidade da edificação
ainda nos anos 1950, com a primeira proposta de reuso parcial realizada em 1968, o
Cincinnati Science Center, que instalou exposições ao longo da área sul do saguão de
passageiros. Em 1971, foi criada nos EUA a estatal Amtrak, que assumiu o controle das
ferrovias do país e operou o terminal naquele primeiro ano, até construir uma estação menor
em outra área da cidade, encerrando então as atividades do edifício histórico. A estação foi
incluída no Registro Nacional de Lugares Históricos em 1972 e declarado um marco histórico
nacional em 1977. Em 1974, a empresa Southern Railway comprou a área mais a oeste do
terreno, incluindo o saguão de passageiros, que foi quase inteiramente demolido para dar
lugar a um pátio de manobras para carga. Diversas associações se mobilizaram e custearam a
transferência dos 14 mosaicos da área demolida para o Aeroporto Internacional de Cincinnati,
de onde nove deles foram novamente transferidos, em 2015, para o Duke Energy Convention
Center, na mesma cidade (CINCINNATI HISTORICAL SOCIETY, 2002; CINCINNATI
MUSEUM CENTER, 2014; MONK; MAY, 2015; SKARMEAS, 2008).
A municipalidade comprou o restante do complexo em 1975 e alugou o local para um
shopping center em 1980, ideia que também não se sustentou, fechando as portas em 1984. A
proposta de ocupação que terminou por proporcionar uma alternativa mais sustentável surgiu
quando o Cincinnati Museum of Natural History e a Cincinnati Historical Society firmaram
parceria com o governo do estado, o município e diversas empresas e entidades e se
instalaram no local, dando origem ao Cincinnati Museum Center (CMC). O novo espaço,
aberto em 1990, reúne deste então o Cincinnati History Museum, a Cincinnati Historical
Society Library, o Museum of Natural History and Science e o cinema OMNIMAX. Naquele
mesmo ano, a Amtrak voltou a operar uma linha de trens de passageiros para Washington no
terminal e, em 1997, o Duke Energy Children’s Museum juntou-se às demais instituições,
139
Figuras 78 a 83 – O Duke Energy Children’s Museum; o Cincinnati Historical Museum; o Museum of Natural
History & Science; o cinema OMNIMAX; o salão de jantar antes da restauração de 2009; o salão após a
restauração
seu papel no desenvolvimento da cidade; social, pelo envolvimento das pessoas e instituições
com sua preservação; de uso, pelos equipamentos que abriga; econômico, pela renda que gera.
As diversas intervenções realizadas nem sempre tiveram bons resultados do ponto de
vista da preservação, uma vez que ocorreu inclusive uma demolição da maior parte do
concourse, o saguão de passageiros, além do pátio com os trilhos. Também foram transferidos
quase todos os grandes mosaicos. Porém, a instalação de um conjunto de equipamentos
culturais, que proporcionam atividades variadas e geram engajamento com um ampla
diversidade de públicos, foi uma ação positiva, que efetivamente garantiu a preservação da
edificação pelos últimos 25 anos, reforçando os laços da população e criando alternativas para
viabilizar seu uso, sustentabilidade econômica e as necessárias obras de manutenção e
restauro da matéria do edifício.
Ressalta-se como relevante para o embasamento deste trabalho o enfoque no
envolvimento da comunidade e a diversidade de usos e de público contemplados,
características que se buscará também na intervenção para o conjunto de Capitão de Campos.
O município de Santos Dumont está localizado na Zona da Mata mineira, cerca de 207
km ao sul de Belo Horizonte, próximo a Juiz de Fora. O desbravamento da região foi
relacionado à abertura do Caminho Novo, realizado por Garcia Rodrigues Pais para a
penetração dos bandeirantes vindos do litoral em direção à região mineradora. O município
conta com área de 637,373 km² e população estimada de 47.560 habitantes (IBGE, 2016a).
142
Figuras 84 e 85 – Localização de Belo Horizonte (laranja) e Santos Dumont (vermelho) em Minas Gerais; a
estação de Santos Dumont (então Palmyra) em 1930.
Fontes:
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/a6/MinasGerais_Municip_SantosDumont.svg/420px-
MinasGerais_Municip_SantosDumont.svg.png. Acesso em: 06 nov. 2016.
http://www.estacoesferroviarias.com.br/efcb_mg_linhacentro/fotos/sandumont9301.jpg. Acesso em: 06 nov.
2016.
Ao longo do Caminho, a Metrópole concedeu terras a sesmeiros interessados em
cultivá-las, de modo a garantir o abastecimento para os bandeirantes durante a jornada. Em
1709, foi outorgada no território do atual município uma sesmaria a Domingos Gonçalves
Ramos, que se estabeleceu ali com os genros Pedro Alves de Oliveira e João Gonçalves
Chaves. João Gomes Martins, pai do inconfidente José Aires Gomes, adquiriu parte das terras
de João Gonçalves Chaves em 1728, instalando ali ranchos para a hospedagem de visitantes,
plantações e criações de animais. Suas terras passaram a ser conhecidas como Roça de João
Gomes e correspondem ao bairro de João Gomes Velho da cidade atual. A antiga capela de
São Miguel e Almas, protetor dos bandeirantes, foi removida da margem do Caminho Novo e
instalada na Roça de João Gomes em 1788, voltando a ser erguida no local original em 1827.
Essa nova capela teria patrimônio doado por uma filha de João Gomes, chamada Palmyra
(IBGE, 2016a).
Em 1847 foram doadas as terras para o arraial e, em 1867, foi criada a paróquia. Nessa
época, avançava a construção da futura Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB), que, vinda
do Rio de Janeiro, chegou a Juiz de Fora em 1875 e a João Gomes em 1877. O arraial passou
por expressivo crescimento e desenvolvimento com a chegada dos trilhos, sendo elevado a
município em 1889, instalado no ano seguinte com o nome Palmyra. A cidade recebeu
fábricas de laticínios a partir da década de 1880, tornando-se importante exportadora desses
gêneros. Em 1932, seu nome foi alterado para Santos Dumont, em homenagem ao aviador
nascido ali. Atualmente, sua economia é baseada no setor de serviços, que responde por 64%
143
do Valor Adicionado Bruto (VAB) do capital privado do município. A indústria responde por
33% e a agropecuária, pelos 3% restantes (IBGE, 2016a; LUCIANO; SOUZA, 2013).
A estação ferroviária de Santos Dumont, componente da Linha Centro da EFCB e,
posteriormente, da RFFSA, sofreu algumas alterações ao longo da sua história, sendo a mais
marcante a demolição do segundo pavimento do edifício sede nos anos 1970. Os trilhos do
lado oeste da estação permanecem em uso por trens cargueiros, enquanto aqueles do lado
leste, onde está implantado o projeto, foram desativados. A edificação foi cedida à Prefeitura
em 2004, que instalou ali o Centro Cultural Paulo de Paula. Como remanescentes, existem no
local uma edícula, onde funciona a Associação dos Ferroviários, a gare e a estação sede, que
abriga o Centro Cultural, o Arquivo Municipal e a divisão de Patrimônio Cultural
(LUCIANO; SOUZA, 2013).
O projeto em estudo é uma proposta de intervenção para o conjunto desta estação e
seu entorno imediato, produzido por Ayesha de Oliveira Luciano como Trabalho Final de
Graduação (TFG) em Arquitetura e Urbanismo no Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora
em junho de 2012 e apresentado no 4º Encontro Internacional Arquimemória sobre
preservação do patrimônio edificado em 2013. A autora identifica nessas edificações um
importante valor cultural a preservar e, na proximidade com os trilhos desativados e com a
Rua Maquinista João Mendes (chamada de Rua da Feira por receber essa atividade, além de
comícios, eventos culturais, entre outros), a possibilidade de articulação de usos (LUCIANO;
SOUZA, 2013).
Figura 87 – Diagnóstico dos usos da área do projeto e entorno, bem como setorização da intervenção.
Figuras 91 a 94 – Vistas aéreas da proposta para o edifício da estação; planta baixa do centro cultural; corte AA,
mostrando o centro cultural, gare e praças. Desconsiderar indicação de escala.
maior, realizando a transição entre intervenção humana e terreno natural de maneira irregular,
não claramente definida.
Figuras 95 a 97 – Vista aérea da Praça dos Trilhos; vista aérea da Praça Linear; planta baixa da gare e das praças.
Figuras 103 a 105 – Planta baixa do café/livraria; corte BB; fachada frontal.
Fonte: Elaborado por André Castelo Branco, 2016, com imagem de Google Earth, 2016.
A cidade de Teresina foi planejada para ser a nova capital do Piauí, substituindo
Oeiras, e foi fundada em 1852. Sua malha urbana original, de traçado retilíneo com 12
quadras de largura e 18 de comprimento, foi implantada entre os Rios Parnaíba e Poti. O
desenvolvimento inicial da cidade se deu no eixo norte-sul, paralelamente ao curso do Rio
Parnaíba, cujo cais cumpria função importante no comércio e abastecimento da cidade, além
152
de proporcionar acesso ao litoral pela navegação. Um dos fatos que impulsionou inicialmente
a expansão da malha urbana a leste foi a construção da Igreja São Benedito, localizada no
limite da malha à época. O grupo de voluntários mobilizado para a edificação do templo no
último quartel do século XIX acabou por abrir um caminho vicinal em direção ao Rio Poti,
onde iam buscar material. Esse movimento levou à primeira ocupação da via, por chácaras e
quintas (IPHAN, 2010).
Na década de 1920, Teresina recebeu uma grande obra estruturante, que transformou
seu traçado urbano: a ferrovia. Objetivando a posterior ligação com São Luís, ponta da linha
férrea que então já levava a Timon, na margem esquerda do Rio Parnaíba. Os trilhos foram
dispostos na cidade segundo um traçado aproximadamente semicircular, coincidente com a
Avenida Miguel Rosa, construída concomitantemente, externo à malha urbana da época
(IPHAN, 2010).
principal via de ligação entre o centro da cidade e a zona leste, além do Rio Poti. Trata-se de
uma avenida bastante movimentada, servida por diferentes modais de transporte coletivo e
frequentada por diferentes públicos, o que favorece a frequência de pessoas no parque. Aí se
encontra o acesso principal, através da "esplanada passeio 'portal do viajante'", como é
denominada no projeto, constituída por área calçada em torno de um espelho d'água ladeado
por carnaúbas (indicada pelo número 17 na imagem). O fluxo é direcionado para um espaço
com pergolado (10) e um acesso (22) para a área entre os armazéns e a estação de passageiros
da RFFSA (em cinza). Seguindo para norte, vê-se a casa do agente e seu anexo (16 e 15), que
foram alvo de intervenção de consolidação estrutural e adaptação a novo uso para abrigar a
administração do parque.
Toda a porção mais a norte do parque, além da casa do agente, diferencia-se da área
mais ao sul pelos equipamentos que recebeu, como pista de skate (14), desenvolvida com
assessoria da Associação dos Skatistas local; anfiteatro (13); playground (12); academia da
terceira idade (11); pergolados (10); quiosques (02); e mirador (04). Compondo o paisagismo,
foi edificado um lago (07), com traçado orgânico, sobre o qual foi prevista uma passarela
(08). A oficina/serraria (09) também sofreu intervenção para consolidação e adaptação a novo
uso, recebendo o Museu de Arte Santeira. Na área externa à extremidade norte (01), foi
implantado um estacionamento, com pavimentação diferenciada que objetiva criar o efeito de
traffic calming, a diminuição na velocidade do tráfego de veículos.
Por se tratar de uma área componente de um bem patrimonial valorado e objeto de
diferentes instrumentos de salvaguarda a níveis estadual e federal, a implantação do parque
foi acompanhada pelo IPHAN. O Instituto colocou alguns condicionantes, de modo a
diminuir a interferência do projeto com a apreensão do conjunto ferroviário, que, apesar de já
bastante modificado pelo rebaixado da via férrea, ainda mantém o esquema de implantação do
pátio ferroviário, com a estação e os armazéns, paralelos à linhas, de um lado, e a casa do
agente de outro. Este "núcleo" deveria permanecer visível e livre de interferências, enquanto a
Companhia Metropolitana de Transporte Público (CMTP), responsável pela operação do
metrô, colocou exigências de altura para as passarelas que atravessariam a linha.
As exigências feitas pelas duas instituições resultaram em aditivos orçamentários e
alterações de projeto. Assim, de modo a respeitar a visibilidade dos bens tombados, foi
retirada a academia coberta e a cobertura da arquibancada do anfiteatro, que também foi
reduzida, além do pergolado que era previsto para construção ao lado da casa do agente. O
Instituto determinou, também, que fossem feitas as intervenções no Museu de Arte Santeira e
na casa do agente, além do alargamento da rua na extremidade norte do projeto e da adoção
156
Figuras 114 e 115 – Vista da esplanada de entrada, com a estação ao fundo; arquibancada do anfiteatro.
Fonte: http://180graus.com/geral/conheca-o-parque-da-cidadania-que-inaugura-nesta-sexta-24-na-capital.
Acesso em: 30 nov. 2016.
157
Figuras 116 e 117 – Vista da pista de skate; interior do Museu de Arte Santeira.
Fontes: http://180graus.com/geral/conheca-o-parque-da-cidadania-que-inaugura-nesta-sexta-24-na-capital.
Acesso em: 30 nov. 2016. http://www.portalodia.com/noticias/piaui/parque-da-cidadania-sera-inaugurado-hoje-
com-museu-de-arte-santeira-274169.html. Acesso em: 30 nov. 2016.
O Parque da Cidadania apresenta diversos pontos positivos para o embasamento deste
trabalho. A própria destinação do espaço para este fim é um deles, uma vez que, após o fim da
operação da RFFSA, cogitou-se leiloar o imóvel para quitar dívidas trabalhistas. Considera-se
que a intervenção para implantar um parque urbano seja compatível com seu caráter
patrimonial, uma vez que a configuração do pátio ferroviário, bem como seus eixos visuais,
não foi descaracterizada pelo projeto (ainda que já houvesse recebido alterações com o
rebaixamento da via e a construção da estação de metrô). Além disso, especialmente no
edifício do Museu de Arte Santeira a questão ferroviária foi trabalhada poeticamente, na
preservação de um trecho de trilhos em uma de suas entradas, evocando o fato de que para
aquele espaço se deslocavam locomotivas e vagões para manutenção. Trilhos também foram
empregados no mobiliário, compondo as superfícies de exposição no vão central (onde
também evocam o antigo uso) e no mezanino.
Figuras 118 e 119 – Vista da expografia do Museu, com emprego de trilhos; trilhos na entrada do Museu.
Fontes: http://www.capitalteresina.com.br/noticias/teresina/prefeito-visita-obras-do-parque-cidadania-e-
inspeciona-boxes-no-mercado-central-41872.html. Acesso em: 30 nov. 2016.
http://www.imgrum.net/media/1281546586325584431_380470799. Acesso em: 30 nov. 2016.
158
particular. Além disso, explicita-se aqui a relevância desse conjunto em relação aos demais do
estado, expresso no fato de sua ambiência estar largamente preservada e com poucas
interferências de edificações próximas no entorno, bem como no fato de sua vila ferroviária
apresentar características formais que a distinguem das mais antigas (como a de Parnaíba) e
das mais recentes (como as de Altos e Campo Maior).
Ainda na visita, através de conversas com residentes foi possível identificar elementos
importantes sobre a significação desses bens para a população envolvente, além de diversos
fatos sobre a cultura da cidade e os principais eventos e iniciativas do poder público.
Registrou-se essas informações e mapeou-se os equipamentos urbanos relevantes para a
proposta, bem como os principais eixos viários da cidade.
De posse dessas informações, prosseguiu-se à elaboração da análise propriamente dita,
expressa no tópico 7.1, que abrangeu os contextos histórico e urbano dos bens, sua
arquitetura, identificação e análise dos valores patrimoniais, entre outros aspectos. Partiu-se,
então, para a delineação da proposta, apresentada no tópico 7.2, elaborada a partir da análise e
da demarcação de diretrizes e potencialidades do conjunto, sempre tendo como norteador seu
caráter de patrimônio cultural.
7.1.1 Localização
Figuras 120 e 121 – Localização de Capitão de Campos no Piauí; localização da mancha urbana, ferrovia e BR-
343 no município de Campitão de Campos.
Fonte: Elaborado por André Castelo Branco, 2016, com informações de IBGE, 2016b, e Google Earth, 2016.
162
Capitão de
Piauí Teresina
Campos
Área (2015) 251.611,934 km² 1.391,981 km² 592,167 km²
População (2010) 3.118.360 814.230 10.953
População estimada
3.212.180 847.430 11.205
(2016)
Índice de
Desenvolvimento 0,646 0,751 0,583
Humano (IDH) (2010)
Densidade demográfica
12,766 hab/km² 608,79 hab/km² 18,922 hab/km²
estimada (2016)
População alfabetizada 681.055 6.985
–
(2010) (83,64 %) (63,77 %)
2.050.959 767.557 6.347
População urbana (2010)
(65,77 %) (94,27 %) (57,95%)
1.067.401 46.673 4.606
População rural (2010)
(34,23 %) (5,73 %) (42,05%)
Renda per capita urbana R$ 629,30 R$ 420,00 R$ 255,00
Renda per capita rural R$ 219,66 R$ 207,33 R$ 136,40
Produto Interno Bruto R$ 31.239.986.000 R$ 14.803.635.192 R$ 48.479.887
(PIB) (2013) (0,59 % do BR) (47,39 % do PI) (0,16 % do PI)
PIB per capita (2013) R$ 9.811,04 R$ 17.697,64 R$ 4.524,47
R$ 13.020.683.000 R$ 7.655.757.785 R$ 12.739.011
PIB (2013) – Serviços
(41,68 %) (51,72 %) (25,20 %)
PIB (2013) – R$ 1.775.689.000 R$ 41.259.249 R$ 2.390.136
Agropecuária (5,68 %) (0,28 %) (4,73 %)
R$ 3.438.068.000 R$ 2.403.530.510 R$ 1.366.350
PIB (2013) – Indústria
(11,01 %) (16,24 %) (2,70 %)
PIB (2013) – R$ 9.572.866.000 R$ 2.583.016.376 R$ 31.753.472
Administração e Serviço
(30,64 %) (17,45 %) (62,81 %)
Públicos
R$ 3.432.681.000 R$ 2.120.071.272 R$ 2.302.918
PIB (2013) - Impostos
(10,99 %) (14,32 %) (4,56 %)
Fontes: IBGE, 2016b; 2016c; 2016d.
Os dados do Censo 2010 permitem constatar que Capitão de Campos é um município
de povoamento espraiado: apesar de apresentar densidade demográfica superior à do estado, a
163
sua é 30 vezes menos que a teresinense. Esse dado tem relação com sua origem rural, assim
como com a origem urbana de Teresina, além da matriz econômica dos dois municípios.
Teresina apresenta população majoritariamente urbana (94,27 %), em proporção bastante
superior aos índices estadual (65,77 %) e nacional (84,36 %), enquanto Capitão de Campos
apresenta divisão mais próxima da metade, com 57,95 % da população no meio urbano e
42,05 % no rural. Capitão de Campos apresenta, também, indicadores abaixo da média do
estado e dos da capital em termos de IDH (ambas estão na faixa média do Índice, mas nos
polos opostos), população alfabetizada e renda per capita, nos meios urbano e rural.
O Piauí apresenta o fenômeno de macrocefalia urbana, em que uma cidade é muito
maior que as demais; isso está expresso em termos populacionais (Teresina possui 26,38 % da
população do estado, enquanto os demais 223 municípios respondem pelos 73,62 %
restantes), mas, principalmente, econômicos (a capital concentra 47,39 % do PIB estadual).
Da mesma forma, percebe-se a amplitude da economia capitãocampense no universo do Piauí,
em que seu PIB representa 0,16 % do total do estado e seu valor per capita é próximo da
metade da média estadual.
A composição do PIB local também demonstra particularidades da economia do
município, uma vez que o setor agropecuário é proporcionalmente maior que o da capital, mas
ficando ainda abaixo da média estadual, enquanto os setores de serviço e indústria são bem
menos expressivos que as médias piauiense e teresinense. Essa composição do PIB, aliada aos
demais índices mostrados, compõe um diagnóstico comum em cidades do interior do estado,
em que a população não migrou para o meio urbano na mesma proporção que o país em geral
(o que sugere características de agricultura familiar e com pouco emprego de tecnologia e
maquinário no ambiente rural), o acesso aos serviços públicos, como saúde e educação, não é
universal e o Estado é provedor direto do sustento de parcela significativa da população.
164
Fonte: Elaborado por André Castelo Branco, com imagem de Google Earth, 2016.
Na Figura 122, construída sobre uma imagem de satélite da cidade, estão demarcados
o contorno aproximado da mancha urbana, o centro da cidade, o conjunto ferroviário e os
principais eixos viários que orientam a organização do espaço. É possível constatar que a
ocupação é bem mais densa no entorno imediato da BR-343, especificamente na margem
oeste. É nessa região que se encontra a maior parte da presença institucional, a prefeitura, o
mercado, a praça da igreja matriz e as principais escolas. Essa configuração espacial é
perfeitamente coerente com a origem do assentamento, nos estabelecimentos comerciais que
Acelino Coelho de Resende instalou na margem da rodovia.
Percebe-se também o traçado da ferrovia, paralelo à rodovia, com a implantação do
conjunto ferroviário deslocado a oeste do centro. Entre estes dois últimos, está a Rua José
Fernandes, que se prolonga além dos trilhos e constitui o principal eixo transversal da cidade,
orientando a ocupação naquele sentido. É bastante nítida também a relação entre os eixos
identificados com o crescimento da mancha urbana, que acontece, como é típico, ao longo
dessas vias mais importantes.
165
Fonte: Elaborado por André Castelo Branco, com imagem de Google Earth, 2016.
A Figura 123 apresenta o mapeamento das edificações de uso institucional existentes
na cidade, abrangendo os equipamentos culturais (como o Centro de Arte e Cultura),
educacionais (como as escolas e a biblioteca), de esporte e lazer (como o ginásio poliesportivo
e a praça de eventos), e da administração pública (como a prefeitura municipal). Incluiu-se
ainda o mercado, pelo sentido de “urbanidade” em geral assumido por essa tipologia, devido
ao papel que cumpre de indutor de relações pessoais e econômicas travadas tanto no seu
interior quanto no seu entorno, e as igrejas (de todas as denominações identificadas), pelo
papel que cumprem também na formação de relações interpessoais.
Alguns dos principais eventos da cidade acontecem nos lugares assinalados. A feira é
realizada aos sábados, na praça do mercado público (11); o campeonato de futebol
166
interclasses acontece no ginásio (7); os festejos do Sagrado Coração de Jesus ocorrem no mês
de setembro e concentram-se no adro da igreja matriz (5); as festividades do aniversário da
cidade, no mês de março, e o carnaval fora de época, em junho, costumam ocorrer na praça de
eventos (10). Em janeiro acontecem as festas do Dia de Reis, nas comunidades.
Figuras 124 a 129 – Igreja matriz de Capitão de Campos; playground do adro da igreja; prefeitura municipal;
biblioteca municipal; ginásio poliesportivo; Praça Acelino Resende.
(de funcionamento intermitente) há outras duas, nas escolas marcadas com os números 6 e 12
na figura; os espaços públicos que poderiam receber eventos culturais com uma plateia são a
praça do mercado e a praça de eventos. Além dessa insuficiência, os edifícios institucionais
existentes encontram-se aglutinados no centro, distantes, portanto, do conjunto ferroviário.
Fonte: Elaborado por André Castelo Branco, com imagem de Google Earth, 2016.
A Figura 134 apresenta os usos desenvolvidos nas edificações do entorno do conjunto
ferroviário. É possível perceber que a ocupação da região é esparsa, com muitos vazios, e o
uso é majoritariamente residencial unifamiliar. Os estabelecimentos comerciais são bares e
mercearias, com as únicas exceções de uma barbearia e uma serraria, e, assim como os
institucionais, estão concentrados na Rua José Fernandes, eixo orientado a noroeste-sudeste
que atravessa os trilhos da EFCP. As seis edificações marcadas com a cor azul claro são a
estação de passageiros e as residências da RFFSA, que formam o conjunto ferroviário no qual
se irá intervir.
Um número significativo dos lotes residenciais da área apresenta também o uso para o
cultivo, o que contribui para que toda a área guarde características do meio rural. Percebe-se,
também, que a porção do território a leste da ferrovia apresenta arruamento e ocupação
169
ordenados, enquanto a oeste dela os lotes estão dispostos ao longo das poucas vias existentes,
de traçado irregular, que pode ser decorrente de uma ocupação posterior e não disciplinada
pelo poder público.
Fonte: Elaborado por André Castelo Branco, com imagem de Google Earth, 2016.
Conforme exposto na análise do contexto urbano, trata-se de uma área que permanece
não integrada completa e organicamente ao centro da cidade, ao qual está ligada apenas pela
Rua José Fernandes. Constitui espécie de fronteira entre duas configurações de ocupação do
espaço urbano: uma disciplinada, racionalizada pelo poder público e consolidada, a leste dos
trilhos, e outra orgânica, de implantação espraiada ao longo de poucos eixos de traçado livre.
Sua configuração formal mantém-se a mesma da época de operação da ferrovia, com a
faixa de domínio (cujo mínimo legal é de 15 m para cada lado, podendo ser estendida caso a
caso) livre, a estação de passageiros implantada de um lado, as residências dos trabalhadores
da RFFSA do outro e os trilhos duplicados na região do pátio ferroviário, para permitir
manobra e escape de trens e trolleys.
O conjunto das edificações que serviram à ferrovia foi construído pelo DNEF e
compreende uma estação de passageiros de 4ª classe, com 155,76 m²; uma casa de agente,
com 85,07 m²; uma casa de feitor, com 61, 33 m²; uma casa de guarda-chave, com 61,33 m²;
quatro casas para trabalhadores, com 221,92 m²; uma caixa d’água em concreto armado, com
capacidade para 25.000 L; um poço tubular com bomba a diesel, construído pelo 2º BEC. As
casas estão implantadas no limite oeste da faixa de domínio da ferrovia, obedecendo a uma
hierarquia que coloca as casas dos funcionários de cargos superiores mais próximas à estação.
Assim, a casa do agente, funcionário superior na hierarquia, é maior, mais bem trabalhada e
171
Figuras 136 a 139 – A estação de passageiros; a passagem em nível dos trilhos sobre a Rua José Fernandes; a
vila ferroviária; a vila ferroviária.
dos modelos já consolidados em outras partes do país e busca por uma unidade formal com
linhas de outras regiões. Os trechos edificados após Piripiri apresentam formas simplificadas,
caso também de Capitão de Campos.
Após esse conjunto, diversos outros foram edificados da mesma forma, parte pelo
DNEF e parte pelo 2º BEC, até a eventual ligação com a estação de Teresina no fim dos anos
1960. Nessa mesma década, houve a aquisição de duas locomotivas a diesel, o que gerou
mudanças nas relações de trabalho. O foguista, profissional responsável por alimentar a
caldeira da locomotiva, foi substituído por um segundo maquinista e o trem passou a não ter
mais a necessidade de parar a cada 20 km para abastecimento. Os diversos pequenos
conjuntos, conhecidos como estações de serviço, que haviam sido edificados ao longo da
linha para esse fim perderam então parte de sua função.
A EFCP, como outras linhas país afora, apresentava déficit e baixa densidade de
passageiros e cargas transportados, que diminuiu ainda mais com a queda acentuada das
exportações piauienses após a 2ª Guerra Mundial e a reorientação do comércio estadual para a
rede rodoviária. A ligação entre Teresina e Paulistana foi interrompida nos anos 1970, pouco
tempo após a ligação com Fortaleza ser concluída em 1972. A EFCP operou de maneira
intermitente nos anos seguintes, com o trecho após Parnaíba sendo o primeiro a ser
desativado. Houve uma iniciativa de retomar a navegação entre Teresina e Parnaíba nos anos
1980, a chamada Barca do Sal, assim como a operação do trem entre Parnaíba e Luís Correia
como um expresso turístico, mas ambas as iniciativas não tiveram sucesso. As fontes são
conflitantes sobre a data do encerramento definitivo das operações da linha, mas a maioria
afirma que ocorreu nos anos 1980.
Os funcionários da RFFSA instalados no conjunto de Capitão de Campos terminaram
por ser desmobilizados, segundo depoimento de Pedro Veras, em 1994, quando tiveram que
deixar as residências mantidas pela Rede. Segundo o ex-ferroviário, nos anos seguintes, as
famílias que hoje habitam o local fizeram contato com um engenheiro da Rede, residente em
Teresina, que as autorizou a se instalarem no local provisoriamente, onde permanecem hoje.
sendo estas últimas em duas edificações com duas unidades geminadas cada. Todas estão
implantadas com a fachada principal paralela à linha dos trilhos, configurando assim o
conjunto e o pátio ferroviário em seu meio. As residências dos funcionários da RFFSA estão
alinhadas entre si pela fachada posterior; assim como a estação de passageiros, todas elas
guardam entre si a característica de terem tratamento formal nas quatro fachadas, com
diferentes elementos.
Figuras 143 a 146 - A fachada sul da estação; o dístico da fachada sul; a fachada oeste; a fachada sul.
Fontes: Acervo de Frederico Castelo Branco, 2016; desenhos elaborados por André Castelo Branco, 2016.
176
Figuras 147 e 148 - As fachadas norte e oeste da estação; a marcação da altitude na fachada oeste.
Figuras 149 e 150 - A fachada sul da estação; abertura central da fachada oeste.
Figuras 151 e 152 - A cobertura da fachada oeste da estação; vista de uma das mãos-francesas do telhado.
declividade de 40,58 %. Na fachada leste, oposta aos trilhos, há uma escada com 6 degraus.
As rampas e a plataforma têm fechamento externo em tijolos, confinando o caixão do piso da
parte superior, cimentada. Nas faces correspondentes aos lados maiores da estação, as juntas
entre os tijolos são preenchidas com elementos salientes em argamassa.
Fonte: Elaborado por André Castelo Branco, 2016, a partir de informações de IPHAN, 2008b.
É possível perceber que a estação de Capitão de Campos insere-se no conjunto da
EFCP ao adotar o partido do chalé, difundido através dos manuais ferroviários em diversos
países desde o século XIX como solução adequada e de baixo custo para proporcionar
proteção para a plataforma de embarque, nos casos em que a mesma edificação cumpre as
funções de estação de passageiros e gare. A passagem do tempo também se faz presente na
diferença entre essa edificação, erguida pelo DNEF entre 1947 e 1950, e as estações
anteriores da EFCP: a estação em estudo não adota a modinatura com os cinco vãos de mesma
largura no lado maior da planta e um vão só no lado menor, apresentando aberturas de
tamanhos e disposições variáveis. Esta tendência de progressivo despojamento formal se
confirmaria e aprofundaria nas estações erguidas em trechos posteriores no estado.
Dentre as residências dos funcionários da RFFSA que compõem o conjunto, a maior,
mais próxima da estação e com arquitetura mais trabalhada é a casa do agente. Segundo o
termo de recebimento da obra do trecho, a edificação tem área de 85,07 m² numa planta
também prismática, cujo pé-direito alto confere uma característica compacta à forma final,
implantada sobre uma plataforma cimentada. Sua estrutura é de alvenaria autoportante de
tijolos cozidos, assentados com argamassa, rebocados e pintados originalmente com o
180
Figuras 159 a 161 - Casa da tipologia de guarda-chave e feitor, em 2008; planta baixa da casa; fachada da casa.
Fontes: Foto: IPHAN, 2008b; desenhos: elaborados por André Castelo Branco, 2016.
As últimas duas edificações residenciais do conjunto são as casas de trabalhador,
quatro unidades habitacionais geminadas duas a duas. Tratam-se de edificações mais simples
que as anteriores, com planta retangular e telhado de quatro águas, também feito com telhas
planas e também implantadas sobre plataforma cimentada. São feitas em alvenaria
autoportante de tijolos maciços cozidos, rebocada e pintada, com esquadrias em madeira. A
único decoração das fachadas é feita por um elemento saliente em argamassa que arremata o
topo das esquadrias e dá a volta nas edificações.
183
Figuras 162 a 164 - Casas de trabalhador em 2008; casas de trabalhador em 2016; fachada das casas de
trabalhador.
Fontes: IPHAN, 2008b; acervo de Frederico Castelo Branco, 2016; desenho elaborado por André Castelo
Branco, 2016.
O conjunto conta, ainda, com algumas outras edificações de funções diversas. Entre a
casa de guarda-chave/feitor mais ao sul e a casa de trabalhador mais ao norte, está implantada
uma caixa d'água em concreto, com capacidade para 25.000 L, construída pelo 2º BEC. O
reservatório tem forma de paralelepípedo e está apoiado em quatro pilares de concreto de
seção retangular. Aos fundos desta mesma casa de guarda-chave/feitor, encontra-se a casa de
bomba, onde havia um motor a diesel que abastecia a caixa com a água de um poço tubular.
Esta edificação tem pé-direito baixo, revestimento externo em chapisco, cobertura em telha
plana e amplas aberturas horizontais com elementos vazados, como era comum ao longo de
toda a EFCP nas oficinas e demais edificações destinadas à operação e manutenção de
maquinário em que se precisaria de boas condições de ventilação.
184
Figuras 168 e 169 - moirão remanescente da cerca da faixa de domínio da ferrovia; placa de marcação
quilométrica.
todas as atividades, uma vez que a operação do trem seguia uma mesma marcação do tempo
ao longo de toda a linha.
Apresentam também valor artístico, expresso na arquitetura eclética das edificações,
cujo repertório de elementos decorativos é relativamente amplo, bem executado e inclui
materiais de boa qualidade. Apesar do despojamento formal dessa estação em relação às mais
antigas da mesma linha, percebe-se que houve preocupações estéticas na sua construção, na
forma do acabamento dado ao peitoril das janelas, do piso externo em cimento estampado, do
acabamento da alvenaria em três faixas distintas, do entalhe trabalhado das peças das mãos-
francesas e das esquadrias. As residências têm um repertório de elementos decorativos
significativo, na forma dos diversos detalhes feitos em argamassa que resultam num efeito
mural e mesmo volumétrico, em alguns casos, que inclui frisos, textura semelhante a pedra e
entalhes simulando aduelas de cantaria. Está presente também o cromatismo amarelo, brando
e marrom avermelhado que foi difundido no conjunto da EFCP.
Quanto à originalidade, destaca-se que esta vila ferroviária é aquela, dentre os
conjuntos da RFFSA remanescentes em meio urbano no Piauí, que apresenta os exemplares
de arquitetura mais bem trabalhada. Ainda que a estação de Capitão de Campos seja de 4ª
classe, a de Teresina apresente a sede de maior porte e a de Parnaíba apresente um conjunto
de edifícios com estética Art Déco marcante, as residências dos funcionários da Rede no
conjunto em estudo se destacam das demais da linha pelo seu maior porte e altura, pelo
repertório decorativo mural, pelo volume mais assemelhado a um bloco compacto e pela
configuração de um pátio ferroviário por sua implantação relativa à estação de passageiros.
As demais vilas da linha apresentam residências mais despojadas, com formas menos
significativas, muitas vezes são em menor número e em diversos casos não estão implantadas
de modo a conformar um pátio. Nas Figuras 170 e 171 é possível observar que as residências
das outras estações da EFCP costumam ter formas mais despojadas que as observadas em
Capitão de Campos.
188
Figuras 170 e 171 - vila ferroviária de Parnaíba; casa de agente da estação de Teresina.
memória dos homens e das suas tradições" (TICCIH, 2003, p. 04). Daí decorre que o
conhecimento produzido e registrado sobre os bens materiais desse conjunto, bem como a
memória da população que o vivenciou, presentes aqui nesse trabalho, são também um bem
patrimonial, dotado de sua própria importância. Isso investe o trabalho de pesquisa e
documentação de maior relevância, pois lhe confere caráter também de instrumento de
salvaguarda, além de conhecimento.
Fonte: Elaborado por André Castelo Branco, com informações do IPHAN, 2008b.
192
Através da observação do exterior da estação, foi possível observar que este encontra-
se nas mesmas condições de alteração encontradas pelo IPHAN em 2008, quando da
elaboração do inventário de conhecimento. A volumetria encontra-se, em geral, íntegra, com
modificações nas aberturas. Na fachada oeste, as duas aberturas mais externas foram
entaipadas; a da direita, completamente, enquanto na da esquerda foi instalada uma janela. Na
fachada sul, os vãos encontram-se preservados, enquanto as esquadrias são diferentes entre si
(cf. Figuras 146 e 167), sugerindo alterações ao longo da história. Aquela que mais guarda
relação com as esquadrias das residências é a do banheiro. A fachada leste apresenta
entaipamento de dois vãos, em que foram instaladas esquadrias de janela. O vão que dá acesso
ao saguão, originalmente uma janela, foi parcialmente ampliado, sendo instalada uma folha de
porta na sua metade direita. Já o vão de acesso ao depósito (que originalmente era um
banheiro, segundo inscrição remanescente acima da abertura) teve sua esquadria retirada. A
condição das divisórias internas não pôde ser auferida e, portanto, a planta baixa baseou-se
naquela produzida pelo IPHAN.
Figuras 173 e 174 - Planta baixa da residência de tipologia de feitor/guarda-chave; foto do acréscimo.
Fontes: desenho elaborado por André Castelo Branco, 2016; foto do acervo de Liana Lima, 2008.
A residência de feitor/guarda-chave a cuja planta se teve acesso apresenta algumas
alterações em divisórias internas, executadas em alvenaria de tijolos de seis furos, o que
resultou em paredes mais esbeltas, marcadas na Figura 173. As paredes originais, executadas
em alvenaria de tijolos maciços, estão marcadas em cor mais escura. Além disso, é nítido que
houve o acréscimo posterior do volume que abriga a despensa e o banheiro, que apresentam
volumetria, materiais e ornamentação diferentes. Não foi possível, porém, precisar quando as
alterações foram realizadas e nem como seria a planta original, pela falta de registros.
Além desses dois casos específicos, em que se teve acesso a plantas produzidas pelo
IPHAN, foi possível observar apenas modificações externas nas residências. As duas
193
Realizou-se extensa e aprofundada análise, consolidada no tópico 7.1. Essa atividade assumiu
condição prioritária, uma vez que se apurou que o conhecimento e a produção acadêmica
sobre o tema ainda são incipientes no Piauí. Além disso, esse trabalho de conhecimento,
análise e reflexão, com difusão dos resultados, constitui, por si só, um importante instrumento
de preservação, fato que é reforçado pelos teóricos do restauro e consolidado em diversas
cartas patrimoniais e no artigo 216 da Constituição Federal.
Na análise de valores, conduzida segundo a metodologia prescrita pelo restauro
crítico, percebeu-se que esse bem apresenta valores culturais e socioeconômicos relevantes,
relacionados ao seu papel na história da ferrovia e do estado do Piauí, ao modal de transporte
ferroviário, à arquitetura do conjunto, à sua utilização e ao seu contexto.
Manoela Rufinoni (2013) afirma que o bem patrimonial industrial urbano deve ser
analisado tanto à luz da sua rede de relações horizontais (no seu contexto urbano) quanto na
rede de relações verticais (na conjuntura econômica), além de colocar que a utilização
continuada deve ser encarada apenas como meio para garantir a preservação, não como fim;
essa preservação deve ser também uma premissa do planejamento, não acessório.
Tendo em mente a teoria de Rufinoni (2013), analisou-se as relações horizontais, em
que se concluiu que o conjunto ferroviário em estudo está localizado em área distante do
centro, com pouco acesso a equipamentos de educação, lazer, cultura e esporte e cuja
ocupação se dá de forma desordenada, esparsa e ao longo de vias de traçados e larguras
irregulares, sem pavimentação. A cidade tem economia dependente do setor público, que
responde por mais da metade do PIB local, e todos os outros setores da economia são menores
que a média do estado. Quanto às relações verticais, esse conjunto faz parte de um trecho
ferroviário desativado, construído em antecipação a uma demanda econômica que não se
concretizou, e que serviu a um mercado (a exportação de produtos extrativistas) que declinou,
assumindo proporção muito menor à original e reorientando-se para a malha rodoviária, em
torno da qual a própria cidade de Capitão de Campos surgiu e se desenvolveu. Dentre esses
produtos, a carnaúba mantém especial relevância, uma vez que se concentra especialmente
nos estados do Ceará, Piauí e Maranhão e sua cera, com inúmeras aplicações industriais, é
extraída e beneficiada de modo artesanal nesses estados.
Assim, considerou-se que esse conjunto apresenta potencialidades para suprir as
demandas locais por equipamentos urbanos, infraestrutura educacional, de lazer, esporte e
cultura e incentivos ao setor produtivo. Como diretrizes, buscou-se preservar os valores
patrimoniais através da preservação tanto dos seus vestígios materiais (as edificações
propriamente ditas) quanto do esquema de implantação e dos eixos visuais desimpedidos,
200
uma vez que a conformação do pátio ferroviário, em que todas as edificações estão reunidas
em torno de um espaço livre, tendo os trilhos ao centro, constitui também patrimônio
relevante. Buscou-se também resgatar o caráter de espaço de trabalho, tão relevante para o
patrimônio industrial, através das seguintes medidas: reinserção na economia da carnaúba, em
que outrora foi relevante, através da criação de um espaço para capacitação de pessoal e
beneficiamento do pó de carnaúba, para produção da cera; criação de um espaço para
capacitação de pessoal e produção de bordados, atividade importante para a economia local e
que já conta com incentivos da prefeitura; e estabelecimento de um Memorial Ferroviário no
edifício da estação de passageiros.
Delimitada a área de atuação e as linhas gerais (preservação dos valores patrimoniais,
suprimento de demanda por equipamentos e incentivo à economia solidária), decidiu-se por
diretrizes para preservação integrada que configuram a forma de um parque urbano,
compatível com a escala, o contexto e a morfologia do conjunto. A planta explicativa está no
Apêndice D.
imediatamente à frente das residências dos ferroviários seja mantida livre, preservando a
conformação do pátio ferroviário e possibilitando a visão desimpedida do conjunto.
A via férrea propriamente dita, elemento que corta a área de intervenção de norte a sul,
devem receber papel de destaque. Sugere-se a instalação de um deck em madeira, facejando a
face superior dos trilhos, em toda sua extensão. Dessa forma, restabelece-se o ato de percorrer
a via, agora a pé, ao longo de todo o espaço, tornando os trilhos o elemento de ligação de toda
a proposta. Ao mesmo tempo, o deck é uma solução reversível e que preserva a legibilidade,
uma vez que não é confundível com elementos originais e permite a visão dos trilhos e da
extremidade dos dormentes.
Fonte: http://www.haaretz.com/2.203/jerusalem-s-new-park-turns-old-train-tracks-into-an-urban-oasis-1.423874.
Acesso em: 01 dez. 2016.
Na área ao norte da rua pré-existente, decidiu-se manter o entorno imediato da estação,
especialmente logo ao sul dela, desimpedido, de modo a manter a implantação original isolada
e as vistas desimpedidas. O edifício deverá ser restaurado através de procedimentos como
uma lavagem a pressão de toda sua superfície, recomposição do reboco e da pintura no
cromatismo amarelo, reabertura dos vãos entaipados, troca de todas as esquadrias por novas,
em madeira, seguindo uma mesma identidade visual, revisão completa da cobertura, com
troca das terças e das telhas comprometidas por outras, artesanais, de mesmo modelo. Todos
os elementos em madeira (esquadrias e madeiramento da cobertura) devem receber
acabamento em cera de carnaúba, que é durável e está em conformidade com as diretrizes da
proposta. Recomenda-se que o piso da plataforma seja removido, a alvenaria de contenção
202
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
para a superação dessa superficialidade, através do estudo mais aprofundado da sua história,
arquitetura, valores patrimoniais e contextos urbano e socioeconômico.
Por fim, (e em conformidade com as cartas patrimoniais estudadas), partiu-se do
conhecimento construído sobre o conjunto ferroviário de Capitão de Campos para o passo
seguinte, a elaboração de diretrizes que orientem sua preservação integrada ao planejamento,
que se adequassem aos valores identificados nas etapas de conhecimento e análise e à dupla
rede de relações (urbanas e econômicas) em que esses bens estão inseridos, conforme a
recomendação de Rufinoni (2013). Chegou-se a uma proposta de linhas gerais, que deverá
subsidiar futuras intervenções e a gestão do espaço, sugerindo alguns usos baseados na
observação e nas diretrizes a que se chegou durante a fase de conhecimento.
Ao longo do trabalho, foi possível perceber a multiplicidade de sentidos que bens
patrimoniais industriais ferroviários como esses carregam e de realidades de que fazem parte,
através das redes de relações mencionadas. O estudo empreendido aqui possibilitou a
construção de conhecimento relevante sobre esses bens e a elaboração de diretrizes para a
conservação integrada de bens dessa natureza, como parte integrante do planejamento urbano
e explorando potencialidades de ordens distintas, sem entrar em conflito com a preservação.
Os resultados obtidos são relevantes pelo ineditismo do tema, pela abrangência da abordagem,
pela metodologia empregada e pelo caminho que permite vislumbrar à frente, para que futuros
trabalhos possam dar prosseguimento às pesquisas sobre o patrimônio ferroviário piauiense de
modo a promover conhecimento e atuar de forma responsável e efetiva sobre ele.
207
REFERÊNCIAS
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1852 e 1957. 2013. 466 f. Tese (Doutorado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2013.
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Tabela 05 – Bens do Piauí inscritos na Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário até 15/12/2015.
Ano de inscrição na
Município Bem Lista do Patrimônio
Cultural Ferroviário
Teresina Pátio Ferroviário de Teresina 2008
Teresina Estação Ferroviária de Teresina 2008
Teresina Armazém 1 2008
Teresina Armazém 2 2008
Teresina Casa do Agente com Anexo 2008
Piracuruca Estação Ferroviária de Piracuruca 2009
Piracuruca Esplanada de Piracuruca 2009
Parnaíba Cx D’água em concreto 2013
Parnaíba Casa do Motor Bomba 2013
Parnaíba Antiga Lanchonete 2013
Parnaíba Antiga Cooperativa 2013
Parnaíba Antigo Armazém Isolado 2013
Parnaíba Antiga Casa do Agente 2013
Parnaíba Estação Ferroviária de Parnaíba 2013
Parnaíba Antiga Carpintaria 2013
Parnaíba Antigo Arquivo 2013
Parnaíba Antigo Posto Médico 2013
Parnaíba Antigo Prédio da Administração 2013
Parnaíba Antigo Posto telefônico e Estação de Rádio 2013
Parnaíba Antigo Escritório de Locomoção 2013
Parnaíba Antiga Garagem de Veículos e Depósito 2013
Parnaíba Antigo Banheiro Central e Depósito 2013
Parnaíba Antigo Almoxarifado 2013
Parnaíba Antiga Tipografia 2013
Parnaíba Antiga Oficina Ferroviária 2013
Parnaíba Galpão Garagem 2013
Parnaíba Esplanada de Panaíba 2013
Fonte: IPHAN, 2015.
218
Ano de inscrição
Município Bem no Livro do
Tombo
Campo Maior Cemitério do Batalhão 1938
Oeiras Sobrado João Nepomuceno 1939
Oeiras Ponte Grande 1939
Oeiras Igreja Matriz de Nossa Senhora da Vitória 1940
Piracuruca Igreja Matriz de Nossa Senhora do Carmo 1940
Teresina Igreja de São Benedito 1940
São Raimundo
Parque Nacional da Serra da Capivara 1993
Nonato
Teresina Ponte Metálica João Luís Ferreira 2011
Teresina Floresta Fóssil no Rio Poti 2011
Parnaíba Conjunto Histórico e Paisagístico de Parnaíba 2011
Teresina Conjunto da Estação Ferroviária de Teresina 2013
Oeiras Conjunto Histórico e Paisagístico de Oeiras 2013
Piracuruca Conjunto Histórico e Paisagístico de Piracuruca 2013
Estabelecimento das Fazendas Nacionais do Piauí:
Campinas do
Fábrica de Manteiga e Queijo, no Município de 2015
Piauí
Campinas do Piauí
Estabelecimento das Fazendas Nacionais do Piauí:
Floriano Estabelecimento Rural São Pedro de Alcântara, no 2015
Município de Floriano
Teresina Igreja Nossa Senhora de Lourdes 2008 (Provisório)
Teresina Fazenda São Joaquim Instrução em 2016
Prédio Sede do Tribunal de Justiça do Estado do
Teresina Instrução em 2016
Piauí
Fonte: IPHAN, 2016.
219
A
PLANTA BAIXA PLANTA DE COBERTURA
ESC 1:100 ESC 1:100
1950 1950
PLANTA BAIXA
CASA DE AGENTE
ESC 1:100
FACHADA FRONTAL FACHADA LATERAL ESQUERDA FACHADA LATERAL DIREITA FACHADA POSTERIOR
CASA DE FEITOR/GUARDA-CHAVE CASA DE FEITOR/GUARDA-CHAVE CASA DE FEITOR/GUARDA-CHAVE CASA DE FEITOR/GUARDA-CHAVE
ESC 1:100 ESC 1:100 ESC 1:100 ESC 1:100
CAPITÃO DE CAMPOS
PLANTA BAIXA
ESTAÇÃO
ESC 1:100
PLANTA DE COBERTURA
CASA DE FEITOR/GUARDA-CHAVE PLANTA BAIXA
ESC 1:100 CASA DE FEITOR/GUARDA-CHAVE
ESC 1:100
FACHADA FRONTAL
CASA DE AGENTE
ESC 1:100
PLANTA DE COBERTURA
CASA DE AGENTE
ESC 1:100
1950
CAPITÃO DE CAMPOS
1950 1950
DETALHE DA PORTA
CAPITÃO DE CAMPOS CAPITÃO DE CAMPOS ESC 1:20