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Portugal
Coordenação Editorial Presidente do Conselho Curador
Irmã Jacinta Turolo Garcia Antonio Manoel dos Santos Silva
Editor-Executivo
Tulio Y. Kawata
Editora Assistente
Maria Dolores Prades
História de
Portugal
José Tengarrinha (Org.)
José Mattoso
Maria Helena da Cruz Coelho
Humberto Baquero Moreno
Antônio Borges Coelho
Antônio Augusto Marques de Almeida
Antônio Manuel Hespanha
Maria do Rosário Themudo Barata
Nuno Gonçalo Freitas Monteiro
Francisco Calazans Falcon
José Jobson de Andrade Arruda
Miriam Halpern Pereira
Jaime Reis
Amadeu Carvalho Homem
A. H. de Oliveira Marques
João Medina
Luís Reis Torgal
José Medeiros Ferreira
Revisão técnica
Maria Helena Martins Cunha
Copyright © 2000 EDUSC
H67399
História de Portu gal / José Mattoso… [et
al]; José Ten garrin h a, organ izador. --
Bau ru , SP : EDUSC ; São Pau lo, SP : UNESP;
Portu gal, PO : In stitu to Cam ões, 2000.
371p.; 23cm . -- (Coleção História)
>
ISBN UNESP 85-7139-278-0
ISBN EDUSC 85-7460-010-5
CDD 946.9
SUMÁRIO
Cap ítu lo 1
7 A form ação da n acion alidade
José Mattoso
Cap ítu lo 2
19 O fin al da Idade Média
Maria Helena da Cruz Coelho
Cap ítu lo 3
45 O prin cípio da Época Modern a
Humberto Baquero Moreno
Cap ítu lo 4
57 Os argon au tas portu gu eses e o seu velo de ou ro (sécu los XV-XVI)
Antônio Borges Coelho
Cap ítu lo 5
77 Saberes e práticas de ciên cia n o Portu gal dos Descobrim en tos
Antônio Augusto Marques de Almeida
Cap ítu lo 6
87 Os ben s eclesiásticos n a Época Modern a. Ben efícios, padroados e
com en das
Antônio Manuel Hespanha
Cap ítu lo 7
105 Portu gal e a Eu ropa n a Época Modern a
Maria do Rosário Themudo Barata
Cap ítu lo 8
127 A con solidação da din astia de Bragan ça e o apogeu do Portu gal
barroco: cen tros de poder e trajetórias sociais (1668-1750)
Nuno Gonçalo Freitas Monteiro
Cap ítu lo 9
149 Pom bal e o Brasil
Francisco Calazans Falcon
Cap ítu lo 10
167 O sentido da Colônia. Revisitando a crise do antigo sistema colonial
no Brasil (1780-1830)
José Jobson de Andrade Arruda
Cap ítu lo 11
187 Contestação rural e revolução liberal em Portugal
José Tengarrinha
Cap ítu lo 12
217 Diversidade e crescim en to in du strial
Miriam Halpern Pereira
Cap ítu lo 13
241 Cau sas h istóricas do atraso econ ôm ico portu gu ês
Jaime Reis
Cap ítu lo 14
263 Jacobinos, liberais e democratas na edificação do Portugal
contemporâneo
Amadeu Carvalho Homem
Cap ítu lo 15
283 Da Monarquia para a república
A. H. de Oliveira Marques
Cap ítu lo 16
297 A dem ocracia frágil: A Prim eira Repú blica Portu gu esa (1910-1926)
João Medina
Cap ítu lo 17
313 O Estado Novo. Facism o, Salazarism o e Eu ropa
Luís Reis Torgal
Cap ítu lo 18
339 Após o 25 de Abril
José Medeiros Ferreira
369 Autores
6
capítu lo 1
A FORMA ÇÃ O
D A N A CION A LID A D E
José Mattoso*
A N TECED EN TES
Ao con trário do qu e ten taram dem on strar as dou trin as n acion alis-
tas dos an os 30 a 60, baseadas, de resto, em con ceitos positivistas e rom ân -
ticos m u ito an teriores, n ão é possível en con trar vestígios coeren tes de u m a
n acion alidade portu gu esa an tes da fu n dação do Estado. Aqu ilo qu e o pre-
cedeu e qu e tem algu m a coisa a ver com o fen ôm en o n acion al redu z-se a
u m a persisten te eclosão de pequ en as form ações políticas ten den cialm en te
au ton ôm icas n a faixa ociden tal da Pen ín su la Ibérica (em paralelo, de res-
to, com form ações an álogas n ou tras regiões pen in su lares), qu e se verifica-
ram desde a pré-h istória até o sécu lo XII, m as qu e se caracterizam tam bém
pelo seu caráter descon tín u o e efêm ero. As dim en sões dos respectivos ter-
ritórios eram n orm alm en te redu zidas, pois n ão ch egavam n u n ca a abran -
ger áreas equ ivalen tes a n en h u m a das an tigas provín cias rom an as. An tes
da dom in ação rom an a, o pan oram a predom in an te é o da gran de fragm en -
tação territorial, ocasion alm en te com pen sada por coligações con ju n tu rais;
du ran te ela, a organ ização adm in istrativa (qu e se deve con siderar de tipo
colon ial) n ão ch egou a absorver por com pleto as divisões étn icas, qu e rea-
pareceram sob a form a de pequ en os poten tados locais desde qu e se esbo-
roou o con trole m u n icipal, m ilitar e fiscal exercido pelos seu s órgãos até o
fim do Im pério.
Com o é eviden te, as su cessivas cam adas de povos germ ân icos qu e
depois ocu param o ociden te da Pen ín su la tam bém n ão ch egaram a u n ifi-
car o território por eles dom in ado; lim itaram -se a fazer reverter para seu
ben efício as im posições m ilitares e fiscais qu e an teriorm en te eram exigidas
pelas au toridades rom an as. Pode-se dizer aproxim adam en te o m esm o da
ocu pação m u çu lm an a, qu e, de resto, foi m u ito efêm era a n orte do Dou ro,
e qu e foi con stan tem en te en trecortada por revoltas region ais e locais, al-
gu m as das qu ais m an tiveram certos territórios com o in depen den tes du -
ran te dezen as de an os. A su a expressão con creta m ais eviden te foram os
rein os taifas do Ociden te qu e m an tiveram a su a au ton om ia du ran te a
m aior parte do sécu lo XI. En tretan to, a n orte do Mon dego, en tre os sécu -
los VIII e XI, a ocu pação astu rian a e depois leon esa tam bém estava lon ge
de con segu ir a in teira fidelidade n ão só dos poten tados locais com o tam -
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José Mattoso
bém dos próprios represen tan tes da m on arqu ia; todos eles se com porta-
vam freqü en tem en te com o sen h ores in depen den tes.
O território portu gu ês pôde, portan to, com parar-se a u m puzzle
con stitu ído por u m n ú m ero con siderável de peças qu e se foram associan -
do en tre si de várias m an eiras, sem qu e os poderes su periores qu e aí exer-
ciam a au toridade tivessem sobre elas gran de in flu ên cia. A su a prin cipal
estratégia con sistia em m an ter a dom in ação, pactu an do de form as variá-
veis com os poderes region ais e locais, exploran do as su as divisões, ou
qu an do era possível, exterm in an do revoltas dem asiado osten sivas. A esta
estratégia opõe-se, eviden tem en te, a dos poderes in feriores qu e ora explo-
ram a via da revolta aberta, ora a do pacto con dicion ado com os poderes
régios; ora se aliam com os parceiros do m esm o n ível, ora os com batem ,
recorren do para isso, se n ecessário, ao apoio dos delegados régios, n u m
jogo in stável, ditado por circu n stân cias ocasion ais.
O prim eiro fato qu e se pode relacion ar com a fu tu ra n acion alidade
portu gu esa é, por isso m esm o, aqu ele em qu e se verifica a associação de
dois an tigos con dados perten cen tes cada u m deles a u m a provín cia rom a-
n a diferen te: o con dado de Portu cale, situ ado n a an tiga provín cia da Ga-
lécia, e o de Coim bra, n a an tiga provín cia da Lu sitân ia. Form aram o qu e
en tão se ch am ou o “Con dado Portu calen se” (o qu e pressu pu n h a a h ege-
m on ia do con dado do Norte sobre o do Su l), en tregu e pelo rei Afon so VI
de Leão e Castela ao con de Hen riqu e de Borgon h a, com o dote de casa-
m en to de su a filh a ilegítim a D. Teresa n o an o de 1096.
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A FORMAÇÃO DA NACIONALIDADE
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José Mattoso
A situ ação de gu erra assegu ra, portan to, u m papel fu n dam en tal
tan to à n obreza, qu e ten dia a m on opolizar as fu n ções m ilitares, com o às
m on arqu ias sob as qu ais ela se agru pa region alm en te e qu e assu m em sem -
pre a ch efia e a coorden ação das gran des operações gu erreiras. Con sti-
tu em -se assim blocos fron teiriços qu e assegu ram a eficácia das operações.
A associação en tre u m a classe social com fortes apoios fu n diários, com po-
deres próprios e in teressada n a gu erra, e os reis qu e a apoiam assegu ra aos
diversos rein os pen in su lares u m trajeto político du radou ro.
P ORTUGA L E A GA LIZA
Até 1128 verifica-se u m a série de acon tecim en tos políticos qu e pa-
recem ligar os destin os de Portu gal aos da Galiza. O prin cipal é a form ação
de u m rein o in depen den te com Garcia I (1065-1071), qu e apesar da su a
posterior apropriação pelo rei de Leão e Castela se m an teve n om in alm en -
te separado destes en qu an to o m esm o rei Garcia esteve preso, até à su a
m orte em 1091, e qu e con tin u ou sob a form a de u m con dado en tregu e a
Raim u n do até 1096. A participação de algu n s m em bros da aristocracia ga-
lega n o com bate ao Islã e a su a fixação em território portu gu ês reforçam
esta aproxim ação. A separação de Portu gal e Galiza, con cretizada sob a
form a de dois con dados in depen den tes u m do ou tro, com a redu ção da
au toridade de Raim u n do apen as à Galiza e a con cessão de Portu gal a Hen -
riqu e, vem criar u m h iato n esta política. Este h iato, porém , estava já laten -
te, n o plan o eclesiástico, por cau sa da rivalidade en tre as sés de Braga e de
Com postela, desde a restau ração da prim eira em 1070. Verifica-se, assim ,
u m a situ ação caracterizada pela presen ça de dois m ovim en tos con traditó-
rios, u m qu e ten de a m an ter a u n ião com a Galiza, ou tro qu e apon ta já
para a separação. Note-se qu e o prim eiro adm itia du as solu ções, con form e
se viesse a resolver por m eio da h egem on ia da Galiza ou da h egem on ia de
Portu gal. Note-se tam bém qu e Hen riqu e com bateu pela segu n da destas
solu ções, pois esperava restau rar em seu favor o an tigo rein o da Galiza e
de Portu gal, com o con sta do acordo assin ado com seu paren te Raim u n do,
con h ecido sob o n om e de “pacto su cessório”. A m orte de Raim u n do em
1107 só podia ter acen tu ado tais objetivos. É provável qu e a “rain h a” D.
Teresa tivesse m an tido a m esm a idéia depois da m orte de Hen riqu e
(1112), e qu e isso expliqu e as su as ligações a Pedro Froilaz de Trava e aos
seu s filh os, dado o papel daqu ele com o tu tor do h erdeiro do tron o, Afon -
so Raim u n des (fu tu ro Afon so VII).
Este propósito, porém , veio a fracassar em virtu de da con ju gação de
du as séries de acon tecim en tos con vergen tes: por u m lado, o fato de tan to
D. Urraca com o seu filh o Afon so VII terem lu tado den odadam en te pela
m an u ten ção da u n idade da m on arqu ia castelh an o-leon esa, com o persis-
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A FORMAÇÃO DA NACIONALIDADE
ten te apoio de Diego Gelm írez, arcebispo de Com postela, qu e via n essa so-
lu ção o m elh or apoio para as su as am bições de prelado da ú n ica sé apos-
tólica do Ociden te além da de Rom a, e qu e preten dia ser a m aior au tori-
dade espiritu al de toda a Pen ín su la; por ou tro lado, pelo fato de os barões
portu calen ses e o arcebispo de Braga terem percebido qu e a u n ião de Por-
tu gal e da Galiza sob a h egem on ia galega os m an teria fatalm en te n u m a si-
tu ação de in ferioridade e de depen dên cia; para estes, portan to, era prefe-
rível m an ter Portu gal com o u m con dado su jeito diretam en te ao rei de
Leão e Castela do qu e restau rar o rein o da Galiza e Portu gal, ain da qu e sob
a au toridade de D. Teresa (sobretu do se ela ficasse a dever a su a realeza
efetiva aos Travas). Foi essa a solu ção qu e de fato se torn ou possível a par-
tir da batalh a de S. Mam ede (1128), por m eio da qu al os barões portu ca-
len ses, com o apoio do arcebispo de Braga, depois de terem obtido o apoio
ativo de Afon so Hen riqu es, expu lsaram do con dado Fern ão Peres de Tra-
va e a rain h a D. Teresa.
Con tu do, dada a im portân cia da gu erra extern a n o processo de for-
m ação das u n idades territoriais n acion ais da Pen ín su la, o qu e provavel-
m en te assegu rou a efetiva du rabilidade da au ton om ia portu gu esa, reivin -
dicada em S. Mam ede, n ão foi tan to a opção qu e a n obreza portu calen se
tom ou em favor de Afon so Hen riqu es, ou m elh or, con tra o dom ín io qu er
de Gelm írez, qu er dos Travas, m as o fato de a essa opção se ter segu ido,
n u m a seqü ên cia irreversível, a n ecessidade de assu m irem o prin cipal pa-
pel da gu erra an tiislâm ica, relegan do para segu n do plan o a atu ação da
aristocracia galega. É verdade, porém , qu e n ão o fizeram diretam en te, sob
a direção e com u m a participação in ten sa das lin h agen s n orten h as, m as
sob a direção de Afon so Hen riqu es, a partir do m om en to em qu e ele, ape-
n as três an os depois de S. Mam ede, se fixou em Coim bra e passou a tom ar
u m papel extrem am en te ativo n a Recon qu ista.
O ESPA ÇO VITA L
Preen ch ida a con dição qu e perm itiu a u m gru po social – os barões
portu calen ses e o m ais im portan te dos bispos – desem pen h ar u m papel a-
tivo de prim eiro plan o n a política pen in su lar, m an tido o seu protagon ism o
devida à gu erra extern a, n em por isso se podia con siderar garan tida a in -
depen dên cia de Portu gu al. É provavel qu e ela n ão se tivesse podido m an -
ter se n ão se apoiasse n u m território dotado de recu rsos econ ôm icos su fi-
cien tes para a su portar. O qu e, portan to, a assegu rou n a fase segu in te foi
a apropriação de n ovos espaços cu jos recu rsos eram com plem en tares dos
do n ú cleo in icial, e qu e este teve capacidade para dom in ar por in term édio
de u m qu adro h u m an o su jeito aos seu s in teresses. Ou seja, con creta-
m en te, o qu e, n u m a segu n da fase, con solidou a capacidade au ton ôm ica de
11
José Mattoso
Portu gu al foi a con qu ista de Lisboa e de San tarém e a posse dos seu s res-
pectivos alfozes. Este fato trou xe con sigo a possibilidade de colocar n a vi-
gilân cia e adm in istração dos n ovos territórios paren tes da n obreza n orte-
n h a qu e eram afastados da partilh a h ereditária n as terras de origem para
n ão am eaçarem a base m aterial do poder fam iliar, ou su bordin ados seu s
qu e n ão podiam prosperar den tro dos seu s dom ín ios sen h oriais. Assim se
perm itia e propiciava a expan são da classe dom in an te sem qu e ela fosse
afetada por u m a crise de crescim en to, dada a exigu idade do território em
qu e ela exercia os seu s poderes – o En tre-Dou ro-e-Min h o.
Essa possibilidade, qu e assegu rava u m a certa u n idade ao con ju n to,
sob a orien tação política de u m gran de ch efe m ilitar, n a pessoa de Afon so
Hen riqu es, perm itia tam bém en con trar a form a de absorver ou tros exce-
den tes dem ográficos de En tre-Dou ro-e-Min h o, qu e du ran te os sécu los XI
e XII n ão cessaram de au m en tar. Os cam pon eses dali, dem asiado aperta-
dos n u m a área fertil m as redu zida, procu ravam n ovas terras para poderem
su bsistir. A atração das cidades m u çu lm an as en volvidas por u m a au ra de
prosperidade e de riqu eza fabu losa orien tou boa parte destes exceden tes,
prim eiro para as expedições de com bate, depois para a fixação n as cidades,
logo a segu ir para a ocu pação do hinterland estrem en h o, qu e a an terior si-
tu ação de gu erra tin h a m an tido até en tão bastan te despovoado.
O aflu xo ao litoral portu gu ês e às cidades próxim as dele de u m a po-
pu lação qu e em boa parte reprodu zia as estru tu ras im plan tadas n o En tre-
Dou ro-e-Min h o, e qu e, portan to, ao m esm o tem po, expan dia e fortalecia
o n ú cleo in icial, garan tia-lh e, assim , a viabilidade de su bsistên cia e de au -
ton om ia. Ocu pava as cidades do Ociden te atlân tico e, com elas, o dom ín io
das vastas áreas econ ôm icas qu e elas con trolavam . Organ izava o seu con -
ju n to (Porto, Gu im arães, Braga, Coim bra, Lisboa, San tarém , Évora) n u m a
rede de trocas com plem en tares cu jas poten cialidades exerciam sobre os
seu s diversos elem en tos u m papel de estím u lo, tan to pelas possibilidades
de escoam en to da produ ção, com o pela capacidade de abastecim en to. As
cidades, por su a vez, ao con cen trarem a popu lação, levavam ao desen vol-
vim en to das áreas circu n dan tes, an teriorm en te preju dicadas pela gu erra
qu ase con tín u a, para poderem assegu rar o seu próprio abastecim en to em
produ tos alim en tares e em m atérias prim as. Por ou tro lado, a m esm a con -
cen tração popu lacion al obrigava a desen volver a produ ção artesan al, para
com ela se poderem pagar os produ tos vin dos do cam po. Um a parte do ar-
tesan ato destin a-se ao apoio das atividades m ilitares, visto qu e as cidades
da lin h a do Tejo e a de Évora con tin u aram am eaçadas pelas in cu rsões m u -
çu lm an as até 1217. A con tin u ação da gu erra para su l e sobretu do a con -
qu ista de Badajoz pelos leon eses em 1229 ou 1230 (depois da fru strada in -
vestida de Afon so Hen riqu es em 1169), qu e destru iu o prin cipal cen tro
m ilitar alm ôada da fron teira ociden tal, tiveram com o resu ltado a segu ran -
ça das cidades do litoral atlân tico. Um a vez con segu ida esta e ocu pado
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A FORMAÇÃO DA NACIONALIDADE
tam bém o Alen tejo e o Algarve (1249), com a con seqü en te pacificação dos
m ares devido à destru ição dos prin cipais pólos da pirataria sarracen a, fica-
va aberto o com ércio in tern acion al direto, por via m arítim a, sem ter de se
recorrer à m ediação castelh an a.
Certos au tores (sobretu do Torqu ato Soares) ch am aram a aten ção
para o fato de assim se ter recon stitu ído u m con ju n to qu e coin cidia apro-
xim adam en te com três an tigos “con ven tos” ju rídicos da época rom an a
(Bracara, Scalabis e Pax Ju lia – Braga, San tarém e Beja). A diferen ça prin -
cipal con sistia em qu e eles estavam su bordin ados a provín cias diferen tes e
qu e só sob adm in istração portu gu esa é qu e os seu s territórios passaram a
form ar u m con ju n to qu e n ão estava su bordin ado a n en h u m pólo político
n em econ ôm ico extern o.
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José Mattoso
u n idade política possibilitou tam bém a in tegração das cidades organ iza-
das em con celh os n o espaço n acion al, sem os su jeitar aos sen h orios par-
ticu lares (excetu an do, até o sécu lo XIV, as cidades do Porto e de Braga) e,
desde Afon so III (1248-1279), a su a su bordin ação à política econ ôm ica
orien tada pela coroa.
Até 1211 pode-se dizer qu e o rei n ão im pediu a con solidação dos
poderes sen h oriais n o Norte, n em sequ er a su a expan são n o Cen tro e Su l
do País (sobretu do de sen h orios eclesiásticos), e qu e tam bém n ão in terveio
n a adm in istração in tern a dos con celh os. Lim itou -se a dirigir as operações
m ilitares com os recu rsos qu e os con celh os e os sen h ores lh e forn eciam e
sobretu do com as tropas qu e podia recru tar com os ren dim en tos dos do-
m ín ios régios. Ele próprio se con siderava com o u m “sen h or”. Só algu n s
m em bros da cú ria régia, im bu ídos das idéias ju rídicas in spiradas n o Direi-
to Rom an o, atribu íam -lh e, desde a década de 1190, au toridade de verda-
deiro rei, e n ão apen as de primus inter pares. Para isso con tribu iu , por u m
lado, a con cepção, já an tiga, da realeza com o au toridade respon sável pela
m an u ten ção da ju stiça e da paz, acim a da qu e os sen h ores e os con celh os
podiam assegu rar, e o verdadeiro carism a de gu erreiro qu e os eclesiásticos
recon h eciam em Afon so Hen riqu es, e qu e seu filh o San ch o I procu rou
tam bém m erecer.
Apesar disso, n ão se pode dizer qu e h ou vesse verdadeiram en te u m
Estado portu gu ês até a m orte de San ch o I. O seu verdadeiro fu n dador,
com o organ ism o político capaz de assegu rar u m a adm in istração im pessoal
e u m a au toridade a qu e m esm o os poderes sen h oriais tin h am de se su jei-
tar, in depen den tem en te de com prom issos recíprocos de vassalidade, foi
Afon so II (1211-1223). Este, ten tan do, certam en te, pôr em prática as
idéias do ch an celer Ju lião, qu e in iciara as su as fu n ções já em tem po de
Afon so Hen riqu es, e qu e criara u m a verdadeira plêiade de ju ristas com o
seu s au xiliares, e, por ou tro lado, in flu en ciado pelo próprio processo da
cen tralização da cú ria rom an a, qu e tam bém in spirou Frederico II n o go-
vern o da Sicília, com eçou o seu rein ado pela prom u lgação de u m corpo de
leis. Depois ocu pou -se em m on tar u m a verdadeira adm in istração política
do território e em organ izar as fin an ças da coroa com base n a econ om ia
citadin a. De form a ru dim en tar, sem dú vida, m as qu e tin h a já em em brião,
as fu n ções estatais, adian tava-se, assim , à m aioria das m on arqu ias feu dais
do Ociden te eu ropeu .
Apesar das violen tas oposições qu e tal política su scitou da parte da
n obreza sen h orial, e de vários m em bros do alto clero, m as con tan do com
u m pequ en o gru po de vassalos fiéis, Afon so II m an teve a m esm a orien ta-
ção até ao fim da vida. As cisões qu e se segu iram n o seio da n obreza con -
du ziram , depois, du ran te o rein ado de San ch o II (1223-1248), cu ja fra-
qu eza e in decisão con trastam fortem en te com a firm eza da seu pai, a u m a
verdadeira an arqu ia social agravada pela crise da própria n obreza. Esta,
14
A FORMAÇÃO DA NACIONALIDADE
15
José Mattoso
16
A FORMAÇÃO DA NACIONALIDADE
B IBLIOGRA FIA
DAVID, P. Études historiques sur la Galice et le Portugal du VIe au XIIe siècle. Lis-
boa: Bertran d, 1947.
ERDMANN, C. O papado e Portugal no primeiro século da história portuguesa.
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capítu lo 2
O FIN A L D A ID A D E MÉD IA
Maria Helen a da Cru z Coelh o*
19
Maria Helena da Cruz Coelho
do rei e da corte régia, do clero, da n obreza e dos procu radores dos con -
celh os, qu e sim bolizavam as h ierarqu ias, n a su a dign idade e h on ra, de
u m a sociedade h ierarqu izada, n u m corpo h arm on ioso, dirigido por u m
cabeça, qu e o govern ava, e con stitu ído por u m tron co e pés qu e o su sten -
tavam . A palavra, em discu rso oficial, dá form a in telectiva ao qu e se vê e
sen te. Para logo em segu ida se passar ao sim bólico e de discu rsivo à ação.
De u m poder m ediatizado pela represen tação, qu e a vista e o ou vido per-
cebem , a u m poder em exercício qu e atin ge a von tade e o coração.
Ao seu rei e sen h or a fam ília real e os gran des têm de prestar m e-
n agem e ju rar obediên cia pelas graças e ben s dele recebidos e os procu ra-
dores das cidades e vilas ju rar lealdade e serviço.3 Ato h abitu al de ju ra-
m en to de fidelidade ao n ovo m on arca se n ão fora o n ovo ritu al de pala-
vras e gestos. Qu e n ão agradou aos sen h ores. Em especial, e por todos,
com o o m ais poderoso, ao du qu e de Bragan ça.4
Talvez n ão assim aos procu radores dos con celh os qu e, con h ecen do
por certo já o perfil do n ovo m on arca, e aproveitan do-se da con ju n tu ra
favorável do in ício de u m ou tro rein ado, pediram , m etódica e program a-
dam en te, reform as n a ju stiça, n a fazen da e n a defesa. Qu eriam ver dim i-
n u ídos os poderes ju risdicion ais dos sen h ores e elim in adas as opressões
qu e in fligiam aos povos, com o n ão m en os preten diam órgãos régios com
fu n ções rigorosam en te defin idas e oficiais com peten tes e zelosos, n u n ca
n ão-cu m pridores ou abu sadores. Desejavam ver m oderação n a con cessão
de ten ças, m oradias e assen tam en tos aos vassalos, criados e m oradores n a
corte, deven do estes ser socialm en te com patíveis com essa m esm a corte
e n ela servir con ven ien tem en te. Esperavam ver a defesa eficazm en te as-
su m ida pelos qu e tin h am especificam en te tal m issão, por ela receben do
ben efícios. Mas pelo con trário, n ão qu eriam recru tadores m ilitares qu e
sobrecarregassem os povos. Alm ejavam n a persecu ção dos seu s in teres-
ses, qu e eram os dos m aiores en tre o povo, liberdades com erciais, afasta-
m en to de con corren tes estran geiros ou ju deu s, dom ín io dos m esteirais,
boas oportu n idades n a agricu ltu ra e criação de gado.
De tu do isso se agravam n u m lon go rol de 172 capítu los gerais, ob-
ten do em 46,5% deles resposta favorável do m on arca.5 Mas a lista acres-
ceu -se ain da de m ais 140 capítu los especiais, visan do sobrem an eira os
problem as da adm in istração, política e econ om ia locais, qu e lograram al-
can çar do m on arca u m a percen tagem de 53,6% de respostas afirm ativas.6
Decorridos u n s escassos 7 m eses7 e já os povos estavam de n ovo
sen do ch am ados a Cortes, agora para San tarém .8 Desta vez, a fim de con -
tribu írem para a rem issão das dívidas de seu pai, deven do ser cobrado u m
pedido de 50 m ilh ões. Não parecem ter com parecido às m esm as o clero e
a n obreza, con h ecen do-se apen as a presen ça de doze con celh os. No en -
tan to só de on ze possu ím os capítu los especiais, abran gen do o país de n or-
te a su l, com o se eviden cia pelo m apa, e n en h u n s gerais.
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O FINAL DA IDADE MÉDIA
Barcelos (2)
Bragança (7)
Braga (1)
Guimarães (1)
Miranda do
Douro (2)
Lamego (3)
Aveiro (6)
Guarda (2)
Coimbra (6)
Coruche (1)
Elvas (4)
Estremoz (3)
Olivença (4)
Setúbal (2)
Silves (3)
Lagos (8) 0 50 km
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O FINAL DA IDADE MÉDIA
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Maria Helena da Cruz Coelho
Mas além da con flitu osidade com os sen h ores, h avia a con flitu osi-
dade com ou tros protagon istas dos poderes con celh ios.
Vila Viçosa (5 e 6), qu e se diz sobrecarregada de h om en s privilegia-
dos, qu eria qu e os cristãos n ovos n ão fossem isen tos de servir du ran te 20
an os, com o o m an arca m an dara, in sin u an do até qu e m u itos, falsam en te,
h aviam -se con vertido. Da m esm a m an eira, espin gardeiros e besteiros ou
ou tros privilegiados, qu an do eram citados pelos ju ízes, por crim es ou dí-
vidas, exim iam -se de respon der, alegan do qu e só o deviam fazer peran te
o an adel-m or, espin gardeiro-m or ou m on teiro-m or, o qu e os deixava im -
pu n es, já qu e era trabalh oso ch egar a tão distan tes ju lgadores. Descon h e-
cen do-se as respostas aos pedidos deste con celh o, n ada sabem os sobre as
determ in ações joan in as. Con h ecem o-las, porém , para Oliven ça. E cu rio-
sam en te a voz qu e pu gn a por este con celh o, tal com o a qu e represen tou
o an terior de Vila Viçosa, n ão parece ser dem asiado afeita às elites gover-
n ativas. Assim , m u ito sin tom aticam en te, Oliven ça afirm a ter com o m aior
riqu eza as su as vin h as e olivais. Mas n esses ben s sofrem dan os dos gados,
porqu e os alcaides, gran de e pequ en o, e os qu e an dam n os pelou ros ou
detêm os ofícios, têm parte n as carn içarias da vila, qu er de cristãos qu er
de ju deu s. E, com o dizem , fazem im pu n em en te todo o m al, tan to por se-
rem prin cipais, com o pela pressão qu e advém do cargo e ofício qu e de-
sem pen h am . Roga, en tão, por u m a ordem régia in terditan do a tais h o-
m en s a carn içaria, pois, m esm o as m u ltas já decretadas pelo con de de Oli-
ven ça 12 com esse fim n ão eram respeitadas. Aspectos a salien tar. Estes la-
vradores das vin h as e oliviais pareciam ter o apoio do seu sen h or, con tra
as exorbitân cias das elites dirigen tes. E tiveram tam bém o ben eplácito ré-
gio, qu e pu n ia os prevaricadores com 20 cru zados, à sem elh an ça do qu e
se passava em Estrem oz.
Os dem ais artigos apresen tados visam a aspectos da adm in istração
local ou da econ om ia con celh ia.
Faro (1 e 2) qu er ter alcaide de seu foro e alm otacaria n o pescado,
segu n do os seu s u sos, o qu e o m on arca con firm a. Mon forte (1) e Vila Vi-
çosa (3) lu tam pelo respeito do seu privilégio de isen ção de portagem .
Lou lé (2) está m u ito preocu pada com o in vestim en to qu e fez n o
Porto de Farrobilh as, pois seu s m oradores, apesar de se abastecerem n a
vila, o qu e até faz su bir os preços, n ão lh e trazem n en h u m pescado, an -
tes o exportam todo para Castela, o qu e n ão parece ju sto, fican do decidi-
do qu e u m a parte ru m asse a Lou lé. Igu alm en te tem iam (3) – por ou vir di-
zer – qu e o soberan o desse u m esteiro do porto, on de arrecadavam os n a-
vios, para se con stru írem azen h as, o qu e D. João II m an da averigu ar.
Se a defesa do m ar é a preocu pação dos algarvios, a defesa da ter-
ra ocu pa Oliven ça e Vila Viçosa. A prim eira terra fron teiriça, tem acres-
cido problem as. O abastecim en to de len h a e m adeira ao con celh o esta-
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3 TIPOS D E RESPOSTA S
CORTES DE SANTARÉM DE 1482 – CAPÍTULOS ESPECIAIS
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4 TIPOS D E RESPOSTA S
CORTES D E ÉVORA D E 1490 – CA PÍTULOS GERA IS
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O FINAL DA IDADE MÉDIA
tros in deferim en tos em n ível econ ôm ico, com pleta-se o sen tido do qu e-
rer de u m m on arca qu e desejava ter todos os poderes e poderosos su jei-
tos ao seu con trole e qu e os pequ en os o vissem com o seu defen sor e pro-
tetor.31 Ten taram os criadores de gado fu gir à fiscalização das au toridades
régias, o qu e lh es perm itiria u m com ércio lícito ou ilícito de an im ais m ais
ren tável. Foi-lh es n egado.32 Ten taram os com ercian tes elim in ar os m on o-
pólios das exportações, m orm en te de cortiça (18).33 Receberam u m a eva-
siva. Qu iseram ain da retorn ar aos pesos e m edidas an tigas (33). O pedi-
do foi in deferido. O sim régio era dado com critérios. Nu n ca a con descen -
dên cia devia in terferir n os plan os gerais do rei ou do rein o.
Dessas m esm as Cortes possu ím os u m total de 60 capítu los especiais
proven ien tes dos in teresses de 17 con celh os.34 Portan to o dobro dos agra-
vos especiais apresen tados n as an teriores Cortes de 1482. O lon go espa-
çam en to desta reu n ião, em relação à an terior, assim o ju stificaria.
Com gran de gen erosidade o m on arca defere totalm en te 66,7% dos
pedidos, o qu e, ju n tan do-lh es aqu eles a qu e an u i ain da qu e em parte ou
sob con dições, perfaz o su bstan cial m on tan te de 86,6% , com o o gráfico o
atesta. In defere expressam en te apen as 4 capítu los e adia ou tros tan tos. Al-
can çada a paz in tern a, acrescen tan do o prestígio e o proveito de u m Por-
tu gal qu e crescia em África e son h ada a con certação ibérica, D. João II
via-se in clin ado a favorecer os povos.
5 TIPOS D E RESPOSTA S
CORTES D E ÉVORA D E 1490 – CA PÍTULOS ESPECIA IS
Os capítu los qu e visam aos problem as econ ôm icos dos con celh os
predom in am , para depois se lh es segu irem os qu e dizem respeito à adm i-
n istração cen tral e ao social e, por fim , se apresen tarem os relativos ao fis-
co e adm in istração local, o qu e o qu adro m elh or especifica.
A crítica aos oficiais régios n ão apresen ta n ovidades em relação ao
qu e sem pre se reclam ava em Cortes – u m a atu ação das au toridades den -
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tal m odo qu e os povos diziam ser isto pior qu e pagar as sisas em dobro.
Por su a vez Lam ego (3) verbera con tra o con de de Marialva 43 qu e tin h a
os direitos reais da cidade e n ão respeitava as n orm as foraleiras da arre-
cadação da portagem , apelan do D. João II ao cu m prim en to do direito
con su etu din ário. Arrecadar o m áxim o, qu an do os direitos reais lh es eram
doados, torn ava-se u m im perativo dos sen h ores, o qu e explicava todos
estes abu sos.
Nu m qu adro m ais geral, Barcelos (1) dá con ta de ban dos de fidal-
gos qu e erravam pela vila fazen do arru aça e aterrorizan do as pessoas.
Precisa D. João II qu e os fidalgos m oradores n a vila e term o n ão se po-
dem lan çar fora, m as aos dem ais restrin ge a estadia n a vila a 5 dias.
Qu an do a fidalgu ia desem pen h ava altos cargos, com o em Estrem oz
(3), n a pessoa do seu alcaide-m or qu e era con de,44 en tão os perigos tra-
du zem -se em in terferên cia n a adm in istração con celh ia. Assim , qu an do
h avia fu gas da prisão, o ju iz – por certo ju iz de fora 45 –, por ordem do al-
caide, m an dava os vereadores tom ar a ch ave da cadeia e gu ardar os pre-
sos. Logo os h om en s bon s, vexados e obrigados, n egavam -se ao exercício
de tais cargos. Era tam bém u m abu so sobre a prisão do con celh o, a afron -
ta qu e a Gu arda (2) adu zia con tra o seu bispo, qu e a u tilizava em vez da
su a própria, ú n ico agravo con tra a clerezia n estas Cortes.46
A vida in tern a dos con celh os, do seu aparelh o govern ativo às su as
fin an ças, m edidas econ ôm icas ou problem as sociais, em erge tam bém em
vários agravos.
O con celh o de Silves (1) requ er a liberdade de eleger em câm ara
corretores, os qu ais lh e garan tiam u m m elh or con trole de com pra e ven -
da de m ercadorias, o qu e o soberan o con sen te até ao n ú m ero de qu atro.
Em Extrem oz (2) será a voz da elite govern ativa qu e se ergu e para con -
den ar o m odo de atu ar de dois aposen tadores eleitos pelo povo qu e
“atroam ” toda a terra, pedin do logo qu e se escolh esse, por eleição, u m do
povo e ou tro escu deiro, talvez assim se am oldan do m elh or o cargo às cli-
vagen s sociais existen tes. Mais alto se ergu em as m esm a vozes (1) con tra
a “sayoria” de serem 12 h om en s dos m esteres a receberem as terças para
os m u ros e as coim as dos gados. Nu m a qu alqu er con ju n tu ra favorável, h a-
viam os m esteres con segu ido estas cobran ças, qu e perpetu avam , fazen do-
se eleger em su as casas e rodan do en tre si sapateiros, tecelões e ou tros ofí-
cios, n o qu e, com o bem sabem os, reprodu ziam as estratégias de poder das
elites. São ain da acu sados de n ão desem pen h arem os seu s m esteres depois
de serem eleitos, além de, h á 18 an os, n ão darem con ta do din h eiro arre-
cadado, n em terem feito obras. Mas o seu “rein ado” parece estar ch egan -
do ao fim . O m on arca acede ao pedido dos govern an tes de Extrem oz. De-
term in a qu e os cobradores fossem apen as dois, eleitos em câm ara pelos
ju ízes e oficiais, e só deviam correr a terra por m an dado dos oficiais e es-
tan do presen te u m tabelião qu e tu do an otasse. É provável qu e h ou vesse
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O FINAL DA IDADE MÉDIA
de fato u m abu so. Mas o m aior seria, sem dú vida, os m ecân icos terem con -
segu ido lu gares n o aparelh o govern ativo, e sobrem an eira de cobran ça,
n u m a época em qu e por todas as Cortes se atravessavam as vozes das eli-
tes dirigen tes con tra a in trom issão dos m esteres n a govern an ça.
Ou tros gru pos sociais in terferiam com a adm in istração con celh ia.
Assim , em Torres Vedras (1), u n s qu an tos qu e se qu eriam privilegiados –
besteiros da câm ara e do con to, m oedeiros e ain da ju gadeiros e caseiros
do clero ou fidalgu ia – escu savam -se dos en cargos con celh ios, n o qu e o
m on arca n ão con sen te. Aqu i advogava-se com privilégios. Nou tros casos
com distân cia. Os h om en s do term o, qu e viam n os oficiais da su a sede
apen as dom in ân cias e n ão esperavam h aver por eles defen didos os seu s
in teresses n as m ais altas in stân cias, n egavam -se a con tribu ir para as fin -
tas qu e os con celh os lan çavam a fim de cu stearem os procu radores às
Cortes. Assim o declarava Braga (1), en u m eran do os term os qu e deseja-
va ver com pelidos, e Lam ego (1), qu e preten dia esten der este en cargo
m esm o a todo o alm oxarifado, ou , pelo m en os, aos con celh os du as légu as
em redor, dos qu ais se sen tia cabeça. E daqu i ressaltam claram en te as pre-
pon derân cias de algu n s con celh os m ais poderosos em face de ou tros qu e
gravitavam n a su a órbita, com o o jogo de in flu ên cias e pressões dos h o-
m en s da cidade sobre os do term o.
E peran te esta real situ ação vivida, por vezes h á acordos, ou tras ve-
zes en gan os. Com os h om en s do term o o con celh o de Bragan ça h avia fei-
to u m pacto (3) – n ão serviam n os en cargos con celh ios, rem in do essa
obrigação com o pagam en to de 4 alqu eires de cen teio an u ais. Mas eram
tam bém esses m esm os h om en s (6), talvez com u m certo poder econ ôm i-
co, qu e se con lu iavam com algu n s am igos e n as su as casas citadin as ven -
diam as m ercadorias para n ão pagar sisa, isen ção de qu e só deviam des-
fru tar os qu e tin h am casa própria n a cidade.
Todos qu eriam fru ir das liberdades con celh ias, pou cos desejavam ,
todavia, su portar as obras com u n s e as fin an ças locais, bu scan do escu sas,
com o já vim os n o caso particu lar das despesas extraordin árias dos procu -
radores às Cortes. Além de qu e a in terseção en tre fin an ças in tern as e fis-
calização estava sem pre presen te.
Justamente o concelho de Bragança (3), que recebia dos homens do
termo os quatro alqueires de centeio, que os isentava dos encargos, acusa-
va o juiz dos resíduos de lhe querer levar a terça desse pão para as obras, o
que não lhe parecia justo – e o monarca assim o corrobora – porque não se
tratava de uma renda permanente de concelho. Também Guimarães (1),
com a escassa renda de 4.000 reais, que, como dizia, gastava toda na festa
do Corpo de Deus, pusera um imposto de 1 ceitil por canada, no vinho ata-
bernado da vila e termo, rogando ao monarca que, dos 10.000 ou
12.000 reais que estimavam poder arrecadar, não pagasse o terço, pois já ti-
nha de dar 2.000 reais para o relego, no que também D. João II concorda.
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Maria Helena da Cruz Coelho
A terça era pesado tribu to a solver à coroa. Não pou cas vezes se er-
gu e, en tão, a voz dos con celh os para rogar ao soberan o qu e a m esm a fi-
qu e n o con celh o para servir às obras com u n s. Nestas Cortes pediram -n o
Aveiro (4), Coru ch e (1), Setú bal (1) e Torres Vedras (2). D. João II defe-
re caso a caso, talvez com con h ecim en to das situ ações con cretas. Con ce-
de isen ção por 5 an os a Aveiro e Coru ch e e n ega-a aos ou tros dois con -
celh os. Igu alm en te du ra para os vizin h os era a con tribu ição para os pedi-
dos, sobretu do porqu e a su a cobran ça dava m otivo m u itas vezes a exces-
sos. Logo o con celh o de Bragan ça (7) qu er ser declarado com o pago dos
8.000 reais da su a parte n o pedido dos 50 m ilh ões. Por su a vez Aveiro (6)
diz h aver u m saldo, n a an terior percepção do pedido de 40 m ilh ões qu e
agora desejava ver descon tado n a cobran ça deste.
Um govern o con celh io aten to devia zelar pelo qu e se arrecadava e se
pagava. Igu alm en te devia ser din âm ico n a defesa dos in teresses econ ôm icos
próprios, pen h or da riqu eza local. Con form e os con textos, ou vim os en tão pe-
didos qu e ten tam valorizar o com ércio, a criação de gado ou a agricu ltu ra.
No qu e às tran sações diz respeito n ão se qu eriam perder, em prim ei-
ro lu gar, as liberdades foraleiras e depois os tribu tos legais qu e sobre as
m esm as im pen diam e algu n s, frau du len tam en te, procu ravam lu dibriar.
Fosse ven den do fora da cidade com o fazia u n s qu an tos qu e com erciavam
sal e pescado pelos term os de Aveiro (2), fosse trazen do os ben s para a sede
do con celh o, a fim de se aproveitar das isen ções aí praticadas, com o agiam
os de Bragan ça. Desejavam os con celh os ter lu gares de ven da cativos e pri-
vilegiados. Barcelos (2) qu eria u m m ercado m en sal, on de os do term o fos-
sem obrigados a ir com erciar. Lam ego (2) pedia a isen ção da sisa por 15
dias para a su a feira. A am bos os pedidos acede o m on arca.
E para qu e o com ércio in tern o fosse u m a realidade, era preciso h a-
ver produ tos. Qu e deviam ser im portados qu an do faltavam . Qu e se qu e-
riam defen didos com prioridades de ven da. Por isso Lagos (6) deseja al-
can çar – e con segu e-o – a liberdade de ir bu scar trigo ao Norte da África,
a Mazagão e à Casa do Cavaleiro, on de ele é barato, pois, com o argu m en -
ta, se os catelh an os assim o faziam , m ais lh e parecia razoável qu e tam bém
eles o pu dessem ir bu scar. Com o n ão qu eriam qu e os pescadores da vila
ven dessem toda a sardin h a aos castelh an os (8), o qu e estes faziam até a
u m preço m ais barato,47 m as an tes exigiam qu e a trou xessem à vila por
esse m esm o preço, para depois servir de m oeda de troca com os alm ocre-
ves qu e até aí acarretavam o trigo.
Prioridade de ven da, sem con corrên cia, se requ eria para o vin h o
qu e devia abu n dar e, n ão sen do de boa qu alidade, podia azedar an tes de
dar qu aisqu er lu cros. Coim bra (1) preten de qu e lh e respeitem os 4 m eses
– m aio, ju n h o, ju lh o e agosto – em qu e os vizin h os tin h am direito à ven -
da. E tam bém este con celh o, de u m a artificiosa m an eira, pede a defesa do
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N OTA S
1. Leia-se, sobre este tem a, a sín tese de COELHO, M. H. da C. O peso dos privilegiados em
Portu gal. In : CONGRESSO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA, “EL TRATADO DE TORDESIL-
LAS Y SU ÉPOCA”, I, 1995, Madrid. p.291-314.
2. Estas Cortes foram já largam en te estu dadas, pelo qu e para algu n s estu dos m ais atu aliza-
dos rem etem os o leitor, n eles se en con tran do, aliás, referên cia à bibliografia an terior. Assim ,
e segu in do u m a ordem cron ológica, veja-se a prim eira parte, da respon sabilidade da prim ei-
ra au tora, do artigo de GOMES, A. A. A., COSTA, R. As Cortes de 1481-1482: u m a aborda-
gem prelim in ar. Estudos Medievais Porto, 1983-1984, p.151-79, em qu e se aborda o con teú -
do dos capítu los gerais e as respectivas deliberações régias. Con su lte-se depois a obra m ais
com pleta sobre capítu los gerais de Cortes de SOUSA, A. de, 1990. 2v., qu e n o prim eiro vo-
lu m e, en tre as págin as 420-6, refere-se aos aspectos form ais das m esm as, para n o segu n do
volu m e, en tre as págin as 445-87, dar-n os o resu m o dos seu s 172 capítu los e o teor das res-
postas do m on arca. Fin alm en te tam bém MENDONÇA, M. D. João II: um percurso humano e
político nas origens da modernidade em Portugal. Lisboa: Estam pa, 1991. p.195-249, estu da as
prelim in ares da con vocação e abertu ra destas Cortes, bem com o an alisa os assu n tos dos ca-
pítu los gerais e respostas do m on arca. O n osso estu do in dicará, basicam en te, sobre os capí-
tu los especiais das Cortes de 1482, ú n icos qu e n os ch egaram , e até agora n ão estu dados, e
as Cortes da Évora 1490, qu er n os seu s capítu los gerais, qu er n os especiais, estes ú ltim os
tam bém n ão an alisados até o m om en to.
3. Veja-se em CHAVES, Á. L. de. Livro de Apontamentos (1438-1489). Códice 443 da Colecção
Pom balin a da B. N. L., in trodu ção e tran scrição de SALGADO, A. M., SALGADO, A. J. Lis-
boa: Im pren sa Nacion al, Casa da Moeda, 1984; o discu rso de LUCENA, V. F. de. A form a das
m en agen s, a plan ta das Cortes e o in stru m en to das Cortes, n as folh as 10 v., 40v.-51.
4. PINA, R. de Ch ron ica d’el-rei Dom João II. In :___. Crônicas de Rui de Pina. Porto: Lello &
Irm ão-Editores, 1977. cap.V. (In trodu ção e revisão de Alm eida, M. L. de).
5. Estes valores foram calcu lados a partir da obra de Arm in do de Sou sa.
6. O estu do desen volvido do con teú do destes capítu los especiais, dos gru pos sociais e pes-
soas n eles visados, bem com o das respostas régias com preen de a Segu n da parte, da respon -
sabilidade da segu n da au tora, do artigo citado de ANDRADE, A. A., GOMES, R. C. As Cor-
tes de 1481-1482: u m a abordagem prelim in ar. p.181-212.
7. Cortes com eçadas em n ovem bro e term in adas an tes do Natal desse m esm o an o de 1482
(Arm in do de Sou sa, op. cit., p.426-29).
8. SOUSA, A. de, op. cit., p.426-29, refere-se aos aspectos form ais de reu n ião destas Cortes,
bem com o o faz MENDONÇA, M., op. cit., p.249-53, m as n en h u m dos referidos au tores se
debru ça sobre a an álise dos capítu los especiais.
9. Discrim in an do, são: 3 capítu los de Faro (TT – Odian a, liv. 2, f. 270); 1 de Gu im arães (TT-
Além Dou ro, liv. 4, f. 241); 7 de Lou lé (TT – Ch an c. D. João II, liv. 23, f. 106-7; Odian a, liv.
2, f. 50-50v); 1 de Mon forte (TT – Ch an c. D. João II, liv. 23, f. 20); 4 de Oliven ça (TT – Odia-
n a, liv. 2, f. 192-4); 1 de Pin h el (TT – Beira, liv. 1, f. 158v-159); 2 de Pon te de LIMA (tt –
Além Dou ro, liv. 3, f. 140v-141); 1 de Serpa (TT – Odian a, liv. 2, f. 192); 1 de Silves (TT –
Odian a, liv. 2, f. 297v-298); 8 de Vila Viçosa, de qu e n ão se con h ecem as respostas régias
(TT – Corpo Cron ológico, parte II, m . 1, doc. 40); 1 de Viseu (TT – Ch an c. D. João II, liv. 25,
f. 38v). Doravan te dispen sar-n os-em os de citar as cotas dos docu m en tos, m as iden tificare-
m os os artigos pelo con celh o e seu n ú m ero de ordem .
10. Ten h a-se em con ta qu e u tilizan do n os trabalh os de ou tros au tores para as Cortes de Evo-
ra de 1481-1482 e para os capítu los gerais das de Évora de 1490 pode h aver algu m defasa-
m en to n a an álise da n atu reza dos artigos, bem com o n a classificação das respostas régias,
en tre a classificação aí apresen tada e a n ossa.
11. Só n ão estiveram Mon forte, Oliven ça, Pin h el, Serpa e Vila Viçosa.
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Maria Helena da Cruz Coelho
12. Por certo Rodrigo Afon so de Melo, casado com D. Isabel de Men eses, con de de Oliven -
ça desde 1476 e falecido em 1487 (FREIRE, A. B. Brasões da Sala de Sintra. 2.ed. Coim bra:
Im pren sa da Un iversidade, 1930. liv. III, p.324-25).
13. Sobre a form ação da Casa de Bragan ça e a dim en são do seu real poder em terras, direi-
tos, ju risdições e h om en s, leia-se o estu do de CUNHA, M. S. da Linhagem, Parentesco e Poder.
A casa de Bragan ça (1384-1483). Lisboa: Fu n dação da Casa de Bragan ça, 1990.
14. SOUSA, A. de, op. cit., v.I, p.429-30, resu m e os aspectos form ais da con vocação destas
Cortes, para n o volu m e segu n do, a págin as 488-99, n os forn ece o resu m o dos seu s capítu -
los gerais e respostas régias, por aqu i ten do n ós qu an tificado estas, n a elaboração do gráfi-
co. No en tan to, para u m a an álise qu alitativa m ais porm en orizada, con su ltam os com o fon -
te, ain da qu e secu n dária, os códices 694 e 696 dos Man u scritos de João Pedro Ribeiro, qu e
se en con tram n a Secção de Man u scritos da Biblioteca Geral da Un iversidade de Coim bra.
Os m esm os capítu los gerais destas Cortes foram estu dados por MENDONÇA, M., op. cit .,
p.412-35, n as su as tem áticas e respostas régias, bem com o n as con tin u idades ou diferen ças
em relação às de 1481-1482.
15. O n ú m ero exato de deferim en tos (totais, parciais ou con dicion ais) é de 59,6% , de in de-
ferim en tos 29,80 % e de evasivas, adiam en tos ou n ão in ovações é de 10,6% .
16. Sobre estes ver agravos 4, 7, 10, 23, 30, 31, n u m eração do volu m e segu n do a obra cita-
da obra de Arm in do de Sou sa.
17. Agravo 8.
18. Agravos 2,11,27,39.
19. Agravos 15 e 47.
20. É apen as evasivo n o capítu lo 30 sobre a m an u ten ção dos desem bargadores e su as obri-
gações.
21. Assim n o caso da alçada do direito de asilo das igrejas (17).
22. In defere u m pedido de habeas corpus, en qu an to du rassem as in qu irições devassas (45).
23. Resposta evasiva recebe a preten são de se pu n irem os alm oxarifes e ren deiros do rei pela
ven da dos ben s desses ren deiros abaixo do seu valor, e n ão os com pradores dos m esm os.
24. Expu n h am os povos qu e, por essa razão, os fidalgos tin h am as su as filh as “com h om em
n om seu igu al” ou colocá-las com o freiras. Pedem qu e os dotes fossem 1.000 cru zados de
ou ro e as arras 1/ 3 e qu em o n ão fizessem perdesse tu do para ou tros filh os, irm ãos ou pa-
ren tes m ais ch egados qu e assim casasse, segu n do se fazia em Floren ça, Sien a e por toda a
Itália. Mas D. João II respon de “qu e lh es agradece a boa von tade com qu e se m overom a
esto apon tar peroo qu e n om h e cou sa em qu e possa dar determ in açom ” (BGUC – Col. De
Man u scritos de João Pedro Ribeiro, cód. 696, p.148-249).
25. Pediam isto para os lavradores, sob pen a de açoites e degredo para as ilh as, e perda dos
ben s dos oficiais m ecân icos qu e os en sin assem . A resposta régia é, porém , do segu in te teor:
“n om pedem beem , pois o officio da lavoira h e dign o de favorizar e n om pera agravar vista
a n ecessidade delles n o regn o, e com o se n om pode tolh er a cada h u u m de trabalh ar por
m ais valler e de trabalh ar por isso”. Logo, o m on arca desejava lavradores qu e gostassem do
seu trabalh o, e qu e n ão se sen tissem m an ietados qu an to aos seu s filh os (BGUC – Col. De
Man u scritos de João Pedro Ribeiro, cód. 696, p.259-61).
26. De fato, as Ordenações Afonsinas liv. 5, tít. 101, in terditavam tal profissão aos h om en s, sob
pen a de prisão e açoites em pú blico. Aqu i os povos alegavam qu e eles faziam o m el caro, e
qu e, ao vê-los, os m en in os ch oravam , pression an do os pais à com pra de alféloa, além de
qu e ain da en sin avam m au s vícios de cartas e dados. O m on arca n ão proíbe a profissão m as
exige qu e “n om jogu em dados” (BGUC – Col. De Man u scritos João Pedro Ribeiro, cód. 696,
p. 270-1).
27. D. João II perm ite qu e sejam ren deiros das sisas, a qu al tirada por cristãos ain da seria
pior, in terditan do-lh es, todavia, serem ren deiros dos m estrados ou igrejas, e de desem pe-
n h arem ofícios ou serem feitores (BGUC – Col. De Man u scritos de João Pedro Ribeiro, cód.
696, p.242-4).
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O FINAL DA IDADE MÉDIA
28. Mas, n este caso, os ju deu s tin h am o con lu io de algu n s cristãos qu e lh es com pravam os
escravos con vertidos. Ora D. João II in terdita aos ju deu s a com pra de m ou ros e m ou ras da
Gu in é, m as deixa-os possu ir escravos bran cos. E se algu m escravo se fizesse cristão ficava
forro, e n en h u m cristão poderia dizer qu e era seu (BGUC – Col. De Man u scritos de João Pe-
dro Ribeiro, cód. 696, p.279-81).
29. Assim qu is con trolar a eleição para os oficiais con celh ios, desejan do ver e in terferir n a
pau ta dos elegíveis, sobretu do n as prin cipais cidades, com o Lisboa e Évora (MENDONÇA,
M., op. cit., p.314-18). Não abdicou de n om ear dezessete ju ízes de fora e de dar corregedo-
res às com arcas do rein o (op. cit., p.365-73). E além disso deu provim en to a u m n ú m ero as-
saz con siderável de ou tros oficiais de ju stiça – ju ízes e escrivães das sisas e ju ízes e escrivães
dos órfãos –, da fazen da – em especial oficiais da alfân dega (alm oxarife, escrivão, ju ízes, por-
teiros, requ eredores, m edidores, h om en s) –, ou da adm in istração local – sobrem an eira ta-
beliães, procu radores do n ú m ero, escrivães da câm ara, da alm otaçaria e de alcaidaria, cou -
déis e seu s escrivães (op. cit., p.319-65).
30. É, aliás, m u ito esclarecedora, a resposta de D. João II: “elle escreve aos con celh os por os
offícios sobre boas pessoas e qu e en ten de qu e som pera elles perten cen tes, e qu e h e beem
do povoo, e n om per ou tro respeito; e qu e qu an do virem qu e as pessoas por qu e escrepveu
n om som taes qu e pera ello sejam perten cen tes qu e lh o escrepvam , e qu e terá sobre isso a
m an eira qu e seja razom ; porqu e dos seu s povoos e Regn o elle teem o m aior cu idado”
(BGUC – Col. De Man u scritos de João Pedro Ribeiro, cód. 696, p.254-55).
31. Mas tam bém estes deviam agir den tro da legalidade. E por isso aceita o pedido de qu e o
m oleiro deve receber o grão e dar a farin h a a peso (38).
32. Não qu eriam qu e os gados fossem cou tados pelos alcaides das sacas e gu ardas fiscais do
con traban do para Castela (19); n ão qu eriam in form ar os ren deiros das sisas das deslocações
para pastagen s, n em pagar a portagem (20). O m on arca respon de em sín tese: “n om pedem
bem , porqu e se assy n om se fizese averia m aior m in goa de carn es n o regn o do qu e h á” e
prom ete m esm o fazer orden ações “m aes apertadas aceerca dello” (BGUC – Col. De Man u s-
crito João Pedro Ribeiro, cód. 696, p.246-8). Não lh es é ain da con sen tido criar gado m u ar
n o En tre Dou ro e Min h o, u tilizan do égu as galegas (43). O m on arca apen as con sen te qu e
n ão levem din h eiro das bestas qu e vão a Castela bu scar carga (22).
33. Pedira o m on arca o m on opólio da exportação, por 5 an os para carregar cobre de Fran -
ça, Flan dres e In glaterra. E porqu e “rogo do rey m an dado h e”, aceitou -o o povo. Acabados
os 5 an os, o m on arca dera o trau to a Du arte Bran dão, con tra o qu e agora os con celh os se
in su rgiam . Mas respon de o m on arca: “con sirada esta cau sa beem h e m aes dam pn o qu e pro-
veyto de seu povoo an dar solta e fora de h ú a m ãao porqu e h u u n s tolh em o proveito dos
ou tros” (BUGC Col. De Man u scritos de João Pedro Ribeiro, cód. 696, p.245-6), alegan do
qu e o desequ ilíbrio de riqu eza en tre os m ercadores con du ziria, in evitavelm en te ao m on o-
pólio de u n s qu an tos.
34. São eles 6 capítu los especiais de Aveiro (TT – Ch an c. D. João II, liv. 16, fl. 16v-19); 2 de
Barcelos (TT – Ch an c. D. Man u el, liv. 9, fl. 33); 1 de Braga (TT – Ch an c. D. João II, liv. 13,
fl. 118; Além Dou ro, liv. 3, fls. 93v-94); 7 de Bragan ça (TT – Ch an c. D. João II, liv. 16, fls.
131-132); 6 de Coim bra (TT – Ch an c. D. João II, liv. 13, fl. 127-127v); 1 de Coru ch e (TT –
Ch an c. D. João II, liv. 9, fl. 50; Odian a, liv. 2, fl. 53); 4 de Elvas (AM – Perg. 66); 3 de Es-
trem oz (TT – Odian a, liv. 2, fl. 59-59v); 2 da Gu arda (TT – Ch an c. D. João II, liv. 16, fls.
26v-27); 1 de Gu im arães (TT – Ch an c. D. João II, liv. 11, fl. 24-24v; Além Dou ro, liv. 3, fl.
85-85v); 8 de Lagos (TT – Odian a, liv. 2, fls. 60-62); 3 de Lam ego (TT – Ch an c. D. João II,
liv. 16, fl. 22-22v); 2 de Miran da do Dou ro (TT – Ch an c. D. João II, liv. 16, fl. 23; Além Dou -
ro, liv. 3, fls. 96v-97); 4 de Oliven ça (TT – Ch an c. De D. João II, liv. 16, fl. 69-69v); 2 de Se-
tú bal (TT – Ch an c. De D. João II, liv. 9, fl. 117-117v; Odian a, liv. 2, fl. 55-55v); 3 de Silves
(TT – Ch an c. D. João II, liv. 9, fls. 39v-40); 5 de Torres Vedras (TT – Ch an c. D. João II, liv.
13, fl. 144-144v). Em relação aos con celh os qu e apresen taram capítu los especiais n estas
Cortes de 1490, in ven tariados por Arm in do de Sou sa, ob. cit., vol. III, p. 13, diga-se qu e
qu an to ao Cartaxo (TT – Ch an c. De D. João II, liv. 21, fl. 172) se trata de u m a carta de D.
João II, respon den do a agravos qu e o con celh o de San tarém fazia ao Cartaxo, m as datada
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Maria Helena da Cruz Coelho
de San tarém , 28 de ju n h o de 1487, portan to n ão destas Cortes. Igu alm en te o Porto (AHM
– Livro Gran de, fl. 196) apresen ta u m a carta de privilégios, datada da Évora de 1 de ju n h o
de 1490, qu e, em bora seja da época das Cortes, m ais parece, pelo seu form u lário, obtida fora
delas. (Aqu i deixam os u m agradecim en to recon h ecido ao Diretor do Arqu ivo Histórico, Dr.
Man u el Real, qu e n os en viou , com o pedim os, a reprodu ção deste docu m en to). Não en tra-
m os em lin h a de con ta com Tavira, pois ten do n ós requ erido ao Arqu ivo Mu n icipal a folh a
97, do códice Reform a dos Tom os, n ão obtivem os resposta, n ão se n os oferecen do a possi-
bilidade de aí n os deslocarm os para an alisar essa fon te, fican do este caso em aberto.
35. Aveiro (3) qu eixa-se qu e o corregedor m an dara fazer u m a n ova casa de au diên cias e re-
lação, bem com o ch afariz e calçadas. O con celh o pede tem po para fazer as obras e o rei con -
cede-lh e prazo de u m an o. Em Miran da (1) o corregedor pren dia os h om iziados do con ce-
lh o e colocava-se n a prisão, n ão respeitan do o cou to da vila.
36. Acu sa Torres Vedras (5) o en tão ju iz das sisas de pou co saber, e de com eter m u itos er-
ros, pedin do ou tro m ais idôn eo. O m on arca exige qu e se qu eixassem dele por carta e depois
ele fosse ou vido.
37. Sobre este pedido o m on arca adia a resposta, pedin do in form ações.
38. Oliven ça (1) qu eria ain da qu e o alcaide das sisas fosse de fora e provido de 3 em 3 an os.
39. E, segu n do o parecer de MARQUES, A. H. de O. História de Portugal. Das origens ao Renas-
cimento. 9.ed. Lisboa: Palas Editores, 1982. v.I, p.363-4: “a política de D. João II con sistiu em
bu scar o apoio, n ão da classe popu lar, m as an tes das fileiras in feriores da n obreza. Ao m es-
m o tem po, prom oveu m u itos legistas e fu n cion ários pú blicos a cargos de relevo até aí reser-
vados às cam adas altas da aristocracia”.
40. Para os cargos de ju iz de fora, corregedor, tabelião e ch an celer da provín cia e com arca,
D. João II n om eou h om en s da su a con fian ça, sain do algu n s da corte, m as perten cen do a u m
escalão social baixo, com destaqu e para os escu deiros, qu e tan to seriam oriu n dos da n obre-
za com o do povo, com o o atesta o trabalh o de Man u ela Men don ça, “Os h om en s de D. João
II”, sep. de Estudos em Homenagem a Jorge Borges de Macedo, Lisboa, INICT, 1994, p.173-5.
41. Aten te-se qu e D. João II privilegiou com isen ções, m ais de cem ben eficiados da n obre-
za m édia e in ferior – cavaleiros, escu deiros, vassalos e h om en s fidalgos. Eram algu n s deles
filh os segu n do de gran des fam ílias, even tu alm en te bastardos, portan to dos seu s ram os m e-
n os favorecidos. Eram ou tros cavaleiros e escu deiros em form ação e algu n s qu an tos h om en s
do povo. Gen te qu e tu do esperava do m on arca, dan do-lh e em troca a su a in teira lealdade
(MENDONÇA, M., op. cit., p.176-85).
42. O m on arca m an dara a Álvaro de Ataíde prover a casa de sal. Em caso n egativo os vizi-
n h os poderiam explorar as m arin h as, pagan do-lh e os 12.000 reais.
43. Deverá ser D. Fran cisco Cou tin h o, 4º. Con de de Marialva. Era filh o de Gon çalo Cou tin h o,
2º. Con de de Marialva e su cedeu n o títu lo, por m orte de seu irm ão, D. João Cou tin h o, 3º. Con -
de de Marialva. (Veja-se FREIRE, A. B. Brasões da Sala de Sintra. 2.ed., livro. III, p.310.)
44. Por certo D. San ch o de Noron h a, 3º. Con de de Odem ira. Era sobrin h o do rei e filh o do
con de de Faro, títu lo qu e tam bém u sou , e n eto do 1º. Con de de Odem ira. Obteve a con fir-
m ação da alcaidaria-m or de Estrem oz, a 23 de m aio de 1509 (FREIRE, A. B., op. cit., liv. III,
p.345).
45. Mça M., op. cit., 1991, p.367, afirm a qu e em 1487 fora n om eado u m ju iz de fora para
Estrem oz.
46. Na realidade a qu eixa qu ase se poderia voltar con tra o m on arca. D. João II dera ao bis-
po da Gu arda o privilégio de gu ardar os seu s presos n as prisões do con celh o. Mas o con ce-
lh o, talvez torn ean do a m elin drosa qu estão, apen as acu sa o bispo por ter requ erido tal pri-
vilégio, qu e n en h u m ou tro prelado possu ía, ten do-o feito apen as para su bju gar a cidade,
u m a vez qu e o alju be e cadeias episcopais eram bem m elh ores qu e as con celh ias. Em tão
delicada con ten da o m on arca sen ten cia salom on icam en te. Por u m an o gu arda-se o alvará,
decorrido este deixa-se de gu ardar.
47. Refere-se qu e ven diam aos castelh an os a 10, 15 ou 20 reais e a eles a 80 e 100 reais.
42
O FINAL DA IDADE MÉDIA
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B IBLIOGRA FIA
ANDRADE, A. A., GOMES, R. C. As Cortes de 1481-1482: u m a aborda-
gem prelim in ar. Estudos Medievais (Porto), 1983-1984.
COELHO, M. H. da C. O peso dos privilegiados em Portu gal. In : CON-
GRESO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA, “EL TRATADO DE TORDE-
SILLAS Y SU ÉPOCA”, I. Madrid, 1995.
CUNHA, M. S. da Linhagem, parentesco e poder. A casa de Bragan ça (1384-
1483). Lisboa: Fu n dação da Casa de Bragan ça, 1990.
MATTOSO, J. (Dir.). História de Portugal. v.III, No alvorecer da Modernidade,
coord. de Joaqu im Rom ero Magalh ães. Lisboa: Editorial Estam pa,
1993. (ver observação n a ú ltim a n ota)
MARQUES, A. H. de O. História de Portugal. Das origen s ao Ren ascim en -
to. 13.ed. Lisboa: Editorial Presen ça, 1997. v.I.
MENDONÇA, M. D. João II: u m percu rso h u m an o e político n as origen s
da m odern idade em Portu gal. Lisboa: Estam pa, 1991.
SOUSA, A. de As Cortes medievais portuguesas (1385-1490). Porto: INIC,
1990. 2.v.
44
capítu lo 3
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“qu e pon h a tall h orden amça qu e taaes pessoas n om filh e por u asalos salu o per
lin h agem for ou ser filh o ou n eto de u asallo segu mdo já per ElRey u osso pa-
dre … em seu tempo foy orden ado”.27
Por seu turno os infanções eram possuidores de linhagem, não ultrapas-
sando em meados do século XIV a centena de estirpes, sendo uma nobreza ar-
raigada às áreas rurais, onde apesar de ocuparem cargos inferiores aos dos vas-
salos e serem proprietários de latinfúndios de menor amplitude, desfrutavam
de grande influência local. Muitos deles chegaram a ocupar funções de maior
importância. Problema, contudo, ainda mal esclarecido na nossa historiografia,
consiste em saber se a maior parte destas estirpes se teriam extinguido em mea-
dos do século XIV, o que em caso conclusivo se deverá atribuir a uma decadên-
cia biológica relacionada com fatores endogâmicos, resultantes de cruzamentos
observados entre elementos pertencentes à mesma família. Desta situação ve-
rificar-se-ia uma diminuição da natalidade e simultaneamente uma elavada
taxa de mortalidade infantil e juvenil, tal como se observa no reino de Castela.
Este estado de coisas tanto afetou os infanções, que desaparecem por comple-
to dando origem aos cavaleiros-fidalgos, como igualmente aos ricos-homens, o
que certamente contribuiu para a constituição de uma nova nobreza.28
A cavalaria como grau da nobreza representava uma categoria transitó-
ria. O monarca podia armar cavaleiros, mas não podia fazer fidalgos. Apenas se
atingia a categoria de cavaleiro-fidalgo ao fim de três gerações. Muitos dos ca-
valeiros que nos aparecem a partir da segunda metade do século XIV eram pro-
venientes da cavalaria-vilã, conhecidos genericamente pela designação de her-
dadores. Eram possuidores de bens fundiários nas zonas rurais, não se conhe-
cendo na maioria dos casos como funcionava os mecanismos desta transição.29
Em consonância com a tradição o cavaleiro era armado nessa categoria
pelo monarca, podendo contudo este ato reduzir-se a um simples formulário
administrativo. Em conformidade com as leis do reino um cavaleiro era obriga-
do a possuir cavalo, perdendo essa condição no caso de não ter meios para pro-
ceder à reposição da montada, cabendo-lhe a obrigação de participar na guer-
ra acompanhado por um determinado número de “lanças” recrutados nas suas
terras e combatendo sobre as suas ordens diretas.30
A legislação em vigor estatuía “que pera cavalleiros fossem escolheitos ho-
m ẽs de boa linhagem, que se guardassem de fazer cousa, perque podessem cair
em vergonça, e que estes fossem escolheitos de boos lugares” o que significava
“gentileza”. Ora “esta gentileza vem em tres maneiras; a hua per linhagem; a se-
gunda per saber; a terceira per bondade e custumes e manhas, e como quer que
estes, que a ganham per sabedoria, ou bondade, som per direito chamados nobres
e gentys, muito mais ho sam aquelles, que ham per linhagem antigamente, e fa-
zem boa vida, porque lhes vem de longe assy como per herança...”.31
Ainda dentro da nobreza cabe mencionar uma categoria de acesso à
cavalaria constituída pelos escudeiros. Este grupo social a partir do século
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N OTA S
1. Idade Média. Problemas e Soluções. Lisboa: p.265 ss.
2. Sobre esta matéria veja-se CAETANO, M. As cortes de 1385. Revista Portuguesa de História
(Coimbra), tomo V, v.II, p.5 ss., 1951. Merecem ponderação as considerações formuladas a
este respeito por ALBUQUERQUE, M. de. O poder político no renascimento português. Lisboa,
1968. p.23-4.
3. Vejam-se a propósito destas questões as pertinentes considerações de VALDEAVELLANO,
L., em Histórias de las instituciones españolas. Madrid, 1970. p.417.
4. Ibidem , p.430-1.
5. MARTIN, B. P. La coronacion de los reyes de Aragon, (1204-1410). Valencia, 1975. p.21 ss.
6. BRÁSIO, A. O problema da sagração dos monarcas portugueses. (separatas) Anais da Academia
Portuguesa da História. v.12, 2ª. série, Lisboa, 1962.
7. Ibidem , p.34.
8. Pombalina. Biblioteca Nacional de Lisboa (B. N. L.), cod. 443. Publicado por Martim Albu-
querque, op. cit ., p.405-8.
9. Ibidem.
10. Afonso X, o Sábio, 2ª. partida, com glosas em castelhano de Alonso Diaz de Montalvo, Se-
vilha, s.n., 1491.
11. D. Pedro I. Chancelarias Régias. Lisboa: INIC, 1984. doc. 574, p.260-2.
12. Abordei esta questão à volta das pretensões nobiliárquicas sobre a posse das localidades
realengas no meu Estado. O poder real e as autarquias locais no trânsito da Idade Média para
a Idade Moderna. Revista da Universidade de Coimbra. Coimbra, v.30, p.369 ss., 1983.
13. MORENO, H. B. A batalha de Alfarrobeira. Antecedentes e Significado Histórico. Lourenço
Marques, 1973. p.349, 420 e 964.
14. BARROS, H. G. História da Administração Pública em Portugal nos séculos XII a XV. Lisboa,
1945. v.II, p.377.
15. MARQUES, A. H. de O. Portugal na crise dos séculos XIV e XV. Lisboa, 1986. p.237-8.
16. Sobre esta questão veja-se o meu artigo Alcaidarias dos castelos durante a regência do in-
fante D. Pedro. Revista de História, p.282 ss., 1982.
17. Livro de Leis e Posturas, Lisboa, 1971, p.187-8.
18. HESPANHA, A. M. História das Instituições. Épocas Medieval e Moderna. Coimbra, 1982.
p.282 ss.
19. VIEGAS, V.1383 e os documentos joaninos. Lisboa, 1989. v.III.
20. MERÊA, P. de Genêse da Lei Mental. Boletim da Faculdade de Direito. Coimbra, v. X, p.7-8,
1910.
21. MORENO, H. B. Tensões sociais em Portugal na Idade Média. Porto, 1975. p.159.
22. Monumenta Henricina. Coimbra, 1963. doc.24, v.V, p.54-65.
23. Elementos colhidos no meu livro sobre A Batalha de Alfarrobeira.
24. Cortes Portuguesas. Reinado de D. Afonso IV (1325-1357). Lisboa: INIC, 1982. p.125 ss.
A mencionada Pragmática de 1340 aparece publicada neste livro à p.101 ss.
25. Ordenaçoens do Senhor Rey D. Affonso V. Coimbra, 1972. livro IV, título XXVI, p.116 e s.
26. A. N./T. T., Maço 2, de Cortes, n.14, fls. 14v-15.
27. Ibidem.
28. Ibidem.
29. Em relação à cavalaria veja-se o artigo de MARQUES A. H. de O. Cavalaria. In: Dicionário
de História de Portugal. Lisboa: 1963. v.I, p.540-2.
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O PRINCÍPIO DA ÉPOCA MODERNA
30. Ordenaçõens do Senhor Rey D. Affonso V, livro 1, título LXIII, p.360 ss.
31. Ibidem, p.363-4.
32. BARROS, H. da G. História da administração pública em Portugal nos séculos XII a XV. Lisboa:
s. d. p.374 ss.
33. MARQUES, A. H. de O, op .cit., v.II, p.249.
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capítu lo 4
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CA RAVELA S E FA LCÕES
A expan são portu gu esa dos sécu los XV a XVIII, a tal do com ércio e
das con qu istas, com descoberta de cam in h os m arítim os, desce da terra
para o m ar e olh a depois do m ar para a terra. Um olh ar espan tado e in o-
cen te: “n em estim am n en h u m a cou sa cobrir n em m ostrar as vergon h as”
e têm “n isto tan ta in ocên cia com o têm em m ostrar o rosto”, escrevia Pero
Vaz de Cam in h a. Um olh ar de m ilh afre: “Sen h or, os velu dos de Meca e
águ as rosadas dos caixões, qu e aqu i te trazem , – dizia u m m agn ate de Ben -
gala – rou bam os portu gu eses pelo m ar, tom an do os peregrin os qu e vão
para a san ta casa de Meca; e são ladrões m u i su btis, qu e en tram n as terras
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com m ercadorias a ven der e com prar, e dádivas de am izades, an dam es-
pian do as terras e gen tes, e depois com gen te arm ada as vão tom ar, m a-
tan do e qu eim an do, e fazen do tais m ales qu e ficam sen h ores das terras”.2
A expan são grega teve u m su porte m arítim o e de algu m m odo a
rom an a. Marítim a é a expan são dos n orm an dos. Mas n a expan são eu ro-
péia, in iciada com os portu gu eses n o sécu lo XV, a qu e abre os m ares do
u n iverso, os n avios são o veícu lo, a casa, a fortaleza, o tem plo, a oficin a,
a ten da e o arm azém das m ercadorias e da pólvora, o tron co dos escra-
vos, o porta-n avios, o caixão.
Os portu gu eses n ão se deslocam com o h orda n em se organ izam
com o legião. No desfraldar das velas, os seu s n avios lem bram aves de ra-
pin a prestes a cair sobre a presa. Qu an do os azen egu es viram os prim ei-
ros n avios portu gu eses, ju lgaram , n o dizer de Cadam osto, qu e eram en or-
m es pássaros de asas bran cas; ou tros diziam qu e eram fan tasm as qu e pela
n oite n avegavam 100 m ilh as e m ais. Os olh os pin tados n a proa eram ver-
dadeiros, viam e gu iavam os n avios n a n oite e n o dia do Ocean o.
A expan são portu gu esa en volveu m ilh ares de n avios de com ércio
e de gu erra. Saíram da Ribeira de Lisboa, da Ou tra Ban da, do Porto, do
Algarve, de Coch im , de Goa, de Malaca, do Salvador. A su a con stitu ição
e form as desigu ais ficaram assin aladas n a galeria dos n om es: barca, bari-
n el, batel, bergan tim , caravela, caravelão, carraca, catu r, esqu ife, fu sta,
galé, galeaça, galeão, galeota, ju n co, n au , patach o, taforeia, u rca, zavra…
A caravela, n avio de vela latin a e pequ en o calado, con stitu iu a
em barcação por excelên cia da exploração e descoberta do Atlân tico. E
tam bém o n avio rápido próprio para levar e trazer in form ações. En qu an -
to u m a n au da carreira da Ín dia dem orava cerca de 6 m eses n a viagem
de ida, em 1516 a caravela de Diogo de Un h os gastou m en os de 6 m eses
n a ida e n o regresso. A caravela serviu tam bém com o n avio de gu erra.
Com boiava as pesadas n au s da Ín dia e da Am érica n a fase fin al da via-
gem ru m o à costa portu gu esa. Um a caravela da Ín dia, n a prim eira m e-
tade do sécu lo XVI, podia dispor de 21 tripu lan tes, assim distribu ídos se-
gu n do a ordem dos ven cim en tos: o capitão, o bom bardeiro, o m estre e
piloto, o carpin teiro, o calafate, o escrivão, o barbeiro, o tan oeiro e os
dois h om en s do capitão, os qu atro m arin h eiros e os sete gru m etes. O
bom bardeiro u ltrapassava o ven cim en to do piloto m arcan do bem o pa-
pel essen cial da artilh aria. 3
A n au , n avio de carga arm ado, passou dos 120 ton éis da n au S. Ga-
briel de Vasco da Gam a para 450 e até m il ton éis do fin al do sécu lo XVI.
No seu bojo carregaram os portu gu eses para Ociden te m u itas riqu ezas da
Ín dia. O valor da carga podia atin gir os 3 m ilh ões de cru zados ou ro. A n au
Flor de la Mar em qu e D. Fran cisco de Alm eida com bateu n a batalh a de
Diu h averia de m orrer sepu ltan do con sigo n as águ as de Sam atra as gu lo-
sas riqu ezas colh idas por Afon so de Albu qu erqu e n a tom ada de Malaca.
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O S N AVEGA N TES
O grosso da popu lação das n au s da Carreira da Ín dia era con stitu í-
da por m arean tes e m ilitares e tam bém por pequ en os n ú cleos de m erca-
dores profission ais e de religiosos. Os m ilitares podiam virar m arin h eiros
e os m arin h eiros soldados bem com o os m ercadores e os clérigos. Nos n a-
vios de m en or ton elagem qu e cru zavam o Atlân tico eram pou cos os m i-
litares, m ais os passageiros.
Não faltaram m en in os n a apren dizagem da vida com o An tôn io
Correia, filh o do feitor Aires Correia, assassin ado em Calecu t. São raras as
m u lh eres. Na terceira viagem de Vasco da Gam a em barcaram algu m as às
escon didas. Lu ís de Cam ões, n u m a das su as cartas, con vida as m u lh eres
de vida fácil a ten tarem n a Ín dia a su a sorte. E h avia sem pre as órfãs del-
rei exportadas para os vários pon tos do im pério.
Nas viagen s de regresso n ão faltavam as escravas. Sen h oras, pou -
cas m as algu m as. D. Leon or, m u lh er de Man u el de Sou sa Sepú lveda,
n au fraga n o Cabo da Boa Esperan ça. E qu an do os n egros lh e tiraram a
rou pa por força, cobriu -se com os lon gos cabelos e a areia da cova qu e
abriu para en terrar viva a n u dez.
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Os trabalhos dos homens principalmente devem ser por serviço de Nosso Se-
nhor Deus e assim de seu Senhor porque hajam de receber galardão de glória (e)
em este mundo honra e estado.
E prossegu e:
E sendo certo como, desde a memória dos homens, se não havia alguma
notícia na Cristandade dos mares, terras e gentes que eram além do Cabo de Não
contra o meio dia, me fundei de inquirir e saber parte, de muitos anos passados
para cá, do que era desde o dito Cabo Não em diante, não sem grandes meus tra-
balhos e infindas despesas, especialmente dos direitos e rendas cuja governança as-
sim tenho, mandando per os ditos anos muitos navios e caravelas com meus cria-
dos e servidores, os quais, por graça de Deus, passando o dito Cabo de Não avante
e fazendo grandes guerras, alguns recebendo morte e outros postos em grandes pe-
rigos, prouve a Nosso Senhor me dar certa informação e sabedoria daquelas par-
tes desde o dito Cabo de Não até passante toda a terra de Berberia e Núbio e assim
mesmo per terra de Guinea bem trezentas léguas, de onde até agora, assim no co-
meço por guerra como depois por maneira de trauto de mercadoria e resgates, é
vindo à Cristandade mui gram número de infiéis cativos, do qual, dando grandes
louvores a Nosso Senhor, a mor parte são tornados à sua santa fé. E está bem apa-
relhado para muitos mais virem e serem feitos cristãos, além das mercadorias, ouro
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e outras muitas coisas que de lá vêm e se cada dia descobrem muito proveitosas a
estes reinos e a toda a Cristandade.12
O In fan te D. Hen riqu e van gloria-se de ser o prim eiro com in fin dos
trabalh os e despesas a in dagar dos m ares, terras e gen tes qu e viviam além
do Cabo Não. Mas o seu pon to de referên cia é o da Cristan dade ociden -
tal. A Cristan dade n ão tin h a n otícia das n ovas terras e agora tirava pro-
veito das ricas m ercadorias. Com m orte e perigo dos seu s servidores, as
caravelas portu gu esas, por gu erra e depois tam bém por trato de m erca-
dorias, avan çara bem 300 légu as por terras de Gu in é, con firm an do o
avan ço dos n avios portu gu eses até a Serra Leoa. O prin cipal ren dim en to
da gu erra e do trato provin h a dos escravos, equ iparados ao ou ro e ou tras
m ercadorias proveitosas. Os “in fiéis” ficavam com os corpos cativos m as
os seu s don os tratavam -lh es da alm a.
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pim en ta, a perda prin cipal é do rei pois os m ercadores eu ropeu s e portu -
gu eses têm os seu s lotes assegu rados n a Casa da Ín dia. Se h ou ver pou ca
pim en ta, os preços sobem e com a su bida o gan h o; se h ou ver m u ita, os
preços descem m as m an têm u m a m argem de lu cro. E é o Estado qu e su -
porta o gasto com as fortalezas, as gu erras, os fu n cion ários e os soldados.
Por ou tro lado, con stitu ía u m forn ecedor e u m clien te previlegiado dos
m ercadores e ban qu eiros.
No Brasil, os particu lares desem pen h aram u m papel decisivo.
Du arte Coelh o in vestiu em Pern am bu co capitais adqu iridos n a zon a de
Malaca e n os m ares da Ch in a. Fern an do de Noron h a e ou tros cristãos-
n ovos m u ltiplicaram o seu capital com o com ércio em exclu sivo do pau -
brasil e a exportação em gran de escala de escravos n egros para a Am éri-
ca Espan h ola e o Brasil. João de Barros e o tesou reiro-m or Fern ão Álva-
res de An drade organ izaram , arrastados em boa m edida pela febre do
ou ro am erican o, a m aior esqu adra privada algu m a vez levan tada em Por-
tu gal e qu e sossobrou n as águ as do Maran h ão.
Mas o Estado portu gu ês, ain da m u ito preso ao serviço e a ban dei-
ras ideológicas, n ão está preparado e respon de m al às n ovas tarefas. O rei
é m ercador m as n ão tem as m an h as do m ercador. Escolh e os altos fu n -
cion ários da fazen da pela lim peza de san gu e, pelas letras can ôn icas e teo-
lógicas e n ão favorece os m ercadores profission ais ligados ao com ércio in -
tern acion al. A Casa da Ín dia era u m a en orm e em presa estatal de im por-
tação e exportação m as, segu n do o m ercador ban qu eiro Du arte Gom es
Solis, n ão tin h a sequ er u m livro de caixa.
O rei pagava os serviços em salários m as tam bém com qu in taladas,
a atribu ição de capitan ias e de m ercês à boca das alfân degas. O n ú m ero
das capitan ias era lim itado e em 1533, por exem plo, algu n s capitães agra-
decem desden h osam en te ao rei a prom essa de ocu parem capitan ias dali
a 10 ou 15 an os. E capitães e fu n cion ários rou bavam os povos e o rei e
rou bavam com pran do os soldos dos soldados. An tôn io da Silveira, qu e
en riqu ecera n a capitan ia de Orm u z, pedia ao rei m ais u m an o porqu e
precisava de se desen dividar.13
A Ín dia era u m a vin h a qu e se vin dim ava de 3 em 3 an os, escrevia
ou tro correspon den te do rei em 1533. Na verdade, o capitão de Orm u z,
por exem plo, recebia de orden ado 600.000 réis an u ais. Mas, ao cabo de 3
an os, se fosse de “sã con sciên cia”, poderia retirar forros 20.000 000 ou
24.000.000 de réis, m ais de dez vezes o respectivo orden ado. E se qu ises-
se “alargar a con sciên cia”, tin h a m u itas e gran des ocasiões para retirar
m u ito m aior qu an tidade de din h eiro.14
Os h om en s am avam o din h eiro qu ase sobre todas as coisas m as o
Estado m ercador m an tin h a de qu aren ten a os m ercadores profission ais,
diariam en te am eaçados n a vida e n a fazen da. Por ou tro lado, as ban dei-
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A MEN TE MOVE-SE
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Gil Vicen te apelava ao com bate con tra a osten tação. Mas, n a Ín dia
e em Lisboa, os qu e se tin h am em boa con ta já n ão qu eriam an dar a pé.
Fran cisco de Alm eida e Afon so de Albu qu erqu e n ão h esitavam em m eter
m ãos à con stru ção das fortalezas ou a rem en dar o taboado dos n avios.
Mas olh em os o govern ador Nu n o da Cu n h a a desem barcar em Baçaim n o
an o de 1531. Neste ritu al de poder, ju n tam -se a Eu ropa e a Ásia.
O govern ador ia arm ado em u m cossolete bran co dou rado por partes, e
seu gorjal de m alh a, e fralda, e em cim a u m a coira de cetim crem esim
com m u itos cortes, e n a cin ta u m a rica espada, e n a cabeça u m gran de
ch apéu de gu edelh a verm elh a, e n ele u m a gran de m edalh a de ou ro e pe-
draria m u i rica, e n ela u m a plu m a bran ca com argen taria de ou ro, e u m
rico colar de om bros de rocais esm altado, e calças in teiras, cortadas, for-
radas de crem esim , e sapatos fran ceses crem esin s com fitas en carn adas e
grossas pon tas de ou ro, e u m bastão de pau dou rado n a m ão esqu erda,
posto n o qu adril, qu e com tu do parecia form oso capitão; e a cavalo em
u m a faca bran ca, com gu arn ição de velu do preto fran jada de ou ro; e ju n -
to dele dois pagen s bem arm ados, qu e lh e levavam su a lan ça, adarga, ca-
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pacete, com o cu m pria; e dian te dele su a ban deira real de dam asco bran -
co e cru z de Cristo atrocelada de ou ro. 18
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N OTA S
1. JOÃO DE BARROS. Ásia. Década I. Lisboa: Im pren sa Nacion al, Casa da Moeda, 1974.
p.214.
2. CORREIA, G. Lendas da Índia. Porto: Lello & Irm ão, 1975. v.III, p.479.
3. FELNER, L. Subsídios para a História da Índia Portuguesa. Lisboa: Im pren sa Nacion al, 1868.
p.9.
4. Ibidem , p.26.
5. VARELA RUBIM, N. Artilh aria Naval dos Descobrim en tos. In : Dicionário de História dos Des-
cobrimentos Portugueses. Lisboa: Círcu lo de Leitores, 1994. v.I, p.92.
6. FELNER, L., op. cit., p.9.
7. CORREIA, G., op. cit., v.III, p.392.
8. Ibidem , v.I, p.936.
9. Ibidem , v.III, p.394.
10. JOÃO DE BARROS, Década II, p.232.
11. CORREIA, G., op. cit., v.II, p.251.
12. MARQUES, S. Descobrimentos Portugueses. Lisboa: Ju n ta de In vestigações Cien tíficas do
Ultram ar, 1944. v.I, p.544.
13. AS GAVETAS DA TORRE DO TOMBO, Lisboa: Ju n ta de In vestigações Cien tíficas do Ul-
tram ar, 1974. v.X, p.180.
14. LIVRO DAS FORTALEZAS. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1960. p.33.
15. GOMES SOLIS, D. Alegacion en favor de la Compañia de la India Oriental. Lisboa, 1955. p.58.
16. MACEDO, J. B. de Os lusíadas e a História. Lisboa: Editorial Verbo, 1979. p. 50.
17. SOLIS, D. G. Discursos sobre los comercios de las dos Indias. Lisboa, 1943. p.100.
18. CORREIA, G., op. cit., v.III, p.468.
19. JOÃO DE BARROS. Década II. p.351.
20. CORREIA, G., op. cit., v.III, p.472 .
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viram. Assegurando a tradução dos textos árabes para latim e a sua conse-
quente difusão, realizou, de uma maneira única na história da cultura eu-
ropéia, a passagem transcultural dos discursos científicos da Antiguidade.
Esta fu n ção de pon te en tre cu ltu ras aproxim ou Ptolom eu , Aristóte-
les, Eu clides, Boécio, en tre ou tros e de tão diferen tes origen s cu ltu rais
com o se vê, da cu ltu ra cristã, e perm itiu qu e n ela ocu passem por m u ito
tem po papel determ in an te.
A par da difu são levada a cabo pelos tradu tores de Toledo, ain da se
n ão con h ece bem , em bora se adivin h e de prim eira im portân cia, o papel
das com u n idades sefarditas n a difu são da in form ação cien tífica da An tigu i-
dade e in do-árabe. Mas, apesar de tu do, já sabem os m ais sobre a ação
exercida por elas n as tran sferên cias cu ltu rais da Escola de Tradu tores de
Toledo. Mas n ão só; até fin ais do sécu lo XV cabe-lh es parte sign ificativa n o
processo de difu são e m esm o de criação do saber em Portu gal em torn o da
n áu tica e da cartografia e, por isso m esm o, papel de relevo n a form ação
das n ovas atitu des face ao con h ecim en to. José Vizin h o, Zacu to, Jácom e de
Maiorca, Cresqu es são estrelas de u m céu im perecível.
O sécu lo XV portu gu ês foi tribu tário de todas estas fon tes, pois co-
n h eceu in ten sa circu lação das su as idéias, m as deve ter-se presen te qu e
este sécu lo é u m tem po m u ito especial n a con solidação da com u n idade
portu gu esa, qu er do pon to de vista da vida m aterial, qu er n os aspectos das
form ações m en tais e das m atrizes cu ltu rais qu e viriam a iden tificar a cu l-
tu ra en tão em gestação. Sem dú vida o aparecim en to da tipografia veio
acelerar de m ú ltiplas m an eiras essa circu lação, irritan tem en te restritiva,
n o tem po em qu e o su porte da in form ação era m an u scrito. O u so crescen -
te das lin gu agen s romance veio alargar, por seu lado, o u n iverso da recep-
ção, acen tu an do a im plan tação das idéias cien tíficas n a tessitu ra social, e
pon do o con h ecim en to cien tífico ao serviço dos gru pos sociais dom in an -
tes. No período pré-gu tem bergu ian o, circu lavam n a Pen ín su la, e n atu ral-
m en te em Portu gal, versões latin as e até m esm o em vu lgar de Estrabão,
Plín io, Dioscórides, Pom pôn io Mela, Eu clides, Boécio, Avicen a, Galen o,
Regiom on tan o, Sacrobosco e Abrãao Zacu to, a par dos textos h ebraicos e
árabes de Ibn Ezra, Azarqu iel, Ibn Safar, Alfragan o (Ru dim en ta Astron o-
m ica) e Messah ala. A Im ago Mu n di do Cardeal Pierre D'Ailly (c.-1410) cir-
cu lou em m an u scrito até ser editada em Lovain a en tre 1480 e 1483. m as
são pou co segu ras as provas de ter sido con h ecida em Portu gal, em bora
seja elevada a probabilidade de ter circu lado en tre n ós.
Já h á m ais certezas qu an to à versão latin a do Tratado da Esfera de
Sacrobosco, qu e corria a Eu ropa desde a segu n da m etade do sécu lo XIII e
qu e circu lou n o Portu gal qu atrocen tista, con form e opin ião de Lu ís de Al-
bu qu erqu e. Tam bém os estu dos de A. Moreira de Sá, segu n do in form ação
do m esm o au tor, com provam a circu lação de várias obras de m atem ática
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tem áticos italian os, desde o trecen to e du ran te as du as cen tú rias segu in -
tes, qu e in ovaram a aritm ética. E sabem os com o isso foi im portan te pelas
fu n das con seqü ên cias qu e as leitu ras dos seu s trabalh os viriam a ter n a
form ação das m en talidades do h om em m odern o.
Não foi in diferen te ao desen volvim en to deste processo a espan tosa
capacidade qu e a aritm ética con tém em si própria, com o u ten silagem de
leitu ra de m u ltivariadas in ter-relações qu e povoavam o cotidian o dos in -
divídu os, dos gru pos sociais, desde tem pos im em oriais do viver em socie-
dade. E ain da m ais: se tiverm os em lin h a de con ta o au m en to da com ple-
xidade provocada pela teia destas n u m erosas in ter-relações, n o m om en to
da irru pção do capitalism o m ercan til, en con tram os talvez, o prin cípio da
explicação do papel fu n dam en tal desem pen h ado pela aritm ética n o pro-
cesso básico da m odern idade qu e é a aritm etização do real. A Aritm ética
assu m iu -se com o u m a u ten silagem de leitu ra da realidade e correspon -
deu , de form a cabal, às n ecessidades e às sen sibilidades em ergen tes das
n ovas m en talidades, tam bém elas a despon tar, m ergu lh an do raízes n a
con ta, peso e m edida.2 Nestas circu n stân cias n ão é de estran h ar qu e vies-
se a tran sform ar-se n u m u ten sílio de dom ín io e n u m in stru m en to de po-
der, ao serviço de gru pos profission ais ou con frarias de in teresses com o os
estu dos de Joaqu im Barradas de Carvalh o com provam para o Portu gal
qu atrocen tista e a h istória das com u n as italian as tão exem plarm en te do-
cu m en ta para a gen eralidade da Eu ropa do Su l.
E, todavia, este processo é bem fam iliar aos h istoriadores: em toda
a h istória do pen sam en to cien tífico n ão se con h ece u m ú n ico caso de n as-
cim en to espon tân eo da in ovação e os seu s legados, com o idéias sociais qu e
são, difu n dem -se sob a form a de paradigm as, tran sform an do-se em h eran -
ças, cu ja recepção sofre aju stam en tos cu ltu rais, m odelados pelas n ecessi-
dades práticas. Em bora a velocidade de circu lação das idéias cien tíficas seja
desigu al de época para época, e até den tro da m esm a con ju n tu ra sofra des-
vios acen tu ados, torn a-se m u ito difícil segu ir a su a trajetória e saber, a
cada m om en to, de on de e para on de elas vão.
Tem sido afirm ado, vezes sem con ta, qu e a form ação do m u n do m o-
dern o foi m arcada pela descon tin u idade, com h iatos e ru ptu ras, algu m as
até de difícil en ten dim en to. Sem dú vida a h istória da circu lação das idéias
cien tíficas apresen ta u m desen volvim en to descon tín u o qu e n ão su rpreen -
de o h istoriador por dem ais afeito às assim etrias do desevolvim en to dos
discu rsos cien tíficos e sobretu do aos u sos qu e deles se fizeram . Mas im por-
ta ter presen te qu e o sécu lo XV assistiu a algu m as das m ais im portan tes
tran sform ações das m en talidades e, de en tre estas, a passagem do con h e-
cim en to im ediato ao m ediato n ão foi, certam en te, a m en or.
Qu ais fossem essas idéias cien tíficas e os din am ism os qu e as tran s-
form aram , ign oram o-los em gran de parte. Todavia, as n ovas atitu des
an u n ciam m u dan ças profu n das face à apreen são da realidade. "Eu n ão te-
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ras cu ltas da sociedade, particu larm en te n os dom ín ios in stitu cion ais, qu er
da Igreja qu er do Estado, este ú ltim o acabado de su rgir n a cen a in ter-rela-
cion al dos h om en s.3
O aparecimento de traduções das obras que corriam impressas em la-
tim ou em línguas estrangeiras para a língua portuguesa teria sido da maior
utilidade, e em muito teriam ajudado à formação da linguagem científica;
mas por razões bem conhecidas, tal não aconteceu. E não há dúvida que os
escritos importantes desde a dobragem do milênio, e depois os textos dos
tradutores de Toledo corriam, como vimos, em Portugal. Esta circulação é
bem conhecida. Veja-se um caso exemplar, na primeira metade do século
XVI: a versão latina de Sacrobosco, já conhecida no último quartel de qua-
trocentos, e que prestou excelentes serviços pelos variados comentários que
suscitou e pelas inúmeras leituras que se adivinham. Esta versão era, por-
tanto, anterior à edição dos Guias náuticos quinhentistas, até que em 1537
Pedro Nunes publicou o seu Tratado da Esfera.4 Deve-se também ao seu la-
bor a tradução na mesma altura da Teórica do Sol e da Lua, de Puerbáquio e
do livro primeiro da Geografia de Ptolomeu. Igual sorte não teve um outro
texto importante, os Elementos de Euclides, apesar de terem exercido in-
fluência hegemônica durante todo este período, pois a versão portuguesa
só viria a ser publicada em 1768, para uso dos alunos do Colégio dos No-
bres e em tradução de Giovani Angelo Bruneli.5
Mesm o n o plan o da form ação das lin gu agen s m ais h erm éticas, ou
tidas com o tal, caso da Aritm ética ou da Matem ática, m u ito distan te ain -
da das propostas con ven cion adas de Vieta, as in dicações algorítm icas eram
descritas, o qu e torn ava os sistem as operatórios fran cam en te in operan tes.
Não adm ira pois qu e o léxico u sado por Gaspar Nicolás siga m u ito de per-
to o de Paccioli, sen do in desm en tível a leitu ra qu e fez da obra do fran cis-
can o. A Summa de Arithmetica era con h ecida em Portu gal e m u ito divu lga-
da como atestam, ain da h oje, os exemplares dispon íveis da edição de 1494,
existen tes n as bibliotecas portu gu esas.
Também aqui, na fixação de um quadro semântico, Pedro Nunes de-
sempenhou papel de relevo, não só pela sua tradução de textos antigos – na
verdade em grande parte tratava-se até de uma reescrita desses textos – mas
igualmente pelo esforço de atribuição semântica, pelo menos no domínio
da matemática. Pedro Nunes conhecia – porque os lera – Luca Paccioli,
Tartaglia e Cardano. Cita-os e comenta-os mas não era o único, pois já an-
tes dele o frade italiano merecera leitura atenta a um outro autor, Gaspar
Nicolás, que publicara em Lisboa e em 1519 uma Practica darismetica que
contém abundantes referências a Paccioli. Mas as leituras de Pedro Nunes
são mais extensas e profundas. Nada do que era importante no discurso do
frade italiano foi desprezado, particularmente o uso da “regla da cosa”, ou
seja, das propostas algébricas. A seu tempo, e a propósito dos atrasos veri-
86
SABERES E PRÁTICAS DE CIÊNCIA NO PORTUGAL DOS DESCOBRIMENTOS
ficados nos estudos de álgebra em Portugal, face ao uso persistente das so-
luções aritméticas para a solução dos problemas, Pedro Nunes seria incle-
mente na formulação do seu juízo, atribuindo a Paccioli, justamente pela
sua grande difusão, a responsabilidade desse fato. Mas não me parece assis-
tir-lhe razão; o atraso existia, mas devia-se a outros fatores, e diferentes
eram as razões que contribuíram para que tal atraso se verificasse. E diga-
se que tal situação nem era específica de Portugal, pois por toda a Europa
a situação tinha algo de semelhante. Talvez a chave da explicação possa en-
contrar-se nas dificuldades surgidas no plano da recepção dos textos italia-
nos e, conseqüentemente, na formação do léxico científico quinhentista,
esse sim, considerável, mas ainda não irremediavelmente atrasado.
Para os h om en s do qu atrocen tos fin issecu lar o m u n do estava a m u -
dar com u m a evidên cia n u n ca vista e ao m esm o tem po a au toridade dos
An tigos com eçava a ser posta em cau sa com o an tes n u n ca acon tecera. E
n o en tan to, o h orizon te con tin u ava cerrado; a Terra já n ão era ptolom ai-
ca m as ain da n ão era ou tra coisa e o Céu escon dia, por detrás do véu da
astrologia ju diciária, m u itos dos seu s segredos. Qu an do se põem os pés
n u m a terra qu e, afin al, n en h u m m apa n em n en h u m saber con sagrado au -
torizava estar ali, a perplexidade (su pon h o ser esta a palavra exata) torn a-
se com pan h eira de todos os dias. Não foi preciso m u ito para o copo da in -
qu ietação tran sbordar. O h om em qu e in terroga o m u n do e ten ta in terpre-
tá-lo, n u m tem po an terior à galáxia cartesian a, con fin ado com o estava à
m atriz da su a própria experiên cia, con stitu i-se prision eiro de si próprio. A
libertação das an tigas servidões, qu e su jeitaram os saberes e os agrilh oa-
ram à au toridade dos An tigos, foi dolorosa e a resposta aos desafios do vi-
ver cotidian o foi con solidada com o con h ecim en to em pírico. A circu lação
do livro im presso viera, en tretan to, acelerar a tran sferên cia dos n ovos sa-
beres qu e, in felizm en te, n u n ca se elevaram , en tre n ós, ao dom ín io da for-
m u lação teórica. E poderia ter sido de ou tra m an eira?
A essa altu ra, o m u n do já se alterara decisivam en te; literalm en te, já
era ou tro. Os paradigm as qu e fizeram a m edievalidade resistiam ain da n o
casu lo do m ágico-an im ism o qu e viria a caracterizar algu m as das fases do
Ren ascim en to. Mas os seu s dias estavam con tados. Os róseos dedos da Ra-
zão clareavam já a n oite m edieval.
87
Antônio Augusto Marques de Almeida
N OTA S
1. Cf. CARVALHO, J. B. de. A m en talidade, o tem po e os gru pos sociais. (Um exem plo por-
tu gu ês da época das Descobertas: Gom es Ean es de Zu rara e Valen tim Fern an des). Revista de
História, São Pau lo, an o IV, p.37-68, ju l.-set., 1953.
2. MARQUES DE ALMEIDA, A. A. Aritmética como descrição do real (1519-1679). Con tribu tos
para a form ação da m en talidade m odern a em Portu gal. Lisboa: Im pren sa Nacion al – Casa da
Moeda, 1994.
3. Sobre este assu n to, leia-se CARVALHO, R. de O u so da lín gu a latin a n a redação dos tex-
tos cien tíficos portu gu eses. In : Memórias da Academia das Ciências de Lisboa (Classe de Letras). Lis-
boa: Academ ia das Ciên cias de Lisboa, 1988. t.XXIX, p.309-37.
4. ALBUQUERQUE, L. de Sobre u m m an u scrito qu atrocen tista do Tratado da Esfera de Sa-
crobosco. Revista da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra. Coim bra, t.XXVIII,
p.142-76, 1959.
5. Segu iu -se logo ou tra edição em 1774. Este texto foi tradu zido desde o sécu lo XVI para as
lín gu as eu ropéias: italian a em 1543; alem ã em 1562; fran cesa em 1564; e a versão in glesa
em 1570.
88
capítu lo 6
89
Antônio Manuel Hespanha
90
OS BENS ECLESIÁSTICOS NA ÉPOCA MODERNA. BENEFÍCIOS, PADROADOS E COMENDAS
Os ben efícios podiam ser eletivos, providos por eleição can ôn ica, ou
colativos, providos por sim ples doação ou colação. Maiores (com o os de
papa, arcebispos, bispos, abades) ou m en ores (os restan tes). Cu rados, se
in clu íam a cu ra de alm as (adm in istrar sacram en tos e difu n dir a palavra de
Deu s, exercer a ju risdição espiritu al), ou n ão cu rados, se n ão a in clu íam (o
qu e se presu m ia). Regu lares, atribu ídos a m em bros de u m a ordem ou re-
gra m on ástica, obrigan do a u m a m ais estrita obediên cia ao su perior e li-
vrem en te depen den tes, qu an to às fu n ções e qu an to ao período de con ces-
são, do arbítrio deste,6 secu lares, se atribu ídos a clérigos regu lares, n ão su -
jeitos a regra e m ilitan do n o sécu lo (o qu e se presu m ia). Fam iliares, se o
seu provim en to tem qu e se verificar n o seio de certa fam ília, ou n ão fam i-
liares, n o caso con trário.7
O provim en to dos ben efícios era levado a cabo, n as m ais im portan -
tes dign idades eclesiásticas ( ecclesiae viduae: bispos e abades de orden s), por
eleição can ôn ica, i.e., respeitadas as n orm as do direito can ôn ico, n om ea-
dam en te qu an to à form a de efetu ar a eleição e qu an to aos requ isitos do
eleito 8), a efetu ar den tro dos três m eses segu in tes à vacatu ra. A eleição po-
dia ser su bstitu ída por u m a escolh a ( compromissum ) por u m gru po m ais
restrito de eleitores (com prom issários) ou pela n om eação pelo titu lar do
poder secu lar, com o acon tecia, para os bispos, em Portu gal. Devia ser con -
firm ada pelo titu lar do direito de n om ear o ofício.
Nos restan tes ofícios, o provim en to era feito por n om eação (ou cola-
ção), por via de regra, episcopal. Apesar de o Papa ser, com o vigário de Cris-
to, o titu lar n atu ral do provim en to dos ofícios da Igreja, os bispos teriam ad-
qu irido, com o decu rso do tem po, u m a expectativa ju rídica ( fundata inten-
tio) de os poder con ceder, em bora isto n ão preju dicasse os direitos papais
(Fragoso, 1642, II, 655, n . 2/ 5). Daí qu e, em bora ordin ariam en te cou besse
aos bispos a con cessão dos ofícios, este direito estava lim itado pelos direitos
cu m u lativos de colação qu e com petiam ao Papa. Assim , este era titu lar de
u m a reserva geral qu e lh e perm itia prover os ben efícios qu e vagassem em
certos m eses (m eses ím pares) ou qu e vagassem n a cú ria.9 Para além de
even tu ais reservas especiais, n o caso de certos ben efícios (Gm ein eiri, X., X.,
1835, II, § 127).10 Além de qu e o papa, com o vigário de Cristo e u san do de
seu poder absolu to, podia prover qu alqu er ben efício, em qu alqu er circu n s-
tân cia e m ês, com o tam bém podia privar dele o ben eficiado.11
Por ou tro lado, o direito de provim en to dos bispos podia estar ain -
da lim itado por direitos de apresen tação ( i.e., de proposta de n om es) qu e
com petissem aos even tu ais patron os do ben efício, n os term os do direito de
padroado (v. infra).
O direito de padroado 12 – qu e com petia a qu em tivesse fu n dado ou
dotado su bstan cialm en te u m a igreja ( jus patronatus est jus honorificum, one-
rosum, & utile, alicui competens in ecclesia, pro eo, quo de diocesani consensu eccle-
91
Antônio Manuel Hespanha
siam contraxit, fundavit vel donavit, Am aral, 1610, n . 1) – in clu ía, en tre ou -
tras coisas o direito de apresen tar pessoa idôn ea para u m ben efício vago.
Em bora a prática an terior fosse diferen te e m ais perm issiva, o Con -
cílio de Tren to procu rou restrin gir o direito de padroado, lim itan do a su a
con cessão aos casos de fu n dação ou dotação su bstan cial de u m a igreja ou
capela. Em todo o caso, con tin u a a adm itir-se, em bora relu tan tem en te,
qu e o papa, u san do do seu poder absolu to ( i.e., su perior ao direito), pu -
desse con ceder padroados ( de vi potestatis de camera) a qu em n ão tivesse
fu n dado igrejas (Gm ein eiri, X., 1835, p.139). Sim u ltan eam en te, estabele-
cem -se con dições m ais rigorosas para a prova do direito de padroado, exi-
gin do docu m en to au tên tico ou posse im em orial, com ú n ica ressalva dos
padroados im periais ou régios, para os qu ais se con tin u avam a adm itir to-
das as provas adm itidas em direito.13
Além do direito de apresen tação, o direito de padroado in clu ía, des-
de logo, o direito de pedir alim en tos, por força das ren das do ben efício, n o
caso de pobreza; m as a avaliação da su a pobreza depen dia da “qu alidade”
do patron o. Em bora o Con cílio de Tren to (sécu lo XXII, de reform at., cap.
u lt.) ten h a – n a seqü ên cia de determ in ações can ôn icas an teriores (cf. Decr.
Greg. IX, cap. extirpandae, III, 5, 30) – proibido term in an tem en te os patro-
n os de se in trom eteram n a percepção dos fru tos do ben efício, a dou trin a
segu e adm itin do, m esm o n os fin ais do sécu lo XVIII, qu e os patron os po-
dem receber censos nos limites da igreja fundada (cf. Gmeineiri, X., 1835, II,
p.138, § 160). No plan o sim bólico, os patron os têm direito a lu gares de
destaqu e n a igreja, n o coro e n as procissões (ibidem .).
Estes direitos obrigam o patron o à cu ra, in speção e defesa da igreja,
para qu e esta n ão seja preju dicada n os seu s direitos. Em sín tese, costu m a-
va recitar-se o segu in te brocardo:
Patronos debetur honos, onus, utilitasque;
Praesentet, praesit, defendat, alatur egenus
(Deve-se ao patron o a h on ra, o ôn u s e a u tilidade; Apresen te, pre-
sida, defen da e seja alim en tado n a m iséria).
Neste brocardo, destacam-se as características fundamentais do siste-
ma de direitos e deveres incluídos no padroado. Ou seja, o seu caráter ho-
norífico, oneroso e utilitário. Honorífico, pois encerra certas honras, como
a de apresentar o titular do benefício (normalmente o reitor ou capelão da
Igreja), a de ter a precedência nos atos de culto (como as procissões, os ofí-
cios, a benção etc.), a de ter direito a preces, a cadeira especial na Igreja ou
no coro, a ter sepultura em lugar de destaque, etc. (Osório, 1736, res. I, n.
7-11). Oneroso, porque sobre o patrono recai o ônus de defender a igreja
ou capela do seu padroado e de impedir que os seus bens se dilapidem (n.
12). Utilitário, pois o patrono, sua mulher e família têm direito a ser socor-
ridos pelos rendimentos da Igreja se caírem na miséria (n. 14).
Os padroados podiam com petir a m u itas en tidades. Desde com u n i-
dades paroqu iais ou poderosos locais a en tidades eclesiásticas (com o sés ou
92
OS BENS ECLESIÁSTICOS NA ÉPOCA MODERNA. BENEFÍCIOS, PADROADOS E COMENDAS
93
Antônio Manuel Hespanha
m eadam en te n os atos litú rgicos ou capitu lares ("n o coro ou n o capítu lo");
falava-se, n estes casos, de u m a dignidade. Em con trapartida, se esta prim a-
zia era m eram en te h on orífica, n ão com portan do qu alqu er ju risdição ( i.e.,
n ão se u n in do a qu alqu er ofício, com o u m lu gar h on orífico n o coro, pro-
cissões ou su frágios), falava-se de u m a sim ples pessoa ( personatus). No caso
de esta prim azia se lim itar à percepção de u m ren dim en to, falava-se de
u m a prebenda ou conezia.15 Fin alm en te, se os poderes con feridos fossem de
m era adm in istração, sem ju risdição ou dign idade, com o n o caso dos sacris-
tães ou porteiros, cu stódios, tratava-se de u m mero ofício.
Neste m odelo adm in istrativo, ao desem pen h o de u m a fu n ção cor-
respon dia sem pre a percepção de u m a ren da, de u m "ben efício". Na ver-
dade, os ofícios eclesiásticos n u n ca são con feridos sem ren das (sem titu-
lum [ou cau sa de possu ir]). A razão seria tan to a ju stiça (“é ju sto qu e
qu em vive para o altar, viva também do altar”, Vallensis, 1632, l. 3, tít. 5,
§ 1, n. 5) com o a n ecessidade de evitar qu e su rjam “clérigos vagos e acé-
falos” (Teles, 1693, p.116, n . 13).16 Apesar de paradoxal com a lógica in i-
cial do in stitu to, a situ ação in versa de existirem ben efícios sem a corres-
pon den te fu n ção podia verificar-se, n om eadam en te por se ter en tretan to
extin to, perm an ecen do a titu laridade dos ren dim en tos. Assim , ofício e be-
nefício passam a con stitu ir sin ôn im os, design an do a m esm a coisa, em bora
sob perspectivas diferen tes. Mas, n o m u n do sem ân tico da adm in istração
eclesiástica, a design ação de ben efício (qu e rem ete para u m a perspectiva
patrim on ial) su plan ta fran cam en te a de ofício (qu e rem ete para u m a
perspectiva fu n cion al ou m in isterial), em bora a lógica in stitu cion al h esi-
te en tre u m a e ou tra visão.
Por u m lado, a ligação essen cial do ben efício a u m a fu n ção su bja-
cen te, a u m ministerium , de n atu reza espiritu al, tin h a com o con seqü ên cia
a obrigatoriedade da residên cia n o lu gar do ben efício, a fim de poder de-
sem pen h ar presen cialm en te as in eren tes fu n ções, n om eadam en te as qu e
revestissem u m caráter de u rgên cia, com o a adm in istração da con fissão
ou da extrem a u n ção.17 Daí qu e n in gu ém pu desse ter m ais do qu e u m be-
n efício, pelo m en os se estes fossem en tre si in com patíveis.18 Por ou tro
lado, o fato de algu m as das fu n ções su bjacen tes serem essen cialm en te es-
piritu ais levava à in capacidade dos leigos para serem titu lares de certos
ben efícios an exos a este tipo de fu n ções (Gm ein eiri, X., 1835, II, 92, §
66).19 Ain da n esta perspectiva, os ren dim en tos do ben efício deviam servir
sem pre a fu n ção su bjacen te. Assim , en ten dia-se os ben eficiados aplicar ao
seu m ú n u s os fru tos do ben efício; e qu e, m esm o os ren dim en tos su pér-
flu os, deveriam ser con su m idos em gastos piedosos (Gm ein eiri, X., 1835,
II, p.164). Tam bém os réditos dos ben efícios vagos deveriam perm an ecer
con sign ados ao ben efício, sen do en tregu es ao su cessor ou gastos em be-
n efício deste; de m odo a qu e os bispos n ão se pu dessem apropriar deles
94
OS BENS ECLESIÁSTICOS NA ÉPOCA MODERNA. BENEFÍCIOS, PADROADOS E COMENDAS
para gastos gerais da Igreja (Gm ein eiri, X., 1835, II, p.174). Em bora esta
perspectiva in teressasse tam bém , m esm o de u m a óptica pu ram en te patri-
m on ial aos fu tu ros ben eficiados.
Mas a conseqüência talvez mais notável da lógica ministerial diz res-
peito aos critérios de seleção dos beneficiados. Aqui, é muito presente a
idéia de que o beneficiado não é um mero arrecadador de rendas, mas uma
pessoa que, tendo que desempenhar um ministério, tem que ter as quali-
dades requeridas para tal. Essas qualidades (morais, intelectuais, físicas e de
idade 20) estavam fixadas pelo direito canónico e enfaticamente sublinhadas
pelo Concílio de Trento (sess. 24, c. 12) (cf. Amaral, 1610, v. “Beneficium”,
n. 9). Mas, para além do cumprimento de requisitos absolutos, havia ainda
que ponderar os méritos relativos dos potenciais candidatos. Nos ofícios
eclesiásticos mais importantes – como os bispos e superiores de ordens re-
ligiosas – isto obriga a que o provimento se faça mediante concurso, cons-
tando de um exame formal, devendo ser aprovado o melhor ( dignior). No
plano dos princípios, isto impediria – segundo alguns, mas não todos – a
concessão de benefícios por preferências pessoais, clientelares ou familia-
res.21 Nos benefícios inferiores exigência era menor, havendo quem – em-
bora contra a letra dos decretos de Trento (sess. 24, c. 18) – dispensasse o
concurso formal, nomeadamente nos benefícios que fossem apresentados
por patronos laicos,22 mas, de qualquer modo, exigia-se que o apresentado
fosse digno (embora não o mais digno), em termos de virtude (mais do que
em termos de nascimento.23 Em todo o caso, o princípio de que o ofício
eclesiástico tinha uma natureza espiritual, devendo ser exercido pelo mais
digno e meritório, e de que a concessão do correspondente benefício era
um ato gratuito e liberal faia com que qualquer motivação interesseira ou
qualquer pacto acerca da concessão fossem arguíveis de simonia ( i.e., o pe-
cado que consistia na venda de função espiritual). Pelo que os critérios ob-
jetivos do mérito sempre foram muito mais exigidos na colação dos bene-
fícios eclesiásticos do que na concessão dos ofícios ou mercês da república.
Em con trapartida, u m a visão patrim on ialista do ben efício ten de a
con siderá-lo com o u m a m era ren da, sem elh an te a tan tas ou tras, gravan -
do sobre certos ben s, existen tes n o m u n do m edieval e m odern o. E, daí,
qu e se con cebesse a existên cia de ben efícios sem ofício su bjacen te (pre-
ben das ou con ezias) ou a ven da de ben efícios (en ten didos com o m eros ré-
ditos tem porais, Vallen sis, 1632, l. 3, tít. 5, § 1, n . 5) sem perigo de sim o-
n ia. Adm itida a ven da (ou a troca), aceitava-se tam bém a ren ú n cia a fa-
vor de ou trem , em bora au torizada pelo colator. En ten den do-se m esm o
qu e este n ão podia con ceder o ben efício a ou trem (Am aral, 1610, v. “Be-
n eficiu m ”, n . 46). Tais ren ú n cias eram m u itos vu lgares.
Nu m a lógica pu ram en te patrim on ial, tam bém se en ten dia qu e o
con ceden te do ben efício pu desse reservar para si u m a porção do ren di-
95
Antônio Manuel Hespanha
m en to, a títu lo de pen são. Isto foi frequ en te até ao Con cílio de Tren to, o
qu al, segu in do a lógica espiritu alista, proibiu estas pen sões, a n ão ser qu e
ficassem votadas a fin s tam bém espiritu ais (com o, v.g., a reparação da igre-
ja do padroado) (Gm ein eiri, X., X., 1835, II, 172 s.). Mas, m esm o depois,
n ão só se adm ite qu e o fu n dador de u m a igreja reserve u m a pen são sobre
os ben s doados (Am aral, 1610, “Pen sio”, n . 6), com o se m an tém -se a prá-
tica de, em certos ben efícios, se exigir, n o m om en to da con firm ação, o pa-
gam en to de u m a som a equ ivalen te à m etade do ren dim en to an u al ( meia
anata). Daí qu e, peran te a gen eralidade da prática, a dou trin a prefira fixar
lim ites às pen sões, estabelecen do a regra de qu e estas n ão deviam ser de
tal m odo graves qu e o ben eficiário n ão se pu desse su sten tar com odam en -
te, observan do os preceitos de u m a vida h on esta e da h ospitalidade; em
geral, a pen são n ão deveria exceder a terça parte dos fru tos do ben efício
(Am aral, 1610, “Pen sio”, n . 8-9).
Um a form a especial de atribu ição de ben efícios era a com en da. Em
rigor, n ão se tratava de u m a con cessão de ben efício, m as apen as da su a
“en com en dação” (ou en trega com o qu e em depósito) 24 tem porária a al-
gu ém , qu e o deve proteger e cu rar, en tregan do-o, qu an do isso lh e for pe-
dido, ao con ceden te, e pon do os fru tos à disposição do ben efício (Vallen -
sis, 1632, p.462).
O alem ão Ju stu s Hen n in g Boeh m er 25 descreve assim a origem da
in stitu ição: “Nos tem pos prim itivos n ão era possível pôr logo à fren te das
igrejas u m pastor idôn eo; en tretan to, para evitar todos os in côm odos qu e
n orm alm en te n ascem da an arqu ia, costu m ava-se en com en dar e com eter
a igreja vaga a algu ém probo qu e, com o tu tor ou procu rador, se en carre-
gasse de boa-fé dos atos a ela relativos. Este n ão era pastor da igreja e só
era n om eado por certo tem po” (sec. 8, cap. 2, n . 25). E prossegu e, dan do
con ta das críticas qu e os protestan tes dirigiam a todas estas form as de
tran sferên cia para leigos das fu n ções e ren das da Igreja, “pou co a pou co,
esta in stitu ição degen erou em rapin a, verifican do-se u m a reação con tra
ela … obrigan do-se os bispos a, n o prazo de u m an o, proverem as igrejas
ou a su bstitu ir o com en dador … Mas h oje estas com en das (ou beneficia
commendatae) ju stificam -se m ais pelos réditos qu e dão do qu e pelo bem da
cu ra de alm as” (sec. 8, cap. 2, n . 25-27).
Solorzan o Pereira,26 qu e trata lon gam en te da in stitu ição da enco-
mienda, pela qu al se distribu íram aos colon izadores as terras das Am éricas,
defin e ain da a com en da com o o recebim en to de “algu m a coisa em gu arda
ou depósito, am paro e proteção” (Pereira, 1972, III, 1,1). Mas tam bém já
lh e acrescen ta a ou tra dim en são patrim on ial, m ais próxim a da realidade
prática da época, ao defin i-la com o o “direito de perceber os tribu tos dos
ín dios, con ferido por m ercê” (III, 3, 2 ss.). Na verdade, com o refere, estas
n om eações “n ão davam n em con feriam títu lo algu m ao qu e servia o be-
n efício, só o con stitu in do com o seu depositário, gu ardador ou adm in istra-
96
OS BENS ECLESIÁSTICOS NA ÉPOCA MODERNA. BENEFÍCIOS, PADROADOS E COMENDAS
dor por certo tem po e por cau sa de eviden te u tilidade da Igreja; m as com
a facu ldade de qu e pu desse gozar e dispor dos fru tos, com o se fosse u m be-
n eficiado” (Gm ein eiri, IV, cap. 15, 5 ss.).
Em Portu gal,27 a com en da é defin ida com o u m “ben efício de coisa
im óvel, retida a propriedade n o con ceden te, de m odo a qu e o u su fru to
passe para o aceitan te em virtu de da fidelidade deste” (Carvalh o, 1693, II,
p.10, n . 7). Discu tia-se a su a n atu reza ben eficial, sen do dom in an te a opi-
n ião de qu e n ão se tratava de ben efícios eclesiásticos, já qu e o m ú n u s qu e
estava su bjacen te à percepção de fru tos n ada tin h a de espiritu al, con sistin -
do n a obrigação de fazer a gu erra aos in fiéis (Carvalh o, 1693, I, en . 2, n .
18 ss.). Era aos párocos das igrejas da com en da qu e com petiam todas as
fu n ções espiritu ais, para o qu e lh es era atribu ída u m a certa pen são (ou
“cota”) extraída dos fru tos e ren dim en tos da com en da, de qu e os com en -
dadores eram m eros adm in istradores (Ibidem , n . 22).
Estavam atribu ídos em com en das os ben efícios, ju risdições e ren das
das orden s m ilitares. Com a in tegração dos m estrados das Orden s n a Co-
roa, esta torn a-se padroeira destas com en das.28 O rei, com o m estre, apre-
sen ta a com en da (qu e n ão é u m ben efício) e o com en dador apresen ta u m
vigário perpétu o ou reitor qu e provê os ben efícios.29 Aí, os com en dadores
repartiam com os cu ras (ou vigários perpétu os) os réditos eclesiásticos, de
acordo com os disposto n a carta de con cessão (Osório, 1736, p.90, n . 2).
Freqü en tem en te, os com en dadores tin h am os fru tos das igrejas e os vigá-
rios as su as porções (Am aral, 1610, v. “Ben eficiu m ”, n . 11).
Em Espan h a, foi este, além disso, o sistem a de distribu ição das ter-
ras das Am éricas pelos colon os. O com en dador foi origin ariam en te u m en -
carregado tem porário da adm in istração de u m território, com a percepção
dos respectivos tribu tos e as ju risdições espiritu al e secu lar correspon den -
tes, en qu an to esta n ão se provessem defin itivam en te os respectivos ofícios.
Mas esta idéia de precariedade foi se obliteran do progressivam en te.
O ben efício cu rado de San ta Maria de Vou zela vagou por m orte em
ou tu bro de 1663 [m ês do papa]. Matias de Araú jo Bah ia, obteve-o por
con cu rso do Ordin ário. No en tan to, o Bailio de Leça, da Ordem de S. João
de Jeru salém , qu e tin h a direito de padroado n o m esm o ben efício, apre-
sen tou Man u el de Sou sa. Este foi ch am ado a ju ízo [pelo Procu rador da
Mitra] para apresen tar as cartas apostólicas [ i.e., de n om eação pon tifícia],
ten do o ju iz [delegado do Tribu n al da Nu n ciatu ra] revogado a su a posse
do ofício, já in icada [por faltarem ao possu idor as cartas pon tifícias de n o-
m eação, assu m in do, portan to, a com petên cia papal para a n om eação]. O
97
Antônio Manuel Hespanha
Sen ado da Relação [de Braga], por via de recu rso a ele dirigido pela Mesa
da Ordem [por n ão recon h ecer a existên cia de u m a reserva pon tifícia n es-
te ofício], declarou in ju stas as sen ten ças do dito ju iz [dan do razão ao re-
cu rso do apresen tado pelo Bailio].30
Toda a qu estão está em saber se a apresen tação deste ben efício está
reservada à San ta Sé, n os seu s m eses, ou se esta reserva n u n ca vale, por
se tratar de u m ben efício de Ordem Militar (Ibidem , n . 32).
Esta qu estão liga-se à n atu reza do ofício con exo com o ben efício,
pois era claro qu e os ofícios regu lares, m an u ais31 ou am ovíveis n ão esta-
vam reservados (n . 32). Discu tível era, porém , se isto valia tam bém para
os ofícios perpétu os da Ordem . Segu n do u m a opin ião, a Ordem podia
apresen tar, sem reserva pon tifícia, ben efícios m an u ais, relacion ados com o
m ú n u s específico da Ordem , e am ovíveis ad nutum . Mas já n ão gozava des-
sa isen ção n o qu e respeita aos ben efícios perpétu os (n . 35-6). A opin ião de
Pegas é, con tu do, diferen te e oposta (cf. n . 156, p.210).32
A sen ten ça fin al do ju iz n o recu rso para ela in terposto da sen ten ça
da Relação Arqu iepiscopal de Braga foi a segu in te:
"O ben efício da Igreja de San ta Maria de Sou zelas vagou em ou tu -
bro, qu e é u m dos m eses reservados [à San ta Sé]; o provim en to dele per-
ten ce à Sé Apostólica, pela regra oitava da Ch an celaria [Apostólica].
Qu an to m ais qu e desde o an o de 1566, está a Mitra daqu ele Arcebispado
de posse de pôr em con cu rso o dito ben efício, sem em bargo dos privilégios
qu e por parte daqu ela religião [de Malta] se alegam , pois [estes] falam n os
ben efícios regu lares e m an u ais, com o são as preceptorias e vigararias u n i-
das às com en das, n as qu ais a Religião tem dízim os e ren das e se costu m am
dar aos clérigos de h ábito dela … . Nada do qu e tem [do qu e ocorre] n o
ben efício da con ten da, pois se n ão m ostra qu e em tem po algu m fosse ser-
vido por clérigos regu lares, an tes por secu lares do h ábito de S. Pedro, n em
m en os ser u n ido às com en das, n em qu e a Religião ten h a n ele fru tos … .
Nem obstam as cláu su las, e derrogações dos ditos privilégios [ i.e., dos pri-
vilégios de In ocên cia VIII relativos aos ben efícios das Orden s], pois a dita
regra oitava tira e su spen de com exu beran tíssim as cláu su las e derrogações
os efeitos de todos e qu aisqu er privilégios, de sorte qu e n ão ten h am lu gar,
n em vigor con tra a reserva geral dos ben efícios [a favor da cú ria] n os oito
m eses reservados … . Ju lgam os e declaram os o títu lo qu e o apresen tado
pela Ven eran do Bailio tem n o dito ben efício por ilegítim o e n ão can ôn ico,
e n ão perten cer por esta razão à Religião o direito de apresen tar n o dito
ben efício, e m an dam os qu e sejam con servados em su a posse a San ta Sé
Apostólica, e o Sen h or Arcebispo de o proverem por con cu rso n a form a da
dita regra oitava e do Sagrado Con cílio Triden tin o …, Lisboa, 27.02.1677."
(Ibidem , n . 29).
A tese qu e faz ven cim en to é, portan to, a de qu e o ben efício cu rado
da Igreja era do padroado com preen dido n u m a com en da da Ordem de
98
OS BENS ECLESIÁSTICOS NA ÉPOCA MODERNA. BENEFÍCIOS, PADROADOS E COMENDAS
99
Antônio Manuel Hespanha
100
OS BENS ECLESIÁSTICOS NA ÉPOCA MODERNA. BENEFÍCIOS, PADROADOS E COMENDAS
O CA SO D A COMEN D A D E SOUSA ,
D A ORD EM D E SA N TIA GO 37
101
Antônio Manuel Hespanha
102
OS BENS ECLESIÁSTICOS NA ÉPOCA MODERNA. BENEFÍCIOS, PADROADOS E COMENDAS
N OTA S
1. Em sen tido estrito, a praebenda ou canonica portio é aqu ela parte qu e se tom a da m assa dos
ben s e proven tos dos eclesiásticos e se dá a cada u m com o arte su a (Vallen sis, 1632, p.442,
n . 1); m as qu e, em bora se preste pelos ben s da Igreja, n ão se presta em razão do ofício divi-
n o, m as em razão de trabalh o tem poral.
2. A primeira referência no C. I. C. reporta-se ao Concílio de Mogúncia (813) ( Decr. Greg., III, 48, 1).
3. TELES, M. G. De praeben dis et dign itatibu s. In : Commentaria perpetua in singulos textus quin-
que librorum decretalium. Lu gdu n i, 1693. v.III, tít. V, n . 12.
4. GMEINEIRI, X., 1835. II, 90, § 62 ss.
5. GMEINEIRI, X., 1835, II, 92, § 66; VALLENSIS, 1632, III, 5, 1, n . 7.
6. De fato, os ofícios m on acais (ou m an u ais) são dados e revogados ad nutum (à discrição); o
con teú do das su as atribu ições tam bém depen de em absolu to do con ceden te (Fragoso, 1641,
1652. II, 854, § 12).
7. Sobre este tem a, v., v.g., BARBOSA, 1632, cap. IV; VALLENSIS, 1632, III, 5, 2, p.444; m ais
recen tes, GMEINEIRI, X., X., X., 1835, II, 93, §§ 69 ss.; Carn eiro, 1869, 121 ss.
8. Sobre as eleições e os requisitos dos eleitos, v. GMEINEIRI, X., X., X., 1835, II, 104, § 88 ss.
9. Dado qu e esta reserva preju dicava os direitos dos patron os, h avia qu em restrin gisse forte-
m en te o âm bito da reserva pon tifícia, n ão a adm itin do n os ben efícios em padroado leigo, n os
obtidos on erosam en te, n os ben efícios das orden s m ilitares(cf. Pegas, 1669, XI, ad 2,35, c. 117,
149 ss.). Além qu e a reserva pon tíficia n ão existia n os ben efícios regu lares ou m an u ais das
orden s (cf. Pegas, 1669, XI, ad 2,35, c. 117, n . 35-6).
10. Nos ben efícios de padroado eclesiástico, a San ta Sé gozava de 8 m eses de reserva, fican -
do aos padroeiros apen as os m eses de m arço, ju n h o, setem bro e dezem bro (Con c. Triden ti-
n i, sess. 24, cap. 18).
11. VALLENSIS, 1632, III, 7, § 2, p.451 ss.
12. Decretu m , II p., C. XVI, Q. VII, c. 33: “O m osteiro ou oratório in stitu ído can on icam en te
n ão deve ser tirado do dom ín io do in stitu idor con tra a su a von tade, deven do-se perm itir-lh e
qu e o en com en de ao presbítero qu e qu iser para a celebração dos ofícios sagrados, com o con -
sen tim en to do bispo da diocese”. Cf. tam bém Decretais, III, 38 (“De iu re patron atu s”). Sobre
o padroado, ver Osório, 1736; AMARAL, 1740, ver. “Ju s patron atu s”; Cabedo, 1603; FRA-
GOSO, 1642, II, 689, § 7; VALLENSIS, 1632, ad III, 38; Gm ein eiri, 1835, II, 136 ss.
13. Concílio de Trento, "Padroado", sess. 25, cap. 9: "Assim com o n ão é ju sto preju dicar os le-
gítim os direitos de padroado e violar as pias von tades dos fiéis qu an to à su a in stitu ição, tam -
bém n ão é de perm itir qu e, debaixo desta aparên cia, se coloqu em os ben efícios da Igreja em
servidão, o qu e m u itos fazem de form a im pú dica. Assim , para qu e se observe em tu do u m
equ ilíbrio devido, o San to Sín odo recon h ece com o títu lo do padroado a fu n dação ou a doa-
ção qu e se dem on stre provada por docu m en to au tên tico e ou tras provas requ iridas por di-
reito; ou tam bém por m ú ltiplas apresen tações por tem po an tiqu íssim o qu e exceda a m em ó-
ria dos h om en s ou de ou tro m odo equ ivalen te, segu n do a disposição do direito. No en tan to,
n aqu elas pessoas, com u n idades ou u n iversidades n as qu ais aqu ele direito as m ais das vezes
costu m a ser obtido sobretu do por u su rpação, exige-se u m a prova m ais plen a e exata com o
títu lo verdadeiro. Nem a posse im em orial lh es valerá sen ão qu an do, além de ou tras coisas
n ecessárias, se provarem apresen tações, con tin u adas, e pelo espaço n ão in ferior a cin qü en ta
an os, e sortidas de efeito. Todos os restan tes padroados n os ben efícios, tan to secu lares, com o
regu lares, ou paroqu iais, ou dign idades, ou qu aisqu er ou tros ben efícios, em catedral, ou igre-
ja colegiada, ou privilégios con cedidos, tan to com efeito de padroado com o qu alqu er ou tro
direito de n om ear, eleger ou apresen tar para qu an do vagu em , são totalm en te revogados,
sen do tida com o n u la qu alqu er posse deles, exceto os padroados sobre igrejas, catredrais e
ou tros qu e perten çam ao im perador ou aos reis ou possu idores de rein os, bem com o ou tras
en tidades su blim es e prín cipes su prem os qu e ten h am n os seu s dom ín ios direitos im periais;
103
Antônio Manuel Hespanha
assim com o os con cedidos em favor de estu dos gerais. Assim , os ben efícios são con cedidos
com o livres pelos seu s colatores, ten do as provisões destes plen o efeito”.
14. Tal é a opin ião de Gm ein eiri, X., 1835, II, p.144, § 173.
15. Falava-se de pen são ou porção a respeito de u m a prestação periódica im posta sobre o
ren dim en to de certo ben efício pelo titu lar da su a colação ( i.e., por aqu ele a qu em com pete
prover esse ben efício) a favor de u m a pessoa eclesiástica ou leiga (cf. Lobão, 1825, 21 ss.). As
pen sões podiam ser im postas pelo papa, pelos bispos, pelos grão-m estres das orden s m ilita-
res e pelos reis (com o grão-m estres ou padroeiros). V. AMARAL, 1740, ver “Pen sio”, n . 2 ss.
16. Se o bispo orden ar clérigos sem titu lu m tem qu e lh es prestar alim en tos dos seu s ben s, Te-
les, 1693, p.118.
17. AMARAL, 1740, v. “Ben eficiu m ”, n . 9. Este é u m dos gran de tem as do Con cílio de Tren -
to em m atéria ben eficial: cortar os abu sos de ben eficiados au sen tes (cf. obrigações do ben e-
ficiado: residên cia assídu a, Gm ein eiri, X., X., 1835, II, 156 § 200; Tren to: sess. 23, cap.1). No
en tan to, a prática con tin u ou a ser bastan te perm issiva, adm itin do, n om eadam en te, a falta de
residên cia n os ben efícios sem cu ra de alm as (AMARAL, 1740, “Ben eficiu m ”, n . 63).
18. AMARAL, 1740, ver “Ben ficiu m ”, n . 17.
19. Já n o caso das sim ples preben das (v. supra), n ão m ilita esta razão, pelo qu e podem ser au -
feridas por leigos.
20. O ben efício cu rado exige 25 an os e ordem clerical; os ou tros exigem pelo m en os 14 an os
(Tren to, sess., 23, c. 6 de reform at). Sobre os requ isitos pessoais para ter ben efícios, v. FRA-
GOSO, 1642, II, p.663, § 2, n . 4 ss.
21. Cf. AMARAL, 1740, ver “Ben eficiu m ”, n . 8. Em con trapartida, Baptista Fragoso (FRA-
GOSO, 1642, II, p.663, § 2, n . 4-5.) defen de qu e o bispo pode con ceder oficios a seu s con -
san gü ín eos idôn eos, desde qu e o n ão faça com escân dalo; apen as n ão lh es pode con ceder os
ofícios ren u n ciados em su as m ãos por ou trem , n . 2.
22. No padroado real portu gu ês, a apresen tação precedia exam e e in form ação, n orm alm en -
te tirada pelo deão da capela real (Cabedo, 1602, c. 19, p.69, n . 1.
23. Discu te a qu estão de se n os ofícios secu lares ou eclesiásticos são de preferir os n obres, Te-
les, 1693, p.167, n . 4 (n ão são de preferir os n obres pois n ão é a n obreza do n ascim en to m as
das virtu des e da vida h on esta qu e torn am o servidor grato e idôn eo para Deu s; para o go-
vern o da Igreja devem ser eleitos n ão os n obres pela carn e m as os h u m ildes e pobres, n . 4).;
apoia-se em S. Tom ás, De regim. principum ., lib. 4, cap.15.
24. Commendare é depositar, l. com m en dare, D. 50, 16.
25. Ius parochiale ad fundamenta genuina ius ecclesiasticum protestantium , Hallae, 1721.
26. PEREIRA, J. S. Politica indiana. Madrid: Bib. de au tores españ oles, 1972.
27. Sobre o regim e das com en das, em Portu gal, ver Carvalh o, 1693.
28. Ver lista das com en das de Cristo do padroado da coroa (“as cin qü en ta com en das do pa-
droado”), em Cabedo, 1602, cap.18, p.66, n . 1.
29. Cabedo, 1602, cap.18, n . 2-5; Ben to Cardoso Osório diz qu e “os reitores das igrejas do
padroado real, n as qu ais foram con stitu ídas com en das, con tin u am a apresen tar os cu ras e de-
m ais ben efícios, com o an tes” (Osório, 1736, p.91, n . 1; p.106, n . 4). Ver diplom a sobre a re-
partição das apresen tações dos ben efícios das com en das e seu s ren dim en tos en tre com en da-
dores e reitores em Osório, 1736, p.93. l
30. PEGAS, M. Á. Commentaria ad Ordinationes, XI, ad 2,35, c. 117, n . 31.
31. A manualitas con siste n a obediên cia devida pelos regu lares (n . 34).
32. Para u m ou tro con flito deste tipo en tre a Ordem de Avis e o Arcebispo de Évora, cf. ibi-
dem , n . 102.
33. Em todo o caso, existe, n ou tros con textos, a opin ião exatam en te con trária, de qu e os
ben s da coroa, qu an do doados à Igreja, perderiam a su a prim eira n atu reza.
104
OS BENS ECLESIÁSTICOS NA ÉPOCA MODERNA. BENEFÍCIOS, PADROADOS E COMENDAS
34. PEGAS, M. A. Tractatus de exclusione, inclusione, successione & erectione maioratus. Ulyssipon e,
1685. v.I, p.116 ss.
35. “Nos ben s da coroa, se o Prín cipe os con cede para u m m orgado, ficam vin cu lados e re-
gu lam -se pelas vocações do m orgado” (cf. IV, ad I, 50, gl. 1, p.192, n . 12 ss.). Ou se a doação
foi feita a algu ém e seu s filh os, fora da lei m en tal em perpétu o, pode fazer-se u m vín cu lo de
tais ben s”, PEGAS, ibidem , p.151.
36. A qu estão da n atu reza ben eficial ou não das comendas é objeto de larga controvérsia nos
finais do século XVII, conforme se pode ver em Carvalho, 1693, enucl. 2 e 5. O autor inclina-
va-se para a opinião negativa, fundado principalmente (i) no fato de que os comendadores
não tinham qualquer múnus espiritual e (ii) na existêncis de um costume inveterado de atri-
buir expectativas das comendas (ver exs. em Carvalho, 1693, I, p.357 ss.). Mas, em contrapar-
tida, existiam também determinações explícitas em contrário, quer em diplomas papais, quer
em decisões da Mesa da Consciência e Ordens ( v.g., em 8.9.1574: “nula toda a promessa de
comenda, ainda que seja com a declaração, que haverá efeito, sendo hábil a pessoa a quem se
prometeu, e assim é nula a tença em defeito de comenda” (Carvalho, 1693, en. 2, n. 4.)
37. PEGAS, M. Á., 1669-1703. XI, ad 2,35, c. 117, n . 1 ss.
38. Ou seja, o rei e su cessores ficaram com o direito de padroado, com direito a apresen tar o
com en dador.
39. Qu e, assim , ficaram patron os da com en da.
40. Trata-se de u m a reserva cu m u lativa e n ão privativa, poden do o Mestre de San tiago pro-
ver a com en da n a falta ou dilação da apresen tação do patron o (cf. n . 5).
41. “… con sta qu e sen do com en dador do Mosteiro e Igreja de Sou sa, João de Sou sa, a qu e
ch am arão o Rom an isco, em su a vida som en te, a fez o Su m m o Pon tífice com en da in perp-
tu u m e con cedeu o direito de padorado dela ao sen h or rei D. Afon so V, para ele e para seu s
su cessores, e o m esm o sen h or, an tes qu e este padroado se in corporasse n a Coroa, o tran sfe-
rio e fez doação dele ao dito João de Sou sa, para ele e seu s h erdeiros e su cessores, ju re h e-
reditário, assim com o pelo Papa lh e fora con cedido, orden an do qu e os Sen h ores Reis seu s su -
cessores lh e n am pu zessem a isso dú vida, porqu an to dem itia de si an tes de ser patrim ôn io
real, e se in corporar n a Coroa”.
42. “Na qu al n ão só h á dízim os, qu e foram da Igreja, m as ben s próprios, e aqu ella villa, e ju -
risdição, qu e os Sen h ores Reis deste Rein o de seu patrim ôn io secu lar, e da Coroa lh e doa-
ram ", p.211, col 1.
43. Note-se qu e, n as comen das, o papa não goza da reserva pontifícia. De fato, “as comendas
e benefícios das Ordens não costumam devolver-se ao ordinário, nem ao Papa, mesmo que os
benefícios vaguem na Cúria; existe uma bula e privilégio de Inocêncio VIII, segundo o qual
não se aceitam provisões apostólicas para o provimento das comendas, pelo que a sua provi-
são nunca fica reservada ao Pontífice, mas sim ao Mestre e patrono”, PEGAS, ibidem, n.21.
44. Segundo uma outra opinião, constante do processo, "estes bens, por uma vez que foram doa-
dos à Igreja, perderão a natureza de bens da Coroa, e não ficam sujeitos à Lei Mental", n. 160,
p.212, col 1.
45. Trata-se, aparen tem en te, de u m a colação abu siva e con flitu al com a an terior, pois n ão se
verifica a apresen tação pelo patron o, além de qu e o papa n ão dispu n h a de reserva n os ben e-
fícios das Orden s Militares.
46. Usan do dele ou por votos, ou por tu rn o.
105
Antônio Manuel Hespanha
B IBLIOGRA FIA .
AMARAL, A. C. do. Liber utilissimus judicibus et advocatis. Con im bricae,
1740. 2 v.
BERNHARD, J. et al. L'époqu e de la réform e et du con cile de Tren te. In :
GAUDEMET, J., LE BRAS, G. Histoire du droit et des institutions de l' Egli-
se en Occident. Paris: Cu jas, 1990. t.XIV, p.346-77.
CABEDO, J. de. De patronatibus ecclesiarum regiae coronae Lusitaniae. Ulyssi-
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CARVALHO, L. P. de. Enucleationes ordinum militarium. Ulyssipone, 1693.
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1669-1703. t.12 + 2.
TELES, M. G. De praeben dis et dign itatibu s. In : ___. Commentaria perpetua
in singulos textus quinque librorum decretalium . Lu gdu n i, 1693. v.III, tít.V,
p.115 ss.
VALLENSIS, A. (del Vau lx, An drea) Paratitla sive summaria et methodica ex-
plicatio decretalium . Lovaii, 1632 (m axim e, l. 3, tít. 5, § 1 [“De praeben -
dis et dign itatibu s”]).
106
capítu lo 7
PORTUGA L E A EUROPA N A
ÉPOCA MOD ERN A
Maria do Rosário Th em u do Barata*
Para se desen volver este tem a dever-se-á aten der, n ecessariam en te,
pela própria evolu ção h istórica portu gu esa e pela em ergên cia con com itan -
te da gran de n ação brasileira, a u m terceiro term o: o m u n do u ltram arin o.
Desta relação, n ão a dois m as a três, irá se tratar a segu ir, con scien tes de
toda a respon sabilidade de u m passado e de toda a expectativa de u m pre-
sen te n o qu al, descon h ecidos pela m aior parte dos círcu los de opin ião os
verdadeiros con torn os do Tratado de Mastrich t, sobre as m ú tu as relações
Portu gal – Brasil perpassa o receio da secu n darização dos laços qu e in trín -
seca e in dissociavelm en te os ligam . Ecos de m al fu n dadas in terpretações,
de fu gazes deslu m bram en tos por realidades com as qu ais, con trariam en te
ao qu e possa parecer, Portu gal n u n ca deixou de estar fam iliarizado, esco-
lh en do m u ito em bora vias altern ativas; seqü elas de u m en ten dim en to di-
recion ado da História para o terceiro m ilên io, privilegian do u m a ten dên -
cia política m ajoritária e com o tal apresen tada com o triu n fan te; in terroga-
ção n acion al sobre o destin o h istórico após u m a revolu ção política qu e
preten deu resolver ao m esm o tem po u m a qu estão de regim e e u m a pre-
sen ça h istórica em n ível m u n dial: todos estes elem en tos in flu em n a in ter-
pretação h istórica dos tem pos passados e, m u ito n itidam en te, n o cam po
do estu do das relações extern as, in tern acion ais e diplom áticas. Ju lgam -se
estas, tam bém , em paralelo com os ju lgam en tos eu ropeu s da política in -
tern acion al desde a Gu erra de 1939-1945, e essa avaliação vai, por vezes,
n o paralelo qu e estabelece, dem asiado lon ge, procu ran do sim ilitu des on de
elas n ão existem , n ovidades on de h á a con stân cia e, freqü en tem en te, n ão
aceitan do o en riqu ecim en to de perspectivas con ju n tas e in terdisciplin ares
qu e n ão falseiem n em obliterem os fatos h istóricos. Com paixão ou sem
ela volta-se à História, m as m u itas vezes à h istória-tribu n al, tão desacon -
selh ada pelos n om es qu e se im põem en tre os h istoriadores, com o Marc
Bloch ou Lu cien Febvre. Mais se eviden cia qu e, com todo o rigor m etodo-
lógico dos n ovos recu rsos in terdisciplin ares postos ao serviço da in terpre-
tação h istórica, o con h ecim en to dos fatos h istóricos é e será in dispen sável
e in su bstitu ível. E isto n ão é pu ro h istoricism o, a m en os qu e seja a perm a-
n ên cia do cern e de verdade qu e o h istoricism o en cerra.
E volta a ser preciso en carar a História de Portu gal n o con ju n to das
coorden adas políticas, cu ltu rais, religiosas e n ão esqu ecer as geográficas.
107
Maria do Rosário Themudo Barata
108
PORTUGAL E A EUROPA NA ÉPOCA MODERNA
109
Maria do Rosário Themudo Barata
110
PORTUGAL E A EUROPA NA ÉPOCA MODERNA
pelos paralelos, dem on stran do a m aior preocu pação pelos territórios afri-
can os e m editerrân icos; celebrado, o segu n do, com o o cu lm in ar da m ú tu a
avaliação en tre D. João II e os Reis Católicos Fern an do e Isabel, de Aragão
e Castela, e propon do a divisão do globo terrestre em dois h em isférios de-
m arcados por u m m eridian o a 370 légu as das ilh as de Cabo Verde para a
parte do Poen te. Este tratado provava a im portân cia de qu e o Atlân tico se
revestia para os poderes pen in su lares n o fin al do sécu lo XV, talvez m ais do
qu e u m a visão m u n dial, qu e poderá su rgir com o forçada se se aten der à
preocu pação fu n dam en tal expressa n os próprios tratados qu an to à vigi-
lân cia do acesso aos portos pen in su lares e a Lisboa, prim eiro porto de en -
trada n as viagen s de regresso e se se lem brar o debate qu e m an ifesta as dú -
vidas qu an to à form a de dem arcar o m eridian o n as áreas do Pacífico. Mas
a form u lação das próprias dú vidas tem a van tagem de datar, de m u ito
cedo, o in teresse pelo con h ecim en to geográfico da Terra, qu e acom pan h a
toda a fase das n avegações portu gu esas m edievais e m odern as.
Em com paração, a atitu de dos ou tros Estados eu ropeu s em term os
de relações extern as n a Eu ropa eviden cia ou tras direções e ou tras prece-
dên cias, se bem qu e con tem porân eos. Com eçava, em 1498, o avan ço do
rei de Fran ça à con qu ista do rein o de Nápoles, prim eiro passo para as
Gu erras de Itália, qu e ocu pam as várias potên cias eu ropéias, em várias fa-
ses e com vários protagonistas, que só se solucionarão no tempo de Filipe II
de Espan h a, provada a in eficácia da Liga Perpétu a dos Estados Italian os 30
an os an tes, com a aceitação da Fran ça de Hen riqu e II, n a ten tativa de de-
belar o avan ço do Tu rco Otom an o e de con segu ir a su a con ten ção n o Me-
diterrân eo Orien tal e qu an do am bos os reis coin cidiam n a von tade de su s-
ter o avan ço da reform a protestan te. Peran te estes in teresses gerais da Eu -
ropa, a aten ção pelo Atlân tico tin h a, n o fin al do sécu lo XV e n o prin cípio
do sécu lo XVI, em Portu gal e em Espan h a os prim eiros defen sores, o qu e
n ão qu er dizer qu e h ou vesse desin teresse pelo qu e se passava n a Eu ropa.
E a prova m ais clara é o debate con ju n to dos tem as do ren ascim en to cu l-
tu ral e artístico e dos tem as da expan são, a qu e a produ ção da im pren sa se
dedica con com itan tem en te.
Mas retom em os as con siderações acerca dos acordos in tern acion ais
n o com eço da Modern idade, ou seja, n o tem po de D. João II e dos Reis Ca-
tólicos. A este tem po segu e-se o rein ado de D. Man u el I. É o tem po da
vice-realeza da Ín dia, dos prim eiros bispados u ltram arin os, do prestígio da
Casa da Ín dia e da Feitoria de An tu érpia. É o tem po das relações de Por-
tu gal com o Im pério de Maxim ilian o, das em baixadas de au scu ltação e
aproxim ação dos dois im périos, con tin en tal e m arítim o, propon en tes am -
bos de u m a icon ologia de triu n fo político, u m o Sacro Im pério Rom an o
Germ ân ico, o ou tro o do sen h orio da con qu ista, n avegação e com ércio da
Etiópia, Arábia, Pérsia e da Ín dia. Expoen tes cu ltu rais de dim en são eu ro-
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Maria do Rosário Themudo Barata
péia, Dam ião de Góis, Erasm o,Tom ás Moru s e Albrech t Du rer são prova da
con vergên cia dos seu s in teresses.
Tal posição a n ível extern o n a Eu ropa é acom pan h ada por u m pro-
cesso de in stitu cion alização e desen volvim en to in tern o em Portu gal, qu e
h averá in teresse em recordar em traços m u ito gerais. Defin ido o esqu em a
cen tral das in stitu ições e a orden ação dos gru pos sociais n as Ordenações,
dele decorre ou com ele se relacion a a orgân ica das ou tras in stitu ições e
das relações dos gru pos sociais. Corte e poder cen tral, os Gran des Tribu -
n ais, a Fazen da, as n ovas leis da gu erra, a reform a dos forais, a Casa da
Ín dia, a Mesa da Con sciên cia, a In qu isição, os diversos Regim en tos qu e
acom pan h am a expan são u ltram arin a, o m ecen ato artístico e a expressão
de u m estilo porven tu ra portu gu ês design ado por Man u elin o, u m a cu ltu -
ra h u m an ística e de experiên cia, eis u m con ju n to de fatores qu e n ão se
com padece com qu alqu er avaliação desvalorizan te em relação à Eu ropa.
No en tan to, h á u m a perda de poder efetivo n o fin al da Din astia de Avis,
u m a qu estão in stitu cion al de regim e absolu to de m on arqu ia h ereditária e
de situ ação estratégica. Portu gal vai perder a capacidade de optar peran te
a diversidade do jogo de alian ças n a Eu ropa, vai perder a m an u ten ção da
vigilân cia política e diplom ática e até, segu n do Jorge Borges de Macedo,
vai perder a posição de sign ificado especial peran te a San ta Sé. Para isso
con tribu irá o fato de am bas as fron teiras, terrestre e m arítim a, serem do-
m in adas pelo m esm o poder, o de Espan h a. Tu do isto foi tradu zido e levou
à perda da In depen dên cia em 1580. A partir daqu i, tam bém , o in terlocu -
tor dos in teresses m ajoritários da expan são u ltram arin a peran te a Eu ropa
passava a ser o rei de Espan h a.
Como se explica este sentido de evolução após o reinado de D. Manuel I?
Tin h am su cedido diversos tem pos e diversos protagon istas. Por m orte dos
Reis Católicos e do Im perador Alem ão, tom ara corpo o Im pério de Carlos
V, con tin en tal e m arítim o. Com o n ovo poten tado o rein o de Portu gal ce-
lebrara o Tratado de Saragoça de 1529 qu e teve por fim esclarecer a de-
m arcação do m eridian o orien tal e a qu estão das Molu cas, n u m a altu ra
em qu e o Im perador tom ava parte n as gu erras de Itália e os seu s exérci-
tos saqu eavam Rom a. No en tan to, Carlos V será coroado pelo Papa, sen -
do o ú ltim o im perador a sê-lo. Em relação ao equ ilíbrio pen in su lar, os ca-
sam en tos de Carlos V com D. Isabel irm ã do rei portu gu ês e o casam en to
de D. João III com a irm ã m ais n ova do Im perador, D. Catarin a de Áu s-
tria, reforçavam as possibilidades de u m dia se verificar a u n ião de pode-
res, a u n ião n a Pen ín su la Ibérica peran te a Eu ropa, qu e arrastaria, con se-
qü en tem en te, a u n ificação da in flu ên cia expan sion ista n os territórios de
além -m ar. Mas, peran te os problem as su rgidos n os vários territórios de
seu dom ín io, aberta a gu erra com os protestan tes, reacesa a lu ta con tra o
Tu rco, m an tidas as divergên cias políticas com a Fran ça, n ão h á, ao tem -
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os in teresses m arítim os. Mas este projeto foi im possibilitado pela adesão da
Espan h a aos ideais da Revolu ção Fran cesa e à lu ta con tra a In glaterra. As
potên cias con tin en tais, a breve trech o, declaram o Bloqu eio Con tin en tal à
In glaterra. A in vasão de Portu gal ficava, desde en tão, em in en te.
Nesta seqü ên cia, a opção de D. João, prín cipe regen te em n om e de
su a m ãe a rain h a D. Maria I, de em barcar com toda a corte e ru m ar em di-
reção ao Brasil, efetivan do u m plan o apresen tado e discu tido peran te as
dificu ldades políticas portu gu esas desde, pelo m en os, a Restau ração de
1640, teve o plen o sen tido da defesa da soberan ia, correspon deu a u m a
opção respon sável preparada com an terioridade e prova, u m a vez m ais, a
im portân cia qu e o rein o de Portu gal atribu iu à dim en são m arítim a do seu
viver coletivo, n a Idade Modern a, dim en são m arítim a qu e se desen volveu
oferecen do n ovas form as de viabilizar u m a von tade de in depen dên cia e de
m an ter a capacidade de escolh a do próprio regim e in tern o, peran te a pres-
são con tin en tal.
Eis, em sín tese, o qu e se pode con clu ir da avaliação do m odo com o
Portu gal se relacion ou com a Eu ropa n a Idade Modern a.
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Maria do Rosário Themudo Barata
N OTA S
1. RIBEIRO, O., 1967.
MACEDO, J. B. de, s.d.
CORTESÃO, J., 1940.
2. Esta referên cia aos professores qu e, n as Un iversidades de Lisboa, Coim bra e do Porto, h á
m u ito, se têm em pen h ado n o desen volvim en to dos estu dos h istóricos sobre o Brasil, vem ao
en con tro da preocu pação de José Ten garrin h a de procu rar com preen der, n o h orizon te tem -
poral de seqü ên cia, a política portu gu esa, in clu in do as relações extern as. Ver. TENGARRI-
NHA, J. La historiografía portuguesa en los últimos veinte años. TENGARRINHA, J.; DE LA TOR-
RE, H.; INDJIÉ, T.; VOLOSIUK, O.; ALMODÓVAR, C., 1997.
3. MACEDO, J. B. de Th e Portu gu ese m odel of State Exportation . BLOCKMANS, W., MA-
CEDO, J. B. de, GENET, J. P., 1996 .
4. BARATA, M. do R. T., 1971, p.122-31. ALBUQUERQUE, R. de, 1972.
5. ALBUQUERQUE, R, de. As regências na menoridade de D. Sebastião. Elem en tos para u m a h is-
tória estru tu ral, v. I-II,Tem as Portu gu eses, Im pren sa n acion al Casa da Moeda, 1992. v.I, p.221
e ss. Neste tratado, en tre Filipe II de Espan h a e Hen riqu e II de Fran ça, são m en cion adas com o
en tidades n ele com preen didas a In glaterra, qu e estabelecera tratados prévios, o Im pério, os
sen h orios flam en gos, borgon h eses, Sabóia (com particu lar relevân cia) e os sen h orios italia-
n os. MOUSNIER, R., 1967. p.432.; ZELLER, G., 1963. p.38-9.
6. É o tem po da ação de João Fern an des Vieira, em Pern am bu co, das du as batalh as dos Gu a-
rarapes, de 1648 e 1649, da Restau ração de An gola, com Salvador Correia de Sá, em 1648,
da capitu lação dos h olan deses em 1654. SERRÃO, J. V., 1994.
7. Aqu i lem braríam os as opin iões de Edu ardo Brazão sobre a perm an ên cia do in teresse da
alian ça en tre Portu gal e a In glaterra, apesar da aproxim ação da Fran ça, da Restau ração de
1640 até à Paz dos Pirin eu s, qu e sign ifica já o aban don o desta ten dên cia. Westefália repre-
sen ta o in teresse das n egociações para os pequ en os Estados, segu n do Jorge Borges de Mace-
do: é a n egociação, m ais do qu e a gu erra o qu e in teressa a Portu gal. MACEDO, J. B. de, s.d.
8. A este respeito dever-se-á lem brar a ação do dom in ican o, bispo e secretário de Estado de
D. Pedro II, D. Fr. Man u el Pereira, Provin cial da Ordem , o 1º Bispo n om eado para o Rio de
Jan eiro, para on de n ão ch egou a partir ten do-lh e sido pedida a con tin u ação dos serviços n a
corte, on de foi o secretário de Estado de el-rei de 1680 atè su a m orte ocorrida em 1688. VAL-
LE, T. L. M. do, 1994.
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PORTUGAL E A EUROPA NA ÉPOCA MODERNA
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128
capítu lo 8
129
Nuno Gonçalo Freitas Monteiro
pon den do a u m a n ova con figu ração dos cen tros de poder, qu e se tradu ziu
em diversos m ecan ism os de estru tu ração das elites sociais. A prim eira in -
ten ção deste texto será, precisam en te, dar con ta dessas m u tações. Sim u l-
tan eam en te, procu rar-se-á iden tificar a evolu ção das con ju n tu ras e das
form as de exercício do poder n o cen tro político da m on arqu ia, articu lan -
do-as com as dim en sões an tes referidas. A an álise política m ais detalh ada
abran gerá a etapa com preen dida en tre 1668 e o adven to do pom balism o
em m eados de 1700.
A propósito do período con siderado (grosso m odo o qu e term in a
com a m orte de D. João V), tem -se falado do Portu gal Barroco. Neste par-
ticu lar, im porta recordar, apesar das m u itas reservas qu e se lh e podem co-
locar, o qu adro particu larm en te en fático da “organ ização social e estilo de
vida” do Portu gal Barroco traçado por Jaim e Cortesão,4 on de o casticism o
e a cristalização social são tôn icas dom in an tes.
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A CONSOLIDAÇÃO DA DINASTIA DE BRAGANÇA E O APOGEU DO PORTUGAL BARROCO
terço do Portu gal seiscen tista. Existem , n o en tan to, algu m as vias cu ja
exploração poderá perm itir u m a leitu ra política m ais in tegrada de u m
período a vários títu los relevan te.
Um a delas é a iden tificação da esfera do político n o con texto con -
siderado. Tem-se destacado, em algumas contribuições recentes, que a atu -
ação da adm in istração cen tral n o An tigo Regim e se en con trava lim itada a
esferas bem restritas, e, além disso, im pregn ada por u m a cu ltu ra política
voltada sobretu do para con servação. Mesm o em m atérias de graça as de-
cisões seriam dom in adas pelo paradigm a ju risdicion alista,8 de acordo com
o qu al o fim ú ltim o do “bom govern o” é a “ju stiça”, en ten dida com o dar
a cada u m o seu lu gar. No en tan to, as fon tes n arrativas da época perm i-
tem iden tificar com clareza a existên cia de u m a esfera bem defin ida da po-
lítica, da dispu ta política e da decisão política. De form a abreviada, essa es-
fera pode resu m ir-se aos segu in tes tópicos: n om eação de pessoas para os
cargos e ofícios su periores, rem u n eração de serviços (m ercês), decisão fi-
n al sobre con ten das ju diciais especialm en te relevan tes, política tribu tária
e alin h am en tos políticos extern os (in clu in do a gu erra), para além , n a con -
ju n tu ra estu dada, do problem a específico dos cristãos-n ovos. A todas estas
dim en sões dever-se ia acrescen tar m ais u m a: a form a e o qu adro in stitu -
cion al on de tin h am lu gar os despach os régios. Fora das áreas referidas, n ão
h avia lu gar para “políticas” sistem áticas e con tin u adas. Era u m a esfera li-
m itada, m as qu e correspon dia aos restritos recu rsos, dim en são e com pe-
tên cias da adm in istração cen tral.
Na perspectiva referida, o ciclo político in iciado com os episódios tu -
m u ltu osos do afastam en to do valido Castelo Melh or (1667) e da deposi-
ção de D. Afon so VI possu i algu m as características de con ju n to qu e clara-
m en te o diferen ciam . Em prim eiro lu gar, abre-se u m a con ju n tu ra de acal-
m ia bélica, com o estabelecim en to da paz defin itiva com Espan h a (1668),
qu e viria a ser in terrom pida precisam en te pou cos an os an tes da m orte de
D. Pedro (1703). De resto, é n esta altu ra qu e se estabilizam os alin h am en -
tos políticos extern os da din astia. Em segu ida, a dispu ta política, em bora
sem pre presen te, deixa de revestir a dim en são fortem en te polarizada qu e
assu m ira n a fase an terior. Não só a lu ta faccion al parece m ais aten u ada,
exclu in do agora a elim in ação daqu eles qu e a perdem , com o o papel arbi-
tral da figu ra real su rge com u m a preem in ên cia in dispu tada. Decisiva é a
con solidação da din astia, con segu ida n ão apen as através da paz extern a e
da reposição do dom ín io sobre as su as possessões colon iais,9 m as tam bém
por via dos várias disposições qu e assegu ram a defin ição dos m ecan ism os
de su cessão à coroa, qu e adian te se referirão. Por fim a política de m ercês
sofre u m a in flexão de extrem a im portân cia, bem in diciada pelo fato de o
n ú m ero de títu los criados en tre 1670 e 1700 correspon der a m en os da m e-
tade dos con cedidos n os 30 an os an teriores. O qu e sign ifica, com o adian -
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A CONSOLIDAÇÃO DA DINASTIA DE BRAGANÇA E O APOGEU DO PORTUGAL BARROCO
lh eiros parece ter sido em 1704 14). No Con celh o de Estado, n este rein a-
do,15com o n os an teceden tes,16 qu ase só têm lu gar os Gran des e filh os ecle-
siásticos de Gran des. De resto, m on opolizan do as presidên cia dos tribu -
n ais, a prin cipal aristocracia do regim e terá tido n este período u m papel
de lideran ça política direta praticam en te in dispu tado.17 Aliás, apesar do
estatu to social de Castelo Melh or, o afastam en to do valido su scitou em
Portu gal, tal com o em Espan h a pela m esm a altu ra,18 a adesão de larga
m aioria dos m em bros da prim eira n obreza: “saiu de su a casa o In fan te,
com tu do qu an to h avia de títu los e sen h ores n a Corte … e en trou n o
Paço, on de n esta ocasião se en con travam 1.400 h om en s, a flor da n obre-
za da Corte”.19 An os depois, a Gu erra da Su cessão de Espan h a (1703-
1713) represen taria para Portu gal, de acordo com todas as fon tes con h e-
cidas, a expressão paradigm ática e, provavelm en te, derradeira, de u m a
Gu erra aristocrática, on de os fidalgos levan tavam h om en s e os Gran des
dispu tavam m ais ou m en os tu m u ltu osam en te todos os com an dos m ilita-
res e, tam bém , as m ercês correspon den tes.
Os con flitos en tre facções da Corte n este período, com o de resto n o
sécu lo su bseqü en te, parecem ter sido determ in ados, em larga m edida, pela
prioridade con ferida aos alin h am en tos políticos extern os. Den tro desses
parâm etros, Castelo Melh or represen taria o “partido in glês” e o seu afas-
tam en to o m om en tân eo triu n fo do “partido fran cês”. Ao con trário do qu e
algu m as vezes se tem su gerido e do qu e in sin u avam os correspon den tes
diplom áticos fran ceses, n ão existiria propriam en te u m gru po estável de-
fen sor da in tegração em Espan h a, iden tificado com os sequ azes do valido
de D. Afon so VI, n em u m a correspon dên cia perm an en te en tre m odelos de
regim e político e alin h am en tos extern os.20 De resto, o “partido fran cês”,
apesar dos seu s sólidos apoios, seria su cessivam en te derrotado em 1668,
com o estabelecim en to da paz, qu e procu rou adiar, e em 1687, qu an do
D. Pedro II se casou pela segu n da vez com a prin cesa Maria Sofia de Neu -
bou rg, filh a do eleitor palatin o do Ren o, e n ão com u m a prin cesa fran ce-
sa. Apesar das pressões con trapostas, pode se dizer qu e de form a con sis-
ten te prevaleceu até a Gu erra da Su cessão de Espan h a u m a prioridade
atlân tica, apoiada n a estabilidade das relações com a In glaterra, e u m re-
lativo distan ciam en to em relação aos con flitos n a Eu ropa, on de o rein o
obtivera já o seu plen o recon h ecim en to.21
É de fato para o Atlân tico e para o Brasil qu e se dirigem , de form a
prioritária as aten ções da política portu gu esa n este período. As ten tativas
de m in orar os efeitos dos tratados com erciais pós-Restau ração dar-se-ão
in icialm en te n u m a con ju n tu ra m arcada ain da pela qu ebra n a econ om ia
açu careira. Som en te em m eados de 1690, n a derradeira década do rein a-
do, a descoberta do ou ro brasileiro se com bin ará com u m a rápida expan -
são econ ôm ica da colôn ia, qu e atin girá as su as expressões m ais espectacu -
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lares já du ran te o lon go rein ado joan in o. O exito da Restau ração n a gran -
de colôn ia da Am érica do Su l e o seu u lterior in crem en to con stitu irão u m a
base fu n dam en tal para a con solidação da din astia brigan tin a.22
Num período caracterizado pelo restabelecimento de antigas formas
de governo e pela escassa produção legislativa e inovação tributária, pode
parecer surpreendente que tenha surgido uma das primeiras tentativas de
fomento industrial, protagonizada pelo 3º. Conde de Ericeira e teorizada, ao
que parece, por Duarte Ribeiro de Macedo. Trata-se, de fato, de uma inicia-
tiva tipicamente mercantilista, que responde a uma conjuntura de desequi-
líbrio da balança comercial e das finanças da monarquia e que se esgota
quando essa conjuntura é ultrapassada. Leis anti-sumptuárias, pragmáticas,
lançamento de fábricas e importação de mão-de-obra qualificada são, afi-
nal, os ingredientes característicos desse tipo de intervenções. Em todo o
caso, a fundação de fábricas de tecidos no Fundão, na Covilhã, e em Porta-
legre lançariam sementes de uma implantação industrial duradoura.23
Mas os ritm os da vida política seriam , em larga m edida, balizados
pelo problem a sem pre decisivo de garan tir a con tin u idade da coroa do rei-
n o, até porqu e as opções sobre a m atéria con dicion avam as alian ças exter-
n as. As cortes de 1668 foram con vocadas para a deposição de D. Afon so,
repu tado in capaz, acaban do o In fan te D. Pedro por se proclam ar regen te,
e n ão rei, com o algu n s preten deram . As de 1673-1674 para ju rar com o
presu n tiva h erdeira a filh a n ascida do seu casam en to com a cu n h ada,
D. Isabel Lu ísa. As de 1679 para derrogar as ch am adas atas das Cortes de
Lam ego qu e coibiam o casam en to da jovem su cessora com u m prín cipe
estran geiro. As de 1697-1698, u m a vez m ais, para derrogar aqu ela qu e era
repu tada a “lei fu n dam en tal do rein o”, perm itin do a su cessão de u m filh o
de irm ão de rei sem n ecessidade de con vocar n ovas Cortes. Con sagravam ,
assim , a su cessão do Prín cipe D. João, prim ogên ito do segu n do casam en -
to de D. Pedro II, n elas, aclam ado, de resto, com o h erdeiro. As Cortes reu -
n iam -se, desta form a, para n ão terem de ser de fu tu ro con vocadas. Com
efeito, as retificações con stitu cion ais qu e in trodu ziram vieram a dispen sar,
du ran te m ais de u m sécu lo, a su a reu n ião.
Pelo que se conhece, até as últimas Cortes convocadas não deixou de
se exercer o direito de petição.24 De resto, questões como as do perdão aos
cristãos-novos transformaram algumas destas reuniões, como as de 1673-
1674, em momentos de turbulência política, tanto mais que até a sua mor-
te (1683) se sucederam as conspirações (1672) ou os simples rumores fa-
voráveis ao retorno de D. Afonso VI. No entanto, a verdade é que o plura-
lismo da iniciativa política dos diversos corpos se foi restringindo cada vez
mais. O fim do século distingue-se já fortemente, nessa matéria, da relati-
va efervescência, por exemplo, das Cortes de 1641. Gradualmente, vão sen-
do cada vez menos as instituições que se exprimem publicamente.
134
A CONSOLIDAÇÃO DA DINASTIA DE BRAGANÇA E O APOGEU DO PORTUGAL BARROCO
Em con traste com o preceden te, o rein ado de D. João V, ain da m ais
lon go do qu e o de seu pai, ficou registrado em ton alidades fortes e carre-
gadas por su cessivas gerações de h istoriadores, escritores e pu blicistas qu e
sobre ele recorren tem en te escreveram . Os efeitos do Tratado de Meth u en
(1703), o ou ro de Brasil, Mafra, as cam pan h as pela elevação ju n to de San -
ta Sé, e, en fim , a própria im agem do rei “beato” e “lú brico”, n as palavras
m ordazes de Oliveira Martin s, são apen as algu n s dos tópicos em torn o dos
qu ais se con stru íram as im agen s póstu m as do período joan in o. Já n o sé-
cu lo XX, discu rsos políticos divergen tes viriam a con trapor polêm ica e rei-
teradam en te a im agem de D. João V (1689-1750) e da su a época à do
Marqu ês de Pom bal e do seu con su lado.
O rein ado do ou ro prin cipiou sob o sign o da Gu erra e da escassez.
A participação de Portu gal n a Gu erra da Su cessão de Espan h a ficou assi-
n alada por u m a oscilação in icial, qu e fez com se qu e se passasse do apoio
ao preten den te fran cês para a alian ça com o can didato au stríaco, apoiado
pela In glaterra. É n o qu adro deste n ovo alin h am en to qu e é assin ado o Tra-
tado de Meth u en com a In glaterra (1703) e qu e, depois da aclam ação for-
m al do jovem m on arca (1707), se celebra o seu casam en to com u m a prin -
cesa au stríaca, D. Marian a de Áu stria (1708). Qu alqu er qu e seja o balan -
ço fin al qu e se faça dos tratados de Utrequ e (1713) e de Rastadt (1714), o
rescaldo do en volvim en to de Portu gal n este gran de con flito eu ropeu pa-
rece ter sido a con solidação da opção atlân tica e da alian ça com a In glater-
ra, a potên cia m arítim a dom in an te.
Na verdade, os m ais espetacu lares in vestim en tos diplom áticos do
rein ado, desde logo pelo fau sto das en tradas dos en viados diplom áticos, ti-
veram lu gar n o cen ário con tin en tal da Eu ropa, apesar das pertu rbações
qu e freqü en tem en te assin alaram as relações de Portu gal com essas potên -
cias. Com a Fran ça, on de se en viaram fau stosas em baixadas, as relações
135
Nuno Gonçalo Freitas Monteiro
diplom áticas estiveram in terrom pidas en tre 1722 e 1730. Com a Espan h a,
apesar dos casam en tos cru zados de 1728 do Prín cipe D. José com D. Ma-
ria An a Vitória e de D. Fern an do de Espan h a com a in fan ta portu gu esa D.
Maria Bárbara, ch egou a ser declarado o estado de gu erra em 1735-36 e a
ser solicitado o au xílio britân ico, só se con sagran do a paz defin itivam en te
em 1737. De resto, as relações com o poderoso vizin h o ibérico, sem pre
m arcadas pelo tem or da in tegração, foram em larga m edida determ in adas
du ran te este período pelos problem as decorren tes das possessões colon iais
da Am érica do Su l, adian te referidos. No en tan to, n a Eu ropa o gran de in -
vestim en to joan in o em m atéria diplom ática foi a con qu ista da paridade de
tratam en to com as ou tras gran des potên cias católicas n o seu relacion a-
m en to com a San ta Sé, à sem elh an ça do qu e ocorria an tes de 1580. Um
processo caro, m oroso e arrastado n o tem po, qu e n ão exclu iu , sequ er, a
ru ptu ra das relações diplom áticas en tre 1728 e 1732, e qu e certam en te so-
brestim ava a cen tralidade política do Papado. Mas qu e, em term os gerais,
alcan çou os objetivos visados. Se o padroado n o Orien te n ão foi plen a-
m en te recon qu istado, a atribu ição da dign idade de igreja e basílica patriar-
cal em qu e se em pen h ou com êxito o Marqu ês de Fon tes (1716) e, m ais
tarde, a atribu ição da dign idade cardin alícia ao Patriarca de Lisboa Ociden -
tal (1737), o recon h ecim en to do direito de apresen tação dos bispos pelo
m on arca portu gu ês (1740) e a atribu ição a este do títu lo de Rei Fidelíssi-
m o (1748) con sagraram o triu n fo de u m dos m ais sistem áticos in vesti-
m en tos diplom áticos da h istória portu gu esa.26
A gran de prioridade, porém , foi sem pre o Brasil, a defesa das su as
rotas e a defin ição e proteção das su as fron teiras. Em bora os feitos portu -
gu eses n o Orien te fossem celebrados com in u ltrapassáveis en côm ios e
para lá se en cam in h assem com o vice-reis algu n s dos m ais destacados fidal-
gos do rein o já n a década 1740 (Marqu eses do Lou riçal, de Castelo
Novo/ Alorn a e de Távora), a verdade é qu e desde 1736 (vice-rein ado do
1º Con de de San dom il) qu e a presen ça portu gu esa n a Ín dia en trara n u m a
fase de irreversível declín io. O Brasil, pelo con trário, registrava u m m o-
m en to de gran de prosperidade econ ôm ica e de apreciável crescim en to de-
m ográfico, n ele se an coran do, em larga m edida, o equ ilíbrio fin an ceiro da
m on arqu ia. Com o afirm ava o velh o Du qu e de Cadaval em 1715, “do Bra-
zil depen de h oje absolu tam en te m u ita parte da con servação de Portu -
gal”.27 As relações com a Espan h a foram , de resto, sem pre con dicion adas
pelo problem a da defin ição das fron teiras do Brasil, sobretu do com a re-
gião do atu al Uru gu ai. O Tratado de Madri de 1750, ao qu al se costu m a as-
sociar o n om e do seu prin cipal n egociador portu gu ês Alexan dre Gu sm ão,28
forn eceu u m a solu ção provisória à qu estão, pois qu edava por solu cion ar o
problem a dos territórios sob a tu tela da Com pan h ia de Jesu s. A solu ção fi-
n al só se viria a con h ecer já n o período pom balin o.
136
A CONSOLIDAÇÃO DA DINASTIA DE BRAGANÇA E O APOGEU DO PORTUGAL BARROCO
Um a ou tra dim en são essen cial do lon go rein ado joan in o foi a cen -
tralidade qu e veio a assu m ir a Corte e as relações n o seu in terior. Se, com o
adian te se su blin h ará, a defin itiva fixação de toda a alta n obreza n a Cor-
te/ Lisboa é u m dos resu ltados visíveis da Restau ração, qu e tão fortem en te
con trastam com o in ício do sécu lo XVII, se a cristalização da elite do regi-
m e se detecta claram en te já n o rein ado de D. Pedro II, cou be ao período
joan in o reform u lar os ritu ais da Corte, redefin ir a su a h ierarqu ia de pre-
cedên cias e afirm á-la com u m a visibilidade sem preceden tes próxim os. Al-
gu n s dos prin cipais con flitos qu e têm lu gar n o prim eira fase do rein ado de-
correm den tro do u n iverso cu rial e resu ltam precisam en te da m odificação
dos estatu tos n o seu in terior, e n ão da su a com posição. Resu ltado direto
da elevação da capela real a patriarcal (1716), a qu estão de precedên cias
en tre os côn egos da Patriarcal e os Con des é apen as o m ais con h ecido dos
n u m erosos en fren tam en tos qu e en tão se registram , e qu e ch egaram a in -
clu ir u m a ação con ju gada das dam as do paço. A célebre lei dos tratam en -
tos de 1739 testem u n h a de form a con clu den te o esforço de reclassificação
desse u n iverso fortem en te h ierarqu izado qu e en tão tem lu gar. Mas os vá-
rios episódios de con fron to en tre os m agistrados reais e os Gran des, dos
qu ais resu ltaram vários degredos de aristocratas, o m ais con h ecido dos
qu ais teve lu gar em 1728, m as qu e teve ain da vários su cedân eos até o in í-
cio do rein ado de D. José,29 m ostram com o esse claro esforço de im posição
da disciplin a n a vida da Corte se n ão pode dissociar da afirm ação da su pre-
m acia régia. E, n o en tan to, a n om eação dos prin cipais ofícios e a política
de m ercês, cada vez m ais con fin adas a esse u n iverso social, in stitu cion al e
sim bolicam en te restrito, n ão deixaram de con tin u ar a revestir u m a apre-
ciável m argem de n egociação.30
Aspecto essen cial da Corte joan in a foi a afirm ação da su a in dispu -
tada cen tralidade cu ltu ral. Expressão em blem ática deste período, Mafra foi
apen as a tradu ção m ais visível du m con tín u o in vestim en to cu ltu ral e ar-
tístico,31 qu e se con su bstan ciou n a im portação sistem ática de n u m erosos
artistas e m ú sicos italian os, bem com o n a en com en da direta de trabalh os. 32
O au ge da cu ltu ra barroca em Portu gal expressar-se-á tam bém , n ão só n as
diversas academ ias literárias, cu ja expan são vem de trás, m as ain da n a
fu n dação da Real Academ ia da História, em 1722. A im pressão, periódica
e ou tra, con h ecerá tam bém du ran te o período joan in o u m a apreciável ex-
pan são, geralm en te su bestim ada. A dim en são de represen tação espetacu -
lar do poder real tem sido m u itas vezes destacada com o u m a das m arcas
sin gu lares do período joan in o.33 Mas n ão deve fazer esqu ecer o olh ar fre-
qü en tem en te crítico expresso, n ão só por viajan tes do Norte qu e visitavam
a Pen ín su la católica, m as ain da em escritos de portu gu eses. Regressado das
cortes fran cesa e espan h ola, o jovem 4º Con de de Assu m ar n ão deixava de
se ch ocar com a parcim ôn ia da corte portu gu esa já n o fin al do rein ado joa-
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Nuno Gonçalo Freitas Monteiro
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A CONSOLIDAÇÃO DA DINASTIA DE BRAGANÇA E O APOGEU DO PORTUGAL BARROCO
Não vam os aqu i discu tir todas as possíveis dim en sões da corte,43 m as
apen as u m a. Trata-se de u m a qu estão qu e perm ite estabelecer u m a distin -
ção clara e in equ ívoca, n ão apen as en tre a con figu ração social da socieda-
de de corte joan in a e o m odelo plu ral im ediatam en te an teceden te, m as
tam bém en tre aqu ela e todas as con figu rações cu rais preceden tes. Para a
discu ssão deste tem a, h á qu e recu ar n o tem po. Tem os assim de rem on tar
até o in ício do sécu lo XVII. Um tem po a qu e corren tem en te se associa,
porven tu ra com con siderável exagero, u m a im agem qu e se vai pedir lite-
ralm en te em prestada ao títu lo de u m dos textos m ais fam osos qu e en tão
viu a lu z: “Corte n a Aldeia” de Fran cisco Rodrigu es Lobo.44 Fato in discu tí-
vel é qu e a m aior parte dos próxim os an tecessores das casas dos Gran des
brigan tin os n ão residiam regu larm en te em Lisboa n o alvorecer de seiscen -
tos.45 No in ício do sécu lo XVII o padrão de residên cia dos titu lares e sen h o-
res de terras/ fu tu ros titu lares portu gu eses pau tava-se pela dispersão: al-
gu n s residiam em Lisboa, ou tros em Évora, m u itos n as sedes dos seu s “es-
tados”. Nos ú ltim os tem pos da m on arqu ia du al, a política deliberada de
Madri con segu iu atrair para aqu ela cidade parte sign ificativa da prim eira
n obreza do rein o, qu e por altu ras de 1640 aí residia.46 Ao todo cerca de
m etade dos titu lares e gran de n ú m ero de sen h ores de terras e com en da-
dores en con travam -se en tão fora de Portu gal, em Madri ou em ou tros ter-
ritórios ao serviço dos Áu strias.47 Mas, se recu arm os para períodos an terio-
res a 1580, qu an do h avia “rei n atu ral”, o pan oram a n ão seria radicalm en -
te diferen te: basta recordar qu e o prin cipal sen h or do rein o (e u m dos m ais
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Nuno Gonçalo Freitas Monteiro
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A CONSOLIDAÇÃO DA DINASTIA DE BRAGANÇA E O APOGEU DO PORTUGAL BARROCO
A m u tação an tes descrita teve efeitos decisivos n a con figu ração das
elites sociais e n o bloqu eam en to das vias de acesso às diversas distin ções su -
periores, ofícios e ren das con cedidas pela m on arqu ia.53 Um a breve im agem
de con ju n to do acesso a algu m as das prin cipais doações régias (títu los e co-
m en das) perm ite-n os situ ar com precisão os m arcos prin cipais da evolu ção
verificada. A qu al, recorde-se bem , se reporta ao topo da h ierarqu ia in stitu -
cion al e social, e n ão à su a base, on de a evolu ção poderá ter sido diferen te.54
Com ecem os pela titu lação. O m om en to fu n dam en tal da con stitu i-
ção defin itiva da elite titu lar da época m odern a situ a-se n as ú ltim as déca-
das da m on arqu ia du al (1580-1640), ao lon go das qu ais se criaram cerca
de qu atro dezen as de casas titu lares. O n ú m ero total de casas en tão atin -
gido, passan do de cerca de du as dezen as para m ais de m eia cen ten a, m an -
ter-se-á praticam en te estável até a ú ltim a década do sécu lo XVIII, apesar
de cerca de 40% das casas portu gu esas terem desaparecido com a Restau -
ração. De fato, foram rapidam en te su bstitu ídas, e a freqü ên cia da con ces-
são an u al de títu los en tão alcan çada só voltou a ser u ltrapassada (larga-
m en te) du ran te a regên cia do prín cipe D. João (1792-1816) e seu poste-
rior rein ado. A n otável estabilidade alcan çada n os cerca de 130 an os pos-
teriores ao fim da Gu erra da Restau ração (1668) n ão tem paralelo em n e-
n h u m ou tro período da h istória portu gu esa, e raras vezes terá sido igu ala-
da por ou tras aristocracias eu ropéias. Du ran te m ais de u m sécu lo criaram -
se e extin gu iram -se pou qu íssim as casas. Acresce qu e o n ú cleo cen tral do
gru po se m an teve extrem am en te estável. No pon to m áxim o da su a crista-
lização, em 1750 (an o da m orte de D. João V e da en trada de Pom bal para
o govern o), das 50 casas titu lares existen tes em Portu gal, 34 tin h am sido
elevadas h á m ais de 100 an os e 7 vin h am desde o sécu lo XV. Passado u m
período de m u dan ça de din astia, de gu erra e de agitação política, delim i-
tara-se a elite aristocrática do n ovo regim e. As vias para o acesso à Gran -
deza foram -se torn an do cada vez m ais estreitas. E as doações régias foram -
se con cen tran do cada vez m ais n essa elite restrita.55
Um bom in dicador da evolu ção verificada n os é forn ecido pelas co-
m en das das três orden s m ilitares in corporadas n a Coroa (Avis, Cristo e
San tiago). Neste caso, é possível con fron tar du as situ ações in tervaladas de
qu ase sécu lo e m eio (1611 e 1755), qu e perm item detectar m ais claram en -
te as m u dan ças operadas. Apesar de as fon tes con su ltadas para o efeito
apresen tarem im en sas lacu n as, as gran des lin h as de evolu ção ficam clara-
m en te esboçadas. Nos prim órdios do sécu lo XVII os com en dadores das or-
den s m ilitares eram u m a categoria social n u m erosa, qu e abran gia m ais de
qu atro cen ten as de in divídu os e casas, em bora os pou cos titu lares absor-
vessem já u m a avu ltada parcela do ren dim en to agregado das com en das
com adm in istrador. Sécu lo e m eio m ais tarde (1755) o n ú m ero de com en -
dadores viu -se redu zido a bem m en os de m etade, e as 50 casas titu lares
existen tes absorviam já cerca de dois terços do ren dim en to con ju n to. A
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Nuno Gonçalo Freitas Monteiro
distribu ição dos ren dim en tos das com en das forn ece-n os, assim , u m retra-
to im pression an te da evolu ção do topo da pirâm ide n obiliárqu ica: desde o
in ício do sécu lo XVII, o gru po sofre u m a espetacu lar dim in u ição da su a di-
m en são, passan do as casas titu lares an tigas (qu ase todas com Gran deza) a
absorver a m aior parte desses ren dim en tos.
No lon go período de en cerram en to de m ais de u m sécu lo qu e se
segu iu à abertu ra da prim eira m etade de seiscen tos, os vice-rein ados n a
Ín dia ou n o Brasil con stitu íram u m a das raras vias de acesso à Gran deza,
pois n a fase m ais restritiva (1671-1760), da qu al aqu i n os ocu pam os, cer-
ca de m etade dos títu los foram criados em rem u n eração daqu eles serviços.
Sim plesm en te, com o a totalidade dos n om eados n aqu ele período eram
Gran des ou n ascidos n a prim eira n obreza, a abertu ra restrin giu -se a esse
círcu lo bem restrito. De fato, os vice-rein ados n a Ín dia con figu ram -se até
o período pom balin o com o o ofício de m aior preem in ên cia sim bólica e
m ais estreitam en te iden tificado com a Gran deza, m an ten do até en tão u m a
au ra de h eroicidade m ilitar ú n ica, decorren te, n ão apen as da m em ória dos
feitos passados, m as ain da da atu alidade bélica qu e rodeava o seu exercí-
cio, celebrada aliás com en côm ios sem preceden tes em m eados de setecen -
tos. No en tan to, ao con trário do qu e se verificou n o sécu lo XVI, qu an do a
m aioria dos vice-reis tin h a lon ga experiên cia n a Ín dia, apen as 4 dos 21 n o-
m eados en tre 1651 e 1765, tin h am estado an tes n o Orien te. O vice-rein a-
do in dian o já n ão servia de cu m e a u m a carreira ascen sion al n as várias
praças in dian as, aberta a “soldados da fortu n a”, m as sobretu do de tradu -
ção do valim en to n a corte dos seu s deten tores, m u itos dos qu ais n em se-
qu er possu íam qu alqu er experiên cia colon ial.56 Na verdade, eviden cian do
a crescen te aristocratização do cargo, a m aior parte dos vice-reis era pri-
mogênitos e, como se disse, praticamente todos nascidos em casas da “prim ei-
ra n obreza” do rein o. O pen oso exercício do cargo serviu sobretu do para
acrescen tar as casas com as rem u n erações a qu e dava direito, m u itas ve-
zes du ram en te n egociadas an tes da partida.
A con cen tração de ofícios n as casas da “prim eira n obreza” esten -
dia-se tam bém aos eclesiásticos, design adam en te, às carreiras qu e forn e-
ciam às in stitu ições as su as prin cipais figu ras eclesiásticas: bispos das dio-
ceses m ais im portan tes, cardeais, “m in istros assisten tes ao despach o”, en -
fim , qu ase todas as m ais preem in en tes dign idades eclesiásticas e ofícios se-
cu lares desem pen h ados por eclesiásticos. Na verdade, até ao seu irreversí-
vel declín io n a segu n da m etade de setecen tos,57 as carreiras eclesiásticas
dos filh os dos Gran des n ão passaram majoritariamen te pelo in gresso n u ma
ordem regu lar, característica qu e se acen tu ou n a passagem do sécu lo XVII
para o XVIII. A elevação da Sé de Lisboa a Patriarcal (1716) e a m agn ífica
dotação qu e recebeu de D. João V con tribu íram para qu e, ao lon go do sé-
cu lo, a m aioria dos eclesiásticos aí term in asse os seu s dias. Era o destin o
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A CONSOLIDAÇÃO DA DINASTIA DE BRAGANÇA E O APOGEU DO PORTUGAL BARROCO
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Nuno Gonçalo Freitas Monteiro
con trário, são pou co n u m erosos os casos con h ecidos de rápida m obilidade
social assim desen cadeada.
Os in dicadores apon tados refletem , de form a m u ito próxim a, as
etapas de recon figu ração, cristalização e crepú scu lo da aristocracia de cor-
te da din astia brigan tin a. Origin ada n u m processo de in ten sa com petição
e decorren te seleção en tre as casas fidalgas fu n dadas m ajoritariam en te n os
sécu los XV e XVI, a aristocracia cu rial lu sitan a ten de a cristalizar-se algu -
m as décadas depois da Restau ração de 1640. No período su bseqü en te, m o-
n opoliza virtu alm en te as prin cipais doações da coroa e os m ais destacados
ofícios da m on arqu ia, n estes se in clu in do os m ais apetecidos ben efícios
eclesiásticos para os seu s secu n dogên itos.
Com o an tes se disse, esta cristalização aristocrática dos ofícios su -
periores da m on arqu ia tin h a u m a expressão paradigm ática n os órgãos
cen trais da adm in istração, design adam en te, n os diversos con celh os e tri-
bunais, quase sempre presididos por Grandes, e, em particular, nos Con celh os
de estado. Na n om eação de 1704 com o em todo o período an teceden te, o
Con celh o de Estado era con stitu ído qu ase só por Gran des leigos e por
Gran des eclesiásticos, seu s irm ãos ou tios. O seu u lterior esvaziam en to sig-
n ificou , assim , o trân sito do cen tro de decisão política para ou tros atores.
No en tan to, a verdade é qu e n en h u m dos prin cipais m in istros e con selh ei-
ros joan in os fu n dou u m a casa aristocrática ou se ligou por alian ças à pri-
m eira aristocracia, apesar de algu n s terem recebido com en das. O pacto
con stitu cion al da din astia, qu e pressu pu n h a a preservação con tra ven tos e
m arés das casas aristocráticas qu e tin h am con tribu ído para a su a con soli-
dação, n ão foi, assim violado.
De fato, n o in terior da con figu ração social an tes defin ida, a posição
das velh as casas dos Gran des n ão era assegu rada apen as pela relação in s-
titu ída en tre serviços e m ercês, m as tam bém pelo lu gar con stitu cion al qu e
se recon h ecia às casas an tigas da n obreza e à n ecessidade de as preservar.
Neste, com o em ou tros terren os, o Portu gal Barroco pode ser apresen tado
com o u m período de excepcion al cristalização social em torn o da Corte e
das elites aristocráticas qu e n ela pon tificavam desde m eados de seiscen tos.
Esta característica do Portu gal Restau rado veio, afin al, acen tu ar os
efeitos de u m a das h eran ças h istóricas m ais im portan tes da m on arqu ia
portu gu esa m odern a qu e era a escassa im portân cia dos corpos políticos in -
term édios e da su a qu ase n u la expressão territorial. Não se trata apen as da
in existên cia de in stân cias au tárqu icas region ais o qu e m arca a sin gu larida-
de portu gu esa. É possível esten der essa caracterização ao con ju n to dos
“corpos in term édios”, qu er dizer, à totalidade dos corpos qu e à escala do
rein o se situ avam en tre o cen tro e a escala (m icro) local.61 Con stru in do-se
através da recon qu ista e n ão por via da u n ião din ástica, Portu gal n ão con s-
titu ía u m a “m on arqu ia com pósita”, n em in tegrava com u n idades político-
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A CONSOLIDAÇÃO DA DINASTIA DE BRAGANÇA E O APOGEU DO PORTUGAL BARROCO
in stitu cion ais preexisten tes. Não existiam qu aisqu er direitos region ais,
n em in stitu ições próprias de provín cias (cristalizadas, por exem plo, an tes
da su a u n ião), n em sequ er com u n idades lin gü ísticas acen tu adam en te di-
versificadas. Nas próprias ilh as atlân ticas a m u n cipalização do espaço polí-
tico local coarctou o su rgim en to de in stân cias au tôn om as region ais.
Depois da Restau ração, pois an tes o rein o de Portu gal era de cer-
ta form a u m corpo den tro da m on arqu ia du al, a coroa portu gu esa n u n ca
teve de se defron tar com corpos dotados de forte en tidade e com expres-
são territorial, ao con trário de ou tras m on arqu ias eu ropéias. As in stitu i-
ções com iden tidade in stitu cion al relevan te (a com eçar pelos tribu n ais
cen trais) n ão só se localizavam qu ase todas em Lisboa, com o eram abran -
gidas em larga m edida pelas teias da sociedade de Corte, diagn óstico qu e
se aplica até a in stitu ições qu e tiveram algu m protagon ism o político, com o
a câm ara da capital ou o respectivo “ju iz do povo”.62 O con trapon to do
cen tro eram os poderes locais e sobretu do m u n icipais. Aspecto qu e diver-
gia fortem en te do qu e se passava em Fran ça, em Espan h a e n a gen erali-
dade das m on arqu ias eu ropéias da época.
Passada a con ju n tu ra im ediatam en te u lterior à Restau ração, o
plu ralism o político e in stitu cion al parece dim in u ir claram en te n o Portu gal
Barroco. A polarização en tre a Corte e as provín cias adqu ire, em todos os
terren os, u m a dim en são sem preceden tes.
145
Nuno Gonçalo Freitas Monteiro
N OTA S
1. Cf., en tre ou tros, HESPANHA., 1989. Cf. tam bém A "Restau ração" portu gu esa n os capítu -
los das cortes de 1641. Penélope. Fazer e desfazer a História, n .9-10, 1993; tam bém o texto clás-
sico de TORGAL, L. R. Ideologia política e teoria do Estado na Restauração. Coim bra, 1981-1982.
2.v.
2. BOUZAS ALVAREZ, F., 1987., cf. tam bém SCHAUB, J.-F., 1994. p.223 ss.
3. Cf., en tre m u itos ou tros texto, G. M. Matos, “O sign ificado político da Restau ração”, 4º.
CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA PARA O PROGRESSO DAS CIÊNCIAS. Por-
to, 1943, p.355-63.
4. Cf. CORTESÃO, J., 1984. parte I, t.I.
5. Cf. as du as alín eas qu e se segu em tiveram com o pon to de partida a reelaboração de capí-
tu los origin alm en te redigidos para a edição de 1998 de HESPANHA, A. M., 1998.
6. E em boa parte im pressas, com o As Mon stru osidades…, A Catástrofe... e a An ticatástrofe,
a Gazeta em form a de Carta de João Soares da Silva, e, m ais recen tem en te, as fabu losas "Me-
m órias Históricas" do 1º. Con de de Povolide, en tre m u itas ou tras. Sem falar das m an u scritas
(cf. sobre o assu n to, MATOS, G. de M . Notícia de alguns memorialistas portugueses do princípio do
século XVIII. Nação Portuguesa, 1929. v.I, 1936 v.X.
7. Cf. BAIÃO, A. Causas de nulidade do matrimónio entre a rainha D. Maria Francisca Isabel de Sa-
boya e o rei D. Afonso VI. Coim bra, 1925
8. Sobre o assu n to cf. diversos trabalh os de HESPANHA, A., 1988, e ain da SUBTIL, J., 1998.
9. Cf. en tre ou tros, BOXER, C. Salvador de Sá and the Stugle for Brazil and Angola, 1602-1686.
Lon dres, 1952. e CABRAL DE MELO, E. Olinda Restaurada: Gu erra e Açú car n o Nordeste,
1630-1654. São Pau lo, 1975.
10. II vol., p.461.
11. Biblioteca Nacion al de Lisboa, FG, 6937, fl. 8-14, ou 649, 3º.
12 . Tradu ção do relatório pu blicado em SERRÃO, J. V. Uma relação do reino de Portugal em
1684. Coim bra, 1960. p.31, qu e con stitu i u m a m agn ífica fon te de in form ação.
13. Ibidem , p.25.
14. Cf. CONDE DE TOVAR., 1961.
15. Cf., en tre ou tros, SERRÃO, J. V., op. cit., p.31, e SILVA, J. S. da, Gazeta em forma de carta
(1701-1716). Lisboa, 1933. p.86.
16. Cf. PRESTAGE, E., 1919. p.17 (de en tre os 33 n om eados n o rein ado joan in o, 22 eram
Gran des leigos).
17. Veja-se a esse respeito as con su ltas do todo poderoso 1º. Du qu e de Cadaval n o in ício do
sécu lo XVIII, Biblioteca Nacion al de Lisboa, F. G. 749.
18. Apesar das diferen ças, o paralelism o com Espan h a, n a seqü ên cia do afastam en to de Va-
len zu ela, é óbvio; cf., sobre o assu n to, Valien te, F. T. Los validos em la m on arqu ía españ ola
del siglo XVII. Madrid, 1982, e, sobretu do, ALVÁREZ-OSSORIO, A. El favor real: liberalidad
del prín cipe y jerarqu ia de la repú blica (1665-1700). In : CONTININSIO, C., MOZZARELLI C.
(Ed.). Repubblica e virtù . Pen siero politico Mon arqu ia Cattolica. Rom a, 1995.
19. SILVA, J. S. da Monstruosidades do tempo e da fortuna (1662-166). Porto, 1938. p.36. v.I.
20. Cf. as teses, bem docu m en tadas, de Matos, G. de M., 1940. v.VII, e 1944. v.VIII.
21. Sobre o con ju n to destes tem as, cf. MACEDO, J. B. de, s.d.(a). p.193-9 e p.211-20.
22. É dem asiado vasta a bibliografia sobre o assu n to para se poder aqu i citar; cf. sín teses re-
cen tes de MAURO, F. O Império luso-brasileiro (1620-1750) de, SERRÃO, J.; OLIVEIRA MAR-
QUES, A. H. Nova História da Expansão Portuguesa. Lisboa, 1991. v.VII. e BETHENCOURT, F.,
CHAUDURI, K. (Dir.) História da Expansão Portuguesa. Lisboa, 1998. v.2 e 3.
146
A CONSOLIDAÇÃO DA DINASTIA DE BRAGANÇA E O APOGEU DO PORTUGAL BARROCO
23. Cf. MACEDO, J. B de, 1982, p.22. s. e, apesar das lim itações e deficien te tradu ção, HAN-
SON, C., 1986, p.161 ss.
24. Cf., sobre o con ju n to destes tem as, CARDIM, P. O qu adro con stitu cion al (…). As Cortes.
In : HESPANHA, A. (Dir.) O Antigo Regime (1620-1870). p.132 s, e tam bém CARDIM, P., 1998.
25. Cf. Cortes de Lisboa dos annos de 1697 e 1698. Congresso da Nobreza, Lisboa, 1824, e Auto do le-
vantamento, e juramento, que os Grandes, Titulos Seculares, Ecclesiasticos, e mais pessoas, que se acha-
räo presentes, fizerão ao muito alto, e muito poderoso senhor El Rey D. João V... Lisboa, 1750. Um a
su gestão clara n o sen tido proposto se pode depreen der con fron tan do as ch am adas “m em ó-
rias h istóricas” ( Portugal, Lisboa e a Corte no reinado de D. Pedro II e D. João V – Memórias Históri-
cas de Tristão da Cunha de Ataíde 1º. Conde de Povolide (in t. de A. V. Saldan h a – in t. – e Carm en
M. Radu let), Lisboa, 1990, p.136-7) com as im propriam en te ditas “m em órias ín tim as”
( A.N.T.T., – Casa de Povolide, 19-A, tom . I, fl.113) do 1º. Con de de Povolide.
26. Cf., en tre ou tros, BRAZÃO, E., 1938.
27. Citado em SERRÃO, J. V., 1982, p.247.
28. Cf. CORTESÃO, J., 1984.
29. Cf. A ultima condessa de Atouguia. Memorias autobiograficas. Pon tevedra, 1916. p.10.
30. Cf. a n otável correspon dên cia de D. João V pu blicada em BAIÃO, A., 1945.
31. Cf. PIMENTEL, A. F., 1992.
32. O tem a tem sido objeto de u m a vastíssim a bibliografia recen te. Cf., en tre m u itos ou tros
títu los, CARVALHO, A. de, D. João V e a Arte do seu tempo. Mafera, 1962; 2v. PEREIRA, J. F.
(Dir.) Dicionário da Arte Barroca em Portugal. Lisboa, 1989, e MAGNIFICO J. V. A Pintura em
Portugal no tempo de D. João V, 1706-1750. Lisboa, IPPAR, 1994.
33. Cf. BEBIANO, R., 1987.
34. A. N. T. T., Casa Fron teira e Alorn a, m aços n º.s 118 e 122. A correspon dên cia do jovem
Con de de Assu m ar en con tra-se em vias de pu blicação.
35. Cf. u m a crítica en fática do con ceito em MACEDO, J. B. de, s.d.(a)
36. Cf. CLUNY , I., 1996.
37. Sobre o con ju n to destas m atérias, cf. o texto fu n dam en tal de ALMEIDA, L. F, 1995.
38. Cf. Portugal, Lisboa e a Corte …, p.372.
39. Cf. MERÊA, P., 1965.
40. Cf. BAIÃO, A., op. cit.
41. Cf. SILVA, A. P. da A questão do sigilismo em Portugal no século XVIII. Braga, 1964.
42. Cf. MONTEIRO, N. G. Con celh os e com u n idades. In : MATTOSO, J. (Dir.) História de Por-
tugal. Lisboa, 1998. v.IV.
43. Cf. HESPANHA, A. M. La Corte. In : La gracia del derecho. Econ om ia de la cu ltu ra en la
Edad Modern a. Madri: 1993. p.93.
44. Cf. Corte na aldeia e noites de Inverno (1616), Lisboa, 1945.
45. Cf. Biblioteca Nacional de Lisboa. Fu n do Geral, códice 7641, fl. 52 ss. Na m edida em qu e se
m en cion am os Con des de Ficalh o (castelh an os), títu lo de 1599, m as n ão os posteriores, a dita
relação terá sido elaborada por volta de 1600.
46. Cf., en tre ou tros, OLIVEIRA, A. de Poder e oposição política em Portugal no período filipino
(1580-1640). Lisboa, 1990. Sobretu do p.234-5, e BOUZA ÁLVAREZ, F. La n obleza portu gu esa
y la corte m adrileñ a h acia 1630-1640. Nobles y lu ch a política en el Portu gal de Olivares, Co-
lóqu io: LA RUPTURE LUSO-CASTILLANE DE 1640, Maio de 1992, Paris: Cen tre d’Etu des
Portu gaises (EHESS). (exem plar policopiado)
47. Cf. DÓRIA, A. A. (n ota D) In : CONDE DE ERICEIRA. História de Portugal Restaurado. Por-
to: n ova ed., s.d. p.488-9.
48. Cf. SOARES DA CUNHA, M. As redes clientelares da Casa de Bragança (1560-1640). Évora,
1997. Dissertação (Dou torado) (Mim eógr.).
147
Nuno Gonçalo Freitas Monteiro
49. Cf. Magalh ães J. R. No alvorecer da m odern idade (1480-1640). In : MATTOSO J. de (Dir.)
História de Portugal. Lisboa, 1993. p.50-9. v.3.
50. Cf. SAMPAIO, L. T. de Estudos Históricos. Lisboa, 1984. p.74. (com base n as Monstruosida-
des...)
51. CAPELA, J. V. O Município de Braga de 1750 a 1834. O govern o e a adm in istração econ ô-
m ica e fin an ceira. Braga, 1991.
52. Cf. MONTEIRO, N. G. Casam en to, celibato e reprodu ção social: a aristocracia portu gu e-
sa n os sécu los XVII e XVIII. Análise Social, v.XXVIII, n .123-124, p.921-50,1993.
53. De resto, com exceção dos sen h orios eclesiásticos, já n ão h á du ran te a din astia de Bra-
gan ça in stitu ições sen h oriais dotadas de gran de au ton om ia; a casa do In fan tado acabou por
n ão se con stitu ir com o tal, apesar dos seu s propósitos in iciais (cf. LOURENÇO, M. P. A Casa e
o Estado do Infantado, 1654-1706. Lisboa: JNICT, 1995. p.25ss.).
54. Cf., por exem plo, MONTEIRO, N. G. Elites locais e m obilidade social em Portu gal n os fi-
n ais do An tigo Regim e. Análise Social, n .141, p.335-68, 1997.
55. Cf., sobre o con ju n to destes tem as, MONTEIRO, N. G., 1998. Parte I, cap.3. Sobre as ca-
sas qu e perm an eceram do ou tro lado do con flito, cf. BOUZA ÁLVAREZ, F., 1994.
56. No sécu lo XVIII, u m Gran de do rein o ou su cessor de casa da “prim eira n obreza” só po-
dia partir para o Orien te com o govern ador ou vice-rei, n u n ca n u m a arm ada ou para com an -
dar u m a sim ples praça; cf. Mafalda Soares da Cu n h a e Nu n o G. Mon teiro, “Vice-reis, gover-
n adores e con selh eiros de govern o do Estado da Ín dia (1505-1834). Recru tam en to e carac-
terização social”. Penélope. Fazer e desfazer a história, n .15, p.91-120, 1995.
57. Cf. MONTEIRO, N. G., op. cit.
58. Não restem dú vidas qu e a Ordem de Malta era a ú n ica em qu e “o estado dos seu s pro-
fessos h e o de verdadeiro Religioso”. MELLO FREIRE, P. J. de Dissertação historico-juridica so-
bre os direitos e jurisdicção do Grão-Prior do Crato... Lisboa, 1829. p.6.
59. As in form ações sobre o bispos foram obtidas recorren do a u m a m u ltiplicidade de fon tes,
n o âm bito do projeto – Optim a Pares (ICS-PRAXIS XXI), estan do a execu ção a cargo de Lu í-
sa Fran ça Lu zio.
60. Cf. MONTEIRO, N. G., op. cit.
61. Cf., sobre este tem a, MONTEIRO, N. G. Poder local e corpos in term édios: especificidades
do Portu gal m odern o n u m a perspectiva h istórica com parada. In : ESPINHA DA SILVEIRA, L.
(coord .) Poder Central, Poder Regional, Poder Local. Uma perspectiva histórica. Lisboa: Cosm os,
1997. p.47-61.
62. Cf. a recen tes sín tese BERNSTEIN, H. The lord mayor of Lisbon. The Portuguese Tribune of the
People and His 24 Guilds. Boston , 1989.
148
A CONSOLIDAÇÃO DA DINASTIA DE BRAGANÇA E O APOGEU DO PORTUGAL BARROCO
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capítu lo 9
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POMBAL E O BRASIL
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Francisco Calazans Falcon
Passem os agora, aos tem pos. A referên cia aos tem pos (plu ral) é u m a
form a qu e aqu i u tilizam os para su blin h ar du as orden s de qu estões: as dife-
ren ças en tre os “tem pos da Metrópole” e os da Colôn ia; a n ão-h om ologia, n a
Colôn ia, en tre o “tem po da econ om ia” e o “tem po político-adm in istrativo”.
Com relação à Metrópole, a tradição historiográfica por muito tempo
habituou-se ao recorte dinástico que distingue os “tempos joaninos” dos “jo-
sefinos” e estes dos “marianos”. Absolutizados em termos de “épocas”, estes
“tempos” conferem uma espécie de realidade à parte ao período pombalino,
cortando-lhe as possíveis amarras com a história que o antecede – cria uma
certa visão caricatural do reinado de D. João V –, e a que se lhe segue – por
intermédio da construção mítica de um “Viradeira” improvável. A partir de
Jorge de Macedo,15 procedeu-se à demolição de tais rupturas, conforme se
evidenciaram duas coisas: as muitas continuidades existentes, em termos
políticos e administrativos, com relação ao “antes-1750” e ao “pós-1777”; a
“resistência” do movimento conjuntural da economia em enquadrar-se na
camisa-de-força da cronologia política tradicional,16 especialmente com refe-
rência ao “período pombalino” encarado como um “bloco”.
Quanto à Colônia, também nos encontramos em face de duas tem-
poralizações, conforme se trate de ritmos administrativos ou econômicos.
Os ritmos político-administrativos seriam assim descritos: uma reação cen-
tralizadora, típica do início do reinado de D. João V, de 1707 a 1720, como
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capítu lo 10
O SENTIDO DA COLÔNIA.
REVISITANDO A CRISE DO ANTIGO
SISTEMA COLONIAL NO BRASIL
(1780-1830)
José Jobson de An drade Arru da*
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José Jobson de Andrade Arruda
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O SENTIDO DA COLÔNIA. REVISITANDO A CRISE DO ANTIGO SISTEMA COLONIAL NO BRASIL
va en orm es dispon ibilidades de capitais para in vestim en tos ren táveis, ca-
pazes de aten der à exigên cia de realização rápida dos in vestim en tos m er-
can tis. Isto explica porqu e os em presários descon h eciam a especialização,
característica dom in an te en tre os pequ en os n egocian tes, m estres, logistas.
Os gran des n egocian tes atu avam sob os im pu lsos do m om en to, poden do
ser su cessiva ou con com itan tem en te m ercadores, arm adores, fin an cistas,
segu radores, ban qu eiros e, n o lim ite, em presários agrícolas ou in du striais.
Um a volu bilidade in trín seca presidia o m ovim en to do capital m ercan til:
perdas com a pim en ta eram com pen sadas n o com ércio da coch on ilh a; per-
das n os fin an ciam en tos para os Estados eram recu peradas n os em présti-
m os aos pequ en os agricu ltores; perdas n os fretes das cargas eram com pen -
sadas com a elevação do segu ro das m ercadorias; perdas n a arm azen agem
poderiam sign ificar avan ço n a con stru ção n aval.
O capital m ercan til se preservava crian do altern ativas para fu gas rá-
pidas, com pen satórias. Por isso, Brau del afirm ava qu e n ão h avia u m ram o
da atividade econ ôm ica su ficien tem en te rem u n erador, capaz de absorver
toda poten cialidade do capital m ercan til. Daí su a m aleabilidade, qu e pode-
ria levá-lo até m esm o a in vestim en tos em terras, m en os por su a ren tabili-
dade poten cial e m u ito m ais por su a capacidade agregadora em term os de
prestígio social. O extrem o lim ite seriam os deslocam en tos ru m o às ativi-
dades de m in eração e in du striais.5
Agilização do circu ito do capital era a expressão de com an do do ca-
pital m ercan til. Fossem m atérias-prim as, m ercadorias, arm azén s, equ ipa-
m en tos, n avios, m oedas. Mas tam bém poderia ser crédito para clien tes e
agen tes, serviços de câm bio, operações ban cárias e secu ritárias. Bu scava-
se estreitar o circu ito m on etário, elevan do-se os lu cros pela plu ralização
das ch an ces de in vestim en tos, o qu e o levava a resistir em aden trar a pro-
du ção e su bm etê-la diretam en te ao seu con trole, preferin do as form as de
su bordin ação in direta, m esm o qu e isso viesse a sign ificar qu e a m aior par-
cela do capital circu lan te represen tasse gastos com o trabalh o in corpora-
dos n a m ercadoria. Em com pen sação, aproxim avam -se os dois pólos ex-
trem os do circu ito do capital, pois n ão h avia im obilização em fatores de
produ ção, garan tin do-lh e plen a liberdade para tran sladar-se rapidam en te
às m elh ores opções do m ercado.
Isto explica porqu e o capital m ercan til en globa tan to o trabalh o in -
depen den te do artesão eu ropeu , qu an to o trabalh o com pu lsório dos escra-
vos n as plan tações tropicais, represen tan do am bos cu stos elevados para o
capital circu lan te, m as qu e deixavam para seu s con troladores im ediatos o
ôn u s de m an u ten ção e reposição do estoqu e. Assim se explica a n atu reza
con servadora do capital m ercan til, e o fato de qu e som en te n o m om en to
em qu e as ch an ces de lu cro rápido pelo giro m ercan til se con traíram , o ca-
pital m ercan til ten deu a pen etrar a produ ção, am plian do a parcela de ca-
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O SENTIDO DA COLÔNIA. REVISITANDO A CRISE DO ANTIGO SISTEMA COLONIAL NO BRASIL
tu dos, procu ran do reverter a ên fase, isto é, deslocar a relação prepon de-
ran te do exterior da colôn ia para seu in terior. Isto, para n ão se falar da sis-
tem ática desqu alificação dos in terlocu tores qu e delin earam o qu adro m ais
geral das explicações. Daí, a ten dên cia à radicalização dos escritos dos “ad-
versários”, atribu in do aos m esm os afirm ações qu e n ão fizeram , isto é, n e-
gar qu alqu er sign ificado à produ ção in tern a n o processo de con stitu ição
h istórica da colôn ia.
A busca inaudita de originalidade levou pesquisadores sérios a for-
mulações incautas, a exemplo desta síntese, do que possivelmente signifi-
caria o sentido da colonização outorgada aos autores ditos tradicionais: “a
economia colonial não presenciaria a constituição de um mercado interno
suprido por produções locais, a possibilidade de gerar acumulações endóge-
nas e muito menos teria condições de possuir ritmos econômicos próprios,
desvinculados do mercado internacional e das economias aí dominantes”.7
Pelo con trário, au tores com o Fern an do Novais, ao explicar a crise
do sistem a colon ial e a cam in h ada ru m o à in depen dên cia, afirm a qu e a ra-
zão da ru ptu ra estava n o fato de qu e “n ão é possível explorar a colôn ia
sem desen volvê-la”.8 Mais explícito im possível. Diz ser im pen sável a ex-
ploração econ ôm ica das colôn ias sem a criação de con dições m ín im as, ou
seja, a im plan tação da m áqu in a bu rocrático-adm in istrativa, a criação da
in fra-estru tu ra portu ária, das vias de circu lação, do aparato de defesa in -
tern a e extern a, da produ ção com plem en tar ao setor exportador, repre-
sen tado pela su bsistên cia. Em su m a, é flagran te a im possibilidade de ex-
plorar as riqu ezas colon iais sem desen volver, progressiva e con cretam en -
te, a colôn ia, sem am pliar su as m assas popu lacion ais e, por decorrên cia,
agravar as ten sões, os con flitos e as resistên cias.
A diversificação da produ ção colon ial n a Am érica Lu so-Espan h ola é
u m atestado dessa assertiva. Na Am érica Hispân ica, n as zon as con sidera-
das cen trais, por volta de 1600, a popu lação era den sa, com igrejas, m o-
n astérios, com ércio in ten so, h orticu ltu ra e atividades in du striais especiali-
zadas. Nas zon as ditas in term ediárias, cu ltivavam -se produ tos destin ados
à exportação e ao con su m o in tern o, h aven do in dú strias especializadas em
m atérias-prim as locais. Nas regiões periféricas o com ércio era ain da m ais
rú stico, assen tado n a criação de m u ares e cavalares.9 No Brasil, a m aior ou
m en or u tilização dos escravos n a produ ção destin ada ao con su m o estava
estreitam en te vin cu lada às flu tu ações do setor exportador, m as con sti-
tu íam atividades n ada desprezíveis n o côm pu to global dos valores de u so
realizados n a colôn ia.10
Esta con statação n ão perm ite, con tu do, in verter a roda da h istória.
Pen sar a econ om ia colon ial, isto é, sécu los XVI, XVII e prim eira m etade do
sécu lo XVIII, su bstan ciam en te, com o defin ida pelo tripé: acu m u lação en -
dógen a, m ercado in tern o e capital m ercan til colon ial residen te, tríade esta
qu e articu la u m n ovo “sen tido” para a colon ização, expressa n a “relativa
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O SENTIDO DA COLÔNIA. REVISITANDO A CRISE DO ANTIGO SISTEMA COLONIAL NO BRASIL
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portu gu esa, especialm en te aqu ela direcion ada ao Brasil, passou por alte-
rações sen síveis, m esm o preservan do as lin h as m estras da política m ercan -
tilista. Sob o im pacto da crise qu e se abatia sobre o Im pério Portu gu ês, di-
retam en te relacion ado à retração da produ ção au rífera brasileira, im pri-
m e-se u m a n ova diretriz in flu en ciada pela ilu stração, en qu adrada n o qu e
se con ven cion ou ch am ar o “m ercan tilism o ilu strado portu gu ês”, cu ja
m eta fu n dam en tal era a realização de abertu ras den tro do sistem a colon ial
m ercan tilista, visan do à am en ização do exclu sivo m etropolitan o, estim u -
lan do-se a produ ção da colôn ia pela bu sca de in tegração m ais forte en tre
o m u n do da m etrópole e o da colôn ia.
O dilem a dos estadistas portu gu eses era atroz, n a form u lação de
Fern an do Novais. “No plan o econ ôm ico, para con segu ir aproveitar os es-
tím u los da exploração de su a gran de colôn ia, Portu gal precisava desen vol-
ver-se; m as a exploração da colôn ia era con dição para seu desen volvim en -
to. Im agin ar u m a ‘in tegração’ era qu an to se con segu ia propor para su pe-
rar esse dilem a in solú vel. Mesm o assim , para con segu ir ‘in tegrar’, tin h a de
m odern izar-se, m as, agora n o n ível in tern o, isso levava a u m n ovo dilem a:
m obilizar o pen sam en to crítico para em preen der as reform as, e con tê-lo
para qu e n ão revelasse a su a face revolu cion ária. O ecletism o teórico e o
reform ism o prático n ão con segu iram , pois, su perar as agu das con tradições
por on de se m an ifestava a crise”.16
Nou tros term os, a m an ifestação do reform ism o ilu strado n a política
colon ial som en te adqu iriria total in teligibilidade, desde qu e fosse in serida
n o qu adro m ais geral da crise do sistem a. E esta crise resu ltava de su a pró-
pria estru tu ra e fu n cion am en to n a m edida em qu e, ao acelerar a acu m u -
lação de capitais, acelerava-se o processo de acu m u lação m ercan til e a su a
m etam orfose em capitalism o in du strial, especialm en te n a In glaterra, an -
corada n o cen tro do sistem a. Aqu i, a tran sform ação vital represen tada pela
passagem da m an u fatu ra à produ ção baseada n a m áqu in a-ferram en ta, re-
su ltava do im pacto do m ercado m u n dial e, sobretu do, do m ercado colo-
n ial. Por essa via, peças fu n dam en tais do an tigo sistem a colon ial, tais com o
m on opólio e escravism o, torn avam -se gradativam en te obstácu los in tran s-
pon íveis ao desen volvim en to do capital em escala m u n dial, colocan do em
ch equ e a própria exploração colon ial assen te n as determ in ações m ais ge-
rais do capital m ercan til.17
As m u dan ças estru tu rais n o âm ago do sistem a são, por certo, as con -
dições m ais am plas n a explicação da crise do sistem a colon ial. Desdobra-
m en tos qu ase n atu rais dessa assertiva é relem brar a con tradição m aior qu e
a exploração colon ial en gen drava: o crescim en to e o desen volvim en to da
colôn ia. No plan o m ais im ediato, o papel das circu n stân cias con ju n tu rais
precisa ser rem etido às tran sform ações estru tu rais, especialm en te, as rela-
ções en tre Fran ça e In glaterra. As m u dan ças n a con ju n tu ra política eu ropéia
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O SENTIDO DA COLÔNIA. REVISITANDO A CRISE DO ANTIGO SISTEMA COLONIAL NO BRASIL
n ão podem , de per se, serem respon sabilizadas pela crise do sistem a colon ial.
Atribu ir toda cu lpa aos bloqu eios e con tra-bloqu eios, aos bloqu eios terres-
tres e aos con tra-bloqu eios m arítim os, é tom ar a n u vem por Ju n o. É des-
prezar o papel desem pen h ado pela colôn ia, pelos h om en s qu e aí viviam .
Jorge Pedreira, em seu estu do sobre a Estrutura Industrial e Mercado
Colonial, afirm a qu e as vibrações con ju n tu rais em an adas das gu erras qu e
se segu iram às revolu ções am erican a e fran cesa “con correram para u m a
vasta reorden ação da econ om ia in tern acion al e facu ltaram as con dições
para a in depen dên cia das colôn ias qu e as m on arqu ias ibéricas possu íam n a
Am érica”.18 Não n egligen cia, certam en te, as relações en tre os m ovim en tos
estru tu rais, as oscilações con ju n tu rais e as alterações político-m ilitares.
Mas, coloca n o ostracism o absolu to qu alqu er m an ifestação con creta da co-
lôn ia n as m u dan ças qu e en tão se operavam , espectadora im passível de seu
próprio destin o.
A idéia de u m a certa in ércia colon ial tran sparece, igu alm en te, n os
escritos de Valen tim Alexan dre. A com u n idade de lín gu a, h ábitos e reli-
gião seriam respon sáveis por u m a certa solidariedade en tre brasileiros e
portu gu eses qu e, apesar de rom pida pon tu alm en te com o n o caso dos em -
boabas, era, n o geral, reforçada pela n ecessidade de m an ter a dom in ação
sobre a im en sa m assa escrava. Em decorrên cia, o “Estado lu so-brasileiro
fu n cion ava ain da sem ten sões excessivas, tan to n o dom ín io econ ôm ico
qu an to n o político ... Nu m am bien te de prosperidade m ercan til gen erali-
zada, as pressões n acion alistas n o Brasil, ain da in cipien tes, n ão criam n u n -
ca qu alqu er am eaça real de ru ptu ra”.19 Se assim era, a ru ptu ra do pacto co-
lon ial teria qu e ser explicada, forçosam en te, de fora para den tro, a partir
de alteração n o qu adro de forças defin ido pelas relações políticas e diplo-
m áticas en tre as n ações eu ropéias h egem ôn icas, especialm en te, a Fran ça e
a In glaterra, porqu an to, a Portu gal, ficava reservado u m papel igu alm en -
te passivo, con torcen do-se en tre os pólos rivais, esgu eiran do-se sistem ati-
cam en te n a bu sca de u m a n eu tralidade im possível, m as oportu n am en te
proveitosa, en qu an to du rasse.
É n otável a m in im ização do papel da Colôn ia n a bu sca de seu pró-
prio destin o. Reifica-se a visão in cru en ta da trajetória h istórica da Colôn ia.
Su blim a-se o papel das n u m erosas m an ifestações de resistên cia qu e se
agu dizam n a segu n da m etade do sécu lo XVIII, especialm en te o papel da
In con fidên cia Min eira, m an ifestação con creta e sin tetizadora dos descon -
ten tam en tos da popu lação colon ial em relação à m etrópole portu gu esa.20
Um raro paradigm a in diciário.
A recu peração h istórica do papel da Colôn ia n a su peração do an ti-
go sistem a colon ial, im põe a retom ada de su a trajetória n o ú ltim o terço do
sécu lo XVIII. Não se pode falar em decadên cia de Portu gal n esse período.
Nada qu e lem brasse a retração m ercan til da prim eira m etade do sécu lo
177
José Jobson de Andrade Arruda
XVII, qu an do en tão se delin eia a gran de crise daqu ele sécu lo. Pelo con trá-
rio, apesar das dificu ldades políticas, especialm en te n o qu adro das relações
diplom áticas, a política exterior portu gu esa aproveitava ao m áxim o as
possibilidades in scritas n o prin cípio da n eu tralidade. O au ge da produ ção
au rífera n o Brasil correspon dera a persisten tes déficits n a balan ça com er-
cial portu gu esa em relação à In glaterra. Paradoxalm en te, o colapso n a ex-
ploração de m etais, equ ivale ao período em qu e a balan ça se equ ilibra e,
n os fin ais do sécu lo, torn a-se m esm o su peravitária em relação aos in gle-
ses. Um feito h istórico. Com isso tin h a sido possível?
Um a n ova articu lação n as relações m etrópole-colôn ia. A con tin u i-
dade da política pom balin a, o seu caráter in tegrado, n o qu al in dú stria,
agricu ltu ra e com ércio são objetos da ação govern am en tal, defin in do-se
u m am plo espaço de ação das políticas pú blicas com elevado grau de u n i-
dade. Con sideran do as m in as riqu ezas fictícias, Pom bal fez do estím u lo à
agricu ltu ra o epicen tro de su a ação política. Seu s efeitos n ão tardaram , ex-
pressan do-se n a diversificação agrícola do espaço colon ial brasileiro, ge-
ran do produ tos para a reexportação do Rein o, alim en tos para a popu lação
m etropolitan a e m atérias-prim as para as m an u fatu ras, en laçan do in dú s-
tria e agricu ltu ra, tran sform an do a cam in h ada ru m o à in du strialização
u m a possibilidade con creta. A criação das com pan h ias de com ércio, cu ja
fin alidade era exatam en te u n ir os espaços agrícola e in du strial, separados
pelo ocean o, fech ava o circu ito da perspectiva econ ôm ica qu e en tão se de-
lin eava para o Im pério Lu so-Brasileiro. Nestes term os, a política in du stria-
lista portu gu esa n ão foi o fru to passageiro de u m a crise com ercial, com o
ocorrera n o sécu lo XVII. Tem u m caráter estru tu ral e en orm e poten cial
tran sform ador, seja n a m etrópole, seja n a colôn ia.
Esta form u lação, bem o sabem os, con fron ta as explicações do m es-
tre Victorin o Magalh ães Godin h o, para qu em “os m ovim en tos in du stria-
listas se deram n o segu im en to de crises com erciais profu n das e, portan to
de baixa prolon gada de preços”, o m esm o acon tecen do com “a política
pom balin a do terceiro qu artel do sécu lo XVIII”.21 Godin h o h om ologiza o
discu rso, repon do para o sécu lo XVIII a m esm a explicação dada ao sécu lo
XVII, n o atin en te às ten tativas falh as de in du strialização, n o qu e é im pro-
priam en te acom pan h ado pelos qu e vêem n a essên cia da política colon ial
portu gu esa o arcaism o por projeto, elevado à con dição de n ervo explicati-
vo da con dição colon ial,22 com o se colôn ia e m etrópole fossem sin ôn im os
u n idos por u m m esm o sin al explicativo, in fen so à diferen ciação qu e o pro-
cesso h istórico in stau ra. Isto explica a aproxim ação en tre os revision istas
portu gu eses e seu s segu idores n o Brasil n a árdu a tarefa de ressem an tiza-
ção h istórica da Colôn ia, da n atu reza m esm a de su a existên cia, das con di-
ções específicas de su a em an cipação. Um privilegiam en to n ada recôn dito
da con tin u idade em detrim en to da ru ptu ra, on de tu do são con ju n tu ras,
n ada é estru tu ral.
178
O SENTIDO DA COLÔNIA. REVISITANDO A CRISE DO ANTIGO SISTEMA COLONIAL NO BRASIL
Com o en ten der o arcaism o com o projeto dian te do pertu bador cres-
cim en to econ ôm ico, expressão do n ovo e com plexo relacion am en to m e-
trópole-colôn ia. Nele, as colôn ias torn am -se m ercados con su m idores das
m ercadorias in du strializadas produ zidas n a m etrópole e forn ecedores de
alim en tos e m atérias-prim as, declin an do gradativam en te a im portân cia
dos produ tos tropicais. É n otável a distân cia en tre este relacion am en to e
aqu ele qu e se delin eara n a fase de m on tagem do sistem a colon ial, e m es-
m o de su a m atu ridade, isto é, n os sécu los XVI e XVII. O n ovo m odelo n ão
rom pe visceralm en te com o an terior. Reforça os liam es en tre a m etrópole
e a colôn ia e, de certa form a, an tecipa as ten dên cias qu e seriam dom in an -
tes n a segu n da m etade do sécu lo XIX, n o qu adro do n eocolon ialism o. É
pion eiro e precoce. Em erge do âm ago do an tigo sistem a colon ial, o qu e
talvez expliqu e os en traves estru tu rais à su a rápida e plen a realização.
Defron tam o-n os com u m a tran sform ação vital. Se a m etrópole avan -
ça crian do fábricas, a colôn ia diversifica su a produ ção, seu s m ercados se in -
tegram in tern a e extern am en te. Se as ren das geradas pelo setor exportador
são m en ores, tan to n o Brasil qu an to em Portu gal, com parativam en te ao
au ge da produ ção au rífera, com pen sam pela su a distribu ição m ais plu ral,
refletida n os ín dices de ren da per capita. A con ju n tu ra econ ôm ica era de
prosperidade. Não se pode falar em depressão, em decadên cia. E, em tais
circu n stân cias, en gen dra-se u m en orm e poten cial tran sform ador.
Os prim eiros sin ais den otadores da em ergên cia de u m a n ova con fi-
gu ração n as relações n o âm bito do sistem a colon ial aparecem n a segu n da
m etade do sécu lo XVII, con secu tivo à crise geral.23 Rom pe-se o m on opólio
da produ ção açu careira, acirra-se a com petição en tre as m etrópoles, in ter-
n acion aliza-se o capital m ercan til, am plia-se o con su m o pela baixa de pre-
ços, ao m esm o tem po qu e cresce o m ercado con su m idor colon ial para pro-
du tos m an u fatu rados vin dos das m etrópoles. A m axim ização dos lu cros
pela otim ização dos fatores de produ ção, estritam en te regidos pelas leis da
econ om ia de m ercado, su gerem a em ergên cia de u m segu n do sistem a
Atlân tico, n a den om in ação Peter Em m er.24 Porém , apesar de seu elevado
grau de especialização, a essên cia desse sistem a produ tivo assen tava-se n o
tripé m on ocu ltu ra, latifú n dio e escravidão. A diferen ça essen cial do n ovo
padrão de colon ização, criado pelos portu gu eses, estava exatam en te n o
en lace colôn ia-m etrópole sob a égide da in du strialização, u m n ovo arran -
jo pelo qu al, sem abrir m ão do m on opólio, firm ava-se u m n ovo tipo de re-
lacion am en to bilateral.
Equ ívoco falar-se, portan to, em decadên cia ou crise n o sen tido res-
tritivo. Trata-se de u m a crise de crescimento qu e, em Portu gal, tran sform a-se
gradativam en te em crise de retração, qu e algu n s au tores preferem den o-
m in ar “colapso”,25 reforçan do a sen sação de u m tem po perdido qu e con -
du z a reificação n ostálgica do m ito da decadên cia. No Brasil, igu alm en te,
a produ ção h istoriográfica dos an os 60 acabou por con solidar a idéia de
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José Jobson de Andrade Arruda
180
O SENTIDO DA COLÔNIA. REVISITANDO A CRISE DO ANTIGO SISTEMA COLONIAL NO BRASIL
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José Jobson de Andrade Arruda
im portações n este Rein o n ão tem dim in u ído, segu e-se qu e o referido con -
traban do é todo ven dido a troca de m oeda corren te”. Um a ação tão agres-
siva teria qu e con tar, certam en te, com o respaldo dos h abitan tes da colô-
n ia e, até m esm o, dos com ercian tes portu gu eses aqu i in stalados. É o qu e
se depreen de dos escritos de 1806: “a estagn ação do com ércio provém do
ru in oso prin cípio da in trodu ção clan destin a das m ercadorias proibidas n es-
te e n aqu ele con tin en te, pela falta de patriotism o de algu n s n egocian tes
qu e, esqu ecidos das leis qu e n os regem , procu ram tão som en te os seu s in -
teresses”. A con su m ação da tragédia an u n ciada an os an tes se dá em 1807,
qu an do diz: “ten h o m u ito pou co a pon derar do estado do n osso com ércio
n o an o passado de 1807, qu e n ão seja u m a repetição do qu e disse n os an os
de 1805 e 1806, por ele cam in h ar para su a decadên cia e abatim en to”.34
Mesm o qu e se afirm e qu e os respon sáveis pela coibição dos desca-
m in h os, com o era o caso do con tador Mau rício José, via de regra exage-
ram em su as avaliações som brias, n ão se pode n egligen ciar a con clu são
óbvia de qu e as exportações portu gu esas para a Colôn ia ten deram a zero
e qu e, efetivam en te, os portos brasileiros abriam -se an tes de 1807, tran s-
form an do o docu m en to de abertu ra dos portos de 1808 n u m a m era for-
m alização sobre práticas con cretas.
O período de 1780-1830 é vital para que se possa compreender a tra-
jetória brasileira. Nublado pela experiência vitoriosa do ouro e do café, re-
metem a segundo plano a produção de subsistência, a história do abasteci-
mento, a dinâmica da economia mercantil de subsistência, a força da diver-
sificação econômica, que é a marca indelével do período e, a partir da qual,
pode-se entender a emergência de um patamar mínimo de integração do
Brasil no mercado mundial, ou seja, um mínimo de articulação interna en-
tre as diferentes regiões e zonas produtivas brasileiras; a existência de dife-
rentes relações de produção e variados padrões de acumulação nas regiões
brasileiras; a emergência de um centro dinâmico capaz de integrar o con-
junto e mesmo se auto-reproduzir, como é o caso de Minas Gerais.
O con trapon to com esta experiên cia in tegradora an corada em Min as
Gerais, e qu e sobreleva o seu sign ificado h istórico, é o exem plo das colôn ias
espan h olas da Am érica qu e realizam u m a trajetória in versa, pois o rom pi-
m en to com a m etrópole an u la o ú n ico vín cu lo de u n idade existen te, expon -
do e reforçan do a plu ralidade dispersiva da region alização econ ôm ica.
Revela-se, portan to, n a in tegração de vários m ercados region ais
brasileiros em torn o de u m cen tro articu lador, o su rgim en to de u m esbo-
ço do m ercado n acion al, em fu n ção do qu al arregim en tam -se in teresses
sociais específicos, capazes de m obilizar a ação política coletiva ru m o à
ru ptu ra e à con stitu ição do Estado Nacion al. A crise do sistem a colon ial
produ z-se n o in terior do processo colon izador, on de se en gen dra a n ação
e se gesta a n oção de perten cim en to, reforçada pela lin gu agem do in teres-
se com u m do m ercado.
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O SENTIDO DA COLÔNIA. REVISITANDO A CRISE DO ANTIGO SISTEMA COLONIAL NO BRASIL
N OTA S
1. De toda evidên cia, trata-se de u m a colôn ia de exploração, de acordo com a tipologia clás-
sica de LEROY-BEAULIEU, P. De la colonisation chez les peuples modernes. Paris, 1902. t.II, p.563
ss, assu m ida por Fern an do An tôn io Novais em seu en saio Con siderações sobre o sen tido da
Colon ização, Revista de Estudos Brasileiros (São Pau lo), v.6, p.55,1969. Fora de cogitação, por-
tan to, en ten dê-la com o “u m a colôn ia de povoam en to”, com o o faz ALEXANDRE, V., 1993.
p.810. Não se percebe a distin ção fu n dam en tal, n este caso, en tre explorar econ om icam en te
para fixar a popu lação (colôn ia de povoam en to) e povoar para garan tir a exploração econ ô-
m ica (colôn ia de exploração). Em dois livros diferen tes: PRADO JÚNIOR C. 1961a . e PRADO
JÚNIOR, C., 1961 já ensinava que: “Para os fins mercantis que tinha em vista ... era preciso …
criar u m povoam en to capaz de abastecer e m an ter as feitorias qu e se fu n dassem , e organ izar
a produ ção dos gên eros qu e in teressavam seu com ércio”. A idéia de povoar surge daí e só daí.
(grifo n osso).
2. Cf. PRADO JÚNIOR, C., 1961, especialm en te o capítu lo Sen tido da Colon ização, p.13-26.
NOVAIS, F. A. 1979, especialm en te A Colon ização com o sistem a, p.57-72.
3. HAMILTON, E. J. Th e Role of Mon opoly in th e Overseas Expan sion an d Colon ial Trade of
Eu rope Before 1800. The American Economic Review , 1948, v.38, n .2, p.53.
4. NOVAIS, F. A. O Brasil n os Qu adros do An tigo Sistem a Colon ial. In : MOTA C. G. (Org.)
Brasil em Perspectiva. São Pau lo: Difel, 1969. p.47-62.
5. Para Fern an d BRAUDEL, “O processo de produ ção é u m a espécie de m otor de dois tem -
pos, os capitais circu lan tes são destru ídos im ediatam en te para serem reprodu zidos ou m es-
m o au m en tados”, já, “a deterioração do capital fixo é u m a doen ça econ ôm ica pern iciosa qu e
n u n ca se in terrom pe”. Assim sen do, “é a estru tu ra econ ôm ica e técn ica qu e con den a certos
setores – particu larm en te a produ ção ‘in du strial’ e agrícola – a u m a pequ en a form ação de ca-
pital. Sen do assim , n ão é de adm irar qu e o capitalism o do passado ten h a sido m ercan til, qu e
ten h a reservado o m elh or do seu esforço e dos seu s in vestim en tos à esfera da circu lação”. O
resu ltado é u m a con tradição flagran te, pois “em países su bdesen volvidos o capital líqu ido, fa-
cilm en te acu m u lado n os setores preservados e privilegiados da econ om ia, seja por vezes su -
perabu n dan te e in capaz de ser in vestido de m odo ú til em su a totalidade. In stala-se sem pre
u m vigoroso en tesou ram en to. O din h eiro ‘estagn a’, ‘apodrece’; o capital é su bem pregado”.
Em certos m om en tos, “u ltrapassa a qu an tidade de ben s capitais e de din h eiro qu e su a eco-
n om ia poderia con su m ir. En tão ch ega a h ora das com pras de terras pou co ren táveis, a h ora
das m agn íficas casas de cam po con stru ídas n essa época, do desen volvim en to m on u m en tal,
das explosões cu ltu rais”. Essas econ om ias produ ziam u m a “qu an tidade n otável de capital
bru to, mas em certos setores esse capital bru to derretia como n eve ao sol”. BRAUDEL, F.,1996,
p.210-5. Sobre a n atu reza do capital m ercan til, n os term os em qu e aqu i foi delin eado, Cf.
ARRUDA, J. J. de A. Exploração Colon ial e Capital Mercan til. In : SZMRECSÁNYI T. (Org.)
História Econômica do Período Colonial. São Pau lo: Hu citec,1996. p.217-23.
6. Cf. MELLO, J. M. C. de, 1982. p.89.
7. FRAGOSO, J. L. R. 1992. p.20.
8. NOVAIS, F. A., 1972. p.23.
9. VAN BATH, S. Econ om ic Diversification in Span ish Am erica Arou n d 1600: Cen tres In ter-
m ediate, Zon es an d Periph eries. In : Jahrbuch für Geschichte von Staat, Wirtschaft und Gesellschaft,
1979. p.78.
10. Sobre este tem a ver CARDOSO, C. F. A brech a Cam pon esa n o Sistem a Escravista. In :
Agricultura, Escravidão e Capitalismo. Petrópolis: Vozes, 1979.
11. FRAGOSO, J. L. R., op. cit., p.21.
12. Estas reflexões, absolu tam en te n ecessárias, NOVAIS, F., 1997, relegou a u m a n ota de pé
de págin a de seu referido capítu lo.
183
José Jobson de Andrade Arruda
13. Desdobram en to n atu ral dessas proposições são as in qu ietações qu e assom am Fern an do
Novais, ao refletir sobre o “n ovo sen tido” da econ om ia colon ial, qu e lh e provocam in ú m eras
in terrogações: “Um a qu estão qu e sem pre m e ocorre dian te desses argu m en tos é esta: se n ão
são estas as características (extroversão, extern alidade da acu m u lação etc.) fu n dam en tais e
defin idoras de u m a econ om ia colon ial, o qu e, en tão, as defin e? Ou será qu e n ão se defin em ?
Será qu e n ada de essen cial as distin gu e das dem ais form ações econ ôm icas? Não creio qu e
seja esse o objetivo dos revision istas”. Ibid.
14. Cf. ARRUDA, J. J. de A., 1980. Passados 25 an os desde qu e esta obra foi escrita, su as con -
clu sões fu n dam en tais perm an ecem de pé. Especialm en te n o qu e tan ge à im portân cia decisi-
va da perda do m ercado brasileiro n a explicação da crise da in dú stria portu gu esa. As reava-
liações qu an titativas feitas por Valen tim Alexan dre são m u ito im portan tes por aden sarem os
dados. Mas as con clu sões decisivas m an têm -se: a idéia da diversificação, o déficit de Portu gal
peran te a Colôn ia, a in ten sidade do con traban do. Certam en te, o avan ço da pesqu isa, perm i-
tiu a relativização dessas con clu sões, m as n ão su a in validação. Cf. ALEXANDRE, V.,1993, es-
pecialm en te, p.25-89.
15. Note-se qu e a idéia de diversificação do m ercado colon ial, da in ten sificação do processo
de acu m u lação in tern a fora por n ós apon tado claram en te em 1972, an o de redação de O Bra-
sil no Comércio Colonial, e retom ado en faticam en te em 1985 n o artigo: A Prática Econ ôm ica
Setecen tista n o seu Dim en sion am en to Region al. Revista Brasileira de História, v.10, p.123-46,
1985.
16. NOVAIS, F. A., 1979, p.301.
17. Ibidem .
18. PEDREIRA, J., 1994, p.516.
19. ALEXANDRE, V., op. cit., p.811.
20. De toda evidên cia trata-se de u m a visão extern a, m etropolitan a, da h istória colon ial. In -
crível é qu e h aja epígon os qu e a assu m em e reprodu zem em escritos descaracterizadores de
n ossas trajetória h istórica, forçan do n o sen tido de m in im izar a im portân cia dos m ovim en tos
de resistên cia ocorridos n a Colôn ia. Exem plo típico dessa postu ra revision ista con servadora
é a afirm ação de Gu ilh erm e Pereira das Neves: “parece pou co provável qu e os m ovim en tos
con testatórios do período ten h am a dim en são qu e lh es em prestou u m a h istoriografia n acio-
n alista, sequ iosa de en con trar os an teceden tes da In depen dên cia de 1822 e de estabelecer os
m itos fu n dadores da n ova n ação”. Se esta in terpretação é atribu ída a u m a h istoriografia n a-
cion alista, com o qu alificar a descon stru ção do articu lista? Se n ão h á relação en tre a In depen -
dên cia e esses m ovim en tos an teriores, o qu e foi a In depen dên cia? Um a dádiva? Um aborto?
Cf. NEVES, G. P. das Do Im pério Lu so-Brasileiro ao Im pério do Brasil. Ler História, v.27-28,
p.91,1995.
21. Cf. GODINHO, V. M., 1955, p.208, retom an do-se o tem a n as págin as 279 ss. Para n ossa
argu m en tação em torn o do tem a, Cf. ARRUDA, J. J. de A. Decadên cia ou crise do Im pério
Lu so-Brasileiro: o n ovo padrão de colon ização do sécu lo XVIII. In : ACTAS DOS 4º. s CURSOS
INTERNACIONAIS DE CASCAIS, 1997.
22. “O arcaism o é, isto sim , u m verdadeiro projeto social”, o qu e explicaria porqu e as ten ta-
tivas de in du strialização, “ocorridas n os sécu lo XVII e XVIII, som en te em m eio a con ju n tu ras
n as qu ais a reprodu ção deste tipo de projeto se via am eaçado; u m a vez qu e passado o perío-
do arcaico retom ou com força total”. Cf. FRAGOSO J., FLORENTINO, M., 1993. p.27.
23. Cf. HOBSBAWM, E. Th e Crisis of th e Seven teen th Cen tu ry. In : ASTON, T. (Ed.) Crisis in
Europe 1560-1660. Lon don : Rou tledge e Kegan Pau l, 1965. p.51.
24. Cf. EMMER, P. C. Th e Du tch an d th e Makin g of th e Secon d Atlan tic System . In : SOLOW
B. (Ed.) Slavery and the Rise of the Atlantic System. Cam bridge: Cam bridge Un iversity Press,
1991. p.75-96.
25. Cf. ALEXANDRE, V., op cit.; PEDREIRA, J., op. cit.
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O SENTIDO DA COLÔNIA. REVISITANDO A CRISE DO ANTIGO SISTEMA COLONIAL NO BRASIL
26. Cf. FURTADO, C., 1963, p.112.; PINTO, V. N. Balan ço das Tran sform ações Econ ôm icas n o
Sécu lo XIX. In : Brasil em Perspectiva. São Pau lo: DIFEL, 1969. p.125-46.
27. GOERTZEL, T. apon ta Fern an do Hen riqu e CARDOSO com o u m dos raros in telectu ais ca-
pazes de pren u n ciar estas possibilidades. Cf. O Modelo Político Brasileiro e Outros Ensaios. São
Pau lo: DIFEL, 1972. p.66.
28. Cf. MAURO, F. A Con ju n tu ra Atlân tica e a In depen dên cia do Brasil. In : MOTA, C. G.
(Org.) 1822 Dimensões. São Pau lo: Perspectiva, 1972. p.38-47; MATTOSO, K. de Q. Os Preços
n a Bah ia de 1750 a 1930. In : L’Histoire Quantitative du Brésil de 1800 a 1930. Paris: CNRS, 1973.
p.167-82; JOHNSON, H. B. Mon ey an d Prices in Rio de Jan eiro (1720-1860). In : MAURO, F.
(Org.), op. cit., p.39-47.
29. Cf. COSTA, E. V. da, 1969, p.63-124.
30. Cf. BRAUDEL, F., 1996. p.373. v.3.
31. Cf. ARRUDA, J. J. de A Mercado Nacion al e Mu n dial en tre o Estado e a Nação: Brasil, da
Colôn ia ao Im pério. In : Estados e Sociedades Ibéricas. Realizações e Conflitos (Século XVIII-XX), Ac-
tas dos 3ºs Cu rsos In tern acion ais de Cascais, v.III, p.195-206, Cascais, 1996.
32. “However, in m om en ts of crisis, th e aggressive pen etration of forein g com m erce in to th e
colon y cou ld lead to a desin tegration of th e system or th e loss (in depen den ce) of th e colon y”.
ARRUDA, J. J. de A. 1991. p.397.
33. Cf. MAXWELL, K. Th e Atlan tic in th e Eigh teen th Cen tu ry: A Sou th ern Perspective on
th e Need to Retu rn to th e “Big Pictu re”. Transactions of the Royal Historical Society (Lon don ), 6th
series, v.3, p.230, 1993.
34. Prólogo das BALANÇAS de 1802, 1805, 1806 e 1807. MORAES, M. J. T. de Balança Ge-
ral do Commercio do Reyno de Portugal com seus Domínios. Lisboa: In stitu to Nacion al de Estatísti-
ca, 1807. Texto atu alizado. Em estu do recen te, Ern st Pijn in g an alisa de form a den sa e pe-
n etran te a relação en tre con traban do e sistem a colon ial. Parte da con statação de qu e o fen ô-
m en o do con traban do era parte visceralm en te con stitu tiva do tecido da sociedade colon ial e
m esm o de su a m en talidade. Con stata, a partir da an álise das apreen sões realizadas pelo poder
pú blico n o fin al do sécu lo XVIII, n o Rio de Jan eiro, a in ten sificação do com ércio ilegal, pois
os altos e baixos das apreen sões m ostram a cau tela qu e se segu e às ações restritivas. De qu al-
qu er form a, o an o de 1798 é expressivam en te distin gu ido pelo salto espetacu lar das apreen -
sões, defin in do u m m om en to específico do fortalecim en to da prática do con traban do n o
Brasil colon ial. Cf. PIJNING, Ern st, Controlling Contraband: Mentality, Economy and Society in
Eighteenth-Century Rio de Janeiro. Tese de dou torado, Joh n s Hopkin s Un iversity, Baltim ore,
Marylan d, 1997, p. 17.
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José Jobson de Andrade Arruda
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O SENTIDO DA COLÔNIA. REVISITANDO A CRISE DO ANTIGO SISTEMA COLONIAL NO BRASIL
187
capítu lo 11
CONTESTAÇÃO RURAL E REVOLUÇÃO
LIBERAL EM PORTUGAL
José Ten garrin h a*
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José Tengarrinha
ção num quadro legal reformista e as alianças que se estabelecem entre di-
versos grupos sociais inferiores e médios no âmbito das administrações locais.
Antes de tudo, as convulsões que abalaram os campos quando das In-
vasões – com um triplo conteúdo de revolta social, guerra religiosa e luta na-
cional – permitiram que as populações rurais adquirissem, como nunca,
consciência do seu poder; e que tais ações se revestissem, também, de um
sentido social superior, na medida em que a intervenção rebelde, o ato amo-
tinador passa a ser não apenas socialmente justificável mas até dignificante.
É uma verdadeira inversão de valores psicológicos e morais da sociedade.
Outra diferença fundamental relativamente às movimentações agrá-
rias anteriores – para além das motivações e do alargamento quantitativo
da intervenção popular – reside na substancial alteração das categorias so-
ciais envolvidas, aparecendo agora as camadas médias ou médias inferiores
com uma participação na rebeldia social como não se vira até aí, pelo me-
nos com essa dimensão. Acabarão elas por ser, nesta fase, os principais mo-
tores da movimentação, na sua globalidade. E este fato – de grande impor-
tância na história social portuguesa contemporânea – irá provocar motiva-
ções políticas que se estenderão, em ondas reflexas, por toda a sociedade.
Não mais se poderá dizer que é o “povo miúdo”, de um lado, e a “gente gra-
da”, do outro, em posições irredutíveis, nem que a agitação social resulta de
atos irresponsáveis de “gente rude e ignorante”. O tecido social que se en-
volve na contestação apresenta, agora, maior heterogeneidade.
É visível, além disso, um maior inconformismo das populações ru-
rais, mesmo relativamente a situações que no passado haviam aceito. As
próprias autoridades o reconheciam, com freqüência. Por exemplo, o pro-
vedor da comarca de Coimbra, ao intervir no conflito sobre os direitos ba-
nais em Penela (1816), admitia que a rebeldia dos agricultores tomara
maiores proporções por influência “das modernas opiniões e doutrinas dos
pretendidos defensores dos direitos dos povos”.2 Ou o prior de Vila Nova de
Monsarros ao testemunhar, em 1814, que os habitantes, tendo começado
por contestar os excessos cometidos na cobrança dos encargos do foral, aca-
baram colocando em causa os direitos senhoriais na sua totalidade, tanto
assim que o senhorio, cabido da Sé de Coimbra, “pouco tem arrecadado”.3
Emergem, assim, atitudes gerais de contestação que põem em causa, mais
frontalmente, relações de dependência e hierarquias tradicionais.
Tal favorece que o sentido político passe a impregnar mais a contes-
tação social (tornando menos nítidas as fronteiras entre eles), o que abre
uma nova dimensão no relacionamento entre o social e o político.
O eco das lutas da segunda metade do século XVIII, solitárias e de-
sesperadas, contra a opressão senhorial e a apropriação individual da terra,
está presente. Mas é esta nova qualidade da contestação, então emergente,
que se projeta na dimensão nacional, política e militar dos abalos anterio-
res e posteriores à Revolução de 1820.
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A TERRA
Quanto aos conflitos sobre a terra, não surpreenderá o relevo que to-
mam neste decênio se tivermos em conta que a grande falta de gados que
se seguiu às Invasões provocou acentuado aumento nos preços da carne e
da lã; e que era dominante preocupação do Governo, coincidindo com os
interesses de agricultores ricos das províncias, aproveitar mais intensiva-
mente as terras até aí abertas para aumentar a produção agrícola.
A pressão sobre a terra fez-se sentir, assim, no duplo aspecto dos pas-
tos e da expansão do individualismo agrário. Localizam-se tais conflitos,
predominantemente, como sempre, na região de Castelo Branco, e tam-
bém Guarda e Viseu.
Grandes criadores de gado – sobretudo lanígero, nesses três distritos
da Beira interior – apossavam-se de melhores pastos, quer porque podiam
arrematá-los por quantias mais elevadas quer pela influência que exerciam
sobre os vereadores; tal poder sobre as governanças locais permitia, tam-
bém, que estes criadores, e ainda os de gado vacum, usassem a seu favor os
odiados “rendeiros do verde”5 e assim pudessem cometer abusos com os re-
banhos mesmo em terras cultivadas. Além disso, proprietários abastados
vedavam terras suas até aí usadas como pastos comuns, sendo certo que,
sem eles, os pequenos agricultores não poderiam manter os seus gados de
lavoura e arranjar estrumes; tais vedações, levantadas com a justificação de
abandonar o regime de longos pousios para agricultar mais intensivamen-
te a terra, também muitas vezes se destinavam a pastos para uso dos gados
próprios ou para aluguel.
Protestos dos povos surgiram, também, na seqüência de aforamen-
tos de terras baldias de que se serviam. De pouco valera a Portaria de
13.2.1815 recomendar, expressamente, que no exame dos baldios e terras
incultas se tomasse em conta o “interesse que se pode tirar da sua cultura
e porções indispensáveis para logradouros dos povos”. Os interesses destes,
de fato, não foram em muitos casos devidamente precavidos, pelo que a li-
nha de tensão permanece, muito viva, no mundo rural: de um lado, lavra-
dores ricos, geralmente apoiados por corregedores e provedores, do outro,
pequenos agricultores, freqüentemente com o apoio das câmaras, que dei-
xavam assim de beneficiar com o aluguel, para pastos, dessas terras quan-
do livres de culturas. Ao ponto de, em 1818 (Alvará 6-7), o Governo, mais
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PROTECIONISMOS AGRÍCOLAS
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pelos interesses comerciais que a ela se ligavam. Os preços baratos dos es-
trangeiros fizeram parar a venda dos trigos e milhos nacionais. Comparan-
do as entradas no Terreiro Público em 1790 e 1812, verifica-se que a de
grão nacional, naquele primeiro ano, foi de 27.748 moios e, no segundo,
de 8.184, em vez da evolução da entrada do grão estrangeiro que, em 1796,
foi de 66.738 moios e, em 1812, de 268.846.10 Em produto de vendas, vê-
se que, no mesmo Terreiro, e nos anos de 1810 a 1812, as dos grãos estran-
geiros passaram de 73,5 milhões de cruzados, ao passo que as dos nacionais
não chegaram a 6 milhões. Se àquele primeiro produto se juntar o das
quantidades de grãos vendidos fora do Terreiro sem pagar a devida comis-
são e das que entraram e se venderam em diversos pontos do Reino nesses
anos, poderá avaliar-se a importância total da venda dos grãos estrangeiros
neste período em 112 milhões de cruzados; em grande contraste, pois, com
os anos de 1808 e 1809, em que a importância dos grãos estrangeiros en-
trados e vendidos no Terreiro alcançou apenas 8 milhões de cruzados e a
dos nacionais passou de 7 milhões.11 Ao longo de todo o decênio, assiste-se
à incapacidade do trigo nacional competir com a barateza do estrangeiro,
apesar das providências dadas pelo Governo para sustentar-lhe o preço. Os
protestos dos produtores de cereais subiram de tom perante a extraordiná-
ria importação de grãos estrangeiros nos últimos meses de 1818, continua-
da no ano seguinte. Ainda em vésperas da Revolução, no último relatório
para o Rio de Janeiro, os governadores do Reino alertavam estar “a agricul-
tura arruinada pelo baixo preço do grão estrangeiro que tem inundado o
Reino, de que resulta o abandono da cultura que o lavrador não pode con-
tinuar sem perda e o conseqüente abatimento de todas as rendas que con-
sistem em frutos”.12 Do Ribatejo e Alentejo, sobretudo, levantaram-se os
clamores para que se proibisse a entrada dos grãos ou, ao menos, fossem os
comerciantes obrigados a incluir nas compras uma parte dos nacionais ou
outra qualquer providência que facilitasse a venda destes. Foi um movi-
mento de protesto de grande amplitude que obrigou o Governo de Lisboa,
com alguma precipitação, perante o silêncio do Rio de Janeiro, a promul-
gar medidas protecionistas.13
PREÇOS E SALÁRIOS
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A PRESSÃO FISCAL
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virulência dos do século XVII, ao contrário destes não mostram extensa so-
lidariedade vertical, desde os nobres aos camponeses pobres. O agravamen-
to pesa em especial sobre as camadas baixas, não apenas porque a sua pre-
dominante agricultura de subsistência não registrara aumento de produti-
vidade e até denunciara generalizado decaimento (e assim era puncionada
uma riqueza em decréscimo) como também porque acabavam por ser elas
as principais prejudicadas com as isenções dos privilegiados (no sistema de
encabeçamentos, as isenções de uns agravavam outros). Assim, nos protes-
tos das camadas rurais inferiores contra tributações da Coroa, vislumbra-se,
como no primeiro vintênio da segunda metade do século XVIII, o duplo
sentido de uma contestação anti-senhorial e contra uma pequena nobreza
e notáveis locais que, legitimamente ou não, gozavam de tais isenções.
Nos conflitos sobre pastos, os pequenos agricultores e criadores tive-
ram de enfrentar a pressão crescente dos criadores de gado que pretendiam
expandir os seus domínios. Aqueles tinham, porém, meios limitados e frá-
geis para se opor à força destes, pouco mais lhes restando do que o protes-
to e o apelo ao monarca. Tanto mais que, como se disse, os ricos proprietá-
rios e criadores gozavam freqüentemente dos favores das autoridades lo-
cais, que lhes cobriam, até, ações arbitrárias e abusivas.
Outras situações em que era visível o conluio entre gentes da gover-
nança e poderosos locais eram as especulações sobre preços, que às câma-
ras cabia evitar em primeiro lugar, e as taxações de salários. Como nume-
rosas vezes ocorreu no passado, vimos, por exemplo, a Câmara de Coim-
bra, em 1814, ceder ao poder dos “monopolistas”, não tomando medidas
para impedir que estes ocultassem os gêneros de primeira necessidade a fim
de provocar escassez e encarecimento deles; e, no mesmo ano, em Santa-
rém, a Câmara atuar ao sabor da vontade dos lavradores de vinhas para que
os salários fossem taxados a partir de fevereiro; entre muitas outras situa-
ções com menor repercussão.
Assim, o poder administrativo local e o poder de uma burguesia rural
com força econômica considerável em muitos casos se encontravam estreita-
mente entrelaçados, ao ponto de serem até representados pelas mesmas pessoas.
Diferente, porém, era a posição das administrações locais perante as
vedações de terras, mesmo quando executadas por poderosos e influentes
proprietários. Nestes casos, com freqüência, viam-se as câmaras lesadas –
por lhes serem retirados espaços que até aí arrendavam – juntarem-se aos
pequenos agricultores nas mesmas ações de protesto. Desempenhou o qua-
dro institucional aqui, pois, algum papel mediador.
Todas estas linhas conflituais mantêm as características qualitativas essen-
ciais do século anterior (variando apenas a intensidade), o que já não acontece
com as de natureza anti-senhorial, que apresentam diferenças consideráveis.
Naquelas, predominara a solidariedade horizontal das camadas sociais
mais baixas contra as mais abastadas. Tratava-se de lutas contra a expansão do
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nomos pelas terras próprias que tinham vindo a adquirir. Condições mate-
riais e psicológicas favoráveis, pois, ao aumento da sua intervenção na luta
anti-senhorial e à sua convergência nessa luta com os camponeses pobres
que sempre a haviam mantido.
Assiste-se, então, a um fenômeno de grande significado político: não
apenas no Centro Litoral como noutras partes do Reino, as câmaras (onde
recuara a influência dos donatários e aumentara a dos “notáveis”) passam a
apoiar mais decididamente os agricultores (ricos e pobres) na sua luta contra
os donatários religiosos. Tal se verificou, sobretudo, a propósito das presta-
ções raçoeiras, nomeando louvados que se opunham aos indicados pelos se-
nhorios ou seus contratadores de rendas para a avaliação das produções.
Esta solidariedade reforçou-se quando o referido reformismo de Es-
tado criou condições políticas favoráveis à contestação dos encargos senho-
riais e em tempo e locais em que as confrontações sobre terras comuns não
atingiam grande expressão. E quando, em 1813, com o início da longa ten-
dência para a baixa dos preços, esses “notáveis” locais, produzindo para
mercado, são os mais duramente atingidos, ao contrário da agricultura de
subsistência. Vê-se, então, as pessoas “mais distintas” de algumas terras
aliarem-se a pequenos agricultores e até assumirem a sua liderança na opo-
sição às avaliações das produções para determinação dos quantitativos dos
encargos e na luta pelas isenções estipuladas pelo Alvará Régio de
11.4.1815. É significativo que, nos documentos emanados dos agricultores,
pela primeira vez os donatários apareçam pejorativamente designados
como “aristocratas”, marcando nítida clivagem com todos os outros que
não beneficiavam dos favores régios.
Tal aliança social em regiões de mais dura conflitualidade senhorial e
a utilização das câmaras como instrumento político dessa aliança no com-
bate ao velho regime são fatos que não poderão deixar de ser tomados em
conta para a compreensão das condições que favoreceram o desencadea-
mento do processo liberal vintista.
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CON CLUSÕES
Indaguemos, antes de tudo, da relação entre as tensões e contesta-
ção que vimos desenvolverem-se no espaço rural português após 1810 e o
desencadeamento da Revolução de 1820.48
Se adotássemos o critério, tão limitado, e de que tanto se abusou no
passado, de uma simples relação de causa e efeito entre alterações de pre-
ços e mudanças sociais e políticas, poderíamos ser tentados a sobrevalorizar
o fato de a Revolução liberal se inserir numa baixa de longa duração, que
se inicia em princípios do segundo decênio do século XIX e só amortece cer-
ca de 1825-1826; de que poderia sair a “explicação” da apatia das massas
rurais pobres (beneficiadas com o pão barato, sem que a sua agricultura de
subsistência sofresse com isso) e alguma maior agitação dos agricultores
produzindo para mercado, fortemente prejudicados com a conjuntura dos
preços e do comércio externo e interno.
Quando estudamos os movimentos agrários a partir do seu interior
– e não de simples curvas de índices econômicos – verificamos que eles se
relacionam tanto com dinâmicas gerais da sociedade, de que os preços são
uma das expressões, como com fatores próprios da sociedade rural, de di-
versas naturezas. O que nos coloca a questão de como o mundo rural se in-
sere no conjunto da sociedade.
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N OTA S
1. ANTT, CF, Consultas, L. 31,f. 67.
2. Manifesto das Contendas do Cabido da Sé de Coimbra com o Prior e Moradores do Couto de Vila
Nova de Monsarros (Anônimo). Lisboa: Impressão Régia, 1815.
3. Muito abundante documentação sobre este assunto consultamos em ANTT, MJ, vários maços
(exº. nº. 184 e 233) e CF, Consultas, diversos livros (exº. nº. 25).
4. Os que arrendavam a cobrança das multas sobre os que punham os seus gados a pastar, irregu-
larmente, em terras que não lhes pertenciam ou em períodos não-autorizados.
5. Balanças Gerais do Comércio do Reino de Portugal..., elaboradas por Maurício Teixeira de Mo-
rais (INE, AHMOP, e ANTT). Adrien Balbi, Essai Statistique, I, p. 152. NEVES, A. das Memória sobre
os Meios de Melhorar a Indústria Portuguesa... In: Obras Completas. Porto: Afrontamento, s.d. v.4,
p.125. E ALEXANDRE, V. Os Sentidos do Império. Questão Nacional e Questão Colonial na Crise do Antigo
Regime Português. Porto: Afrontamento, 1993. p.787-92.
6. ANTT, MNE, Cx. 899.
7. ANTT, MR, Governadores do Reino..., L. 316, f. 110, conta de 7.1.1815 e f. 125v.-126, conta de
21.2.1815 e L. 317, p.50-1, conta de 16.2.1816 e p.201-5, conta de 17.9.1816.
8. ANTT, CF, Consultas, L. 25, f. 12; MR, Governadores do Reino..., L. 316, f. 110 e L. 317, p.201-
205, contas, respectivamente, de 7.1.1815 e 17.10.1816.
9. ANTT, MR, Governadores do Reino..., L. 315, f. 269-273 v., conta de 15.1.1814.
10. ANTT, MR, M. 356, n.16.
11. ANTT, MR, Governadores do Reino..., L. 319, p.452-65, conta de 2.6.1820.
12. ANTT, MR, Governadores do Reino..., L. 319, p.126-8.
13. Ver, por exemplo, ANTT, DP – Corte..., M. 612, n. 9 e M. 613, n. 1.
14. Ver, por exemplo, o movimento de protesto das populações da área de Coimbra, em julho de
1814, que teve consideráveis repercussões (ANTT, DP – Beira, M. 367, n. 27 768).
15. ANTT, MR, M. 460.
16. Nesse ano, a renda líquida do Estado foi de 5.625.541$694 réis e, só com o Exército, os gastos
subiram a 5.971.334$122. Para o conhecimento da situação no Reino e das políticas de Lisboa e do
Rio de Janeiro neste período foi fundamental o estudo exaustivo que fizemos da correspondência
trocada entre o Governo de Lisboa e a Corte no Brasil entre 1808 e 1821: ANTT, MR, “Governado-
res do Reino. Registro de Cartas ao Príncipe Regente (1808 a 1821)”, LL. 314-321 e “Ordens do
Príncipe Regente para os Governadores do Reino (1809 a 1820)”, LL. 380-383.
17. Globalmente, a média anual dessas receitas passou de 9.299.335$185 no triênio de 1801-1803
para 6.444.718$274 réis em 1809-1811, com base em dados de um relatório redigido em 31.5.1812
e enviado para o Rio de Janeiro (ANTT, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Cx. 894, s.n.).
18. Admitiam ter, assim, a segurança da pontualidade com que lhes pagavam os juros e sem o en-
cargo de tributos à Fazenda.
19. Terá resultado da maior eficácia da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda (cuja compe-
tência e expediente passaram a ser regulados pelo Decreto de 8.10.1812), bem como do período de
paz e da recuperação econômica que se vive.
20. ANTT, CF, Consultas, L. 24, f. 70 v.
21. ANTT, DP - Beira, M. 209, nº. 13 637.
22. Considerando em conjunto as alfândegas e todos os mais rendimentos dos cofres de correntes,
do triênio de 1801-1803 para o de 1809-1811 há um abaixamento da receita anual média de
7.290.954$759 para 5.082.232$852.
23. ANTT, DP – Beira, M. 160, nº. 11 490.
24. A receita anual média, no triênio 1801-1803, fora de 121.605$697, ao passo que no de 1809-
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46. Informações recolhidas de um conjunto documental, até agora não estudado, constituído pe-
los relatos dos corregadores e juízes de fora ao intendente geral da Polícia sobre o estado do espíri-
to público no Reino em 1817 (ANTT, MR, M. 461); além de pasquins e panfletos e informações
contidas nos Livros de Secretarias da Intendência Geral da Polícia, de que utilizei uma parte na mi-
nha História da Imprensa Periódica Portuguesa, 2. ed., p.69-74 e 82-3.
47. No limitado espaço deste artigo, apenas poderíamos ficar às portas da Revolução. O estudo que
fizemos das contestações e lutas agrárias que se desenvolveram em Portugal nos primeiros anos do
liberalismo não cabia aqui.
48. Manifesta-se também, entre outras medidas, pela retomada das audiências régias semanais ao
povo.
49. Após a Revolução liberal, abrem-se condições mais favoráveis ao impulso do movimento peti-
cionário, que, em contraste com o caráter organizado dos “cahiers de doléances” franceses de 1789,
apresenta uma predominante espontaneidade. Este movimento peticionário do primeiro triênio
constitucional encontra-se na seqüência do anterior. Até o formulário usado ao dirigir-se às Cortes
liberais era idêntico ao das antigas petições ao monarca instruídas pelo Desembargo do Paço: “So-
berano Congresso”, “Augusto Congresso”, “Vossa Majestade”.
50. Colectivismo Agrário en España, 1.ed., 1899.
51. Ver, por exemplo, Coleção Geral e Curiosa de Todos os Documentos Oficiais e Históricos Publi-
cados por Ocasião da Regeneração de Portugal desde 24 de agosto, Lisboa, Tip. Rollandiana, 1820;
ANTT, IGP, Correspondências dos Corregedores das Comarcas; e, entre os vários livros, DULAC, A.
M. Vozes dos Leais Portugueses. Lisboa: Impressão Régia, 1820.
52. Sabe-se que muitos foram os párocos que assim procederam e tiveram assinalável influência no
esclarecimento das populações rurais. Porém, a maior parte do Reino teria ficado à margem da in-
fluência liberal dos clérigos, que foi em decréscimo do sul para o norte, sendo a maior resistência a
do clero regular.
53. Além do Algarve (onde foram abrangidas, pelo menos, todas as câmaras a barlavento de Faro),
temos notícias mais expressivas que nos chegaram de sessões efetuadas na região entre o Douro e
o Tejo, onde as terras foraleiras eram em muito maior número e se haviam desenrolado as mais
agrestes lutas anti-senhoriais. Algumas dessas sessões assumiram particular significado: por exem-
plo, em terras dominadas pela poderosa Ordem de Cristo (comarca de Tomar), nos domínios do não
menos poderoso mosteiro de Alcobaça ou na região de Feira-Aveiro e da Guarda, onde se localiza-
vam importantes e exigentes donatários eclesiásticos e laicos. Aí, foram vivamente mostrados os
sentimentos anti-senhoriais das populações rurais.
54. Desenvolvimento desta idéia em TENGARRINHA, J. Da Liberdade Mitificada à Liberdade Subver-
tida. Uma exploração no interior da repressão à imprensa periódica de 1820 a 1828. Lisboa: Coli-
bri, 1993. p.76-7.
218 Dela saiu o trabalho Movimentos Populares Agrários em Portugal. 1751-1825. Lisboa: Publicações
Europa-América, 1994. 2v. Entre as fontes em que me apoiei, em diversos núcleos de vários arqui-
vos, tiveram maior importância os tribunais superiores do Desembargo do Paço e do Concelho da
Fazenda, a Intendência Geral da Polícia e o Ministério do Reino nos Arquivos Nacionais-Torre do
Tombo.
217
capítu lo 12
D IVERSID A D E E CRESCIMEN TO
IN D USTRIA L
Miriam Halpern Pereira*
A sociedade portu gu esa oitocen tista, en tre 1820 e 1890, assen tava
n a atividade agrícola e n o com ércio extern o a ela ligada n u m a proporção
m aior qu e em qu alqu er ou tro período da su a h istória, a época m edieval
excetu ada. Perdida estava a prin cipal base colon ial da econ om ia portu gu e-
sa desde o sécu lo XVII, o Brasil, as possesões orien tais eram in sign ifican tes
h á m u ito, e as colôn ias african as dem orariam a adqu irir papel de relevo.
En tre dois im périos, a econ om ia portu gu esa teve qu e adaptar-se à n ova di-
visão in tern acion al de trabalh o. Algu n s setores da produ ção agrícola, com
destaqu e para a vitivin icu ltu ra, adqu iriram prim azia n o com ércio extern o,
em proporção n u n ca an teriorm en te atin gida. A atividade in du strial viu o
seu escoam en to regridir violen tam en te: o Brasil in depen den te com praria
vin h o ou azeite portu gu ês, ao lado do espan h ol, m as n ão tecidos de lin h o,
algodão, seda ou lã. Apen as ch apéu s, sapatos, ren das con tin u aram ain da,
em bora em qu an tidade redu zida, a en con trar clien tela do ou tro lado do
Atlân tico. A m em ória do m ercado colon ial perdido seria ain da perceptível
em testem u n h os n orten h os do fin al do sécu lo, tão forte fora a su a m arca
n a proto-in dú stria do n oroeste atlân tico.
Ao sair do rescaldo dos an os 1808-1820, a an tiga estru tu ra in du s-
trial en con trava-se destroçada, com o os in qu éritos dessa época o testem u -
n h am . Len tam en te prin cipia u m a recon versão. Revolu to o tem po das
gran des m an u fatu ras reais, das qu ais pou cas sobreviveriam , vai operar-se
u m a tran sform ação sem gran diosidade, tan to m ais discreta qu an to será
acom pan h ada n algu m as regiões por u m fen ôm en o de ru ralização. Um a
recon versão qu e apresen ta traços com u n s com a evolu ção n o n orte da Itá-
lia, estu dada por Dewerpe.1 Men or dim en são das u n idades in du striais,
m aior articu lação com o ritm o da atividade agrícola, seria u m a form a de
redu ção de cu stos, de m aior flexibilidade e adequ ação às flu tu ações da
procu ra qu e se situ ava a u m n ível in ferior. In ferior em qu an tidade, em
qu alidade. A recon versão, orien tada para o m ercado in tern o, far-se-á em
fu n ção da procu ra dos estratos da popu lação com m en or poder de com -
pra. É o segm en to do m ercado m en os atin gido pelos artefatos estran gei-
ros. Na região do Porto, foram os tecidos m ixtos de seda e algodão qu e aju -
daram a sair da crise len tam en te, n a Covilh ã foram os baetões. O cresci-
219
Miriam Halpern Pereira
m en to in du strial será con dicion ado pela con figu ração do m ercado in tern o,
en qu an to n ão su rgem oportu n idades de in tegração n o m ercado in tern a-
cion al. A estru tu ra social do m ercado oferece oportu n idades desigu ais aos
diferen tes setores da in dú stria. A elite abastada, o m elh or segm en to do
m ercado n o m u n do an terior à "sociedade de con su m o", privilegia a pro-
du ção de qu alidade, qu e m esm o n o setor básico da in dú stria, qu e é n esta
época o têxtil, ten de a ser de origem estran geira. A m atriz das relações co-
m erciais extern as delin eada desde o fim da prim eira década do sécu lo fa-
cilitaria esta preferên cia.2
Aprofu n dar a con figu ração qu e a estru tu ra in du strial veio a adqu i-
rir du ran te a segu n da m etade do sécu lo XIX n este con texto, foi o n osso
prin cipal objetivo n esta abordagem de algu n s aspectos do crescim en to in -
du strial. Desen volvim en to in du strial, crescim en to fabril e m ecan ização
tem sido con siderados im plicita ou explicitam en te fen ôm en os equ ivalen -
tes. Aqu i qu estion a-se esta iden tificação, m ostran do qu e o crescim en to
in du strial pode ter assu m ido form as diversas, tal com o a h istoriografia tem
vin do a apon tar em relação a ou tros países.3 A h ipótese de qu e se partiu
n esta abordagem sobre as form as do crescim en to in du strial portu gu ês oi-
tocen tista assen ta n a idéia de u m a possível diversidade de opções n o esfor-
ço dos in du striais portu gu eses n a adaptação à n ova divisão in tern acion al
do trabalh o n o sécu lo XIX-XX. Essa diversidade, em bora presen te desde o
estu do pion eiro de Arm an do de Castro e n ou tros estu dos sobre a in dú stria
oito e n ovecen tista, m erece ser objeto de u m a rein terpretação.
220
DIVERSIDADE E CRESCIMENTO INDUSTRIAL
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Miriam Halpern Pereira
a in dú stria em dom icílio, só n o Porto ela foi in clu ída de form a sign ificati-
va. Mesm o assim os trabalh adores em dom icílio n o con ju n to do território
n acion al som avam 45.095, 49,55% do total, ou seja qu ase igu alavam o
total da m ão-de-obra in serida n as fábricas e oficin as. Desse total, 30 m il
eram tecelões da cidade do Porto.
Apon tada a dom in ân cia das pequ en as u n idades in du striais e do tra-
balh o m an u al, a qu estão qu e se coloca é a da su a in terpretação. Ao lado
de artesãos in depen den tes, por vezes bem prósperos e n ada decaden tes,
coexistiam m ú ltiplas form as de articu lação en tre produ tor e m ercado e de
articu lação en tre fábrica, trabalh o oficin al e em dom icílio. São as partes do
In qu érito referen tes aos distritos do Porto, Castelo Bran co – estes dois ape-
n as cobertos pelo in qu érito direto, o m ais fidedign o – da Gu arda e algu -
m as zon as do Norte, qu e m elh or n os in form am a este respeito.
Lin h o e seda foram len tam en te sen do destron ados pelo pan o de al-
godão, de in ício m esclado com seda. Evolu ção m ais m arcada n a Região
Norte, on de as prim eiras fábricas de fiação fabril de in icativa portu en se se
situ aram n ão n a cidade, m as n a região em redor do Porto, on de o cu sto da
m ão-de-obra e da en ergia h idraú lica eram fatores favoráveis.11 Tin h am
com o fin alidade evitar a im portação de fio in glês. Com o acon teceu n ou -
tros países, a m ecan ização da fiação veio ao en con tro da expan são da te-
celagem m an u al, em dom icílio e em oficin as. Um crescim en to qu e im -
pression ou Oliveira Marreca em m eados do sécu lo: "A tecelagem do algo-
dão em teares m ovidos pelas forças an im adas tem m ostrado n o Porto u m a
progressão espan tosa". Tradu zira-se pelo au m en to da im portação de fio, só
em três an os, en tre 1845 e 1848, de 638.703 para 999.706 arráteis.12
Decorridos 30 an os, o fen ôm en o repete-se. Em 1881, o crescim en to da
tecelagem m an u al em relação à situ ação m eio sécu lo m ais cedo era en orm e,
passara-se de 2.500 trabalh adores em dom icilio n o têxtil portu en se em 1830,
para 30 m il, ou seja u m a alteração de 4,8% para 28,34% da popu lação u rba-
n a.13 Nú m eros qu e valem com o estim ativa, em bora possam h oje parecer-n os
excessivos, desabitu ados da dim en são do trabalh o m an u al, n a época n ão fo-
ram qu estion ados. No caso da in dú stria do Porto o papel desem pen h ado pe-
los tecelões é cen tral e in trigan te. On de se in tegravam e a qu e estru tu ra in -
du strial correspon diam os 30 m il tecelões em dom icílio n a cidade do Porto,
qu e con stam com o u m a u n idade n os qu adros-sín tese? Não foram in clu ídos
n as pequ en as in dú strias da cidade, m as n a popu lação fabril.14 Na realidade
são tecelões qu e trabalh am para fabrican tes do Porto e para u m a fábrica, a fá-
brica de Asn eiros. Só para esta fábrica trabalh avam à tarefa 229 teares – 126
222
DIVERSIDADE E CRESCIMENTO INDUSTRIAL
n a cidade, 103 n os con celh os lim ítrofes – e oitocen tos tecelões com pravam
fio da fábrica, ven den do-lh e depois o tecido, retribu in do parte em din h eiro,
parte em fio. Asn eiros era o prin cipal destin atário da tecelagem m an u al por-
tu en se, m as de m odo algu m o ú n ico. Um a dezen a de fabrican tes con trolavam
en tre cem a oitocen tos teares, calcu lan do-se qu e a m édia ron daria os du zen -
tos teares; ou tros qu atrocen tos a qu in h en tos fabrican tes con trolavam u m a
m édia de qu in ze a vin te teares cada u m . Todos estes fabrican tes eram an tigos
operários qu e tin h am en riqu ecido, ou seu s filh os, algu n s ter-se-iam m esm o
se torn ado "opu len tos". No total calcu lava-se em 10 m il o n ú m ero de teares,
o qu e con tan do u m m ín im o de três pessoas por tear – além do tecelão, a m u -
lh er dobadora ou fian deira, o rapaz qu e en ch e as can elas – perfaz 30 m il in -
divídu os.15 Mais de u m qu arto da popu lação portu en se, 28,34% , trabalh ava
n u m a ú n ica atividade in du strial, o qu e represen ta u m a forte especialização
da popu lação desta cidade, isto sem con tar a popu lação n ela en volvida n a
área ru ral en volven te. 16
A estru tu ra em presarial dos fabrican tes era m u ito variável, se algu n s
n em oficin a própria possu íam , ou tros tin h am pequ en as oficin as de tecela-
gem , bem m en os im portan tes qu e os teares qu e trabalh avam fora por su a
con ta, ou tros dispu n h am de tin tu rarias an exas, e fin alm en te h avia aqu eles
qu e tin h am pequ en as fábricas em su as próprias casas, in staladas n o fu n do
dos qu in tais. Estes pequ en os em presários n ão eram alh eios à tecn ologia do
vapor, dois u tilizavam m otores de vapor para dobar e fiar.
Esta exten sa rede têxtil, qu e produ zia baetas, cobertores, cotin s e
riscados tin tos, era muito mais considerável em número que as fiações e tecelagens
a vapor, afirm ava-se n o in qu érito. A ela se deve ain da ju n tar u m con ju n -
to de pequ en as oficin as qu e produ ziam colch as e toalh as. Situ adas n a área
u rban a, eram oficin as an exas das h abitações, on de se reu n ia u m n ú m ero
variável de teares, qu e podiam elevar-se a 28. Nas oficin as visitadas os tea-
res eram todos Jacqu ard. Tal com o n as an teriores, qu an do existia u m m o-
tor m ecân ico ele destin ava-se às dobadou ras, torcedeiras ou cardas. O fio
com a grossu ra n ecessária para este tipo de tecido n ão era im portado, só
era u tilizado fio n acion al.17
De tu do isto se con clu ía em 1881, n a visita às fábricas do distrito do
Porto: "A m an u fatu ra do algodão aparece com o u m a irradiação ou depen -
dên cia da gran de in dú stria. En tre n ós a preparação do algodão n asceu ca-
pitalista e pau talm en te".18 Estava-se dian te de u m a en orm e m assa de tra-
balh adores em dom icílio qu e produ ziam à peça para fabrican tes ou fábri-
cas. A organ ização da in dú stria da tecelagem do algodão, sobretu do n a
área u rban a do Porto assem elh ava-se à das "fábricas coletivas".19 A exten -
são do trabalh o em dom icílio apresen ta-se com o u m fen ôm en o qu e n ão se
deve opor às criações fabris, às qu ais pelo con trário se articu la.
E a este segundo e notável crescimento da tecelagem manual corres-
pondeu desta vez um verdadeiro boom da fiação mecânica organizada em
223
Miriam Halpern Pereira
fábricas entre 1874 e1880. Na época, esta criação fabril não ofuscou contu-
do o significado da extensão do trabalho manual como vimos,20 mas isso cu-
riosamente aconteceu posteriormente na historiografia. Das 44 fábricas al-
godoeiras existentes em 1881, dezesseis dedicavam-se à fiação, nove das
quais lhe associavam a tecelagem.21 No conjunto do país, as sete fábricas de
fiação e as nove que associam fiação e tecelagem concentram 66% da mão
de obra do setor têxtil fabril. Metade deste tipo de fábricas situavam- se no
distrito do Porto, onde se concentrava também, como já vimos, a tecelagem
oficinal e doméstica. Em grau variável, todas utilizavam a energia a vapor,
com a exceção de uma unidade de catorze operários em Belém.22
Destas dezesseis fábricas, dez tin h am m ais de cem operários, u m a
delas u ltrapassava qu in h en tos. O con traste com as qu in ze fábricas exclu -
sivam en te dedicadas à tecelagem – das qu ais seis estão sediadas n o distri-
to do Porto – é con siderável: oito em qu in ze têm m en os de cin qü en ta ope-
rários, e ou tras qu atro en tre cin qü en ta e cem . Apen as qu atro se servem
em pequ en a escala do vapor. Na tecelagem fabril a pequ en a em presa e o
trabalh o m an u al coin cidiam , com o n a in dú stria a dom icílio.
Situ ação diferen te era a da estam paria, con siderada o setor m ais
próspero do têxtil, du ran te gran de parte do sécu lo até 1881, e con cen tra-
da em Lisboa. Os in du striais deste ram o eram h erdeiros da an tiga fu n ção
dos m ercadores de tecidos, com o eles dedicavam -se ao acabam en to de te-
cidos qu e n ão produ ziam : os tecidos, qu e em tem pos idos vin h am da Ín -
dia, eram agora de proven iên cia in glesa.23A su a m en talidade refletia essa
proxim idade do m eio com ercial.24 Eram treze as u n idades de estam paria,
de dim en são m édia e pequ en a, cin co com qu an tidade de operários abaixo
de cin qü en ta, três en tre cin qü en ta e cem . Mas só três n ão u tilizavam a
en ergia a vapor e o setor era con siderado m u ito bem apetrech ado de u m
pon to de vista técn ico. Era a estam paria qu e colocava Lisboa ligeiram en te
acim a do Porto n a ocu pação de m ão-de-obra fabril têxtil (39% e 32% ),
qu e n o con ju n to totalizava apen as 5.517 operários. Con tu do a in clu são da
m ão-de-obra trabalh an do em oficin as e em dom icílio desequ ilibraria m ar-
cadam en te a relação en tre as du as zon as em sen tido in verso. Além dos 30
m il tecelões a dom icílio portu en ses, qu ase todas as oficin as de algodão e li-
n h o se situ avam n o Porto.25
A produ ção têxtil destin ada a estratos sociais m édios e popu lares
en volvia além da região do Porto, diferen tes pólos de produ ção n a área ru -
ral dos distritos de Braga, Vian a e Aveiro, don de aflu íam cotin s e riscados
para abastecer o distrito do Porto, n o fin al dos an os 80.26 Esses tecidos de
baixa qu alidade eram com petitivos e capaz de ven cer a con corrên cia fabril.
Em m eados do sécu lo, Oliveira Marreca apon tara-o: "Estes produ tos obs-
cu ros do pobre cu ja produ ção se n ão regu la pela m edida do capital, priva-
dos com o o foram do au xílio dos gran des m otores, e do ben efício da bara-
224
DIVERSIDADE E CRESCIMENTO INDUSTRIAL
teza qu e estes con ferem a qu alqu er fabricação … com todas as con dições
de in ferioridade ven deram -se, ven dem -se a u m preço m ais baixo qu e o
dos produ tos, ou an álogos, ou sim ilares qu e saiem das gran des fábricas".27
Decorridos 30 an os, a con corrên cia n o m ercado in tern o da in dú stria m a-
n u al portu en se, articu lada ou n ão à fábrica, apresen tava-se com o tem ível
àqu elas fábricas do su l qu e n ão dispu n h am do seu apoio. A Com pan h ia de
Torres Novas declarava qu e praticava preços feitos para esm agar essa con -
corrên cia, m esm o com preju ízo.28
A com petitividade deste setor in du strial provin h a em prim eiro lu -
gar do baixo cu sto da produ ção, desta produ ção caseira ou em pequ en as
oficin as, levada a cabo por u m a popu lação operária qu e sobrevivia n u m
lim iar de m iséria, qu e im pression ou os in qu iridores tan to aqu i com o n ou -
tras zon as da in dú stria têxtil. Dispu n h a além disso de proteção pau tal con -
siderada su ficien te em 1881: n ão se im portavam cotin s e riscados, su bm e-
tidos a direitos proibitivos, os tecidos de pêlo e os alcoch oados tam pou co,
pois os direitos sobre o peso desin cen tivavam -n o. Não im pedia con tu do
con siderável con corrên cia do con traban do.29 A pequ en a e m édia in dú stria
algodoeira vivia n u m equ ilíbrio qu e u m a proteção am pla e diversificada ao
setor, solicitada pelas fábricas de fiação e tecelagem rom peria. Seria por
isso desacon selh ada pelos relatores da su bcom issão de in qu érito do Porto,
qu e con sideravam a fábrica m aior perigo para esta con siderável popu lação
in du strial qu e a con corrên cia estran geira. No fin al da década este equ ilí-
brio parecia ter-se qu ebrado com o aparecim en to de n ovos con corren tes,
tecidos de algodão cardados de origem alem ã, m u ito leves, pagan do por
isso m en os direitos, riscados e cotin s fran ceses, ben eficiados pelo recen te
tratado, e ain da tecidos espan h óis (provavelm en te catalães), em bora n ão
seja especificado se am bos setores, fabril e pequ en a in dú stria, estariam
sen do afetados.30 No in ício do sécu lo XX, pelo m en os n a região de Braga,
depois de u m prim eiro em bate a in dú stria m an u al se recu perara e vivia
n u m "relativo desafogo", e isso se devia a "seu s produ tos de con textu ra
sim ples, m as forte, próprios para o gran de con su m o das popu lações ru rais,
poderem con correr em preço com os de fabricação m ecân ica". Tam bém o
geren te de u m a das fábricas "m odern as" de Gu im arães in form ava qu e o
setor m an u al da fábrica produ zia para o abastecim en to de "tecidos para as
classes pobres".31
A segm en tação social do m ercado in tern o fazia-se a dois n íveis. A
presen ça de m ercadorias estran geiras, qu e m ereciam a preferên cia da eli-
te abastada, era estim u lada pelo m ecan ism o pau tal de direitos em virtu de
do peso e n ão ad valorem – os tecidos de qu alidade eram leves, pagavam
m en os qu e os tecidos grosseiros. Ou tro fator de preferên cia, m ais su til e
difícil de ven cer, era o poder da m oda. Um a qu estão qu e con vin h a con h e-
cer era a relação en tre o setor têxtil e a in dú stria da con fecção. Esta podia
225
Miriam Halpern Pereira
con tribu ir para orien tar as preferên cias da clien tela, n u m a época em qu e
a pu blicidade já tin h a algu m a in cidên cia n o m ercado. Maior in cidên cia ti-
n h a, con tu do, ou tro n ível de segm en tação do m ercado qu e derivava da
própria estru tu ra da in dú stria. As ten tativas de pen etrar n o estrato eleva-
do do m ercado in tern o por parte dos in du striais da fiação e da tecelagem
esbarravam n a privilegiada situ ação da in dú stria da estam paria, qu e colo-
cava tecidos de m elh or qu alidade n o m ercado, tecidos im portados qu e
apen as estam pava.
Desde qu e a in dú stria algodoeira n ão se restrin gisse a ficar con fin a-
da às qu alidades in feriores de tecidos, en con trava, com o u m dos prin cipais
gargalos de estran gu lam en to, a proteção preferen cial da estam paria, du -
plam en te favorecida pela con ju gação de elevados direitos sobre os tecidos
tin tos e estam pados e direitos baixos sobre os tecidos lisos, cru s e bran cos.
Estes tipos de tecido con stitu íam o essen cial da im portação de tecidos:
77% en tre 1875 e 1879 e con tin u aram a represen tar a parcela m ais con -
siderável até ao fin al do sécu lo. Lim itava-se assim a diversificação tan to da
fiação como da tecelagem.32 Um mecanismo alfandegário complexo associa-
va a proteção da estam paria orien tada para o estrato social m ais elevado
do m ercado, qu e agregava u m gru po pequ en o de in du striais, à proteção
do setor m an u al da tecelagem de cotin s e riscados para as classes m en os
favorecidas, proteção in direta através do peso do têxtil. Este m ecan ism o
qu e pen alizava a in ovação n a tecelagem e n a fiação tin h a sen tido con ser-
vador. Tin h a tam bém a van tagem , do pon to de vista das relações com er-
ciais extern as, de n ão ter gran de in cidên cia n as im portações: é pou co pro-
vável qu e algu m a vez se tivessem im portado tecidos grosseiros em qu an -
tidade sign ificativa. As alterações pau tais do fin al da década de 1880 e a
su bseqü en te criação de u m m ercado preferen cial n as colôn ias african as
abriram u m n ovo can al de escoam en to qu e m elh orou u m pou co a situ a-
ção, apesar de se exportarem essen cialm en te tecidos de baixa qu alidade.33
Len tam en te, o crescim en to da in dú stria algodoeira fora-se refletin -
do n a com posição das en tradas de algodão, ten do au m en tado a parcela do
algodão em ram a n as im portações globais de algodão e dim in u ído em pro-
porção relativa os tecidos, qu e represen tavam 75% deste gru po em 1875-
1879. É a partir de 1890-1894 qu e tem lu gar u m a m u dan ça qu alitativa, a
qu ota-parte do algodão em ram a im portado passou a ser su perior à en tra-
da de tecidos – 47% e 43% – in ician do-se u m a in versão qu e prossegu ia às
vésperas da Prim eira Gu erra Mu n dial. A parcela de fio im portado ao lon -
go de 34 an os (1865-1899), m an têm -se qu an titativam en te pou co im por-
tan te, en tre 4% -7% .34 Na origem das qu eixas dos in du striais, estaria o tipo
de fio im portado e o seu preço, n ão tan to a qu an tidade. A dom in ân cia do
setor têxtil vai refletir-se n a m aqu in aria in du strial im portada: en tre 1888
e 1897, 46% destin ava-se a ele, qu ase toda destin ada à fiação e à tecela-
226
DIVERSIDADE E CRESCIMENTO INDUSTRIAL
O S LA N IFÍCIOS
A in dú stria de lan ifícios teve u m a n otável expan são após os an os
40, prin cipalm en te em dois dos cen tros tradicion alm en te m ais im portan -
tes, a Covilh ã e os con celh os de Gou veia e Seia, n a zon a da serra da Estre-
la. A m aioria das em presas existen tes n a Covilh ã em 1881 tin h a qu atro
décadas de existên cia, m ais de m etade tin h a alterado pelo m en os a den o-
m in ação da em presa in icial, sin al de forte m obilidade. Apen as oito em pre-
sas tin h am sido fu n dadas an tes de1839: u m a datava de 1765, J. Gom es
Barata, ou tra de 1784, J. Men des Veiga, J. Silva Ran ito de 1800, das ou -
tras con sta só a in dicação su m ária de "an tiga". Em 1881, detin h am a pri-
m azia do m ercado n acion al de lan ifícios.
227
Miriam Halpern Pereira
228
DIVERSIDADE E CRESCIMENTO INDUSTRIAL
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Miriam Halpern Pereira
& Irm ão – qu e con tin u ava a fu n cion ar n o edifício da an tiga real fábrica, de
qu e fora ren deiro – on de n ão h avia fiação m ecân ica.
Um traço m arcan te das m édias e pequ en as em presas de cardar e fiar
– em presas com u m n ú m ero de operários en tre cin co e 39 – era o grau de
m ecan ização con siderável. Todas praticavam fiação m ecân ica – detin h am
57% dos fu sos do parqu e in du strial – e apen as du as em dezesseis lh e agre-
gavam fiação m an u al; das 28 cardas con tín u as existen tes n o con celh o,
doze (ou catorze, se se ju n tar du as em presas qu e estavam a m on tá-las) si-
tu avam -se n o seu âm bito; cin co tin h am perch eas m ecân icas, m ais qu e n as
prin cipais fábricas. Na tecelagem , a situ ação era diferen te: n ão h avia tea-
res m ecân icos e os 37 Jacqu ard eram qu ase todos propriedade das fábricas
com pletas, apen as a fábrica (in com pleta) Paiva & Rogeiro de cardar e fiar
qu e tam bém tecia, u tilizava qu atro teares deste tipo. Dos teares m an u ais,
39% estavam n as prin cipais oito fábricas, du as delas con cen travam cada
u m a cin co dezen as, m as a m aioria dos teares m an u ais en con trava-se dis-
persa, poden do as oficin as reu n ir en tre três e n ove u ten sílios.
A isto h á ain da qu e acrescen tar a m alcon h ecida in dú stria em dom i-
cílio, era provavelm en te o caso dos 218 teares sediados n a Covilh ã, Torto-
zen do, Teixoso e ou tras fregu esias, de qu e n em se in dica o proprietário
n em o n ú m ero de braços. Máqu in a a vapor só existia n a fábrica Marqu es
de Paiva e servia para acion ar seis pisões cilín dricos, u ten sílio de qu e pou -
cos dispu n h am , sen do ain da dom in an te o u so das m aceiras de pau .50
A con cen tração era em 1881 m en or qu e em 1863 em todos os as-
pectos: as prin cipais on ze em presas u tilizavam 57,4% da m ão-de-obra, u m
pou co m en os qu e em 1863, e apen as 29,3% dos fu sos e 42,2% dos teares
m an u ais com u n s. Das 38 pequ en as em presas, 21 são oficin as de cardar e
fiar qu e têm fiação m ecân ica .51No gru po in diferen ciado de 55 fábricas pe-
qu en as de tecelagem , em bora o trabalh o seja todo m an u al, u tilizavam -se
12 jacqu ard. A m ecan ização da tecelagem len ta e m in oritária, foi sobretu -
do efetu ada n o âm bito das prin cipais on ze em presas, n elas se aplicavam
além de 78% dos Jacqu ard m an u ais, 84% dos teares m ecân icos. A m ão-
de-obra fem in in a e in fan til estava presen te de form a sign ificativa n as prin -
cipais fábricas, e n ão só n a pequ en a in dú stria.52
Mas o que é particularmente específico no tecido industrial covilha-
nense é o caráter segmentado da produção, as fábricas incompletas eram ofi-
cinas que apenas desempenhavam uma ou duas fases da produção. Existiam
em 1863: quinze fábricas de cardar e fiar, algumas também tinham pisões e
tesouras de correr; doze estabelecimentos de pisões, alguns com tinturaria;
nove tinturarias; quatro de ultimação e de acabamento; uma fábrica de pape-
lão preparada para prensar as fazendas, um laboratório de ácido nítrico.
Acrescente-se os 218 teares instalados em "edifícios exclusivamente destina-
dos à tecelagem", e em casas de fabricantes e tecelões na Covilhã e arredores.53
A segm en tação das fases da produ ção em u n idades in du striais dife-
ren ciadas é u m a característica do tecido in du strial qu e determ in a u m a m u l-
230
DIVERSIDADE E CRESCIMENTO INDUSTRIAL
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Miriam Halpern Pereira
CON CLUSÃ O
Na passagem para o século XX estava-se bem longe da situação vivida
nos anos 1808-1820. Mas a atividade industrial conservava ainda o seu papel
complementar em relação à agricultura, como se idealizara em meados do sé-
culo. "Olhou(o jurado) as fábricas como continuação ou complemento do la-
boratório dos campos". Concebiam-se a agricultura e a indústria como os dois
232
DIVERSIDADE E CRESCIMENTO INDUSTRIAL
233
Miriam Halpern Pereira
Fábricas/total 7 9 15 13 44
Lisboa 1 2 4(a) 13 20
Porto 5 3 5 13
Lisboa, distrito 1 - 1
Ind. domicílio 1 23 2 26
(c)9
Porto 1 20 1 22
Obs. qu adro: Fon te: In q. In d.1881,qu adro n .15. Con sideraram -se fábricas todas as u n idades
com m ais de 10 operários qu e n ão tivessem m en ção de oficin a ou in dú stria em dom icílio.
a) Um a fábrica agrega u m a seção de tin tu raria; b) As ou tras qu atro oficin as situ avam -se em
Ton dela, distrito de Viseu . Não se con h ece o n ú m ero de operários de sessen ta oficin as, n em
o valor de produ ção de seten ta; c) o in qu érito in dica as localidades em qu e existe em in dú s-
tria em dom icílio, m as n ão o n ú m ero de u n idades, n em sem pre in dica o n ú m ero de traba-
lh adores. Só se con h ece o n ú m ero de operários em cin co cen tros de produ ção.
234
DIVERSIDADE E CRESCIMENTO INDUSTRIAL
10-49 1 1 8 5
50-100 3 1 4 3
101-200 2 1 3 5
201-300 1 2 - -
301-500 - 3 - -
+500 1
Total 7 9 15 13
235
Miriam Halpern Pereira
* No quadro-síntese por tipos de unidades industriais constam 151 fábricas e nove oficinas
(Inq. Ind. 1881, Resumo, p.86-7). Não sendo explicitado o critério de classificação utilizado, e
dado que, como se pode ver pelos quadros anteriores, só nos distritos de Castelo Branco e no
da Guarda, o número de oficinas é muito mais elevado, não se considerou esta classificação
justificada e manteve-se a classificação do quadro-síntese do setor de lanifícios (ibidem, n.16).
** In clu ídas as fábricas de Aveiro, Bragan ça, Faro, Portalegre, San tarém e Viseu , qu e n ão se
explicitam aqu i.
236
DIVERSIDADE E CRESCIMENTO INDUSTRIAL
N OTA S
1. NEVES, J. A. das. Variedades sobre os objetos relativos às artes, com ércio e m an u fatu ras.
In : Obras Completas. v.III, t.I, p.239-70; PEDREIRA, J. Estrutura industrial e comércio colonial:
Portu gal e Brasil, 1780-1830. cap.II, p.129, 137; NUNO, M. Mercado e privilégios na indústria
portuguesa, 1850-1834, ruralização na Covilhã. p.528-532 (Mim eogr.). DEWERPE, A. L' industrie
aux champs. Essai sur la proto-industrialisation en Italie du Nord (1800-1880), 1985; crítica in teres-
san te ao m odelo da proto-in du strialização do pon to de vista dem ográfico, salien tan do qu e n o
caso do n orte de Itália se caracteriza por u m crescim en to m oderado.
2. PEREIRA, M. H. Atitu des políticas e relações econ ôm icas in tern acion ais n a 1ª. m etade do
sécu lo dezan ove em Portu gal. In : Das Revoluções liberais ao Estado Novo, 1994
3. RAPHAEL S. Workshop of the world: steam power an d h an d tech n ology in m id - victorian
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se (1848-1914); COTTEREAU, A. Th e distin ctiven ess of workin g-class cu ltu res in Fran ce,
1848-1890. In : KATZNELSON, ZOLBERG. Working-class formation. SCRANTON, P. Proprietary
Capitalism : th e Textile Man u factu rer at Ph iladelph ia, 1983, in ZEITLIN, J. Les voies m u ltiples
de l'in du strialisation . In : Mouvement Social, 1985. p.133. DEWERPE, A. L' industrie aux champs.
Essai su r la proto-in du strialisation en Italie du Nord (1800-1880), 1985.
4. Au tores acim a citados, n om eadam en te Sam u el, Joyce e Cottereau , op. cit.; LEQUIN, Y. Le
m étier. In : NORIA, P. Lieux de la mémoire, e DEWERPE, A. Le monde du travail en France (1800-
1950).
5. Nem sem pre se pu blicaram os resu ltados in tegrais dos in qu éritos, a docu m en tação do in -
qu érito à tecelagem do Porto de 1898 n u n ca ch egou a ser editado de form a com pleta, para
n ão referir os in qu éritos an teriores a 1860.
6. Abu sava-se das palavras fábrica e fabricante n as repartições de fazen da, com o se observava
n o in qu érito, a propósito do An u ario da Direção-Geral das con tribu ições diretas, In q. In d.
1881, II, III, p.57. Acerca da im precisão do con ceito de fábrica n o in ício do sécu lo, ver PE-
DREIRA, J, op. cit., p.178-182.
7. Relatório da su bcom issão en carregada da visita aos estabelecim en tos in du striais, In qu éri-
to In du strial 1881, II-II, Direto.
8. In qu érito Dir. Visita, II-II, p.35-37
9. Ver n ota 45. Há ain da a con siderar as om issões de fábricas, m as em bora n ão ten h am sido
in clu ídas algu m as em presas im portan tes, n o con ju n to essas lacu n as n ão alteram sign ificati-
vam en te a pon deração das fábricas n o con ju n to.
10. In qu érito…, In trodu ção ao Resu m o, p.XXX-V: explica-se esta situ ação e in dica-se qu e
esta correção n ão foi efetu ada n os qu adros-sín tese (qu adro sem correção, p.86-7) m as pu bli-
ca-se a desagregação das oficin as, o qu e m e perm itiu fazer a correção setor a setor. Feita a
correção, o con ju n to das oficin as passa de 907 para 2.515 u n idades.
11. CORDEIRO, J. L. Indústria e energia na bacia do Ave 1845-1959. Braga, 1993 p.107-10. Dis-
sertação (Mestrado, Mim eogr.).
12. Relatório Geral do Ju rado in Exposição da Indústria 1849, Sociedade Prom otora da In dú s-
tria Nacion al, p.6 atribu ído a Oliveira Marreca, m as assin ado con ju n tam en te por José Maria
Gran de, Hen riqu e Nu n es Cardoso, Fran zin i, João An drade Corvo.
13. In qu érito de 1830, Ju n ta do Com ércio, em SERRÃO, J. Temas oitocentistas. v.I p.142-5.,
JUSTINO, D. A formação do espaço econômico nacional. v.I, p.98.
14. In q. In du str, Dir., Parte II, L.II, relatório da Com issão Cen tral do Distrito do Porto, qu a-
dros p. 272-5 e p. 279-80.
237
Miriam Halpern Pereira
15. Esta estim ativa n ão con diz com os dados do In qu érito In du strial de 1890, m u ito in ferio-
res, IV, p. 486-7, 508-509, 615-619; recorde-se qu e se trata de in qu érito in dreto. Já n o Inqué-
rito à Tecelagem do Porto, 1898, p.8-9, aceita-se a estim ativa de 10 m il teares, e eleva-se ain da
m ais o cálcu lo do n ú m ero de pessoas correspon den tes, qu atro em m édia por tear, ou seja,
u m total de 40 m il.
No m esm o período, com pare-se com Lyon , u m cen tro de forte especialização in du strial e com
organ ização da produ ção do tipo de fábrica coletiva: existiam 35 m il teares de seda, m ais do
dobro qu e n o fim do An tigo Regim e, qu an do eram calcu lados em 14 m il (LEQUIN, Y. Les ou-
vriers de la région lyonnaise (1848-1914). v.I, p.65-66, GARDEN, M. Lyon et les lyonnais au XVIII.e
siècle. p.209), parcela ain da pequ en a da expan são da segu n da m etade do sécu lo XIX, qu e fora
particu larm en te im portan te n a região em redor de Lyon , on de o n ú m ero de teares passou de
60 m il a 120 m il en tre 1850 e 1872.
16. In qu érito de 1889, já referido, p.8-9. PERY, G. refere 277 pequ en as fábricas de tecelagem
de algodão e três de fiação n o distrito do Porto, em Geografia e estatística geral de Portugal e co-
lónias, 1875, p.147.
17. In qu érito In d. 1881, visita às fabricas do Porto, p.138 a 151.
18. Op. cit., p.43-44
19. Con ceito u tilizado n a época por Leplay, retom ado por Yves Lequ in para a in dú stria oito-
cen tista da seda em Lyon e Alain Cottereau em term os m ais gen éricos.
20. Ver n .18.
21. Nesta con tagem , in clu íram -se todas as u n idades com dez ou m ais operários, critério qu e
pelo m en os tem a van tagem de ser u n iform e. O n ú m ero de fábricas é portan to su perior ao
in dicado n os qu adros-sín tese do In q. 1881, qu e é de trin ta.
22. Cerca de m etade dos fu sos ativos fu n cion avam n o Porto, m as o n ú m ero de teares m ecâ-
n icos era ligeiram en te su perior em Lisboa, on de os teares m an u ais recen seados eram in sig-
n ifican tes, o qu e já sabem os n ão ser o caso n o Porto.
23. Acerca dos m ercadores de tecidos e a in dú stria da estam paria n o in ício do sécu lo XIX, ver:
PEDREIRA, J. Indústria e negócio: a estam paria da região de Lisboa, 1780-880. A.S. p.112-113,
1991; Estrutura industrial e mercado colonial (1780-1830), 1994. Acerca do con flito de in teres-
ses en tre m ercadores e in du striais deste setor n o m esm o período, PEREIRA, M. H. Negocian-
tes, fabricantes e artesãos entre velhas e novas instituições, 1992.
24. PEREIRA, M. H. Portugal e a partilha do mercado mundial nos séculos XIX e XX , 1976, reedi-
tado com aditam en tos em Das Revoluções liberais ao Estado Novo, 1994. cap.IV, p.159-60.
25. Oficin as de algodão e lin h o (tecelagem , tin tu raria, fitas e passam an aria): distritos de Lis-
boa -1, Porto - 142, Viseu - 4, em Ton dela. No distrito do Porto, 58 oficin as localizavam -se
n o con celh o do Porto, 51 n o con celh o de Pen afiel, as restan tes disperavam -se por vários con -
celh os. Dados extraídos do In q. In d. 1881, Resu m o, qu adro 15, e corrigidos pela leitu ra do
in qu érito.
26. Inquérito à tecelagem no Porto, 1889, p.7.
27. Relat. do Ju rado, op. cit., p.12-3, situ ação qu e é atribu ida à in existên cia de ju ro, en qu an -
to a fábrica paga ju ro pelo crédito, ao qu e se segu e u m a apologia de u m a taxa do ju ro re-
du zida para a in dú stria.
28. In q. In d. 1881, I, p.82. Aban don ado o fabrico de lon as por esta Com pan h ia, em razão da
direitos desfavoráveis, h aviam passado a produ zir brin s, passadeiras de ju ta, pan o de lin h o e
toalh as adasm acadas. Neste dom ín io a con corrên cia estran geira n ão en trava. Mas en con tra-
vam a con corrên cia portu en se.
29. Relatório da su bcom issão do distrito do Porto, In q. In d. 1881. Dir, II, p.151-2
30. Inquérito à tecelagem do Porto, 1889, p. 8-9.
31. GIRALDES, M. M. N. Mon ografia sobre a in dú stria de lin h o n o distrito de Braga, 1913.
p.106 e 102. In : CORDEIRO, J. L. Indústria e energia no vale do Ave 1845-1959. Braga, 1993.
p.87-8 (Mim eogr.).
238
DIVERSIDADE E CRESCIMENTO INDUSTRIAL
32. Cálcu los feitos por m im com base n as estatísticas do com ércio extern o. Acerca de toda
esta com plexa situ ação pau tal, e a in existên cia de su ficen te diferen ciação de direitos, ver a
excelen te m em ória sobre a in dú stria do algodão oferecida à com issão cen tral do In qu érito de
1881, pelo proprietário da fábrica de algodão torcido e tin to H. P. Taveira, Porto, In q. In d.
1881, v.I, p.110 e ss., e o depoim en to do diretor da Com pan h ia de Torres Novas, p.86-89. Ver
tb. PEREIRA, M. H. Portu gal e a partilh a do m ercado m u n dial. In : Das Revoluções liberais …
p.159-160.
33. Filom en a Môn ica m ostra bem os efeitos do "boom " african o e seu s lim ites m edian te a
an álise da evolu ção da Real Fábrica de Tom ar, Os tecelões de algodão. In : Artesãos e operários,
p.163-4.
34. Estatísticas do com ércio extern o, dados organ izados por m im ; referem -se aqu i valores,
n ão qu an tidades.
35. SIMÕES, O. Escorço dalgu n s aspectos da in dú stria fabril portu gu esa. In : BTI, n .83, p.20
ss. Neste en saio Oliveira Sim ões forn ece dados acerca da situ ação com parativa da produ tivi-
dade e igu alm en te da alim en tação, salários, con dições de vida do operário e form ação técn i-
ca em Portu gal e n ou tros países eu ropeu s, fatores qu e n o seu con ju n to explicariam a baixa
produ tividade. Dados acerca da produ tividade com parada n a in dú stria portu gu esa e eu ropéia
on de são relacion ados u n icam en te com a edu cação e a form ação técn ica em REIS, J. A in -
du strialização n u m país de desen volvim en to len to e tardio. In : O atraso econômico português:
1850-1930. Acerca da evolu ção do con su m o alim en tar, ver, PEREIRA, M. H. Níveis de con -
su m o e n íveis de vida em Portu gal (1874-1922). In : Das Revoluções liberais ao Estado Novo,1994
36. Dados do In qu érito In du strial de 1917 em MEDEIROS, F. A sociedade e a economia portu-
guesa nas origens do salazarismo, 1978. p.75-77. In felizm en te n ão foi efetu ada u m a an álise por
ram os in du striais e por zon as, qu e perm ita com parar m ais aprofu n dadam en te com a in for-
m ação de 1881 tratada acim a.
37. PERDIGÃO, J. A. A in dú stria em Portu gal. In : Arquivos da Universidade de Lisboa, 1916.
v.III, p.115.
38. Cálcu los efetu ados por m im com base n as estatísticas de Mitch ell, 1978.
39. Relatório da com issão en carregada de con h ecer o estado da in dú stria agrícola, com ercial
e fabril do con celh o da Covilh ã, 6 de dezem bro de 1839, idem con celh o de Ceia, 18 de Mar-
ço de 1840 in Correspondência do M. Reino com a Câmara dos Pares, secção VI., Cx. 2, A.H.P.
40. SILVEIRA, F. da As fábricas da Covilhã, 1863. p.10 e 35. Acrescen taria qu e u m a fábrica, de
Marqu es de Paiva tin h a seis pisões cilín dricos m ovidos a vapor. Con su lte-se tam bém PEREI-
RA, J. M. E. A Covilh ã e a in dú stria dos lan ifícios. Ocidente, n .699, 1897, reeditado em A in-
dústria portuguesa, 1979; baseia-se fu n dam en talm en te em Fradesso da Silveira, m as con têm
algu n s dados ú teis para a situ ação posterior.
41. In q. In d. 1881. III,p.205
42. Acerca dos recursos energéticos: em 1860, SILVEIRA, F., op. cit., p.101-2, 107, 1881,. Nos
meses de verão, os meses da "vela", chegava-se a fazer 6 horas de trabalho noturno. Calcula-
ra-se em 1881 que mesmo a estrada de ferro não faria baixar o preço do carvão o suficiente,
e assim aconteceu: ainda em 1933 o preço da tonelada de carvão na Covilhã era o quadruplo
do custo em Inglaterra (GALVÃO, J. A. L. In: Iº CONGRESSO INDÚSTRIA PORTUGUESA,
1933. In: CORDEIRO, J. L. op. cit., p.54). Mais flagrante no caso da Covilhã, em razão do pre-
ço do carvão, os limites dos recursos hidraúlicos afetavam também alguns centros algodoeiros,
como a bacia do Ave, ver CORDEIRO, J. L., op. cit., p.89 e a propósito de cada fábrica. Quiçá
também tenha sido um dos limites da mecanização da tecelagem nesta região.
43. Nº de h abitan tes da cidade da Covilh ã:
1864 1878 1890
9.022 10.809 17.562
A população da Covilhã (quatro freguesias) aumentou 62,47% entre 1878 e 1890, enquanto Lisboa
nesse período apenas aumenta 28,4% . Para a população industrial, recenseamentos de 1890 e 1911:
concelho da Covilhã (maior que a cidade, para a qual não existe esta informação) 43% e 39% .
239
Miriam Halpern Pereira
44. Para torn ar com parável a con tagem de fábricas aqu i e n o resto do país, n ão m e pareceu
correto con tar só as fábricas com pletas. No algodão tam bém existiam fábricas in com pletas, só
de estam paria, de tecelagem ou de fiação. O m otivo porqu e n ão se lh es daria essa design a-
ção pren de-se ao fato de elas n ão con stitu írem u m elo de u m a cadeia produ tiva com o aqu i.
Pareceu -m e preferível m an ter a design ação de origem , qu e correspon de a u m a diferen ça de
estru tu ra.
45. In qu érito de 1839/ 1840, op.cit.
46. MADUREIRA, N. Mercado e privilégios na indústria portuguesa, capítu lo sobre a Covilh ã,
p.498.
47. No total de operários estão in clu ídos os m estres e os escritu rários, qu e, on de existem , ra-
ram en te passam da u n idade.
48. A oficin a de Sebastião Rato de pisoam en to, tesou ra e tin te em 1863, com três operários,
tem em 1881 tam bém teares, fiação e oiten ta operários. A fábrica de José Men des Veiga, an -
tigo m ercador, u m a das m ais an tigas, data de 1784 passa de 92 a qu atrocen tos operários.
(MADUREIRA, N. op. cit., p.484; SILVEIRA, F. In dagações…, p.112-3, n .30 ; In q. In d. 1881,
p.186, n .6 e 8). Ou tras ligações parecem possíveis, m as seria n ecessário ter elem en tos com -
plem en tares; advin h am -se bastan tes m u dan ças de n om e, resu ltan tes de prováveis agrega-
ções de firm as an teriores.
49. SILVEIRA, F., op. cit., qu adro à p.117.
50. Ibidem , m apas 112 e ss.
51. Das restan tes oficin as, dez são tin tu rarias, u m a de apisoar, seis são de tecer.
52. 1881: Total das m u lh eres n a in dú stria: 39,4% ,(ligeiram en te m en os qu e em 1863, 41% ).
Nas prin cipais on ze em presas em 1881: 41,5% . O trabalh o fem in in o n a gran de in dú stria ti-
n h a tradição an tiga, fora u m exclu sivo da Real Fábrica. (MADUREIRA, N., op. cit., p.501).
Men ores: em 1863, m ascu lin os 315, fem in in os 26; em 1890, m ascu lin os 1.202, fem in in os
272. Ver, tam bém , qu adro 1. Com o já acon tecia an teriorm en te n esta região, a u tlização de
m en ores afetava sobretu do a popu lação m ascu lin a, ver MADUREIRA, N., op. cit., p.498.
53. Ibidem , p.88-92. A afirm ação de David Ju stin o de qu e a pequ en a produ ção tin h a pou ca
im portân cia sobretu do por se dedicar a fases parcelares da produ ção, m ostra a su a in com -
pren são peran te a organ ização específica da Covilh ã. (v.I, p.102) .
54. A form a com o o forn ecim en to da prin cipal m atéria-prim a, a lã, estava organ izada era ou -
tro dos problem as graves da in dú stria da Covilh ã e da região serran a. A in existên cia de for-
n ecim en to regu lar obrigava a com pras an u ais n as gran des feiras, o qu e im plicava ou u m
gran de em pate de capital ou o recu rso ao crédito com ju ro elevado. SILVEIRA, F., op. cit.,
p.48; In q. In d. 1881, III. Visita ao distrito da Gu arda, p.84-151. O abastecim en to de lã era
efetu ado n os prin cipais pon tos de produ ção relativam en te próxim os, o Alen tejo, Beiras, Es-
pan h a, m as para os tecidos su periores era in dispen sável com prar lã proven ien te da Alem a-
n h a, Au strália e da Am érica. Silveira, F., op. cit., p.92.
55. Ibidem , p.90-2.
56. Resposta dos fabrican tes da Covilh ã aos qu esitos propostos pela com issão das Pau tas em
1858. Jorn al da Associação In du strial Portu en se, n .8, p.59, 24 m arço de 1860.
57. SCRANTON, P. Proprietary capitalism : th e textile m an u factu rer at Ph iladelph ia, 1983. In :
ZEITLIN, J. Les voies m u ltiples de l'in du strialisation . In : Mouvement Social, 1985, p.133.
58. Con clu são do relatório de dois delegados da Com issão Cen tral de In qu érito qu e visitaram
a região, 1881, In q. In d. v.III, p.172-3 e o con ju n to do relatório p.88 ss., dos m ais com pletos
de todo in qu érito.Ver tam bém SILVEIRA, F., op. cit.
59. PERDIGÃO, J. A. A in dú stria em Portu gal. In : Arquivos da Universidade de Lisboa, 1916,
v.III, p.117 ss. POINSARD, L. Le Portugal inconnu , 1910. p.209, con sidera a região decaden te;
porven tu ra u m a visão exagerada.
60. O prin cipal m ercado n a distribu ição dos tecidos da Covilh ã, pelo m en os n os an os 60, era
Man gu alde, on de os prin cipais fabrican tes da Covilh ã tin h am arm azén s e ali ven diam por
grosso aos com ercian tes do Norte, n a feira do 1º dom in go do m ês. SILVEIRA, F., op. cit., p.92.
240
DIVERSIDADE E CRESCIMENTO INDUSTRIAL
61. Ver Qu adro 3: n o total das 160 fábricas, 117 situ am -se n os distritos de Castelo Bran co e
da Gu arda e a m aioria eram pequ en as e m édias u n idades in du striais.
62. Dados organ izados por m im , com base n as estatísticas do com ércio extern o.
63. Relatório do Ju rado, 1850, p.29, con cepção qu e se espraia n as p.26-30. MARTINS, O. Fo-
mento rural e emigração, p.197.
64. Teriam ch egado a 22 m il os trabalh adores n a con stru cção das lin h as do Norte e do Leste
en tre 1861 e 1864, dim in u in do posteriorm en te, PINHEIRO, M. Chemins de fer, structure finan-
ciére de l' Etat et dépendance extérieure. Tese (Dou torado), p.224-5, (Mim eogr.). Acerca do papel
da agricu ltu ra n a segu n da m etade do sécu lo XIX, ver o m eu livro Livre câmbio e desenvolvimen-
to econômico: Portu gal n a segu n da m etade do sécu lo XIX 2.ed. 1971, 1983.
65. Acerca da in dú stria corticeira e con serveira e as su as relações com o m ercado in tern acio-
n al, ver MIRANDA, S. O círculo vicioso da dependência (1890-1939),1991. Um a versão diferen te
em REIS, J. A in du strialização n u m país de desen volvim en to len to e tardio: Portu gal,1870-
1913. In : O atraso econômico português 1850-1930.
241
capítu lo 13
243
Jaime Reis
244
CAUSAS HISTÓRICAS DO ATRASO ECONÔMICO PORTUGUÊS
bariam por ficar certam en te m ais ricos – ao lon go destas décadas, o acrés-
cim o n o seu ren dim en to real cifrou -se en tre os 40% e os 65% – m as,
com o se figu ra, a su a posição relativa tin h a decaído acen tu adam en te. Em
1913, o produ to n acion al per capita era cerca de 30% da m édia de u m con -
ju n to de 19 países qu e à época se poderiam con siderar avan çados.2
Com os an os 20 deste sécu lo in iciava-se u m a in versão n esta ten -
dên cia e despon tava u m a n ova era. Não só m an tin h a-se o crescim en to
70
65
60
55
Pe rce ntage m
50
45
40
35
30
25
1850
1990
1854
1858
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1870
1874
1878
1882
1886
1890
1894
1898
1902
1906
1910
1914
1918
1922
1926
1930
1934
1938
1942
1946
1950
1954
1958
1962
1966
1970
1974
1978
1982
1986
su sten tado da econ om ia, com o, graças a taxas agora relativam en te m ais
elevadas, cessava o seu declín io relativo e, a partir da década de 1930, o
país en trava n o ram o ascen den te da cu rva em U, n a figu ra, qu e tradu z a
progressiva recu peração em relação às econ om ias qu e n os servem de ter-
m o de com paração.3 En tre 1930 e 1939, o produ to n acion al per capita em
Portu gal su bia para 35% da m édia acim a referida; n a década de 1950,
elevava-se para 37% ; e n os prin cípios dos an os 70, n a seqü ên cia dos
“An os de Ou ro” do pós-gu erra e an tes do prim eiro ch oqu e petrolífero,
atin gia os 54% .4 Con trariam en te à perspectiva tradicion al sobre este pe-
ríodo e qu e ain da en con tra aderen tes, o Estado Novo, lon ge de ter sido
u m tem po de estagn ação, foi u m a das épocas m ais din âm icas, em term os
econ ôm icos, da h istória portu gu esa.5
Peran te com portam en tos de lon go prazo tão con trastan tes, n ão
su rpreen de qu e tam bém a h istoriografia os ten h a procu rado separar n a
su a bu sca de explicação para os ritm os da econ om ia portu gu esa n o con -
fron to com as dem ais. No caso do atraso cada vez m ais acen tu ado do sé-
cu lo XIX, a ên fase tem sido posta n as barreiras, in tern as e extern as, qu e
im pediram qu e os fatores in tern acion ais estim u ladores do crescim en to ti-
vessem tido u m im pacto sem elh an te ao registrado n ou tras econ om ias si-
m ilarm en te atrasadas e qu e com eçavam tam bém en tão a crescer em bora
245
Jaime Reis
de form a m ais din âm ica. Para o segu n do período, do sécu lo XX, a qu es-
tão qu e se coloca é algo diferen te. Con siste em saber com o e até qu e pon -
to aqu elas barreiras terão caído e qu e im pu lsos an tigos ou n ovos terão
en tretan to proporcion ado a n otável elevação n o ritm o de expan são veri-
ficado desta vez.
Para u m a prim eira geração de estu diosos, n os in ícios dos an os 70,
o acen to deveria ser posto em três aspectos do problem a. Um a revolu ção
liberal in com pleta, du ran te as prim eiras décadas do sécu lo XIX, e u m de-
sen volvim en to in com pleto do capitalism o, su bseqü en tem en te, terão tido
com o con seqü ên cias u m a estru tu ra agrária, assen tada n u m du alism o m i-
n ifú n dio/ latifú n dio, qu e n ão en corajava n em a eficiên cia produ tiva, n em
u m a repartição de ren dim en tos m ais equ ilibrada. Por ou tro lado, circu n s-
tân cias políticas im pu n h am ao país, a partir de 1840, u m livre-cam bism o
qu e expu n h a a su a in cipien te in dú stria a u m a feroz con corrên cia exter-
n a e o em pu rrava em sim u ltân eo para u m a especialização agrícola e de
exportação de produ tos prim ários, sobretu do para a In glaterra. Em tais
con dições, faltou ao setor m an u fatu reiro o im pu lso com pen satório de
u m a procu ra in tern a forte qu e o fizesse crescer e, m odern isan do-se, lh e
possibilitasse com petir in tern acion alm en te, pelo qu e o seu con tribu to
para o crescim en to n ão cu m priu aqu ilo qu e seria de esperar dele. À agri-
cu ltu ra estava destin ada, a prazo, a estagn ação, dada a con corrên cia cada
vez m ais in ten sa n o m ercado extern o e a in abilidade estru tu ral, em n ível
socioecon ôm ico e técn ico, para su perar a su a produ tividade proverbial-
m en te baixa.6 As dificu ldades su scitadas por esta depen dên cia extern a
con ju gavam -se com u m a h eran ça sociocu ltu ral provin da do An tigo Regi-
m e e de qu e resu ltava, por u m lado, u m a sociedade fech ada aos valores
em presariais m odern os e ao espírito racion al e cien tífico e, por ou tro, a
falta de u m a ordem política bu rgu esa forte e qu e abraçasse o progresso
econ ôm ico acelerado.7
O debate acerca das cau sas do atraso econ ôm ico portu gu ês n o sé-
cu lo XIX con h eceu u m n ovo im pu lso a partir da década de 1980, m ercê
de u m a série de trabalh os qu e vieram levan tar dú vidas em relação às in -
terpretações vigen tes e propor n ovas solu ções. Um a destas objeções cen -
trava-se sobre a tese da depen dên cia extern a. Nu m a com paração in tern a-
cion al, Portu gal afin al n ão só estava lon ge de ser livre-cam bista – an tes,
tin h a u m a das proteções alfan degárias m ais altas da Eu ropa – com o tin h a
u m a das depen dên cias extern as m ais fracas. En tre as econ om ias pequ e-
n as e m ais atrasadas da época, a razão das su as exportações para o pro-
du to n acion al bru to, qu e n os serve para m edir esta dim en são, era dos
m ais baixos.8 Ao m esm o tem po argu m en tava-se qu e, pelo m en os n a su a
dim en são latifu n diária, a estru tu ra agrária n ão seria respon sável pelo
atraso técn ico do setor prim ário, an tes revelava u m a capacidade de adap-
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CAUSAS HISTÓRICAS DO ATRASO ECONÔMICO PORTUGUÊS
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fren taram u m a procu ra in tern acion al fraca e crescen tes dificu ldades com -
petitivas n os m ercados extern os. O problem a estava em qu e n em o país
tin h a van tagen s com parativas n a produ ção de carn e, laticín ios e ovos,
qu e eram os gên eros agrícolas tem perados com ercialm en te m ais van tajo-
sos n esta época, n em a su a agricu ltu ra era capaz de levar a cabo os m e-
lh oram en tos precisos para lh e gran gear u m estatu to verdadeiram en te
com petitivo. Con vém acrescen tar qu e a terra n ão só era m á com o era
pou ca relativam en te ao n ú m ero dos qu e a cu ltivavam . Em 1900, h avia 3
h ectares de terra por ativo, en qu an to n a Fran ça e n a In glaterra h avia 5,4
e 10 h ectares respectivam en te.
À escassez de recu rsos n atu rais som ava-se u m a n ão m en os m arca-
da deficiên cia de recu rsos h u m an os. Du ran te a segu n da m etade do sécu -
lo XIX, Portu gal foi u m dos países eu ropeu s m en os dotados n este aspec-
to, em virtu de de u m an alfabetism o em prin cípio esm agador, qu e atin gia
qu atro qu in tos da popu lação e logo a vasta m aioria da força de trabalh o
por volta de 1850; e de u m a taxa de escolarização baixa dem ais para ven -
cer esta con dição de atraso social. Em 1911, os iletrados con stitu íam ain -
da 75% dos portu gu eses en qu an to n a Itália esta proporção era de 46% e
n a Espan h a de 53% , sin al de qu e o problem a, n a su a verten te portu gu e-
sa, n ão era sim plesm en te explicável por fatores cu ltu rais ou religiosos.12
Em bora lon ge de ser m atéria pacífica, a relação en tre n ível cu ltu ral
e edu cativo e produ tividade parece su ficien tem en te explícita, m esm o n o
qu e toca ao sécu lo passado, para n ão cau sar estran h eza qu e as m ais altas
taxas de crescim en to econ ôm ico n a Eu ropa se ten h am verificado, du ran -
te o período em con sideração, em países, com o a Din am arca e a Su écia,
com u m a elevada form ação e dotação de capital h u m an o. Nesta lin h a de
raciocín io e em bora carecen do ain da de u m a am pla in vestigação, as in di-
cações atu alm en te dispon íveis sobre Portu gal apon tam para qu e, qu er n a
in dú stria qu er n a agricu ltu ra, este terá sido u m fator sign ificativo para ex-
plicar o fraco desem pen h o de am bos os setores, u m a circu n stân cia qu e,
aliás, n ão passava despercebida dos em presários con tem porân eos, com o
fator de atraso tecn ológico e de baixa ren tabilidade do trabalh o in du strial.
A fraca qu alificação da m ão de obra a todos os n íveis do aparelh o
produ tivo n ão era, n o en tan to, a ú n ica razão para qu e a produ tividade da
in dú stria portu gu esa fosse geralm en te m etade ou m en os daqu ilo qu e se
registrava n os países m ais avan çados. Argu m en tava-se qu e con tribu ía
igu alm en te para este resu ltado a redu zida dim en são do m ercado qu e esta
servia e qu e im pedia a m u itos setores de poderem gozar das econ om ias
de escala qu e a tecn ologia m odern a possibilitava e a algu n s, m orm en te n a
in dú stria pesada, vedava m esm o a su a im plan tação. O problem a radica-
va-se n u m a popu lação excessivam en te pequ en a e com u m ren dim en to
pessoal de tal form a baixo qu e a procu ra agregada de ben s m an u fatu ra-
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CAUSAS HISTÓRICAS DO ATRASO ECONÔMICO PORTUGUÊS
dos n ão ch egava para su sten tar, por exem plo, a in stalação de sequ er u m
con versor Bessem er para a produ ção de aço. A solu ção para con torn ar
esta dificu ldade era am pliar o m ercado pela exportação, m as a baixa pro-
du tividade com parada da in dú stria portu gu esa exclu ía eviden tem en te
esta possibilidade. Por ou tro lado, a elevada proteção alfan degária de qu e
ela gozava retirava-lh e o in cen tivo para m elh orar as con dições de produ -
ção sob o im pu lso da con corrên cia extern a, e obrigava-a a procu rar refú -
gio n o m ercado dom éstico som en te. Estava assim in stalado u m círcu lo vi-
cioso de qu e parecia difícil sair, u m a vez qu e n ão era possível abater es-
tas barreiras tarifárias sem grave lesão para o tecido in du strial existen te
n o país e os in teresses a ele ligados. Man ten do-as porém o progresso tec-
n ológico era in adequ ado para u m crescim en to econ ôm ico m ais veloz.
A década de 1990 n ão alterou fu n dam en talm en te os term os deste
debate, m as acrescen tou -lh e n ovas dim en sões e perm itiu levá-lo m ais lon -
ge n ou tras. Um a destas ú ltim as é a qu estão da deficiên cia da fu n ção em -
presarial a qu e Helder Fon seca deu u m a n ova profu n didade, estu dan do as
“atitu des econ ôm icas” dos gran des lavradores e proprietários do Alen tejo
du ran te a segu n da m etade do sécu lo passado, u m gru po tradicion alm en te
tido por refratário à m u dan ça técn ica e à m axim ização do lu cro. Segu n do
este au tor, pelo con trário, a região caracterizou -se por u m a gran de adap-
tabilidade à evolu ção das con dições de m ercado. As in ovações foram adap-
tadas por estes “em presários agrícolas” com a celeridade e a exten são qu e
as circu n stân cias econ ôm icas ditavam e as form as de in vestim en to e de or-
gan ização da produ ção den otaram u m a flexibilidade m u ito distan te do
“paradigm a da crôn ica falta de in iciativa e din am ism o”.13
Em bora n ão focan do diretam en te a qu estão da terra n a óptica qu e
aqu i n os ocu pa, a qu an tificação cu idadosa dos valores e qu an tidades en -
volvidos n a ven da dos Ben s Nacion ais, n os an os após a Gu erra Civil
(1835-1843), veio de n ovo pôr à con sideração o argu m en to, tam bém tra-
dicion al, segu n do o qu al esse processo teria fru strado a oportu n idade de
u m a reform a econ ôm ica ú n ica e com im portan tes con seqü ên cias para o
desen volvim en to do país. É verdade, sem dú vida, com o se tem afirm ado,
qu e esta ven da em n ada con tribu iu para alterar, com o poderia h ipoteti-
cam en te ter feito, a estru tu ra agrária latifu n diária/ m in ifu n diária e assim
poder-se-á dizer qu e esta reform a n ão aju dou a erradicar certas caracte-
rísticas peren es do m u n do ru ral portu gu ês. Mas os dados agora dispon í-
veis tam bém perm item con clu ir qu e o valor e a exten são das terras em
qu estão n ão eram de ordem tal qu e, m esm o se tivessem sido estru tu ra-
das em propriedades m édia, com u m a u tilização presu m ivelm en te m ais
eficaz, o im pacto sobre o produ to n acion al pu desse ter sido m ais do qu e
exígu o. Nu m a altu ra em qu e este ú ltim o seria de cerca de 200 m il con -
tos, os Ben s Nacion ais ren deram , em h asta pú blica, cerca de 8.500 con tos
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e o produto do seu cultivo não deveria portanto exceder os 4 mil contos por
an o, u m qu an titativo qu e ain da qu e du plicado, h ipoteticam en te, pou co
afetaria o estado econ ôm ico da n ação n o lon go prazo. 14
Tam bém o Estado, u m com pon en te cen tral n as in terpretações m ais
recu adas qu e assen tavam n a tese da depen dên cia extern a, ressu rge n esta
n ova vaga revision ista, em bora com ou tras vestes. Segu n do u m a das
perspectivas abertas n a presen te década, on de o seu papel se revelou pou -
co propiciador do crescim en to, n ão foi n a su a in capacidade para proteger
a in dú stria su ficien tem en te da con corrên cia estran geira, qu e, com o vi-
m os, terá sido afin al u m falso problem a. An tes o qu e faltou foi a prom o-
ção, através de tratados com erciais adequ ados, das exportações dos pro-
du tos prim ários ou sem im an u fatu rados em qu e h avia algu m a van tagem
com petitiva, m as qu e em certas in stân cias se viram em dificu ldades co-
m erciais em con seqü ên cia de discrim in ações sofridas em m ercados qu e
eram im portan tes para a su a expan são.15
Ain da n este cam po, u m segu n do aspecto in ovador deriva do esta-
tu to do Estado com o prin cipal e m aior agen te econ ôm ico do país. Com
u m a despesa pú blica de cerca de 14% do produ to n acion al e u m papel
prim acial n o m ercado de capitais, de on de dren ava im portan tes recu rsos
fin an ceiros, qu e de ou tro m odo poderiam ter sido orien tados para aplica-
ções produ tivas, o seu im pacto era n ecessariam en te su bstan cial e o po-
ten cial para retardar o crescim en to sign ificativo. No qu e toca à prim eira
destas dim en sões, é agora possível argu m en tar, com base em estu do de
Eu gên ia Mata, qu e u m a gran de parte dos recu rsos assim absorvidos fo-
ram realm en te “esterilizados” e logo perdidos para o crescim en to da eco-
n om ia, n a m edida em qu e, em m édia, apen as 10% da despesa pú blica foi
can alizada du ran te as décadas em apreço para objetivos “econ ôm icos” e
m u ito do restan te u tilizado para su sten tar u m a bu rocracia de fraco valor
n este con texto.16 Sobre a segu n da destas dim en sões, apen as possu ím os
resu ltados prelim in ares qu e in dicam , n o en tan to, u m efeito n egativo so-
bre a econ om ia portu gu esa da segu n da m etade dos oitocen tos. A pu n ção
sobre o m ercado fin an ceiro resu ltan te das n ecessidades creditícias do Es-
tado teve efetivam en te u m efeito dissu asor sobre o in vestim en to privado,
m as apen as de form a “m oderada”.17
Na su a verten te ban cária, tem m erecido tam bém algu m a aten ção
o possível papel propu lsor do m ercado de crédito sobretu do em relação à
in dú stria, u m con ceito de aplicação freqü en te aos países de desen volvi-
m en to tardio, de acordo com os en sin am en tos de Gersch en kron . Du ran -
te todo este período, a ban ca teve u m a evolu ção excepcion alm en te rápi-
da e parece ter can alizado u m a parte n ão despicien da dos seu s m eios para
algu n s setores in du striais, o qu e à prim eira vista deveria ser favorável ao
crescim en to global. O sistem a ban cário portu gu ês caracterizou -se, n o en -
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ten h a sido cru cialm en te afetada qu er pela dotação de recu rsos n atu rais
qu er pela con figu ração da procu ra in tern acion al, am bas an teriorm en te
alegadas com o barreiras de m on ta ao crescim en to econ ôm ico. A segu n da
é qu e a relação cau sal en tre exportações e produ to n acion al, se existiu ,
ten h a tido a direcção qu e lh e tem sido atribu ída, an tes parecen do qu e é
o n ível do produ to qu e determ in a a capacidade para exportar e n ão o
con trário. Em con seqü ên cia, segu n do Pedro Lain s, em Portu gal era o
atraso econ ôm ico e social qu e travava a exportação, u m a situ ação qu e só
podia ser su perada através de “u m processo dem orado” de len ta evolu ção
qu e países com o os escan din avos tin h am já con segu ido levar a cabo an -
tes de m eados dos oitocen tos.24 Este en ten dim en to vai ao en con tro de
u m a corren te n a literatu ra in tern acion al qu e afirm a qu e, n o lon go prazo,
existem gru pos de países com ren dim en to per capita baixo m as sem elh an -
te e qu e ten dem a aproxim ar-se en tre si, m as raram en te dos qu e con sti-
tu em o gru po dos países com ren dim en to m ais elevado e tam bém sem e-
lh an te en tre si. Visto deste m odo, Portu gal perten ceria a u m “clu be de
con vergên cia” eu ropeu de ren dim en to baixo e por isso aí teve de perm a-
n ecer du ran te estas décadas sem con segu ir u ltrapassar os bloqu eios a u m
crescim en to m ais rápido.25 Esta abordagem represen ta u m avan ço in dis-
cu tível m as su scita dificu ldades. A m ais salien te reside, por su a vez, n a
au sên cia, de explicação adequ ada para o atraso portu gu ês n a época qu e
an tecede o período em apreço, para on de é rem etida agora a ch ave do
problem a. Em segu n do lu gar, a au sên cia de u m a an álise qu e elu cide por
qu e m eios é qu e algu n s países con segu iram escapar à perten ça ao “clu be”
dos m ais pobres e in gressar n o das econ om ias m ais din âm icas porqu e
m ais ricas deixa u m a área de in certeza n a com preen são do fen ôm en o.
Esta in certeza é im portan te n ão só para a com preen são do proble-
m a do atraso econ ôm ico oitocen tista, m as tam bém para explicar a recu -
peração qu e, em con traste, a econ om ia portu gu esa logrou efetu ar n o de-
correr do sécu lo XX. A in terrogação qu e aqu i se coloca é se, depois de
u m a lon ga e len ta evolu ção n o sécu lo XIX, Portu gal terá atin gido fin al-
m en te, após a Prim eira Gu erra Mu n dial, o patam ar de riqu eza m in ím a
para poder fazer parte do gru po das n ações avan çadas e con vergen tes.
Ou , em lu gar disso, se terão su rgido fatores im pu lsion adores do cresci-
m en to an tes au sen tes a alterar radicalm en te a situ ação passada? Metodo-
logicam en te, su rgem com isto du as qu estões. A prim eira é a de iden tifi-
car, com o fizem os até aqu i, u m m odelo in terpretativo qu e in tegre satisfa-
toriam en te a evolu ção do caso portu gu ês em si e em perspectiva com pa-
rada. A segu n da é a de assegu rar a coerên cia desse qu adro com a in ter-
pretação qu e se preten deu dar para o atraso verificado n o decu rso do sé-
cu lo XIX. Assim , se h ou ver circu n stân cias qu e an tes obstacu lizaram u m
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Jaime Reis
m elh or desem pen h o, estas devem ser recon sideradas para se apu rar se,
n o sécu lo atu al, deixaram de existir, de atu ar, ou se por qu alqu er m otivo
passaram a ter u m efeito diverso do an terior. Da m esm a form a, se n ovos
fatores em ergem a im pelir m ais fortem en te o crescim en to a partir das dé-
cadas de 1920 ou 1930, a su a in existên cia n a época preceden te deve ser
assin alada e explicada.26 Tal com o fizem os para o prim eiro su bperíodo
aqu i con siderado, será a dim en são estru tu ral, de lon go prazo, de qu e n os
vam os ocu par, e n ão a dim en são con ju n tu ral, de cu rto prazo da h istória
econ ôm ica portu gu esa.
O com portam en to da econ om ia n acion al n o sécu lo XX da óptica
qu e estam os an alisan do tem m erecido m en os aten ção dos h istoriadores
do qu e acon teceu n o caso do sécu lo XIX. As dim en sões políticas associa-
das à em ergên cia e lon gevidade do Estado Novo e a relevân cia deste para
a m ais recen te viven cia dem ocrática do país são in du bitavelm en te razões
sobejas para isto. Não obstan te, o volu m e de in vestigação já dispon ível so-
bre este capítu lo de h istória econ ôm ica forn ece pistas abu n dan tes e é evi-
den te qu e, m esm o se m u itas qu estões restam por esclarecer, as lin h as ge-
rais de u m qu adro an alítico adequ ado às n ecessidades já se en con tram
traçadas.
Do pon to de vista do crescim en to, a gran de viragem para a econ o-
m ia portu gu esa data do fim da segu n da gu erra m u n dial. No período en -
tre as gu erras assistiu -se à in terru pção do processo de atraso secu lar qu e
tem os con siderado até aqu i (ver figu ra) e m esm o a u m a pequ en a m elh o-
ria da posição portu gesa relativa n este dom ín io. Estru tu ralm en te, n ão se
tin h am ain da verificado, porém , as gran des alterações qu e assin alaram os
an os 1945-1973, qu e são aqu eles em qu e disparou a expan são da econ o-
m ia – a u m a taxa m édia an u al de 5,6% a preços con stan tes – e teve lu -
gar, pela prim eira vez n a h istória do país u m a sign ificativa recu peração
relativam en te às econ om ias desen volvidas. É sobre esta ú ltim a experiên -
cia qu e con cen tram os portan to a n ossa aten ção.
O aspecto porven tu ra m ais salien te desta época é a con versão de
Portu gal n u m país in du strial, cu jo setor secu n dário n ão só su perou fin al-
m en te o prim ário com o, com u m a taxa de crescim en to an u al de 10,7%
ao an o, passou a determ in ar a evolu ção global da econ om ia.27 Um a ele-
vação im portan te da produ tividade in du strial perm itiu qu e a exportação
de m an u fatu ras dom in asse o setor extern o, com 64% das ven das n o ex-
terior, en qu an to a agricu ltu ra, o esteio tradicion al das exportações, se li-
m itava agora a 10% desse flu xo. Os ram os da in dú stria previam en te m ais
im portan tes – os têxteis, o calçado e a alim en tação – m an tiveram u m pa-
pel relevan te n esta evolu ção, m as perderam o seu lu gar preem in en te
para u m con ju n to se setores m odern os, m ais avan çados tecn ologicam en -
te e m ais capital in ten sivos – o aço, a m etalu rgia, a qu ím ica, o m aterial
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por ser da ordem dos 1,7 por m il h abitan tes, até 1950, e qu e n o seu au ge,
por volta de 1970, correspon dia a u m a taxa de 21 por m il. Por u m lado,
a estagn ação popu lacion al resu ltan te possibilitou u m processo de cresci-
m en to m arcadam en te capital in ten sivo e absorvedor de n ova tecn ologia,
u m a forte dim in u ição da m ão-de-obra agrícola sem o aparecim en to de
u m desem prego in du strial pertu rbador e au m en to da produ ção qu e n ão
se dissiparam por u m a base dem ográfica em rápida expan são, com o su -
cedeu n ou tros casos con tem porân eos de desen volvim en to econ ôm ico.39
Por ou tro, gerou -se u m con siderável e crescen te cau dal de rem essas para
o país n atal, captado e can alizado m ajoritariam en te pelo setor ban cário
portu gu ês e cu jo efeito foi assin alável em du as áreas cru ciais para a tran s-
form ação da econ om ia. A prim eira era a do com ércio extern o, em qu e a
expan são das im portações de equ ipam en tos e m atérias-prim as n orm al-
m en te associada a processos de in du strialização rápida n ão con du ziu a
u m estran gu lam en to graças às abu n dan tes divisas assim obtidas e refor-
çadas pelas receitas do tu rism o en tão em fu lgu ran te ascen são. A segu n da
foi o con tribu to prestado por estas rem essas para o con su m o e particu lar-
m en te para a econ om ia das fam ílias, qu e viram o seu ren dim en to au m en -
tar em virtu de disso, em m édia, de 3,5% du ran te os an os 1960-1965 e de
7,7% em 1966-1973, u m valor qu e con trasta fortem en te com os 2% ob-
tidos da m esm a origem n o prin cípio do sécu lo, ou tra época de gran de
em igração, m as de fraco crescim en to econ ôm ico.
O qu in to e ú ltim o dos tópicos essen ciais para a h istória da recu pe-
ração da econ om ia portu gu esa após 1945 é de todos o m ais com plicado e
difícil de avaliar. Trata-se da vasta e com plexa teia regu latória qu e o Es-
tado Novo com eçou a tecer desde o seu in ício, n os an os 30 e m an teve es-
sen cialm en te até o fim , em parte com o u m a série de respostas pragm áti-
cas a problem as con ju n tu rais qu e iam su rgin do, e, em parte, com o resu l-
tado de u m a forte descon fian ça ideológica em relação aos m ecan ism os de
m ercado. Em con seqü ên cia e sob a capa de u m m u ito apregoado “estado
corporativo”, estabeleceram -se circu itos com erciais obrigatórios para
gran de n ú m ero de produ tos, fixaram -se preços e salários n u m largo âm -
bito produ tivo e com ercial e regu lou -se a im portação por via adm in istra-
tiva. No dom ín io in du strial em particu lar im plem en tou -se u m a política
altam en te in terven cion ista, “o con dicion am en to in du strial”, qu e con feria
às au toridades poderes discricion ários para licen ciar a criação de n ovos
estabelecim en tos, a reabertu ra e a expan são dos já existen tes e até a su bs-
titu ição dos respectivos m aqu in ism os. Os objetivos, oficialm en te, eram
diversos – corrigir os excessos de capacidade produ tiva, fom en tar econ o-
m ias de escala, im pu lsion ar a m odern ização tecn ológica, dim in u ir a de-
pen dên cia extern a – em bora n a prática o acen to ten h a estado em travar
a con corrên cia, lim itan do a en trada de n ovos produ tores ou de processos
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N OTA S
1. REIS, J. How Poor Was th e Eu ropean Periph ery before 1850? In : XVII ENCONTRO DA AS-
SOCIAÇÃO PORTUGUESA DE HISTÓRIA ECONÔMICA E SOCIAL, 1997, Pon ta Delgada.
2. Não existe con sen so qu an to à expressão qu an titativa exata desta evolu ção. Ver: NUNES,
A. B., MATA, E., VALÉRIO, N., 1989; LAINS, P., REIS, J., 1991; LAINS, P., 1995. JUSTINO,
D. A evolu ção do Produ to Nacion al Bru to em Portu gal, 1850-1919 – Algu m as Estim ativas
Provisórias. Análise Social, p.451-611,1987.
3. TORTELLA, G., 1994, iden tificou com o “Mediterrân ica” esta cu rva em U represen tativa
do rácio en tre o produ to n acion al per capita e u m a m édia da m esm a variável em vários paí-
ses avan çados, u m a vez qu e ela esteve presen te em sim u ltân eo n ão só em Portu gal com o
n a Itália e n a Espan h a.
4. Estes dados, ain da n ão pu blicados, são tirados do trabalh o de L. AMARAL Is the Theory of
Convergence Useful for the Study of Growth in Portugal in the Postwar Period? Floren ça, 1997. (Mi-
m eogr.).
5. Ver, por exem plo, BIRMINGHAM, D. A Concise History of Portugal. Cam bridge: Cam brid-
ge Un iversity Press, 1993.
6. PEREIRA, M. H., 1983. Para u m a reafirm ação recen te destas idéias, ver, MIRANDA, S.
de. Portugal: o círculo vicioso da dependência (1890-1939). Lisboa: Teorem a, 1991.
7. GODINHO, V. M., 1975.
8. Ver JUSTINO, D., 1988-1989. Ver tam bém LAINS, P. Exportações Portu gu esas, 1850-
1913: a tese da depen dên cia revisitada. Análise Social, p.381-419, 1986.
9. Ver REIS, J. Latifú n dio e progresso técn ico: a difu são da debu lh a m ecân ica n o Alen tejo,
1860-1930. Análise Social, p.371-443, 1982.
10. Sobre este argu m en to, ver FONSECA, H. A., REIS, J. José Maria Eu gén io de Alm eida,
u m capitalista da regen eração. Análise Social, p.865-904, 1987. A citação é de SERRÃO, J.,
MARTINS, G. Da indústria: do An tigo Regim e ao capitalism o. Lisboa: Horizon te, 1978. p.32.
11. REIS, J., 1993.
12. Ibidem .
13. FONSECA, H. A., 1996.
14. Dados obtidos por SILVA, A. M. da. Desamortização e venda dos bens nacionais em Portugal
na primeira metade do século XIX . Coim bra: Facu ldade de Letras, 1989. Ver o argu m en to em
REIS, J., 1992.
15. LAINS, P.,1995.
16. MATA, E., 1990.
17. ESTEVES, R. P. O Crowdin g-Ou t em Portu gal, 1879-1910. In : XVII ENCONTRO DA AS-
SOCIAÇÃO PORTUGUESA DE HISTÓRIA ECONÓMICA E SOCIAL, 1997, Pon ta Delgada.
18. REIS, J., 1991.
19. O’ROURKE, K., WILLIAMSON, J. G. , 1997.
20. São vários e excelen tes os estu dos sobre o tem a da em igração portu gu esa. Ver PEREI-
RA, M. H. A política portuguesa de emigração, 1850-1930. Lisboa: A Regra do Jogo, 1981. BA-
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21. Um prin cípio de discu ssão sobre este tem a en con tra-se em HATTON, T. J., WILLIAM-
SON J. G. Late Com ers to Mass Em igration . Th e Latin Experien ce. In :___. Migration in the
International Labour Market, 1850-1939. Lon don : Rou tledge, 1994.
22. SCHWARTZMAN, K., 1989.
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CAUSAS HISTÓRICAS DO ATRASO ECONÔMICO PORTUGUÊS
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capítu lo 14
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DEMOCRATAS NA EDIFICAÇÃO DO
PORTUGAL CONTEMPORÂNEO
Am adeu Carvalh o Hom em *
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secreto ch efiado por Man u el Fern an des Tom ás. A form ação ju rídica do
ch efe do “Sin édrio” con du ziu -o a estu dar o travejam en to con stitu cion al de
algu m as repú blicas da Am érica do Su l e a n u trir especial adm iração pela
person alidade em blem ática de Sim ão Bolívar. Fern an des Tom ás com eçou
por cooptar ou tros colegas ju ristas, com o Ferreira Borges e Silva Carvalh o,
com qu em se dedicou ao estu do da decaden te situ ação in tern a do país.
Logo con clu íram , porém , qu e deveriam passar de an álises acadêm icas a
form as m ais decisivas de in terven ção. O “Sin édrio” abriu -se en tão a perso-
n alidades m ilitares igu alm en te descon ten tes e en cam in h ou -se decidida-
m en te para a atividade con spiratória. Porém , n ão era com pleto o acordo
en tre ju ristas e m ilitares. Aqu eles opin avam qu e a im posição do regresso da
Corte ao rein o deveria ser com plem en tada com profu n das tran sform ações,
de teor liberal, a serem in trodu zidas n o fu tu ro orden am en to ju rídico-con s-
titu cion al; para os m ilitares, con tu do, a revolu ção esgotar-se-ia com o cu m -
prim en to da obrigação de retorn o por parte de D. João VI e dos seu s fam i-
liares. Man obran do h abilm en te, Man u el Fern an des Tom ás con segu irá im -
prim ir à revolu ção, desen cadeada n o Porto em 24 de agosto e secu n dada
em Lisboa em 15 de setem bro de 1820, u m sign ificado liberal e con stitu cio-
n alista bem eviden te. Eleito u m Soberan o Con gresso Con stitu in te e redigi-
das as “bases” da fu tu ra con stitu ição, parecia estar escon ju rado, n o essen -
cial, o risco da m an u ten ção do An tigo Regim e.
D. João VI regressou a Portu gal acom pan h ado por su a m u lh er, a
rain h a D. Carlota Joaqu in a, e pelo seu filh o, o in fan te D. Migu el. Deixa-
ra n o Brasil, exercen do u m a regên cia em seu n om e, o seu ou tro filh o
m ais velh o, D. Pedro. Os regressados adotarão atitu des m u ito diferen tes
qu an to à im posição revolu cion ária do ju ram en to das “bases” con stitu cio-
n ais. D. João VI, con trafeito m as tem eroso, su bm ete-se ao im perativo dos
revoltosos. Pelo con trário, D. Carlota Joaqu in a e D. Migu el n egam -se a
fazê-lo, con stitu in do-se ch efes de fila da reação an tiliberal e in cen tivan -
do algu n s expoen tes do alto clero e da n obreza a adotarem posições igu al-
m en te rebeldes. A en trada em vigor da Con stitu ição de 1822, a declara-
ção u n ilateral da in depen dên cia do Brasil e o falecim en to de Fern an des
Tom ás são acon tecim en tos cron ologicam en te próxim os. O legitim ism o
jogará a su a cartada sediciosa por m eio dos golpes da “Vilafran cada”
(1823) e da “Abrilada” (1824), am bos execu tados por D. Migu el, m as en -
corajados pela rain h a su a m ãe. O pron u n ciam en to de Vila Fran ca su spen -
de a vigên cia da Con stitu ição; por seu tu rn o, o golpe de abril obriga D.
João VI a im por ao seu filh o a expu lsão do Rein o, sob o pretexto de u m a
vilegiatu ra por países eu ropeu s, para alegadam en te com pletar a su a ilu s-
tração. Com o falecim en to do m on arca rein an te in stala-se viru len tam en -
te a discu ssão dos direitos su cessórios. A corren te legitim ista advoga qu e
o tron o seja en tregu e a D. Migu el, aten den do ao fato de os direitos de pri-
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O in térprete m ais qu alificado do program a da Regen eração foi Fon tes Pe-
reira de Melo. O fon tism o tradu ziu -se, portan to, n u m a política de “m elh o-
ram en tos m ateriais” ou de obras pú blicas. Estas foram qu ase exclu siva-
m en te su portadas pelos cofres oficiais, em razão da in existên cia de u m a
bu rgu esia forte e em preen dedora. Mas com o o erário pú blico era an êm ico,
teve qu e recorrer por sistem a ao crédito extern o. Foi com libras esterlin as
pedidas de em préstim o à praça de Lon dres qu e se su priu a rarefação dos
m eios creditícios n acion ais. Assim , a obra de fom en to liberal origin ou o
crescim en to in con trolável da dívida pú blica e o desequ ilíbrio crôn ico da ba-
lan ça de pagam en tos. O serviço da dívida, aliado à pressão dos credores ex-
tern os, ditará os gravosos term os da política tribu tária levada a efeito pelos
su cessivos govern os regen eradores. A correlação qu e forçosam en te se esta-
beleceu en tre o volu m e dos em préstim os e a carga in tern a dos im postos
explica a próxim a eclosão de crises sociais, qu e vitim arão sobretu do os es-
tratos popu lacion ais de ren dim en tos m ais débeis. A filosofia de tribu tação
dos govern os regen eradores segu iu os trilh os da ortodoxia liberal, u m a vez
qu e recorreu à gam a dos im postos in diretos, in ciden tes sobre o con su m o,
e evitou on erar os ren dim en tos gerados pelos capitais privados. Ficou para
a h istória o ju ízo em itido por Fon tes Pereira de Melo, qu an do o con fron ta-
ram com as reclam ações dos setores sociais m ais fragilizados pelo agrava-
m en to tribu tário: “O povo pode e deve pagar m ais”.
A partir de 1851, o Partido Regen erador açam barcou os lu gares de
represen tação política e redu ziu a tradição n eovin tista e setem brista a
com parsas m en ores da realidade rotativa. Nu m a prim eira fase dessa prá-
tica rotativa, a oposição ao con servadorism o cartista será debilm en te de-
sem pen h ada pelo Partido Histórico do Marqu ês de Lou lé. Mas era u m tão
fraco con traste en tre am bos qu e em 1865 foi possível organ izar u m “ga-
bin ete de fu são”, n o qu al regen eradores e h istóricos con vivem placida-
m en te. A con testação ao “fu sion ism o” partirá de u m setor de partidários
“h istóricos” qu e, clam an do por reform as, con sideraram espú ria e an tin a-
tu ral a coligação “fu sion ista” qu e n asceu deste diverso m odo de ver a pa-
tru lh a partidária do Reform ism o.
A revolu ção espan h ola de 1868 e o dram a san gren to da Com u n a
de Paris de 1871 virão a ser os in spiradores diretos de altern ativas exte-
riores à lógica da m on arqu ia, m edian te a u lterior fu n dação dos partidos
repu blican o e socialista. Den tro do cam po m on árqu ico, porém , foi a in e-
gável prim azia do Partido Regen erador qu e forçou à u n ificação das forças
qu e lh e eram opon en tes. O Pacto da Gran ja de 1876 u n iu os “reform is-
tas” de D. An tón io Alves Martin s, bispo de Viseu , e os “h istóricos” ch efia-
dos por An selm o Braam cam p, fazen do n ascer o Partido Progressista e
in au gu ran do o ch am ado “segu n do rotativism o”. O com prom isso da
Gran ja apresen tava as m elh ores poten cialidades para qu e o n ovo partido
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cia de Berlim sin gu larizou -se por avolu m adas restrições às liberdades pú -
blicas fu n dam en tais. São disso exem plo as persegu ições m ovidas à im -
pren sa pela portaria de 12 de ou tu bro de 1881 e a féru la persecu tória pro-
tagon izada em 1884 por Lopo Vaz, au tor da “lei das rolh as”. Esta acen -
tu ação do au toritarism o receberá in cen tivos com o falecim en to do rei D.
Lu ís e com a su bseqü en te en tron ização de D. Carlos. En qu an to o prim ei-
ro observou cu idadosam en te os lim ites do seu papel con stitu cion al, o se-
gu n do qu is in tervir ativam en te n a política, correspon den do ao pedido
qu e lh e era dirigido por m u itas in dividu alidades sim patizan tes do cesaris-
m o germ ân ico. No gru po in telectu al e gastron ôm ico dos Vencidos da Vida,
próxim o de D. Carlos, form ado por algu m as das glórias literárias do país
(Oliveira Martin s, Gu erra Ju n qu eiro, Ram alh o Ortigão, Eça de Qu eirós)
e por aristocratas perten cen tes à prim eira n obreza do Rein o (Con de de Fi-
calh o, Con de de Sabu gosa, Bern ardo Correia de Melo, Lu ís Pin to de So-
veral, Carlos Lobo de Ávila), eram freqü en tes as in vectivas con tra a situ a-
ção rotativa e con tra o parlam en tarism o. Só u m a factível proxim idade
desses pon tos de vista perm item com preen der a cobertu ra qu e D. Carlos
dispen sou aos m odos de govern ação extrapartidária por on de se en vere-
dou após o Ultim ato in glês de 1890 e a gabin etes apostados em fazer vin -
gar processos ditatoriais. Este agravam en to das con dições da in terven ção
cívica prepara u m a profu n da in flexão n o estilo da propagan da repu blica-
n a. A u m a geração de pedagogos dou trin ários, cren tes n as virtu alidades
do evolu cion ism o político e n a eficácia dos m eios pacíficos de difu são do
seu ideário, su cederá u m a ou tra, m ais jovem , m ais in sofrida e m en os
iden tificada com o determ in ism o teleológico do positivism o.
Peran te a legislação in tern acion al con sagrada n o Ato Fin al da Con -
ferên cia de Berlim , algu n s govern an tes portu gu eses, com o José Vicen te
Barbosa de Bocage, Man u el Pin h eiro Ch agas e An tôn io En es, abraçaram a
idéia de Portu gal poder vir a estabelecer n a zon a m eridion al african a u m
eixo de expan são en tre An gola e Moçam biqu e, su scetível de brin dar o país
com u m a zon a de soberan ia sem solu ção de con tin u idade. Un ir-se-ia o
ociden te an golan o ao orien te m oçam bican o. Sabia-se, porém , qu e a reali-
zação do projeto portu gu ês im olava a expectativa britân ica e o son h o qu e
Cecil Rh odes atiçara com os con ciliábu los servidores da Rain h a Vitória. A
delim itação territorial das preten sões portu gu esas con stava de dois con -
vên ios n egociados em 1885 com a Fran ça e a Alem an h a. Os m apas an e-
xos aos tratados, coloridos a rosa, pu n h am o Zam beze a correr in teiram en -
te em áreas de soberan ia portu gu esa. En tre 1884 e 1889, a Sociedade de
Geografia patrocin ou várias explorações dirigidas às zon as sertan ejas n e-
vrálgicas para a con su m ação do porten toso objetivo. A irritação britân ica
foi su bin do de tom à m edida qu e a estratégia portu gu esa preten dia con so-
lidar posições n a fron teira leste de Moçam biqu e, en tre o Lim popo e o
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Amadeu Carvalho Homem
Zam beze. Com efeito, a am bição portu gu esa de criar n a África u m n ovo
Brasil colidia com o plan o da estrada de ferro tran safrican a qu e os in gleses
alm ejavam con stru ir en tre o Cabo e o Cairo. De tu do isto resu ltou o u lti-
m ato qu e Salisbu ry fez en tregar ao govern o portu gu ês em 11 de jan eiro
de 1890. Nele se in tim ava Portu gal a retirar im ediatam en te todas as su as
forças m ilitares das regiões em litígio. A im plícita am eaça de u tilização de
m eios bélicos con feriu à in tim ativa a força do in apelável.
Os in térpretes do ideário dem oliberal au feriram das van tagen s con -
seqü en tes à gravidade deste m om en to h istórico. É qu e os su cessivos go-
vern os, para ten tarem con trariar a vozearia an ôn im a das ru as e a m aré
dos protestos, en du receram flagran tem en te os seu s m eios de ação. O re-
cu rso a elen cos m in isteriais extrapartidários e a ditadu ras adm in istrativas
foi determ in an te para a ten tativa de in stitu cion alização de agrem iações
in depen den tes qu e pu dessem salvagu ardar a tradição valorativa do radi-
calism o liberal e restau rar o abalado prestígio da n ação. Tan to a Liga Libe-
ral, ch efiada por Au gu sto Fu sch in i e dirigida sobretu do ao elem en to m i-
litar, com o a Liga Patriótica do Norte, presidida por An tero de Qu en tal, obe-
deceram ao propósito de in stalar assem bléias con su ltivas de reflexão, à
m argem da lógica partidária rotativa, n as qu ais se pu dessem debater so-
lu ções de resgate fu tu ro. Foram ten tativas bem in ten cion adas, m as fin al-
m en te abortadas. Con tu do, a crise do u ltim ato porá em relevo u m a n ova
geração repu blican a de propagan distas “ativos”, em fran ca dissidên cia
com os m étodos pu ram en te eleitoralistas, verbalistas e pacíficos até en tão
em voga. Su rgiu u m jorn alism o de com bate, sobretu do iden tificado com
círcu los estu dan tis in vu lgarm en te au dazes. O órgão da Academ ia repu bli-
can a lisbon en se, A Pátria, revelou os n om es de Higin o de Sou sa, Brito Ca-
m ach o e João de Men eses; o estu dan te de m edicin a Edu ardo de Sou sa
pu blicou n o Porto a folh a O Rebate; em Coim bra im prim iu -se O Ultimatum ,
qu e estam pou os agrestes artigos de An tón io José de Alm eida e de Afon -
so Costa. Mas n ão foram apen as os estu dan tes qu e se m ovim en taram . O
jorn alista João Ch agas, con qu istado para a cau sa repu blican a pelo ch oqu e
patriótico do u ltim ato, in cen diou as págin as dos periódicos A República e
A República Portuguesa, am bos su rgidos n o Porto. O segu n do destes órgãos
de im pren sa passou a exarar n u m erosos depoim en tos de m ilitares de bai-
xa paten te, clam an do por u m a exem plar desafron ta qu e restau rasse os
brios feridos do exército portu gu ês.
Foi esta a an tecâm ara da revolta portu en se de 31 de jan eiro de 1891,
ten tativa in gên u a e rom ân tica em qu e em barcaram em otivam en te os três
oficiais a qu e se redu ziu o Estado-Maior dos su blevados (Alferes Malh eiro,
Ten en te Coelh o e Capitão Leitão) e u m a pequ en a m u ltidão de praças de
pré, cabos e sargen tos. Agu en taram -se 8 h oras n a con ten da, an tes de se-
rem obrigados a capitu lar peran te as forças fiéis à m on arqu ia. A revolta fi-
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liava-se flagran tem en te n a m em ória do vin tism o. A prova m ais irrefu tável
desta filiação en con tra-se n o fato de terem sido fielm en te repetidos pelos
su blevados os itin erários e os cerim on iais da distan te – m as recorren te e
obsidian te – revolu ção de 24 de agosto de 1820! Qu e u m tal atavism o de
postu ras se desen cadeie assim , tão sim bolicam en te, a tam an h a distân cia
tem poral, é bem a prova do veio em qu e m ergu lh am as raízes do repu bli-
can ism o portu gu ês. Na su a pan óplia ideológica en con tram os a reivin dica-
ção de u m liberalism o expu rgado da m ácu la cartista, a reclam ação de u m
con stitu cion alism o defen sor dos foros da soberan ia n acion al e a exigên cia
de u m parlam en tarism o sem o açaim o do veto real e do pariato.
A dou trin a do “en gran decim en to do poder real” acabou por sedu -
zir os ch efes dos partidos m on árqu icos m ais represen tativos n u m m o-
m en to em qu e a m orte já ceifara vu ltos com o o de An selm o Braam cam p
e Fon tes Pereira de Melo, defen sores de u m cartism o m ais respeitador do
con vívio plu ral. Tan to a ch efia regen eradora, en tregu e a Hin tze Ribeiro,
com o a progressista, n as m ãos de José Lu cian o de Castro, se m ostraram
perm eáveis a apelos e ten tações liberticidas. Esta n ota é especialm en te vi-
sível n o período qu e m edeia en tre 1893 e 1897. A ditadu ra en cetada por
Hin tze Ribeiro e João Fran co em fin s de de 1893, in au gu ra u m lon go pe-
ríodo de com pressão política e de vigilân cia social. Su prim e-se o pariato
eletivo, im possibilita-se a represen tação das m in orias, fu n da-se u m Ju ízo
de In stru ção Crim in al com en orm es e discricion ários poderes, pu blica-se
legislação fortem en te lesiva das garan tias fu n dam en tais – com o a triste-
m en te fam osa lei an tian arqu ista de fevereiro de 1896, qu e os repu blica-
n os apelidaram de “lei celerada” – e qu erela-se por razões pu eris o jorn a-
lism o oposicion ista. No cam po dem ocrático lavrava a desorien tação. Um
setor repu blican o m ais m oderado ch egou a firm ar com o Partido Progres-
sista u m a “coligação liberal”, sob a vivíssim a discordân cia de correligion á-
rios opositores a tal pacto. A su baltern ização a qu e ficaram con den adas as
oposições, dim in u ídas por u m a legislação eleitoral cerceadora dos seu s di-
reitos de represen tação, determ in ou o seu aban don o su m ário das u rn as
n o ato eleitoral de n ovem bro de 1895, ao qu al só se apresen taram can di-
datos regen eradores. A Câm ara dos Depu tados viu -se redu zida a u m a si-
tu ação m on opartidária, sen do forçada a sim u lar debates parlam en tares
de pu ra circu n stân cia. Qu an do, em fevereiro de 1897, José Lu cian o de
Castro arredou fin alm en te a situ ação regen eradora, os repu blican os ob-
jetores da “coligação liberal” con firm aram as su as pretéritas descon fian -
ças. Man tiveram -se, n o essen cial, todos os aparelh os repressivos h erda-
dos da govern ação an terior. Por isso, o Partido Repu blican o irá persistir
n a su a postu ra de absten cion ism o eleitoral, só vin do a regressar ao su frá-
gio em fin s de 1899. Aliás, a su a desarticu lação era tão preocu pan te qu e
An tón io José de Alm eida, n u m artigo su rgido em fin s de 1903 n o jorn al
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n a”, em n om e dos “in teresses gerais da n ação”, todos aqu eles qu e fossem
in diciados pela au toridade ju dicial. Ficavam tam bém su spen sas as im u n i-
dades parlam en tares dos qu e se m an ifestassem “con tra a segu ran ça do
Estado” ou se apresen tassem com o “in im igos da sociedade”. No dia se-
gu in te, 1º. de fevereiro de 1908, ao regressar a Lisboa n a com pan h ia da
su a fam ília, D. Carlos su cu m biu n u m a esqu in a do Terreiro do Paço, sob
os disparos dos regicidas Man u el dos Reis Bu iça e Alfredo Lu ís da Costa.
O prín cipe real D. Lu ís Filipe foi a ou tra vítim a da san h a assassin a.
A preparação do revolu cion arism o carbon ário acelerou n otoria-
m en te n o período su bseqü en te ao regicídio. A “Alta Ven da”, órgão deli-
berativo da organ ização, passou a in clu ir com o ch efes as person alidades
de Mach ado San tos e de An tôn io Maria da Silva. A palavra de ordem do
triu n virato dirigen te ia n o sen tido de serem aliciadas as bases da h ierar-
qu ia castren se por repu blican os qu e pu dessem in sin u ar-se n os qu artéis
da gu arn ição de Lisboa. Mas n em todos os repu blican os advogavam a so-
lu ção revolu cion ária im ediata. O jorn al O Mundo, acolh en do as orien ta-
ções de Bern ardin o Mach ado e Afon so Costa, passou a exprim ir, após o
regicídio, opin iões de gran de m oderação. Fazia-lh e fren te o gru po do jor-
n al A Luta , arregim en tan do Brito Cam ach o, José Relvas, Malva do Vale,
In ocên cio Cam ach o e José Barbosa. Um dos m ais ativos pregoeiros do re-
volu cion arism o im ediato era João Ch agas, o qu al con vertera os fascícu los
das su as Cartas Políticas em libelos in cen diários.
O tron o era agora ocu pado por D. Man u el II. In experien te, m u ito
in flu en ciado por su a m ãe, algo perm eável aos avan ços do u ltram on tan is-
m o, o jovem rei teve ain da con tra ele o com pleto desm an telam en to do
cam po m on árqu ico. Com efeito, a crise lavrava n o in terior dos partidos
tradicion ais da realeza. A agrem iação dos progressistas ressen tia-se pela
debilidade de m an do de José Lu cian o de Castro, já m u ito alqu ebrado pela
idade avan çada e pela doen ça. O Partido Regen erador, por seu tu rn o,
m ergu lh ou n u m a verdadeira orgia dissolu tória. O falecim en to de Hin tze
Ribeiro, em agosto de 1907, tran sform ara a lu ta pela su cessão n u m circo
de dispu tas sem freio. Em bora Jú lio de Vilh en a tivesse con segu ido o
triu n fo da su a can didatu ra, tal h egem on ia n u n ca foi acatada por ou tros
“n otáveis”. A in stabilidade govern ativa foi o corolário n ecessário deste
con tu rbado pan o de fu n do. Ten h am os presen te qu e en tre fevereiro de
1908 e ou tu bro de 1910 se su cederam , em estado perm an en te de pertu r-
bação e fragilidade, os gabin etes de Ferreira do Am aral, Cam pos Henri-
ques, Sebastião Teles, Wenceslau de Lima, Veiga Beirão e Teixeira de Sou-
sa. Neste agitado cenário, foram completamente ignorados os apelos de Jú-
lio de Vilhena e do próprio D. Manuel II para que se reconstruíssem os par-
tidos históricos.
O congresso republicano que se reuniu em Setúbal entre 23 e 25 de
abril de 1909 ditou a vitória tangencial da facção revolucionária. A Carbo-
281
Amadeu Carvalho Homem
282
JACOBINOS, LIBERAIS E DEMOCRATAS NA EDIFICAÇÃO DO PORTUGAL CONTEMPORÂNEO
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capítu lo 15
285
A. H. de Oliveira Marques
286
DA MONARQUIA PARA A REPÚBLICA
287
A. H. de Oliveira Marques
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DA MONARQUIA PARA A REPÚBLICA
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A. H. de Oliveira Marques
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DA MONARQUIA PARA A REPÚBLICA
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A. H. de Oliveira Marques
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A. H. de Oliveira Marques
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DA MONARQUIA PARA A REPÚBLICA
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A. H. de Oliveira Marques
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DA MONARQUIA PARA A REPÚBLICA
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capítu lo 16
A D EMOCRA CIA FRÁ GIL:
A PRIMEIRA REPÚBLICA
PORTUGUESA (1910-1926)
“um regime débil e caótico que acabou por comprometer a
sorte da democracia em Portugal.”
João Medin a*
“As revoluções são o imprevisto; em nenhum país como este, o imprevisto, se não é
impossível que represente a sorte grande, é provável que seja um bilhete que
saiu branco – uma desilusão e um prejuízo.“
299
João Medina
DESAGREGAÇÃO DO ROTATIVISMO
300
A DEMOCRACIA FRÁGIL: A PRIMEIRA REPÚBLICA PORTUGUESA (1910-1926)
cialista, viu -se depressa sem u m órgão partidário do Repu blican ism o, qu e
garan tiam aos trabalh adores qu e a fu tu ra Repú blica seria “social”. Qu an -
to aos repu blican os, esses n ão logravam sair dos m in ú scu los redis a qu e
os tin h am con den ado as leis eleitorais feitas para favorecer a m aqu in aria
partidária da m on arqu ia, o qu e seria agravado com diplom as verdadeira-
m en te escan dalosos; u m deles, da lavra de Hin tze, ficou m esm o design a-
do por “ign óbil porcaria” (lei eleitoral de 1901) ... por fim , n ota-se qu e o
partido h egem ôn ico por excelên cia, ao lon go de todo o n osso sistem a par-
lam en tar m on árqu ico, o Regen erador – qu e por essa razão m ais tem po
ocu pou o poder en tre 1851 e 1910 –, sofreria, além da referida cisão fran -
qu ista, u m en orm e en fraqu ecim en to in tern o por via das capelas agru pa-
das em torn o de líderes qu e n ão se en ten diam , en tre eles (Teixeira de
Sou sa, Jú lio Vilh en a, Veiga Beirão, Cam pos Hen riqu es etc.). Assim , arre-
dado do jogo parlam en tar a altern ativa in stitu cion al do repu blican ism o e
en tran do em fragm en tação os partidos rotativistas, crescen do en tre algu -
m as facções dissiden tes a ten tação ditatorial ou cesarista – de qu e o Fran -
qu ism o foi a expressão m ais agressiva e calam itosa (J. Vilh en a, n u m arti-
go de 20.X.1907, n o Popular, profetizara qu e aqu ela ditadu ra term in aria
“fatalm en te por u m crim e ou u m a revolu ção”, acaban do aliás por am bos,
pois ao Regicídio – 1.II.1908 – se h avia de su ceder, dois an os volvidos, a
revolu ção do 5 de ou tu bro... ), o Liberalism o oitocen tista torn ara-se, so-
bretu do depois da prim eira experiên cia ditatorial de Fran co (feita de par-
ceria com Hin tze Ribeiro, 1895-1897), u m sim ples cen ário pin tado, u m
m ero acervo de prin cípios em qu e n in gu ém já acreditava.
301
João Medina
302
A DEMOCRACIA FRÁGIL: A PRIMEIRA REPÚBLICA PORTUGUESA (1910-1926)
A REVOLUÇÃO LISBOETA
A crise colon ial fora explorada pelos Repu blican os, cu ja prim eira
ten tativa de tom ada do poder, a im pacien te e desastrada revolta portu en -
se em 1891 era, com o o su blin h aria Basílio Teles n u m a obra célebre ( Do
Ultimatum ao 31 de Janeiro, 1905), o desfech o lógico daqu ele “dia [qu e] va-
leu sécu los”, o do Ultimatum in glês de 11.I.1990. O tron o dos Bragan ças
era apon tado com o o fau tor de todas as desgraças n acion ais, poetas de-
m agógicos com o Ju n qu eiro ou Edo Metzn er celebravam em verso o ódio
an tibrigan tin o, apelan do sem rebu ços ao assassin ato com o qu e ritu al do
m on arca, ao qu al se deitavam todas as cu lpas, o loiro e sibarita D. Carlos,
qu e de fato acabaria varado, assim com o o Prín cipe real, por dois exalta-
dos, Alfredo Costa e Man u el Bu ica, n o Terreiro do Paço (1.11.1908).
Com esse crim e caía a in feliz experiên cia ditatorial de João Fran co
e acelerava-se n os setores repu blican os m ais in trépidos a idéia de con fiar
a u m a associação secreta con spirativa, de in spiração e m odelo m açôn ico,
a Carbon ária portu gu esa – criada em fin s de oitocen tos e liderada en tão
por u m triu n virato a qu e perten ciam Mach ado San tos, Lu z de Alm eida e
An tôn io Maria da Silva, u m oficial de m arin h a, u m bibliotecário e u m en -
gen h eiro civil, respectivam en te –, a tarefa de “pôr a revolu ção n a ru a”,
derru ban do pelas arm as a realeza, o qu e se decidiu por fim n o con gresso
de Setú bal (abril de 1909) do PRP (Partido Repu blican o Portu gu ês),
abrin do assim a via à revolta arm ada, já qu e as eleições n u n ca seriam m é-
todo viável para ascen der ao poder.
Graças a u m form idável trabalh o de sapa e de proselitism o por todo
o país, trein o n o m an ejo de arm as e sobretu do de bom bas, in filtran do os
seu s “bon s prim os” n as Forças Arm adas, m orm en te n a Marin h a, com
seu s bastiões con spirativos solidam en te im plan tados em bairros operários
ribeirin h os de Lisboa, a Carbon ária, ou “m açon aria florestal”, preparou a
revolu ção repu blican a sem n u n ca ver os seu s m an ejos su bversores abor-
tados pela vigilân cia policial, an tes logran do m obilizar algu n s m ilh ares de
h om en s e sobretu do h eroísm os bastan tes para, n o m eio du m a con fu sa e
a todos os pon tos de vista caótica revolta civil e m ilitar, após dois dias de
lu ta, do 4 ao 5 de ou tu bro de 1910, deitar abaixo de u m a m on arqu ia m u l-
tissecu lar, forçan do o jovem D. Man u el II (n ascido em 1889, n o an o m es-
m o em qu e, n o Brasil, triu n fara a Repú blica) a fu gir para a In glaterra,
on de aliás viveria assistido pela galan te colaboração dos h om en s do n ovo
regim e, qu e tin h am previam en te solicitado ao Foreign Office a au torização
303
João Medina
RECOMEÇAR O LIBERALISMO
De fato, tom ada a revolu ção n o seu m ais fu n do an seio e sign ifica-
do, 1910 foi an tes de m ais a terceira ten tativa de estabelecer en tre n ós o
Estado bu rgu ês liberal, após os ten tam es pom balin os e a revolu ção de
1820-1834, e de m odelar u m a sociedade realm en te bu rgu esa, de in stalar
em Portu gal a (até ali falh ada) civilização bu rgu esa. O qu e sign ificava qu e
se tin h am de fato gorado os propósitos sem elh an tes in ten tados sobretu -
do pela revolu ção liberocapitalista do prim eiro m odelo liberal, aqu ele qu e
se en saiara en tre 1820 e 1851. Agora ia ten tar-se u m remake do liberalis-
m o qu e se fru stara e fora ren egado pelos seu s próprios filh os desde os
an os 90, ten tan do de n ovo ergu er u m a sociedade, u m Estado, u m a cu l-
tu ra e u m a sociedade realm en te bu rgu eses sobre os escom bros do fiasco
da an terior ten tativa com prom etida por D. Carlos e João Fran co, para só
citar as cabeças visíveis do im en so processo de desm an telam en to e in u -
m ação dos ideais vin tistas, m in deleiros e regen eradores. O Estado e a so-
ciedade, a econ om ia e a cu ltu ra ressen tiam -se ain da, à altu ra do 5 de ou -
tu bro, do arcaísm o de An tigo Regim e qu e perdu rara apesar da desam or-
tização das propriedades, do en cerram en to das orden s religiosas, da ex-
tin ção do m orgadio, da laicização do en sin o e da vida em geral, e de
qu an tas reform as ju rídicas, fiscais, adm in istrativas, fu n diárias da Silveira,
tin h am en saiado para im plan tar en tre n ós o regim e represen tativo co-
m an dado pela bu rgu esia, segu n do valores bu rgu eses.
Con tu do, com o se disse, Portu gal n ão se m odern izara a fu n do, an -
tes acabar, n a fase da crise n oven tista, por ter sau dades do “an tigam en te”
au toritarista e clerical, em su m a “m igu elista”, de qu e o fran qu ism o, com
os seu s m étodos bru tais, fora u m a varian te atu alizada. Um dos m elh ores
e m ais lú cidos críticos repu blican os do cesarism o fran qu ista, João Ch agas,
debru çan do-se sobre as qu erelas em torn o do clero e do ressu rgir de u m
304
A DEMOCRACIA FRÁGIL: A PRIMEIRA REPÚBLICA PORTUGUESA (1910-1926)
É o Portu gal dos sécu los XVII e XVIII, o Portu gal absolu tista, edu cado pe-
los frades e pelos jesu ítas, com o m esm o fu n do étn ico e a m esm a m en ta-
lidade. É u m Portu gal de torvos in qu isidores, de grotescos ch ech és, de ca-
pitães-m ores, de beatas, de peraltas, de sécias, de vates de eirado e de ra-
tos de sacristia, trescalan do ao fartu m dos tem pos om in osos. Esse Portu gal
reviveu com a crise fin al da din astia. Era u m sedim en to social, u m depó-
sito com o o qu e existe n o fu n do de garrafas. A sociedade agitou -se. Ele
veio acim a e tu rvou -a. O qu e restou de extin to, de m orto n a alm a portu -
gu esa adqu iriu vida, adqu iriu m ovim en to, en trou em atividade. ( Cartas po-
líticas, 2ª série, 21.IV.1909).
A VERGONHA DA “ADESIVAGEM”
305
João Medina
popu lar e n acion al em torn o do m ito de Cam ões etc. Nu m a Eu ropa con -
servadora e predom in an tem en te m on árqu ica, a isolada Repú blica lu sa –
só h avia m ais du as, a h elvética e a fran cesa – posta de qu aren ten a pela
“fiel aliada” e m alvista pela Espan h a de Afon so XIII, qu e n ão h esitaria em
dar gu arida aos m on árqu icos portu gu eses – ou “talassas”, com o eram en -
tão design ados – ali h om izados com in tu itos de organ izarem as in cu rsões
arm adas con tra o n ovo regim e (o qu e fariam em 1911 e 1912) – h esita-
va en tre o certo radicalism o extrem o n os propósitos e u m a pru den te n e-
cessidade de se “con solidar” an tes de pôr em prática as su as reform as.
Estas tin h am m u ito a ver com os escân dalos de corru pção, com pa-
drio e sobretu do com os “adiam en tos” qu e a fam ília real se h abitu ara a
pedir ao erário pú blico, con fu n din do-o com o erário régio, com m an ifes-
to preju ízo do prim eiro, casos qu e tin h am de fato m an ch ado a repu tação
tan to da din astia com o do pessoal político dirigen te, sen do im pu tada a
Fran co a m an eira atrabiliária com o liqu idara esse caso, em plen a ditadu -
ra, e forn ecen do con tas m an ipu ladas de m olde a darem essas dívidas
com o saldadas. Em pen h ado em m oralizar e in iciar vida n ova, o n ovo re-
gim e com eçou portan to por qu erelar o an tigo dotador Fran co, qu e aca-
baria aliás ilibado, prim eira das m u itas desilu sões e falh an ços do projeta-
do “Dies Irae” repu blican o qu e, com o o con fessaria de n ovo João Ch agas,
era m ais u m “idílio” do qu e o prom etido dia do castigo.
O fenômeno da “adesivagem”, um dos mais impressionantes e curio-
sos m ovim en tos sociais e políticos da n ossa classe política n os tem pos m o-
dern os, com plicaria ain da m ais os ru bros propósitos de barrela, castigo,
em en da e cau térico qu e se tin h am desde sem pre associado à idéia de in s-
tau ração en tre n ós du m regim e de barrete frígido, ou seja, h on esto, reto,
fratern o, igu alitário e livre, abn egadam en te devotado à regen eração da
vida portu gu esa; os “aderen tes” ou “adesivos” eram aqu eles qu e, ten do
servido à Mon arqu ia em lu gares de destaqu e ou m esm o em fu n ções m a-
n ifestam en te repressivas (gu arda m u n icipal, polícia, exército), se passa-
vam para o n ovo regim e, m u dan do de cam isa, lábaro e con vicções com
u m a fu lm in an te rapidez, su scitan do assim a in dign ação com preen sível
dos pou cos m on árqu icos qu e se m an tin h am fiéis à ban deira azu l e bran -
ca, assim com o dos velh os repu blican os “h istóricos”, qu e viam en trar de
roldão n os arraiais da Repú blica aqu eles m esm os qu e, ain da on tem , os
persegu iam , descrim in avam , espadeiravam ou espin gardeavam .
O fen ôm en o da “adesivagem ”, cu ja am plidão im pression ou e des-
gostou as alm as retas e fez as delícias dos gazetilh eiros e caricatu ristas,
su scitan do m esm o u m a revista satírica ch am ada O Adesivo (1911), ali-
m en taria até o fin al da Repú blica os protestos, a irritação, a cólera ou a
sim ples m ofa de qu em via deste m odo im oral o tem plo do n ovo regim e
assaltado por clien telas fam élicas e deson estas, raceosas de perderam po-
306
A DEMOCRACIA FRÁGIL: A PRIMEIRA REPÚBLICA PORTUGUESA (1910-1926)
sições, em pregos, preben das ou sin ecu ras. Foram pou qu íssim os os qu e,
com o Paiva Cou ceiro ou Parati, se n egaram a “aderir” a n ova ban deira
verde-ru bra e se m an tiveram fielm en te in tran sigen tes n o seu am or pelo
an tigo regim e caído. Figu ras m in isteriais, da m agistradu ra, da diplom acia,
do exército, da polícia, do clero, da u n iversidade, do fu n cion alism o pú bli-
co ou in telectu ais fam osos celebrizaram -se pela su a “adesivagem ” qu e
iam do rábido Pe. Matos (qu e com eçara por fu gir para Espan h a, don de
m an daria a su a en vergon h ada declaração de adesão à Repú blica), a polí-
ticos com o José Maria de Alpoim , Teixeira de Sou sa, Ferreira do Am aral,
Cerveira de Albu qu erqu e, Leote do Rego, Norton de Matos, ou escritores
com o Hen riqu e Lopes de Men don ça, Abel Botelh o, Jú lio Dan tas etc. O
m oderan tism o prático e a au sên cia de au tên tico “Dies Irae” repu blican o
derivam em larga m edida deste fen ôm en o de “adesivagem ” qu e m u ito
degradou as gran des esperan ças de verdadeira reform a e em en da dos m a-
les n acion ais depositadas n o adven to do n ovo regim e. Se, com o dizia u m
jorn al sin dicalista lisboeta, a realeza m orrera “pu lh am en te” ( A Sementeira,
n º. 26, ou tu bro de 1910), a verdade é qu e a im acu lada im agem da espe-
ran çosa Repú blica, m u lh er virgin al, aparecia desde as prim eira h oras
con spu rcada pelo lodo dos “adesivos”, qu e se lh e colavam ao corpo com o
san gu essu gas, com o aliás o explicava u m desen h o do Suplemento Ilustrado
(27.XI.1910, des. De A. Moraes): “Percebo, m en in os ... Aderem , com o as
san gu essu gas!”
A “BALBÚRDIA SANGUINOLENTA”
307
João Medina
a Repú blica, torn aram -n a an êm ica, in capaz, paralizada por in decisões, re-
voltas, bern ardas castren ses, sobressaltos, – era a “balbú rdia san gu in olen -
ta” prevista u m a vez por Eça de Qu eirós –, e erros fu n estos.
Destes, u m dos m ais graves talvez ten h a sido a declaração de gu er-
ra, lan çada n os prim eiros dias e depois extrem ada por Afon so Costa com
a su a lei de Separação das Igrejas (u m plu ral in ju stificado...) e do estado
(20.IV.1911), verdadeiro aríete lan çado con tra os católicos, o clero e tu do
o qu e em Portu gal, para o m elh or e para o pior, represen tava a vivên cia
da religião tradicion al. Esta gu erra cu staria im en so à Repú blica, n a m edi-
da em qu e, som ada a ou tros con flitos n ão m en os can den tes, redu ziria
cada vez m ais o cam po dos qu e apoiavam o Novo Regim e: os 16 an os qu e
m edeiam en tre a revolu ção de 1910 e o golpe castren se de Braga em 1926
são a crôn ica m on óton a, fren ética, qu ase sem pre san gu in olen ta, de desi-
lu sões con stan tes e desvarios in fin dáveis, em ritm o cada vez m aior, crô-
n ica du m a progressiva degradação do ideal, da fé e da esperan ça n u m re-
gim e qu e fora, con tu do, proclam ado, sau dado e apoiado com u m a u n a-
n im idade en tu siástica e qu ase m essiân ica, qu e raram en te se terá con h e-
cido n ou tras épocas da n ossa História de oito sécu los. Os assassin atos da
“Noite San gren ta” (19.X.1921) – a “n oite in fam e”, com o lh e ch am ou
Rau l Bran dão –, du ran te a qu al tom bam fu n dadores da Repú blica com o
Mach ado San tos, An tôn io Gran go e Carlos da Maia, leva ao clím ax esta
dan sa m acabra qu e só term in aria de vez cin co an os depois.
Ao n ú m ero dos in im igos da Repú blica con vém acrescen tar o ope-
rariado, depressa desilu dido com os preten sos in tu itos sociais do n ovo re-
gime – “Oh! A República!...” , gemeria a revista Terra Livre (nº. 11, 24.IV.1913),
desen gan ada da u tilidade de ter trocado u m m on arca por u m Presiden te
da Repú blica –, qu e n ão tardaria aliás em fazer m an ifestações con tra as
greves e em disparar sobre u m cortejo de m u lh eres qu e pediam au m en -
to de salário, em Setú bal (m arço de 1911), ao m esm o tem po qu e a “lei
bu rla” de Brito Cam ach o sobre a greve, com o lock-out igu alm en te garan -
tido, levaria os sin dicalistas e as m assas trabalh adoras em geral a in icia-
rem u m con ten cioso com a repú blica, qu e teria m om en tos dram áticos em
1912 (declaração do estado de sítio em Lisboa, prisões em m assa de sin -
dicalistas, m etidos em porões de n avios su rtos n o Tejo, en cerram en to da
Un ião Operária Nacion al, deportações de sin dicalistas para presídios alen -
tejan os...), 1913 (en cerram en to da Casa Sin dical, repressão violen ta con -
tra os “an arqu istas”, expu lsão de Pin to Qu artim para o Brasil), 1917,
1918 etc.
Este divórcio en tre operariado e repú blica n u n ca m ais seria san a-
do, em bora aqu i e além , m u ito pon tu alm en te com o du ran te a revolta
m on árqu ica de Mon san to (jan eiro de 1919), trabalh adores pegassem em
arm as con tra sedições talassas, para defen der u m regim e qu e, afin al, lh es
308
A DEMOCRACIA FRÁGIL: A PRIMEIRA REPÚBLICA PORTUGUESA (1910-1926)
pagava sem pre com tiros, assaltos à Casa Sin dical, deportações, prisões ar-
bitrárias e leis an ti-sociais.
Ou tro setor qu e depressa se afastaria da repú blica foi o exército,
cu jo con ten cioso de algu m m odo com eçara n o próprio dia da revolu ção
de ou tu bro de 1910: im plan tado pelas ram as. O regim e n u n ca lograria,
porém , reform ar e dem ocratizar o exército de m olde a tran sform á-lo n o
seu braço arm ado, preferin do criar a Gu arda Repu blican a com o força pre-
torian a, aliás in clin ada a segu ir o seu próprio cam in h o. A en trada n a
gu erra, em 1916 – m as desde 1914 qu e com batíam os em An gola con tra
as tropas alem ãs –, u m dos erros m ais obstin adam en te levados adian te
pela Repú blica, com o álibi da defesa das colôn ias – cu ja partilh a a Ale-
m an h a e a In glaterra tin h am projetado em 1898 e depois em 1913 –,
acarretou dram as su plem en tares para as Forças Arm adas, m an dadas m or-
rer sem glória n a Flan dres ou n as “epopéias m alditas” dos sertões africa-
n os, prim eiro em An gola, depois em Moçam biqu e. Destes trau m as deri-
varia u m con stan te m al estar n as fileiras, en tre as qu ais cresceria aliás a
idéia de qu e delas devia partir precisam en te a derru bada do regim e qu e,
n ascido das arm as, com elas h avia de perecer.
Nu n ca as ten do con segu ido con trolar, a Repú blica m orreria logica-
m en te degolada pelas du rin dan as. In capaz de criar u m exército realm en -
te repu blican o, de m odelo h elvético com o son h ara a propagan da dos
apóstolos repu blican os, in capaz de o dotar de ch efes de con fian ça, ideo-
logicam en te en qu adrados n a m en talidade triu n fan te em 1910, a Prim eira
Repú blica lim itara-se afin al a abalar a velh a in stitu ição m ilitar com h u m i-
lh ações e tarefas in glórias, de qu e a n ossa in terven ção n a gu erra de 1914-
1918 foi o episódio m ais calam itoso.
309
João Medina
próprio regim e qu e assim , acin tosa e fron talm en te, desafiava a m ilen ar
in stitu ição con fession al, tão fu n dam en te en raizada n a m en talidade e n os
costu m es portu gu eses. Se as ch am adas “aparições” de Fátim a ocorreram
em 1917, em plen o govern o (o terceiro e ú ltim o) de Afon so Costa, tal fa-
to n ada tem de casu al: o m ilagrism o ou m essian ism o du m país com o o
n osso reagia deste m odo, pelo cu lto m ariân ico e pelo recu rso ao m ilagre,
em plen a gu erra, a rábida h ostilização afron tosam en te decretada pelo
dito político beirão, esse “Costa Cabral da Repú blica”, com o lh e ch am ou
Carlos Malh eiro Dias ( Zona de Tufões, 1912; repetiu -o Roch a Martin s n ’ Os
Fantoches, 1ª série, 20.I.1914).
Qu an do Sidôn io Pais, fortem en te apoiado por todos os setores h os-
tis ao “gu errism o” e ao seu partido (o Partido Dem ocrático de Afon so Cos-
ta), desde os operários à aristocracia, passan do pelo clero, tom a o poder
(dezem bro de 1917), u m a das su as prim eiras m edidas seria a de pôr fim às
disposições qu e, desde 1910, os m in istros da Ju stiça do Novo Regim e ti-
n h am vin do a decretar con tra todos os bispos, a pon to de, já em 1912, doze
prelados estarem su spen sos, destru ídos ou desterrados (m edidas tom adas
por apen as dois m in istros da referida pasta, A. Costa e An tôn io Macieira).
Sidôn io pu n h a assim fim à “irritan te qu estão” (com o lh e ch am aria,
m ais tarde, Salazar), dan do os passos diplom áticos n ecessários para reatar
relações com a San ta Sé, e com eçan do por dar ele m esm o o exem plo do
n ovo espírito de relacion am en to Igreja/ Estado, ao ser o prim eiro Presi-
den te da Repú blica portu gu esa a en trar n u m tem plo católico para ali as-
sistir a u m a cerim ôn ia em m em ória dos n ossos soldados tom bados n a
gu erra. Praticam en te liqu idado en tão o con ten cioso Repú blica/ Igreja, res-
tabelecidas as relações en tre a Repú blica portu gu esa e o Vatican o (teve
papel de relevo n estas n egociações o n osso fu tu ro prêm io Nobel da Me-
dicin a, Egas Mon iz, en tão Min istro de Sidôn io Pais), a fase pós-sidon ista
(1918-1926) – a qu e se ch am ou “a n ova Repú blica Velh a” (já qu e o sido-
n ism o ou dezem brism o fora design ado por Repú blica Nova”) – já n ão co-
n h eceria as en orm es dificu ldades qu e tin h am pau tado as relações Igre-
ja/ Estado. Mas n ão deixaria esse con ten cioso de acicatar o m ovim en to
político católico, qu e desde o fim da Prim eira Gu erra Mu n dial decide afir-
m ar-se au ton om am en te n o cam po partidário, estim u lado n esse sen tido
pelos Papas Ben to XV e Pio XI, caben do a Salazar papel de relevo n esta
estratégia “dem ocrata cristã”.
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A DEMOCRACIA FRÁGIL: A PRIMEIRA REPÚBLICA PORTUGUESA (1910-1926)
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João Medina
qu artel qu e a Prim eira Repú blica m overa à Igreja portu gu esa e com an da-
das por este estratego e teorizador form ado n o C. A. D. C. de Coim bra aca-
basse por ser o ditador esperado pela ditadu ra in iciada em 1926 era, ao fim
e ao cabo, u m “ju ste retou r des ch oses”: o regim e im plan tado em 1910
persegu ira a Igreja e ten tara esm agá-la, caben do agora, m u ito n atu ral-
m en te portan to, a u m dos prin cipais dirigen tes católicos form ados n esses
an os de ch u m bo e h u m ilh ação assen h orear-se do Estado, desterrar a de-
m ocracia e govern ar com m ão de ferro u m país on de os m ilitares degolada
a repú blica, tin h am procu rado qu em fosse capaz de segu rar o tim ão do go-
vern o, e m an tê-lo fixo n u m a direção certa e ordeira. E este sabia o qu e
qu eria e para on de ia, com o o disse com sibilin o lacon ism o n u m discu rso
de 1930…
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A DEMOCRACIA FRÁGIL: A PRIMEIRA REPÚBLICA PORTUGUESA (1910-1926)
N OTA S
1. Lem brem os algu n s n om es de escritores e an alistas políticos – e títu los de jorn ais ou pan -
fletos – n os qu ais a crítica à bu rla do su frágio do con stitu cion alism o m on árqu ico foi con s-
tan te e particu larm en te agu da: Rafael Bordalo Pin h eiro n os sem in ários satíricos An tôn io
Maria (du as séries: 1879-1884 e 1891-1898) e Pontos nos ii (1885-1889), o pan fleto A Lan-
terna, Jú lio Din is n a Morgadinha dos Canaviais (1868), Eça e Ram alh o Ortigão n as Farpas
(desde 1871 em dian te), Gu ilh erm e de Azevedo e Gu erra Ju n qu eiro n a peça satírica Viagem ,
Pin to em O Sr. Deputado (1882), o rom an cista repu blican o Teixeira de Qu eirós em Saústico
Nogueira (1883), o m on árqu ico Con de de Ficalh o em Uma eleição perdida (1888), o político
m on árqu ico dissiden te Au gu sto Fu sch in i n o seu exam e crítico da Regen eração in titu lado O
presente e o futuro de Portugal, etc.
313
João Medina
B IBLIOGRA FIA
OBRAS GERAIS
MEDINA, J. (Dir.) História de Portugal dos tempos pré-históricos aos nosso dias.
15v. Alfragide: Ediclu be, 1993.
___. História de Portugal Contemporâneo – político e in stitu cion al. Lisboa:
Un iversidade Aberta, 1994.
OBRAS ESPECÍFICAS
314
capítu lo 17
O ESTA D O N OVO.
FA SCISMO, SA LA ZA RISMO E EUROPA
Lu ís Reis Torgal*
315
Luís Reis Torgal
FA SCISMO E SA LA ZA RISMO
Ao su bin titu larm os este texto “Salazarism o, Fascism o e Eu ropa”,
n ão preten dem os repor u m a velh a polêm ica qu e se desen volveu em dois
plan os com plem en tares: por assim dizer, de fora para den tro e de den tro
para fora. Expliqu em os m elh or: n ão desejam os voltar a discu tir a qu estão
ou as qu estões de saber se é ou n ão legítim o falar de “Fascism o” com o u m
con ceito fu n dam en tal para caracterizar regim es qu e, apesar de diferen tes,
são com u n s em pon tos essen ciais e qu e con stitu em sistem as próprios de
“u m a época”, e, por ou tro lado, de qu estion ar sobre o problem a da legiti-
m idade de con siderar o Estado Novo portu gu ês u m a form a de “Fascism o”.8
O qu e desejam os foi sim , pela ju n ção dos três con ceitos, abarcar m elh or
toda a profu n didade e latitu de do problem a em debate. Qu er dizer, segu n -
do pen sam os n ão seria possível en ten der a qu estão do posicion am en to do
Salazarism o peran te a Eu ropa, se n ão n os in terrogássem os sobre as su as
relações com os “fascism os” (con ceito qu e con sideram os poder con tin u ar
a u tilizar) e tam bém – acrescen tam os – com ou tros con ceitos e realidades
políticas básicas, tais com o “dem ocracia” e “com u n ism o”.
A dem arcação das origin alidades do Estado Novo parte de afirm a-
ções in sisten tes do próprio Salazar, m an ifestadas n o prin cípio do seu con -
su lado e qu e se prolon gam du ran te o a su a govern ação.
Logo n a en trevista dada a An tôn io Ferro, em 1932, afirm ou , falan do
da ditadu ra m ilitar portu gu esa: “A n ossa ditadu ra aproxim a-se, eviden te-
m en te, da ditadu ra fascista n o reforço da au toridade, n a gu erra declarada a
certos prin cípios da dem ocracia, n o seu caráter acen tu adam en te n acion alis-
ta, n as su as preocu pações de ordem social. Afasta-se, n os seu s processos de
ren ovação. A ditadu ra fascista ten de para u m cesarism o pagão, para u m Es-
tado Novo qu e n ão con h ece lim itações de ordem ju rídica ou m oral, qu e
m arch a para o seu fim , sem en con trar em baraços ou obstácu los”.9
Portan to, Salazar qu e adm irava Mu ssolin i, a pon to de ter a su a fo-
tografia n a m esa de trabalh o 10 e de ter preparado u m a su a foto com dedi-
catória en dereçada ao Duce11 qu is salien tar o caráter próprio do sistem a,
con sideran do a ain da existen te ditadu ra, saída do 28 de m aio, em bora a
dar o passo decisivo para o n ovo regim e, com o u m a form a de au toritaris-
m o “m oral”, ao passo qu e en ten dia o fascism o com o u m a ditadu ra “am o-
ral”, “m aqu iavélica”. In clu sivam en te, para distin gu ir bem os dois regi-
m es, argu m en tou com a célebre afirm ação de Mu ssolin i, cau sa de algu -
m as con fu sões sobre a caracterização dos regim es au toritários da Eu ropa
do tem po: “O fascism o é u m produ to típico italian o com o o bolch evism o
é u m produ to ru sso. Nem u m n em ou tro podem tran splan tar-se e viver
fora da su a n atu ral origem ”.12
E apen as para dar m ais u m exem plo, em bora este m en os claro n o
con fron to com o fascism o, m as m ais rico em ou tros aspectos, vejam os o
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S A LA ZA R, SA LA ZA RISMO E “EUROPA ”
As idéias do Salazarism o sobre a “Eu ropa” su põem ou têm su bja-
cen te as segu in tes qu estões e posições:
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a lu ta da “dem ocracia” con tra o n azism o, isto é, con tra o “Estado totali-
tário”. Esta in tegração tin h a os seu s cu stos teóricos e práticos e, assim ,
com o já dissem os, Salazar teve tam bém de salien tar qu e essa afirm ação e
essa lu ta “n ão en volviam o ataqu e a form as diversas de organ ização do
Poder”, qu eren do com isto exclu ir Portu gal da acu sação de Estado fascis-
ta. Ao con trário, n u m verdadeiro jogo de cin tu ra, preten deu m ostrar qu e,
em term os de “alcan ce social”, os “verdadeiros dem ocratas” éram os
“n ós”. É n u m discu rso n otável proferido n a Assém bleia Nacion al em 18
de m aio de 1945 qu e deparam os com este raciocín io de circu n stân cia,62
de qu e ain da se ou vem ecos n a lógica de algu n s “salazaristas”, qu e con ti-
n u am a acreditar n a eficácia do Estado corporativo. Mas n esse m esm o
discu rso, Salazar volta a exclu ir o país da aceitação do parlam en tarism o e
das solu ções federalistas da Eu ropa, ao m esm o tem po qu e salien ta o pa-
pel especial de Portu gal n a recon stitu ição do Ociden te”.63
A posição do Estado Novo portu gu ês procu rava, pois, afirm ar-se e
m an ter-se n u m a situ ação sui generis, só aceitan do pactu ar o m ín im o in -
dispen sável com os “ven tos da História”. É qu e Salazar con tin u ava a afir-
m ar, agora em razão da “vitória das dem ocracias” e do avan çar do perigo
com u n ista, qu e a Eu ropa e o Mu n do estavam em crise m oral acelerada –
“O Mu n do está ch eio de idéias falsas e palavras vãs”, proclam ava ele,64 de
qu e era n ecessário salvar o país. Portu gal esteve n a Sociedade das Nações
(SDN), propu n h a-se en trar n a ONU, m as isso n ão alteraria su bstan cial-
m en te a su a lin h a de ru m o. E a lin h a da su a política extern a seria de tipo
atlân tico. “Den tro ou fora das Nações Un idas, a n ossa política extern a n ão
tem sen ão de segu ir, ao lado dos tradicion ais im perativos h istóricos e geo-
gráficos, as claras in dicações do ú ltim o con flito. O cen tro de gravidade da
política eu ropéia… sen ão da política m u n dial, deslocou -se m ais ain da
para oeste e situ ou n o prim eiro plan o o Atlân tico, com os estados qu e o
rodeiam . Em recon h ecê-lo n ão deixam os de ser eu ropeu s; o qu e dam os é
m ais largo sen tido ao Ociden te.65
Está aqu i traçado, n este texto fu n dam en tal de u m seu discu rso de
1946, o perfil da su a con cepção de “Eu ropa”, qu e depois an alisarem os
com u m pou co m ais de cu idado. Por en qu an to preocu pem o-n os com as
qu estões qu e a explicam . Um a das m ais im portan tes será a realidade pró-
pria de Portu gal com o u m país colon izador e qu e teim ava em con tin u ar
a ju stificar essa posição. Se essa situ ação teve de levar Salazar a alterar
n os an os 50 a estru tu ra ju rídico-política do Estado – só desta form a lh e
foi perm itido en trar em 1955 n a ONU, pelas m ãos dos Estados Un idos e
da Grã-Bretan h a – o certo é qu e ela con stitu iu o gran de problem a portu -
gu ês e a cau sa do aban don o do apoio dos países Aliados, bem com o, a cer-
to prazo, o m otivo da qu eda do regim e.
Salazar, à m edida qu e se esforçava por m an ter a im agem paradisía-
ca de Portu gal – ain da em 1951, falan do das “su bversões” do Mu n do, “n a
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“EUROPEÍSMO” E “ANTIEUROPEÍSMO”
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N OTA S
1. GARCIA, M. M. Arquivo de Salazar. Inventário e Índices. Lisboa: Estam pa, 1991.
2. Este texto qu e agora pu blicam os é u m a refu n dição e atu alização do artigo Salazarism o,
Fascism o e Eu ropa. Vértice, p.41-52, jan .-fev., 1993; n ova edição: O Estu do da História. Bo-
letim da Associação de Professores de História ( Lisboa), II série, n .12-13-14-15, p.111-34, 1990-
1993. No con texto da m esm a tem ática e retom an do, em boa parte, idéias desse artigo, pu -
blicam os tam bém : Salazarism o, Alem an h a e Eu ropa. Discu rsos Políticos e Cu ltu rais. Revista
de História das Ideias, n .16. Do Estado Novo ao 25 de Abril, 1994, p.73-104; pu blicado tam -
bém em SANTOS, M. L. dos, KNEFELKAMP, U., HANENBERG, P. (Org.) Portugal und Deuts-
chland auf dem Weg nach Europa (Portugal e a Alemanha a caminho da Europa. Cen tau ru s-Ver-
lagsgesellsch aft, Pfaffen weiler, 1995. p.193-219, e em TELO, A. J. (Coord.) O fim da Segun-
da Guerra Mundial e os novos rumos da Europa. Lisboa: Cosm os, 1996. p.241-262.
3. Na BGUC o “Fu n do Pedro de Mou ra e Sá” tem u m a excelen te coleção de obras sobre a
Eu ropa. Relativam en te à bibliografia sobre a Eu ropa em Portu gal n o sécu lo XX, ver LAN-
DUYT, A. (Org., Ed.) Europa Unita e Didactica Integrata. Storiografie e Bibliografie e Confronto / A
United Europa and Integrated Didactics. Historiographies and Bibliographies Compared / Europe
Unie et Didactique Intégrée. Historiographies et Bibliographies Comparées. Sien a: Protagon Editori
Toscan i, 1995. - Portu gal e a In tegração Eu ropéia / Portu gal an d th e Eu ropean In tegration ”
(Lu ís Reis Torgal e Maria Man u ela Tavares Ribeiro), p.130-139 e seleção bibliográfica in te-
grada.
4. Ver AMEAL, J. (Dir.) Dez anos de política externa. 10 v., Lisboa: Im pren sa Nacion al, Anais da
Revolução Nacional, particu larm en te v.V, Barcelos, Com pª. Editora do Min h o, 1956; TEIXEI-
RA, L. Neutralidade colaborante. Lisboa, 1945 (Prêm io Afon so de Bragan ça, do Secretariado
Nacion al de In form ação); CASTRO, A. de Subsidios para a história da política externa portugue-
sa durante a guerra. Lisboa: Livraria Bertran d, s.d.; GOMES, M. Política Externa. Edições Além ,
1953 e NOGUEIRA, F. História de Portu gal, II su plem en to. 1933-1974. In : BARCELOS (Ed.)
História de Portugal. Porto: Civilização, 1981 e Salazar, especialm en te v. III e IV.
5. OLIVEIRA, C. Salazar e a Guerra Civil de Espanha. Lisboa: O Jorn al, 1987.; LOFF, M. Sala-
zarismo e Franquismo na época de Hittler (1936-1942). Porto: Cam po das Letras, 1996, e RODRÍ-
GUEZ, A. P. El Estado Novo de Oliveira Salazar y La Guerra Civil Española: In form ación , Pren sa
y Propagan da (1936-1939). Madri, 1997. Tese (Dou torado) – Un iversidade Com plu ten se de
Madrid, (Policopiada).
6. TELO, A. J. Portugal na Segunda Guerra Mundial. Lisboa: Perspectivas e Realidades, 1987;
___. Propaganda e guerra secreta, 1939-1945. Lisboa: Perspectivas e Realidades, 1990; ___. Por-
tugal na Segunda Guerra (1941-1945). Lisboa: Veja, 1991. 2v.; ROSAS, F. O Salazarismo e a
aliança luso-britânica. Lisboa: Fragm en tos, 1998; ___. Portugal entre a Paz e a Guerra. Lisboa:
Estam pa, 1990; CARRILHO, M., et al. Portugal na Segunda Guerra Mundial. Con tribu tos para
u m a Reavaliação. Lisboa: Dom Qu ixote, 1989; ANDRADE, L. V. de. Neutralidade colaborante.
O Caso de Portu gal n a Segu n da Gu erra Mu n dial. Lisboa: Pon ta Delgada, 1993. ROLLO, F.
Portugal e o Plano Marshall. Lisboa: Estam pa, 1994.
7. Note-se, todavia, qu e esta qu estão tem sido por vezes abordada, em algu m as obras gerais
sobre o Salzarism o. Por exem plo, C. OLIVEIRA apresen tou sobre ela algu m as reflexões n o
seu livro Salazar e o seu tempo. Lisboa: O Jorn al, 1991. Sobretu do cap. III.
8. Pode-se en con trar u m levan tam en to do problem a n a obra de PINTO, A. C. O salazarismo
e o fascismo europeu . Problem as de In terpretação n as Ciên cias Sociais. Lisboa: Estam pa, 1992.
En tre ou tros, e destacam os aqu i o recen te en saio de SCHIRÓ, L. B. de. A experiência fascista
em Itália e em Portugal. Lisboa: Edições Un iversitárias Lu sófon as, 1997, poderem os dizer qu e
n ós próprios participam os n este debate com u m artigo, pu blicado n o Brasil e qu e em breve
terá u m a edição refu n dida em Espan h a: Estado Novo em Portu gal: En saio de Reflexão so-
bre o seu Sign ificado. Estudos Ibero-Americanos (Porto Alegre), PUCRS, n .1, v.XXIII, p.3-32,
ju n . 1997.
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49. “Exposição sobre a política in tern a e extern a”, n otas taqu igráficas de u m discu rso diri-
gido às n ovas com issões da Un ião Nacion al, n u m a sala de biblioteca da Assem bléia Nacio-
n al, em 18 de agosto de 1945, Discursos, IV; p.142.
50. “Votar é u m gran de dever”, discu rso proferido n u m a das salas da biblioteca da Assem -
bleia Nacion al em 7 de ou tu bro de 1945, Discursos, IV, p.175.
51. “Relevân cia do fator político...”, discu rso já citado, Discursos, IV, p.254.
52. Ibidem , p.255 ss.
53. “A Posição Portu gu esa em face da Eu ropa, da Am érica e da África”, discu rso proferido
n a sede da Assem bléia Nacion al em 23 de m aio de 1959, Discursos, VI, p.67.
54. “Miséria e m edo...”, discu rso citado (25.11.1947), Discursos, IV, p.289 ss.
55. “Pan oram a da política m u n dial”, en trevista cit. ( Le Figaro, 2-3.9.1958), Discursos, VI, p. 6.
56. Ibidem , p.3 ss.
57. Cf. “Erros e fracassos da era política”, discu rso proferido n a posse da Com issão Execu ti-
va da Un ião Nacion al, em 18 de fevereiro de 1965, Discursos, v.VI, p.368.
58. “Portu gal, a Alian ça In glesa e a Gu erra de Espan h a”, discu rso proferido n a sala dos “Pas-
sos Perdidos” da Assem bléia Nacion al, em 6 de ju lh o de 1937, ao agradecer aos oficiais de
terra e m ar as h om en agen s qu e lh e prestaram pelo m alogro do aten tado de qu e foi alvo n o
dia 4, Discursos, v.II, p.304.
59. Ibidem, p.302.
60. Em especial sobre os film es Revolução de Maio (1937) e Feitiço do Império (1940), de An tô-
n io Lopes Ribeiro, ver o n osso artigo Cin em a e Propagan da n o Estado Novo. “A con versão
dos Descren tes”. Revista de História das Ideias ( Coimbra) , n .18, p.277-337, 1996.
61. O Século, 2.8.1940.
62. “Portu gal, a gu erra e a paz”, discu rso cit., Discursos, v.IV, passim , n om eadam en te p.106,
114, 119-120.
63. Ibidem , p.110 ss. Ver tam bém “Exposição sobre política extern a”, n otas sobre u m dis-
cu rso cit. (18.8.1945), p.142 ss., e “Votar é u m gran de dever”, discu rso cit. (7.10.1945),
p.169 ss.
64. “Ideias falsas e palavras vãs (Reflexões sobre o ú ltim o ato eleitoral)”, discu rso proferido
n a reu n ião das com issões dirigen tes da Un ião Nacion al, realizada em 23 de fevereiro de
1946, n u m a sala da biblioteca da Assem bléia Nacion al, Discursos, v.IV, p.213.
65. Ibidem , p.211-12.
66. “In depen dên cia da política n acion al – su as con dições”, discu rso proferido n a sessão
in au gu ral do III Con gresso da Un ião Nacion al, em Coim bra, a 22 de n ovem bro de 1951, Dis-
cursos, v.V, p.51 ss.
67. “Qu estões de política in tern a”, discu rso proferido n u m a das salas da biblioteca da As-
sem bléia Nacion al, dirigido aos Govern adores Civis, às com issões distritais da Un ião Nacio-
n al e aos can didatos a depu tados, em 20 de ou tu bro de 1949, Discursos, v.IV, p.449 ss.
68. “Goa e u n ião in dian a (Aspectos econ ôm ico, político e m oral)”, discu rso proferido em 12
de abril de 1954, ao m icrofon e da Em issora Nacion al, Discursos, v.V, p.189.
69. “A atm osfera m u n dial e os problem as n acion ais”, discu rso proferido em 1º. de n ovem -
bro de 1957, ao m icrofon e da Em issora Nacion al, Discursos, v.V, p.427.
70. En trevista cit., Discursos, v.VI, p.11.
71. Ibidem , p.27.
72. “O u ltram ar portu gu ês e a ONU”, discu rso proferido n a sessão extraordin ária da Assem -
bléia Nacion al, em 30 de ju n h o de 1961, Discursos, v.VI, p.128 ss. Ver sobre os con flitos en -
tre Salazar e Ken n edy, ANTUNES, J. F. Kennedy e Salazar. O leão e a raposa. Lisboa: Difu são
Cu ltu ral, 1991.
337
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73. Ver sobre este tem a BOURDET, C. A farsa da Europa. Paris: Segh ers, 1977.
74. “Portu gal n o pacto do Atlân tico”, discu rso proferido n a sala de sessões da Assem bléia
Nacion al, em 25 de ju lh o de 1949, Discursos, v.IV, p.419-20.
75. Ibidem , p.412.
76. Ibidem , p.420.
77. “In depen dên cia da política n acion al”, discu rso proferido n u m a das salas de São Ben to,
em 21 de fevereiro de 1936, Discursos, v.II, p.117.
78. “A atm osfera m u n dial e os problem as n acion ais”, discu rso proferido em 1º. de n ovem -
bro de 1957 aos m icrofon es da Em issora Nacion al, Discursos, v.V, p.439.
79. Ver o n osso artigo, qu e retom a algu m as con siderações aqu i expostas, “Salazarism o, Eu -
ropa e Am érica”. Revista Portuguesa de História (Coimbra), tom o XXXI, p.615-34. Facu ldade de
Letras.
80. Cf. Por exem plo, “Preparação n acion al para o pós-gu erra”, discu rso proferiso n a sessão
de abertu ra do II Con gresso da Un ião Nacion al, em 25 de m aio de 1944, n o Liceu D. Filipa
de Len castre, Discursos, v.IV, p.61, “Apon tam en tos sobre a situ ação in tern acion al”, discu rso
proferido n a Sociedade de Geografia, em 30 de m aio de 1956, n a sessão de abertu ra do Con -
gresso da Un ião Nacion al, ibidem , v.V, p.371 ss., “A posição portu gu esa em face da Eu ropa,
da Am érica e da África”, discu rso proferido n a sede da Un ião Nacion al em 23 de m aio de
1959, idem, p.64 ss.
81. “Portu gal com o elem en to de estabilidade n a Civilização Ociden tal”, palavras de Salazar
pu blicadas n o Journal de Genève n o n ú m ero de 13 de ou tu bro de 1953, dedicado a Portu gal,
Discursos, v.V, p.157 e passim .
82. No volu m e Défense de l’Occident, qu e o au tor ofereceu à Biblioteca Geral da Un iversida-
de de Coim bra, pode ler-se este passo, qu e foi depois tran scrito n o opú scu lo (coletân ea ex-
traída da obra Les idées restent) Occidente ou Oriente? No lim iar da Hora Trágica. Coim bra: Casa
do Castelo, 1949: “La civilisation ne vivra que dans la mesure ou nous voudrons, ou nous en ferons
une idée-maîtresse, idée-chef – c’est ce le Portugal a compris et qui en fait le bastion avancé de la dé-
fense de l’Occident”.
83. D’ASSAC, J. P. Dictionnaire politique de Salazar. Lisboa: S. N. I., 1964. p.135 ss.
84. Cf. GOMES, M. Política externa de Salazar. Lisboa: Edições Além , 1953. cap.XI, p.261 ss.
85. Ibidem , p.271.
86. Op. cit., p.XIV.
87. Ideia de Europa. Cu rso Professado n os An os Lectivos de 1965-1966 e 1966-1967. Lisboa:
In stitu to Su perior de Ciên cias Sociais e Política Ultram arin a, 1967. Ver sobretu do p.165 ss.
88. O Ocidente e Portugal Separata do Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, ju lh o-se-
tem bro, 1969, p.195.
89. Note-se todavia, qu e, n o con texto da n ova situ ação eu ropéia, o didata da História, A. S.
RODRIGUES, colaborou n u m a obra con ju n ta: História da Europa. Escrito por doze h istoria-
dores eu ropeu s. Coim bra: Min erva, 1992, tradu ção da obra pu blicada em Paris: Hach ette,
1992.
90. Ver História da Europa. Porto: Tavares Martin s, 1961, 1964, 1969. 3v. (2.ed, Lisboa: Ver-
bo, 1982-1984, 5v.). Cf. Prefácio da 1.ed., p.XVII.
91. O movimento político europeu e as instituições supranacionais, Lisboa, Separata do Boletim do
Ministério da Justiça, 1963, em particu lar p.152-53.
338
O ESTADO NOVO. FASCISMO, SALAZARISMO E EUROPA
92. Ver, por exem plo, a coletân ea do pen sam en to de CAETANO, M. Eu ropa. In : ZORRO, A.
M. (Com p.) Princípios e definições. Lisboa: Pan oram a, 1969. (Textos de 1936 a 1967). Ali, so-
bretu do n o títu lo “Eu ropa” (p.67-69), verifica-se qu e Marcello, apesar de m an ter as su as
descon fian ças em relação aos Estados Un idos da Eu ropa e de con ceber a Eu ropa essen cial-
m en te com o u m a “cu ltu ra”, fala com certa ên fase da “cooperação eu ropéia” e parece per-
ceber a dificu ldade de países pequ en os com o Portu gal em su bsistirem isolados. Procu rava-
se a “abertu ra”, em gran de parte desm en tida pelas realidades. No en tan to, recorde-se o pa-
pel de algu n s m em bros m ais liberais do govern o m arcelista, com o, por exem plo, Rogério
Martin s, qu e tiveram , n o dom ín io teórico e prático (vide, de su a au toria, Caminho de país
novo. Lisboa, 1970), u m papel im portan te n essa “abertu ra”. Esta qu estão, m eram en te esbo-
çada, precisa de ser profu n dam en te an alisada em várias perspectivas, o qu e está fora das
n ossas in ten ções de m om en to.
93. Ver Espaço Europeu , Discu rso proferido pelo Min istro do Ultram ar [...], em 5 de n ovem -
bro de 1962, n a sessão solen e in au gu ral do Cen tro Portu gu ês de Estu dos Eu ropeu s, Lisboa,
Agên cia-Geral do Ultram ar, 1962, e A Europa em formação, Lisboa, Separata do Boletim da
Sociedade de Geografia, 1974. No discu rso referido, Moreira m ostra a su a desilu são peran -
te a ONU e defen de, n u m a altu ra em qu e se in au gu rava em Lisboa o Cen tro Portu gu ês de
Estu dos Eu ropeu s, o reforço da Eu ropa, qu e precisa de en con trar o seu “espírito” e de sal-
var a “ou tra m etade”. No segu n do estu do, m ais pen sado e pen sado n ou tra época, fala do
equ ívoco da NATO, qu e n ão foi u m a in stitu ição de diálogo en tre a Eu ropa e URSS, m as sim
dos EUA, o ú n ico in terlocu tor, e a URSS E fala da velh a idéia de a Pen ín su la con stitu ir u m
espaço Atlân tico-Su l.
94. Cf. A idéia de Europa. Raízes históricas. evolução. Concretização atual. Portugal e a Europa, Gu i-
m arães, Separata da Revista de Guimarães, 1982. Silva Cu n h a apresen ta-se n este opú scu lo
com o Professor da Un iversidade Livre do Porto.
95. Expresso Revista, v.6, n .6, p.12, 1992.
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capítu lo 18
APÓS O 25 DE ABRIL
José Medeiros Ferreira*
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José Medeiros Ferreira
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APÓS O 25 DE ABRIL
GUINÉ-BISSAU
A descolonização da Guiné apresentava-se como a de mais difícil ne-
gociação política, já porque o PAIGC declarara unilateralmente a indepen-
dência da Guiné-Bissau em 24 de setembro de 1973 em Madina de Boé e
o fato fora reconhecido por 82 países membros da ONU, já porque o PAIGC
pretendia ver também reconhecido o direito à independência para o arqui-
pélago de Cabo Verde.
Essas condições são apresentadas logo na primeira reunião entre as dele-
gações do governo português e do PAIGC em Londres, a 25 de maio de 1974.
A particularidade de o general Spínola ter sido Governador-Geral da
Guiné não teria ajudado a rapidez das tomadas de decisão sobre essas matérias.
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APÓS O 25 DE ABRIL
CABO VERDE
O acordo assinado em 26 de agosto de 1974 entre o Governo Portu-
guês e o PAIGC continha, além dos preceitos destinados à transferência de
soberania da Guiné, o reconhecimento do direito do povo do arquipélago
de Cabo Verde à autodeterminação e à independência. As negociações para
esse efeito seriam, no entanto, separadas das conversações sobre a Guiné
depois daquele acordo.
Dos nove artigos do Acordo entre o Governo Português e o PAIGC,
dois são dedicados a Cabo Verde.
É essa sem dúvida uma das decisões mais discutíveis do processo de
descolonização dado que a unidade pretendida pelo PAIGC entre a Guiné e
Cabo Verde acabou por não se verificar. Mas não é menos verdade que a
Assembléia Geral da ONU havia reconhecido na sua Resolução A/2918
(XXVII) de 14 de novembro de 1972 o dito PAIGC como “representante
único e autêntico do povo da Guiné e Cabo Verde”.
Enquanto a descolonização da Guiné era obviamente inevitável em
1974, já a independência concedida ao arquipélago de Cabo Verde foi um
ato voluntário do poder em Portugal e tem, pois, uma interpretação mais
vasta radicando nas causas da descolonização, que não se resumem às ne-
cessidades dos militares e à pressão das Forças Armadas para o efeito.
O processo de transferência de soberania de Portugal para a Repúbli-
ca de Cabo Verde teve as suas especificidades. Assim não há qualquer acor-
do publicado, como os de Alger, Lusaca ou Alvor realizados para a Guiné-
Bissau, Moçambique ou Angola respectivamente, embora tivesse havido
um documento formalizado em 19 de dezembro de 1974 no qual se previa
a eleição de uma assembléia constituinte em Cabo Verde que decidiria so-
bre o futuro político do território.
No plano jurídico existiu, sim, o Estatuto Orgânico de Cabo Verde
para o período de transição que terminaria em 5 de julho de 1975 (Lei nº.
13/74 de 17 de dezembro).
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S . TOMÉ E PRÍNCIPE
Se a luta armada na Guiné-Bissau teve conseqüências sobre o aces-
so à independência do arquipélago de Cabo Verde, onde o PAIGC não tive-
ra expressão militar, a independência de Cabo Verde, por sua vez, vai cons-
tituir um paradigma para a transferência de soberania noutro arquipélago:
o de S. Tomé e Príncipe.
Em S. Tomé e Príncipe a repressão colonial havia sido brutal no pas-
sado mesmo sem luta armada por parte dos emancipalistas. Quando em
1960 é fundado o Comitê de Libertação de S. Tomé e Príncipe (CLSTP), ain-
da está bem viva na memória de todos o massacre de Batepá ocorrido em
fevereiro de 1953 em que teriam sido mortos mais de mil são tomenses por
se recusarem a trabalhar nas roças de cacau.
O ambiente local não é pois muito propício à defesa da manutenção
da soberania portuguesa por parte da população de S. Tomé e Príncipe.
Pelo seu lado a ONU havia reconhecido desde 1962 o CLSTP como
único e legítimo representante do povo do arquipélago. Quando surge o 25
de Abril os seus principais dirigentes estavam exilados na República do Ga-
bão onde, em 1972, haviam alargado o conceito de Comitê de Libertação
para o de Movimento de Libertação.
No caso da descolonização de S. Tomé também tem particular rele-
vância o papel da visita a Portugal do secretário-geral da ONU, Kurt Wald-
heim, em agosto de 1974 e das repetidas reuniões de militares em serviço
no território. Assim numa reunião realizada em S. Tomé, a 12 de outubro
de 1974, os oficiais dos três ramos das Forças Armadas declararam o MLSTP
como único interlocutor para as negociações que se avizinham.
Essas negociações principiam no mês seguinte em Argel, tendo sido
assinado um Protocolo de Acordo entre o Governo português e o MLSTP
em 26 de novembro. Nesse acordo, o Governo português reconhecia o
MLSTP como representante legítimo do povo daquele arquipélago. À seme-
lhança dos casos anteriores, os órgãos políticos para o período de transição
eram um alto-comissário e um Governo de Transição com competências le-
gislativa e executiva.
Embora oficialmente se trate de um Protocolo de Acordo,8 este diplo-
ma está mais aperfeiçoado nos seus termos e no articulado jurídico geral do
que os anteriores acordos similares: são dezessete os seus artigos em que,
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José Medeiros Ferreira
M OÇAMBIQUE
As pressões para Portugal clarificar a sua posição quanto à descolo-
nização eram também muito fortes no plano internacional. As dúvidas so-
bre o comportamento do Estado português na matéria eram tantas que até
os governos da Zâmbia e da Tanzânia procuram no verão de 1974 o sepa-
ratista branco Jorge Jardim para avaliarem as possibilidades de indepen-
dência mais claras para Moçambique de imediato.
Entre junho e julho de 1974, ou seja nos dois meses de maior inde-
finição sobre o rumo a dar à questão ultramarina, várias entidades procu-
ram Jorge Jardim, encarando este como alguém que, à sua maneira, pre-
tendia a transferência da soberania de Portugal para Moçambique.
Lisboa está pois, na mira de todos.
Há aqui um conjunto de circunstâncias que concorrem para que os
poderes africanos se auscultem mutuamente perante o que julgam ainda
ser a tentativa de protelamento da descolonização por parte do novo poder
político instaurado em Portugal.
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A NGOLA
O processo de descolonização de Angola foi o mais complexo e aque-
le que mais conseqüências internas e internacionais teve.
Foi o mais complexo, porque do ponto de vista militar a situação não
era alarmante embora se mantivessem cerca de 65 mil homens em armas
do lado português. Por outro lado, o entendimento entre os movimentos de
independência não se apresentava pelas realidades étnicas e pelas rivalida-
des políticas em que se baseavam: FNLA, UNITA e MPLA eram movimentos
armados rivais. No território angolano o elemento branco era significativo e
tinha expectativas de poder desempenhar um papel político relevante. Fi-
nalmente, a divisão entre os movimentos de libertação veio dar azo a uma
internacionalização dos conflitos internos que muito perturbou o acesso à
independência de Angola e o período subseqüente, aumentando a rivalida-
de entre a URSS e os Estados Unidos na África negra.
O processo de descolonização de Angola foi também aquele que maio-
res preocupações provocou em Portugal. Angola estivera sempre no centro
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vite para que a FNLA avançasse sobre Angola, onde entretanto uma sua co-
luna militar havia sido feita prisioneira na região de Toto pelo exército por-
tuguês. E a declaração feita por Spínola, em 22 de setembro, de que assumi-
ria pessoalmente a responsabilidade da descolonização de Angola terá sido
acolhida pelo elemento branco aí residente, pela FNLA e pela Unita.18
O último ato político ligado à descolonização do general Spínola
como presidente da República foi exatamente a realização de uma reunião
com vários elementos da Província de Angola, realizada no Ministério de
Coordenação Interterritorial em 25 de setembro a que também assistiu o
ministro Almeida Santos.
Mais do que todo o resto foi a descolonização que dividiu Spínola e
o MFA. Essa divisão iniciara-se com a supressão já referida na alínea c do
ponto 8 do Programa do MFA, na noite de 25 para 26 de abril, e irá apro-
fundar-se na reunião da Manutenção Militar em 13 de junho para culmi-
nar na demissão do primeiro presidente da Junta de Salvação Nacional em
30 de setembro. Spínola não se entendia com ninguém quer sobre a Gui-
né, quer sobre Moçambique, quer sobre Angola. Nem interna nem exter-
namente, a sua política encontrava apoios que a viabilizassem.
Os acontecimentos do 28 de setembro de 1974, se desencadeados
por razões atinentes à evolução política interna portuguesa, acabaram por
ter incidência sobretudo na questão da descolonização de Angola.
O impacto destes acontecimentos em Angola não foi porém abrup-
to. A FNLA continuou a sua penetração no interior do norte de Angola de-
pois do 28 de setembro e, após conversações com dirigentes do MFA em
Kinshasa, aceitou um cessar-fogo com o exército português que entrou em
vigor em 15 de outubro.
Não era porém o primeiro movimento guerrilheiro a fazê-lo. Já em
14 de junho de 1974 a Unita, pelo próprio Jonas Savimbi, havia aceito for-
malmente a suspensão das hostilidades num encontro com representantes
das Forças Armadas portuguesas (tenente-coronel Passos Ramos, Major Pe-
zarat Correia, capitão Moreira Dias) na Zona Militar Leste, numa região do
rio Lungue-Bungo controlada por forças da Unita.19
A partir daí a Unita pôde desenvolver atividade política naquela par-
te do território angolano.
Por sua vez, o MPLA, por meio de Agostinho Neto, assinou um ces-
sar-fogo, em 21 de outubro, com uma delegação portuguesa presidida pelo
comodoro Leonel Cardoso, e composta pelo major Emílio da Silva, briga-
deiro Ferreira de Macedo e major Pezarat Correia. Foi na Chana do Lunha-
mege, no Leste, perto da fronteira com a Zâmbia.
A partir daí o MPLA vai encetar uma estratégia de implantação polí-
tica do “poder popular”, organizado em nível de bairro e de empresa e da
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CONSEQÜÊNCIAS INTERNACIONAIS
Lisboa, desde a década de 1960, mais do que capital de um império
colonial, estava subjugada por este, gastando na defesa diplomática e mili-
tar da manutenção da soberania política o melhor do seu tempo, fazenda e
energia.
Mas, se prestarmos atenção quer ao programa do MFA quer às teses
federalistas do general Spínola, mesmo depois do 25 de Abril, muitas e di-
versas forças nacionais apostaram na continuação de uma política integra-
da entre Lisboa, Bissau, Praia, Maputo e Luanda. O que diferia, e era o es-
sencial, era o peso relativo atribuído às capitais referidas: Spínola tentando
libertar Lisboa do beco em que a haviam introduzido Salazar e Caetano e
querendo dar-lhe papel determinante na condução da nova comunidade
federativa; Melo Antunes desejando a emergência de um eixo tropical não-
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A SPECTOS POLÍTICOS
O Estado português teve que definir uma política imediata em rela-
ção à África depois das transferências de soberania, tantos eram os proble-
mas a resolver: retorno de nacionais, segurança dos portugueses que pre-
tendiam continuar nos territórios agora independentes, interesses econô-
micos e financeiros a defender para não onerar ainda mais o povo portu-
guês com as seqüelas da organização e da guerra, diversificação dos merca-
dos tradicionais de abastecimento em café, açúcar, algodão, petróleo etc.
Tratava-se, pois, de definir qual o lugar que as relações com África ocupa-
riam na estrutura das relações internacionais de Portugal sem colônias.
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CONCLUSÃO
Embora o desencadeador do movimento do 25 de Abril se deva, em
primeiro lugar, à necessidade de resolver a questão colonial, esta efetivamen-
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N OTA S
1. LOURENÇO, E., 1978, p.47.
2. GOMES, C. 1979, p.17.
3. No caso de Angola só mais tarde a OUA reconhecerá também a UNITA como movimento
de independência.
4. SPÍNOLA, A., 1978, p.270.
5. Ibidem, p.271.
6. SOARES, M., 1976. p.36.
7. Moção aprovada pelo MFA da Guiné. Reunião de 1º. de julho de 1974 (Documento datilo-
grafado de quatro páginas, consultado no Centro de Documentação sobre o 25 de Abril. Uni-
versidade de Coimbra).
8. DG, nº. 293, 3º supl., 1ª. série de 17.12.1974.
9. JARDIM, J., 1976, p.278.
10. SPÍNOLA, A., op. cit., p.437-438.
11. DG, nº. 210, 2º. supl., 1ª. série de 9 de setembro de 1974.
12. Mozambique a Country Study, Federal Research Division. 3. ed. Washington: Library of
Congress, 1985. p.58
13. NETO, A. M., 1991.
14. FERREIRA, M. E., 1990, p.131.
15. Ibidem, p.139
16. Estado Maior do Exército, Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-
1974). Lisboa, v. 1, 1988, p.260-261.
17. HEIMER, F. W., 1980, p.93.
18. Ibidem, 1980, p.63.
19. CORREIA, P. P., 1991, p.98.
20. Ibidem, p.105-106.
21. HEIMER, F. W., op. cit., p.76.
22. KISSINGER, W. I. A biography. London, Boston: Faber and Faber, 1992.
23. BELL, C. The diplomacy of detente. The Kissinger Era. London: M. Robertson, 1877. p.173.
24. Ver STOCKELL, J. A CIA contra Angola. Lisboa: Ulmeiro, 1979.
25. HEIMER, F. W., op. cit., p.81.
26. Ibidem, p.84.
27. ISAACSON, op. cit., p.673-685.
28. Memorando de 3 páginas, datilografado, arquivado no Centro de Documentação de 25 de
Abril, Universidade de Coimbra.
29. Cf. Ministério da Defesa Nacional, Livro branco da defesa nacional, MDN, 1986, p.150-1.
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José Medeiros Ferreira
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370
A UTORES
José Mattoso
*Professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa desde 1977. Diretor do Instituto
dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo entre 1996 e 1998.
Maria He le n a d a Cru z Co e lh o
*Professora Catedrática da Facu ldade de Letras da
Un iversidade de Coimbra.
A n tô n io Bo rge s Co e lh o
*Professor aposen tado da Facu ldade de Letras de Lisboa.
A n tô n io A u gu sto Marqu e s d e A lm e id a
*Professor Catedrático da Un iversidade de Lisboa.
A n tô n io Man u e l He sp an h a
Pesqu isador do In stitu to de Ciên cias Sociais da Un iversi-
dade de Lisboa. Professor da Facu ldade de Direito das
Un iversidades Nova de Lisboa e de Macau .
372
José Te ngarrinha
Professor da Universidade de Lisboa.
Jaim e Re is
Professor Catedrático do In stitu to Un iversitário Eu ropeu
de Floren ça.
A m ad e u Carvalh o Ho m e m
Professor Associado da Un iversidade de Coim bra.
373
Jo ão Me d in a
Professor Catedrático da Facu ldade de Letras da Un iver-
sidade de Lisboa.
Lu ís Re is To rgal
Professor Catedrático da Facu ldade de Letras da Un iver-
sidade de Coim bra, m em bro do In stitu to de História e
Teoria das Idéias.
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375
So bre o Livro
Formato: 16x23 cm
Mancha: 27x43 paicas
Tipologia: Meriden Rom an 10 (texto),
Meriden Rom an 12 (títu los)
Equ ip e d e re alização
Coordenadora Executiva
Lu zia Bian ch i
Revisão Técnica
Maria Helen a Martin s Cu n h a
Produção Gráfica
Edson Fran cisco dos San tos
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Valéria Maria Cam pan eri
Diagramação e Capa
Ren ato Valderram as
376