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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Educação e Humanidades


Faculdade de Formação de Professores

Evelyn de Castro Porto Costa

Do sal ao solo: Transformações da paisagem na planície costeira da Lagoa


de Araruama entre os anos de 1929 e 2017

São Gonçalo
2019
Evelyn de Castro Porto Costa

Do sal ao solo: Transformações da paisagem na planície costeira da Lagoa de Araruama


entre os anos de 1929 e 2017

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para obtenção do título de Mestre,
ao Programa de Pós-Graduação em
Geografia da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro. Área de concentração:
Produção Social do Espaço: Natureza,
Política e Processos Formativos em
Geografia.

Orientador: Prof. Dr. Vinicius da Silva Seabra

São Gonçalo
2019
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CEH/D

C837 Costa, Evelyn de Castro Porto.


Do sal ao solo: Transformações da paisagem na planície costeira da
Lagoa de Araruama entre os anos de 1929 e 2017 / Evelyn de Castro Porto
Costa. – 2019.
143f.: il.

Orientador: Prof. Dr. Vinicius da Silva Seabra.


Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade do Estado
do Rio de Janeiro, Faculdade de Formação de Professores.

1. Araruama, Lagoa de (RJ) – Teses. 2. Salinas – Araruama (RJ) – Teses.


I. Seabra, Vinicius da Silva. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Faculdade de Formação de Professores. III. Título.

CRB/7 - 4994 CDU 918.153

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação, desde que citada a fonte.

_________________________________ ____________________________
Assinatura Data
Evelyn de Castro Porto Costa

Do sal ao solo: Transformações da paisagem na planície costeira da Lagoa de Araruama


entre os anos de 1929 e 2017

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para obtenção do título de Mestre,
ao Programa de Pós-Graduação em
Geografia da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro. Área de concentração:
Produção Social do Espaço: Natureza,
Política e Processos Formativos em
Geografia.

Aprovada em 13 de agosto de 2019.


Banca Examinadora:

_____________________________________________
Prof. Dr. Vinicius da Silva Seabra
Faculdade de Formação de Professores – UERJ

_____________________________________________
Prof. Dr. André Luiz Carvalho da Silva
Faculdade de Formação de Professores – UERJ

_____________________________________________
Prof. Dr. Raúl Sánchez Vicens
Universidade Federal Fluminense - UFF

São Gonçalo
2019
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao meu avô, Nilton Costa (in memorian), nascido e criado em Araruama.
AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da vida e por me permitir superar cada desafio.


A meu pai, minha mãe e irmão pela paciência e apoio durante toda essa trajetória.
A minha grande família, minhas avós, meus tios, tias e primos que se orgulham e
vibram por mim em cada conquista.
Ao meu noivo, grande presente que a UERJ-FFP me proporcionou. Sempre presente,
me incentivando e amparando nos momentos mais difíceis. Grata por todo amor, apoio e
compreensão, e principalmente, pelo incentivo em cada passo dado até chegar aqui.
Ao meu orientador, pai acadêmico, grande amigo e futuro padrinho, Vinicius Seabra.
Quanta paciência e parceria nesses 6 anos de convivência! Obrigada por aturar minhas muitas
teimosias, comprar as minhas ideias e me incentivar a ir cada dia mais longe! Não tenho
palavras para agradecer o quanto você contribui em minha formação, buscando desde sempre
investir em mim.
Aos meus queridos companheiros de pesquisa, em especial Mikaella e Jéssica,
bolsistas de iniciação científica do DAGEOP, que muitos contribuíram com essa pesquisa.
Agradeço pela parceria e pelo comprometimento que tiveram desde o primeiro momento com
essa pesquisa. Torço pelo sucesso de vocês e sei que certamente irão longe!
A todos os meus amigos e amigas, que sempre pacientes compreenderam minhas
ausências e acompanharam de perto cada etapa desse processo. Obrigada pelo carinho e apoio
de cada um de vocês!
Aos professores, Raul e André, obrigada por todas as contribuições sugeridas nesse
trabalho e por toda disponibilidade. Com certeza, este trabalho se tornou mais maduro com as
ricas sugestões de vocês.
A minha amada Faculdade de Formação de Professores (UERJ-FFP). Desde 2013 me
encontro fortemente acolhida por essa instituição tão querida! Entrei, ainda na graduação
nesse lugar, que tenho orgulho de chamar de minha segunda casa.
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ, pela
concessão de bolsa de mestrado para o desenvolvimento dessa pesquisa.
Você não é você, você é a soma de todas as pessoas que passaram pela sua vida.
Andrelino Campos
RESUMO

COSTA, Evelyn de Castro Porto. Do sal ao solo: Transformações da paisagem na planície


costeira da Lagoa de Araruama entre os anos de 1929 e 2017. 2019. 143 f. Dissertação
(Mestrado em Geografia) – Faculdade de Formação de Professores, Universidade do Estado
do Rio de Janeiro, São Gonçalo, 2019.

Desde os primórdios da sua ocupação a planície costeira na região da Lagoa de


Araruama sofreu constantes transformações em sua paisagem. Tais mudanças estão
associadas as atividades econômicas desenvolvidas na região e a ocupação urbana. Estas
transformações ocorreram com maior intensidade a partir da década de 70, e segue até os dias
atuais. Dessa forma, propõe-se analisar, a partir de representações cartográficas, as
transformações ocorridas na paisagem nos últimos 88 anos, com destaque para as principais
substituições de usos, seus desdobramentos e perspectivas futuras para a área de estudo. Para
a realização deste trabalho foram utilizadas técnicas de classificação de imagem baseada em
objetos (GEOBIA) para a classificação do uso e cobertura do solo, possibilitando análises a
respeito da distribuição espacial e dinâmica da região. A metodologia adotada para as
investigações multitemporais consistiu na utilização de técnicas de sensoriamento remoto e
geoprocessamento, utilizando de materiais cartográficos históricos, para que fosse possível
identificar as principais mudanças ocorridas nos anos de 1929, 1976 e 2017. A partir do
mapeamento foi possível analisar as transformações da paisagem ocorridas nas áreas de
salinas, compreendendo a sua existência em 1929, (cerca de 18,54 km² de salinas), seu
crescimento em 1976 (cerca de 65,79 km² de salinas) e mais recentemente, em 2017, o seu
declínio em detrimento e novos usos (cerca de 61,45 km² de salinas). Essas substituições das
áreas de antigas salinas por novos usos podem ser destacadas pelo crescimento urbano nas
últimas décadas, dentre outros usos que têm alterado a paisagem da região.

Palavras-chave: Trajetória Evolutiva da Paisagem. Lagoa de Araruama. Salinas. Planície


Costeira.
ABSTRACT

COSTA, Evelyn de Castro Porto. Transformations of the landscape in the coastal plain of the
Lagoon of Araruama between the years of 1929 and 2017. 2019. 143 f. Dissertação (Mestrado
em Geografia) – Faculdade de Formação de Professores, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, São Gonçalo, 2019.

From the beginnings of its occupation the coastal plain of the Lagoon of Araruama
suffered the transformations in its landscape, such as the trees of species that live in the region
and an urban occupation. These transformations occurred with greater intensity from the 70's,
and continue to the present day. In this way, it is proposed to analyze, from cartographic
representations, how transformations occurred in the city during the last 88 years, being
possible to discuss as main substitutions of uses, their unfoldings and future perspectives for a
study area. In order to carry out the study, object - based image classification techniques
(GEOBIA) were used for a classification of land use and cover, allowing for analyzes
regarding the spatial and dynamic distribution of the region. The methodology used to
investigate multitemporal consisted in the use of remote sensing and geoprocessing
techniques, using historical cartographic materials, so that they could be identified as the main
changes occurred in the years 1929, 1976 and 2017. The landscape transformations occurred
in the areas of salinas, spanning its extension in 1929 (about 18.54 km² of saline), growth in
1976 (about 65.79 km² of saline) and more recently in 2017, its decline to detriment and new
uses (about 61.45 km² of saline). The replacement of old saline areas with a new look may be
highlighted by urban growth in recent decades, but there are others that have changed the
landscape of the region.

Keywords: Evolutionary Trajectory of the Landscape. Lagoon of Araruama. Salinas. Coastal


Plain.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Localização da área de estudos ................................................................ 16

Figura 2 – Moinhos de vento das salinas: Praia Seca – Araruama/RJ ...................... 17


Figura 3 – Ocupação em áreas de salinas no bairro de Figueira, em Arraial do
Cabo - RJ ................................................................................................. 18
Figura 4 – Construção de um shopping em áreas de salinas no bairro do Portinho,
em Cabo Frio – RJ ................................................................................... 19

Figura 5 – Esboço esquemático da relação entre os conceitos ................................. 23

Figura 6 – Imagem de satélite de um sistema complexo controlado na Lagoa de


Araruama ................................................................................................. 26

Figura 7 – Mudanças temporais na análise da paisagem .......................................... 29

Figura 8 – Síntese das características da trajetória evolutiva da paisagem .............. 34

Figura 9 – Exemplos de trajetórias evolutivas da paisagem ..................................... 35

Figura 10 – Tipologias de Paisagens .......................................................................... 40

Figura 11 – Unidades geomorfológicas da planície costeira ...................................... 43

Figura 12 – Distinção dos sistemas lagunares ............................................................ 45

Figura 13 – Barreiras Arenosas em Arraial do Cabo/RJ ............................................ 46

Figura 14 – Dimensões físicas da Lagoa de Araruama ............................................... 49

Figura 15 – Batimetria da Lagoa de Araruama ........................................................... 50

Figura 16 – Esporões localizados na laguna de Araruama ......................................... 52

Figura 17 – Climograma do município de Cabo Frio – RJ ......................................... 55

Figura 18 – Distribuição da precipitação média anual ............................................... 56

Figura 19 – Padrão de circulação geral hidrodinâmica, vento NE ............................. 57

Figura 20 – Unidades de Conservação ....................................................................... 59

Figura 21 – Fotografias históricas de salineiros nas atividades de salicultura em


Cabo Frio ................................................................................................. 63

Figura 22 – Mosaico de fotografias históricas e atual das salinas Perynas,


atualmente Sal Cisne ............................................................................... 65
Figura 23 – Fotografia do Canal Palmer na Lagoa de Araruama, em Cabo Frio –
RJ, atualmente ......................................................................................... 67

Figura 24 – Rodovias principais e sedes municipais .................................................. 68

Figura 25 – Companhia Nacional de Álcalis, em Arraial do Cabo (1955) ................. 69

Figura 26 – Fotografia história da Praia das Conchas em Cabo Frio, entre as


décadas de 60/70 ..................................................................................... 70

Figura 27 – Produção de Sal no Rio de Janeiro (1996 a 2016) .................................. 71

Figura 28 – Mapa do trabalho de campo de reconhecimento da área de estudos ...... 80

Figura 29 – Vegetação em área militar no município de São Pedro da Aldeia .......... 82

Figura 30 – Área de antigas salinas, ocupadas por casuarinas ................................... 82

Figura 31 – Fotografia e imagem de satélite de salina inativa ................................... 83

Figura 32 – Fotografia e imagem de satélite de salina ativa ....................................... 84

Figura 33 – Fotografia e imagem de satélite de salina inativa com vegetação .......... 84

Figura 34 – Modelagem do conhecimento ................................................................. 87

Figura 35 – Exemplos de amostras validadas ............................................................. 89

Figura 36 – Fluxograma dos processos metodológicos .............................................. 92

Figura 37 – Sobreposição do mapa histórico no Google Earth Pro ............................ 93

Figura 38 – Mosaico das fotografias aéreas utilizadas ............................................... 94

Figura 39 – Diagrama das imagens de satélite World View 2 .................................... 95

Figura 40 – Fluxograma metodológico para a elaboração do mapa de detecção de


mudanças ................................................................................................. 96

Figura 41 – Segmentação da fotografia aérea e da imagem de satélite ...................... 96

Figura 42 – Identificação dos elementos que compõem as classes de salina ............. 97


Figura 43 – Mapeamento de uso e cobertura do solo ................................................. 101

Figura 44 – Mapeamento das salinas no ano de 1929 ................................................ 103

Figura 45 – Mapeamento das salinas no ano de 1976 ................................................ 104

Figura 46 – Mapeamento das salinas no ano de 2017 ................................................ 106

Figura 47 – Mapeamento das detecções de mudanças entre 1929 a 2017 .................. 109

Figura 48 – Distribuição espacial das salinas atualmente ........................................... 114

Figura 49 – Venda de sal na estrada ........................................................................... 115

Figura 50 – Tipos de Ocupações em áreas de salinas ................................................. 117

Figura 51 – Ocupações desordenadas ......................................................................... 119

Figura 52 – Construção de condomínio em área de salinas desativadas ................... 120

Figura 53 – Condomínios consolidados em Arraial do Cabo ..................................... 121

Figura 54 – Edificações em antigas salinas de Cabo Frio .......................................... 122

Figura 55 – Empreendimentos em antigas salinas ...................................................... 122

Figura 56 – Casuarinas em áreas de salinas ................................................................ 124

Figura 57 – Praia invadida por Casuarinas ................................................................. 125

Figura 58 – Imagens de drone de florestas de casuarinas em Arraial do Cabo .......... 126

Figura 59 – Alamedas de Casuarinas na região da antiga Álcalis .............................. 127

Figura 60 – Ilustração com as respectivas localizações das casuarinas ..................... 127

Figura 61 – Dispersão de casuarinas no litoral ........................................................... 128

Figura 62 – Salina em atividade ................................................................................. 130

Figura 63 – Salina Desativada .................................................................................... 131


LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Classes dos domínios geomorfológicos adotados no mapeamento ......... 42

Tabela 2 – Características dos Esporões ............................................................... 51

Tabela 3 – Descrição das Unidades de Conservação ................................................ 61

Tabela 4 – Dados estatísticos da produção de sal no RJ, RN e Brasil ...................... 72

Tabela 5 – População residente em perspectiva histórica ......................................... 74

Tabela 6 – Especificações das bandas do sensor Sentinel 2 ...................................... 77

Tabela 7 – Pontos visitados em campo ..................................................................... 81

Tabela 8 – Descrição dos Índices Utilizados para Sentinel 2 .................................... 86

Tabela 9 – Tabela de pontos amostrais para validação ............................................. 88

Tabela 10 – Matriz de confusão gerada a partir da validação ..................................... 90

Tabela 11 – Distribuição do Uso e Cobertura da Terra ............................................... 100

Tabela 12 – Distribuição espacial no ano de 1929 ...................................................... 104

Tabela 13 – Distribuição espacial no ano de 1976 ...................................................... 105

Tabela 14 – Distribuição espacial no ano de 2017 ...................................................... 107

Tabela 15 – Aumento e perda das áreas de salinas ..................................................... 108

Tabela 16 – Cadastramento de situação das salinas .................................................... 112


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

PAO Plano de Alinhamento de Orla


FMP Faixa Marginal de Proteção
UC Unidade de Conservação
CECA Comissão Estadual de Controle Ambiental
SIG Sistemas de Informação Geográfica
PECS Parque Estadual Costa do Sol
APA Área de Proteção Ambiental
ARIE Área de Relevante Interesse Ecológico
PE Parque Estadual
RESEX Reserva Extrativista
PNM Parque Natural Municipal
MSI Instrumento Multiespectral
GEOBIA Análise de Imagens Baseada em Objetos Geográficos
NDVI Normalized Difference Vegetation Index
NDBI Diferença Normalizada para Áreas Construídas
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
DRM Departamento de Recursos Minerais
CNA Companhia Nacional de Álcalis
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 15

1 TRANSFORMAÇÕES NA PAISAGEM ........................................................ 22

1.1 Os elementos dos Geossistemas na análise da paisagem ............................... 24

1.2 Estado das Paisagens ........................................................................................ 30

1.2.1 As Geotecnologias na análise da paisagem ......................................................... 31

1.3 Dinâmica e trajetória evolutiva da paisagem ................................................. 33

1.3.1 Evolução da paisagem ........................................................................................ 35

1.3.2 Detecção de mudanças (change detection) ......................................................... 37

2 A PLANÍCIE COSTEIRA NA REGIÃO DA LAGOA DE ARARUAMA . 39

2.1 Dinâmica evolutiva dos sistemas lagunares .................................................... 44

2.2 A Lagoa de Araruama ...................................................................................... 47

2.3 Aspectos climáticos ........................................................................................... 53

2.4 Meio Ambiente e Unidades de Conservação ................................................... 57

2.5 Das salinas ao turismo ...................................................................................... 62

3 GEOTECNOLOGIAS COMO FERRAMENTA DE ANÁLISE DA


PAISAGEM ....................................................................................................... 76

3.1 Mapeamento de uso e cobertura do solo ........................................................ 76

3.1.1 Definição de Classes ........................................................................................... 78

3.1.2 Classificação de Imagens Baseada em Objetos (GEOBIA) ................................ 84

3.1.3 Metodologia de Validação .................................................................................. 88

3.2 Mapeamento da trajetória evolutiva da paisagem ......................................... 90

3.2.1 Tratamento do mapa temático, fotografia aérea e imagem de satélite ................ 92

3.2.2 Detecção de mudanças: pós-processamentos ...................................................... 96


4 RESULTADOS E DISCUSSÕES .................................................................... 99

4.1 Análise da distribuição espacial do uso e cobertura do solo (2018) .............. 99

4.2 Análise da trajetória evolutiva da paisagem (1929, 1976 e 2017) ................. 103

4.2.1 Detecção de mudanças ........................................................................................ 107

4.3 A atual situação das salinas .............................................................................. 110

4.4 Novos usos destinados às salinas ...................................................................... 116

4.4.1 Ocupações urbanas .............................................................................................. 116

4.4.2 Casuarinas ........................................................................................................... 123

4.5 Perspectivas futuras das salinas ....................................................................... 130

CONCLUSÃO ................................................................................................... 134

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 136


15

INTRODUÇÃO

O litoral compreende uma área dinâmica que necessita ser planejada e gerida de modo
equilibrado e sistêmico, abrangendo as relações entre sociedade e natureza e as
transformações sofridas temporalmente. Os diferentes usos do espaço litorâneo para fins de
ocupação urbana, sem o prévio planejamento e gerenciamento, podem comprometer os
ecossistemas litorâneos e sujeitar a população que a ocupa a diversos riscos.
O estudo das transformações da paisagem se constitui num instrumento essencial para
a compreensão das dinâmicas espaciais e a distribuição dos recursos naturais e infraestruturas
disponíveis. Além disso, pode dar subsídios ao planejamento ambiental e urbano, apontando
quais são as pressões sofridas com essas transformações; podendo prognosticar as
consequências que essas mudanças podem ocasionar à sociedade e à natureza (SEABRA,
2012).
Os estudos ambientais podem dar subsídios ao manejo costeiro, auxiliando na
preservação da vegetação litorânea, na prevenção de problemas relacionados à expansão
urbana e de atividades econômicas predatórias, que comprometem o equilíbrio dos
ecossistemas litorâneos. Sendo este um processo delicado, devido ao litoral ser uma área de
grande valor econômico, com alto valor paisagístico para o turismo, setor imobiliário e
inúmeras outras atividades econômicas.
A área de estudo compreende a planície costeira na região da Lagoa de Araruama,
localizada no Litoral Leste Fluminense (figura 1). Esse recorte espacial auxilia na análise das
principais transformações na margem da laguna de Araruama e áreas adjacentes, onde se
localizam os principais usos desse litoral, relacionados de forma pioneira a implantação das
salinas, encontradas em grande quantidade na região. Essa planície costeira abrande parte dos
municípios de Saquarema, Araruama, Iguaba Grande, Arraial do Cabo, São Pedro da Aldeia e
Cabo Frio (figura 1).
16

Figura 1 - Localização da área de estudos

Fonte: O autor, 2019.


17

O ambiente costeiro sofre com constantes alterações do uso do solo que são refletidas
diretamente na paisagem. Segundo Lang e Blaschke (2009), a forma de expressão espacial da
influência humana sobre a paisagem é a forma específica de uso do solo. Os estudos
relacionados à análise do uso do solo fornecem as informações necessárias para a
identificação do período em que as mudanças ocorreram; permite a compreensão de suas
estruturas no passado; e, também, torna viável a determinação dos vetores e tendências das
pressões sobre os espaços naturais (SEABRA & CRUZ, 2013).
Na planície costeira da Lagoa de Araruama, a paisagem foi constituída através de
mudanças em pequenos e longos intervalos de tempo, ocasionadas pela natureza e pelo
homem. Segundo Santos (1988), a paisagem não se cria de uma só vez, mas por acréscimos,
substituições. Lang e Blaschke (2009), também destacam as mudanças relacionadas aos
sistemas ambientais, em que as paisagens estão submetidas a mudanças resultantes da
dinâmica natural deste litoral, o que independe da influência humana.
Historicamente, a laguna de Araruama possui como principal atividade econômica a
salicultura, que tem por finalidade o extrativismo do sal. O objeto que mais marca a presença
dessa atividade são os moinhos de vento (figura 2), sendo possível encontrar algumas dessas
estruturas nas margens lagunares com atividade salineira ativa.

Figura 2 - Moinhos de vento das salinas: Praia Seca – Araruama/RJ

Fonte: O autor, 2019.


18

Para os moradores e frequentadores da região, é notório que esses moinhos, bem


como, as salineiras, estejam desaparecendo dessa paisagem. Uma das problemáticas
envolvidas na transformação dessa paisagem são as constantes alterações de usos do solo,
sendo as salinas as mais vulneráveis a essas transformações, pois sofrem constantes pressões
socioeconômicas sobre suas áreas.
Cabe destacar que essas mudanças já ocorrem historicamente há algumas décadas na
região. Isso se deve ao declínio da atividade salineira no litoral leste fluminense e ao
investimento em atividades turísticas nos municípios litorâneos (CHRISTOVÃO, 2011). Tais
mudanças têm promovido uma gradual substituição de salinas por novos usos.
Grande parte do ambiente lagunar, anteriormente ocupada por salinas, têm sido
constantemente transformadas em loteamentos urbanos (figura 3); bem como, pela construção
de novos empreendimentos, como o Shopping Park Lagos (figura 4); e o surgimento de novos
bairros, como Novo Portinho e Parque Burle, em Cabo Frio. Tais transformações alteram a
paisagem local e tendem a pressionar os sistemas lagunares.

Figura 3 – Ocupação em áreas de salinas no bairro de Figueira, em Arraial do Cabo - RJ

Fonte: Google Earth Pro (2004 e 2017).


19

Figura 4 – Construção de um shopping em áreas de salinas no bairro do Portinho, em Cabo


Frio - RJ

Legenda: As setas indicam a área em que foi construído um shopping em uma área de antigas salinas.
Fonte: Cabo Frio Histórico

Cabe ressaltar que essas transformações são motivadas pelo grande fluxo turístico e de
residências de veraneio. Entretanto, a crescente urbanização nessa região pode ser explicada
pelas atividades petrolíferas no estado do Rio de Janeiro. Devido a sua proximidade às áreas
de exploração de petróleo, a região tornou-se alvo de crescente ocupação de trabalhadores em
atividades offshore na Bacia de Campos e Macaé. Esses trabalhadores buscam suas moradias
em áreas mais afastadas, com menor custo de vida e maior oferta de infraestrutura e lazer.
Além disso, outro aspecto que ajuda a explicar o aumento populacional é a alta demanda da
terceira idade, que migra da Região Metropolitana para a Região dos Lagos, em busca de uma
melhor qualidade de vida e oferta de serviços.
Algumas pesquisas retratam as transformações ocorridas ao entorno da Lagoa de
Araruama ainda na década de 90, como é o caso de Castro (1995), que aborda a experiência
empírica do uso de instrumentos cartográficos para a gestão e fiscalização ambiental, dando
subsídios ao trabalho de órgãos públicos. Como consequência, diversos empreendimentos
imobiliários localizadas na margem da lagoa foram embargados na década de 1980. As
transgressões relatadas pela autora, tais como construção de píeres, cercamento da faixa
marginal da laguna para a consolidação de praias particulares, apropriação de terras públicas,
aterramentos de áreas de salinas desativadas para construção de condomínios, transgrediam as
legislações vigentes, tal como a Deliberação CECA 1 422/83, que propõe:

Art. 2°: Considerar obrigatória, quando da eventual desativação de salinas, a


demolição de diques 2, marnéis 3, tanques de cristalização de cloreto de sódio 4 e

1
Comissão Estadual de Controle Ambiental
2
Barragem feita de materiais diversos para desviar ou conter a invasão da água do mar ou de rio
20

outras obras que impeçam a livre circulação das águas, de forma a reintegrá-las à
superfície da lagoa.

Após o processo de desativação das salinas, ao invés de serem aterradas e ocupadas,


como ocorre em grande parte desse litoral, essas áreas devem ser reintegradas à dinâmica
lagunar. Nesse sentido, as pesquisas cartográficas que estudam as mudanças no limite da
Lagoa de Araruama podem dar suporte ao cumprimento da deliberação CECA 422/83. O
mapeamento dessas áreas de salina se constitui como uma ferramenta de grande potencial
para subsidiar ações para um manejo costeiro eficaz e que possa efetivamente conter o
crescimento urbano e as ocupações irregulares que venham a comprometer o equilíbrio
dinâmico deste ambiente.
Por se tratar de uma área costeira de grande demanda turística e crescente urbanização,
inserida em um contexto de áreas preservadas e sistemas lagunares, faz-se necessário haver
um planejamento ambiental eficiente, que contribua para a preservação das áreas naturais, tal
como os sistemas lagunares.
Existe um expressivo número de trabalhos sobre a Região dos Lagos e a Lagoa de
Araruama, em seus aspectos físicos (BIDEGAIN e BIZERRIL, 2002), ambientais
(BERTUCCI, 2016; SCHUINDT et al, 2018), históricos (HANSSEN, 1988; CHRISTOVÃO,
2011) e econômicos (ALCOFORADO, 1936; PEREIRA, 2009). Entretanto, poucas são as
contribuições voltadas para uma análise da transformação da paisagem em uma escala mais
detalhada e multitemporal, ou seja, de um amplo recorte temporal.
Dessa forma, a presente pesquisa pretendendo reconstituir cartograficamente a
evolução histórica da margem lagunar, identificando as principais mudanças ocorridas na
planície costeira ao longo de quase um século. Neste sentido, serão realizados mapeamentos
multitemporais para os anos de 1929, 1976 e 2017. Os mapeamentos serão realizados através
de processamento digital de imagens de sensoriamento remoto, para posterior análise das
problemáticas ambientais envolvidas, seus desdobramentos e futuros cenários.
Esse estudo pode subsidiar entendimentos mais complexos da dinâmica da paisagem,
contemplando o início dessas transformações até as alterações atuais, a fim de se aprofundar
nos demais aspectos que a envolvem, tais como as perspectivas históricas para esses
acontecimentos e rupturas, dando ênfase às substituições dos usos e nas mudanças históricas

3
Estruturas largas e compridas, de pedra e terra que são erguidas no espelho d’água pelos sedimentos, isolando
partes da lagoa.
4
Local em que a água é armazenada para ser cristalizada para a produção do sal.
21

na planície costeira, permitindo a compreensão das principais problemáticas ambientais


envolvidas nessa evolução.

Objetivo Geral

Analisar as transformações e trajetória evolutiva da paisagem na planície costeira da


região da Lagoa de Araruama a partir de técnicas de Geoprocessamento e Sensoriamento
Remoto, discutindo o processo de substituição das salinas por novos usos e suas
problemáticas.

Objetivos Específicos

• Avaliar as possibilidades de adaptações de metodologias voltadas para a identificação


e classificação de mudanças de uso e cobertura do solo a partir de diferentes elementos
presentes na natureza e múltiplas escalas;
• Identificar as principais mudanças que marcaram a evolução urbana da planície
costeira na região da Lagoa de Araruama nos anos de 1929, 1976 e 2017;
• Caracterizar o perfil e a situação das salinas ativas e inativas na paisagem atual;
• Identificar e analisar o processo de substituição das áreas de salinas por novos usos na
margem lagunar da Lagoa de Araruama.
22

1 TRANSFORMAÇÕES NA PAISAGEM

Explicar as razões que condicionam a localização espacial de objetos e eventos na


esfera terrestre é um dos principais objetivos da Geografia, que, desta maneira, assume a
responsabilidade de apresentar a razão lógica para a ocorrência dos elementos que compõem a
superfície do planeta, suas inter-relações e sua organização no espaço (GOMES, 1997).
Seabra (2012) enfatiza que o termo “paisagem” assume uma considerável importância
dentro da análise espacial, constituindo-se como um conceito fundamental da Geografia.
Dessa forma, o estudo da paisagem se configura, em sua essência, em uma pesquisa
genuinamente geográfica, possuindo um papel relevante para a evolução desta ciência.
Em uma perspectiva clássica, os geógrafos perceberam a paisagem como a expressão
materializada das relações do homem com a natureza, com seus limites, atrelando-se à
possibilidade visual (SUERTEGARAY, 2001). Com o tempo, os geógrafos passaram a
considerar a paisagem para além da forma; que para Troll (1950), resulta de um processo de
articulação entre os elementos constituintes. Bertrand (1971) pensou a paisagem como
resultado da combinação dinâmica e instável de seus elementos, interagindo constantemente
uns sobre os outros.
Atualmente na geografia física, a perspectiva predominante do conceito de paisagem é
vista sobre a luz do conceito de geossistemas, que visa um entendimento da dinâmica e inter-
relações dos processos, para além de somente a forma da paisagem. Para compreender o
conceito de paisagem sobre esse ponto de vista, faz-se necessário nos remeter a evolução do
conceito de paisagem presente nos ramos do conhecimento da geografia física.
Os estudos da paisagem se iniciaram já no século XIX com Humboldt na escola
alemã, e Lomonosov e Dokuchaev na escola russo-soviética. Essas escolas definiram a
paisagem como um complexo integrado formado por diferentes elementos, e tiveram
importantes pensadores como Passarge (1919), Troll (1950), Riábchicov (1976), Sochava
(1978), dentre outros (RODRIGUEZ, 2007).
É importante destacar que a Geografia Física até os anos 1960, possuía uma
abordagem insuficiente e deficiente em termos de compreensão dos processos ambientais,
caracterizando uma fraqueza no entendimento dos procedimentos que geram as formas do
relevo, as dinâmicas hídricas, climáticas, vegetais, pedológicas, etc., resumindo-se a estudos
meramente descritivos da paisagem, conforme Gregory (1992).
23

A partir de meados dos anos 1960, quando a ciência geográfica passou a perceber a
necessidade do estudo dos processos, por causa da crescente maneira com que os processos
estavam aparecendo em outras ciências, a geografia física passou a se preocupar com as
causas dos processos, constituindo desta forma a construção de modelos, e as investigações
empíricas, considerando inputs, outputs e as dinâmicas que os transformam, sob uma
perspectiva geossistêmica (GREGORY, 1992).
Uma das bases conceituais fundamentais para a consolidação do conceito de
geossistemas é a Teoria Geral dos Sistemas, concebida pelo biólogo Bertalanffy (1901), no
qual é proposta uma abordagem sistêmica aplicável a diferentes ciências e áreas do
conhecimento. As contribuições da Teoria Geral dos Sistemas à geografia podem ser vistas na
estruturação do pensamento geossistêmico em que considera o funcionamento, correlações e
os níveis hierárquicos.
Outra abordagem fundamental para o conceito de geossistemas é o conceito de
Geoecologia da Paisagem, que propõe os estudos da paisagem através de aspectos espaciais
(geográfico) e funcionais (ecológico). Ou seja, relacionando as interações entre homem e o
meio.
Influenciado pela teoria geral dos sistemas de Bertalanffy (1901), o geógrafo russo
Sochava propôs o conceito de geossistemas (figura 5). O autor buscou um entendimento dos
processos para além da forma, tecendo críticas à visão puramente morfológica do conceito de
paisagem. A partir do conceito e de uma visão geossistêmica, Troll (1950) propõe os
fundamentos da Geoecologia da Paisagem, em que correlaciona a natureza e o homem para
uma análise holística da paisagem, ajudando em interpretações e investigações de
planejamento e gestão ambiental

Figura 5 - Esboço esquemático da relação entre os conceitos

Teoria Geral Geoecologia


Geossistemas
dos Sistemas das Paisagens

Fonte: adaptado de Bertalanffy (1901) e Sochava (1977) e Troll (1950).

Sochava (1977) define os Geossistemas como sistemas dinâmicos, complexos, e


hierarquicamente organizados. O autor faz uma crítica à visão morfológica da paisagem,
quando ressalta que não se deve restringir à morfologia da paisagem e suas subdivisões, mas,
24

de preferência, projetar-se para o estudo da dinâmica, estrutura funcional, e suas conexões


entre eles.
A partir da proposta do Geossistemas, diversos autores começaram a conceituar e
analisar a paisagem sob essa perspectiva, e é sobre a luz dos Geossistemas que o conceito de
paisagem será abordado nesse trabalho, enfatizando sua perspectiva holística e analisando a
paisagem como um todo integrado.
Sochava (1978) define a paisagem como um sistema autorregulado aberto, formado
por componentes e complexos inferiores interrelacionados. A partir da definição do conceito
de paisagem abordado por Bertrand (1971), também é possível compreender as relações e
dinamismos da paisagem, tal como as relações entre homem e natureza:

A paisagem não é a simples adição de elementos geográficos disparatados. É, em


determinada porção do espaço, o resultado da combinação dinâmica, portanto
instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo dialeticamente
uns sobre os outros, fazem da paisagem um conjunto único e indissociável, em
perpétua evolução. (BERTRAND, 1971, p.141).

Segundo Rodriguez et al (2007), a partir da visão geossistêmica é possível conceber a


paisagem como um sistema integrado, no qual, cada componente isolado não possui
propriedades integradoras, pois estas propriedades somente se desenvolvem quando se estuda
a paisagem como um todo. Ainda segundo o autor, a paisagem é um elemento único em cada
porção do espaço, o que compete análises específicas para cada área de estudos.
A paisagem como um objeto de estudos subsidia o planejamento ambiental em várias
esferas. Sendo assim, a adoção de recortes da paisagem para análises, sejam por bacias
hidrográficas, unidades de conservação, municípios, etc., possibilita o planejamento e gestão
ambiental, possuindo grande potencial para solucionar, mitigar ou prevenir problemas sócios
ambientais. Dessa forma, é possível inferir que analisar a paisagem em uma perspectiva
geossistêmica ajuda a interpretar dinâmicas e processos que atuam no espaço geográfico.

1.1 Os elementos dos Geossistemas na análise da paisagem

É importante destacar alguns elementos da paisagem que podem ser melhor


compreendidos a partir do olhar sistêmico. Um sistema é um conjunto estruturado de objetos
e/ou atributos, que exibem relações discerníveis uns com os outros e operam conjuntamente
25

como um todo complexo (CHORLEY E KENNEDY, 1971). Dessa forma, analisar a


paisagem como um sistema nos permite melhores compreensões das dinâmicas associadas à
sua estrutura, constituição e processos.
Os autores Chorley e Kennedy (1971) propõem uma classificação estrutural dos tipos
de sistemas existentes, sendo quatro deles mais relevantes para os estudos de sistemas
ambientais em geografia física. Desta maneira, são eles: sistemas morfológicos, sistemas em
sequência, sistemas processos-respostas e sistemas controlados.
Os sistemas morfológicos são caracterizados pela associação das propriedades físicas
dos sistemas e de seus elementos componentes, ligados com os aspectos geométricos e de
composição, constituindo, desta forma, os sistemas menos complexos das estruturas naturais.
Dessa forma, os sistemas morfológicos correspondem somente às formas, como
comprimento, largura, altura e declividade (CHORLEY e KENNEDY, 1971)
Os sistemas em sequência são compostos por cadeias de subsistemas, possuindo
grandeza e localização espacial, dinamicamente relacionado por uma cascata de matéria e
energia. O posicionamento dos subsistemas neste sistema é espacialmente contínuo, e a saída
(output) de matérias e energia de um subsistema torna-se a entrada (input) noutro subsistema.
Os sistemas processos-respostas são a combinação de sistemas morfológicos e
sistemas em sequência. Os sistemas em sequência indicam o processo, enquanto os sistemas
morfológicos apresentam a forma. Desta forma, pode-se definir e estabelecer um equilíbrio
neste sistema, entre processo e forma, de modo que qualquer alteração no sistema em
sequência irá refletir no sistema morfológico.
Já os sistemas controlados são aqueles que apresentam a atuação do homem sobre os
sistemas de processos-respostas. Desta forma, a complexidade do sistema é aumentada devido
à ação humana. Quando se examina a estrutura do sistema processo-respostas, verifica-se que
há certas variáveis fundamentais, válvulas, em que o homem intervindo produz modificações
na distribuição de matéria e energia, e consequentemente na forma e nos processos.
O tipo de paisagem analisada e discutida nesse trabalho está associada ao sistema
controlado, no qual, a atividade humana está diretamente associada à dinâmica daquele
sistema, tornando ainda mais complexo as dinâmicas naturais, que no momento, são altamente
controlados pelo homem. Segundo Christofoletti (1979), a relação entre sistemas controlados
e controladores não devem ser analisadas de forma linear, uma vez que existem mecanismos
de retroalimentação (feedback).
26

Uma exemplificação dos sistemas controlados são as intervenções antrópicas em


ambientes lagunares, que acarretam em alterações no sistema ambiental, tal como a
intensificação da sedimentação da laguna. Um exemplo que se relaciona diretamente com o
estudo aqui proposto são as intervenções na Lagoa de Araruama, em que as áreas de salinas,
compostas pela construção de marnéis e tanques de cristalização nas margens lagunares,
alteram diretamente os processos-respostas da laguna, tal como a dinâmica de marés e a
morfologia lagunar, tendo em vista que a circulação da água da laguna é vetada pelo
barramento condicionados pelos marnéis (figura 6).

Figura 6 - Imagem de satélite de um sistema complexo controlado na Lagoa de Araruama

Fonte: Google Earth, adaptado pelo autor

Além disso, a presença das áreas de salinas nos esporões interfere na circulação de
sedimentos e na dinâmica interna da laguna, que tende a ser controlada mediante a construção
das infraestruturas das salinas. A ocupação urbana na margem lagunar, caracterizada
principalmente por condomínios e empreendimentos, também afetam diretamente na
circulação de sedimentos e a eutrofização da laguna, desiquilibrando suas condições naturais
(figura 6).
27

Ainda é importante mencionar os sistemas complexos em que os sistemas controlados


estão inseridos. Os sistemas complexos apresentam uma diversidade de elementos,
encadeamentos, interações, fluxos e retroalimentação compondo uma entidade organizada.
(CHRISTOFOLETTI, 1998). Reafirmando tal característica, Rodriguez et al (2007) também
aponta que um sistema se caracteriza como um todo complexo e integrado, formado pelo
conjunto e combinação de todos os elementos que se interagem de forma dinâmica,
organizada e hierarquizada.
Dessa forma, os sistemas controlados complexos tendem a ter sua estrutura e
funcionamento alterados e comprometidos devido ao grau de pressão que essas áreas tendem
a sofrer. Portanto, quando as intervenções desencadeiam mudanças que atingem diretamente a
integridade dos elementos que compõem o geossistema. É possível que esse sistema tenha sua
estabilidade comprometida, o que pode proporcionar uma série de transformações reversíveis
ou irreversíveis.
A estabilidade dos sistemas complexos é a capacidade do sistema de manter seu
padrão de organização, mesmo quando submetidos a distúrbios (MATTOS E FILHO, 2004).
Ao elucidar tipos de estabilidades é necessário considerar a capacidade adaptativa que os
sistemas ambientais possuem para manter a sua organização e identidade, mesmo quando
submetidas a distúrbios, ocasionadas por fenômenos naturais ou antrópicos. Os autores que
trabalham com o estudo dos Geossistemas, consideram dois tipos principais de estabilidade: a
resistência e a resiliência.
Segundo Mattos e Filho (2004), o conceito de resistência é visto como uma capacidade
de se manter imune quando submetido a perturbações e mudanças; já o conceito de resiliência
é caracterizado como o retorno ao estado anterior de um sistema que foi perturbado. Seabra
(2012) afirma que quanto maior a resiliência de um sistema, maior será a sua capacidade de
recuperação.
Dessa forma, é possível perceber o quão relevante à análise da paisagem em uma
perspectiva geossitêmica pode se tornar, pois leva em conta os elementos da paisagem de
forma dinâmica e complexa, permitindo analisar a paisagem de forma mais integrada, com
suas próprias características de evolução e processo naturais.
Analisar a paisagem desse ponto de vista permite associações mais claras entre homem
e natureza, compreendendo os fenômenos da própria natureza, bem como, as suas respostas
frente às modificações que o homem produz sobre ela. Perceber a paisagem a partir de tais
28

fatores torna-se de grande importância para estudos geográficos que visam representar essa
paisagem a partir de ferramentas cartográficas.
Segundo Menezes e Neto (1999), a escala temporal é importante para o estudo de uma
grande quantidade de fenômenos, sendo muitas vezes aplicada em conjunto com a escala
espacial, principalmente para a indicação de elementos ligados à fatores evolutivos e
ambientais, como seus períodos de ocorrência e atuação.
Monteiro (2000) enfatiza a necessidade de se considerar as escalas temporais nos
estudos geográficos. A perspectiva temporal permite analisar um fenômeno de forma
histórica, possibilitando compreender a frequência, padrões e interações nas dinâmicas
espaço-temporais dos eventos.
A dimensão do tempo proporciona aos estudos geográficos uma perspectiva mais
ampla das ocorrências de fenômenos ambientais e sociais, possibilitando análises mais
completas para o entendimento das dinâmicas da paisagem atual, pois, ao conhecer as
características anteriores é possível inferir na sua estrutura e consolidação presente.
Além disso, a análise temporal pode promover entendimentos complexos e profundos
sobre a geomorfologia, litologia, mudanças climáticas, ações antrópicas, etc. É nessa lógica
em que Troll (1997) destaca que a paisagem reflete as transformações temporais, conservando
testemunhos pretéritos. Desse modo, é possível compreender que a própria paisagem
resguarda indícios e provas concretas dessas mudanças, podendo ela (a paisagem), ser o
objeto de estudos mais apropriado para a análise temporal dessas mudanças.
Uma consideração relevante é que essas transformações podem ser naturais ou
antrópicas, sendo em ambos os casos, variadas de acordo com o fenômeno a ser estudado.
Kohler (2002) aponta exemplos de análises temporais na geomorfologia, segundo o autor, a
deriva continental (pequena escala) é medida em milímetros /ano, já a evolução de uma
voçoroca (grande escala) é medida em metros/ano e a evolução de um sulco num paredão
calcário (lapiás) em milímetros / minuto.
Para esse estudo, a temporalidade é de extrema relevância, devido à perspectiva
histórica necessária para investigar as transformações da paisagem. Sendo assim, a presente
escala temporal está associada a três momentos históricos distintos entre o início do século
XX e XXI; correspondentes aos anos de 1929, 1976 e 2017 (figura 7). A partir de tais dados
torna-se possível realizar a análise do acréscimo e decréscimo das áreas de salinas, bem como,
as principais alterações no entorno da lagoa, permitindo assim, a compreensão de padrões
espaciais e o estudo de trajetórias evolutivas dessas paisagens.
29

Figura 7 - Mudanças temporais na análise da paisagem

Legenda: (a) mapa temático do ano de 1929, (b) fotografia aérea do ano de 1976, (c) imagem de satélite World
View 2 do ano de 2017.
Fonte: (a) Arquivo Nacional, (b) FAB, (b) WorldView.
30

1.2 Estado das Paisagens

Para Cavalcanti (2014), há concepções distintas sobre paisagem, podendo ser


distinguidas entre paisagem natural, na qual a atividade humana é incipiente; e paisagem
cultural, que é altamente transformada pelo homem. Rodriguez et al (2007) propõe uma
classificação que se fundamenta no grau de mudanças nas paisagens, que podem ser
classificadas em: paisagens naturais, paisagens antroponaturais e paisagens antrópicas. Para o
autor, as paisagens naturais são aquelas que não experimentaram o impacto da atividade
econômica ou que ocorreu através da migração de elementos químicos, tendo como exemplo,
a contaminação regional e global da atmosfera.
As paisagens antroponaturais são àquelas que sofreram transformações,
principalmente nos componentes bióticos. Segundo o autor, é possível distingui-las entre:
paisagens antroponaturais amenas ou paisagens antroponaturais fortes. As paisagens Amenas
são caracterizadas por serem paisagens muito transformadas, mas com capacidade de
recuperação. Já as paisagens Fortes possuem perda da capacidade do estado original.
Já as paisagens antrópicas são aquelas que sofreram mudanças nos biocomponentes e
inertes (geologia), sendo paisagens reguladas, tal como, as industriais, áreas urbanas,
autodesenvolvidas (desertos, savanas).
Ainda segundo Rodriguez et al (2007), as paisagens podem ser distinguidas de acordo
com o grau de transformação pela atividade econômica desenvolvida nas paisagens, podendo
ser categorizadas considerando o impacto econômico sobre o meio ambiente, classificadas
como: otimizadas, compensadas, esgotadas e alteradas.
Nas paisagens otimizadas ocorrem modificações antropogênicas com potencial
biológico positivo à paisagem, na qual ocorre o controle do homem com medidas de proteção.
Nas paisagens compensadas, ocorrem modificações antropogênicas nas paisagens naturais,
que proporcionam um potencial biológico próximo ao natural, na qual se utiliza de medidas
reguladoras para sustentar a estrutura da paisagem natural.
As paisagens esgotadas são aquelas em que ocorrem uso extensivo dos recursos,
ocorrendo mudanças que causam esgotamento da paisagem, levando a degradações e efeitos
geoecológicos negativos, tal como o empobrecimento de espécies, cobertura vegetal e
degradação de solos. Já as paisagens alteradas são aquelas predominadas por atividades
econômicas irracionais, que causam degradações irreversíveis à paisagem.
31

Dessa forma, as áreas de salinas podem ser classificadas como Paisagens Antrópicas,
pois ocorre uma artificialização da paisagem, que é diretamente controlada pelo homem,
através de intervenções na paisagem natural para a exploração do sal, tal como a consolidação
de barramentos artificiais para controle do sistema lagunar.
Quanto ao impacto econômico sobre o meio ambiente, as salinas podem ser
classificadas como paisagens esgotadas, devido a intensidade de opressão sofrida por ações
antrópicas. Nesse sentido, sofrem com a salinização do solo, perda da vegetação nativa,
aumento da sedimentação da laguna, etc.
A paisagem aqui discutida foi exposta ao alto grau de influência antrópica, tendo sua
vegetação degradada e seu solo comprometido com a exploração do sal durante longas
décadas. Dessa forma, tal paisagem, que sofreu fortes transformações, possui alta
possibilidade de regeneração natural, tendo em vista que sua vegetação nativa suprimida,
caracterizada por restingas possui baixa capacidade de resistência e resiliência, tendo em vista
que trata-se de uma vegetação delicada.

1.2.1 As Geotecnologias na análise da paisagem

As geotecnologias são compostas por soluções em hardware, software e peopleware,


que juntas, constituem poderosas ferramentas para a tomada de decisão. Dentre as
geotecnologias podemos destacar: Sistemas de Informação Geográfica (SIG), Cartografia
Digital, Sensoriamento Remoto (SR), Sistema de Posicionamento Global (GNSS),
Georreferenciamento, Processamento de Imagem (PDI) (ROSA, 2005).
Florenzano (2011) afirma que o SIG é a ferramenta computacional do
geoprocessamento, utiliza-se técnicas matemáticas e computacionais para o tratamento da
informação geográfica. Segundo Câmara (2011), o geoprocessamento é uma tecnologia
interdisciplinar, que permite a convergência de diferentes disciplinas científicas para o estudo
de fenômenos ambientais e urbanos. Sendo assim, o SIG permite armazenar, processar,
integrar, analisar, calcular áreas, visualizar e representar informações georreferenciadas
(FLORENZANO, 2011). O SIG ao lado de outros instrumentos pode apoiar decisões de
planejamento adequadas para o meio ambiente e intersubjetivamente registradas e repetíveis
(LANG E BLASCHKE, 2009).
32

Dentro das geotecnologias, o sensoriamento remoto surge como importante recurso


tecnológico para análises de uma dada paisagem. Para as tarefas de preservação do meio
ambiente e da natureza, os dados espaciais confiáveis e os parâmetros de geoecologia da
paisagem são de grande importância (LANG E BLASCHKE, 2009). Além disso, o
sensoriamento remoto surge como uma importante ferramenta para a obtenção de dados
espaciais, na medida em que fornece informações por preços reduzidos e promovem reduções
de trabalhos de campo, que aumentam os custos do produto final. Nesse sentido, o
sensoriamento remoto pode ser entendido como a utilização conjunta de sensores,
equipamentos para processamentos e dados, com o objetivo de estudar o ambiente terrestre
através do registro de análise das interações entre radicação eletromagnética e os objetos da
superfície terrestre (NOVO, 1988).
Os sensores mais popularizados atualmente são os sensores de satélites que captam
imagens a partir da órbita terrestre. Florenzano (2011) aponta que as imagens obtidas através
do sensoriamento remoto permitem uma visão sinóptica do meio ambiente ou da paisagem
possibilitando estudos regionais e integrados, envolvendo vários campos do conhecimento.
Segundo Sausen (2005), a utilização do sensoriamento remoto e de ferramentas de
geoprocessamento permitem diagnósticos eficientes, propõem soluções de baixo custo e criam
alternativas inteligentes para os desafios enfrentados face às mudanças aceleradas que se
observam na paisagem.
As geotecnologias, em geral, trouxeram novas possibilidades de representar e analisar
a paisagem. O SIG, em particular, abriu a possibilidade para representações multiescalares e
para bases de dados que contenham versões digitais do conteúdo de muitos mapas em
diferentes escalas (GOODCHILD e QUATTROCHI, 1997).
Sobre esse ponto de vista, o sistema de informações geográficas permite o manuseio
de diferentes escalas, resoluções e naturezas dos dados. O SIG abre uma perspectiva de
incorporação à sua base de dados, de documentos em diferentes escalas e resoluções, através
de mapas, informações e imagens, as vezes bastante diversas uma das outras (MENEZES e
NETO, 1999).
As potencialidades do SIG revolucionaram as análises geográfica, sobre os aspectos de
escala e natureza dos dados, que antes eram realizadas em meios analógicos e sem
potencialidades de otimização para os estudos. Um recurso primordial em SIG é a
possibilidade de análise vertical e horizontal. Para Lang e Blaschke (2009), quando uma
paisagem é analisada horizontalmente é avaliado as suas relações laterais e de vizinhança,
33

quando são analisadas verticalmente, diferentes camadas são analisadas de forma integrada,
sobrepostas e combinadas, possibilitando diversas inferências.
A análise da paisagem apoiada em SIG objetiva fundamentalmente gerar novas
informações, o que se dá por meio da manipulação e integração com camadas de dados já
existentes (LANG E BLASCHKE, 2009). É nesse sentido que as análises espaciais podem
apoiar a tomada de decisões referentes às paisagens.
Como visto, as geotecnologias possuem inúmeras funcionalidades na análise da
paisagem, sendo de suma importância para análises geográficas de qualquer natureza. Dessa
forma, as metodologias de análise da paisagem têm adquirido cada vez mais recursos nas
geotecnologias, por otimizar tempo e custos para diferentes tipos de estudos, tal como a
análise da trajetória evolutiva da paisagem.

1.3 Dinâmica e trajetória evolutiva da paisagem

Acompanhar a paisagem em uma perspectiva temporal nos permite compreender o seu


processo de formação, além de possibilitar entendimentos mais complexos sobre a sua
estrutura, possíveis tendências de desenvolvimento e as problemáticas envolvidas. Segundo
Rodriguez et al. (2007), as paisagens são formações históricas, devendo-se concebê-las como
“momento” e como “memória”. As peculiaridades estruturais e funcionais das paisagens
refletem-se sempre no curso da evolução.
A análise multitemporal nos permite investigações relacionadas às mudanças naturais
e antrópicas, bem como, os elementos que compõem ou que fizeram parte dessas paisagens e
a interferência de tais elementos no equilíbrio dessas estruturas. A observação do
desenvolvimento de paisagens no tempo é um importante pré-requisito para entender os
processos que estão ocorrendo e para o prognóstico de tendências futuras (LANG E
BLASCHKE, 2009).
Dessa forma, analisar essas mudanças em perspectiva multitemporal possibilita
diversas inferências nas análises espaciais, tais como o processo de evolução da paisagem e a
identificação dos principais elementos de pressões para essas mudanças. As trajetórias
evolutivas surgem como complemento dos estudos de mudanças, aprofundando as
informações sobre o histórico da cobertura do solo (WECKMÜLLER E VICENS, 2017).
34

Os estudos denominados como “trajetórias evolutivas da paisagem” visam o


entendimento progressivo das paisagens ao longo do tempo. Esse acompanhamento pode ser
realizado através de mapeamentos de uso e cobertura do solo, em perspectiva multitemporal.
Segundo Mertens e Lambin (2000), a compreensão dos processos de uso do solo e mudança
da cobertura do solo sempre foi uma importante área de pesquisa em geografia.
As trajetórias evolutivas são definidas para Mertens e Lambin (2000) como tendências
ao longo do tempo entre as relações e os fatores que moldam a natureza com relações do
ambiente humano e seus efeitos com uma determinada região. A análise da trajetória
evolutiva, em uma perspectiva temporal é uma importante ferramenta para identificar o
histórico de cada uso e cobertura do solo ao longo do tempo, servindo como subsídio para a
compreensão e localização da idade de cada uma das mudanças e, consequentemente, o seu
grau de degradação (WECKMÜLLER E VICENS, 2017).
A análise espaço-temporal é um dos métodos de esclarecimento das tendências
históricas do desenvolvimento da natureza. Seu funcionamento é determinar as etapas
dinâmicas-evolutivas (ou sucessivas) das paisagens (RODRIGUEZ et al, 2007). Segundo
Mertens e Lambin (2000), as trajetórias podem representar mudanças irreversíveis, reversíveis
ou dinâmicas (figura 8).

Figura 8 - Síntese das características da trajetória evolutiva da paisagem

Fonte: O autor, 2019.

As mudanças reversíveis geralmente seguem sequências sucessivas de tempo. Essas


sequências podem ser lineares ou cíclicas (MERTENS E LAMBIN, 2000). As mudanças
dinâmicas (figura 9), no qual os usos tendem a se repetir em ciclos, podem ser exemplificadas
pela alteração da cobertura de salinas, em que variam de coberturas de água (processo em que
a água é transformada em sal) para coberturas de sal (prontas para retirada). As mudanças
reversíveis, temos o exemplo de áreas de salinas com a presença de vegetações, podendo
caracterizar uma recuperação dessas áreas. Já uma trajetória evolutiva irreversível são
35

evoluções que tendem a romper definitivamente com a possibilidade de retomada de outro


uso, tal como uma área de salinas que são substituídas pelas construções urbanas, sem a
possibilidade de estabilização e recuperação natural (figura 9).

Figura 9 - Exemplos de trajetórias evolutivas da paisagem

Legenda: (a) Paisagem irreversível, (b) paisagem cíclica, (c) paisagem reversível.
Fonte: Google Earth Pro (2003 e 2017).

1.3.1 Evolução da paisagem

Os estudos das trajetórias evolutivas da paisagem podem contribuir para identificar


padrões e localizações específicas de áreas de grandes mudanças em uma localidade,
município ou região. As trajetórias podem ser usadas como uma ferramenta de avaliação para
36

ajudar a esboçar políticas ou implicações de gestão ambiental ligadas às consequências do uso


do solo (MENA, 2008).
Essas alterações podem ser naturais, expressas em episódios na qual a natureza possui
dinâmicas próprias. E também a mudanças ocasionadas pelo homem, através de construções
ou intervenções que proporcionaram grandes alterações na paisagem. Em ambos os casos, o
estudo das trajetórias evolutivas da paisagem, nos permitem acompanhar os diferentes
estágios da paisagem, sendo possível identificar seus momentos de ápice, desiquilíbrios ou
estabilidades.
A detecção de mudanças envolve a aplicação de conjuntos de dados multitemporais
para analisar quantitativamente os efeitos temporais do fenômeno (LU et al., 2004). Segundo
Singh (1989), detectar mudanças significa identificar alterações na superfície terrestre por
meio da análise de imagens da mesma área coletadas em diferentes datas. Nesse sentido,
acompanhar os diferentes estágios da paisagem permite inferências importantes a respeito da
formação do espaço geográfico e suas transformações. O principal recurso utilizado para
detectar mudanças são as imagens de satélite, devido ao seu caráter temporal e sua capacidade
de representar a superfície terrestre.
Como as mudanças induzidas pelo homem ocorrem em um ritmo cada vez mais
rápido, espera-se que os sistemas de monitoramento baseados em sensoriamento remoto, que
geram imagens do Planeta Terra em tempo integral, tenham papéis cruciais na política
ambiental e tomadas de decisão (CHEN et al., 2012 apud WECKMÜLLER E VICENS,
2016).
Oportuna e precisa, a detecção de mudanças dos recursos de superfície da Terra
fornece a base para um melhor entendimento das relações e interações entre os fenômenos
humanos e naturais para melhor gerenciar e usar os recursos (LU et al., 2004). Devido a sua
aplicabilidade a diferentes interesses, principalmente no que tange a gestão de recursos
naturais e de território, a detecção de mudanças possui grande relevância para estudos
ambientais.
O objetivo da detecção de mudanças é comparar a representação espacial de pontos no
tempo, controlando todas as variações causadas por diferenças nas variáveis que são não é de
interesse e para medir mudanças causadas por diferenças nas variáveis de interesse (Green et
al. 1994 apud Lu et al., 2004).
37

1.3.2 Detecção de mudanças (change detection)

Segundo Lu et al. (2004), uma boa pesquisa de detecção de mudanças deve fornecer
informações a respeito da mudança de área e taxa de mudança; distribuição espacial dos tipos
alterados; mudança nas trajetórias de tipos de cobertura do solo; avaliação da precisão da
detecção de alterações resultados.
As geotecnologias possuem muitas ferramentas capazes de realizar mapeamentos de
detecções de mudanças, de forma otimizada e eficaz. É através das imagens de satélite e
demais fontes de dados matriciais que é possível realizar tais detecções, além disso, o
ambiente SIG possuem ferramentas que permitem analisar, calcular e avaliar tais alterações
nas paisagens.
Existem diversas técnicas que nos permitem realizar um projeto de detecção de
mudanças. É importante destacar três etapas principais para objetivar a análise dessas
alterações: o pré-processamento de imagem, incluindo retificação geométrica e correção
radiométrica e atmosférica; a seleção de técnicas adequadas para implementar análises de
detecção de alterações; e avaliação de precisão (LU et al, 2004).
No sensoriamento remoto, os procedimentos de detecção de mudanças, também são
denominados de “change detection” na literatura e podem ser subdivididos em procedimentos
de pré e pós-classificação (SINGH, 1989 apud LANG E BLASCHKE, 2009):
• Pré-classificatórios: incluem todas as análises de mudanças que comparam a própria
informação da imagem (image-to-image comparasion).
• Pós-classificatórios: as classificações são comparadas entre si (map-to-map-
comparasion).
Segundo Lu et al. (2004), a análise pós-classificação consiste na geração de uma
classificação para cada data em separado, para uma posterior detecção de mudanças na
comparação destes mapas temáticos, que pode ser em uma integração entre o sensoriamento
remoto e um Sistema de Informações Geográficas. Para Mertens e Lambin (2000), a
comparação pós-classificação consiste na sobreposição e comparação de duas classificações
sucessivas da cobertura do solo. Já a pré-classificação consiste na classificação de todas as
imagens de diferentes datas juntas (WECKMÜLLER e VICENS, 2016). Segundo Singh
(1989), a premissa básica desse tipo de classificação é a de que todas as alterações na
cobertura terrestre deverão resultar em mudanças nos valores de radiância (SINGH, 1989).
38

Por uma questão de conveniência, os métodos de detecção de mudança são agrupados


em sete categorias: álgebra, transformação, classificação, avançado modelos, abordagens do
Sistema de Informação Geográfica (GIS), análise visual, e outras abordagens (Lu et al, 2004).
Entretanto, é importante mencionar que nem todas as técnicas automatizadas se
tornam apropriadas a todos os tipos de imagens ou abordagens utilizadas para a detecção de
mudanças, sendo importante adotar técnicas alternativas para atender as demandas e
proporcionar bons resultados.
39

2 A PLANÍCIE COSTEIRA NA REGIÃO DA LAGOA DE ARARUAMA

A planície costeira da Lagoa de Araruama está inserida num trecho do litoral


conhecido como Região dos Lagos. Essa denominação se deve à geomorfologia local,
fortemente marcada pela presença de sistemas lagunares distribuídos paralelamente à costa,
no qual a Lagoa de Araruama se destaca devido a sua dimensão e elevada salinidade
(BERTUCCI, 2016).
A área de estudo (figura 1) está situada no litoral leste fluminense, compreendendo os
depósitos de sedimentos no entorno da laguna de Araruama. A área de extensão da planície
costeira dessa região corresponde a 420,75 km², entre as latitudes 22º29’30” O e 22°58’14” e
longitudes 42º29’28” S e 41º57’55” S.
A planície costeira, conforme Muehe (2001) é representada por uma morfologia plana
e cuja formação resultou da deposição de sedimentos marinhos. A largura das planícies
costeiras é geralmente estreita, confinada entre o mar e a escarpa dos depósitos sedimentares
do Grupo Barreiras, em alguns lugares do Rio de Janeiro (MUEHE, 2001).
De acordo com Seabra (2012), as tipologias de paisagem são recortes que apresentam
semelhanças entre seus elementos, podendo ser “repetíveis” na paisagem. Rodriguez et. al.
(2007), aponta que o procedimento de tipificar as paisagens consiste em determinar um
sistema de divisão espacial de objetos semelhantes ou análogos. Dessa forma, compreende-se
que as tipologias de paisagem podem existir em diferentes recortes espaciais, sendo
associadas e classificadas em uma mesma atribuição de acordo com suas particularidades
estruturais.
A fim de definir de forma mais detalhada o limite físico da Planície Costeira na
Região da Lagoa de Araruama, utilizou-se do mapeamento de tipologias de paisagens, a nível
local, para determinar os tipos de paisagens predominantes na superfície em estudo (figura
10).
40

Figura 10 – Tipologias de Paisagens

Fonte: O autor, 2019.


41

As classificações das tipologias de paisagem foram associadas as suas características


físicas, respeitando respectivamente o tipo de depósito, o tempo geológico e o tipo de clima
predominante em cada paisagem. Nesse sentido, foram atribuídas as seguintes classificações
para o mapeamento:
• Corpos hídricos: caracterizadas pelas lagunas holocênicas e pleistocênicas
• Embasamento cristalino pré-cambriano: áreas íngremes, com cobertura de
afloramento rochoso ou floresta ou superfícies planas e com pequenas colinas.
• Depósito Continental holocênico seco: áreas de sedimentação de origem fluvial, em
áreas secas, com pluviosidade média anual de até 800mm.
• Depósito Continental holocênico sub-úmido: áreas de sedimentação de origem
fluvial, em áreas úmidas, ou seja, com pluviosidade média anual entre 900mm a
1200mm.
• Depósito lagunar holocênico seco: áreas de depósito sedimentar da laguna, composta
por áreas de esporões, salinas e ocupação urbana. Área predominante seca, favorável a
produção de sal, com baixo regime de chuvas (até 800mm).
• Depósito lagunar holocênico sub-úmido: áreas de depósito sedimentar da laguna,
composta por áreas de salinas e ocupações urbanas. Área com pluviosidade média
anual variando entre 900mm a 1200mm.
• Primeira Barreira arenosa pleistocênica seco: áreas de campo de dunas e cordões
arenosos, em área com pluviosidade média anual de até 800mm.
• Segunda Barreira arenosa holocênica seco: áreas de deposição litorânea, com média
de pluviosidade anual até 800 mm.
• Segunda Barreira arenosa holocênica sub-úmido: áreas de deposição litorânea, com
média de pluviosidade anual entre 800 mm a 1200 mm.
Além disso, cabe destacar que a planície costeira da região da Lagoa de Araruama é
caracterizada por ser uma área de superfície predominantemente plana. Nesse sentido, foi
extraído para o recorte espacial analisado os domínios geomorfológicos elaborados por Seabra
e Augusto (2018) (figura 11).
Segundo os autores, para a confecção do mapeamento foram realizadas adaptações à
metodologia de mapeamento geomorfológico do IPT (1981), sendo feito um cruzamento das
camadas espaciais de declividade e de amplitude. Dessa forma, foram estabelecidas as
seguintes classes: Montanhas, Morros, Morrotes, Colinas e Planícies (tabela 1), se
42

enquadrando no 3º táxon dos tipos de relevo (ROSS, 1992), e na categoria de unidades


morfoesculturais de Christofoletti (1979).

Tabela 1 - Classes dos domínios geomorfológicos adotados no mapeamento


Domínio Geomorfológico Declividade Amplitude
Planícies 0% a 5% < 40m
Colinas 5% a 15% < 40m
Morrotes > 15% de 40 a 100m
Morros > 15% de 100m a 300m
Fonte: Seabra e Augusto (2018).
43

Figura 11 - Unidades geomorfológicas da planície costeira

Fonte: O autor, 2019.


44

2.1 Dinâmica evolutiva dos sistemas lagunares

Segundo Ireland (1987), o litoral sul do estado do Rio de Janeiro é caracterizado ao


leste por numerosas lagoas separadas por pontais e íngremes montanhas de rochas cristalinas.
Na geormorfologia do litoral leste do estado do Rio de Janeiro se encontram diferentes
formações lagunares. Ireland (1987), destaca que:

“São mais de 20 lagoas holocênicas ao longo da costa do Rio de Janeiro, geralmente


confinadas em terra por faixas litorâneas e sequências sedimentares pré-holocênicas
e em direção ao mar por barreiras, na maioria dos casos, essas barreiras isolam
completamente as lagoas do Oceano Atlântico, embora algumas tenham aberturas
artificiais estreita” (IRELAND, 1987).

Segundo Turcq et al (1999), a Lagoa de Araruama teve sua formação relacionada aos
últimos eventos de transgressão marinha ocorridos por volta de 120.000 anos. Ainda segundo
o autor, a relativa mudança do nível do mar durante os últimos 7.000 anos, poderia explicar a
formação de barreiras arenosas, bem como dos sistemas lagunares (TURCQ, 1999).
Turcq et al (1999) aponta que a característica mais marcante desta planície costeira é a
presença de dois sistemas lagunares:

“O interior, representado por Jacarepaguá, Rodrigo de Freitas, Piratininga, Itaipu,


Maricá, Jaconé, Saquarema e Araruama, é caracterizada por grande formato redondo
lagoas. O exterior é representado por um chaplet de pequenas lagoas incluindo
Marapendi, Vermelha, Pernambuco, Brejo do Espinho, etc., que estão localizados ao
longo de uma planície estreita entre duas barreiras de areia. Além disso, um
gradiente de salinidade hipersalino é observável entre o Rio de Janeiro e Cabo Frio,
respectivamente, o que pode ser atribuído a um microc1ima seco na última área.”
(TURCQ et al, 1999).

É importante destacar que, as lagunas maiores, localizadas entre a barreira interna e o


continente, desenvolveram-se durante o Pleistoceno e foram novamente submersas durante a
transgressão holocênica, que por sua vez deu origem ao sistema lagunar e barreira externa
(TURCQ et al, 1999). Ainda segundo Turcq et al (1999), as lagunas menores foram formadas
a partir de um desmembramento do sistema lagunar externo que ocorreu durante as flutuações
posteriores do nível do mar. De acordo com a distinção entre os dois tipos de sistemas
lagunares (menores e maiores), diferenciados segundo a sua formação (figura 12).
45

Figura 12 - Distinção dos sistemas lagunares

Fonte: O autor, 2019.


46

Associada a formação das lagunas, um outro elemento marcante na paisagem litorânea


da região se refere a geomorfologia de cordões litorâneos ou barreiras arenosas. Lamego
(1945) apontou que a os cordões arenosos da Massambaba (localizado na região sul da Lagoa
Pernambucana) se formaram a partir da evolução lateral de um pontal, em orientação leste,
que caracterizava a formação de enseadas. Em contraponto, Muehe (2018) destaca que foi
somente a partir dos trabalhos de Coe Neto (1984), Muehe (1984), Turcq (TURCQ et al.
1999) e, mais detalhadamente, de Muehe e Correa (1989), que mudou a interpretação dessa
evolução, no sentido de rejeitar o modelo de progradação lateral na forma de um pontal, a
favor de um modelo de migração retrogradacional em consonância com a elevação do nível
do mar, justificado, notadamente, pela ausência de transporte longitudinal residual capaz de
formar um pontal, pela existência de mais de um cordão de altura e idade diferentes, e pela
presença de arenitos de praia submersos, atestando a posição pretérita dos cordões arenosos e
sua posterior retrogradação (figura 13).

Figura 13 - Barreiras Arenosas em Arraial do Cabo/RJ

Fonte: Google Earth Pro (2019).

De acordo com Muehe e Valentini (1998), os cordões litorâneos, ou barreiras


arenosas, são acumulações sedimentares relativamente estreitas e muito longas, localizadas
em contato direto com a praia ou na forma de paleo-cordões mais interiorizados, deixados
47

para traz à medida que a linha de costa avançou em consonância com as flutuações do nível
do mar, sendo sua largura e altura reflexo da disponibilidade de sedimentos, da altura do nível
marinho, e da energia das ondas, podendo ainda sua altura ser posteriormente aumentada pela
acumulação de depósitos eólicos.
Segundo Silva (2011), nas barreiras arenosas estão localizadas as praias mais bonitas
do mundo, o que contribui para que estas áreas sejam extremamente importantes, tanto do
ponto de vista da ocupação, quanto da própria valorização econômica das mesmas. Ao longo
da sua história de ocupação, a barreira arenosa na região da Lagoa de Araruama foi tomada
por áreas de salinas. Atualmente, tais salinas estão sendo substituídas por construções de casa
e criação de lotes, dinamizando o fluxo de pessoas que circulam essa área.

2.2 A Lagoa de Araruama

A Lagoa de Araruama é considerada um sistema lagunar hipersalino, com salinidade


média igual a 44,8 o/oo (partes por mil) e que se conserva com essa característica ao longo de
todo o ano (BERTUCCI, 2016). Cabe destacar que tal característica é fundamental para a
atividade econômica salineira, desenvolvida até os dias atuais na margem lagunar da Lagoa de
Araruama.
A laguna de Araruama possui conexão com o mar através do canal de Itajuru, com
largura que varia de 100 a 300 m e comprimento de 8 km. Por meio de obras de infraestrutura
ao longo da história, o canal foi alargado para possibilitar o acesso de embarcações no interior
da laguna. O canal de Itajuru se mantém aberto por estar sua desembocadura localizada entre
afloramentos rochosos (morros de Nossa Senhora da Guia e Cruz), até desembocar na altura
da Ilha do Japonês. Também é importante salientar que o Canal Artificial Palmer é o principal
meio de entrada de água do Canal do Itajuru (figura 14).
Além de receber água através do canal de Itajuru, a laguna também recebe água doce
através dos pequenos rios de contribuição da laguna, que se localizam predominantemente na
margem norte da laguna (figura 14). Entretanto, Gomes (2009) destaca que a laguna de
Araruama possui a característica de um estuário negativo, no qual o somatório das vazões
afluentes, seja por meio dos rios que desaguam na laguna (fluviais) ou por meio da água da
48

chuva (pluviais) seja inferior a vazão da evaporação da água da laguna, o que intensifica a sua
característica hipersalina.
49

Figura 14 - Dimensões físicas da Lagoa de Araruama

Fonte: O autor, 2019.


50

Segundo Bidegain e Bizerril (2002), a Lagoa de Araruama possui uma área de 220
km², perímetro de 190 km; profundidade média de 2,9m e um volume de 636 milhões de m³.
Além disso, a laguna possui cerca de 13 km de largura (Norte-Sul) e 30 km (Leste-Oeste).
O tempo estimado de renovação da água da laguna é em torno de 83,5 dias, devido a
troca de águas através do Canal de Itajuru, em Cabo Frio, ser muito pequena. Bidegain e
Bizerril (2002) apontam que a onda de maré é atenuada para praticamente zero pouco depois
de atingir a laguna propriamente dita.
Em relação a batimetria da laguna, conforme aponta o mapeamento realizado pela
COPPETEC (figura 15), a laguna possui profundidade máxima de 14 metros. É possível
inferir que a porção sul da lagoa, em sua maioria, é rasa, estando a porção mais profunda
situada na região central do corpo hídrico, mais ao norte. Isso pode ser explicado pela
presença dos esporões e da presença de atividades como a produção de sal, extração de
conchas e urbanização.

Figura 15 - Batimetria da Lagoa de Araruama

Fonte: COPPETEC (2002).

Muehe (2001) caracteriza a área da laguna de Araruama ao norte como recortada por
pequenas enseadas, enquanto na orla sul, formada por cordões arenosos de orientação Leste-
Oeste, composta por extensos arcos de praia. Bidegain e Bizerril (2002) destacam que no eixo
sul, a laguna é composta por largas enseadas de contornos suaves, separadas por esporões
arenosos encurvados para oeste. Os autores justificam a curvatura para oeste devido a ação
combinada dos ventos e correntes circulares em direção ao oeste.
51

Nas barreiras arenosas situadas ao sul da Lagoa de Araruama, destaca-se a presença de


esporões, que são resultado da hidrodinâmica interna da laguna. Essas formações resultam da
mobilização de sedimentos ao longo do perímetro das lagunas por ondas geradas no seu
interior. Alves et al (2006) aponta que os esporões são protuberâncias na linha de costa em
forma de cúspides, formadas por material não coesivo, tendo seu processo de formação
tangenciado pelo gradiente do fluxo de sedimentos na linha de costa, sob a ação de um clima
de ondas antidifusivo.
A origem dos esporões está vinculada aos vários fatores que se apresentam a seguir: (i)
expressivo suprimento de material arenoso; (ii) sentido constante do transporte litorâneo; (iii)
influência da topografia, por exemplo, a presença de um ponto de apoio; (iv) pouca
profundidade, uma vez que tais feições são originadas em áreas rasas (ANTIQUEIRA et al,
2003).
Cabe destacar que a laguna de Araruama possui a presença de 8 esporões ao longo do
seu eixo sul (figura 16). Na porção oeste, entre os municípios de Araruama a Arraial do Cabo,
nas localidades de Praia Seca, Enseada Tiririca e do Figueira, existem 5 formações de
esporões. E na porção leste, entre Arraial do Cabo e Cabo Frio, existem mais três formações
de esporões, localizados entre as enseadas de Fundinho e praia do Sudoeste (tabela 2).

Tabela 2 - Características dos Esporões


ESPORÕES LOCALIDADE MUNICÍPIO OCUPAÇÃO

PONTA DAS MARRECAS Praia Seca Araruama Salina Ativa

PONTA DAS CABRAS Praia Seca Araruama Salina Ativa

PONTA DO INGÁ Praia Seca Araruama Urbanização

PONTA DAS Arraial do Salina Desativada


Enseada Tiririca
COROINHAS Cabo Urbanização na Base
Enseada do Arraial do Salina Desativada
PONTA DAS ACAÍRAS
Figueira Cabo Urbanização na Base
PONTA DA Arraial do Salina Ativa
Fundinho
MASSAMBABA Cabo Urbanização na Base
Salina Desativada
PONTA DOS MACACOS Praia do Sudoeste Cabo Frio
Urbanização na Base

PONTA DO COSTA Salinas Perynas Cabo Frio Salina Ativa (Perynas)

Fonte: O autor, 2019.


52

Figura 16 - Esporões localizados na laguna de Araruama

Legenda: (a) Esporões localizados na porção oeste da laguna; (b) Esporões localizados na porção leste da laguna.
Fonte: O autor, 2019.

A atividade de produção de sal se utiliza da formação dos esporões para a


implementação de salinas para a realização da atividade econômica, devido a sua estratégica
53

localização espacial junto a laguna hipersalina. Nos esporões da Lagoa de Araruama estão
presentes infraestruturas para a produção do sal, compostas por marnéis, diques e tanques de
cristalização. Tais estruturas podem interferir diretamente na dinâmica evolutiva dos
esporões, tendo em vista a influência antrópica exercida sobre essas áreas.
É importante enfatizar a presença dos marnéis, que são estruturas fixas construídas a
partir dos esporões para dentro da laguna, que tem a intencionalidade de barrar o acesso das
águas da laguna para dentro das salinas. Tais estruturas impedem a livre circulação das águas
e por consequência, as interações realizadas pela naturalmente pela dinâmica lagunar.

2.3 Aspectos climáticos

Coe et al (2008) aponta que a região da Lagoa de Araruama apresenta um contraste


pluviométrico em relação ao restante do Estado do Rio de Janeiro, sendo ocasionado por
complexas razões físico-geográficas, dentre elas é possível destacar o fenômeno da
ressurgência, que induz na redução da precipitação, e consequentemente, no aumento da
aridez climática, evaporação e salinidade das lagoas.
A região de Cabo Frio apresenta peculiaridades geoecológicas, sendo considerada um
enclave fitogeográfico no litoral do Rio de Janeiro. Este enclave pode ser explicado pelo
clima semiárido local de Cabo Frio, ligado, entre outros fatores, à presença de uma
ressurgência costeira e ao regime de ventos da região, o qual pode ser perturbado por eventos
El Niño (COE & CARVALHO, 2013).
Essa anomalia climática é determinada pelo fenômeno oceanográfico da ressurgência
que é do tipo intermitente - intensificado por fortes ventos de nordeste, que contribuem para o
afloramento de águas oceânicas frias e proporciona condições climáticas peculiares que
alteram a paisagem local, promovendo o aumento na evaporação regional e conferindo um
clima particularmente seco aquela região (BARBOSA, 2003).
Reiterando, Barbosa (2003), explica que a ressurgência nessa região ocorre a medida
em que as águas frias e ricas em nutrientes da Água Central do Atlântico Sul (ACAS) afloram
na plataforma continental, devido à mudança brusca de orientação da costa, que passa de uma
direção mais ou menos norte-sul a uma Leste-Oeste; ao deslocamento sazonal do eixo da
54

Corrente do Brasil (CB), que é desviado ao largo no verão; e, sobretudo, ao regime de ventos
da região.
O ciclo de ressurgência é interrompido mais frequentemente durante o inverno,
quando os ventos SW prevalecem, na passagem de frentes frias, proporcionando o
empilhamento das águas superficiais na costa, fazendo com que a ACAS retorne às
profundezas. A intensificação da ressurgência na região de Cabo Frio induz a uma redução na
precipitação e na cobertura de nuvens, levando, consequentemente, a um aumento na
insolação e na aridez climática, evaporação (compensando o fato que esta seria reduzida pelas
temperaturas mais baixas das águas oceânicas) e salinidade das lagoas (COE e CARVALHO,
2013).
Segundo o levantamento realizado pelo Climate Data (2019), para o município de
Cabo Frio, agosto corresponde ao mês mais seco do ano, com precipitação média de
37mm/mês. Em relação ao regime de chuvas, no mês de dezembro cai a maior parte da
precipitação anual, com uma média de 110 mm/mês. O mês de fevereiro aparece como o mês
mais quente do ano, com temperatura média de 25,4 °C, em contrapartida, o período com a
temperatura mais baixa do ano é o mês de julho, chegado a temperatura média de 20.8 °C. Em
aspectos gerais, a temperatura média do município de Cabo Frio é de 22.9 °C, e a
pluviosidade média anual variando entre 750mm a 900 (figura 17).
55

Figura 17 - Climograma do município de Cabo Frio - RJ

Fonte: Climate Data, 2019.

A partir do mapa de isoietas (figura 18), é possível identificar as áreas com


precipitação média anual de até 800mm, predominante nos municípios de Cabo Frio e Arraial
do Cabo, que possuem um baixo regime de chuvas, atribuído à características do enclave
climático semiárido, já mencionado. Além disso, é possível avaliar que em outros municípios
há uma incidência maior de precipitação (acima de 800mm a 1300mm), com destaque para a
região de Iguaba Grande e Araruama que possuem os maiores índices pluviométricos da
região. É nesse sentido que é possível associar a distribuição de salinas ao entorno da laguna
com os índices de precipitação média anual, tendo em vista que as salinas são mais produtivas
em áreas com pouca chuva e alta incidência solar.
56

Figura 18 - Distribuição da precipitação média anual

Fonte: O autor, 2019.

A Lagoa de Araruama sofre influência muito grande do vento, sendo os principais o


nordeste e o sudoeste, que sopram na direção de seu eixo maior. Como ela é um corpo hídrico
raso, o vento provoca o movimento dos sedimentos do fundo na direção de São Pedro da
Aldeia para Araruama, se for vento nordeste, e de Araruama para São Pedro da Aldeia
(COPPETEC, 2012).
O verão é caracterizado pela predominância de ventos de direção Nordeste, enquanto
que o inverno é marcado por períodos descontínuos de ventos do Sul e Sudoeste, ligados à
passagem de sistemas frontais provenientes de médias latitudes (COE e CARVALHO, 2013).
Conforme o mapa (figura 19), é possível ter dimensão da circulação da água em épocas de
ventos Nordeste, durante a época de verão, que há maior incidência solar.
57

Figura 19 - Padrão de circulação geral hidrodinâmica, vento NE

Fonte: COPPETEC (2002).

É importante destacar que a direção do vento influencia na direção da formação dos


esporões lagunares no eixo sul da laguna, além disso, influência também na produção do sal,
tendo em vista que deverão ser utilizados de mecanismos para barrar o vento da extremidade
de maior sua maior incidência, afim de conter a dispersão do sal.

2.4 Meio Ambiente e Unidades de Conservação

Muehe (2001) destaca alguns dos problemas associados a expansão da ocupação


humana no entorno da Lagoa de Araruama, que desequilibra sistemas naturais, ocasionando a
distúrbios às dinâmicas naturais da laguna, tais como: alteração do balanço hídrico da laguna;
intensificação da sedimentação lagunar; alterações na morfologia da laguna; redução das
margens lagunares, etc.
As vulnerabilidades ambientais relacionadas à ocupação das margens lagunares da
Lagoa de Araruama são muitas; entretanto, isso muito se agrava devido ao aumento da
ocupação na margem lagunar, tendo em vista a substituição das áreas de salinas em
decorrência da construção de empreendimentos imobiliários nas áreas ao entorno da laguna.
58

Alguns autores destacam os problemas ambientais que são ocasionados em


decorrência da ocupação antrópica no entorno da Lagoa de Araruama. Em aspectos químicos,
ocorre a alteração da qualidade da água da Lagoa de Araruama, tendo em vista o aumento da
produção e escoamento de esgoto, a laguna sofre processo de eutrofização (GUERRA, 2008).
Bezerra (2014) aponta que na Lagoa de Araruama ocorre o processo de eutrofização,
que é o aumento da concentração de nutrientes, especialmente o fósforo e nitrogênio no
ecossistema aquático, dessa forma, tal processo resulta em efeitos nocivos para a qualidade da
água como: alterações no pH, queda da salinidade, aumento da concentração de gases como
metano e sulfídrico, e diminuição de nutrientes e oxigênio dissolvido na água.
Em aspectos morfológicos, há intensificação no processo de assoreamento. Tendo em
vista que este é um processo natural, com o aumento das construções e do acúmulo de casas
na margem da laguna, tende-se a aumentar também a quantidade de sedimentos a serem
dispersados na laguna, o que se torna problemático tendo em vista o acúmulo de sedimentos
no fundo de laguna, reduzindo sua batimetria e a intensificação dos assoreamentos dos
esporões e margens lagunares. (ALVES, 2006).
Em relação aos recursos naturais, Seabra (2007) aponta a vulnerabilidade dos
aquíferos costeiros do litoral leste fluminense, tendo em vista que o aumento populacional
nessa região promove também o aumento da demanda de água e consequentemente, a
exploração de água dos aquíferos costeiros. A exploração intensa e desordenada dos aquíferos
costeiros pode promover a salinização das águas, além da contaminação por efluentes
domésticos, que tendem a ter seu quantitativo elevado devido ao aumento populacional.
Uma iniciativa implantada no sentido de amenizar os impactos decorrentes do avanço
urbano e permitir a preservação dos recursos naturais, deu-se por meio da criação de diversas
Unidades de Conservação (UC), que são áreas protegidas, instituídas pelo poder público. As
UCs nessa região visam proteger amostras representativas de ecossistemas nativos, tais como:
florestas; restingas; dunas, áreas úmidas; lagunas e outros; garantindo assim, refúgio para
inúmeras espécies de plantas e animais vulneráveis ou ameaçados de extinção.
As UCs da área de estudo se situam predominantemente ao entorno dos corpos
hídricos e nas áreas de barreiras arenosas, onde se encontram remanescentes de vegetação
nativa (figura 20).
59

Figura 20 - Unidades de Conservação

Fonte: O autor, 2019.


60

Tais UCs sofrem constantes pressões antrópicas, tais como recorrentes pressões
imobiliárias e econômicas, devido ao crescimento populacional e constantes práticas
turísticas.
Com a criação do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), pela Lei
9.985/2000, ocorreu uma sistematização das UC em esferas federais, estaduais e municipais.
A lei divide as UC em dois grandes grupos, os de proteção integral e os de uso sustentável.
As UCs de proteção integral têm por objetivo preservar a natureza, sem o uso direto de
seus recursos naturais. Enquanto as UCs de uso sustentável têm por premissa equilibrar o uso
sustentável da área preservada com a conservação da natureza, permitindo o desenvolvimento
sustentável da população envolvida.
O SNUC ainda é composto por 12 categorias que variam de acordo com a
biodiversidade existente, bem como os objetivos previstos e usos permitidos para a área. Para
as UC de Proteção Integral (PI) existem 5 categorias previstas (anexo I) e para as UC de Uso
Sustentável (US) são 7 categorias (anexo II).
Dentre as unidades de conservação presentes no LLERJ (tabela 3), destacamos o
Parque Estadual da Costa do Sol (PECS). Criado pelo Decreto Estadual nº 42.929 de 18 de
abril de 2011, o parque tem área total aproximada de 9.841 hectares, dividida em quatro
setores, cada qual abrangendo partes dos municípios de Araruama, Armação dos Búzios,
Arraial do Cabo, Cabo Frio, Saquarema e São Pedro da Aldeia.
Essa UC se destaca devido a sua característica física diferente das demais UCs da área
de estudos, que se trata de uma UC descontínua composta por 43 fragmentos, localizados em
diferentes municípios, totalizando cerca de 9.841 hectares. A UC possui o objetivo de
assegurar a preservação dos remanescentes de Mata Atlântica e ecossistemas associados dessa
região de baixadas litorâneas (restingas, mangues, lagoas, brejos, lagunas).
É importante mencionar que as UC de esfera estadual são as áreas protegidas que mais
integram a área evidenciada no estudo, tendo em vista sua presença em grande parte do eixo
sul da laguna, onde se situa os cordões arenosos e os remanescentes de restinga, que integram
mais de um município de modo contínuo (tabela 3).
61

Tabela 3 - Descrição das Unidades de Conservação


EXTENSÃO
DISTÂNCIA
EXTENSÃO SOBREPOSTA
UNIDADE DE ANO DE DA ÁREA DE
ESFERA TIPO MUNICÍPIOS TOTAL DA ÁREA DE
CONSERVAÇÃO CRIAÇÃO ESTUDOS
(KM²) ESTUDOS
(KM²)
(KM²)
FEDERAL

Arraial do Cabo
RESEX Marinha do Arraial
Uso sustentável 1997 Araruama 516,77 0,00 0 km
do Cabo
Cabo Frio

Arraial do Cabo
APA de Massambaba Uso sustentável 2011 Araruama 91,34 58,24
Saquarema
Cabo Frio
APA Pau Brasil Uso sustentável 2002 103,70 4,07
Búzios
ESTADUAL

Iguaba Grande
APA da Serra de Sapiatiba Uso sustentável 1990 59,63 17,11
São Pedro da Aldeia
Saquarema
Arraial do Cabo
Araruama
PE da Costa do Sol Proteção Integral 2011 98,41 48,76
São Pedro da Aldeia
Cabo Frio
Búzios
APA do Peró Uso sustentável 2000 Iguaba Grande 0,27 0,00 0,5 km
APA do Morro de
Uso sustentável 2000 Iguaba Grande 0,67 0,00 3,3 km
Igarapiapunha
APA do Morro dos Canellas Uso sustentável 2000 Iguaba Grande 0,25 0,18
APA dos Guimarães Uso sustentável 2000 Iguaba Grande 0,38 0,20
APA do Governo Uso sustentável 2000 Iguaba Grande 0,94 0,94
MUNICIPAL

APA Municipal do Morro de


Uso sustentável 2011 Araruama 1,55 0,00 2 km
Boa Vista
APA Municipal do Morro de
Uso sustentável 2011 Araruama 0,45 0,00 1,5 km
Igarapiapunha
APA das Andorinhas Uso sustentável 2000 Iguaba Grande 0,27 0,04
PNM da Restinga da
Proteção Integral 2010 Arraial do Cabo 4,58 4,20
Massambaba
PNM da Mata Atlantica
Proteção Integral 2013 São Pedro da Aldeia 2,70 0,03
Aldeense
ARIE Restinga Viva Uso sustentável 2008 Araruama 0,33 0,03
Fonte: O autor, 2019.
62

2.5 Das salinas ao turismo

Ao pensar nas transformações da paisagem é importante conhecer o processo de


formação histórica da Região dos Lagos, para que seja possível compreender como as
atividades econômicas e como os marcos históricos fluminenses influenciaram no contexto de
constituição da região.
Historicamente, Hanssen (1988) aponta que o processo de ocupação desse litoral se
deu inicialmente a partir dos povos indígenas, de Tamoios e Goitacás. Com a chegada dos
portugueses se instituiu povoamentos, que proporcionaram a criação de fortes devido a
estratégica localização geográfica desse litoral para a defesa, assim como a construção de
igrejas e demais edificações para torna-se um polo de atração.
Hanssen (1988) relata a dificuldade histórica de tornar esse litoral economicamente
produtivo, devido à infertilidade das áreas planas do litoral no entorno da laguna:

“Com tais imensos latifúndios em mãos dos jesuítas e uma população de pobres
pescadores, a vila não progredia. Faltava-lhe o principal, uma sólida e ampla base
agrícola. Os colonos não encontraram perto da cidade terras boas e planas, afastadas
da influência do mar, dos ventos e da maresia. Onde quer que olhassem, só viam
uma coisa: o areão, as dunas marinhas.”

Há indícios de relatos históricos que indicam o quanto essa região sempre possuiu
vocação para a produção de sal. Pizarro e Araújo (1945) apud Hanssen (1988) relatam que na
restinga que divide o mar da Lagoa de Araruama, formava-se tanto sal, que sem qualquer
trabalho teria dado “para fartar todo continente”.
Entretanto, cabe destacar que nesse período, a produção do sal era ilegal na colônia
portuguesa, mediante os decretos expressos na Carta Régia de 28/02/1690 e 18/01/1691, que
proibiam a exploração do sal na colônia em detrimento da importação de Sal da metrópole.
Conforme aponta Hanssen (1988), o sal naquele tempo e ainda muito mais tarde era
importado de Setubal (Portugal) e de Cadiz (Espanha).
Somente com a vinda da Família Real para o Brasil é que Dom João VI determinou e
incentivou a exploração das salinas brasileiras, a partir da Carta Régia de 7 de setembro de
1808, que rompeu com a importação pela indústria de sal portuguesa devido o domínio
napoleônico (CARVALHO JÚNIOR et al, 1982).
Foram os índios Goitacás os primeiros a elaborarem modos de extrair sal da Lagoa de
Araruama. Segundo Hanssen (1988), em São Pedro da Aldeia, naquela época conhecida como
63

São Pedro dos Índios, os remanescentes das tribos goitacás trabalhavam na produção do sal
pelo sistema de cacimbas 5. O sal obtido em tão penosa lida era de péssima qualidade, sujo,
cheio de terra, de folhas e capim em decomposição (HANSSEN, 1988).
Hanssen (1988) aponta que Luis Bonifácio Lindenberg e seu filho aperfeiçoaram o
método de extração de sal6, que é bem similar a técnica adotada até os dias de hoje (figura
21).

Figura 21 - Fotografias históricas de salineiros nas atividades de salicultura em Cabo Frio

Fonte: Acervo Wolney Texeira.

A partir desse período se adota os moinhos de vento para a produção do sal, objeto
esse que compõe a paisagem do entorno da laguna até os dias atuais e também faz parte da
memória afetiva da população, sendo este um símbolo da história dos municípios ao entorno

5
Consistia o processo em cavar perto da praia um fosso no qual, com a maré bem alta, o mar penetrava. Na
vazante ali ficava uma poça de água marinha. Antes que nela penetrasse nova maré, a água, uma salmora grossa
já em vias de se coalhar, era carregada em baldes para cacimbas mais afastadas do mar, ou seja, da laguna, fora
do alcance da preamar, onde terminava o processo de cristalização (HANSSEN, 1988).
6
Consiste em cavar um tanque raso, de um metro ou mais de largura por vinte a trinta metros de comprimento e
trinta centímetros de profundidade, e em nivelar e impermeabilizar o fundo. Bombas acionadas por rodas de
vento para ele levam a agua da laguna ou diretamente do mar aberto, conforme a situação. Nestes tanques
compridos e rasos conhecidos por praias ou marnotas na gíria técnica dos marnoteiros a água salina sofre uma
primeira concentração, sendo depois canalizada para os marnéis, tanques rasos menores, onde ela se condensa
mais ainda. Sob o sol forte e em parte sob a ação do vento se evapora todo e qualquer resto de água, resultando
cristais de sal alvo que são puxados com os rodos e amontoados entre os tanques na faixa de terra seca que os
separa uns dos outros (HANSSEN, 1988).
64

da Lagoa de Araruama. Cabe lembrar que as salinas atualmente adotam técnicas ainda mais
modernas para bombear a água para os tanques de cristalização e não utilizam mais de
moinhos de vento para a produção do sal. Nesse sentido, os moinhos de vento vêm sendo cada
vez mais suprimidos da paisagem lagunar dessa região.
Sendo assim, é a partir do cenário de aperfeiçoamento da técnica que as primeiras
grandes transformações ocorrem na paisagem ao entorno da Lagoa de Araruama. Hanssen
(1988) indica que por volta de 1850 três companhias exploravam as salinas, todas trabalhando
no sentido de melhorar a técnica, sendo as primeiras delas instaladas na restinga Perinã, as
margens da laguna de Araruama. Essa localidade, situada na Ponta da Costa, ainda se
denomina como Perynas e atualmente é pertencente à empresa “Sal Cisne”, que realiza nesse
local a produção e o refinamento de sal (figura 22).
65

Figura 22 - Mosaico de fotografias históricas e atual das salinas Perynas, atualmente Sal
Cisne

Legenda: (a) Construção da sede da salinas Perynas (pertencente à Sal Cisne); (b) sede da indústria salineira “Sal
Cisne” atualmente; (c) moinhos de vento da salinas Perynas (atual salinas da Sal Cisne); (d) atual
tanques de cristalização da Sal Cine, sem a presença dos moinhos de vento.
Fonte: (a) Sal Cisne, (c) Acervo Wolney Texeira, (b) e (d) O autor, 2019.

O desenvolvimento da técnica da atividade da salicultura nessa região permitiu que o


município de Cabo Frio começasse a se projetar no cenário econômico nacional, tendo em
vista que, com o advento da Primeira Guerra Mundial, houve falta de transporte para o sal
europeu, que a importação terminou de uma vez, dando à indústria fluminense a oportunidade
de se expandir (HANSSEN, 1988).
O número de salinas começou a aumentar significativamente no início do século XX,
quando o entorno da Lagoa de Araruama passou a contar com 120 salinas (BRISSON e
POZZEBON, 2017). Lamego (1946) estima que as áreas ocupadas por salinas no entorno da
66

Lagoa de Araruama no início do século XX eram de 9.830.000 m² em Cabo Frio, 6.170.000


m² em Araruama e 2.530.000 m² em São Pedro da Aldeia.
A principal problemática envolvida na atividade salineira no litoral leste fluminense
estava no escoamento da produção de sal, tendo em vista a ausência de meios de transportes
terrestres e as limitações físicas existentes na foz da Lagoa de Araruama, que até então, era a
única alternativa de transporte existente na região. Segundo Hanssen (1988), o engenheiro
Leger Palmer, no princípio do século XX, construiu o canal na foz da Lagoa de Araruama que
hoje leva seu nome.
O canal Palmer tratava-se de uma obra de grande utilidade, pois liga o canal de Itajuru
pouco acima de sua desembocadura diretamente com a parte mais larga da lagoa, evitando
assim meandros e curvas que muito retardavam a navegação.
A utilidade do canal artificialmente criado estava na otimização do escoamento do sal,
que alcançava o porto em menos tempo do que antes. Atualmente, esse canal tem suas
margens ocupadas por condomínios e casas de luxo que possuem infraestruturas para as
embarcações dos seus moradores (figura 23).
67

Figura 23 - Fotografia do Canal Palmer na Lagoa de Araruama, em Cabo Frio – RJ,


atualmente

Fonte: Secretaria de Turismo de Cabo Frio (2013).

O transporte ferroviário veio muito mais tarde para a região, pois até a década de 30,
as ferrovias que saiam de Niterói tinham seu término em Iguaba. Somente na década de 30
que foram construídas linhas de trem que se estendesse de Iguaba até Cabo Frio. Entretanto,
as ferrovias (que foram construídas tardiamente para região), logo foram substituídas a partir
da década de 40 por rodovias, sendo a Rodovia Amaral Peixoto o primeiro meio de
possibilidade de acesso à região (CHRISTOVÃO, 2011).
Hanssen (1988) aponta que “com a rodovia asfaltada, isso que nos habituamos a
enfeixar sob o nome progresso, veio quase da noite para o dia, pois a extração de sal passou a
avançar para outras áreas planas”. Além disso, o transporte rodoviário foi o aspecto que
dinamizou toda a região, alavancando as transformações da paisagem ao entorno da Lagoa de
Araruama, tendo em vista que as ocupações e adensamentos populacionais foram se
desenvolvendo ao longo da rodovia principal, de acesso à capital do Estado (figura 24)
68

Figura 24 - Rodovias principais e sedes municipais

Fonte: O autor, 2019.


69

Associada a dinâmica das rodovias, a instalação da Companhia Nacional de Álcalis


(figura 25), em Arraial do Cabo (que no período pertencia a Cabo Frio) no ano de 1943, foi
responsável por um forte crescimento populacional e urbanização na região, tendo em vista a
necessidade de mão de obra para a indústria salineira.

Figura 25 - Companhia Nacional de Álcalis, em Arraial do Cabo (1955)

Fonte: Cabo Frio Histórico.

Segundo Christovão (2011), outro aspecto que deve ser mencionado para a rápida
ocupação urbana na Região dos Lagos é a idealização da praia quanto destino turístico, após o
fim da Segunda Guerra Mundial (figura 26).
O autor aponta que o turismo era incentivado e praticado nas regiões serranas do Rio
de Janeiro. Entretanto, com as construções das rodovias para Cabo Frio e o estimulo cultural
dado à praia, através do Cinema e artistas foi um dos elementos fundamentais para a rápida
ocupação urbana no litoral leste fluminense, no qual proporcionou a construção de casas,
hotéis, restaurantes e obras de infraestrutura para atender a demanda turística.
70

Figura 26 - Fotografia história da Praia das Conchas em Cabo Frio, entre as décadas de 60/70

Legenda: praia das Conchas cheia de carros e banhistas aos finais de semana.
Fonte: Cabo Frio Antigo.

Entretanto, não foi apenas o turismo que proporcionou a queda econômica das salinas
na Região dos Lagos. Segundo Christovão (2011), a solução da questão dos transportes para o
sal do Rio Grande do Norte marca o início do fim da indústria salineira fluminense. Segundo
o autor, o ano de 1974 foi emblemático para a economia do país, pois, foi o ano de
inauguração do Porto Ilha no Rio Grande do Norte e da ponte Rio-Niterói, que marcaram,
respectivamente, a solução para a o escoamento do sal produzido no Nordeste, e a facilidade
de acesso da região metropolitana com a região dos Lagos, que culminou na facilidade de se
obter práticas turísticas na região. A produção do sal no Nordeste, mais especificamente no
Rio Grande do Norte, torna-se mais rentável, devido à qualidade do sal, baixo custo da mão
de obra e alta produtividade.
Cabe destacar que a produção de sal marinho no estado do Rio de Janeiro está situada
quase que integralmente restrita aos municípios da Região dos Lagos, especificamente, ao
entorno da Lagoa de Araruama. Nesse sentido, através da Figura 27, é possível se ter ideia dos
anos de maior e menor produção dessas salinas, até o ano de 2015. É importante salientar que
71

anos de 2003 e 2004 não foram inseridos no gráfico devido à ausência de informações
disponibilizadas pelo DNPM para esses anos. Bem como, os anos de 2016 e 2017, que
também não foram divulgados no site do órgão.

Figura 27 - Produção de Sal no Rio de Janeiro (1996 a 2016)

Fonte: O autor, 2019.

Apenas nos anos de 1996, 2005 e 2010 se há um aumento expressivo da produção de


sal no Rio de Janeiro, isso ocorre por fenômenos de maior produção no Rio de Janeiro,
associados a eventos de fortes chuvas no Nordeste, prejudicando a produção em outras áreas
do país. Entretanto, a partir de então há um forte declínio da produção de sal fluminense.
A partir da tabela 4, é possível se ter ideia do quantitativo da produção de sal nos
Estados do Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte, bem como, seus percentuais em relação a
produção nacional. É possível perceber o grande contraste da produção entre o Rio de Janeiro
e o Rio Grande do Norte, na qual o Nordeste se destaca fortemente. Os dados podem ser
associados ao desaparecimento das salinas fluminense e ao fenômeno de produção de sal no
Nordeste.
É importante destacar que o levantamento encontrado se refere a partir da década de
90. Pela escassez dos dados referentes à produção de sal anterior a essa época, não é possível
se ter ideia da elevada produção de sal no Rio de Janeiro em comparação com o Rio Grande
do Norte.
72

Tabela 4 -Dados estatísticos da produção de sal no RJ, RN e Brasil

PRODUÇÃO DE SAL MARINHO


BRASIL
ANO Rio de Rio Grande Observações do relatório DNPM
RJ (%) RN (%) Brasil (t)
Janeiro (t) do Norte (t)
1996 230.000 6% 3.450.000 89% 3.878.000
1997 80.000 1,60% 4.808.000 95,00% 5.064.000 Alta produtividade da Álcalis (RN)
1998 125.000 2,30% 5.108.000 95,50% 5.353.000 Constante redução das salinas fluminenses (ofertas de trabalho relacionadas ao
turismo)
1999 60.000 1,3 4.378.000 96,70% 4.528.000 Inverno rigoroso, redução da produção
2000 95.000 2,10% 4.436.000 95,90% 4.626.000 Estudos para viabilizar o uso do sal fluminense, evitando exportações
2001 100.000 1,80% 4.165.000 95,30% 4.370.000 Racionamento de energia no Nordeste
Salineiros fluminenses fazem pressão para o consumo local, afim de evitar
desativações
2002 105.000 1,72% 4.680.000 96,80% 6.109.000 Possibilidades de compras de salinas do RN por empresas estrangeiras
2003 Sem Sem Sem Sem 5.144.000
informação informação informação informação
2004 Sem Sem Sem Sem 5.205.960
informação informação informação informação
2005 310.000 5% 5.345.000 93% 5.520.000 RJ: evaporação e salmoura (alta produção)
RN: projeto de ampliação de salinas
2006 120.000 2,30% 4.918.000 96% 5.122.000
2007 221.000 3,20% 5.066.000 94% 5.365.000 Modernização e ampliação para atração de embarcações em Porto Ilha
2008 280.000 5,40% 4.844.000 93,20% 5.200.000
2009 272.000 5% 4.122.000 92,40% 4.462.307 Fortes chuvas no Nordeste
2010 470.000 5,80% 5.100.000 91% 5.614.959 Valor do sal do Chile pode ter prejudicado a exportação do RN
2011 199.000 3% 4.500.000 94% 4.800.000 Fortes chuvas no Nordeste
2012 177.000 2,40% 5.700.000 95% 6.078.507
2013 206.000 2,90% 5.600.000 95% 5.926.042
2014 180.000 2,90% 5.700.000 95% 6.050.000
2015 180.000 3% 5.900.000 95,30% 6.200.000 Longo período de estiagem

Fonte: Sumário Mineral Brasileiro - DNPM


73

Associado a isso, com as implementações das rodovias, ligando a região metropolitana


do Estado do Rio de Janeiro à Região dos Lagos, potencializa-se o advento do turismo e a
atuação de agentes imobiliários, que avançam na direção das áreas de salinas, que possuem
localização estratégica, devido à proximidade com as praias e a localização no entorno da
lagoa.
Com o crescimento turístico na região e a privatização da Companhia Nacional de
Álcalis em 1990, a indústria salineira no leste fluminense tendeu a declinar, sendo possível
perceber que com o avanço do turismo e dos agentes imobiliários, as áreas próximas as praias
e ao entorno da Lagoa foram sendo urbanizadas, e as área de salinas sendo gradualmente
substituídas por residências. É nesse sentido que Christovão (2011) faz uma analogia a
exploração do sal e o turismo na região, e usa a expressão “O sal declina sob o Sol”,
explicando o quanto o turismo influenciou no declínio das salinas no entorno da Lagoa de
Araruama.
A partir de 2006, ano em que Álcalis encerra suas atividades, esse processo se acentua.
Christovão (2011) aponta que não é o turismo o algoz da indústria salineira, não é ele que
determina o seu fim, mas é ele que já na década de 1970 inicia um avanço célere sobre as
áreas de salina, tendo em vista o declínio na produção do sal. Visto dessa forma, as salinas
foram perdendo seus espaços para a construção de empreendimentos imobiliários diversos,
não havendo espaço para disputa destes pela indústria salineira, visto que as ocupações
urbanas estão em continuo crescimento.
Um importante aspecto que deve ser levado em conta para esse crescimento
populacional é o fenômeno de segunda residência, que segundo Junior (2015), constituem-se
de imóveis privados, adquiridos com o propósito do lazer de fins de semana e de férias. Ainda
segundo o autor, essas residências são aquisições de uma parcela da população que tem
condições financeiras de manter duas residências, a sua principal (primeira) na qual residem
na maior parte do ano, e a segunda para o lazer, o que obviamente gera gastos, por exemplo,
com a sua manutenção. Segundo Becker (1995), o fenômeno da segunda residência surgiu no
Brasil em razão de duas mudanças significativas: o novo modelo de transportes, decorrente da
implantação e dos estímulos à indústria automobilística, e também a emergência de novos
estratos sociais médios nas cidades, o que favoreceu o lazer e o turismo em um âmbito mais
geral. Esse fenômeno é fortemente demarcado na região ao entorno da Lagoa de Araruama,
devido a sua representatividade frente ao turismo e a facilidade de acesso após a
implementação de rodovias na década de 40, conforme anteriormente mencionado. Cabe
74

destacar que nos últimos 78 anos, entre 1940 a 2018, ocorreu um expressivo aumento
populacional nos municípios que compõem a planície costeira da região da Lagoa de
Araruama (tabela 5). Esses dados apontam que a população cresceu cerca de 90% desde 1940,
o que representa um elevado contingente populacional.

Tabela 5 - População residente em perspectiva histórica


EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO RESIDENTE NOS MUNICÍPIOS (1940-2010)
População total
Município
1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010 2018*

Cabo Frio 8.816 9.750 16.646 29.297 50.239 76.311 126.894 186.222 222.528

Araruama 25.049 26.242 30.904 40.031 49.822 59.024 82.717 112.028 130.439
São Pedro
14.340 16.109 15.868 23.668 33.371 42.400 63.009 88.013 102.846
da Aldeia
Saquarema 18.970 18.880 19.865 24.378 28.194 37.888 52.464 74.221 87.704
Arraial do
2.897 3.195 7.275 10.974 15.362 19.866 23.864 27.770 30.096
Cabo
Iguaba
2.877 2.877 3.528 4.153 4.131 8.074 15.052 22.858 27.762
Grande
Total 74.889 79.003 96.046 134.471 183.099 245.554 366.000 511.112 543.517
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
*População estimada para 2018, pelo IBGE Cidades.

Para tanto, é importante considerar um importante elemento econômico que


influenciou diretamente na dinâmica social dos municípios fluminenses nos últimos anos: o
fenômeno petroleiro no Estado do Rio de Janeiro. É importante destacar que os impactos da
atividade petrolífera na bacia de Campos e Macaé não se deram somente sobre os municípios
do norte fluminense. Souza et al (2015) apontam que Cabo Frio e seus municípios vizinhos
também sofreram os impactos da atividade petrolífera e, assim como os municípios do Norte
Fluminense também foram beneficiários das compensações financeiras advindas do petróleo.
O aumento populacional dos municípios no entorno da Lagoa de Araruama pode ser
associado ao deslocamento de boa parte da população que trabalha em Campos e Macaé, em
atividades petrolíferas, e buscam sua residência em áreas mais afastadas, com menor custo de
moradia e maior oferta de infraestruturas e serviços. Souza et al (2015) destaca que mais da
metade dos trabalhadores pendulares de Macaé são residentes de municípios como Rio das
Ostras e Cabo Frio. Além disso, o aspecto da localidade estratégica das baixadas litorâneas,
que está situada próxima à região metropolitana do Rio de Janeiro, e possui redes de serviços
abrangentes, tornam os munícipios da planície costeira da região da Lagoa de Araruama
atrativos para a residência de aposentados e demais pessoas que saem da metrópole em busca
75

de qualidade de vida, influenciando também no aumento do quantitativo populacional da


região.
76

3 GEOTECNOLOGIAS COMO FERRAMENTA DE ANÁLISE DA PAISAGEM

Como metodologia de investigação foram adotadas técnicas de geoprocessamento e


sensoriamento remoto para as investigações acerca das transformações da paisagem da área
em estu0dos. O desenvolvimento do trabalho ocorreu em dois momentos principais: o
primeiro voltado para uma análise espacial voltada para a análise da distribuição espacial dos
usos e coberturas da área de estudos; e o segundo momento em uma análise espacial voltada
para a perspectiva temporal, permitindo a compreensão da dinâmica espacial ao longo dos
anos.
Em um primeiro momento foram utilizadas imagens de satélites recentes, de média
resolução espacial para caracterizar a áreas de estudos, através do mapeamento de uso e
cobertura do solo, utilizando de técnicas refinadas de classificação de imagens baseada em
objetos para a elaboração do mapeamento, explorando de índices radiométricos para a
modelagem semiautomática do mapeamento.
Em um segundo momento, foi realizado mapeamentos temáticos em diferentes
recortes temporais, a fim de analisar espacialmente as áreas de salinas em perspectiva
histórica, utilizando-se de mapas históricos, fotografias aéreas e imagens de satélite que foram
devidamente pré-processados para a elaboração de mapas temáticos e análises espaciais.

3.1 Mapeamento de uso e cobertura do solo

Com a finalidade de realizar uma melhor análise espacial da área em estudos, utilizou-
se como metodologia o mapeamento de uso e cobertura do solo, que auxiliará nas discussões
da dinâmica espacial, bem como, nas distribuições dos elementos naturais e antrópicos
presentes na planície costeira da região da Lagoa de Araruama.
Para esse trabalho foram utilizadas imagens do Sentinel 2, sensor MSI,
disponibilizadas gratuitamente a partir da Agência Espacial Europeia (ESA), que oferece
resoluções espaciais que variam entre 10, 20 e 60 metros nas suas 13 bandas e resolução
radiométrica de 12 bits, o que permite mapeamentos em alta-média resolução.
77

As bandas utilizadas na correção atmosférica e composição de índices foram as do


visível (2, 3 e 4), infravermelho próximo (5), Red Edge (6, 7, 8 e 8A), e infravermelho médio
(11 e 12). Segundo Santos et. al. (2017) uma das principais vantagens do uso de imagens do
Sentinel 2 é a combinação de estreitas faixas espectrais, proporcionadas por quatro canais Red
Edge (borda do vermelho) e o tempo de revisita, que contribui para estudos de identificação e
monitoramento de coberturas vegetais (Tabela 6).

Tabela 6 - Especificações das bandas do sensor Sentinel 2


RESOLUÇÃO BANDA NOME
B2 Azul
B3 Verde
10M
B4 Vermelho
B8 Infravermelho Próximo
B5 Red Edge 1
B6 Red Edge 2
B7 Red Edge 3
20 M
B8A Red Edge 4
B11 Infravermelho Distante 1
B12 Infravermelho Distante 2
B1 Aerossol
60 M B9 Vapor D'água
B10 Nuvem
Fonte: Engesat

Para se obter um melhor desempenho das imagens foi realizado a correção atmosférica
das bandas da cena 23KQQ, do sensor MSI Sentinel 2. A correção foi realizada a partir do
software Qgis, pelo método DOS1 (Dark Object Subtraction) , presente no plugin SCP (Semi
Automatic Classifiation Plugin) para imagens Sentinel 2. Dessa forma, a correção atmosférica
foi realizada através da metodologia empírica de subtração do valor do pixel mais escuro,
sendo esta a metodologia mais simples proposta na literatura (ANTUNES et al., 2012).
As interações da radiação solar e da radiação refletida por alvos da superfície terrestre
com constituintes da atmosfera interferem no processo de sensoriamento remoto, já que o
espalhamento e a absorção ocasionam mudanças na direção de propagação ou perda de
energia para outros constituintes atmosféricos (KAUFMAN, 1989). Sendo assim, a correção
atmosférica é fundamental uma vez que as interferências causadas por diferentes tipos de
gases e partículas presentes na atmosfera alteram significativamente as repostas espectrais
detectadas pelos sensores orbitais. Segundo Antunes et al. (2012) os efeitos diretos por conta
da absorção e do espalhamento atmosférico produzem a alteração do brilho da cena e a
78

diminuição de contraste entre os alvos, dificultando com isso a diferenciação e identificação


dos mesmos.
Após a correção atmosférica das bandas foi necessário realizar o processo de álgebra
de imagens, no qual as imagens foram submetidas a cálculos, multiplicando assim os valores
de radiância (que variavam de 0 a 1) por 1000, através da ferramenta Calculate Raster, no
software Qgis 3.2.1. Tal medida foi adotada devido a interferência direta dos valores de
radiância no processo de segmentação das imagens de Sentinel no software eCognition,
afetando os segmentos gerados pela ferramenta multiresolution, que impedia a criação de
segmentos homogêneos de acordo com os objetos.
As imagens corrigidas atmosfericamente foram responsáveis pela criação de novas
composições criadas através dos algoritmos dos índices. Sendo assim, as imagens dos índices
compostos foram também submetidas à álgebra de mapas, no qual os valores de radiância dos
índices foram calculados de forma que obtivéssemos valores acima de 0. Dessa forma, foram
multiplicados por 1000, com a finalidade de extrair os valores negativos das imagens, o que
proporcionou uma nova organização de valores de padronizados nas etapas de segmentação e
classificação de imagens.
O processo de segmentação e classificação de imagens para geração de mapa de uso e
cobertura foi realizado pelo software eCognition, que segundo Lang e Blaschke (2009), é o
software mais indicado para esse tipo de classificação, devido ao fato de que os dados de
entrada espectrais e temáticos são transformados em objetos por meio de um algoritmo de
segmentação, o que corresponde a uma mistura do ponto de vista do conteúdo e espacial.
A classificação foi realizada pela metodologia GEOBIA (classificação de imagens
baseada em objetos), que se diferencia das demais técnicas, pois considera muitos tipos de
descritores, tratando-os como parâmetros caracterizadores dos objetos, tais como: cor, textura,
tamanho, forma, padrão, localização, contexto, etc. (DEFINIENS, 2010).

3.1.1 Definição de Classes

Para a elaboração do mapa temático de uso e cobertura do solo foi realizado um


trabalho de campo para o reconhecimento da área de estudo, permitindo uma maior
proximidade das paisagens existentes, possibilitando planejar as classificações que serão
79

realizadas e sanando dúvidas de algumas áreas. A partir do mapa (figura 28), é possível
acompanhar o percurso realizado em toda área de estudos, bem como, através da tabela 7, é
possível reconhecer os pontos visitados e identificados em campo.
80

Figura 28 - Mapa do trabalho de campo de reconhecimento da área de estudos

Fonte: O autor, 2019.


81

Tabela 7 - Pontos visitados em campo

ID X Y OBSERVAÇÃO ID X Y OBSERVAÇÃO
1 -42,07 -22,81 Reserva Militar - 19 -42,08 -22,94 Causarina -
São Pedro Alcális
2 -42,07 -22,81 Urbanização 20 -42,08 -22,94 Represa - Alcális
Rarefeita
3 -42,06 -22,85 Salina Seca 21 -42,08 -22,94 Represa - Alcális
4 -42,06 -22,85 Salina Seca 22 -42,09 -22,95 Construção -
Arraial
5 -42,05 -22,88 Salina Seca 23 -42,09 -22,95 Construção -
Arraial
6 -42,05 -22,89 Salina Úmida - Sal 24 -42,12 -22,95 Praia de
Cisne Massambaba
7 -42,06 -22,89 Salina Úmida - Sal 25 -42,12 -22,94 Construção -
Cisne Arraial
8 -42,06 -22,89 Sede Sal Cisne 26 -42,12 -22,95 Construção -
Arraial
9 -42,06 -22,89 Salina Seca - UVA 27 -42,13 -22,94 Dunas de
Massambaba
10 -42,08 -22,93 Condomínio - 28 -42,17 -22,94 Urbanização
Alcális desordenada
11 -42,08 -22,94 Causarina - Alcális 29 -42,19 -22,94 Salina Seca
12 -42,04 -22,92 Dunas - Casuarina 30 -42,19 -22,94 Salina Úmida
13 -42,03 -22,98 Pontal 31 -42,21 -22,92 Salina Seca
14 -42,06 -22,94 Causarina - Alcális 32 -42,21 -22,93 Salina Seca
15 -42,06 -22,93 Causarina - Alcális 33 -42,33 -22,92 Salina Úmida -
Praia Seca
16 -42,06 -22,93 Causarina - Alcális 34 -42,34 -22,92 Salina Úmida -
Praia Seca
17 -42,07 -22,93 Causarina - Alcális 35 -42,37 -22,92 Salina Seca
18 -42,07 -22,94 Causarina - Alcális
Fonte: O autor, 2019.

Foram identificadas outras áreas classes na área de estudos, sendo fundamental para a
definição das classes do mapeamento, tais como as áreas florestadas, em áreas mais
continentais, na porção norte do mapeamento (figura 29).
82

Figura 29 - Vegetação em área militar no município de São Pedro da Aldeia

Fonte: O autor, 2019.

E principalmente, foi possível averiguar as mudanças ocorridas nas áreas de salinas,


que atualmente são confundidas com a resposta espectral de áreas úmidas, areia e vegetação.
Dessa forma, em campo foi possível inferir que tais áreas se tratam de vegetação de
casuarinas, espécie exótica altamente dissipada na área de estudos (figura 30).

Figura 30 - Área de antigas salinas, ocupadas por casuarinas.

Fonte: O autor, 2019.

Definiens (2010) afirma que as classes resultantes são relacionadas e organizadas em


redes semânticas, que representam o conhecimento sobre a imagem. Ainda afirma que as
classes podem ser colocadas em uma estrutura hierárquica para que as descrições possam ser
passadas de uma classe para suas subclasses.
As principais críticas tecidas à mapeamentos temáticos dizem respeito a falta de
padrão nas classes utilizadas no mapa, assim como a clareza em suas definições. Por esse
motivo, é importante ressaltar as classes utilizadas com as suas respectivas descrições para a
83

classificação das imagens, para que seja possível uma real interpretação das informações
obtidas.
• Água: lagoas, espelho d’água, rios e lagos artificiais;
• Areia: cordões arenosos e dunas;
• Áreas úmidas: áreas de inundação temporária (não permanente);
• Agropasto: áreas de agricultura e solos preparados para cultivos, ou vegetação
rasteira (gramíneas), caracterizada por pequenas colinas;
• Floresta: cobertura arbórea típica de mata atlântica, exceto restingas e mangues;
• Restinga: cobertura vegetal em depósitos arenosos;
• Salina ativa: área em atividade produtiva, com acúmulo de água salgada;
• Salina inativa: área em atividade produtiva ou em processo de desativação, com
acúmulo de sal marinho ou areia;
• Salina inativa com vegetação: área em que não há mais nenhuma atividade de
produção de sal e que tenha presença de casuarinas.
• Urbano Rarefeito: áreas de menor ocupação, com lotes vazios (não construídos)
intercalando as casas;
• Urbano Moderado: ocupação dada de forma contínua, com poucas ou nenhuma
interrupção de lotes vazios, podendo haver construções verticais de baixo porte.
Foi fundamental definir classes de áreas de salinas, que variam em áreas de salina
desativada (figura 31), salina em atividade (figura 32) e salina seca com vegetação (figura
33).

Figura 31 - Fotografia e imagem de satélite de salina inativa

Fonte: O autor, 2019.


84

Figura 32 - Fotografia e imagem de satélite de salina ativa

Fonte: O autor, 2019.

Figura 33 - Fotografia e imagem de satélite de salina inativa com vegetação

Fonte: O autor, 2019.

3.1.2 Classificação de Imagens Baseada em Objetos (GEOBIA)

Destaca-se especialmente para mapeamento de uso do solo, um procedimento


inovador da análise de imagens, cujo fundamento é o processamento de informação com base
no objeto. Esse tipo de classificação, segundo Loureiro e Ferreira (2013), torna o processo de
classificação automatizado, gerando produtos com cada vez menos erros, reduzindo a edição
manual sobre o produto temático, diferentemente dos métodos tradicionais de classificação,
em que o pixel é usado como unidade primitiva de análise espacial.
Segundo Cruz et al (2007), a classificação de imagem baseada em objetos (GEOBIA)
simula, a partir da modelagem do conhecimento, as técnicas de interpretação visual,
possibilitando a identificação de feições, baseando-se ainda na descrição de padrões
identificadores, tais como textura, cor, métrica e contexto. O GEOBIA ainda se diferencia das
85

demais técnicas, pois considera muitos tipos de descritores, tratando-os como parâmetros
caracterizadores dos objetos, tais como: cor, textura, tamanho, forma, padrão, localização,
contexto, etc. (DEFINIENS, 2010).
Segundo Lang e Blaschke (2009), o software mais indicado para esse tipo de
classificação é o eCognition, da empresa Definiens. O pacote do software eCognition inclui,
entre outras, funções que consideram os parâmetros descritos, de informações de vizinhança.
(LANG et al, 2009). Segundo Moller et al (2006) apud Lang e Blaschke (2009), a vantagem
deste software reside no fato de que os dados de entrada espectrais e temáticos considerados,
são transformados em objetos por meio de um algoritmo de segmentação, o que corresponde a
uma mistura do ponto de vista do conteúdo e espacial.
A elaboração de mapeamentos de uso e cobertura do solo nos proporciona desafios
que podem ser superados mediante estudos de metodologias e variáveis capazes de otimizar a
realização do trabalho. Nas experiências obtidas com mapeamentos de uso e cobertura do solo
foram identificadas que as principais limitações encontradas estão no processo da modelagem,
devido à complexidade das respostas espectrais de algumas classes. O processo de
modelagem de áreas de salina, que são áreas particulares da área de estudo, se tornam tarefas
complexas, devido a presença de diferentes respostas espectrais, que, além disso, se
confundem com outras classes, tornando ainda mais difícil o processo de modelagem.
Além disso, a classificação de imagens baseada em objetos é essencial para o
conhecimento temático (uso do solo, cobertura vegetal, solos, litologia), e de se
sensoriamento remoto do intérprete. Esse conhecimento é necessário na definição das chaves
de interpretação, na avaliação e no resultado obtido de forma automática e na edição final do
mapa (FLORENZANO, 2011).
Com o objetivo de auxiliar no projeto de mapeamento de uso e cobertura do solo,
optou-se em empregar mapas temáticos em formato raster para auxiliar no processo de
modelagem das imagens, possibilitando seu uso como descritor para a classificação, dessa
forma, foram adotados os mapas de litologia (CPRM) e geomorfologia (SEABRA e
AUGUSTO, 2018).
Além disso, foram adotados também os índices radiométricos, que aparecem como
excelentes ferramentas para distinguir classes em uma classificação. Dessa forma, ao analisar
o comportamento espectral de cada classe trabalhada a partir de diversos índices, é possível
avaliar o desempenho, bem como, a potencialidade de cada índice, auxiliando na organização
de metodologias para a realização de mapeamentos.
86

As imagens do Sentinel 2 permitem que sejam gerados índices radiométricos diversos,


que servem como descritores para a classificação da imagem por método GEOBIA. Os
índices radiométricos são medidas capazes de identificar em imagens digitais a abundância
relativa e a atividade de determinados tipos de informações, tais como áreas edificadas,
cobertura vegetal, áreas inundadas, área foliar, entre outros. (FRANÇA et al., 2012).
Os usos de descritores, como por exemplo, o índice de vegetação por diferença
normalizada (NDVI), criado por Rouse et al (1974), que se aplica na identificação de áreas
verdes ou em áreas em que a presença de vegetação é escassa, servem de elementos
fundamentais na classificação da imagem, pois facilitam na identificação de florestas e áreas
verdes.
Os índices mais citados pela bibliografia, usados para classificação de vegetação e
água, tais como NDVI e NDWI, foram adaptados para o sensor MSI, do satélite Sentinel 2,
sendo este, composto por novos algoritmos. Os índices adotados para esse estudo encontram-
se disponíveis em SentinelHub (2018), e a partir das suas descrições e algoritmos, foi possível
reconhecer as potencialidades destes índices em caráter exploratório (tabela 8).

Tabela 8 - Descrição dos Índices Utilizados para Sentinel 2


ÍNDICE ALGORITMO
NDVI (B08 - B04) / (B08 + B04)
SAVI 1 (B08 - B04) / (B08 + B04 + 0.5) * (1.0 + L17)
SAVI 2 (B08 - B04) / (B08 + B04 + 0.9) * (1.0 + L28)
PSSR B08 / B04
NDWI (B08 - B11) / (B08 + B11)
NDWI 2 (B03 - B08) / (B03 + B08)
NBR-RAW (B08 - B12) / (B08 + B12)
MCARI ((B05 - B04) - 0.2 * (B05 - B03)) * (B05 / B04)
GNDVI (B08 - B03) / (B08 + B03)
EVI 2.5 * (B08 - B04) / ((B08 + 6.0 * B04 - 7.5 * B02) + 1.0);
EVI 2 2.4 * (B08 - B04) / (B08 + B04 + 1.0);
NDBI [(B11 - B08) / (B11 + B08)];
MNDWI [(B03 - B11) / (B03 + B11)]
RE-NDWI [(B03 - B05) / (B03 + B05)]
MSI (B11/B8)
RED EDGE NDVI [(B08 - B06) / (B08 + B06)]

Fonte: Adaptado de SentinelHub.

7
L1=0,5
8
L2=0,9
87

A segmentação da imagem consiste na criação de polígonos que agrupam pixels


semelhantes segundo os padrões identificadores. Esse processo foi realizado no software
eCognition, pela ferramenta multiresolution, sendo destinado pesos iguais para todas as
bandas utilizadas, admitindo parâmetro de escala 100, forma 0,1 e compacidade 0,5.
No processo de amostragem, foram escolhidas entre 10 a 15 amostras uniformes por
classe, para posteriormente realizar a modelagem, em que são selecionados descritores,
através do método tradicional de comparação de histogramas, para classificar os polígonos
gerados na segmentação de acordo com as classes temáticas criadas.
O processo de modelagem do conhecimento é de suma importância para a obtenção de
melhores resultados do mapeamento temático. Conforme pode ser analisado no fluxograma,
foram adotados descritores fundamentais para diferentes tipos de classes do mapeamento
(figura 34).

Figura 34 - Modelagem do conhecimento

Fonte: O autor, 2019.


88

3.1.3 Metodologia de Validação

Para ser possível fazer análises eficientes na área de estudos, foi realizada uma
validação desse mapeamento através da metodologia de pontos aleatórios. A metodologia
abordada para atestar a qualidade do mapeamento é a de validação por amostragem aleatória e
estratificada (Landim, 2003), fazendo uso das imagens do Google Earth. A geração de pontos
aleatórios para validação de mapeamento já foi utilizada por outros autores, como Silva et al.
(2011) e Nascimento et al. (2013). Lopes (2009) atestou a fidelidade geométrica das imagens
do Google Earth em comparação com bases de dados utilizadas em mapeamentos, estando
passíveis de serem utilizadas para validação.
Diante da possibilidade de utilização da base de imagens do Google Earth para
validação, o resultado da classificação foi incorporado em formato vetorial ao software
ArcGIS 10.1, onde os centroides dos polígonos foram extraídos, gerando 1.114 pontos. Em
seguida, os pontos foram submetidos à função subset features, do módulo Geostatistical
Analyst, onde passaram por uma seleção estática aleatória de 20% dos pontos de cada classe,
restando 217 pontos aleatórios (tabela 9).

Tabela 9 - Tabela de pontos amostrais para validação

CLASSES AMOSTRAS (20%) TOTAL


URBANO RAFEITO 34 168
URBANO INTENSO 23 144
URBANO MODERADO 24 119
AGROPASTO 36 180
ÁGUA 11 56
ÁREA ÚMIDA 11 55
AREIA 9 43
FLORESTA 41 206
RESTINGA 10 51
SALINA ATIVA 6 32
SALINA INATIVA 10 52
SALINA INATIVA COM VEGETAÇÃO 2 8
TOTAL 217 1114
Fonte: O autor, 2019.

Esses pontos, que portam em seus atributos os nomes das classes a quem pertencem,
foram importados no software Google Earth Pro, e sobrepostos a imagens de alta resolução do
89

software, onde cada um foi validado (figura 35). Os pontos com usos compatíveis ou
incompatíveis por classes a que pertencem foram descritos e somados em uma planilha
contendo a matriz de confusão.

Figura 35 - Exemplos de amostras validadas

Legenda: (a) amostra de urbano rarefeito validada; (b) amostra de salina ativa validada.
Fonte: O autor, 2019.

Através da matriz de confusão gerada pelo resultado obtido no processo de validação


do Google Earth (tabela 10) é possível analisar as principais dificuldades e limitações da
classificação obtida. Tal como a confusão das classes de urbano com a classe de salina,
essencialmente confundidos com salina inativa e inativa com vegetação, respectivamente. Isso
ocorre devido a resposta espectral da salina ser parecida com a resposta de areia.
A classe de urbano rarefeito, muito se confunde com a classe de agropasto devido a
sua resposta espectral parecida, os loteamentos espaçados se assemelham com as classes de
agropasto, como aponta a matriz de confusão.
A exatidão do usuário está relacionada aos erros de comissão, a qual representa a
relação entre o número de amostras classificadas corretamente da classe k e o número total de
amostras classificadas da classe k, logo, se refere aos erros de superestimação, ou comissão.
Já a exatidão do produtor representa a relação entre o número de amostras classificadas
corretamente da classe k e o número total de amostras de referência da classe, logo, se remete
aos erros de subestimação, ou omissão.
90

Tabela 10 - Matriz de confusão gerada a partir da validação

Fonte: O Autor, 2019.

O índice Kappa alcançou 0,64 e o coeficiente de exatidão global alcançou um índice


de 0,69 de acerto, sendo considerado por Landis (1977) substancialmente aceitável,
correspondendo ao segundo nível mais alto da escala de validação.

3.2 Mapeamento da trajetória evolutiva da paisagem

Foi realizado o mapeamento multitemporal das áreas de salinas, resultando no


mapeamento das detecções de mudanças na área de estudo. O material e as bases de dados
foram obtidos através de solicitações a órgãos como Arquivo Nacional e DRM (Departamento
de Recursos Minerais). O material adquirido foi utilizado para mapear a área de estudos nos
seguintes anos:
• Mapa histórico do ano de 1929: primeiro registro cartográfico encontrado, com
presença das primeiras salinas;
• Fotografias aéreas DRM/FAB 1976: período de crescimento urbano e avanço do
turismo devido a consolidação de rodovias de acesso;
• Imagens de satélite WorldView 2017: panorama atual das salinas e detecção das
principais transformações da paisagem.
91

O recorte temporal dado por décadas distintas se deve pela possibilidade de


investigação de um maior recorte temporal para o estudo das transformações da paisagem,
possibilitando o entendimento das principais modificações na paisagem litorânea ao longo de
88 anos, através de momentos históricos distintos.
Dessa forma, a diversidade das fontes de dados, que conta com mapas históricos,
fotografias aéreas e imagens de satélite, deve-se a escassez de materiais disponíveis no recorte
temporal em estudo, havendo a necessidade de adaptação de diversas fontes de dados para a
análise espacial.
As fotografias aéreas, bem como as imagens de satélite de alta resolução (WorldView
2), possibilitam um maior detalhamento dos objetos dispostos na área de estudos,
proporcionando uma análise mais completa das transformações da paisagem.
O recorte temporal mais antigo é referente ao ano de 1929, no qual se trata de um
mapa temático histórico da Lagoa de Araruama e seu entorno, possuindo a localização das
primeiras salinas existentes nas áreas de estudos. O mapa foi adquirido em meio digital no
acervo cartográfico do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
Com a finalidade de realizar um mapeamento de alta resolução das áreas de salinas,
foram adotadas imagens de satélite do sensor WorldView 2 e fotografias aéreas do ano de
1976. As fotografias aéreas históricas são pertencentes ao voo de 1976 da Força Aérea
Brasileira (FAB) e as imagens de satélite referentes ao ano de 2017 são do sensor WorldView
2. As fotografias aéreas históricas foram solicitadas ao Serviço Geológico do Estado do Rio
de Janeiro (DRM) e disponibilizadas gratuitamente em meio digital. As imagens de satélite do
sensor WorldView 2 foram gentilmente cedidas pelo Grupo de Pesquisas Espaço, da UFRJ.
A elaboração dos mapas se inicia com a captação de materiais cartográficos em
diferentes órgãos, para que seja possível realizar os procedimentos necessários ao material
cartográfico. Em seguida, foram realizados pré-processamentos no material adquirido, com a
finalidade de tornarem adequados o manuseio e a elaboração de mapas temáticos (figura 36).
92

Figura 36 - Fluxograma dos processos metodológicos

Fonte: O autor, 2019.

3.2.1 Tratamento do mapa temático, fotografia aérea e imagem de satélite

Tendo como primeiro registro cartográfico o mapa temático de 1929 é necessário levar
em consideração suas limitações cartográficas, devido este ser um mapa temático histórico,
elaborado sem a devida precisão e tecnologia atualmente disponível. Dessa forma, o mapa
temático será abordado no trabalho como um balizador das áreas das primeiras salinas
existentes no início do século XX, sendo utilizado para caracterizar a localização das
primeiras salinas da área de estudos.
Para tanto, foi realizado um mapeamento pontual das áreas de salinas existentes no
mapa. Esse levantamento foi realizado pela plataforma Google Earth Pro, que possui a
ferramenta “Adicionar superposição de imagem”, onde foi possível inserir o mapa temático
sobrepondo ao Globo Digital, possibilitando a criação de pontos e polígonos sob as áreas de
salinas existentes no mapa temático (figura 37).
93

Figura 37 - Sobreposição do mapa histórico no Google Earth Pro

Fonte: O autor, 2019.

Quanto as fotografias aéreas do ano de 1976, foram utilizadas 56 cenas, que


contemplam a aérea da Lagoa de Araruama e seu entorno. Para ser possível manusear as
fotografias áreas históricas em ambiente SIG, as imagens passaram pelo processo de
georreferenciamento no software ArcGis, tendo como balizador as imagens de satélite
WorldView 2, que possui escala similar a da fotografia aérea. O georreferenciamento foi
realizado em coordenadas geográficas, no sistema de projeção WGS 84.
As fotografias aéreas utilizadas possuem boa resolução espacial, o que possibilitou
uma análise mais detalhada da área de estudos. Entretanto, ela apresenta uma baixa resolução
espectral, devido ser uma imagem pancromática. Além disso, é importante mencionar que,
devido ao seu armazenamento e desgaste, as imagens obtidas encontram-se com rasuras e
degradações, o que influenciou diretamente no seu tratamento digital e classificação.
O mosaico de fotografias aéreas foi elaborado pelo software Erdas (figura 38), através
da ferramenta MosaicPro, realizando assim, um excelente resultado de agrupamento das
fotografias aéreas em um único mosaico, facilitando o manuseio das fotografias para os
processos seguintes.
94

Figura 38 - Mosaico das fotografias aéreas utilizadas

Fonte: O autor, 2019.

Já as imagens de satélite WorldView 2 foram disponibilizadas já georreferenciadas,


estando no sistema de projeção WGS 84, em coordenadas geográficas (CGS). Cabe ressaltar
que o sensor WorldView é o carro chefe do Digital Globe em termos de alta resolução, pois
possui 9 bandas espectrais entre 0,30 a 0,50 cm de resolução espacial (ENGESAT, 2018).
Entretanto, as cenas disponibilizadas foram imagens de composição colorida cor verdadeira,
não sendo possível utilizar de composições coloridas e algoritmos radielétricos para
realização de classificação automatizada.
Conforme pode ser visto na figura 39, foram utilizadas 16 cenas para a realização do
mosaico das imagens. Dessa forma, as cenas foram inseridas no software Erdas e agrupadas
em um único arquivo (.tif) atráves da ferramenta MosaicPro.
95

Figura 39 - Diagrama das imagens de satélite World View 2

Fonte: O autor, 2019.


96

3.2.2. Detecção de mudanças: pós-processamentos

Após a realização dos pré-processamentos foram elabodos os mapas temáticos


multitemporais até a elaboração do mapa de detecção de mudanças (figura 40).

Figura 40 - Fluxograma metodológico para a elaboração do mapa de detecção de mudanças

Fonte: O autor, 2019.

Devido às limitações espectrais, anteriormente mencionadas, a respeito das fotografias


áreeas, ocorreu a dificuldade do processo de classificação automatizada, devido à baixa
possibilidade de recursos para o processo de modelagem. Assim, o mosaico criado foi
inserido no software eCognition, para ser trabalhado o processo de segmentação da fotografia.
Segundo Florenzano (2011), a segmentação de imagens é um processo computacional
que permite dividir a imagem em regiões espectralmente homogêneas. Dessa forma, deu-se a
segmentação da imagem, que consiste na criação de polígonos que agrupam pixels
semelhantes segundo os padrões identificadores. Neste projeto, a segmentação ocorreu com o
padrão multiresolution, admitindo parâmetro de escala 300, forma 0,1 e compacidade 0,5
(figura 41).

Figura 41 - Segmentação da fotografia aérea e da imagem de satélite

Fonte: O autor, 2019.


97

Devido às limitações das fotografias abordadas anteriormente, não foi possível realizar
uma classificação automatizada, com processos de modelagem do conhecimento e demais
recursos. Logo, o processo de segmentação proporcionou a facilitação da etapa de
classificação visual, que foi realizado pelo software Arcgis, através da ferramenta de edição.
A partir do mosaico de fotografias aéreas, foram classificadas visualmente as áreas de
água e salinas, armazenados em formato shapefile, possibilitando assim, um mapeamento
temático de 1976. Após, foi utilizado o shapefile histórico para a classificação visual das áreas
recentemente modificadas, a partir das imagens de satélite WorldView 2, do ano de 2017.
É importante enfatizar que as áreas classificadas como salinas formam o complexo
salineiro, como os diques, marnéis e tanques de cristalização de cloreto de sódio. Que
segundo Castro (1995) e Bidegain e Bizerril (2002), são definidos como (figura 42):
• Marnéis: estruturas largas e compridas, de pedra e terra que são erguidas no espelho
d’água pelos sedimentos, isolando partes da lagoa.
• Tanques de Cristalização: local em que a água é armazenada para ser cristalizada
através da ação do sol e do vento para a obtenção de sal.
• Diques: barragem feita de materiais diversos para desviar ou conter a invasão da água
do mar ou de rio.

Figura 42 - Identificação dos elementos que compõem as classes de salina

Fonte: O autor, 2019.


98

Os tanques de cristalização são as principais áreas que compõem as salinas, logo,


compõe a maior parte da classificação. Os diques são áreas estreitas entre as os tanques, sendo
as áreas que levam a água até os tanques. Já os marnéis são as áreas onde a água da laguna é
contida para ser bombeada aos diques e tanques de cristalização, logo, estão presentes na
margem lagunar e avançam para dentro da laguna, pois são construções existentes dentro da
laguna para conter a água, impedindo a sua livre circulação.
Tendo realizado a classificação das áreas de salinas do ano de 1976 e do ano de 2017
separadamente, foi possível realizar a análise espacial das detecções de mudanças através do
software ArcGis. Dessa forma, foi realizado uma interseção dos shapes multitemporais, pela
ferramenta Intersect, em que foi gerado um novo shapefile com as mudanças ocorridas entre
os anos de 1976 e 2017.
Segundo Lu et al. (2004), o pós-processamento de classificação consiste na
interpretação visual de composições de imagem multitemporais. Para a autora, a desvantagem
deste método e o tempo consumido por um aplicativo de detecção de mudança de área grande
e é difícil atualizar oportunamente os resultados da detecção de alterações. Entretanto, cabe
ressaltar, que a técnica de pós classificação tornou fundamentalmente a mais própria para
detecção de mudanças das áreas de salinas, devido às limitações dos materiais cartográficos
utilizados, a diversidade de imagens (fotografias aéreas e imagens de satélite), além de ser
uma área de pequena dimensão.
99

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1 Análise da distribuição espacial do uso e cobertura do solo (2018)

O mapeamento do ano de 2018 (figura 43) apresenta a distribuição de uso e cobertura


do solo da planície costeira da região da Lagoa de Araruama, sendo possível inferir as áreas
de maior pressão antrópica e demais usos existentes. Através do resultado obtido foi possível
obter os dados quantitativos e qualitativos da distribuição do uso e cobertura do solo por suas
respectivas classes de mapeamento (tabela 11).
Com base no mapeamento, o espelho d’água das lagoas se destacam e apresentam uma
cobertura predominante na área de estudos, sendo a classe de maior dimensão,
correspondendo a cerca de 52,03% da área de estudo; isso está relacionado a grande dimensão
da Lagoa de Araruama, que juntamente com as demais lagunas existentes compreende uma
área de cerca de 219,72 km².
A classe de agropasto, que corresponde as áreas de agricultura ou vegetação rasteira
(gramíneas), representada por pequenas colinas, recobrem 28,94 km² da área mapeada, os
agropastos, que representam 6,85% da cobertura total, estão distribuídas principalmente pelas
planícies e sistemas de colinas, que são as feições mais presentes na área de estudos.
As áreas úmidas chegam a 1,48%, devido à existência de áreas de inundação
temporária presentes ao entorno das lagunas presentes na área de estudos, somando uma área
de 6,24 km². Ainda segundo o mapeamento, as áreas florestadas, que representam 11,11 km²,
que correspondem a 2,63% da área mapeada, sendo encontradas, em sua maioria, nas áreas
mais interiores da área de estudo e em pontoes rochosos situados nas praias.
A cobertura de salinas é bastante expressiva, estando distinguida entre três classes
diferentes: salina ativa, salina inativa e salina inativa com casuarina. O somatório de todas as
áreas de salinas na área estudos corresponde a cerca de 50 km² de toda a área em estudos,
equivalente a 12 % de toda área estudada. Isso possui importante significado para essa região,
devido a tais salinas estarem situadas em todo o entorno da laguna e sujeita a ocupação e
urbana e demais tipos de usos.
As áreas urbanas encontram-se distribuídas principalmente ao longo da faixa mais
próxima do mar e ao longo das margens das lagoas costeiras. As ocupações são geralmente
100

com pouca ou nenhuma verticalização, com exceção de algumas áreas do município de Cabo
Frio, localizadas na praia do Forte. Por ser uma área característica de população de veraneio, a
urbanização dessa região revela-se predominantemente como moderada (42,14 km²) e
rarefeita (31,06 km²), distribuídas predominantemente no entorno da Lagoa de Araruama e no
litoral, próximo às praias. As áreas urbanas totalizam cerca de 73,2 km², somando um
percentual de 17,33% da área de estudos.
A vegetação de restinga representa 6,18% da área, situada em unidades de
conservação e contemplando uma área de 26,10 km². Já os cordões arenosos representam as
faixas de praia, que se estendem por quase todo litoral e pelos campos de dunas, muito
presentes na área de estudos. Os cordões arenosos, classificados como areia no mapeamento,
representam 7,37 km² da área, o que resulta em 1,74% de toda superfície da representação
temática.
As salinas ativas somam uma superfície de 23,22 km², ou ainda, 5,50% da área de
estudos, ocorrendo sobretudo nos municípios de Araruama e Cabo Frio. Esta atividade
econômica, que já foi muito importante para estes municípios, hoje encontra-se em declínio,
estando em algumas áreas abandonadas. Estes casos foram classificados como salinas
inativas, que se encontram fora de atividade e com superfície seca, somando cerca de 12,73
km², que corresponde a 3,02% da área. Já as salinas inativas com a presença de casuarinas em
sua superfície, são encontradas principalmente na área da extinta Cia. Álcalis e possui uma
superfície de 13,69 km², o que corresponde a 3,24% da área de estudos.

Tabela 11 - Distribuição do Uso e Cobertura da Terra


CLASSE AREA (KM²) %
AGROPASTO 28,94 6,85
ÁGUA 219,72 52,03
ÁREA ÚMIDA 6,24 1,48
AREIA 7,37 1,74
FLORESTA 11,11 2,63
RESTINGA 26,10 6,18
SALINA ATIVA 23,22 5,50
SALINA INATIVA 12,73 3,02
SALINA INATIVA COM CASUARINA 13,69 3,24
URBANO RAREFEITO 31,06 7,35
URBANO MODERADO 42,14 9,98
TOTAL 422,34 100,00

Fonte: O autor, 2019.

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