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Projeto de Desenvolvimento Turístico de Perynas em Cabo Frio/RJ

O presente artigo pretende refletir acerca da intenção da Companhia


Salinas Perynas em promover um processo de transição de sua atividade fim –
setor secundário/produção de sal para o setor terciário/turismo – e os reflexos
disso em diferentes campos da localidade onde a empresa estava instalada, a
cidade de Cabo Frio.
A atividade de Perynas se iniciou logo após o fim do Contrato do Sal
(1631/1801) com a concessão de terras feita pelo Imperador D. Pedro I ao
alemão Luís Lindemberg, em 1824, para que esse desse início à primeira salina
com autorização oficial para funcionamento no Brasil.

Após obter uma concessão de terras devolutas em área de marinha,


feita por D. Pedro I, em 1828, o alemão Luís Lindemberg, chegado ao
Brasil em 1808, construiu a Salina Grande, em Perynas, Cabo Frio,
primeira grande empresa produtora de sal no país. Após a morte de
Lindemberg, a Salinas Perynas, em 1891, foi vendida ao Banco
Comércio e Indústria do Brasil e, posteriormente, transferida a um novo
proprietário, José Caetano Jalles Cabral. Vinte anos mais tarde, Jalles
Cabral venderia a Cia. Salinas Perynas para seu genro, o médico
Miguel Couto, que, depois de reorganizar a empresa, passaria sua
administração a Miguel Couto Filho. (PEREIRA, 2010, p. 188)

O acesso à cidade e o turismo nascente

No período compreendido entre 1937 e 1963, o acesso à cidade que até


então era extremamente precário foi facilitado graças à chegada da estrada de
ferro e, posteriormente – no início da década de 1940 – da Rodovia Amaral
Peixoto, numa concorrência direta com o trem. Isso possibilitou a ida de
visitantes com frequência regular a Cabo Frio. “Após quatro horas de viagem,
em óptima estrada de rodagem, ou seis horas pela E. de Ferro Maricá, chega-
se a Cabo Frio” (DIÁRIO DE NOITE, 1940, p. 5).
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O anuário da Divisão de Documentação e Divulgação, de novembro de


1963, assim descreveu os meios de transporte e acesso a Cabo Frio

Encontra-se, pois, ligada a Niterói por estrada de rodagem que


atravessa os municípios de São Pedro d'Aldeia e Araruama, que o liga,
por sua vez, à Rodovia Amaral Peixoto, de comunicação direta com o
Rio de Janeiro. Possui dois campos de aviação, sendo um particular e
outro no Country Club, e navegação marítima. As localidades de Cabo
Frio e Figueiras são ligadas pela navegação lacustre. Embora a
estrada Niterói-Campos não passe por Cabo Frio, ela é alcançada
facilmente por ramais asfaltados que vão até Arraial do Cabo.
Recentemente paralisaram os trens da antiga linha auxiliar,
incorporada à rede ferroviária que ligava os municípios da Região dos
Lagos. A pletora de empresas rodoviárias foi o fato responsável pelo
desinteresse do público em relação á estrada de ferro, por si mesma
precária e obsoleta. Em 1962, funcionavam em Cabo Frio sete
empresas fazendo transporte rodoviário do município, a saber:
Transportes Coletivos São Cristóvão – bairro Fonseca, ônibus e micro-
ônibus; Auto Viação Salineira – rua Major Belegar, ônibus; Viação
Satélite – rua Raul Veiga, ônibus e autotransporte; Teles – Bairro
Fonseca, caminhão; Empresa de Transporte Castro – rua Raul Veiga,
409, caminhão; Transporte IEL- Avenida Assunção, caminhão;
Transporte Saturno – Rua Cap. Jorge Soares, 27, caminhão.

O turismo de Cabo Frio, que vinha se desenvolvendo desde a década de


1950 tendo como matriz a vertente de sol e praia com a construção de casas de
segunda residência, passou a ganhar valor cada vez maior a partir desse
momento. Assim, na década de 1970, esta atividade mostrava-se importante
para a cidade, como demonstram os diversos projetos1 propostos desde a
década de 1940, os loteamentos realizados, bem como as leis e resoluções
sobre o tema.
Ao longo de todo esse período a Companhia Salinas Perynas continuava
a operar como uma das principais produtoras de sal no Brasil e, a partir do início
da década de 1950, como uma das duas únicas refinarias de sal existentes no
país, a outra era a Refinaria Nacional de Sal, também em Cabo Frio.

1Cf. MACEDO, Karla Maria Rios de. O desenvolvimento do turismo em diferentes contextos: o
caso das cidades de Cabo Frio/Brasil e Ílhavo/Portugal. (Tese de Doutorado). Niterói: Programa
de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo/UFF, 2020.
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Com o processo de refinamento do seu produto, Perynas deixava de ser


somente uma indústria extrativista e passava a operar efetivamente como uma
indústria de transformação. O produto final, ainda que fosse o mesmo – o
conhecido sal de cozinha (NaCl) – passava a apresentar um teor de pureza muito
acima do que existia em todo o território brasileiro até então. Some-se ao maior
teor de pureza o fato do sal produzido em Perynas ser refinado e teremos, a
partir de então, um aumento exponencial na rentabilidade financeira da empresa
graças ao valor que passou a ser agregado ao produto final.
Com isso, a diferença de rentabilidade entre o sal produzido em Cabo
Frio, de um modo geral e do sal produzido em Perynas, especificamente, que já
era maior do que o do seu principal concorrente – o sal produzido no Rio Grande
do Norte – graças, principalmente ao alto custo do transporte do sal potiguar,
passou a ser ainda maior. O sal, essencial para a vida, apesar de ser um produto
simples e barato de se produzir, gerava enormes lucros para a principal empresa
produtora de sal do país: a Companhia Salinas Perynas.
O Rio Grande do Norte, o maior produtor de sal do país – cuja matéria-
prima (não refinada) era superior em quantidade e qualidade a encontrada em
Cabo Frio – teve seus problemas com distribuição resolvidos a partir da
inauguração, em março de 1974, do Terminal Salineiro de Areia Branca, mais
conhecido como Porto Ilha. Com a superação do entrave, a concorrência da
produção potiguar, agravou os problemas da indústria salineira local. Pari passu,
a Ponte Rio-Niterói, inaugurada no mesmo mês e no mesmo ano que o Porto
Ilha, facilitou o acesso a Cabo Frio, estimulando ainda mais a construção de
casas de segunda da residência na região catapultando, definitivamente, a
cidade para o cenário turístico nacional.
É nesse cenário de aumento da concorrência na indústria salineira e
avanço da atividade turística sobre áreas salíferas da cidade que a Cia. Salinas
Perynas passa a demonstrar interesse na atividade turística a partir do final da
década de 1970.
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Cia. Salinas Perynas

A Cia. Salinas Perynas tinha concessão para exploração de terras de


marinha para extração de sal, mas, assim como aconteceu com outras
empresas, acabou por se apropriar do terreno e passou a buscar novo uso para
sua “propriedade”.
O interesse para uso turístico de Perynas foi “gestado” a partir do início
da década de 1970, quando, mesmo com a atividade salineira ainda em alta, foi
capaz de perceber seus primeiros sinais de fragilidade e o impacto direto disso
nos interesses da empresa. Os documentos do Arquivo Histórico da Câmara
Municipal nos ajudaram a entender um pouco esse processo que, é importante
pontuar, não ocorreu de forma linear ou sem contradições. Identificamos em
diferentes momentos pressões exercidas pela Cia. Salinas Perynas sobre
representantes municipais.
Incialmente, enquanto ainda atuava na produção de sal, a empresa
pretendeu o fechamento do acesso à Praia do Sudoeste com vistas a construção
de um hotel de grandes dimensões em parceria econômica com uma empresa
internacional, demonstrando, assim, que estava disposta a grande investimento
no setor de turismo.

[Desmandos ocorrem] desde que Antonio de Macedo Castro assumiu


a governança desse município, ou seja, os crimes contra a fazenda
pública, que estão ocorrendo diariamente, como também os crimes
contra o erário municipal, já [são] comuns no governo de Antonio de
Macedo Castro. Disse que agora se pretende assaltar a população de
Cabo Frio, no que se refere à proibição de acesso às ruas dos mais
belos pontos turísticos de Cabo Frio, que é a Praia do Sudoeste. Falou
que tomou conhecimento de que a direção da Cia. Salinas Perynas,
em comum acordo com o prefeito Antonio Castro, já fechou a estrada
que dá acesso à Praia do Sudoeste, prejudicando a população de Cabo
Frio de banhar-se naquelas águas medicinais. Disse que é sabido que
assessores do prefeito levaram, da direção daquela companhia, uma
boa importância para serem os intermediários nesse acordo firmado de
fechar totalmente a Praia do Sudoeste. Falou que irá entrar na justiça
para defender a população de Cabo Frio contra os usurpadores que se
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apossam do governo municipal e os usurpadores que estão instalados


na Cia. Salinas Perynas. Falou que a Cia. Salinas Perynas está
firmando um acordo com a Panan, a maior empresa aérea do mundo,
para construção de um hotel na Praia do Sudoeste, onde, com isso, irá
fechar totalmente a referida praia e que o financiamento para a
construção daquele hotel é em torno de CR$ 20.000.000,00 (vinte
milhões de cruzeiros) (ARQUIVO HISTÓRICO, 1974, p. 129).

Depois de um ano de luta, contudo, por meio da pressão feita pela Câmara
Municipal sobre o Executivo e de denúncias no Legislativo Estadual e na
Promotoria Pública Municipal, obteve-se uma vitória para a comunidade local,
com a reabertura do acesso à Praia do Sudoeste.

Com a palavra, o senhor vereador Oswaldo Rodrigues dos Santos, que


de início parabenizou todos aqueles que contribuíram com seus
esforços para que a Justiça cabo-friense determinasse à Cia. Salinas
Perynas a abertura do seu pórtico, que impedia o acesso à Praia do
Sudoeste, fazendo seu agradecimento ao deputado Otime Cardoso
dos Santos, que tantas vezes denunciou essa irregularidade na
Assembleia Constituinte do Estado. (ARQUIVO HISTÓRICO, 1975a,
p. 89)

O fechamento foi realizado por meio de uma guarita, que tinha por objetivo
inibir o acesso dos frequentadores à Praia do Sudoeste, da qual um dos atrativos
era a água quente que retornava da usina e desaguava como um rio na beira da
praia. Era comum, nos fins de semana, as famílias irem fazer piquenique na
Praia do Sudoeste e ficarem confraternizando “de molho” naquela água quente.
Com o fechamento, a salina controlaria o acesso das pessoas e, mesmo
com a vitória do município, pela qual a empresa não poderia mais impedir a
entrada de visitantes, o que ocorreu de fato foi que a guarita ali permaneceu,
mesmo sem o impedimento direto, mas trazendo constrangimento àqueles que
tinham a intenção de ir à praia, pois gerava uma barreira física, que inibia a
entrada dos visitantes no local.
Em julho de 1975, a denúncia que recaiu sobre a Perynas foi a da invasão
de oito milhões de metros quadrados de terras municipais, o que iniciou um
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processo de disputa entre a empresa e o munícipio, que passou a buscar a


reintegração dessas terras.

[...] nós queremos circular na nossa Lagoa de Araruama, somos


impedidos pela Cia. Salinas Perynas, que cerca aquela passagem
indevidamente, ainda mais, agride, porque tira o direito daquilo que lhe
pertence ao povo, porque é seu patrimônio. Perynas, como todos
sabem, denunciada pelo promotor público de Cabo Frio, possui um
título de apenas dois milhões de metros quadrados de área de terra,
vejam bem como Perynas invadiu a nossa propriedade, a propriedade
do Patrimônio Municipal, que é da ordem de 8 milhões e 500 metros
quadrados, e eu pediria licença aos meus pares para que eu pudesse
me deter numa leitura, leitura essa em que foi negociado, através de
uma escritura pública lavrada, escritura essa em que cinco cidadãos
obtiveram, pelo preço de 800 mil cruzeiros, conseguiram uma ilha, uma
ilha para fazer loteamento com 55 lotes, um loteamento que é cercado
pela Lagoa de Araruama, e hoje nós recebemos nesta Casa uma
denúncia apresentada por uma sociedade de caráter civil, a
Associação Protetora da Lagoa de Araruama, documento que
denuncia trama formulada nos bastidores [por] cinco cidadãos, Senhor
Hélio Barroso, Joaquim Cabral Filho, Davi Guerra, Luiz Carlos Lara
Hortiz e Leão Fonte Carvalho[, que] adquiriram um terreno que se diz
patrimônio da União, ou seja, terreno de marinha, extensão de 72.150
m2, [onde] vai ser feito um loteamento. (ARQUIVO HISTORICO, 1975b,
p. 99)

Para tentar legitimar a invasão das terras do município, a empresa, de


acordo com as Atas da Câmara, publicou no jornal Gazeta da Baixada – de
circulação regional – que o Poder Judiciário do Estado havia assegurado, por
meio de um mandado de segurança, o direto da Cia. Salinas Perynas de usar os
terrenos da Praia do Sudoeste. Ainda conforme os documentos analisados, a
publicação da matéria teria sido uma estratégia criada pela empresa para
legitimar a invasão das terras municipais, utilizando-se de “sentimentalismo”
relativo aos empregados da empresa, que poderiam ser absorvidos em um novo
empreendimento. Contudo, houve resistência da Câmara Municipal, que saiu em
defesa do interesse público, e da organização de advogados Nildo Martini, que,
por meio de processo jurídico, levantou a questão de ocupação ilegal de terras
em Cabo Frio pela empresa,
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[...] a própria sentença do Juiz de Cabo Frio em 1923, bem como a


decisão do Supremo Tribunal Federal, diz textualmente que a
propriedade de Jales Cabral, de quem Perynas é sucessora, tem
dimensão de dois milhões, seiscentos e setenta e três mil metros
quadrados. Como pode se admitir que Perynas tenha hoje cerca de 13
milhões de metros quadrados, dos quais se diz proprietária, como foi
feita esta mágica? Onde estão os títulos? Eles nunca apareceram e
não vão aparecer, foi por isto que esta Casa teve coragem de constituir
uma Comissão de levantamento das áreas do patrimônio municipal, de
que, muito me honra, sou o presidente, para apurar a irregularidade
denunciada pelo promotor público de Cabo Frio, de ocupação irregular
de terras do município por parte de Perynas [...] estamos solidários com
o promotor da Justiça, estamos solidários com o honrado juiz de direito
de Cabo Frio, professor Carlos Alberto de Gama Silveira, contra quem
Perynas impetrou um mandado de segurança, que vingou apenas uma
instância, mas que será decido pelo Supremo Tribunal Federal, que
dará sábia decisão final que a propriedade de Perynas foi concedida
pelo então imperador em 1824, mas não se fala naquele ano de
concessões imperiais das sesmarias, ou de qualquer outro título de
propriedade por lei, nem tampouco se falou que o funcionário que
assinou a decantada concessão imperial, que na realidade nada mais
foi do que um simples aviso de recomendação, foi sumariamente
demitido a bem do serviço público por irregularidades praticadas no
exercício das funções, e depois de tudo isto, vem este jornaleco
chamado Gazeta da Baixada apelar para a confraternização de todos
(ARQUIVO HISTÓRICO 1975d).

Em 1976, através do ofício nº 246/76, foi criada uma comissão de inquérito


para apurar a invasão das terras do patrimônio municipal por parte da Cia.
Salinas Perynas. Nos registros das atas da Câmara houve uma lacuna nas
discussões sobre a invasão feita pela empresa: depois da criação dessa
comissão, não ocorreram mais registros sobre o tema, que voltou a ser pauta
das reuniões apenas no início da década de 1980, quando a empresa anunciou
a sua desativação e continuou sem apresentar a documentação relativa à
aquisição das terras de que se declarava proprietária.

Companheiros, ficamos praticamente 40 dias afastados da Câmara


Municipal, a desserviço desta casa, numa Comissão de Inquérito, e eis
que o povo cabo-friense, através de uma trama diabólica, recebe
estarrecido a notícia da desativação da [...] Cia. Salinas Perynas.
Senhor presidente, senhores vereadores, fomos os primeiros nesta
atual legislatura a levantar a questão das terras do patrimônio
municipal, hoje em poder da Cia. Salinas Perynas, temos em nossa
mão um requerimento datado de cinco de abril, através do qual
solicitávamos ao Dr. Leomil Antunes Pinheiro, juiz desta Comarca,
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informações com respeito à documentação que a Cia. Salinas Perynas


podia dispor para apresentar nesta casa, para se dizer proprietária de
mais de nove milhões de metros quadrados de terras pertencentes ao
patrimônio municipal e entregues para esses predadores, [...]
entregues a grupos internacionais, mas, como dizia, fomos os
primeiros a questionar aqui nesta Casa a Cia. Salinas Perynas.
Infelizmente, até hoje a Câmara Municipal de Cabo Frio não recebeu
nenhum comunicado neste sentido, mas há grande apreensão do povo
cabo-friense e, acredito, também desta Casa. (ARQUIVO HISTÓRICO,
1983a)

A Salinas Perynas, como mostrado na Figura 01 (abaixo), era constituída


por um braço de terra na Lagoa de Araruama, do qual obteve a concessão para
extração de sal. A concessão foi de aproximadamente dois milhões de metros
quadrados, contudo, na ata da sessão da Câmara de 24 de julho de 1975, foi
apontada a apropriação de terras da ordem de oito milhões e 500 metros
quadrados.
Em 1983, foi aprovada a Zona Turística de Desenvolvimento Integrado
(ZTDI-I). Nesse plano, conforme podemos ver na Figura 01, a Praia do Sudoeste
era incorporada à Zona, que teria a função de Village, que implicaria uso
residencial e para fins turísticos, com a construção de hotel. O restante das terras
também tinha essas funções, além de comerciais e esportivas.

Manifestou seu constrangimento pela denúncia do Dr. Ivo Saldanha


contra a Câmara e prefeito, ainda sobre a aprovação da ZTDI. Disse,
ainda, que fora obrigado a usar a Rádio Globo, Programa Haroldo de
Andrade, para rebater as críticas ao Dr. Ivo Saldanha. Falou da
problemática nacional dos benefícios da ZTDI em contrapartida aos
Decretos nº 2.024 e 2045 do PDS. Disseram que a ZTDI abriria novos
horizontes para o povo cabo-friense e sua juventude. Defendeu a
integridade da Câmara Municipal que, ao aprovar a ZTDI, impediu o
fechamento imediato da Cia. Salinas Perynas, empresa que,
desativada, colocaria centenas de famílias em desespero. Solicitou à
bancada do PDS posição coerente com a importância do município, e
que o apoio dado pelo PDS à ZTDI a todos enobrecia, pelo grande
alcance do que está inserido na ZTDI, verdadeira redenção para o
município. (ARQUIVO HISTÓRICO, 1983b)

A aprovação da ZTDI-I demonstrou a mudança definitiva de atuação da


Cia. Salinas Perynas, da indústria do sal para o setor de turismo. Ao longo das
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décadas seguintes, foram propostos planos e projetos de enormes dimensões a


serem implementados naquelas terras.

Figura 01 – Zona Turística de Desenvolvimento Integrado (ZTDI-I)


Fonte: Elaborado pela autora a partir do Arquivo da Secretaria de Planejamento e Obras de
Cabo Frio

Sobre a ZTDI, destacamos: de roxo, a zona 1. village, subdividida em 1.1


e 1.2 - subzona hoteleira, 1.3 - subzona esportiva, 1.4 - subzona residencial; de
verde está destacada a 2. Subzona residencial, com as suas subzonas, 2.1 -
subzona village, 2.2 - subzona hoteleira, 2.3 - subzona esportiva; em vermelho,
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3. subzona hoteleira, composta de 3.1 - subzona esportiva, 3.2 - subzona


residencial, 3.3. - Subzona village; em amarelo está a subzona 4. village, com a
4.1. - Subzona hoteleira, 4.2. - Subzona esportiva, 4.3. - Subzona residencial; de
azul, subzona residencial e, por último, de laranja, a subzona comercial.
Pari passu à aprovação da ZTDI, estava sendo elaborado o Conjunto
Residencial e Comercial da Cia. Salinas Perynas, em 1983, projeto de Oscar
Niemeyer.
O local do projeto descrito por Niemeyer “são praias brancas, grandes
salinas, terra virgem ainda não poluída pelo homem”. Quanto às características
do empreendimento, haveria uma entrada de controle, da recepção e dos
embarques. Os meios de transporte que seriam utilizados seriam lanchas, carros
elétricos e monorail2, sendo impedida a entrada de carro a combustão, como
forma de preservar o meio ambiente. A preocupação ambiental e os transportes
usados para a época chamam a atenção: embora, na década de 1980, a questão
ambiental já fosse pauta de discussões e estivesse presente nos projetos, os
meios de transportes propostos aqui, como o monorail, ainda não faziam parte
do cotidiano do país, como ainda não o fazem.
O empreendimento seria composto por “villages”, duas grandes ilhas com
700 m de diâmetro, e casas geminadas, de três pavimentos, distribuídas
harmoniosamente pelo terreno em blocos de 100 m. Além do centro cultural e
esportivo, com campos de futebol, tênis, ginásio, escola de educação física etc.,
haveria duas praças, ambas com cafés, bares e restaurantes. “Olhem o Centro
de Rejuvenescimento. É igual aos de Miami. Você entra e 15 dias depois a roupa
está larga no corpo. São banhos especiais, saunas, massagens, campos de
esporte, piscina, 'cooper' etc. Os tratamentos mais modernos.” (NIEMEYER,
1983)

2
De acordo com a Wikipedia, Monorail ou monotrilho é uma ferrovia constituída por um
único carril/trilho, em oposição às ferrovias tradicionais, que possuem dois trilhos paralelos.
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Monocarril#Brasil>. Acesso em: 18 fev. 2020.
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De acordo com a entrevista concedida para esta pesquisa pelo prefeito


na ocasião, Alair Correa, o objetivo do projeto era também vender casas de
segunda residência para aposentados europeus. Entretanto, a cidade carecia de
infraestrutura de saúde, o que inviabilizou a execução.

O projeto Perynas era um projeto para aposentados europeus, é


quando eles escolhem o melhor lugar para poder viver. Houve um
atraso porque uma das coisas que nós não tínhamos, e que era
fundamental para o projeto deles, era o atendimento médico, e nós não
tínhamos o hospital do coração. O aposentado tem que ter perto dele
um hospital do coração pelo menos, nós não tínhamos, agora temos.
(CORREA, 2019)

Figura 02 –Arquipélago Perynas ou Urbanização da Marina de Cabo Frio


Fonte: Niemeyer (2020).

"Não queriam bloquear as praias como o loteamento usual. Preferiram


uma solução que permitisse passar entre as casas como os cabelos
num pente fino. Na solução de rotina" – explica-nos minucioso –” as
casas cercam as praias e só de rua em rua as podemos atingir. Aqui
entre cada grupo de casas tem a possibilidade de se chegar à praia. É
a solução lógica, irrecusável.” (NIEMEYER, 1983)
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A Figura 02 chama a atenção em função da semelhança com o projeto


realizado décadas depois nos Emirados Árabes, por exemplo. Em Dubai, no
início dos anos 2000, foi construído para uso turístico o arquipélago Palm
Islands, que é formado por três ilhas artificiais em forma de palmeiras, a Palm
Jumeirah, a Palm Jebel Ali e a Palm Deira.
A primeira tentativa de implantação de um projeto de urbanização turística
na área Cia. Salinas Perynas, contudo, não chegou a ser efetivada naquela
ocasião. De acordo com os documentos do Arquivo da Câmara Municipal, a não
efetivação pode ser atribuída à intervenção do governo estadual na infraestrutura
da cidade:

A seguir, fez uso da palavra o vereador Alcineides Ferreira de Souza,


disse que procuraria responder às indagações quanto ao não
prosseguimento do Projeto Perynas, dizendo que a causa principal
eram, sem dúvida alguma, as desastrosas atitudes do governador
Leonel Brizola que, ao tombar a área onde seria construída a Avenida
Litorânea, no seu decreto, atingiria também metade do loteamento
onde a Cia. Salinas Perynas iria desenvolver o seu plano turístico.
(ARQUIVO HISTÓRICO, 1985)

Não podemos atribuir a não efetivação exclusivamente ao motivo descrito


na ata citada acima, pois um projeto com tais dimensões demandaria
investimento de grande monta, que uma empresa que recentemente havia
anunciado o fim das suas operações, conforme verificamos na ata da sessão da
Câmara de 27 de setembro de 1983, e que pretendia atuar no campo do turismo,
possivelmente não tinha condições de realizar.
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Figura 03 – Anverso do Mapa Turístico de Cabo Frio, anexo do material de Divulgação Turística de Cabo Frio de 1981
Fonte: Secretaria de Turismo de Cabo Frio (1981).
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Na Figura 03, destacamos em vermelho o que seria o espaço urbano de


Cabo Frio; o mapa turístico apresenta apenas o Centro, contudo, sabemos que
a cidade já havia se expandido para outras áreas, principalmente além da Ponte,
onde ficam os bairros Ogiva e Peró e loteamentos como o Monte Alegre.
Em azul está a localização de Perynas. É possível perceber na imagem
que ainda havia as áreas de produção de sal na década de 1980; assim, turismo
e indústria do sal disputavam o lugar de principal atividade econômica na cidade.
Em entrevista, o ex-prefeito Alair Correa relata como ocorreu a aprovação
do projeto turístico de Perynas.

Então, eu fui fazer o grande trabalho, eu aprovei um loteamento para


Perynas que nunca saiu [do papel], em troca de um milhão de metros
de terra para fazer o aeroporto. Então, nós fizemos o aeroporto,
conseguimos com o governo federal uma grande parcela, com o
estadual [outra parte], e fizemos a chegada pelo céu. [...] O projeto
Perynas era a redenção de Cabo Frio, era uma cidade, três vezes
maior que o Bairro São Cristóvão. Isso foi aprovado pela Câmara em
1985, 1986, nós aprovamos na Câmara esse troço. É aprovação de
[mudança de] uma Zona Salineira para uma Zona Turística ZT1, ZT2,
ZT3, várias zonas de turismo, entendeu? É três vezes maior que São
Cristóvão e Guarani juntos, você vê o tamanho daquele negócio lá.
Quem fez o projeto foi Niemeyer e o paisagismo foi Burle Marx, era um
negócio de doido, eu tinha fotografia com Niemeyer em Cabo Frio, um
projeto lindíssimo! (CORREA, 2019)

Perynas ainda era uma importante indústria salineira na região, contudo,


com a produção em um cenário descendente, já havia interesse na mudança de
ramo, como percebemos na entrevista do ex-prefeito Alair Correa. A escolha
feita foi a instalação de um complexo turístico que seria, segundo o próprio ex-
prefeito, “a salvação” de Cabo Frio. O “modelo de monocultura do turismo”3, ou
seja, o turismo como principal atividade econômica, ficava mais evidente a partir
da elaboração do projeto de Perynas.

3
A monocultura turística caracteriza o processo de determinação do turismo como única
atividade econômica, em detrimento de outras atividades (KRIPPENDORF, 2000).
144

Figura 04 – Mapa de Perynas, Cabo Frio


Fonte: Googlemaps. Disponível em:<http://mapas.google>. Acesso em: 28 fev. 2021.

Na imagem, destacamos em vermelho a área de Perynas, e em azul, a


área cedida para a construção do Aeroporto Internacional de Cabo Frio. Nas
negociações para autorização do projeto, entrou no acordo a concessão de um
terreno como forma de a empresa quitar os débitos que tinha com a Prefeitura.
O terreno em questão é o local no qual veio a ser construído o aeroporto, algo
de grande interesse para o município e para o turismo de toda a Região dos
Lagos, pois se trata da segunda maior pista do Estado.
As dimensões do projeto turístico proposto por Perynas eram enormes,
desde a quantia vultosa de dinheiro, o tamanho da área a ser contemplada (nove
milhões de metros quadrados de terras) até o número de unidades habitacionais.
O projeto contava com o apoio do poder público, entretanto, o presidente da
empresa apontava para a necessidade do apoio da iniciativa privada.

[...] o Presidente de Perynas, Juan Viñas, entende que Cabo Frio,


precisa de apoio da iniciativa privada para estimular o desenvolvimento
[...]. Cabo Frio receberá na ordem de 400 milhões de dólares em
investimentos turísticos, em dez anos, e em especial do Complexo
Turístico de Perynas.[...] o projeto de Perynas tem o apoio do governo
do Estado e que numa primeira fase – que terá entre sete e dez anos
– está prevista a construção de 50 a 100 unidades de um total de 1.300
do hotel-residência, fará parte ainda do projeto uma pequena marina,
um clube recreativo, três restaurantes, um mini-shopping, abrangendo
uma área de 800 mil metros quadrados. O complexo turístico já passou
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pela Prefeitura, e nos próximos 30 dias deverá ser aprovado pelo


governo federal. (O FLUMINENSE, 1989, p. 6)

Apesar de aprovado pela Fundação Estadual de Engenharia e Meio


Ambiente (Feema) em dezembro de 1992, o projeto gerou conflitos entre os
setores de turismo e de meio ambiente em Cabo Frio e região. “O projeto previa
a dragagem de 2,2 milhões de metros cúbicos de areia em um terreno ocupado
por concentradores de sal, a escavação de uma rede de canais e a construção
de ilhas artificiais com 2,6 milhões de metros cúbicos de aterro” (ALVES, 1993,
p. 19).
Os argumentos apresentados por aqueles que apoiavam o projeto
passavam pelos benefícios que seriam gerados, além de asseverarem que os
canais permitiriam que a Lagoa voltasse a ter seu balanço hídrico original e
contestarem as afirmações de que o projeto prejudicaria a passagem de peixes
e danificaria criadouros de camarões, como declaravam especialistas.
Já o segundo grupo questionava o fato de o projeto ter sido aprovado com
base no Relatório de Impacto Ambiental (Rima) elaborado por 13 peritos
contratados pela MOC Empreendimentos Salineiros, empresa diretamente
interessada na aprovação do projeto. Especialistas contrários apontavam que as
técnicas utilizadas pelo Rima eram genéricas e deficientes e que os modelos
matemáticos do Relatório também não respondiam adequadamente às
questões; indicavam, ainda, que a escavação de canais agravaria o
assoreamento do Canal do Itajuru, alterando a salinidade e o regime de troca da
água entre a Lagoa e o mar. Por fim, apontava-se que, embora o projeto pudesse
gerar 300 empregos, as mudanças ambientais trazidas seriam enormes,
impactando a atividade pesqueira e afetando 600 pessoas que viviam dessa
atividade no Canal do Itajuru.
Após conflitos e divergências entre aqueles que defendiam a sua
instalação e os que se posicionavam de forma oposta, o resultado a que se
chegou foi a não efetivação do projeto.
Em entrevista, o ex-prefeito que atuou na gestão anterior à apresentação
do projeto do Complexo Turístico de Perynas à Câmara Municipal pontuou o
processo de aprovação.
Esse projeto foi muito polêmico na cidade: pela primeira vez, de forma
bem generalizada, se falou em vantagens para o Poder Legislativo e
146

para o Poder Executivo titulares para aprovarem esse projeto. A Cia.


Perynas era a indústria mais importante de refino de sal, [...] só que
depois entrou em decadência, enfim, a indústria salineira e a produção
de sal artesanal em Cabo Frio praticamente não tem mais nada. E aí
entrou um grupo [...] que veio para Cabo Frio para meio que se
associar, e adquirir toda aquela área, todo aquele complexo lá, não
com o interesse na indústria, mas com o interesse na terra. E aí
precisava mudar radicalmente a legislação de uso do solo, que foi uma
legislação que a gente tinha aprovado na Câmara. Na época, era Cabo
Frio e Búzios, e precisava fazer uma modificação ali, permitir, não me
lembro se era aumento de gabarito, não me lembro com muita
exatidão, enfim.. Na cidade se falou muito em compra de voto de
alguns vereadores para aprovar essa mudança, enfim, no final da
história [...] Esse projeto, nessas décadas todas não se avançou, não
sei se ainda continua com o controle desse grupo espanhol.
(NOVELLINO, 2019)

O projeto perpassou algumas administrações, e em 1993 foi retomado


pela empresa Henrique Mindlin Associados S/A Arquitetura e Planejamento,
passando a ser intitulado de Ilhas Perynas Resort. Em 1994, a construtora
mineira Andrade Gutierrez realizou a dragagem da Lagoa de Araruama para a
construção do resort, projeto que ocuparia uma área de 11 milhões de metros
quadrados, com a construção de dezenas de ilhas ligadas por canais artificiais.
Contudo, em 1998, apenas uma ilha havia sido construída, através da dragagem
da Lagoa; o atraso das obras, segundo o Jornal do Brasil de dezembro daquele
ano, ocorreu em razão da forte crise que o país atravessava (JORNAL DO
BRASIL, 1998, p. 37).

Figura 05 - Planta do Projeto Ilhas Perynas Resort


Fonte: <https://www.hmaarquitetura.com/ilhas-perynas-resort>. Acesso em: 2 ago. 2019.
147

Figura 06 – Casas isoladas Figura 07– Casas geminadas


Fonte: <https://www.hmaarquitetura.com/ilhas- Fonte: <https://www.hmaarquitetura.com/ilhas-
perynas-resort>. Acesso em: 2 ago. 2019. perynas-resort>. Acesso em: 2 ago. 2019.

A construção do turismo em Cabo Frio pode ser percebida ainda na


década de 1940, quando foi apresentado o primeiro Plano de Urbanização de
Cabo Frio4 para fins turísticos, elaborado pelos irmãos Coimbra, em um tempo
em que a cidade ainda vivia a plena ascensão da indústria salineira. Nesse
período, a infraestrutura turística era quase inexistente, havia poucos meios de
hospedagem e os que existiam estavam voltados a atender principalmente aos
comerciantes. A cidade estava voltada para o Canal do Itajuru, que ainda
possuía grande importância econômica, haja vista que parte do escoamento da
produção do sal ainda passava por ali, além do próprio mercado de peixes estar
ali instalado.
Como foi dito, a ferrovia inaugurada em 1937 e a Rodovia Amaral Peixoto
(RJ-106), da década de 1940, facilitaram a chegada de visitantes à região,
entretanto, as mudanças ainda eram pouco significativas, tanto do ponto de vista
urbano como do social e econômico, pois a cidade ainda mantinha
características do início do século.
Alair Correa descreveu em entrevista suas memórias da infância,
indicando as primeiras mudanças pelas quais a cidade passaria, decorrentes do
processo de turistificação. Mencionou o bairro da Ogiva, que na década seguinte
sofreria enormes transformações, mas salientando que o interesse pelo local
teve início um pouco antes, provocando a retirada de antigos moradores para

4Para maiores informações sobre os Planos e projetos elaborados para Cabo Frio ver MACÊDO,
Karla Maria Rios de. O desenvolvimento do turismo em diferentes contextos: o caso da cidades
de Cabo Frio/Brasil e Ílhavo/Portugal.
148

dar lugar aos novos proprietários: artistas e a elite carioca. O entrevistado explica
que, com
a proximidade da utilização das praias de Cabo Frio, o olho cresceu e
os proprietários, que deixaram aquelas famílias morando ali durante
anos, expulsaram as famílias dali, e nesse contexto a minha família foi
expulsa. [...] Quando as famílias foram expulsas, cada uma foi para um
lugar, nós fomos para Abissínia, que hoje é Vila Nova [...]. Em frente à
minha casa, onde é o posto, [...] era o curral do gado do nosso vizinho,
que era uma pequena fazenda [...]. O Peró, onde a minha família
morou, que era próxima aos empregos que tinha em Cabo Frio, pesca,
sal, ali era tudo salina. A Wilson Sons, por exemplo, era uma empresa
de galpões de sal e moagem de conchas, e era o porto de Cabo Frio,
os navios médios (Tamoios, Coral, Avante) entravam na frente da Ilha
do Japonês, era meio porte e ali eles conseguiam atracar. Eles traziam
produtos diversos pra Cabo Frio, ali onde é o Itaú, ali eram as lojas
Prenguis Beranger, então esses navios traziam produtos para ali, e
para outros comércios menores, e levavam sal, e isso está muito firme
na minha memória (CORREA, 2019).

A descrição feita pelo ex-prefeito remete a uma paisagem rural muito


distante daquela em que a cidade se transformou nas últimas décadas do século
XX. Podemos entender como isso se deu a partir da Tabela 1, que apresenta o
crescimento da população cabo-friense nas últimas três décadas daquele
século. Entre 1970-80, houve um crescimento de aproximadamente 80%,
enquanto a média nacional, de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), para o mesmo período, foi de aproximadamente
28%. Vê-se, assim, que o crescimento populacional de Cabo Frio, em relação à
média nacional, foi muito superior e, ainda que não possamos fazer nenhuma
afirmação peremptória, é possível inferir que tal aumento esteja diretamente
relacionando ao processo de industrialização iniciado na década de 1950, com
a instalação das refinarias de Perynas e da Refinaria Nacional de Sal e da Álcalis
(1958), assim como ao incremento do turismo de segunda residência e sua
economia acessória, como a indústria da construção civil e de prestação de
serviços.
Entre as décadas de 1980-90, o crescimento foi de aproximadamente
20%, bem próximo da média nacional, de cerca de 23%. Já em 1990-2000,
houve um crescimento de aproximadamente 49%, outra vez muito acima da
média do país, que foi de 15,5%, aproximadamente. Nesse último intervalo de
tempo, o munícipio de Cabo Frio já contava com a arrecadação de royalties, que
sugeria a ideia de maiores e melhores oportunidades na cidade, o que acabou
por atrair pessoas de vários lugares do país.
149

Data População
1970 44.379
1980 70.955
1990 84.915
2000 126.828
Tabela 1 – Crescimento populacional
Fonte: IBGE.

De todo modo, foi a partir da década de 1950 que o turismo passou a


imprimir mais força nas relações sociais, econômicas e, também, na urbanização
da cidade. Foi aí que a elite carioca “descobriu” a cidade para a pesca esportiva.
Contudo, dada a dificuldade de hospedagem, os visitantes passaram a utilizar
as casas rústicas de moradores, como pescadores e trabalhadores de salinas
para, posteriormente, adquiri-las por preços baixos (mas que, para aqueles
trabalhadores, representavam muito dinheiro). Ademais, bairros como Portinho
e Ogiva, que eram antigas salinas, também passaram por processo semelhante.
Em sua obra, Dados históricos de Cabo Frio, Beranger fornece
informações sobre essas características da cidade naquela ocasião:

Em 1955 o Estado construiu uma Usina de Luz, inaugurada pelo então


governador Dr. Miguel Couto Filho. Atualmente Cabo Frio conserva
suas ruas primitivas com seus portões coloniais na parte antiga,
enquanto novos bairros se levantam com residências confortáveis e
algumas suntuosas. Turistas há que preferem restaurar casas
primitivas. Em 1952 o prefeito Aracy Machado inaugura o primeiro
trecho de calçamento na rua da Praia, estendendo-se por outras ruas.
(BERANGER, 1993, p. 51)

Na esteira das mudanças trazidas pelo turismo em Cabo Frio neste


período, cite-se a construção dos clubes náuticos, como o Iate Clube do Rio de
Janeiro em Cabo Frio e, uma década mais tarde, o Costa Azul Iate Clube, que
traziam serviços de apoio ao turismo mais sofisticados, dos quais até então a
cidade não dispunha.
De todo modo, o município tentava se adaptar às condições trazidas por
essa nova atividade e, assim, no final da década de 1950, foi instituído
oficialmente o turismo, pela primeira vez, através da criação de Conselho e
posteriormente Departamento de Turismo. Diante dos sinais evidentes de que o
150

turismo se fazia presente definitivamente na cidade, era necessário criar as


condições institucionais para organizar e regular essa presença.
Como podemos perceber no depoimento prestado pelo ex-prefeito Alair
Corrêa, essa história conheceu alguns episódios que devem ser mencionados:

Na Ogiva, na década de 1950, resolveram fazer uma cidade para as


celebridades, aqueles canais, e começou mesmo a vir celebridade,
tinha a Tônia Carrero, a Beth Faria, todos tinham casa ali, vários
artistas, né? Nesse momento, para infelicidade nossa, Brigitte [Bardot]
aporta em Búzios, quando ela aporta em Búzios, que ela vai embora,
a imprensa internacional coloca Búzios como o paraíso. As
celebridades, então, não vieram mais para Cabo Frio, foram para
Búzios, e lá, com estilo colonial, com Otavinho, aquele negócio todo.
Foi esvaziando o projeto nosso da cidade da Ogiva, tinha muito mais
canais ali. [...] esse projeto, ouvi falar, sabia que das terras dele vinha
para cá, para o Peró, naquela área do Peró, aquela área era dele
também, depois foi vendendo. (CORREA, 2019)

Cabo Frio a partir da década de 1970 conforme citamos acima, teve como
agentes centrais de transformação a inauguração da Ponte Rio-Niterói, em 1974,
as melhorias na BR-101 e a melhora das condições econômicas, principalmente
para as classes médias, decorrentes da política econômica transitória imposta
durante a ditadura do governo Médici e que ficou conhecido como “Milagre
Econômico”.
Já identificamos a característica mais marcante dessa fase: a chegada
dos visitantes, em sua maioria composta de veranistas, que passaram a adquirir
casas de segunda residência. Um dos efeitos imediatos dessa “novidade” foi a
elevação do preço dos terrenos e das casas. Como declarou “seu Mica”, salineiro
da região da Figueira

A maior parte dos moradores de Figueira, aqui, não existe mais, a


maior parte hoje é de fora. [...] muito pouco, muito pouco. Não tem.
Venderam as casas pros turistas, foram pro Jardim Esperança, pro
Sabiá, entendeu como é? Venderam. Turista chegou aí, dava qualquer
5 mil, 4 mil e comprava. Eles vendiam, você entendeu? Vendiam [...]
porque o custo aqui é muito baixo, entendeu [...] então, os turistas
chegam num pedaço de terreno e oferecem 4, 5 mil, o pessoal vende,
pra ver se consegue melhorar a situação deles, você sabe como que
é? Não tem ideia, não tem ideia. (apud CHRISTOVÃO, 2011)

Como decorrência desse processo, na década de 1970, a cidade


conheceu melhorias em infraestrutura, sobretudo nas proximidades da praia, de
151

que é exemplo a instalação do Hotel Malibu, inicialmente voltado para o público


de classe econômica mais abastada.
O turismo é mesmo um fenômeno paradoxal, pois se, por um lado, alterou
o modo de vida local, fazendo que populações tradicionais, seduzidas pela oferta
dos turistas interessados em comprar suas casas, tenham tido de se mudar para
bairros mais afastados e com pouca infraestrutura. Por outro lado, melhorou as
condições de vida daqueles que vieram a morar ou que permaneceram nas
áreas que passaram a ser mais valorizadas em função da atividade turística,
como as regiões próximas aos locais onde vieram a ser instalados condomínios
de luxo, como os condomínios Moringa, Moringuinha e Marinas do Canal, obras
conduzidas por um grupo de empresários do Rio de Janeiro, liderados por César
Thedim5
Sobre o impacto da chegada/implantação desses novos condomínios,
observamos que:
Na década de 1970, é construída a Moringa, um luxuoso condomínio
turístico localizado na Avenida Assunção – principal rua da cidade – e
voltado para o canal do Itajuru. O local era uma área de mangue que
foi aterrada e loteada de forma que as casas possuíssem um deck que
permitissem ancorar seus barcos. O loteamento da Moringa teve
efeitos urbanísticos que foram sentidos de imediato pelos moradores
da cidade: a Avenida Assunção, que até então possuía calçamento
apenas em parte de seu percurso, recebeu a necessária infraestrutura
de luz, água, esgoto e asfalto em toda a sua extensão. Sem essas
melhorias, não seria viável a construção da Moringa. A cidade se
moldava para atender às exigências desse novo grupo social – os
turistas – e a população usufruía dos benefícios daí advindos.
(CHRISTOVAO, 2011 p. 107)

Na década de 1980, como consequência da emancipação do I Distrito,


Arraial do Cabo (1985), o município perdeu importantes atrativos turísticos
naturais. Contudo, Arraial do Cabo, naquela ocasião, ainda se ressentia de uma
infraestrutura hoteleira adequada, e os turistas ainda dependiam dos meios de
hospedagem de Cabo Frio, como também de sua infraestrutura de apoio ao
turismo, como a rodoviária, que liga Cabo Frio a várias cidades do Estado e

5De acordo com Ramão (2016), César Thedim era marido da renomada atriz Tônia Carrero, que
conhecia Cabo Frio desde a década de 1950 e tinha uma casa no bairro Ogiva. Thedim tentou,
na década de 1960, construir uma estrada que cortaria o Morro do Telégrafo, próximo ao Canal
do Itajuru (ligação da Lagoa de Araruama com o mar na cidade de Cabo Frio), mas o projeto foi
embargado por conta da movimentação da população do bairro Gamboa, tradicionalmente
composta por pescadores.
152

também a outros grandes centros, como Belo Horizonte e São Paulo. Pouco
tempo depois a Álcalis que havia permanecido na área do novo município foi
desestatizada (1992) sendo fechada em seguida. O fechamento da Álcalis
significou um duro golpe para a arrecadação de impostos do novo município.
Em 1995 foi a vez do 3º distrito – Armação dos Búzios – que foi forjada
numa aura de sofisticação e de luxo, inspirado no elegante balneário francês de
Côte d’Azur desde a chegada da atriz francesa Brigite Bardot na década de 1960,
se emancipar.
De tal forma, com a emancipação de Armação dos Búzios, Cabo Frio, que
havia estruturado seu turismo no segmento de sol e praia, perdeu um importante
ativo do seu turismo. Diferentemente de Arraial do Cabo, Búzios não dependia
da arrecadação de uma empresa como a Álcalis e possuía uma infraestrutura
hoteleira bem desenvolvida, não dependendo de Cabo Frio.
Num período de 15 anos Cabo Frio perdeu seus dois principais ativos no
segmento turístico de sol e praia, além da arrecadação de impostos da Álcalis.
Os projetos apresentados por Perynas, assim como os demais megaprojetos
apresentados para a cidade, nunca chegaram a sair do papel. Dessa forma,
Cabo Frio continuou a investir na vertente que marcou a atividade turística na
cidade desde o seu início. A rede hoteleira, assim como as casas de segunda
residência e toda a dinâmica dessa vertente turística em Cabo Frio, a partir da
década de 1980, seguiram um direcionamento próprio completamente distinto
dos grandes projetos e que não tinha como prever a emancipação dos principais
distritos da cidade, mas isso é assunto para outra discussão.

Referência

ALVES, José Henrique. Megaloteamento cria polêmica e ameaça a Lagoa de


Araruama. O Globo, Rio de Janeiro, 20 mar. 1993.
ARQUIVO HISTÓRICO DA CÂMARA MUNICIPAL DE CABO FRIO. Ata de
Reunião Ordinária da Câmara Municipal de Cabo Frio de 1974, p. 129.
______ Ata de Reunião Ordinária da Câmara Municipal de Cabo Frio de 1975a,
p. 89)
______Ata de Reunião Ordinária da Câmara Municipal de Cabo Frio de 1975b,
p. 99)
153

_______ Ata de Reunião Ordinária da Câmara Municipal de Cabo Frio de


ARQUIVO HISTÓRICO 1975d, p.99.
_______ Ata de Reunião Ordinária da Câmara Municipal de Cabo Frio de
ARQUIVO HISTÓRICO, 1983a.
_______ Ata de Reunião Ordinária da Câmara Municipal de Cabo Frio de
ARQUIVO HISTÓRICO, 1985a.

CORREA, Alair. Entrevista concedida a Karla Maria Rios de Macêdo para este
trabalho. Cabo Frio, 3 jul. 2019. 1 arquivo mp³ (104 min.).
DIÁRIO DE NOITE. [Sem título,] 30 nov. 1940
JORNAL DO BRASIL. Resort é erguido em Cabo Frio. Rio de Janeiro, 6 dez.
1998, p. 37.
MACEDO, Karla Maria Rios de. O desenvolvimento do turismo em diferentes
contextos: o caso das cidades de Cabo Frio/Brasil e Ílhavo/Portugal. (Tese
de Doutorado). Niterói: Programa de Pós-graduação em Arquitetura e
Urbanismo/UFF, 2020.
NOVELLINO, Jose Bonifácio Ferreira. Entrevista concedida a Karla Maria Rios
de Macêdo para este trabalho. Cabo Frio, 13 abr. 2019. 1 arquivo mp³ (120
min.).
O FLUMINENSE. Turismo instala faculdade em Cabo Frio. Niterói, 26 ago. 1989.
PEREIRA, Walter Luiz C de Mattos. História e região. Inovação e industrialização
na economia salineira fluminense. Revista de História Regional, n. 15, v. 2,
p. 184-210, 2010.

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