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Editora a iliada
Endossos
Agradecimentos
01
Antevidência na vida
Mas, sim, eu sei onde piso: somos ensinados que habilidades como a
da “antevidê ncia” sã o “coisas proibidas”; algo que transcende as
fronteiras da ciê ncia. Voltarei a discutir essa a irmaçã o em capı́tulos
subsequentes, mas, havendo ou nã o restriçõ es reais sobre o que a
ciê ncia pode ou nã o pode investigar, e você concordando ou nã o que
essa avalanche de novas evidê ncias revela antevidê ncia na vida e no
universo, mesmo assim eu o convido a “pensar fora da caixa” e a
inspecionar comigo as evidê ncias. Ela pode ter “matado o gato”, mas a
curiosidade, à s vezes, leva a grandes descobertas e avanços cientı́ icos.
Os exemplos diversi icados e geniais descobertos nos anos recentes
sã o tã o numerosos que preencheriam grandes volumes. Assim, nas
pá ginas seguintes, destaco somente uma pequena amostra, mas essa
amostra é cheia de maravilhas. Tentarei comentar um pouco de tudo:
de cé lulas e as bases de seu DNA e RNA, engrenagens em insetos até
uma lagosta com socos mais poderosos do que os do Mike Tyson,
passando també m por plantas carnı́voras e uma má quina proteica no
olho de um pá ssaro que lhe confere um GPS (global positioning system)
funcionando por uma fenô meno fı́sico-quı́mico “bizarro” chamado de
“entrelaçamento quâ ntico”, permitindo que seus olhos mapeiem o
campo magné tico da Terra.
Começarei, poré m, com um exemplo que aparenta ser trivial, mas só
à primeira vista.
Uma membrana e seus canais
Como Diego de Mendoza uma vez explicou3, as cé lulas de bacté rias
“remodelam a luidez de suas membranas de camada dupla” pela
incorporaçã o de “á cidos graxos proporcionalmente mais insaturados
(ou á cidos graxos com propriedades aná logas), à medida que a
temperatura diminui”. O processo é conhecido como “adaptaçã o
homeoviscosa”. Ou seja, membranas celulares iniciam uma sé rie de
respostas celulares para reagir à s mudanças da temperatura do meio.
Creio que se solicitá ssemos à s companhias de engenharia mais
tecnologicamente avançadas desse planeta a realizaçã o desse trabalho
extremamente complexo e multifacetado, seus engenheiros mais
quali icados ririam de nó s ou talvez fugiriam como “o diabo foge da
cruz”. A tecnologia requisitada vai muito alé m da mais avançada
capacidade humana. E lembre-se: mesmo que esses engenheiros
resolvessem duas ou trê s demandas dessa membrana ou mesmo 99%
delas, ainda seria insu iciente. Para membranas celulares, é um tudo ou
nada! Uma ú nica porta aberta e o inimigo entra. E uma questã o de vida
ou morte! Uma cé lula vulnerá vel, que fosse “condenada” a esperar por
melhorias de uma evoluçã o darwiniana gradual, seria prontamente
atacada por um exé rcito de inimigos e morreria, sem deixar
descendentes. Ironicamente, o “tempo” – aquele faz os “milagres” da
evoluçã o – icaria literalmente “sem tempo” para terminar o seu
trabalho.
Parece, portanto, por todo o conhecimento bioquı́mico atual, que os
muitos requisitos cruciais de uma membrana celular teriam que ser
previstos e entregues prontos e funcionais, e no momento certo, para
que a primeira cé lula pudesse sobreviver e se reproduzir em um
ambiente aquoso.
E note que prever toda essa quı́mica e engenharia complexas é só o
começo de toda a antevidê ncia aparentemente requerida para construir
uma membrana e iciente o bastante para tornar a vida celular viá vel.
Planejar e formar tal membrana celular – com suas muitas habilidades
interligadas – també m requereria um grande exé rcito de biomolé culas
especializadas. E, felizmente, toda essa so isticaçã o veio – como em um
canivete suíço – na forma de uma classe de biomolé culas
magni icamente arquitetadas: os fosfolipı́dios (Figura 3).
Uma membrana celular precisa ser elá stica, mas també m resistente –
mecânica e quimicamente – para, assim sendo, proteger continuamente
a cé lula de seu ambiente em constante lutuaçã o. Felizmente para a vida
– eu e você – as camadas duplas de fosfolipı́dios de nossas cé lulas sã o
lexı́veis, mas també m altamente está veis, resistindo bravamente ao
estresse mecâ nico e à s lutuaçõ es de pH e temperatura.
Entã o, quer saber como todas essas propriedades foram obtidas?
Esse controle ocorre por um ajuste dinâ mico de vá rias propriedades
fı́sico-quı́micas dos muitos constituintes moleculares da membrana.
(Nota de alerta: se a explicaçã o seguinte se mostrar té cnica demais para
o seu gosto, sinta-se à vontade para pular para a seçõ es inais deste
capı́tulo, pois o resumo lá encontrado lhe fornecerá informaçõ es
su icientes para prosseguir na leitura).
O controle das propriedades da membrana celular é obtido primeiro
por um ajuste do comprimento, da força e da orientaçã o tridimensional
das ligaçõ es carbono-carbono nas “perninhas” de cada um dos seus
fosfolipı́dios. Um á tomo de carbono (C) pode formar quatro ligaçõ es,
incluindo ligaçõ es com outros á tomos de carbono. Em lipı́dios, essas
ligaçõ es CC podem ser simples (C-C) ou duplas (C=C). Ligaçõ es C-C sã o
chamadas saturadas, e ligaçõ es C=C, insaturadas. Em fosfolipı́dios, os
dois grupos (R) ligados aos dois C em uma ligaçã o RC=CR podem estar
do mesmo lado em um arranjo RC=CR chamado “cis” ou em lados
opostos RC=CR, chamado “trans”.
Fosfolipı́dios insaturados contê m muitas ligaçõ es RC=CR, que, nessa
con iguraçã o “cis”, produzem torçõ es bastante pronunciadas e
apropriadamente localizadas nas longas cadeias de á tomos de carbono.
Sabemos que gorduras “cis” insaturadas sã o menos está veis
termodinamicamente do que suas aná logas “trans”, mas, mesmo contra
a “lei do mı́nimo esforço”, a variedade “cis” predomina na vida. E por
quê ? Porque suas torçõ es em cadeias graxas produzem agregados
menos empacotados do que aqueles formados por lipı́dios insaturados
por ligaçõ es “trans” ou lipı́dios totalmente saturados. Lipı́dios
insaturados por ligaçõ es “cis” apresentam, portanto, pontos de fusã o
menores do que os “trans”. O resultado incrı́vel desse ajuste espacial é :
usando essas ligaçõ es “cis”, é possı́vel fabricar membranas mais ou
menos lexı́veis, gradualmente mais ou menos luidas.5
Cadeias carbô nicas (as “perninhas”) mais curtas ou mais longas ou
diferentes cabeças polares hidrofı́licas sã o també m empregadas no
controle das propriedades fı́sico-quı́micas dessas “supermolé culas”:
uma tacada de mestre de antevidência, guiada por um conhecimento
químico genial!
Perceba que, se atribuı́ssemos a origem de biomembranas a
processos materialı́sticos cegos, terı́amos que apelar para uma
in inidade sincronizada de verdadeiros “milagres quı́micos”. O primeiro
“milagre” teria que construir cadeias carbô nicas – (C)n – longas que
apresentassem pelo menos entre 12 e 18 á tomos de carbono (n). Tal
“milagre” seria extraordinariamente imprová vel, tanto estatı́stica
quanto quimicamente. No segundo “milagre”, duas dessas “pernas
carbô nicas” teriam que se ligar a uma molé cula de um triol: glicerina
[OH-CH2-CH(OH)-CH2-OH] ou um aná logo. Terceiro “milagre”: ligaçõ es
RC=CR de con iguraçã o “cis” – menos estáveis do que “trans” – teriam que
ser inseridas em posiçõ es exatas ao longo das “pernas” em uma
proporçã o inamente ajustada para, assim, produzir a luidez
( lexibilidade) adequada. Um â nion fosfato (PO43-) e um outro grupo
polar, por exemplo, o etilenoamino (-CH2CH2NH2), teriam també m que
estar disponı́veis naquele exato momento e “santo lugar” para serem
conectados corretamente a esse “lego molecular” (Figura 2), e o ú ltimo
“milagre”: tudo acontecendo na ausê ncia de interferentes. Como um
quı́mico, eu me recuso a chamar de “prová vel” essa “cascata de milagres
sem santo”.
Mas eu sei: os especialistas em quı́mica pré -bió tica normalmente nã o
partem de fosfolipı́dios. Eles, de fato, assumem “rotas graduais
alternativas” onde outras “entidades moleculares” deveras primitivas se
agruparam para formar membranas primitivas. Em seus interiores,
bastante inó spitos para a vida, tais como aqueles de micelas de á cidos
graxos, essas “entidades” teriam sido capazes de “engolir” uma
molé cula de “RNA primordial”, dando partida à vida nesse planeta.
Nessa direçã o, Sheref Mansy e colaboradores argumentaram o
seguinte em um artigo de 2008 da Nature: “Acidos graxos e seus á lcoois
correspondentes e monoé steres de glicerol sã o candidatos atraentes
para os componentes de membranas das protocé lulas”.6 A razã o para
essa “vã esperança” é a habilidade de tais molé culas de fazer dois
“truques” cruciais. Primeiro, elas formam agregados com membranas
de camada dupla, que poderiam reter pequenas molé culas de RNA.
Segundo, assume-se que essas estruturas poderiam, na sequê ncia,
crescer e se dividir, propriedades essas que sã o essenciais para uma
entidade primitiva que desejasse se reproduzir. Essa “entidade pré -
bió tica” supostamente teria iniciado a sı́ntese das primeiras proteı́nas
da vida.
Mas se esses processos realmente ocorreram, de onde vieram os
aminoá cidos necessá rios para a sı́ntese de proteı́nas? Eles teriam que
ter vindo de fora da cé lula, pois foram formados naquela sopa
primordial, e teriam, entã o, que migrar para o interior dessas cé lulas
primitivas atravé s de canais. Mas, até esse momento, no cená rio
proposto, os canais de membrana simplesmente ainda nã o existem,
entã o os aminoá cidos teriam que permear atravé s da membrana
celular primordial, para, assim, alcançarem o interior da cé lula. Mas,
para a permeaçã o de aminoá cidos, essas membranas primordiais
representariam barreiras quı́micas insuperá veis, fazendo da “vã
esperança” um processo quı́mico impossı́vel. Se nã o há um caminho
viá vel e seletivo de aminoá cidos para o seu interior, a cé lula
rapidamente morreria, sem poder esperar pelos “milhõ es de anos”. Sem
sobrevivê ncia, sem reproduçã o. Portanto, kaput evolução química!
Aqui, novamente, a inferê ncia por antevidê ncia é fortı́ssima. Uma
membrana fosfolipı́dica extremamente so isticada para a cé lula teria –
tudo indica – que ser antecipada, projetada e imediatamente posta à
disposiçã o desde o momento zero do aparecimento de um interior
celular viá vel nesse planeta. E sabendo que as primeiras cé lulas
obviamente sobreviveram e se reproduziram, deixando uma geraçã o
que se perpetuou até o presente, é cienti icamente plausı́vel concluir
que – de alguma forma – essa membrana extraordiná ria surgiu no exato
momento em que esse emaranhado quı́mico se fez necessá rio. Alguns
insistem que esse evento foi um grande ato de sorte. Eu discordo. E
conclamo a você e a todos para considerarem uma segunda
possibilidade: engenharia química com muita antevidência!
Aquaporinas: os melhores filtros de água do mundo
Mas, se a cé lula desejasse viver e ter uma vida longa, a entrada e
saı́da de á gua atravé s de sua membrana precisaria ser cuidadosamente
controlada. Essa necessidade de controle surge, porque as molé culas de
á gua (H2O) estã o conectadas por uma rede de “ligaçõ es de hidrogê nio”,
e essa rede faz com que a á gua funcione como um “ io de pró tons (H+)”.
A á gua conduz H+ de forma aná loga à conduçã o de corrente elé trica (e-)
por um io metá lico. Mas, por detalhes de seu metabolismo, as cé lulas
precisam manter seu interior eletricamente negativo. As cé lulas
realizam esse controle de carga por canais ancorados em suas
membranas, que controlam o transporte de ı́ons só dio (Na+) e potá ssio
(K+). Agora, pense comigo: se as aquaporinas deixassem molé culas de
H2O passarem livremente, seu “ io de H+” permitiria obrigatoriamente a
entrada de H+, inutilizando todo o esforço que as cé lulas fazem para
manter seu interior eletricamente negativo. Um canal de á gua “trivial”
seria uma soluçã o aparente, mas insu iciente. A vida é coisa de
pro issional!
Esse desa io de engenharia quı́mica – passar H2O e bloquear H+ – é
extremamente difı́cil de ser resolvido, mesmo para quı́micos ou
engenheiros quı́micos com uma inteligê ncia sobrenatural. Se você
mudasse as propriedades intrı́nsecas das molé culas de H2O, para
remover sua habilidade de agir como “ io de H+”, essa soluçã o
certamente iria arruinar as muitas outras propriedades fı́sico-quı́micas
ú nicas da á gua, todas essenciais para a vida. Mas, felizmente, algo ou
algué m encontrou uma soluçã o genial para esse dilema, sem ter que
redesenhar a molé cula de á gua.
As aquaporinas,9 ancoradas nas membranas celulares, nã o somente
deixam a á gua entrar e sair da cé lula, mas també m mantê m do lado de
fora vá rias impurezas, como biomolé culas perigosas e ı́ons indesejá veis,
entre eles os mortais H+, que normalmente viajam livremente atravé s
dos “ ios de H+” da á gua. Mas como essa tarefa tã o complexa pode ser
realizada?10 Sente-se confortavelmente, respire fundo e concentre-se,
pois tentarei descrever quimicamente para você um processo
extremamente complexo. Mas se a descriçã o se mostrar té cnica demais
para o seu gosto, sinta-se novamente à vontade para pular para o
pró ximo subtı́tulo, em que eu resumo a quı́mica e as implicaçõ es dessa
discussã o.
Nas aquaporinas – esses fantásticos canais de água –, uma molé cula
especial chamada asparagina foi perfeitamente posicionada. Pior, o
ponto de adiçã o foi exatamente aquele orifı́cio no canal por onde passa
só uma ú nica molé cula de á gua de cada vez (Figura 4)11. A asparagina é
um dos membros daquele conjunto maravilhoso de 20 aminoá cidos que
permitem à cé lula construir e moldar a estrutura de suas proteı́nas.
Mas esse aminoá cido especı́ ico possui um grupo lateral (R) singular,
capaz de, com molé culas de á gua, estabelecer duas ligaçõ es de
hidrogê nio bastante fortes e espacialmente orientadas no mesmo
plano. O perfeito alinhamento tridimensional desse aminoá cido,
perpendicular à passagem da á gua e de seu “ io de pró tons”, funciona,
entã o, como um verdadeiro “alicate molecular”, que literalmente “corta
o io de pró tons”. Isso mesmo, um “nanoalicate” que corta um io de
ı́ons!
Deixe-me tentar explicar melhor (pois nã o é nada fá cil) como essa
“engenhoca quı́mica” funciona. Exatamente no momento que passa
atravé s do orifı́cio mais restrito do iltro, a molé cula de á gua (H2O) é
“torcida” em 90 graus pela asparagina. Essa manobra de click é
orquestrada com extrema maestria e induzida pelo estabelecimento de
duas ligaçõ es de hidrogê nio mais fortes da á gua com a asparagina, que
interrompe a rede de ligaçõ es de hidrogê nio de á gua ligada com á gua,
cortando o io de H+. Com seu io de H+ cortado, todas as molé culas de
á gua do io entram “felizes, livres e soltas” na cé lula, enquanto seu
“companheiro insepará vel” H+, que a cé lula nã o convidou para a festa
no seu interior, é barrado pelo “porteiro molecular” (a asparagina) na
entrada. Mais um problema de vida ou morte para a cé lula que foi
inteligentemente antevisto e genialmente resolvido.
Os superpoderes das aquaporinas
Destaco a so isticaçã o dos pHmetros e dos termô metros elé tricos que os
quı́micos usam em seus laborató rios.
Szostak, Jack W.; Bartel, David P.; Luisi, P. Luigi. Synthesizing life. Nature, v. 409,
n. 6818, p. 387-390, 2001.
Siminovitch, David J.; Wong, P. T. T.; Mantsch, Henry H. Effects of cis and
transunsaturation on the structure of phospholipid bilayers: a high-pressure
infrared spectroscopic study. Biochemistry, v. 26, n. 12, p. 3277-3287, 1987.
Borgnia, Mario et al. Cellular and molecular biology of the aquaporin water
channels. Annual Review of Biochemistry, v. 68, p. 425-458, 1999.
The Nobel Prize in Chemistry 2003. The Nobel Prize, Nobel Media AB.
Disponı́vel em: http://bit.ly/2rvtr4r. Acesso em: 3 dez. 2019.
Essa frase foi extraı́da de: Dawkins, Richard. Climbing mount improbable. New
York: W. W. Norton & Company, 1996.
02
Um mundo planejado para a bioquímica
• as massas especı́ icas e cargas elé tricas dos nê utrons, pró tons e
elé trons que formam os á tomos de H e O da molé cula de H2O;
• a extensã o precisa das forças nucleares que estabilizam pró tons e
nê utrons, mantendo-os juntos nos nú cleos de H e O;
• a extensã o exata das forças eletromagné ticas que agem nesses
á tomos e entre eles na molé cula de H2O;
• as regras quı́micas e leis da quâ ntica, que moldam os orbitais
moleculares ligantes e antiligantes da molé cula de H2O, os quais
acomodam nessa molé cula pares de elé trons dos á tomos de H e O em
nı́veis especı́ icos;
• o princı́pio de exclusã o de Pauli, que limita a dois o nú mero de
elé trons em cada um desses orbitais moleculares;
• a extensã o das forças eletromagné ticas de repulsã o entre pares de
elé trons ligados e nã o ligados que circundam o á tomo de O central,
força essa determinada por uma sé rie de constantes universais que,
direta e indiretamente, controlam o comportamento de tais á tomos e
o â ngulo preciso da con iguraçã o H-O-H de 104 graus e 28 minutos.
Pelas leis da fı́sica, o estado só lido de uma substâ ncia deveria ser
sempre mais denso do que seu estado lı́quido. Há , poré m, uma exceçã o
extraordiná ria a essa regra. Qual seria? De novo, a á gua. Atingindo seu
má ximo de densidade a 4ºC, a á gua se torna menos densa quando
congela. Essa “anomalia” permite que a á gua circule e revitalize rios e
lagos na Terra, transportando gases nocivos para a superfı́cie e oxigê nio
para o fundo.
Considere agora uma alternativa. Se nã o boiasse, se o gelo fosse de
fato mais denso do que a á gua lı́quida, como ocorre para todos os
demais líquidos à temperatura ambiente, o que aconteceria? Uma
grande catá strofe: os lagos em climas mais frios congelariam e se
tornariam totalmente só lidos, destruindo toda a vida neles existente. Os
oceanos també m congelariam, nã o somente nos polos, onde agora
congelam, mas també m nas suas profundezas. E o congelamento dos
oceanos se estenderia por distâ ncias muito mais afastadas dos polos sul
e norte, em um cená rio devastador para a vida marinha.8
Mas graças ao “antevidente”, a á gua se expande quando congela, ica
mais “leve” e lutua no topo do lago, preservando, assim, a vida nele
existente. A vida é preservada, portanto, porque a á gua é rebelde e
gosta de desobedecer a regras, fazendo seu gelo ser mais leve (menos
denso) do que a á gua lı́quida. Igualmente surpreendente, o gelo é um
bom isolante té rmico. Juntas, essas duas propriedades “bizarras”
permitem que em seus topos se forme uma tampa de gelo isolante, que
evita que esses lagos congelem totalmente até o fundo, possibilitando
que peixes continuem vivos e bem supridos de oxigê nio debaixo do
gelo. E uma soluçã o “rebelde” para um problema mortal, mas uma
soluçã o muito genial. Se a á gua decidisse nã o ser tã o ú nica e anô mala
quanto é , e fosse mais comportada, a vida estaria em maus lençó is.
Vamos considerar outro cená rio hipoté tico. Suponha que a á gua se
mantivesse lı́quida muito abaixo de 0ºC e nunca se congelasse nas
temperaturas encontradas na superfı́cie da Terra. Nesse cená rio
desolador, ela perderia muitas de suas propriedades decorativas: nã o
terı́amos mais neve, nem as incontá veis formas magnı́ icas dos cristais
de neve, os natais no hemisfé rio norte perderiam seu “charme branco”
(White Christmas), nã o poderı́amos mais esquiar no gelo e nã o
observarı́amos mais aquelas geleiras majestosas. Bom para o Titanic, eu
sei, mas que desastre para a beleza do planeta! Nosso planeta se
tornaria muito menos charmoso.
Mas para entendermos melhor como a á gua é ú nica, temos que
investigá -la ao nı́vel molecular. A massa molecular (MW) de uma
molé cula de H2O é de 18 unidades de massa atô mica (Daltons, Da). A
MW do metano (CH4) é bastante pró xima, de 16 Da (somente 2 Da a
menos), mas a H2O tem um ponto de fusã o (0ºC) e um ponto de
ebuliçã o (100ºC) muito mais elevados do que o CH4 (-182,5ºC e
161,6ºC, respectivamente). Alé m disso, a H2O manté m-se lı́quida dentro
de uma faixa de temperaturas (100ºC) bem mais ampla do que o CH4
(20,9ºC).
A energia necessá ria para vaporizar H2O lı́quida é també m mais do
que quatro vezes maior do que para o CH4. O gelo també m necessita de
muita energia para derreter, aquecer e entã o vaporizar, permitindo
assim que os oceanos guardem grande quantidade de calor. Esse efeito
explica muito do porquê o clima tende a ser temperado em cidades
costeiras, pois a á gua do mar e a umidade no ar tendem a suavizar as
mudanças de temperatura.9 Nos desertos, poré m, que sã o muito mais
secos, temos grandes variaçõ es de temperatura.
Até aqui demos só uma pincelada – bem de leve – nas inú meras
anomalias da á gua, nas suas dezenas de propriedades fı́sico-quı́micas
tã o amigá veis à vida. Mas, em grande contraste com suas tantas
propriedades inusitadas, uma das caracterı́sticas mais surpreendentes
da á gua é sua extrema simplicidade quı́mica. A estrutura da á gua, 1H-
16O-1H, é simples, mas magni icamente elegante, tendo somente dois do
Nas molé culas de nitrogê nio (N≡N) e oxigê nio (O=O), fortemente
ligadas, todos os elé trons desemparelhados de valê ncia de seus á tomos
estã o compartilhados e, assim, seus elé trons estã o todos indisponı́veis
para reaçõ es quı́micas. Portanto, o N2 e o O2 nã o reagem naturalmente
entre eles. Essa falta de reatividade é uma propriedade essencial que
requereu antevidê ncia para que a Terra tivesse uma atmosfera está vel.
Mas a vida necessita de compostos nitrogenados e providenciou uma
maneira de formar NO e NO2, para que dissolvessem na á gua das
chuvas e atuassem no solo da Terra como ingredientes-chaves na forma
de â nions nitrato (NO3-) e nitrito (NO2-). Esse consumo de N2 e O2 teria
que ser compensado por um mecanismo que os recolocassem na nossa
atmosfera. Ciclos de reciclagem de N2 e O2 tiveram que estar
prontamente disponı́veis. Mas como resolver esse paradoxo quı́mico da
necessidade de estabilidade quı́mica junto com eventual reatividade? A
soluçã o foi genial: raios!15
Os raios (Figura 7) formam nos cé us um show piroté cnico
espetacular de luzes e sons, que sempre fascinou a todos. Raios sã o tã o
inspiradores que os humanos, ao longo de sua histó ria, os associaram à
fú ria de deuses. Eles sã o causados pelo luxo sú bito de carga elé trica
entre nuvens eletricamente carregadas ou entre uma dessas nuvens e o
solo. Os raios “caem” na Terra em uma taxa estimada de 100 vezes por
segundo e em nú mero que excede um milhã o por ano.16
Figura 7. Uma ilustraçã o do mecanismo de formaçã o de raios, com a
separaçã o de cargas elé tricas nas nuvens e no solo, e a descarga elé trica que
ocorre promovida pelo imenso “capacitor” que se forma. A energia que é
liberada atomiza o N2, e os á tomos de N nascente podem agora reagir com o
O 2 para formar NO e, em seguida, NO 2.
Leia mais em: Lewis, Geraint F.; Barnes, Luke A. A fortunate universe: life in a
inely tuned cosmos. Cambridge: Cambridge University Press, 2016. Para um
resumo mais antigo, mas on-line leia: Richards, Jay W. A list of ine-tuning
parameters. Discovery Institute’s Center for Science and Culture, Jan. 14, 2015.
Disponı́vel em: http://bit.ly/2rtO4Ou. Acesso em: 28 nov. 2019.
Hoyle, Fred. The universe: past and present re lections. Engineering and Science,
v. 45, n. 2, p. 8-12, 1981.
The peculiar properties of ice. Evolution News & Science Today, Aug. 7, 2012.
Disponı́vel em: http://bit.ly/37FcCEJ. Acesso em: 28 nov. 2019.
Dyches, Preston; Chou, Felicia. The solar system and beyond is awash in water.
NASA, Apr. 7, 2015. Disponı́vel em: https://go.nasa.gov/2L3C1hN. Acesso em:
28 nov. 2019.
O artigo a seguir, famoso e controverso, sobre a “memó ria” da á gua foi uma vez
publicado na Nature. Esse artigo exempli ica como uma teoria “tentadora”
pode ser publicada em perió dicos de grande prestı́gio sem muita – ou quase
nenhuma – evidê ncia. O trabalho explicou os “porquê s” e o “quando”, mas foi
negligente em explicar o “como”: Davenas, E. et al. Human basophil
degranulation triggered by very dilute antiserum against IgE. Nature, v. 333, n.
6176, p. 816-818, 1988.
Para uma discussã o detalhada das muitas propriedades da á gua que favorecem
a vida, leia: Chaplin, Martin. Anomalous properties of water. Water Structure
and Science. Disponı́vel em: http://bit.ly/34tlU4L. Acesso em: 5 dez. 2019. Para
mais detalhes leia: Dutch, Steven. Ice Floats. Intelligent Design. Intelligently.
Disponı́vel em: http://bit.ly/2pY6NBt. Acesso em: 28 nov. 2019. No seu texto,
Dutch levanta vá rios bons argumentos, apesar de ele descaracterizar a teoria
do design inteligente no inal de seu artigo.
Sand to M. Charles Poncy, Sept. 12, 1844. In: Letters of George Sand. Translation
Raphaë l Ledo de Beaufort. London: Ward and Downey, 1886. v. 1, p. 355.
Para uma discussã o sobre alguns desses fatores, leia: Ward, Bess B.; Jensen,
Marlene M. The microbial nitrogen cycle. Frontiers in Microbiology, v. 5, n. 553,
2014. DOI 10.3389/fmicb.2014.00553
Juzeniene, Asta; Moan, Johan. Bene icial effects of UV radiation other than via
vitamin D production. Dermato-Endocrinology, v. 4, n. 2, p. 109-117, 2014. DOI
10.4161/derm.20013
U.S. Environmental Protection Agency. Of ice of Air and Radiation. Ozone: good
up high, bad nearby, Jun., 2003. Disponı́vel em: http://bit.ly/2ORkiLr. Acesso
em: 28 nov. 2019.
Anwar, Fakhra et al. Causes of ozone layer depletion and its effects on human:
review. Atmospheric and Climate Sciences, v. 6, p. 129-134, 2016. DOI
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DOI 10.1098/rstb.2013.0164. Como os autores detalham, molé culas de NOx
també m desempenham papé is importantes “na produçã o fotoquı́mica do
ozô nio e outros oxidantes e espé cies radicalares chave”. Leia també m:
Galloway, James N. et al. Nitrogen cycles: past, present, and future.
Biogeochemistry, v. 70, n. 2, p.153-226, 2004; Wayne, Richard P. Chemistry of
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Para um caso extenso em que o ajuste ino, planetá rio e cosmoló gico é melhor
explicado por referê ncia a uma causa inteligente, leia: Gonzalez, Guillermo;
Richards, Jay W. The privileged planet: how our place in the cosmos is designed
for discovery. Washington, DC: Regnery Publishing, 2004.
Pearcey, Nancy R.; Thaxton, Charles B., The soul of science: Christian faith and
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Nabel, Gary J. The coordinates of truth. Science. v. 326, n. 5949, p. 53-54, 2009.
DOI 10.1126/science.1177637
03
O código pré-vida
Agora que entendemos como a antevidê ncia foi necessá ria para
viabilizar a bioquı́mica da vida, vamos retornar à cé lula. Como um
computador, mas ainda mais so isticado, a cé lula tem seu pró prio
sistema de processamento de informaçã o. Programas de computador
necessitam de programadores – de agentes conscientes com
conhecimento e antevidência capazes de codi icar as instruções
necessárias na sequência certa – para gerar um programa rico em
informaçã o e funcionalidade. Haveria, entã o, razõ es que justi icariam a
conclusã o de que a informaçã o das cé lulas, como as dos computadores,
també m foi programada por um programador? Ou que essa informaçã o
teria surgido por processos randô micos? Vamos, a seguir, mergulhar
nos detalhes e considerar essas duas opçõ es.
Antevidência no DNA
Para ser viá vel como o depositó rio duradouro da informaçã o gené tica
da vida, a biomolé cula escolhida nã o poderia se desfazer (hidrolisar) na
presença de á gua. O problema da hidró lise, portanto, teria que ser
solucionado de antemã o ou esse depositó rio se desfaria no interior
aquoso de uma cé lula tã o rapidamente quanto um grã o de açú car se
dissolve na á gua. Mas o DNA vence, e muito bem, o desa io da hidró lise,
e a soluçã o que o fez vencedor é um esplendor supremo de engenharia
quı́mica e elé trica.
O DNA (Figura 8) é um é ster polimé rico, composto por um io muito
longo de fosfato (PO43-) – intercalado com ribonucleotídeos (ribose mais
uma das bases nitrogenadas) – que se estende por cerca de dois metros
em humanos. Essa arquitetura molecular é perfeita para uma
biomolé cula que deveria cumprir as funçõ es que o DNA executa, como
veremos a seguir.
Figura 8. A molé cula de DNA e sua forma entrelaçada – uma hé lice dupla. A
“escada” nas laterais é feita de anı́o ns fosfato (P), e os “degraus”, sustentados
por riboses, sã o as quatro bases nitrogenadas (A, T, G ou C) que carregam a
informaçã o do có digo gené tico. As histonas servem como “carreté is” que
enovelam o DNA em cromatinas, o material que forma os cromossomos, que
sã o guardados nos nú cleos das cé lulas.
Assim, somente o â nion fosfato tem essa dupla capacidade que faz o
DNA funcionar tã o bem.
Pesquisadores tê m construı́do aná logos de DNA usando outros
açú cares, alé m da ribose, e medido suas propriedades. Teria sido a
ribose, esse açú car cı́clico de cinco membros tã o especı́ ico, somente
uma boa opçã o entre muitas? Parece que nã o.7 A molé cula escolhida
teria que ser tanto está vel quanto capaz de carregar o có digo da vida. E
essas duas funçõ es, juntas, parece que somente a ribose consegue
exercer. Aná logos de DNA, feitos com outros açú cares, foram incapazes
de armazenar informaçã o. Outros falharam em formar hé lices duplas
está veis, ou suas interaçõ es intermoleculares se mostraram fortes ou
fracas demais, ou suas associaçõ es foram insu icientemente seletivas.
Outros aná logos adotaram conformaçõ es variadas que impediriam a
maquinaria da cé lula de replicá -los. Efetivamente, a ribose aparenta
nã o ser somente a melhor, mas a única.
Darwin sugeriu que a vida emergiu por acaso em uma “pequena poça
quente”, ou seja, um acidente teria formado uma biomolé cula imensa,
complexa e magistral capaz de armazenar informaçã o e já equipada
com o ú nico açú car, a ribose, que a faria funcionar. Mas, se julgarmos
pela imensidã o de molé culas que possuem grupos OH nelas
“pendurados” e que poderiam mimetizar a ribose, a tarefa de
bisbilhotar e selecionar corretamente esse ú nico açú car tã o particular,
e iciente e essencial à vida, naquela “poça quente”, se torna
“multiplicadamente impossı́vel”.8
A ribose é també m ideal para formar uma estrutura molecular
tridimensional (3D). De fato, a ribose nã o é o ú nico açú car que
permitiria ao DNA formar uma hé lice dupla está vel, mas ela é de longe a
melhor. O espaço livre resultante dentro da dupla hé lice com uma
ribose é de cerca de 25 angstrons, e essa distâ ncia é perfeita para que
nele uma base nitrogenada monocı́clica menor (T ou C) se emparelhe
com uma bicı́clica maior (A ou G). Esse espaço perfeito permite a
formaçã o de pares de bases seletivos, nos quais (como mostrarei mais à
frente) a base A só pode se emparelhar com T e a C, só com G, formando
um crité rio de seletividade essencial para o bom funcionamento do
có digo gené tico. Se outra molé cula, que nã o a ribose, fosse usada, essa
distâ ncia interna seria ou longa ou curta demais.
As quatro bases do DNA
Outra questã o crucial é esta: por que a vida escolheu as quatro bases
nitrogenadas entrelaçadas em nosso DNA que formam esse quarteto
fantá stico ATGC e que permitem o tricotar de nossas proteı́nas (Figura
9)?
Há mais um problema potencial que poderia arruinar toda a elegâ ncia
extrema da ló gica do có digo gené tico da vida. A citosina (C) nã o é tã o
está vel quanto as outras bases nitrogenadas e, com o passar do tempo,
se degrada por uma reaçã o conhecida como desaminaçã o. E sabe o que
essa reaçã o forma? Forma bem aquela base U que só o mRNA usa, e o
DNA nã o. Essa degradaçã o, se nã o solucionada de pronto, corromperia
a informaçã o do DNA ao trocar C por uma “base alienı́gena” U, que nã o
deveria estar por lá . O mRNA, que é rapidamente usado e reciclado
dentro da cé lula (em poucos minutos), é imune a esse problema de
envelhecimento. Mas o DNA tem uma vida muito mais longa, e essa
degradaçã o é mais uma razã o que o impede de usar a base U. Agora
perceba: sem a troca de U por T junto com um sistema de reparo que
retornasse todos os “Us alienı́genas” de volta para C, essa degradaçã o
de C em U corromperia de pronto o DNA e seria catastró ica para a vida.
Foi devido a essa degradaçã o que o DNA teve, de antemã o, que
encontrar um substituto para U, ao “antever” o problema. Essa
degradaçã o C → “U alienı́gena” corromperia a informaçã o registrada no
DNA e, assim, as bases “Us alienı́genas” teriam que ser todas
reconvertidas rapidamente em C. Entrou em cena, entã o, a uracila DNA-
glicosilase,16 uma enzima de reparo equipada especi icamente para
corrigir o que seria um “bug mortal” no software da vida. Essa enzima
so isticada reverte todas as “Us alienı́genas” de volta para C.
Esse reparo “U alienı́gena” → C existe, entã o, para corrigir os erros
introduzidos pela degradaçã o de C. Mas imagine agora um “cená rio
evolutivo” no qual o sistema de reparo está funcionando, mas o DNA
ainda nã o trocou U por T. A enzima de reparo, sem saber a diferença
entre “Us naturais” e “Us alienı́genas”, repararia indiscriminadamente
todas as bases U de volta para C, incluindo, portanto, as “Us naturais”
que deveriam ser de fato U. Outra catástrofe! Assim, tanto a troca U por
T quanto a maquinaria de correçã o “U alienı́gena” → C mostram-se
necessá rias para preservar a informaçã o do DNA.
A má quina de correçã o inspeciona o DNA, detecta as bases “U
alienı́genas” e troca todas elas pela original C. Em uma cé lula, a
degradaçã o C → “U alienı́gena” ocorre de mil a dez mil vezes em
somente um dia. Mas esse processo é sempre corrigido e icientemente
pela uracila-DNA-glicosilase, que restaura o DNA em sua sequê ncia
original e correta.17 Essa má quina incrı́vel de correçã o “U alienı́gena” →
C e a troca U → T no DNA sã o coisas absurdamente incrı́veis: coisa de
gênio!
Note que nã o podemos considerar a troca U → T no DNA só uma
“mera vantagem”, pois é uma troca crucial indispensá vel que teria que
ser feita de pronto. Se o DNA nascesse usando U, seu “U natural” seria
confundido com o “U alienı́gena” formado pelo envelhecimento de C.
Pior, se por um daqueles “milagres evolucionistas” a uracila-DNA-
glicosilase se “ izesse presente”, ela para nada prestaria, pois
indiscriminadamente trocaria todas as bases U (“naturais” e
“alienı́genas”) por C e, assim, toda a informaçã o do DNA se corromperia
rapidamente. Esses dois truques quı́micos magnı́ icos e sincronizados
formam uma barreira intransponı́vel para a evoluçã o darwiniana.
Examinarei agora uma teoria muito popular para a origem da vida: o
mundo do RNA. Segundo essa teoria, a vida começou com uma
molé cula de RNA,18 que, mais adiante, inventou o DNA e foi por ele
substituı́da. Mas esse “proto-DNA”, tudo indica, teria que ser feito das
mesmas bases e do mesmo açú car do RNA: AUGC e ribose. Com ribose,
esse “DNA natimorto” seria rapidamente hidrolisado. Se tivesse a sorte
de sobreviver à hidró lise (tipo “açú car nã o dissolver na á gua”), a
degradaçã o C → “U alienı́gena” corromperia a sua informaçã o. Mas,
mesmo que por outro daqueles “milagres fortuitos” a troca de U por T
ocorresse, faltaria para o DNA recé m-nascido – criado pelo “RNA
primordial” – o mecanismo de reparo enzimá tico que reconverteria os
“Us alienı́genas” em C. Essas “de iciê ncias congê nitas” desse “DNA
nascente” rapidamente eliminaria qualquer vida incipiente. E sem uma
segunda geraçã o, kaput seleção natural! Para a vida, um DNA com todos
os seus “truques má gicos” é um tudo ou nada.
Por generosidade, poderı́amos até dar à evoluçã o a “colher de chá ” de
apelar para um de seus “milagres fortuitos”. Mas para dois grandes
“milagres fortuitos” simultâ neos e sincronizados? Seria generosidade
demais contarmos com sortes tremendamente grandes. E o pior: temos
para o DNA nã o só esses dois, mas uma verdadeira cascata de milagres
que teriam que ocorrer todos simultaneamente: a disponibilidade do
â nion fosfato, da ribose, das quatro bases nitrogenadas e da uracila-
DNA-glicosilase para a correçã o “U alienı́gena” → C, tudo disponı́vel no
mesmo “santo dia” e no mesmo “santo lugar”. Sem nos esquecermos
ainda de usar U e ribose, para o RNA, e T e desoxirribose, para o DNA. E,
por im, temos a homoquiralidade da vida, ou seja, a necessidade da
quiralidade certa para a D-ribose.
A redundância genética
A expressã o “có digo gené tico”, alé m de se referir à s sequê ncias do DNA
que carregam a informaçã o para a sı́ntese de proteı́nas, pode també m
signi icar o conjunto de regras que correlacionam cada um dos
aminoá cidos com um có don – a combinação de três nucleotídeos –
especı́ ico no DNA. O có digo gené tico, nesse segundo signi icado,
apresenta a “redundâ ncia” como outra grande assinatura de engenharia
quı́mica com antevidê ncia (Figura 11).
Figura 11. O có digo gené tico com sua “redundâ ncia” de 64 có dons para só 20
aminoá cidos. Lembre-se que o RNA usa uracila (U), enquanto o DNA usa
timina (T).
Vamos agora parar por um momento para revisar somente o que foi
dito do DNA. Com a sua estrutura de hé lice dupla, o DNA é a forma de
armazenamento de informaçã o mais e iciente, mais protegida, melhor
calibrada em termos de estabilidade quı́mica e mais compacta
conhecida neste planeta. Como essa maravilha molecular, “quase
perfeita”, polimé rica, com cerca de 2 metros de comprimento, e com 3,2
bilhõ es (para os humanos) de peças, poderia se formar sem nenhum
planejamento? A cé lula nã o teria como antever que somente a D-ribose
funcionaria, ou que esse açú car teria que ser usado intacto no RNA, mas
sem a hidroxila no C2’ (D-desoxirribose) no DNA. E o que dizer da troca
de U por T, ou das quatro bases ATGC com encaixes e tamanhos
perfeitos, ou do io conectante está vel e protetor de â nions fosfato, com
seus dois á tomos a mais de oxigê nio e a carga elé trica negativa em
ressonâ ncia que cria um campo elé trico protetor, e tudo mais. Como,
sem antevidê ncia, a cé lula teria obtido todas essas coisas? Pior, como a
vida conseguiu todas elas, desde o inı́cio, desde a primeira cé lula, desde
o momento zero?
Apó s estudar as evidê ncias, Antony Flew – um famoso ilósofo ateu
que se converteu ao teísmo no inal de sua vida – concluiu: “Cinquenta
anos de pesquisa do DNA forneceram material para um argumento
novo e poderosı́ssimo a favor do design [inteligente]”.25
O có digo Morse foi criado por uma mente inteligente: a mente de
Samuel F. B. Morse; o có digo de barras, por outra mente brilhante: a de
Norman Joseph Woodland; e o có digo ASCII, pelo visioná rio Robert
Bemer. A conclusã o é clara: có digos sempre estã o associados a
criadores de có digos.
O DNA, o RNA, o có digo gené tico e todas as suas sequê ncias de letras
quı́micas que viabilizam a sı́ntese de proteı́nas, suas estruturas
coordenadas e sua manutençã o e planos de back-up servem como
exemplos magnı́ icos de antevidê ncia. Francis Crick, codescobridor da
hé lice dupla do DNA, propô s um cená rio de um “acidente congelado”
(“frozen accident”) para a evoluçã o do có digo gené tico,26 mas foi
incapaz de descrever como esse acidente teria ocorrido (todos os
muitos detalhes necessariamente envolvidos). Mais de 50 anos depois,
essa e outras explicaçõ es naturalistas para a origem do có digo da vida
continuam falhando em nã o detalhar o processo.
Em sua so isticaçã o e capacidade, o có digo gené tico supera qualquer
có digo criado pelo homem. Essas caracterı́sticas, por si só , deveriam ser
su icientes para justi icar a possibilidade de antevidê ncia e design
inteligente, mas há muito mais. Sabemos que o có digo gené tico é
incapaz de ler a si mesmo ou implementar as inú meras instruçõ es que
codi ica. Para essas tarefas, com muita antevidê ncia, outras soluçõ es
so isticadas foram implementadas. Continue comigo investigando esses
truques adicionais no pró ximo capı́tulo.
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04
Os “paramédicos” da vida
Uma “mera” E. coli usa, entã o, ló gica de programaçã o com instruçõ es
tipo “SE/ENTAO” para tomar decisõ es muito semelhantes à s ló gicas
“IF/THEN” de programaçã o usadas na codi icaçã o de nossos
computadores. Isso seria design?
Um mistério molecular
As enzimas agem como catalisadores, o que signi ica que nã o sã o
consumidas nas reaçõ es que aceleram, permitindo-lhes ser recicladas e
reusadas em reaçõ es sucessivas. Em uma fraçã o de segundo, a mesma
molé cula de uma enzima pode agir sobre milhõ es de molé culas
(substratos). Por “conhecerem” bem as regras do jogo quı́mico, as
enzimas atacam o lanco certo, reduzindo a energia de ativaçã o
necessá ria para converter reagentes em produtos. A energia de ativaçã o
é aquela necessá ria para romper as ligaçõ es de uma molé cula reagente
e, mais adiante, criar as novas ligaçõ es das molé culas dos produtos.
Seria justo e bom repetir: a vida na Terra nã o poderia esperar pelo
“nascimento” eventual de enzimas. Sem elas, nã o haveria vida, pois
muitas reaçõ es demorariam sé culos. E a maioria das reaçõ es quı́micas
cruciais da vida catalisadas por enzimas sã o intrı́nseca e mortalmente
lentas. Somos, entã o, justi icados em assumir que a lentidã o dessas
reaçõ es teve que ser antevista e a soluçã o de aceleraçã o por enzimas,
providenciada de antemã o para que a vida pudesse dar partida.
Muitas enzimas sã o compostas de uma ú nica cadeia molecular
proteica, já bastante so isticada e normalmente enorme. Mas a
complexidade aumenta ainda mais nas conjugadas, outra classe comum
de enzimas. Enzimas conjugadas formam um agregado composto por
uma porçã o proteica chamada de apoenzima, cofatores inorgâ nicos, tais
como ı́ons de ferro, magné sio ou zinco, e/ou cofatores orgâ nicos, tais
como vitaminas e seus derivados. Essas enzimas conjugadas esbanjam
so isticaçã o pelas suas grandes diversidades de funçõ es e estruturas. E
tem mais: outras enzimas sã o ainda compostas de subunidades
mú ltiplas, cada uma delas formada por proteı́nas que contribuem para
o seu funcionamento pleno. Algumas vezes, essas subunidades
executam reaçõ es em etapas mú ltiplas e – como em uma “linha de
montagem” – deslocam rapidamente intermediá rios de um sı́tio
reacional para o pró ximo, como se fossem “batatas quentes pré -
assadas”, evitando, com a rapidez que se movimentam, que esses
intermediá rios se degradem antes que a pró xima reaçã o ocorra.
Enzimas sã o muito e icientes, mas muito exigentes e só funcionam
bem se as condiçõ es, como a temperatura do meio, o pH e a
concentraçã o do substrato, estiverem propriamente ajustadas. Em
temperaturas e pH baixos ou altos demais, uma enzima se desnatura,
ou seja, altera sua forma tridimensional, perdendo sua funçã o.
Inú meras enzimas essenciais à vida requerem ambientes quı́micos
perfeitamente controlados e só funcionarã o apropriadamente dentro
de cé lulas funcionais completamente formadas. Enzimas intracelulares
tã o “exigentes” assim oferecem outro grande dilema do tipo ovo-
galinha para a vida: sem cé lulas, nã o haveria enzimas; sem enzimas,
nã o haveria cé lulas.
Percebe o dilema? Enzimas – em si mesmas já o resultado de uma
so isticada engenharia química – necessitam de cé lulas plenamente
funcionais para sobreviverem e se manterem funcionais. Mas cé lulas
plenamente funcionais també m necessitam de enzimas plenamente
funcionais para sobreviverem. A conclusã o parece, entã o, inevitá vel: a
vida necessitou das duas juntas, de cé lulas e enzimas, desde o inı́cio.
Seria irracional supor que uma delas surgisse de repente – por um
“milagre fortuito” – e que, mais tarde, a outra surgisse por outro
“milagre fortuito”, esperando encontrar lá a sua parceira iel “esperando
por ela”. A primeira a “surgir” já estaria extinta há sé culos (se vamos
“azedar ainda mais o caldo”, incluindo no cená rio os milhõ es de anos)
antes de a segunda companheira surgir. E, estando a primeira morta, a
segunda (que é carente da primeira) teria uma vida extremamente
curta, naquela triste e pequena poça quente (warm little pound) com a
qual Darwin sonhou um dia.
As enzimas també m apresentam dinâ micas internas espetaculares,
que sã o coordenadas por um balé inamente calibrado de forças
intramoleculares. Esse balé sincronizado envolve o movimento de
partes proteicas, coisas pequenas, como aminoá cidos ou grupos de
aminoá cidos, até monstruosidades, como laços de cadeias proteicas ou
segmentos de uma cadeia proteica com formas 3D especı́ icas
enroladas como pequenas “molas” chamadas de hé lices α, e també m
empacotadas como as folhas β (Figura 13), toda essa paraferná lia
formando grandes domı́nios proteicos. Esses movimentos –
coordenados por forças intramoleculares inamente ajustadas – ocorrem
em velocidades altı́ssimas, gastando cerca de 10-15 segundos. As
enzimas nã o só posicionam corretamente seus substratos em espaços
tridimensionais apropriados, viabilizando suas reaçõ es, mas també m
os “incentivam” a reagir, aquecendo o “prisioneiro” com vibraçõ es
precisas para que seus substratos adquiram estruturas apropriadas.
Os dois exemplos que se seguem, e existem centenas deles, revelarã o
o quã o importante as enzimas sã o para a vida. A RNA polimerase é
essencial para a transcriçã o de partes especı́ icas da informaçã o do
DNA em mRNA. As 20 aminoacil t-RNA sintetases diferentes agem com
extrema seletividade ao conectarem cada um dos 20 aminoá cidos
especı́ icos ao seu t-RNA especı́ ico, permitindo que os ribossomos
traduzam corretamente o DNA. Sem enzimas, kaput vida; sem vida,
kaput enzimas! O resto é sonho com “poças escaldantes”.
Imagine que lhe fosse dada um dia a tarefa “insana” de construir uma
enzima funcional, partindo do zero. Imagine quanto conhecimento seria
necessá rio. Você teria que, com muita antevidê ncia, conhecendo, a
priori, o objetivo inal e a forma tridimensional de seu substrato,
projetar e criar uma cavidade apropriada no interior de sua enzima, na
qual o substrato se encaixaria corretamente (Figura 14). Pior, você teria
també m que prever os grupos funcionais de seu substrato que a enzima
teria que imobilizar em seus sı́tios ativos e arquitetar, entã o, interaçõ es
efetivas enzima-substrato com forças inter e intramoleculares, tais
como ligaçõ es de hidrogê nio e pontes salinas. Mais ainda, você teria que
saber qual reaçã o seria necessá ria e onde exatamente essa reaçã o teria
que ocorrer para ativar o sı́tio apropriado da molé cula substrato lá
imobilizada. Você teria que saber ainda como proteger sua enzima de
reaçõ es danosas com o substrato. E tudo isso seria só a preparaçã o
inicial.
Em seguida, você teria que antever como localizar os braços
nanomoleculares em sua enzima para promover, por exemplo, a
hidró lise de seu substrato pela reaçã o com uma molé cula de á gua
movimentada por uma “mã o enzimá tica”. E inalmente, você , pensando
melhor... pediria fé rias e iria pescar.
Somente descrever esse processo já é extremamente difı́cil. Imagine,
entã o, quã o difı́cil seria antever e arquitetar um sistema capaz de
realizá -lo. Mas, mesmo assim, na vida, milhares de enzimas executam
essas funçõ es automá tica, repetida, sincronizada, precisa e
pontualmente.
Na Universidade de Washington, os pesquisadores de um de seus
laborató rios (o laborató rio do Dr. David Baker) tê m usado a versã o
humana de “design inteligente” para tentar projetar enzimas. Nessa
tarefa, eles escolhem primeiro um tipo de reaçã o que querem acelerar,
anteveem o tipo de quı́mica que precisam induzir e teorizam uma
enzima com um sı́tio ativo apropriado. Em seguida, eles sintetizam e
testam essa enzima. E um trabalho cansativo e repetitivo, tipo o
“ensaboa, lava e seca” que repetimos no nosso dia a dia ao lavar roupas
sujas. Eles tê m obtido algum sucesso em criar essas “enzimas de
design”, mas seus resultados mais recentes (os ú ltimos que eu li)
mostram certa atividade, mas com baixa especi icidade. A vida ainda
está ganhando, e de goleada.
Os cientistas e a mı́dia tê m se empolgado com a possibilidade de
usarmos agora a inteligê ncia “superior” de humanos para resolver o
problema do design de enzimas, pois partem do pressuposto de que as
enzimas seriam produtos de um processo evolutivo “acé falo”. O Dr.
Baker explica bem essa esperança: “há muitas coisas que a natureza
criou só pelo seu bisbilhotar desastrado randô mico”. E, atrevidamente,
ele completa: “assim que entendermos melhor os princı́pios bá sicos,
nó s seremos capazes de fazer muito melhor”.4 Bom, veremos, o futuro
dirá . Essa previsã o de “fazer muito melhor” é , sem dú vida, um teste
interessantı́ssimo de design inteligente reverso, você nã o acha?5
Chaperonas e chaperoninas
Compare agora esse cená rio “totalitá rio” ilustrado pelo Dr. Moran, no
qual chaperonas se enovelam rá pida e facilmente “sem a assistê ncia de
qualquer outra chaperona”, com o comentá rio contrastante, a seguir, do
Dr. Per Hammarströ m, professor do Departamento de Fı́sica, Quı́mica e
Biologia da Universidade de Linkö ping, na Sué cia. Ele é coautor de um
artigo sobre o enovelamento de chaperonas publicado no Journal of
Chemical Biology.13 Esse artigo tratou de duas chaperonas conhecidas
como GroES e GroEL. Ambas sã o proteı́nas de choque té rmico, ativadas
em resposta ao estresse celular, e trabalham juntas assistindo o
enovelamento e o re-enovelamento de proteı́nas. Sabemos hoje que o
conjunto GroES/GroEL interage com mais do que 30% das proteı́nas
celulares e que, portanto, a importâ ncia delas para a vida é real. Juntas,
elas formam uma estrutura semelhante a um barril: a GroEL forma o
barril e a GroES age como sua tampa. Proteı́nas desenoveladas sã o
atraı́das para o interior desse barril e, depois de vá rios ciclos de ligaçã o
e soltura, sã o liberadas para o citoplasma, mas agora corretamente re-
enoveladas.
Ao responder uma questã o postada no site ResearchGate sobre o
enovelamento de chaperonas, o Dr. Hammarströ m a irmou: “Nó s
mostramos recentemente que a cochaperona GroES provavelmente
auxilia no enovelamento da GroEL”. Esse comentá rio, junto com um
trabalho pré vio publicado na Nature,14 sugere que chaperonas de fato
servem como chaperonas para outras chaperonas, pois a GroEs auxilia
no enovelamento da GroEL.
E mais, o trabalho publicado no Journal of Chemical Biology, citado
anteriormente, també m relata que
Belo texto, mas a “explicaçã o” do Dr. Moran para o “se fazer presente”
das chaperonas escorrega em erros bioquı́micos ó bvios. Muitas funçõ es
essenciais das cé lulas – funções essas de que todas as formas de vida
carecem – requerem proteı́nas que só se enovelam com a ajuda de
chaperonas. Descobertas recentes tê m ampliado ainda mais as funçõ es
essenciais das chaperonas na biologia, como R. A. Quinlan e R. J. Ellis
destacaram:
[...] tem havido vá rias descobertas recentes que expandiram esse aspecto
relativamente negligenciado da biologia de chaperonas [...] que incluı́ram
a proteostase, a manutençã o do potencial redox celular, a estabilidade do
genoma, a regulaçã o da transcriçã o e a dinâ mica do citoesqueleto.19
Esses processos sã o essenciais à vida, como Quinlan e Ellis tã o bem
resumiram: “as chaperonas se colocam como encruzilhadas de vida ou
morte, pois elas controlam funçõ es essenciais, nã o somente nas horas
difı́ceis, mas també m nas horas boas”.20
A probabilidade de que uma vida pudesse ter existido só com
proteı́nas autoenovelantes é , portanto, in initamente pequena. O
nú mero dessas proteı́nas seria certamente insu iciente, pois sabemos
hoje que há um “limiar proteico” para a vida, de centenas de proteı́nas
expressas por pelo menos 250 genes essenciais ou mais de mil deles se
nó s consideramos realisticamente uma forma de vida totalmente
independente.21 A probabilidade de centenas de proteı́nas essenciais
“nascerem” autoenovelantes e se autoenovelarem sempre nas suas
formas 3D complexas e corretas – entre milhões de formas incorretas – e
em velocidades apropriadas, sem a ocorrê ncia de nenhum acidente, é
tã o baixa que equivale a “crer no impossível”. Aglomerados tó xicos de
proteı́nas disformes inú teis – mais que inúteis, mortais – sã o
astronomicamente mais fá ceis de se formar do que proteı́nas
funcionais.
Pior: mesmo que proteı́nas funcionais autoenovelantes por “golpes
de muita sorte” se formassem, esses verdadeiros milagres nã o seriam
simultâ neos, e o tempo entre eles seria excessivamente longo (o tempo
é inimigo da vida) para reunir os vá rios tipos de proteı́nas necessá rios
em uma forma de vida unicelular viá vel. Essas proteı́nas “solitá rias”
teriam, entã o, chance zero de se formarem no mesmo lugar e se
coordenarem para formar um todo funcional. Cada uma dessas
“proteı́nas milagrosas” teria, entã o, uma vida solitá ria e morreria
rapidamente, muito antes de encontrar outras dessas “proteı́nas
milagrosas” para lhes fazer companhia. Sem proteı́nas funcionais e
chaperonas para as deixarem em boa forma, nã o haveria vida.
A explicaçã o do Dr. Moran é tı́pica do que eu costumo chamar de um
conto evolutivo do tipo “com muitos porquês, sem nada de como”. E
muito fá cil encontrar uma vantagem (“um porquê ”) de uma
caracterı́stica já existente (portanto, vantajosa) na vida, o difı́cil é
explicar o “como” – o mecanismo evolutivo detalhado ao nível molecular
– tal vantagem surgiu. Assim, devido a essa imensa di iculdade, os
detalhes crucias sã o ampla ou totalmente ignorados. Tais “explicaçõ es
desesperadas” (“desesperaçõ es”) falham ao ignorar os riscos e as
di iculdades imensas desses saltos evolutivos.
Para o Dr. Moran, o surgimento repentino de chaperonas justi ica-se
simplesmente pela vantagem que essa chaperona conferiu. Mas, por
nã o oferecer os detalhes moleculares do mecanismo evolutivo que
permitiu que as chaperonas “se izessem presentes”, o texto do Dr.
Moran nos deixa sem qualquer pista de “como”, bioquimicamente, essa
maravilha de engenharia teria evoluı́do.
O guia dos filamentos do flagelo
Figura 17. O “inacreditá vel” sistema de câ mbio do motor do lagelo bacteriano
“plagiado” pelos humanos.
O ponto que a ciê ncia já há muito tempo entendeu é que partes e peças de
má quinas supostamente irredutivelmente complexas podem ter funçõ es
diferentes, mas ainda ú teis [...]. A evoluçã o produz má quinas bioquı́micas
complexas ao copiar, modi icar e combinar proteı́nas usadas previamente
para outras funçõ es.27
Zimmer, Carl. Scientists are designing artisanal proteins for your body. The New
York Times, Dec. 26, 2017. Disponı́vel em: https://nyti.ms/2OIW876. Acesso
em: 3 dez 2019.
Quinlan, Roy A.; Ellis, R. John. Chaperones: needed for both the good times and
the bad times. Philosophical Transactions of the Royal Society B, v. 368, n. 1617,
20130091, 2013. DOI 10.1098/rstb.2013.0091
Kaushik, Susmita; Cuervo, Ana Maria. Proteostasis and aging. Nature Medicine,
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Alberts, Bruce et al. Molecular biology of the cell. 6. ed. New York: Garland
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Quinlan, Roy A.; Ellis, R. John. Chaperones: needed for both the good times and
the bad times. Philosophical Transactions of the Royal Society B, v. 368, n. 1617,
20130091, 2013. DOI 10.1098/rstb.2013.0091
Quinlan, Roy A.; Ellis, R. John. Chaperones: needed for both the good times and
the bad times. Philosophical Transactions of the Royal Society B, v. 368, n. 1617,
20130091, 2013. DOI 10.1098/rstb.2013.0091
Para mais detalhes sobre o guia do lagelo, que inclui uma animaçã o, e como
ele sugere antevidê ncia e design inteligente, leia: Jonathan, M. The lagellar
ilament cap: “one of the most dynamic movements in protein structures”.
Evolution News & Science Today, Aug. 3, 2013. Disponı́vel em:
http://bit.ly/2RfYYSU. Acesso em: 3 dez. 2019.
Jonathan, M. The lagellar ilament cap: “one of the most dynamic movements
in protein structures”. Evolution News & Science Today, Aug. 3, 2013. Disponı́vel
em: http://bit.ly/2RfYYSU. Acesso em: 3 dez. 2019.
Blair, D. F.; Hughes, K. T. Irreducible complexity? Not! In: Kolter, R.; Maloy, S.
(ed.). Microbes and evolution: the world that Darwin never saw. Washington,
DC: ASM, 2012. p. 275-280; Doolittle, W. Forde; Zhaxybayeva, Olga. Evolution:
reducible complexity – The case for bacterial lagella. Current Biology, v. 17, n.
13, p. R510-R512, 2007.
Jonathan, M. The lagellar ilament cap: “one of the most dynamic movements
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Miller, Kenneth R. The law in the mousetrap: intelligent design fails the
biochemistry test. Natural History, Apr. 2002, p. 75.
Aizawa, Shin-Ichi. What is essential for lagellar assembly. In: Jarrell, Ken F.
(ed.). Pili and lagella: current research and future trends. Norfolk, UK: Caister
Academic Press, 2009. p. 91.
05
Bactérias, insetos e plantas carnívoras
Figura 20. A bacté ria insana anammox, que usa combustı́vel de foguetes
espaciais e que parece existir com um ú nico objetivo na vida: repor o
nitrogê nio molecular (N2) à atmosfera da Terra.
Para um inseto que nã o voa, a habilidade de saltar alto, rá pido e com
grande sincronia se torna essencial para sua sobrevivê ncia. Para evitar
ser “servido no jantar”, esse inseto precisa ser capaz de pular desde seu
nascimento. Nã o deveria, entã o, nos surpreender que pequenos insetos
estã o entre os melhores saltadores deste planeta.
Mas insetos leves, com corpos pequenos, que precisam dar grandes
saltos constituem um problema enorme de engenharia mecâ nica. Para
complicar ainda mais, insetos tê m pares de patas e, portanto, o impulso
precisa ser perfeitamente sincronizado, para que as duas patas do par
se movimentem simultaneamente. Nã o há espaço aqui para tentativas e
erros.
Como essas criaturas conseguem realizar tais façanhas? O que
descreverei a seguir é uma estraté gia extraordinariamente incrı́vel.
Em 2013, dois bió logos da Universidade de Cambridge, Malcolm
Burrows e Gregory Sutton, estavam estudando um pequeno inseto do
gê nero Issus (Figura 21), uma criatura encontrada “saltando em
jardins” por toda a Europa e a Africa do Norte. O que eles descobriram
soa como algo que se lê nas pá ginas de novas descobertas de revistas
de engenharia, como a Mecânica Popular. Esse minú sculo inseto salta
usando engrenagens bem encaixadas no trocanter16 de suas patas
traseiras, o qual as conecta a uma estrutura equivalente a um quadril.17
Figura 21. O “Issus juvenil”, um inseto do tamanho de uma pulga, da espé cie
Issus coleoptratus, que usa engrenagens so isticadamente construı́das para
sincronizar o movimento do tipo catapulta de suas patas, dando saltos altos,
longos e perfeitos.
[...] muitas dessas armadilhas seduzem a presa com coisas como cores
vivas, né ctares lorais ou pelos que servem como guias. Quando
capturada e morta, a presa é digerida pelo organismo da planta ou por
um organismo parceiro. A planta absorve, entã o, os nutrientes liberados
pelo falecido. Muitas plantas carnı́voras crescem sem consumir presas,
mas elas crescem mais rapidamente e se reproduzem muito melhor com
os nutrientes que obtê m de suas presas.38
[...] falando nã o cienti icamente, por que uma planta deveria se preocupar
com todo o trabalho de digerir uma presa, quando outros organismos
fariam essa tarefa por elas? Ou, cienti icamente, se nã o há uma vantagem
seletiva em gastar energia para a digestã o, as mutaçõ es se acumularã o e
eliminarã o a digestã o.43
E muito fá cil se esquivar classi icando coisas vivas como simples e
primitivas, mas quando expandimos nossa visã o usando microscó pios
poderosos e a bioquı́mica, descobrimos que até os aspectos mais
minú sculos da vida sã o complexos em um nı́vel alé m da nossa
imaginaçã o. O microscó pio nos revelou um novo mundo de estruturas
complexas e inspiradoras com a funçã o de resolver engenhosamente
problemas que, sem essas soluçõ es, seriam fatais. E, se vamos da escala
atô mica para escalas mais superiores e examinamos estruturas como as
engrenagens do “inseto Joã o do Pulo” (Issus), as “luvas” da “aquaTyson”,
ou as “churrasqueiras” das “plantas gaú chas” (carnı́voras),
encontramos exemplos numerosos e magnı́ icos dessas soluçõ es
geniais.
E eu só descrevi uma pequenı́ssima fraçã o dessas soluçõ es nos
exemplos já explorados neste capı́tulo. Tudo o que vimos foi só a gota
de um oceano de genialidade. E a nossa experiê ncia continuada e
universal só pode associar essa genialidade a uma capacidade exclusiva
de agentes inteligentes – a antevidência.
Para mais detalhes da sinergia entre os micró bios e a vida, leia: How microbes
make earth habitable. Evolution News & Science Today, Feb. 10, 2016. Disponı́vel
em: http://bit.ly/2OMX22x. Acesso em: 6 dez. 2019; More on how microbes
make earth habitable. Evolution News & Science Today, Feb. 14, 2016. Disponı́vel
em: http://bit.ly/381fEDn. Acesso em: 3 dez. 2019.
Rocket science in a microbe saves the planet. Evolution News & Science Today,
Nov. 23, 2015. Disponı́vel em: http://bit.ly/2Rf16u4. Acesso em: 3 dez. 2019;
Tagish Lake meteorite does not solve homochirality problem. Evolution News &
Science Today, Jul. 30, 2012. Disponı́vel em: http://bit.ly/34Prv5x. Acesso em: 6
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Andreas Dietl et al. The inner workings of the hydrazine synthase multiprotein
complex. Nature, v. 527, p. 394-397, 2015. DOI 10.1038/nature15517
Rocket science in a microbe saves the planet. Evolution News & Science Today,
Nov. 23, 2015. Disponı́vel em: http://bit.ly/2Rf16u4. Acesso em: 3 dez. 2019.
Daims, Holger et al. Complete nitri ication by Nitrospira bacteria. Nature, v. 528,
n. 7583, p. 504-509, 2015. DOI 10.1038/nature16461
Stromberg, Joseph. This insect has the only mechanical gears ever found in
nature. Smithsonian Magazine, Sept. 12, 2013. Disponı́vel em:
http://bit.ly/2Yi4c1G. Acesso em: 4 dez. 2019.
Functioning “mechanical gears” seen in nature for the irst time. University of
Cambridge, Sept. 12, 2013. Disponı́vel em: http://bit.ly/2DMUYRT. Acesso em:
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http://bit.ly/2qoxOxY. Acesso em: 4 dez. 2019.
Zack, T. I.; Claverie, T.; Patek, S. N. Elastic energy storage in the mantis shrimp’s
fast predatory strike. Journal of Experimental Biology, v. 212, n. 24, p. 4002-
4009, 2009. DOI 10.1242/jeb.034801
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Yong, Ed. The mantis shrimp has the world’s fastest punch. National Geographic,
Jun. 19, 2008. Disponı́vel em: https://on.natgeo.com/2rhm8NU. Acesso em: 4
dez. 2019.
Zack, T. I.; Claverie, T.; Patek, S. N. Elastic energy storage in the mantis shrimp’s
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Yong, Ed. The mantis shrimp has the world’s fastest punch. National Geographic,
June 19, 2008. Disponı́vel em: https://on.natgeo.com/2rhm8NU. Acesso em: 4
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Yong, Ed. The mantis shrimp has the world’s fastest punch. National Geographic,
June 19, 2008. Disponı́vel em: https://on.natgeo.com/2rhm8NU. Acesso em: 4
dez. 2019.
Em taxonomia, um tá xon (plural: taxa) é uma unidade de classi icaçã o dos
seres vivos, por exemplo, em reino, gê nero, famı́lia ou espé cie.
Para uma descriçã o detalhada sobre essa planta, leia: Dionaea muscipula – The
Venus Flytrap. Botanical Society of America. Disponı́vel em:
http://bit.ly/34Puqvb. Acesso em: 4 dez 2019.
Hedrich, R.; Neher, E. Venus lytrap: How an excitable, carnivorous plant works.
Trends in Plant Science, v. 23, n. 3, p. 220-234, 2018. DOI
10.1016/j.tplants.2017.12.004
O ciclo da Figura 25 foi adaptado de: Hedrich, R.; Neher, E. Venus lytrap: How
an excitable, carnivorous plant works. Trends in Plant Science, v. 23, n. 3, p. 220-
234, 2018. DOI 10.1016/j.tplants.2017.12.004
Figura 26. O andorinhã o-preto (Apus apus) que voa por vá rios meses na sua
jornada da Europa para a Africa, e de volta para casa, sem se perder. Parte de
seu segredo pode ser uma molé cula criptocroma, conhecida como cry4, tã o
avançada que parece controlar o entrelaçamento quâ ntico, processo que lhe
fornece um GPS preciso e a habilidade de visualizar o campo magné tico da
Terra.
Esse fenô meno soa como icçã o cientı́ ica, nã o soa? Albert Einstein,
Boris Podolsky e Nathan Rosen deduziram esse fenô meno da mecâ nica
quâ ntica, mas até esses grandes cientistas duvidaram dele, concluindo
que a teoria deveria estar incompleta.5 Mais tarde, poré m, o
entrelaçamento quâ ntico foi demonstrado experimentalmente. Em
2013, um time de cientistas chineses mostrou que a comunicaçã o entre
dois objetos entrelaçados acontecia e que essa comunicaçã o era
(pasmem) pelo menos dez mil vezes mais rá pida do que a velocidade da
luz.6
Em condiçõ es laboratoriais, já há dé cadas sabemos que pares
radicalares sã o afetados por campos magné ticos.7 Em 1966, os
quı́micos Brian Brocklehurst e Keith Alan MacLauchlan sugeriram que
o entrelaçamento quâ ntico pudesse estar ocorrendo també m em
sistemas bioló gicos.8 Entã o, em 2000, os biofı́sicos Thorsten Ritz, Salih
Adem e Klaus Schulten propuseram que o fenô meno seria a base da
magnetorecepçã o em pá ssaros.9
Quando ativado por luz, um par radicalar é formado na proteı́na cry4,
e os dois elé trons desse par se distanciam por alguns bilioné simos de
metro. Mas, mesmo a essa distâ ncia molecular reduzida, os dois
elé trons desemparelhados podem ser afetados distintamente pelo
campo magné tico da Terra. Teoricamente, muitos desses pares de
elé trons entrelaçados poderiam, entã o, produzir uma igura do campo
magné tico da Terra nos olhos dos pá ssaros, permitindo, assim, que eles
naveguem orientados por ela.
Um problema dessa proposta é que pares radicalares conectados por
entrelaçamento quâ ntico tê m tempos de vida muito curtos. Em
laborató rios, a menor molé cula que se conhece capaz de manter um
entrelaçamento quâ ntico é a de um Buckminsterfulereno, molé culas
que receberam esse nome porque suas estruturas se assemelham aos
domos geodé sicos projetados nos anos 1940 pelo arquiteto
Buckminster Fuller. Essas molé culas magnı́ icas de carbono sã o
també m chamadas de “buckballs” ou simplesmente “fulerenos”. A
temperatura ambiente, um par radicalar em entrelaçamento quâ ntico
em uma molé cula de fulereno pode ser mantido por cerca de 80
milissegundos.
Em 2011, um time de fı́sicos usou a teoria da informaçã o quâ ntica e
um modelo amplamente aceito do par radicalar para analisar
observaçõ es experimentais recentes do compasso de aves, e concluiu
que o entrelaçamento quâ ntico dos olhos dos pá ssaros dura cerca de
100 microssegundos, o que em muito “excedia a duraçã o atingida no
melhor sistema molecular compará vel produzido pelo homem”.10 O
fı́sico Simon Benjamin, um membro do time, comparou o desempenho
da proteı́na cry4 com os fulerenos e questionou:
Como poderia um sistema vivo ter evoluı́do molé culas exó ticas capazes
de manter um estado quâ ntico tã o bem – nã o, muito melhor – quanto as
molé culas que fomos capazes de sintetizar em nossos laborató rios? Os
pá ssaros – seja lá como seu sistema funcione e seja lá o que eles usem –
estã o, de alguma forma, se saindo muito melhor do que as nossas
molé culas: as mais belas e especialmente projetadas. Isso é
simplesmente estarrecedor.11
Se pá ssaros navegam pelo campo magné tico da Terra usando pares
radicalares em entrelaçamento quâ ntico, creio ser implausı́vel supor
que tal habilidade incrı́vel tenha evoluı́do sequencialmente, uma
pequena etapa funcional de cada vez. Pois o “pá ssaro mutante”
necessitaria certamente nã o só de biomolé culas sensı́veis ao campo
magné tico, que funcionassem como sensores magné ticos, mas també m
de canais para transmitir os sinais desses sensores até a regiã o certa de
seus cé rebros. E pior: seus cé rebros necessitariam de todo um aparato
que respondesse e interpretasse corretamente toda essa informaçã o
especı́ ica; para se ter uma vantagem funcional, só se tudo estivesse
funcionando integradamente. Um tudo ou nada. Todo esse sistema
“quase sobrenatural” teria que ser implementado de uma só vez.
Como Fred Hoyle uma vez concluiu sobre o universo e a vida, parece
que um “superintelecto” capaz de antever e de projetar essas incrı́veis
descobertas cientı́ icas esteve “macaqueando com fı́sica quâ ntica,
quı́mica e biologia”.12
Ovos de pássaros
Ovos, claro, nã o sã o sepulturas: eles sã o magnı́ icos berços high tech
autossustentá veis, cheios de truques maravilhosos e “intrigantes” e que
fornecem ao pintinho absolutamente tudo o que ele necessita, desde
proteçã o mecâ nica até um menu inamente balanceado de alimentaçã o
(a gema e a clara).
Um ovo se assemelha a uma nave espacial, que carrega tudo o que um
bebê pintinho necessita, mas com uma exceçã o “mortal”: O2. A primeira
vista, a morte por sufocamento dentro do ovo seria inevitá vel. Mas o
pintinho lá dentro sobrevive, crescendo muito bem, obrigado, e por trê s
semanas. Mas como ele consegue O2? E como elimina o dió xido de
carbono (CO2) que se forma à medida que os nutrientes sã o convertidos
em energia? Pior, se um excesso de CO2 se acumulasse, o pobre pintinho
morreria sufocado. Como ele, entã o, e iciente e seletivamente, consegue
capturar O2 e expelir CO2? Há na internet um vı́deo curto sobre ovos de
pá ssaros que eu recomendo fortemente.14 Vou, em seguida, resumir o
que é descrito nesse vı́deo fantá stico.
Os ovos tê m uma casca incrı́vel: ela é dura, mas ainda assim
permeá vel ao ar e à á gua. Alé m disso, é forte o su iciente para suportar
o peso da mã e incubadora. A casca de um ovo conté m milhares de
pequenos poros, com um diâ metro menor do que um milioné simo de
centı́metro, tã o pequenos que nã o podem ser vistos a olho nu. Um ovo
de galinha, por exemplo, tem mais de sete mil desses pequenos poros.
Esses poros minú sculos sã o calibrados perfeitamente para que a
integridade fı́sica de toda a estrutura se mantenha, para impedir a
entrada de invasores, mas ao mesmo tempo para permitir a entrada de
O2 do ar externo e a saı́da do CO2. Se os poros fossem antevistos, mas
sem genialidade, e “feitos” grandes demais ou pequenos demais, os
pá ssaros já teriam sido extintos.
Mas para a respiraçã o do pintinho, somente poros na casca do ovo
seriam insu icientes. Duas membranas altamente seletivas foram,
assim, antevistas e posicionadas diretamente abaixo da casca de ovos
de galinha, trabalhando cooperativa e sincronizadamente. Quando uma
galinha bota um ovo para o encubar, esse ovo estará ligeiramente mais
quente do que o ar ambiente. Assim que o ovo esfria, seu conteú do
interno encolhe um pouco, separando as duas membranas no momento
perfeito. Esse encolhimento cria um vá cuo que suga ar da atmosfera
para o interior do ovo, formando um pequeno saco interno que agora
contê m principalmente N2 e su iciente O2. Agora o mais espetacular: de
alguma forma, o infante “sente” que o precioso O2 entrou no ovo e, para
alcançá -lo, começa a desenvolver uma rede delicada de capilares em um
processo metabó lico e gené tico precisamente orquestrado. Esses
capilares sã o perfeitamente construı́dos para capturar esse precioso O2
e expelir o CO2 do seu sangue. Essa rede se expande alé m do abdome do
bebê e comprime as membranas, promovendo, assim, um contato
mú tuo efetivo. As duas membranas do ovo també m permitem
permeaçã o seletiva pela troca apropriada de O2 e CO2. Tudo forma uma
obra de arte de alta tecnologia em tratamento e controle de ar.
Os poros dos ovos sã o obras de arte de engenharia també m por outra
razã o: eles permitem que molé culas de á gua permeiem a membrana.
Assim, a á gua dentro do ovo evapora lentamente para fora, criando
mais espaço vazio lá dentro que é , imediatamente, preenchido com
mais ar. Quando está pronto para nascer, ainda dentro do ovo, o bebê
perfura o saco in lado de ar para respirar pela primeira vez.
O “dente de ovo” é outra maravilha de engenharia. Trata-se de uma
protuberâ ncia semelhante a um pequeno chifre que começa a se
desenvolver na parte de cima do bico no sé timo dia da incubaçã o. O
processo de incubaçã o acontece por 21 dias depois que o ovo é posto. A
medida que a hora de nascer se aproxima, esse dente endurece e ica
a iado para que o pintinho possa com ele perfurar a membrana interna
e alcançar o ar localizado no lado mais achatado do ovo.15 O saco de ar
localizado entre a casca e a membrana interna conté m exatamente a
quantidade de O2 que permitirá que o pintinho comece a usar o seu
sistema respirató rio por trê s dias antes do im da incubaçã o. Usando
esse reservató rio de ar, o bebê enche seus pulmõ es e se fortalece o
su iciente para perfurar a casca dura do ovo.
O bico e as garras do pintinho ainda nã o sã o su icientemente fortes
para perfurar a casca dura do ovo, assim o “dente de ovo” e o saco de ar
sã o essenciais.16 Sem essas ferramentas antevistas, o vexame seria
inevitá vel e o pintinho morreria dentro do ovo.
O pintinho també m precisa de mais uma “providê ncia divina”. Para
fazer a primeira trinca, perfurando a membrana e a casca, um mú sculo
se contrai na parte de trá s do seu pescoço, pressionando o seu bico
contra a casca do ovo. Fazer o primeiro furo na casca é tã o cansativo
que o pintinho descansa por oito horas depois desse trabalho. Entã o,
como Gail Damerow explica, o pintinho revigorado se vira em sentido
anti-horá rio, bicando a casca com seu “dente de ovo” por “milhares de
vezes, até que consiga quebrar a casca em cerca de 3/4 de seu entorno,
criando uma tampa no fundo mais chato do ovo”.17 Pode?
Essa açã o altamente orquestrada de quebrar a casca do ovo pode
durar até cinco horas. O pintinho percebe quando o trabalho está feito
e, entã o, com a sua cabeça, pressiona a casca do ovo. Depois de cerca de
40 minutos de trabalho pesado, ele inalmente quebra a tampa. Mas o
pintinho recé m-nascido está de novo exausto e descansa mais uma vez.
Finalmente, ele dá uma ú ltima bicada bem forte, escapa de vez da casca
do ovo e está livre para seu passeio exuberante pela vida.18
O “dente de ovo” é essencial para que o pintinho escape do ovo.
Perceba que a mã e do pintinho nã o teve ainda como ensiná -lo nenhuma
dessas tarefas, mas, de alguma forma, ele executa todas elas com
perfeiçã o, senã o morreria. Essa expertise també m é parte do que
aparentemente deveria ser antevisto e entregue de antemã o.
Os “pintinhos” de algumas espé cies de aves, como as da famı́lia
Megapodiidae, nã o usam um “dente de ovo”. As cascas de seus ovos sã o
bem mais macias e, portanto, eles nã o precisam desenvolver dentes
especiais, que consumiriam parte de seus valiosos nutrientes. Eles
quebram a casca com seus pé s para se libertarem do ovo, usando garras
a iadas, mas com a antevidê ncia de estarem engenhosamente cobertas
por capas gelatinosas que evitam danos. Essas capas gelatinosas, tais
como os “dentes de ovo”, se desprendem tã o logo esses pintinhos
nascem.
Uma sinergia incrı́vel de açã o també m acontece entre o pintinho
dentro do ovo e a sua mã e lá fora. A galinha “sabe” – sabe-se lá como –
que tem que encubar o ovo por algumas semanas, mantendo-o quente e
rodando-o vá rias vezes por dia. Depois de cerca de 17 dias de
encubaçã o, debaixo de sua mã e, o pintinho começa a bicar a casca: esse
é o sinal para que sua mã e saiba que ele está quase pronto para sair do
ovo.
Assim que recebe o sinal, a galinha – sabe-se lá como – entende que
tem que começar a bicar exatamente a parte inal arredondada da
casca. Os furos que ela faz permitem que mais ar entre, fornecendo
mais oxigê nio e, portanto, uma força extra ao pintinho para o seu
trabalho de escapar do ovo. Desse ponto em diante, o pintinho usará
seu “dente de ovo” para quebrar a casca, contorcendo seu corpo em um
processo altamente coordenado até que se veja livre.
Essa é a forma mais comum que os pintinhos usam para quebrar a
casca do ovo, mas, em algumas poucas espé cies, o pintinho emerge
atravé s de um furo. A quantidade de bicadas para cavar esse furo varia
e parece ser pré -programada em funçã o da dureza da casca do ovo e da
capacidade fı́sica do pintinho.
Thomas Wentworth Higginson, um autor do sé culo XIV, abolicionista
e ativista na defesa dos direitos das mulheres, uma vez declarou: “eu
penso que se me pedissem, sob risco de morte, para nomear
rapidamente a coisa mais perfeita do universo, eu arriscaria minha vida
em um ovo de pá ssaro”.19 Vá rios nı́veis de antevidê ncia parecem
necessá rios para orquestrar uma coisa tã o perfeita como um ovo. Como
nos outros exemplos, os cená rios evolutivos sugeridos se explicam
pelas vantagens (que sã o ó bvias) de se ter um ovo furadinho de casca
dura e de uma galinha para botá -lo e chocá -lo, e tudo mais, mas
ignoram os detalhes moleculares de “como” todo esse sistema
so isticadı́ssimo e extremamente sincronizado “ovo-pintinho-galinha”
teria se originado por mú ltiplas etapas cegas sucessivas, ocorrendo ao
longo de geraçõ es.20
O que veio primeiro?
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COMO os pá ssaros recebem oxigê nio dentro de seus ovos | Urso Skunk da NPR.
1 vı́deo (3 min). Publicado pelo canal NPR’s Skunk Bear, 17 abr. 2018.
Disponı́vel em: http://bit.ly/368V9TP. Acesso em: 4 dez. 2019.
Damerow, Gail. What is an egg tooth? Cackle Hatchery, Aug. 26, 2016.
Disponı́vel em: http://bit.ly/365k626. Acesso em: 4 dez. 2019.
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Citado no prefá cio em: Birkhead, Tim. The most perfect thing: inside (and
outside) a bird’s egg. New York: Bloomsbury, 2016.
Para alguns cená rios altamente especulativos sobre a evoluçã o dos ovos, leia:
Stoddard, Mary C. et al. Avian egg shape: form, function, and evolution. Science,
v. 356, n. 6344, p. 1249-1254, 2017. DOI 10.1126/science.aaj1945; Varricchio,
David J.; Jackson, Frankie D. Reproduction in mesozoic birds and evolution of
the modern avian reproductive mode. The Auk, v. 133, n. 4, p. 654-684, 2016.
DOI 10.1642/AUK-15-216.1
07
Antevidência em humanos: a reprodução
Nossos pró prios corpos estã o tã o repletos de soluçõ es que anteviram
problemas complexos que eu nã o teria como deixar de explorar alguns
desses exemplos neste livro. Os exemplos sã o belos, magnı́ icos e
inú meros. Mencionarei, portanto, alguns dos mais emblemá ticos.
O óvulo e o esperma
Figura 31. Apenas uma amostra do coquetel diversi icado de hormô nios da
gravidez, as diversi icadas biomolé culas mensageiras necessá rias para
orquestrar a gravidez e o parto.
O cé rvix forma a parte inferior do ú tero (colo do ú tero) que se abre
para a vagina. Como o bebê se desenvolve no ú tero durante a gravidez,
o cé rvix exerce duas funçõ es crı́ticas. Primeiro, ele permanece irme e
imó vel durante as 40 semanas de gravidez. O cé rvix serve, entã o, como
um “colo” irme e seguro para o feto, retendo-o durante seu
desenvolvimento dentro do ú tero até que esteja maduro o su iciente
para o parto. Mas, precisamente na hora do parto, ocorre uma
maravilha metabó lica: o hipotá lamo envia mensageiros moleculares
para o cé rvix avisando-o que é chegada a data tã o aguardada e que é
hora de amolecer e se tornar mais elá stico.
Evolucionistas dirã o que o amadurecimento do cé rvix foi uma
vantagem seletiva adquirida ao longo de muitas geraçõ es de evoluçã o
cega, mas observe aqui vá rios problemas com essa “interpretaçã o”. Se
no primeiro parto de bebê ocorrido nesse planeta7, o cé rvix fosse
incapaz de segurar o bebê irme em seu lugar ou nã o abrisse
exatamente na hora certa, esse pobre “bebê pioneiro” ou teria sido
expulso muito cedo ou restaria preso dentro do ventre da mã e, o que
causaria a morte de ambos, do primeiro bebê e da primeira mamã e.
Sem o primeiro bebê , chance zero para uma evoluçã o gradual ao longo
de muitas geraçõ es. A dilataçã o certa e no momento certo do cé rvix é
um pré -requisito para a reproduçã o humana.
No parto, o cé rvix se expande consideravelmente. Seu diâ metro
normal, de cerca de 1 a 3 centı́metros, expande-se para cerca de 10 a 12
centı́metros, para criar espaço su iciente para a passagem do bebê .
Normalmente, o cé rvix é aproximadamente cilı́ndrico, longo e espesso,
mas, durante o parto, ele encurta, a ina e se projeta para a parte inferior
do ú tero, o que provoca sua abertura. Esse aumento incrı́vel de
tamanho, de cerca de dez vezes, cria uma passagem “milimetricamente”
calculada para que a cabeça do bebê e o resto do seu corpo passem do
ú tero para o canal vaginal.
A dilataçã o do cé rvix pode ocorrer durante a noite ou gradualmente
ao longo de um ou dois dias. Lembre-se de que o amadurecimento do
cé rvix é estimulado pela ocitocina, com a ajuda dos altos nı́veis de
estrogê nio. Esse estı́mulo, por sua vez, libera um grupo de hormô nios
adicionais, conhecidos como prostaglandinas (P2 e PGE2), que juntas
desempenham um papel indispensá vel na dilataçã o e no parto.
Ocasionalmente, a dilataçã o inadequada do cé rvix causa sé rias
complicaçõ es no parto do bebê .8 Antes da medicina moderna, essas
complicaçõ es frequentemente levavam à morte da mã e e do bebê .
Algué m poderia, entã o, argumentar que essa falha é evidê ncia para um
processo imperfeito de tentativa e erro de uma evoluçã o cega, e nã o de
antevidê ncia e planejamento por um designer onisciente. Essa objeçã o
carrega em si dimensõ es cientı́ icas, ilosó icas e até teoló gicas. Outro
livro inteiro poderia ser escrito sobre esse assunto, mas aqui creio que
seja su iciente lembrar que propor que um projetista bom e sá bio
planejaria – necessariamente – um mundo livre de toda dor, sofrimento
e morte é somente uma “mera suposiçã o”, sem lastro seguro algum
sequer na teologia. Grandes teó logos de vá rias tradiçõ es religiosas tê m
oferecido argumentos só lidos que se opõ em a essa tese.
Mas deixando de lado discussõ es teoló gicas sobre o cará ter de
qualquer pretenso designer da natureza, considere comigo o seguinte
cená rio especulativo. Suponha que você descubra um armazé m
abandonado e encontre lá uma frota de carros de corrida, todos do
mesmo modelo. Os carros sã o magnı́ icos e tecnologicamente muito
mais avançados do que qualquer outro já feito pelo homem, tanto que,
quando comparados, por exemplo, aos carros da Fó rmula 1, eles
estariam mais para “carroças velhas”. Mas ao testá -los, você descobre
que alguns desses veı́culos magnı́ icos apresentam, com o uso
continuado, problemas nas linhas de combustı́vel, que entopem com
frequê ncia. Essa falha seria interessante e certamente digna de
investigaçã o, mas será que, por causa dela, você estaria justi icando a
conclusã o de que esse incrı́vel modelo de carro foi feito sem
antevidê ncia e planejamento?
Somente se houvesse outra causa melhor para a origem desse carro
incrı́vel, de todo ele e seus incrı́veis componentes, uma outra causa
provida de toda a antevidê ncia e a capacidade de planejamento
aparentemente necessá rias para construir um carro com tanta
tecnologia assim e suas linhas de combustı́vel que eventualmente
entopem, seria razoá vel descartar o design inteligente. E uma
racionalizaçã o para toda a antevidê ncia e o planejamento dessa causa
alternativa requereria muito mais do que aquelas histó rias vagas
desprovidas do “como”: dos detalhes especı́ icos, falha comum nas
explicaçõ es darwinistas.
Para um sistema tã o extraordinariamente so isticado como a
gravidez humana e o nascimento de bebê s, as melhores explicaçõ es que
negam o design inteligente – todas as variações modernas da teoria da
evolução de Darwin – permanecem desprovidas de antevidê ncia e de
detalhes, sendo sustentadas apenas por toda a sorte de dissimulaçõ es
falaciosas.
Quanto à dilataçã o do cé rvix, só a constataçã o de que esse
mecanismo so isticado funciona já é surpreendente, mais ainda que ele
funcione tã o frequentemente, e tã o bem. E assim que o bebê nasce, o
cé rvix mostra mais um truque incrı́vel e essencial para a saú de da mã e.
Apó s o parto, a dilataçã o reverte automaticamente, e o cé rvix logo
recupera seu tamanho e consistê ncia normais, retornando à s suas
funçõ es regulares.
A necessidade das duas etapas teve que ser prevista. Preveja a
necessidade de sustentar bem o bebê em desenvolvimento dentro do
ú tero, apesar da “insistê ncia” da mã e em andar em pé , e preveja a
dilataçã o do cé rvix na amplitude correta e as contraçõ es no momento
certo, ou de novo: “bye bye, baby!”.
Um apêndice nada vestigial
Antes de avançar para o pró ximo tó pico, gostaria de desviar um pouco
do assunto deste capı́tulo para falar de um ó rgã o nã o envolvido na
gravidez, mas que mostra uma façanha incrı́vel de soluçã o antecipada
de problemas: o apêndice humano.
O processo digestivo é parte essencial da vida humana. Para fornecer
a todos nó s a nutriçã o necessá ria, nosso sistema digestivo funciona
como uma maravilhosa piscina cheia de enzimas e “nano-operá rios” –
as bactérias intestinais –, que digerem as molé culas grandes de
alimentos em pequenas molé culas para que nossos corpos consigam
absorvê -las e usá -las como energia para o crescimento e reparo celular.
Mas, algumas vezes, “bacté rias alienı́genas” nos invadem causando um
“bug” no sistema. Adoecemos e precisamos, entã o – e o mais
rapidamente possível – remover esses “ETs bacterianos” e outras
substâ ncias prejudiciais do nosso trato digestivo. E aı́ que entra em
açã o um incrı́vel processo de “lavagem a jato”: a diarreia. Embora
desagradá vel, a diarreia é uma “bençã o”, pois elimina o problema e
recupera o nosso bem-estar.9
Pela diarreia, o nosso corpo elimina as “bacté rias ET” que nos deixam
doentes. As cé lulas na parede do nosso intestino permitem a entrada de
muito mais á gua do que o habitual. Estudando-o em ratos, os cientistas
descobriram que esse processo é uma obra-prima da sinalizaçã o
quı́mica, envolvendo a açã o coordenada de duas proteı́nas: a
interleucina-22 e a claudina-2.10
Mas, como é comum até mesmo para as soluçõ es mais geniais de
engenharia, a cura tem um preço, pois cria outros problemas. A diarreia
é necessá ria, mas pouco seletiva. Ela elimina, sim, a causa da doença,
mas, no processo, se vã o també m nossas boas, leais e ajudadoras
bacté rias intestinais, que sã o essenciais para a digestã o adequada de
alimentos. Entã o, como o nosso corpo contorna este sé rio dilema de, ao
eliminar o mal, eliminar junto o bem? Você se surpreenderá com a
resposta, creio eu, pois os darwinistas tê m apregoado por dé cadas que
o ó rgã o que resolve esse dilema mortal seria uma “mera sobra inú til” da
evoluçã o.
Nosso sistema digestivo é constituı́do por uma complexa variedade
de ó rgã os interconectados: o trato gastrointestinal (GI), que se estende
da boca até o â nus e inclui o fı́gado, o pâ ncreas e a vesı́cula biliar, bem
como o esô fago, o estô mago, o intestino delgado e o intestino grosso.
Mas, escondido em um canto do intestino grosso e isolado do resto do
trato, temos um ó rgã o pequeno e solitá rio, mas bastante importante: o
apêndice (Figura 32). Ele se assemelha a um pequeno saco em forma de
dedo, ligado ao ceco.
Figura 32. O apê ndice humano, erroneamente classi icado por Darwin & cia.
como um ó rgã o vestigial. Mas descobertas recentes mostraram que ele é um
reservató rio essencial de bacté rias essenciais para a digestã o.
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92
Darwin, Charles. The descent of man. London: John Murray, 1871. p. 27.
Nos laborató rios de aná lise ao redor do mundo, como nos laborató rios
de espectrometria de massas que eu tenho supervisionado no Brasil,
usam-se centenas de diferentes equipamentos altamente sensı́veis e
seletivos e mé todos diversos, desenvolvidos por muitos cientistas e
engenheiros, para detectar e identi icar substâ ncias quı́micas. Esses
equipamentos e mé todos nos ajudam a entender a composiçã o quı́mica
de diferentes tipos de aromas, bebidas e alimentos em concentraçõ es
tã o baixas quanto partes por trilhã o (ou menos).
Mas muito antes dessas tecnologias tã o sensı́veis se tornarem
disponı́veis, humanos (e animais) tiveram que decidir o que comer e o
que nã o comer sem qualquer orientaçã o cientı́ ica (Figura 33). Como
foram capazes de tomar essa decisã o essencial? Essa capacidade de
separar boa comida de comida ruim tinha que estar lá desde o inı́cio,
pois é difı́cil imaginar como essa tarefa poderia ser adquirida
gradualmente durante um longo tempo sem que a vida fosse extinta.
Comer e beber sã o necessidades diá rias, portanto terı́amos que fazer
essa escolha de pronto, e todos os dias. Imagine pescar de manhã e
guardar as sobras de seu peixe para o jantar, em um dia quente de
verã o, sem poder sentir que o peixe podre já cheirava mal.
Figura 36. Prender a respiraçã o é um risco, mas é també m uma dá diva (ó timo
custo/benefı́cio), que permite aos humanos e muitos outros animais
mergulharem e contemplarem as belezas aquá ticas, ou mesmo praticarem a
pesca submarina. Mas, quando o limite de segurança é excedido, o cé rebro
manda automaticamente uma “ordem irresistı́vel” avisando o “feliz
mergulhador” que é chegada a hora de subir à superfı́cie e respirar novamente.
Sem todos esses delicados sistemas sensoriais que citei – e esses foram
realmente apenas alguns dos muitos exemplos possíveis –, humanos
nunca existiriam. E esses sentidos nã o só nos permitem sobreviver, mas
permitem també m que experimentemos e aproveitemos o mundo
magnı́ ico que temos ao nosso redor. Esses sentidos sã o absolutamente
cruciais, mas sã o, ao mesmo tempo, “presentes” que tornam nossa vida
mais bonita e valiosa. Essa orquestraçã o de sentidos parece nos deixar
todos indesculpá veis e sem outra saı́da senã o nos rendermos à
conclusã o de que ela é fruto de muita antevidê ncia e de um
planejamento cuidadoso, implementado antes que soubé ssemos que
precisarı́amos desses sentidos ou pudé ssemos entender sua extrema
importâ ncia para a vida.
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09
A antevidência e o futuro da ciência
Mas há outro sé rio problema: o nadador da evoluçã o neutra, que já
está de olhos vendados, nã o sabe aonde precisaria ir e, pior, nã o tem
desejo algum de chegar lá , precisa també m enfrentar outros perigos
nesse “oceano” que poderiam matá -lo ou, pelo menos, levar à perda de
um de seus membros. A evoluçã o nã o se move somente em uma
direçã o. As mutaçõ es destroem coisas muito mais rá pida e facilmente
do que as fazem. Pior ainda, nã o é razoá vel supor que essa tendê ncia a
mutaçõ es deleté rias faria uma pausa para, educadamente, esperar que
a evoluçã o neutra procurasse cegamente até encontrar uma mutaçã o ou
sé rie de mutaçõ es que construı́sse algo novo.
E verdade que, à s vezes, essas destruiçõ es de coisas resultam em
uma “vantagem aparente”, como Michael Behe discute detalhadamente
em seu livro Darwin devolves. Mas, como Behe esclarece, nenhuma nova
maquinaria molecular tem sido construı́da nesses casos “involutivos”, e
é precisamente a origem de novas má quinas moleculares e informaçã o
gené tica que qualquer mecanismo para a diversi icaçã o da vida
precisaria explicar, seja por evoluçã o neutra, seja por qualquer outro
tipo.3
As outras propostas evolutivas també m enfrentam de iciê ncias
devastadoras.4 O que falta a todas é o “tempero secreto” de todas as
grandes obras de engenharia: antevidência salpicada de genialidade,
propósito e planejamento.
O princípio da “antevidência ou morte”
Figura 38. Uma ilustraçã o da fantá stica mente humana e sua capacidade
suprema de raciocı́nio e memó ria.
Essa conclusã o, ló gico, nã o exclui por completo causas secundá rias
em açã o, ou infere que nada poderia ter se desenrolado a partir de
padrõ es semelhantes à s leis ou condiçõ es preexistentes. Estar livre para
considerar as evidê ncias de antevidê ncia nos deixa livres també m para
considerar causas primá rias e secundá rias. A cada caso que
consideramos, podemos simplesmente seguir as evidê ncias em vez de
termos que excluir causas pela força de regras restritivas espú rias.
E se a evidê ncia aponta para uma causa primá ria, ou uma causa
secundá ria, ou a combinaçã o de ambas, muitas vezes ainda teremos
que concluir que uma mente foi necessá ria para antever muitos becos
sem saı́da em potencial e para escapar deles. A vida e o universo estã o
cheios dessas fugas inteligentes, de soluçõ es engenhosas que testi icam
fortemente a favor do design inteligente.
Algo a mais
Meyer, Stephen C. Darwin’s doubt: the explosive origin of animal life and the
case for intelligent design. San Francisco: HarperOne, 2013. p. 328-329.
Behe, Michael. Darwin devolves: the new science about DNA that challenges
evolution. San Francisco: HarperOne, 2019.
Para mais informaçõ es sobre os problemas enfrentados pelos vá rios modelos
pó s-neo-darwinianos e por que muitos deles nã o sã o realmente modelos pó s-
neo-darwinianos, consulte os capı́tulos 4 e 5 In: Behe, Michael. Darwin
devolves: the new science about DNA that challenges evolution. San Francisco:
HarperOne, 2019. p. 93-137; e os capı́tulos 15 e 16 In: Meyer, Stephen C.
Darwin’s doubt: the explosive origin of animal life and the case for intelligent
design. San Francisco: HarperOne, 2014. p. 291-335.
Em ló gica, a “petiçã o de princı́pio” é uma retó rica falaciosa (falá cia de
presunçã o) que transforma a conclusã o numa premissa do argumento.
Cosmos: the shores of the cosmic ocean. Direçã o: David Oyster et al. Arlington:
PBS, 1980.