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Universidade Presbiteriana Mackenzie

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meio ou forma sem a pré via autorizaçã o da Editora Mackenzie.

Coordenaçã o editorial: Jé ssica Dametta


Preparaçã o de texto: Jé ssica Dametta
Projeto grá ico e diagramaçã o: Pedro Videira Pancheri
Revisã o: Paula Di Sessa Vavlis
Capa: Discovery Institute, adaptada por Pedro Videira Pancheri
Conversã o para ePub: Pedro Videira Pancheri

Dados Internacionais de Catalogaçã o na Publicaçã o (CIP)

Bibliotecá ria Responsá vel: Eliana Barboza de Oliveira Silva - CRB


8/8925

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Edifı́cio Joã o Calvino, 7º andar
Sã o Paulo – SP – CEP 01302-907
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Editora a iliada
Endossos

Fico feliz em recomendar este livro para os interessados na


quı́mica de vida. O autor é um quı́mico experiente e respeitado e
apresenta os principais assuntos atuais em biologia no contexto da
quı́mica. Estou realmente feliz em recomendar o seu livro.
- John B. Gurdon, PhD
Prê mio Nobel de Fisiologia ou Medicina (2012) e cofundador do Instituto
Gurdon da Universidade de Cambridge

Um estudo interessante sobre o papel desempenhado pela


antevidê ncia na biologia.
- Brian David Josephson, PhD
Prê mio Nobel de Fı́sica (1973) e professor emé rito de Fı́sica da
Universidade de Cambridge

Tenho o privilé gio de recomendar o livro Antevidê ncia, do Dr.


Marcos Eberlin, como um material excelente e instrutivo. Este livro
fornece informaçã o magistral sobre teleologia, um campo
cientı́ ico excitante e proeminente que fornece evidê ncias
irrefutá veis de antevidê ncia na natureza. Os argumentos
apresentados no livro sã o apoiados convincentemente por dados
experimentais incontestá veis e previamente publicados, muitos
deles reunidos a partir de revistas cientı́ icas de alto prestı́gio. O
Dr. Marcos Eberlin usa brilhantemente sua experiê ncia, adquirida
ao longo de mais de 25 anos aplicando espectrometria de massas
em á reas variadas, como bioquı́mica, biologia e quı́mica
fundamental, para construir um caso convincente, que cativará até
mesmo os leitores mais cé ticos. O livro de Eberlin demonstra que o
conhecimento cientı́ ico atual cada vez mais aponta para a
existê ncia de um ser supremo que cuidadosamente planejou o
universo e a vida. Esse avanço revolucionará a ciê ncia em um
futuro pró ximo.
- Rodinei Augusti, PhD
Professor titular de Quı́mica da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG)
Apesar de um acú mulo imenso de conhecimento nos ú ltimos
sé culos, ainda existem aspectos importantes da natureza que
transcendem os limites atuais de nossa compreensã o. Eberlin
descreve concisamente muitos desses fenô menos, desde a vida até
a astrofı́sica. Sempre que no passado tal limite foi alcançado, a fé
foi invocada. Eberlin chama esse princı́pio de “antevidê ncia”. Quer
você compartilhe ou nã o da abordagem de Eberlin, cada dia ica
mais claro que a natureza ainda se acha repleta de segredos que
nos compelem à humildade.
- Gerhard Ertl, PhD
Prê mio Nobel de Quı́mica (2007), ex-diretor do Departamento de Fı́sico-
Quı́mica do Instituto Fritz Haber da Sociedade Max Planck, Berlim,
Alemanha

Marcos Eberlin, hoje um dos melhores quı́micos do mundo,


escreveu um livro esplê ndido de leitura obrigató ria para todos os
interessados em saber o que a ciê ncia revela sobre o universo e a
vida.
- Maurício Simões Abrão, PhD
Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Sã o Paulo (USP)
e editor-chefe do Journal of Endometrioses and Pelvic Pain Disorders

Por que um homem se levantaria contra um exé rcito? Talvez esse


homem seja louco. Talvez ele queira se suicidar. Ou talvez esse
homem esteja munido de algumas armas muito poderosas. O Prof.
Marcos Eberlin é esse homem. No seu livro Antevidê ncia, Eberlin
desa ia uma teoria quase universalmente aceita. Que armas teria
ele para atacar uma fortaleza tã o forte? E escolha sua concordar ou
discordar de suas evidê ncias e argumentos. Você pode, no inal,
concluir que ele está certo ou que é mesmo louco. Mas, para
entender a proposta de Eberlin e para ser intelectualmente
honesto, você precisa obrigatoriamente ler este livro.
- Brenno A. D. Neto, PhD
Professor de Quı́mica da Universidade de Brası́lia (UnB) e editor
associado do perió dico RSC Advances, da Royal Society of Chemistry

O livro Antevidê ncia me fascinou pela sua amplitude e


profundidade de conhecimento bioló gico. Fundamentado em seu
campo especı́ ico – a quı́mica –, Marcos Eberlin revela as maneiras
surpreendentes como a quı́mica do DNA e do RNA os torna
perfeitos para as tarefas especı́ icas que executam. Se você – em
uma aula de biologia – já se perguntou por que o RNA usa ribose
mas o DNA usa desoxirribose, ou por que o RNA usa uracila
enquanto o DNA usa a timina, o livro de Eberlin lhe revelará as
respostas, e como as adequaçõ es perfeitas do RNA e do DNA aos
seus propó sitos sã o exemplos notá veis de antevidê ncia. Como a
descriçã o detalhada de Eberlin revela, a quı́mica e a biologia do
DNA e do RNA formam um quebra-cabeça interligado que dá a
partida somente quando está tudo no lugar. O ajuste e a
antevidê ncia necessá rios para construı́-lo sã o incrı́veis. O livro
també m lida com a vida no nı́vel de seus ó rgã os – desde os ó rgã os
sensoriais até a reproduçã o sexual e a estrutura maravilhosa de
um ovo de pá ssaros. Nenhum de seus argumentos de antevidê ncia
é baseado na falta de conhecimento ou em uma mentalidade do
“Deus das lacunas”, mas Eberlin os fundamentam todos no
conhecimento real do que de fato a bioquı́mica e a isiologia da
vida requerem.
- Ann Gauger, PhD
Membro sê nior do Center for Science and Culture (EUA) e coautora do
livro Science and the human origins

Em seu mais novo livro, Antevidência, o pesquisador premiado e


proeminente professor Marcos Eberlin, usando um arsenal de
dados cientı́ icos atuais, responde convincentemente a questõ es
cruciais sobre a origem da vida. Eberlin ilustra seus argumentos
com exemplos variados que revelam uma antevidê ncia incrı́vel no
planejamento de sistemas bioquı́micos. De membranas celulares
ao có digo gené tico e à reproduçã o humana, passeando també m
pela quı́mica da atmosfera, pá ssaros, ó rgã os sensoriais e plantas
carnı́voras, o livro de Eberlin é uma luz de bom senso cientı́ ico em
meio à escuridã o da ideologia naturalista.
- Kelson Mota, PhD
Professor de Quı́mica da Universidade Federal do Amazonas (Ufam)
Antevidê ncia foi escrito para aqueles dispostos a se desa iarem em
uma nova perspectiva; para pessoas livres que se atrevem a ir alé m
dos dogmas cientı́ icos. O livro de Marcos Eberlin é uma jornada
atravé s das evidê ncias em quı́mica e biologia que mostram o papel
indispensá vel da antevidê ncia na origem da vida e do universo, por
ele apresentados de uma forma envolvente e facilmente
compreensı́vel.
- Daniela de Luna Martins, PhD
Professora associada de Quı́mica da Universidade Federal Fluminense
(UFF)

O livro Antevidência fornece novas evidê ncias, principalmente em


biologia, de que chegou a hora de a ciê ncia ampliar suas
perspectivas sobre a origem dos seres vivos e considerar que uma
evoluçã o materialista puramente natural é incapaz de explicar
esses fatos. O livro está escrito em um estilo didá tico, que será
apreciado por cientistas e nã o cientistas e que encoraja o leitor a
seguir a verdade aonde quer que ela leve, como Só crates há muito
tempo já aconselhou.
- Michael T. Bowers, PhD
Professor emé rito do Departamento de Quı́mica e Bioquı́mica da
Universidade da Califó rnia, Santa Bá rbara, Estados Unidos
À minha querida esposa Elisabeth, minhas ilhas Thais, Lívia e Niina,
meu ilho Nicholas, minhas netas Leah e Claire e meus netos Theo,
Luca e Thomas, os quais têm seguido ou – eu ardentemente creio –
seguirão as evidências seja lá onde elas nos levem.
E, sobretudo, ao “Antevidente”.
Sumário

Antevidê ncia na vida

Um mundo planejado para a bioquı́mica

O có digo pré -vida

Os “paramé dicos” da vida

Bacté rias, insetos e plantas carnı́voras

Pá ssaros: á pices de antevidê ncia

Antevidê ncia em humanos: a reproduçã o

Antevendo e planejando os sentidos

A antevidê ncia e o futuro da ciê ncia

Agradecimentos
01
Antevidência na vida

A biologia está vivendo uma é poca de ouro de grandes descobertas. Em


minha instituiçã o de pesquisa anterior, a Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), coordenei por 25 anos o Laborató rio ThoMSon
de Espectrometria de Massas. Ali, junto com meus alunos e
colaboradores, atuei em muitas á reas cientı́ icas, como as da quı́mica,
da bioquı́mica e da medicina, que até recentemente eram jovens demais
e que nem sequer tinham sido nomeadas – á reas como a proteô mica, a
lipidô mica e o imageamento por espectrometria de massas ou mesmo a
petroleô mica e a caracterizaçã o de bacté rias por suas “impressõ es
digitais” quı́micas.
Minha pesquisa e a minha atuaçã o como presidente da Sociedade
Brasileira de Espectrometria de Massas (BrMASS) e da Sociedade
Internacional de Espectrometria de Massas (International Mass
Spectrometry Foundation – IMSF) tê m me posto em contato no Brasil e
no mundo com outros grandes pesquisadores. Quando me reú no com
eles em conferê ncias, o entusiasmo de todos é sempre contagiante,
pois, graças a uma coleçã o de tecnologias e té cnicas inovadoras, dia
apó s dia novas maravilhas do mundo bioló gico sã o reveladas.
Algumas dessas novas descobertas levam a novos medicamentos ou
té cnicas inovadoras em medicina. Um exemplo é a “caneta do câ ncer”
desenvolvida por minha ilha, Lı́via Eberlin, que por essa grande
invençã o tem acumulado vá rios prê mios importantes nos Estados
Unidos. Outras descobertas despertam em engenheiros novas ideias
que levam a invençõ es impactantes, como na á rea lorescente da
biomimé tica, mas outras descobertas nã o encontram de pronto uma
aplicaçã o prá tica. Muitas servem, poré m, para revelar a genialidade
encantadora da biologia da vida – descobertas cientí icas feitas pelo
prazer de se fazer ciência.
Todas, em si mesmas, já seriam muito empolgantes, mas eu estou
convencido de que – juntas – essas grandes descobertas nos levam
muito alé m de avanços tecnoló gicos, apontando fortemente para algo
ainda mais empolgante e extraordiná rio. Essa nova era de descobertas
está revelando uma coleçã o incrı́vel de soluçõ es engenhosas para
grandes desa ios de engenharia, soluçõ es essas que – para todos nós –
aparentam requerer algo que somente maté ria e energia seriam
incapazes de oferecer. Deixe-me explicar melhor o que eu acabei de
sugerir: essa avalanche de descobertas cientı́ icas sobre o universo e a
vida está apontando para algo que vai muito alé m de processos
evolutivos cegos e acé falos. Nelas há marcas claras de açõ es que
requerem um atributo exclusivo de uma mente inteligente: a
antevidência (Figura 1).

Figura 1. Uma ilustraçã o didá tica do conceito de antevidê ncia. Somente


mentes inteligentes – a do ratinho – possuem a habilidade de “moldar o futuro”,
de, antes mesmo de um sistema funcionar (a ratoeira), antever nele a
ocorrê ncia futura de um problema mortal e, a priori, providenciar a soluçã o (o
capacete).

Mas, sim, eu sei onde piso: somos ensinados que habilidades como a
da “antevidê ncia” sã o “coisas proibidas”; algo que transcende as
fronteiras da ciê ncia. Voltarei a discutir essa a irmaçã o em capı́tulos
subsequentes, mas, havendo ou nã o restriçõ es reais sobre o que a
ciê ncia pode ou nã o pode investigar, e você concordando ou nã o que
essa avalanche de novas evidê ncias revela antevidê ncia na vida e no
universo, mesmo assim eu o convido a “pensar fora da caixa” e a
inspecionar comigo as evidê ncias. Ela pode ter “matado o gato”, mas a
curiosidade, à s vezes, leva a grandes descobertas e avanços cientı́ icos.
Os exemplos diversi icados e geniais descobertos nos anos recentes
sã o tã o numerosos que preencheriam grandes volumes. Assim, nas
pá ginas seguintes, destaco somente uma pequena amostra, mas essa
amostra é cheia de maravilhas. Tentarei comentar um pouco de tudo:
de cé lulas e as bases de seu DNA e RNA, engrenagens em insetos até
uma lagosta com socos mais poderosos do que os do Mike Tyson,
passando també m por plantas carnı́voras e uma má quina proteica no
olho de um pá ssaro que lhe confere um GPS (global positioning system)
funcionando por uma fenô meno fı́sico-quı́mico “bizarro” chamado de
“entrelaçamento quâ ntico”, permitindo que seus olhos mapeiem o
campo magné tico da Terra.
Começarei, poré m, com um exemplo que aparenta ser trivial, mas só
à primeira vista.
Uma membrana e seus canais

A vida subsiste na Terra em uma diversidade de ambientes graças à s


vá rias formas pelas quais nosso planeta é inamente ajustado para ela.
Mas a Terra pode també m ser extremamente hostil para a vida. A
molé cula de oxigê nio (O2), por exemplo, é essencial, mas somente
formas de vida capazes de encapsular e transportar e icientemente o O2
exatamente para um lugar onde essa molé cula “diabó lica” possa ser
usada como uma fonte de energia se bene iciam de seu lado angelical.
Caso contrá rio, o O2 se transforma no maior inimigo da vida.
Rompa a membrana de uma cé lula viva, expondo-a para o ar, e você
verá o grande estrago que o O2 e vá rios outros invasores quı́micos farã o
à cé lula perfurada. Seria morte certa e inevitá vel. Do ponto de vista da
engenharia, foi, entã o, essencial proteger a cé lula, a unidade mais
bá sica da vida. E a soluçã o encontrada foi simplesmente genial: rodeou-
se a cé lula – desde o seu “nascimento” – com um resistente escudo
quı́mico.
Frequentemente – como a lei de Murphy prevê –, toda nova soluçã o
vem acompanhada de dois novos problemas, e o escudo da membrana
celular nã o foi exceçã o a essa lei. Um escudo simples poderia até
proteger o seu interior de invasores mortais, mas essa barreira
impediria que nutrientes celulares entrassem na cé lula enquanto
aprisionaria lixo no seu interior. Podemos supor que pequenas
molé culas neutras conseguiriam passar pela membrana, mas
biomolé culas grandes e eletricamente carregadas seriam bloqueadas.
Um escudo “trivial” seria uma receita infalı́vel para a morte celular. Para
que as primeiras cé lulas sobrevivessem e se reproduzissem, algo mais
so isticado foi necessá rio. Desde a partida, canais seletivos que
atravessassem essas membranas teriam que, necessariamente, ser
instalados em nossas cé lulas, em todas.
As cé lulas “modernas” estã o equipadas exatamente com esses
“portais” formados por proteı́nas especializadas em transportar
seletivamente biomolé culas e ı́ons essenciais à cé lula. O que ou quem
seria capaz de arquitetar um transporte seletivo tanto de molé culas
neutras quanto de ı́ons carregados? A teoria da evoluçã o tem apelado
para um processo acé falo gradual, etapa por etapa, que teria envolvido
pequenas mutaçõ es selecionadas pela seleçã o natural, processo este
que é conhecido como o conceito da sobrevivê ncia do mais apto
(survival of the ittest). Mas parece que um processo evolutivo gradual
etapa por etapa, ocorrendo ao longo de muitas geraçõ es, teria chance
zero de explicar o surgimento dessas maravilhas (arrival of the ittest),
pois nã o haveria como uma cé lula sobreviver muitas geraçõ es, nem
mesmo uma só , esperando que esses canais estivessem prontos, se
instalassem e funcionassem bem. Sem canais, nã o há vida celular.
Entã o, a questã o principal é esta: como as primeiras cé lulas
adquiriram membranas apropriadas e como teriam, simultaneamente,
“coevoluı́do” canais proteicos funcionais necessá rios para superar o
dilema da permeabilidade? Até mesmos alguns evolucionistas convictos
tê m confessado a enorme di iculdade dessa questã o. Sheref Mansy e
colaboradores assim descreveram o problema na revista cientı́ ica
Nature: “A funçã o das membranas como barreiras robustas tem
di icultado muito o entendimento da origem da vida celular”1.
Mansy e colaboradores foram bastante modestos nessa sua
a irmaçã o. De alguma forma, uma membrana – de camada dupla,
lexível, estável e resistente – teria que ser arquitetada. E essa membrana
deveria de pronto se estruturar e proteger e icientemente a cé lula da
permeaçã o devastadora de O2, enquanto se mantinha está vel em um
meio á cido aquoso, sendo ainda capaz de resistir à s lutuaçõ es de
temperatura e acidez (pH) do meio (Figura 2). Para executar todas
essas tarefas, esse escudo molecular das cé lulas precisaria també m de
um mecanismo que o izesse sentir as mudanças de temperatura e pH,2
para assim reagir de acordo, ajustando a sua composiçã o quı́mica para
manter a resistê ncia da membrana ao longo de todas essas mudanças
quı́micas e fı́sicas.
Figura 2. A membrana de camada dupla que envolve nossas cé lulas, formando
uma barreira bastante lexı́vel, mas també m de alta resistê ncia mecâ nica e
quı́mica. Seus muitos componentes so isticados e suas capacidades diversas,
todas essenciais para a sobrevivê ncia da cé lula, fortemente nos impelem a
inferir a necessidade de antevidê ncia no arranjo original dessas estruturas
incrı́veis.

Como Diego de Mendoza uma vez explicou3, as cé lulas de bacté rias
“remodelam a luidez de suas membranas de camada dupla” pela
incorporaçã o de “á cidos graxos proporcionalmente mais insaturados
(ou á cidos graxos com propriedades aná logas), à medida que a
temperatura diminui”. O processo é conhecido como “adaptaçã o
homeoviscosa”. Ou seja, membranas celulares iniciam uma sé rie de
respostas celulares para reagir à s mudanças da temperatura do meio.
Creio que se solicitá ssemos à s companhias de engenharia mais
tecnologicamente avançadas desse planeta a realizaçã o desse trabalho
extremamente complexo e multifacetado, seus engenheiros mais
quali icados ririam de nó s ou talvez fugiriam como “o diabo foge da
cruz”. A tecnologia requisitada vai muito alé m da mais avançada
capacidade humana. E lembre-se: mesmo que esses engenheiros
resolvessem duas ou trê s demandas dessa membrana ou mesmo 99%
delas, ainda seria insu iciente. Para membranas celulares, é um tudo ou
nada! Uma ú nica porta aberta e o inimigo entra. E uma questã o de vida
ou morte! Uma cé lula vulnerá vel, que fosse “condenada” a esperar por
melhorias de uma evoluçã o darwiniana gradual, seria prontamente
atacada por um exé rcito de inimigos e morreria, sem deixar
descendentes. Ironicamente, o “tempo” – aquele faz os “milagres” da
evoluçã o – icaria literalmente “sem tempo” para terminar o seu
trabalho.
Parece, portanto, por todo o conhecimento bioquı́mico atual, que os
muitos requisitos cruciais de uma membrana celular teriam que ser
previstos e entregues prontos e funcionais, e no momento certo, para
que a primeira cé lula pudesse sobreviver e se reproduzir em um
ambiente aquoso.
E note que prever toda essa quı́mica e engenharia complexas é só o
começo de toda a antevidê ncia aparentemente requerida para construir
uma membrana e iciente o bastante para tornar a vida celular viá vel.
Planejar e formar tal membrana celular – com suas muitas habilidades
interligadas – també m requereria um grande exé rcito de biomolé culas
especializadas. E, felizmente, toda essa so isticaçã o veio – como em um
canivete suíço – na forma de uma classe de biomolé culas
magni icamente arquitetadas: os fosfolipı́dios (Figura 3).

Figura 3. Uma representaçã o simpli icada da estrutura molecular de


fosfolipı́dios, que oferece somente um vislumbre da enorme complexidade
molecular dessas biomolé culas fantá sticas.

Essas peças biomoleculares teriam, entã o, que ser perfeitas. Coisa de


pro issional! Para blocos de construçã o de um escudo quı́mico
so isticado o su iciente para produzir cé lulas que sobrevivam e se
reproduzam, parece nã o haver substituto à altura dos fosfolipı́dios. De
quando em vez, leio artigos, mesmo em perió dicos de grande prestı́gio
como a Science e a Nature4, de colegas meus que especulam sobre
membranas primordiais mais simples, feitas de molé culas
“rudimentares”, tais como “meros” á cidos graxos. Mas esses artigos nã o
passam, infelizmente, de “meros delı́rios evolutivos”. Neles, quı́micos e
bioquı́micos teimam em ignorar detalhes (bio)quı́micos cruciais.
Detalhes sobre o que seria de fato necessá rio para viabilizar a vida
celular. Mas se esses detalhes sã o todos considerados, como cientistas
deveriam sempre fazer, descobrimos que nenhum outro tipo de
biomolé cula aparenta ser capaz de sustentar a vida ao executar todas as
funçõ es complexas que os fosfolipı́dios executam.
A estrutura de um fosfolipı́dio pode ser dividida em duas regiõ es
principais com propriedades fı́sico-quı́micas opostas: a cabeça é polar e
gosta de á gua (hidrofı́lica), mas sua cauda é apolar e detesta á gua
(hidrofó bica). Essa dicotomia de “gostos por á gua” é crucial, pois
permite um truque quı́mico magnı́ ico: na á gua, os lipı́dios se arranjam
automaticamente, formando estruturas esfé ricas de camada dupla
(Figura 3) – como o capotão de uma bola de futebol – com todas as
cabeças polares se alinhando lado a lado, apontando para fora e para
dentro, enquanto as pernas alongadas apolares se empacotam
irmemente no seu interior.
Atraı́das por forças quı́micas inamente ajustadas, duas dessas
monocamadas se aproximam fazendo com que suas caudas
hidrofó bicas també m se encostem umas nas outras, em um arranjo
cauda com cauda. Esse empacotamento automá tico, tridimensional e
multicomponente garante que as caudas hidrofó bicas se escondam da
á gua, enquanto as cabeças hidrofı́licas, presentes na superfı́cie superior
e inferior, se exponham a ela. A á gua ica agora dentro e fora da cé lula,
mas essa mesma á gua que forma todo o meio é cuidadosamente
expulsa do interior da membrana, que, assim, encapsula e protege a
cé lula aquosa.
Novamente, parece nos “saltar aos olhos” que um poder causal – com
a habilidade de antever – antecipou essa necessidade crucial,
arquitetou, fez todos os cá lculos de forças e interaçõ es e no inal
escolheu a soluçã o perfeita.
Os fosfolipídios: química com engenharia e arte

Uma membrana celular precisa ser elá stica, mas també m resistente –
mecânica e quimicamente – para, assim sendo, proteger continuamente
a cé lula de seu ambiente em constante lutuaçã o. Felizmente para a vida
– eu e você – as camadas duplas de fosfolipı́dios de nossas cé lulas sã o
lexı́veis, mas també m altamente está veis, resistindo bravamente ao
estresse mecâ nico e à s lutuaçõ es de pH e temperatura.
Entã o, quer saber como todas essas propriedades foram obtidas?
Esse controle ocorre por um ajuste dinâ mico de vá rias propriedades
fı́sico-quı́micas dos muitos constituintes moleculares da membrana.
(Nota de alerta: se a explicaçã o seguinte se mostrar té cnica demais para
o seu gosto, sinta-se à vontade para pular para a seçõ es inais deste
capı́tulo, pois o resumo lá encontrado lhe fornecerá informaçõ es
su icientes para prosseguir na leitura).
O controle das propriedades da membrana celular é obtido primeiro
por um ajuste do comprimento, da força e da orientaçã o tridimensional
das ligaçõ es carbono-carbono nas “perninhas” de cada um dos seus
fosfolipı́dios. Um á tomo de carbono (C) pode formar quatro ligaçõ es,
incluindo ligaçõ es com outros á tomos de carbono. Em lipı́dios, essas
ligaçõ es CC podem ser simples (C-C) ou duplas (C=C). Ligaçõ es C-C sã o
chamadas saturadas, e ligaçõ es C=C, insaturadas. Em fosfolipı́dios, os
dois grupos (R) ligados aos dois C em uma ligaçã o RC=CR podem estar
do mesmo lado em um arranjo RC=CR chamado “cis” ou em lados
opostos RC=CR, chamado “trans”.
Fosfolipı́dios insaturados contê m muitas ligaçõ es RC=CR, que, nessa
con iguraçã o “cis”, produzem torçõ es bastante pronunciadas e
apropriadamente localizadas nas longas cadeias de á tomos de carbono.
Sabemos que gorduras “cis” insaturadas sã o menos está veis
termodinamicamente do que suas aná logas “trans”, mas, mesmo contra
a “lei do mı́nimo esforço”, a variedade “cis” predomina na vida. E por
quê ? Porque suas torçõ es em cadeias graxas produzem agregados
menos empacotados do que aqueles formados por lipı́dios insaturados
por ligaçõ es “trans” ou lipı́dios totalmente saturados. Lipı́dios
insaturados por ligaçõ es “cis” apresentam, portanto, pontos de fusã o
menores do que os “trans”. O resultado incrı́vel desse ajuste espacial é :
usando essas ligaçõ es “cis”, é possı́vel fabricar membranas mais ou
menos lexı́veis, gradualmente mais ou menos luidas.5
Cadeias carbô nicas (as “perninhas”) mais curtas ou mais longas ou
diferentes cabeças polares hidrofı́licas sã o també m empregadas no
controle das propriedades fı́sico-quı́micas dessas “supermolé culas”:
uma tacada de mestre de antevidência, guiada por um conhecimento
químico genial!
Perceba que, se atribuı́ssemos a origem de biomembranas a
processos materialı́sticos cegos, terı́amos que apelar para uma
in inidade sincronizada de verdadeiros “milagres quı́micos”. O primeiro
“milagre” teria que construir cadeias carbô nicas – (C)n – longas que
apresentassem pelo menos entre 12 e 18 á tomos de carbono (n). Tal
“milagre” seria extraordinariamente imprová vel, tanto estatı́stica
quanto quimicamente. No segundo “milagre”, duas dessas “pernas
carbô nicas” teriam que se ligar a uma molé cula de um triol: glicerina
[OH-CH2-CH(OH)-CH2-OH] ou um aná logo. Terceiro “milagre”: ligaçõ es
RC=CR de con iguraçã o “cis” – menos estáveis do que “trans” – teriam que
ser inseridas em posiçõ es exatas ao longo das “pernas” em uma
proporçã o inamente ajustada para, assim, produzir a luidez
( lexibilidade) adequada. Um â nion fosfato (PO43-) e um outro grupo
polar, por exemplo, o etilenoamino (-CH2CH2NH2), teriam també m que
estar disponı́veis naquele exato momento e “santo lugar” para serem
conectados corretamente a esse “lego molecular” (Figura 2), e o ú ltimo
“milagre”: tudo acontecendo na ausê ncia de interferentes. Como um
quı́mico, eu me recuso a chamar de “prová vel” essa “cascata de milagres
sem santo”.
Mas eu sei: os especialistas em quı́mica pré -bió tica normalmente nã o
partem de fosfolipı́dios. Eles, de fato, assumem “rotas graduais
alternativas” onde outras “entidades moleculares” deveras primitivas se
agruparam para formar membranas primitivas. Em seus interiores,
bastante inó spitos para a vida, tais como aqueles de micelas de á cidos
graxos, essas “entidades” teriam sido capazes de “engolir” uma
molé cula de “RNA primordial”, dando partida à vida nesse planeta.
Nessa direçã o, Sheref Mansy e colaboradores argumentaram o
seguinte em um artigo de 2008 da Nature: “Acidos graxos e seus á lcoois
correspondentes e monoé steres de glicerol sã o candidatos atraentes
para os componentes de membranas das protocé lulas”.6 A razã o para
essa “vã esperança” é a habilidade de tais molé culas de fazer dois
“truques” cruciais. Primeiro, elas formam agregados com membranas
de camada dupla, que poderiam reter pequenas molé culas de RNA.
Segundo, assume-se que essas estruturas poderiam, na sequê ncia,
crescer e se dividir, propriedades essas que sã o essenciais para uma
entidade primitiva que desejasse se reproduzir. Essa “entidade pré -
bió tica” supostamente teria iniciado a sı́ntese das primeiras proteı́nas
da vida.
Mas se esses processos realmente ocorreram, de onde vieram os
aminoá cidos necessá rios para a sı́ntese de proteı́nas? Eles teriam que
ter vindo de fora da cé lula, pois foram formados naquela sopa
primordial, e teriam, entã o, que migrar para o interior dessas cé lulas
primitivas atravé s de canais. Mas, até esse momento, no cená rio
proposto, os canais de membrana simplesmente ainda nã o existem,
entã o os aminoá cidos teriam que permear atravé s da membrana
celular primordial, para, assim, alcançarem o interior da cé lula. Mas,
para a permeaçã o de aminoá cidos, essas membranas primordiais
representariam barreiras quı́micas insuperá veis, fazendo da “vã
esperança” um processo quı́mico impossı́vel. Se nã o há um caminho
viá vel e seletivo de aminoá cidos para o seu interior, a cé lula
rapidamente morreria, sem poder esperar pelos “milhõ es de anos”. Sem
sobrevivê ncia, sem reproduçã o. Portanto, kaput evolução química!
Aqui, novamente, a inferê ncia por antevidê ncia é fortı́ssima. Uma
membrana fosfolipı́dica extremamente so isticada para a cé lula teria –
tudo indica – que ser antecipada, projetada e imediatamente posta à
disposiçã o desde o momento zero do aparecimento de um interior
celular viá vel nesse planeta. E sabendo que as primeiras cé lulas
obviamente sobreviveram e se reproduziram, deixando uma geraçã o
que se perpetuou até o presente, é cienti icamente plausı́vel concluir
que – de alguma forma – essa membrana extraordiná ria surgiu no exato
momento em que esse emaranhado quı́mico se fez necessá rio. Alguns
insistem que esse evento foi um grande ato de sorte. Eu discordo. E
conclamo a você e a todos para considerarem uma segunda
possibilidade: engenharia química com muita antevidência!
Aquaporinas: os melhores filtros de água do mundo

Membranas lipı́dicas de camada dupla protegem e acomodam muito


bem a vida, mas, como já mencionamos, cé lulas també m precisam de
canais para transportar materiais essenciais para dentro e para fora.
Mesmo que contratá ssemos uma grande empresa de nanotecnologia
para realizar esse serviço, empregando todo um exé rcito de
“engenheiros antevidentes”, nã o poderı́amos estar mais satisfeitos com
o resultado que vemos nas cé lulas. Ancorados nessas membranas
lipı́dicas de camada dupla, encontramos arranjos proteicos
tridimensionais que funcionam magni icamente como canais
ultrasseletivos. Esses canais deixam entrar ú nica e exclusivamente o
que precisa entrar e só deixam sair o que precisa sair. Coisa de
pro issional!
Para ser chamado de viá vel, um modelo de evoluçã o de uma
membrana celular minimamente decente teria que explicar a
coevoluçã o desses canais proteicos associados e a bioenergé tica dessas
membranas e de suas bicamadas lipı́dicas:7 um “milagre triplo
concatenado”. Tentativas de responder a essas questõ es normalmente
começam com uma con issã o de ignorâ ncia. Veja, por exemplo, o que
Mulkidjanian, Galperin e Koonin “modestamente” declararam ao iniciar
o seu artigo: “A origem das membranas celulares e das proteı́nas de
membrana permanece enigmá tica”8.
Algo que qualquer canal de membrana deve permitir – sem exceção –
é a passagem de á gua. Para essa tarefa essencial, as membranas
celulares contê m canais especiais chamados de aquaporinas (Figura 4).
As cé lulas sã o cidades multimoleculares ciberné ticas, cheias de
má quinas hi-tech, usinas de energia e até nano robô s. Mas, para que
toda essa nanotecnologia funcione adequadamente, é necessá rio algo
que você e eu precisamos sempre e em grandes quantidades: a água.
Fato incontestá vel: essa molé cula de fó rmula simples, H2O, mas
essencial à vida, com inú meras funçõ es celulares, precisaria ter meios
de entrar e sair do interior das cé lulas, se essas cé lulas desejassem
sobreviver e reproduzir.
Figura 4. As incrı́veis aquaporinas – os melhores iltros de água deste planeta –
que deixam entrar á gua 100% pura em nossas cé lulas, mas barram um inimigo
mortal, os seus companheiros “insepará veis”, os pró tons (H+).

Mas, se a cé lula desejasse viver e ter uma vida longa, a entrada e
saı́da de á gua atravé s de sua membrana precisaria ser cuidadosamente
controlada. Essa necessidade de controle surge, porque as molé culas de
á gua (H2O) estã o conectadas por uma rede de “ligaçõ es de hidrogê nio”,
e essa rede faz com que a á gua funcione como um “ io de pró tons (H+)”.
A á gua conduz H+ de forma aná loga à conduçã o de corrente elé trica (e-)
por um io metá lico. Mas, por detalhes de seu metabolismo, as cé lulas
precisam manter seu interior eletricamente negativo. As cé lulas
realizam esse controle de carga por canais ancorados em suas
membranas, que controlam o transporte de ı́ons só dio (Na+) e potá ssio
(K+). Agora, pense comigo: se as aquaporinas deixassem molé culas de
H2O passarem livremente, seu “ io de H+” permitiria obrigatoriamente a
entrada de H+, inutilizando todo o esforço que as cé lulas fazem para
manter seu interior eletricamente negativo. Um canal de á gua “trivial”
seria uma soluçã o aparente, mas insu iciente. A vida é coisa de
pro issional!
Esse desa io de engenharia quı́mica – passar H2O e bloquear H+ – é
extremamente difı́cil de ser resolvido, mesmo para quı́micos ou
engenheiros quı́micos com uma inteligê ncia sobrenatural. Se você
mudasse as propriedades intrı́nsecas das molé culas de H2O, para
remover sua habilidade de agir como “ io de H+”, essa soluçã o
certamente iria arruinar as muitas outras propriedades fı́sico-quı́micas
ú nicas da á gua, todas essenciais para a vida. Mas, felizmente, algo ou
algué m encontrou uma soluçã o genial para esse dilema, sem ter que
redesenhar a molé cula de á gua.
As aquaporinas,9 ancoradas nas membranas celulares, nã o somente
deixam a á gua entrar e sair da cé lula, mas també m mantê m do lado de
fora vá rias impurezas, como biomolé culas perigosas e ı́ons indesejá veis,
entre eles os mortais H+, que normalmente viajam livremente atravé s
dos “ ios de H+” da á gua. Mas como essa tarefa tã o complexa pode ser
realizada?10 Sente-se confortavelmente, respire fundo e concentre-se,
pois tentarei descrever quimicamente para você um processo
extremamente complexo. Mas se a descriçã o se mostrar té cnica demais
para o seu gosto, sinta-se novamente à vontade para pular para o
pró ximo subtı́tulo, em que eu resumo a quı́mica e as implicaçõ es dessa
discussã o.
Nas aquaporinas – esses fantásticos canais de água –, uma molé cula
especial chamada asparagina foi perfeitamente posicionada. Pior, o
ponto de adiçã o foi exatamente aquele orifı́cio no canal por onde passa
só uma ú nica molé cula de á gua de cada vez (Figura 4)11. A asparagina é
um dos membros daquele conjunto maravilhoso de 20 aminoá cidos que
permitem à cé lula construir e moldar a estrutura de suas proteı́nas.
Mas esse aminoá cido especı́ ico possui um grupo lateral (R) singular,
capaz de, com molé culas de á gua, estabelecer duas ligaçõ es de
hidrogê nio bastante fortes e espacialmente orientadas no mesmo
plano. O perfeito alinhamento tridimensional desse aminoá cido,
perpendicular à passagem da á gua e de seu “ io de pró tons”, funciona,
entã o, como um verdadeiro “alicate molecular”, que literalmente “corta
o io de pró tons”. Isso mesmo, um “nanoalicate” que corta um io de
ı́ons!
Deixe-me tentar explicar melhor (pois nã o é nada fá cil) como essa
“engenhoca quı́mica” funciona. Exatamente no momento que passa
atravé s do orifı́cio mais restrito do iltro, a molé cula de á gua (H2O) é
“torcida” em 90 graus pela asparagina. Essa manobra de click é
orquestrada com extrema maestria e induzida pelo estabelecimento de
duas ligaçõ es de hidrogê nio mais fortes da á gua com a asparagina, que
interrompe a rede de ligaçõ es de hidrogê nio de á gua ligada com á gua,
cortando o io de H+. Com seu io de H+ cortado, todas as molé culas de
á gua do io entram “felizes, livres e soltas” na cé lula, enquanto seu
“companheiro insepará vel” H+, que a cé lula nã o convidou para a festa
no seu interior, é barrado pelo “porteiro molecular” (a asparagina) na
entrada. Mais um problema de vida ou morte para a cé lula que foi
inteligentemente antevisto e genialmente resolvido.
Os superpoderes das aquaporinas

As aquaporinas foram, portanto, uma soluçã o antecipada e


magni icamente genial para um problema de engenharia extremante
complicado. Em nossa experiê ncia uniforme e repetida, soluçõ es de
engenharia como essa sã o obras de gê nios: mentes que aplicam seu
conhecimento e sua antevidê ncia a um problema aparentemente sem
soluçã o, mesmo para engenheiros extremamente capacitados, e nunca
por forças naturais acé falas.
Entã o, o que você acha? Poderı́amos atribuir essa soluçã o genial para
o dilema do “ io de pró ton” da á gua a um grande golpe de sorte? Teria a
vida ganhado na loteria? A descoberta dessa maravilha de grande
genialidade molecular rendeu o Prê mio Nobel de Quı́mica ao Dr. Peter
Agre, em 2003, “pela descoberta dos canais de á gua” e “pelos estudos
mecanı́sticos estruturais dos canais de ı́ons”12.
Agora você me responde: se uma inteligê ncia do calibre de um
Prê mio Nobel foi necessá ria só para descobrir como essa maravilha de
engenharia funciona, o que teria sido necessá rio para inventá -la e
antevê -la?
Em biologia, a explicaçã o dominante para as nossas origens recorre
sempre a um mecanismo que assume seleçã o natural randô mica, pela
qual a natureza foi capaz de escalar os vá rios montes imprová veis da
biologia,13 uma pequena etapa mutacional de cada vez. Sim, existem
pequenas adiçõ es e ajustes a esse mecanismo bá sico na teoria da
evoluçã o moderna, mas esses ajustes tê m problemas signi icativos,
como eu discuto com detalhes no capı́tulo inal. Mesmo assim, se
vasculhar bem, você sempre encontrará alguma versã o de um
mecanismo de seleçã o e variaçõ es executando etapas-chave em todos
os modelos principais da biologia de nossas origens. Mas o problema
central de todas essas explicaçõ es é este: a seleçã o natural só poderia
agir apó s o surgimento de uma cé lula viá vel e autorreprodutiva, e essa
cé lula só progrediria se cada avanço no processo evolutivo proposto de
sua construçã o pudesse ser preservado e transmitido aos seus
sucessores. Mas nada seria preservado e nada seria transmitido se a
primeira protocé lula morresse subitamente, pela falta de uma
membrana celular plenamente funcional, capaz de executar as muitas
tarefas essenciais que descrevi antes, fora outras.
Sem membranas celulares multitarefas, nã o haveria vida. Sem vida,
nã o haveria evoluçã o gradual por variaçõ es randô micas e seleçã o
natural. Uma membrana primitiva hipoté tica, com uma aquaporina
parcialmente evoluı́da, e que mesmo ainda imperfeita permitisse a
entrada da á gua, mas que nã o tivesse ainda evoluı́do a capacidade de
bloquear a entrada de H+, teria chance zero de sobrevivê ncia. Tal cé lula,
rodeada dos muitos inimigos de um oceano primordial ou uma “poça
á cida e escaldante”, morreria rapidamente. E sem sobrevivê ncia dessa
protocé lula, nã o haveria “cé lulas bebê s”: zero de reproduçã o.
Canais proteicos plenamente funcionais para permitir a passagem
exclusiva de á gua enquanto bloqueiam pró tons sã o essenciais para
qualquer tipo de cé lula, desde a mais so isticada até a mais
“rudimentar” (menos so isticada), se cé lulas rudimentares de fato
existiram um dia nesse planeta. Esses canais altamente seletivos e de
uma engenharia extremamente so isticada precisariam estar lá desde o
inı́cio. Sem á gua cristalina e livre de pró tons, kaput vida!
Mas lembre-se: o dilema do “ io de pró tons” é só um entre muitos
que precisariam de uma soluçã o imediata. Por exemplo, canais de á gua
somente parcialmente evoluı́dos, com orifı́cios pequenos demais ou
grandes demais, ou bloqueariam a á gua ou permitiriam que outras
molé culas contaminantes maiores entrassem na cé lula e a destruı́ssem.
Um canal de á gua bifuncional e e iciente representa um desa io do tipo
“tudo ou nada” para a vida. Anteveja a necessidade desses canais
so isticados de á gua, projete-os com maestria e planeje a sua entrega na
hora e no local certos ou o show da vida jamais será iniciado.
E o pior é que os muitos entraves mortais associados ao canal de
á gua sã o també m observados em muitos outros aspectos da membrana
celular. Se guiados somente pelas evidê ncias, essa maravilha de
engenharia multicomponente mostra-se muito alé m do alcance de um
mecanismo randô mico de variaçã o e seleçã o natural. Outro tipo de
causa se faz necessá ria; uma que tenha a capacidade de antever e
projetar membranas celulares no má ximo da sua so isticaçã o, para a
entrega no local e hora certos. Muitas soluçõ es multiformes como essa,
que anteciparam problemas diversos e que, assim, inviabilizam
processos evolutivos, sã o evidentes em diversos sistemas e mecanismos
da vida. Nos pró ximos capı́tulos, eu discutirei com você outros
exemplos simplesmente espetaculares.
Mansy, Sheref S. et al. Template-directed synthesis of a genetic polymer in a
model protocell. Nature, v. 454, p. 122-125, 2008. DOI 10.1038/nature

Destaco a so isticaçã o dos pHmetros e dos termô metros elé tricos que os
quı́micos usam em seus laborató rios.

Mendoza, Diego de. Temperature sensing by membranes. Annual Review of


Microbiology, v. 68, p. 101-116, 2014. DOI 10.1146/annurev-micro-091313-
103612

Szostak, Jack W.; Bartel, David P.; Luisi, P. Luigi. Synthesizing life. Nature, v. 409,
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Siminovitch, David J.; Wong, P. T. T.; Mantsch, Henry H. Effects of cis and
transunsaturation on the structure of phospholipid bilayers: a high-pressure
infrared spectroscopic study. Biochemistry, v. 26, n. 12, p. 3277-3287, 1987.

Mansy, Sheref S. et al. Template-directed synthesis of a genetic polymer in a


model protocell. Nature, v. 454, p. 122-125, 2008. DOI 10.1038/nature. Ver
també m: Apel, Charles L.; Deamer, David W.; Mautner, Michael N. Self-
assembled vesicles of monocarboxylic acids and alcohols: conditions for
stability and for the encapsulation of biopolymers. Biochimica et Biophysica Acta
– Biomembranes, v. 1559, n. 1, p. 1-9, 2002. DOI 10.1016/S0005-
2736(01)00400-X

Mulkidjanian, Armen Y.; Galperin, Michael Y.; Koonin, Eugene V. Co-evolution of


primordial membranes and membrane proteins. Trends in Biochemical Sciences,
v. 34, n. 4, p. 206-215, 2009. DOI 10.1016/j.tibs.2009.01.005

Mulkidjanian, Armen Y.; Galperin, Michael Y.; Koonin, Eugene V. Co-evolution of


primordial membranes and membrane proteins. Trends in Biochemical Sciences,
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Borgnia, Mario et al. Cellular and molecular biology of the aquaporin water
channels. Annual Review of Biochemistry, v. 68, p. 425-458, 1999.

Murata, Kazuyoshi et al. Structural determinants of water permeation through


aquaporin-1. Nature, v. 407, n. 6804, p. 599-605, 2000. DOI 10.1038/35036519

Eriksson, Urszula Kosinska et al. Subangstrom resolution X-ray structure


details aquaporin-water interactions. Science, v. 340, n. 6138, p. 1346-1349,
2013.

The Nobel Prize in Chemistry 2003. The Nobel Prize, Nobel Media AB.
Disponı́vel em: http://bit.ly/2rvtr4r. Acesso em: 3 dez. 2019.

Essa frase foi extraı́da de: Dawkins, Richard. Climbing mount improbable. New
York: W. W. Norton & Company, 1996.
02
Um mundo planejado para a bioquímica

Ainda me lembro, e muito vividamente, da primeira vez que vi o


oceano. Foi, se nã o me engano, em 1968, durante as minhas fé rias de
verã o. Era tempo de diversã o e, assim, meu pai lotou nossa Kombi com
nossa famı́lia de seis e partimos para Santos, no litoral de Sã o Paulo,
aquela cidade que se tornou famosa, pois foi nas suas praias, e em seu
time, que Pelé “nasceu para o futebol”. Meus pais, Waldemar e Vanda,
tinham nos contado muitas histó rias sobre o oceano e quã o
maravilhoso ele seria; assim, com extrema ansiedade a galera toda
(meu irmã o Moisé s, minhas irmã s Má rcia e Marisa e eu) toda hora
perguntá vamos, lá do banco de trá s, aquela clá ssica pergunta: “pai,
quanto tempo ainda vai demorar?”
Demorou, mas inalmente pudemos escutar as ondas e sentir a brisa
salgada soprando atravé s das janelas abertas de nossa Kombi. Nã o
tı́nhamos ainda chegado ao destino inal, mas meu pai querido
(saudade de você, pai!), vendo quã o ansiosos está vamos, estacionou a
Kombi perto da praia. Pudemos, assim, correr como malucos em
direçã o ao mar e ver pela primeira vez o oceano (Figura 5). Eu era,
entã o, “apenas um rapaz latino-americano” quando pela primeira vez vi
o mar e iquei, na minha “inocê ncia infantil”, simplesmente maravilhado
com o espetá culo ao meu redor. Lembro-me que, de pronto, me
perguntei: uau, quem fez tudo isso?
Figura 5. Quando tive minha primeira experiê ncia com o mar, ainda garoto,
iquei maravilhado com todo aquele espetá culo ao meu redor. E me lembro
que, de pronto, parafraseando Louis Armstrong, extasiado pensei comigo
mesmo: “what a wonderful world”. E me perguntei: quem fez tudo isso?

Nunca me esquecerei daquele sentimento ú nico, do cheiro do mar, do


cé u azul e da contemplaçã o in inita daquela á gua verde; da areia macia,
do sol esquentando minha pele e da á gua batendo suavemente em
meus pé s.
Naquele momento, fui despertado para as maravilhas existentes no
planeta Terra. Essas maravilhas me acompanham até hoje, dia apó s dia,
por todos os meus dias. Nosso planeta está repleto de maravilhas,
desde a nossa atmosfera transparente até o arco-ı́ris colorido, a aurora
boreal, as noites estreladas, os pá ssaros, as libé lulas, as baleias, o pô r
do sol, as abelhas e as lores de vá rios tipos e cores. Mas meus olhos
simplesmente foram aos poucos se acostumando com elas, e o ê xtase
teima em desvanecer.
Para um garoto, a primeira contemplaçã o de tais maravilhas naturais
é normalmente inesquecı́vel. Mas, à medida que crescemos, à s vezes
nos esquecemos de manter essa contemplaçã o; de manter nossa
apreciaçã o por um mundo cheio de odores, texturas, cores e sons; de
continuar apreciando as coisas incrı́veis que nos rodeiam.
A ciê ncia tem me ajudado, poré m, a manter como adulto esse senso
“infantil” de contemplaçã o. Uma contemplaçã o absoluta e uma gratidã o
imensa.
No capı́tulo anterior, mostrei como a cé lula foi arquitetada
cuidadosamente com uma membrana lipı́dica de camada dupla e com
canais ultrasseletivos. Esses componentes foram essenciais desde o
inı́cio, pois nã o haveria esperança de sobrevivê ncia para uma cé lula que
tivesse que testar sua sorte com mutaçõ es ao longo de milhares de
geraçõ es à procura de uma membrana funcional. Ou essa membrana foi
antevista ou seria morte certa para a cé lula. Como mostrarei no
restante desse livro, essa necessidade de antever foi també m requerida
em vá rios outros sistemas e caracterı́sticas ao longo da vida, desde a
cé lula mais simples até o funcionamento de todo o corpo humano.
As evidê ncias a favor da antevidê ncia na vida sã o abundantes, e sã o
percebidas em quase todos os lugares aos quais dirigimos nossos
olhares na biologia. E adicione mais este detalhe: todas essas
maravilhas dependem dos vá rios nı́veis intensos de antevidê ncia. A
ciê ncia tem revelado que a Terra e o Cosmos apresentam camada sobre
camada de caracterı́sticas essenciais à vida. Essa é uma descoberta
magnı́ ica. E esse é o assunto deste capı́tulo.
A antevidência e o ajuste fino do universo

Atualmente, acredita-se que existam pelo menos 26 constantes fı́sicas


em nosso universo, todas elas com valores precisos que precisaram ser
cuidadosamente ajustados para tornar a vida viá vel. Entre essas
constantes estã o coisas tã o fundamentais como a velocidade da luz (c),
a constante gravitacional (G) e a constante de Planck (h). Todos esses
valores, especi icamente ajustados para permitir (mas nã o causar) o
magnı́ ico show de bioquı́mica que exploro neste livro, se resumem em
uma ideia que os cientistas chamam de “ajuste ino do universo”.
Esse ajuste – iníssimo – é normalmente ilustrado por um rá dio com
diversos botõ es que precisariam ser ajustados com extrema exatidã o,
em certas frequê ncias especı́ icas, para que se ouvisse a estaçã o
desejada. Se o universo fosse esse rá dio e as frequê ncias fossem aquelas
que permitiriam a vida, o rá dio teria dezenas (26) desses botõ es que
teriam que ser ajustados todos nos valores exatos dessas constantes
universais.1 Altere somente uma dessas 26 “frequê ncias” em um desses
botõ es por um valor mı́nimo, que deslocasse a sintonia ina da estaçã o
“universo com vida”, e o resultado seria ruı́do e mais ruı́do de um
“universo sem vida”. Por exemplo, se G fosse alterada e a força
gravitacional se tornasse um pouquinho só mais forte do que é , as
estrelas queimariam rá pido demais e nã o poderiam funcionar como
fontes está veis de energia para a vida. Se a gravidade fosse só um pouco
mais fraca, as estrelas e os planetas se tornariam instá veis ou nunca se
formariam.2 Essencialmente, portanto, as leis e as constantes da fı́sica
aparentam terem sido todas ajustadas com o propó sito de sustentar a
vida.
Ao examinar algumas das constantes inamente ajustadas, as que
tinham sido descobertas até os anos 1980 (outras foram descobertas
mais tarde), o fı́sico Fred Hoyle percebeu que essas constantes haviam
sido ajustadas tã o cuidadosamente para a vida que ele interpretou essa
descoberta como uma evidê ncia de planejamento. Hoyle, entã o,
concluiu:
A interpretaçã o com bom senso dos fatos sugere que um superintelecto
brincou com a fı́sica, e també m com a quı́mica e a biologia, e que nã o
existem forças cegas das quais valha a pena falar na natureza. Os nú meros
que se calculam a partir dos fatos me parecem tã o surpreendentes que
duvidar dessa conclusã o está quase fora de questã o.3

Lembre-se que Hoyle nã o era um homem religioso; ele se declarava


ateu. Mas simplesmente se rendeu a uma conclusã o a que muitos
outros també m tê m chegado, incluindo alguns dos principais fı́sicos e
astrô nomos deste planeta: o ajuste ino do universo fornece uma das
evidê ncias mais convincentes para o design inteligente do cosmos.
Muitos fı́sicos teó ricos ansiosamente procuram encontrar uma
“teoria do tudo”, e os que desejam evitar a inferê ncia ao design esperam
que tal teoria diminua o nú mero de constantes fundamentais. Se essa
descoberta realmente ocorrer, essa teoria minimalista acarretará na
descoberta de novas “superconstantes” que, mesmo menos numerosas,
seriam necessariamente ajustadas em um nı́vel ainda mais
incrivelmente ino do que as 26 constantes que elas englobariam.
Até agora, poré m, a tendê ncia tem apontado na direçã o oposta.
Quanto mais o conhecem, mais constantes inamente ajustadas os
cientistas descobrem nesse nosso universo capaz de sustentar a vida. A
seguir, vamos juntos investigar um pouco mais desse ajuste ino e
magnı́ ico.
Água: a matriz química ideal

O planeta Terra foi – variada e perfeitamente – antevisto e projetado


para acomodar a vida. Com uma rotaçã o perfeitamente calibrada de 24
horas, uma lua estabilizadora de sua rotaçã o, sua localizaçã o na zona
habitá vel da via lá ctea, sua distâ ncia perfeita de uma estrela especial e
seus planetas gigantes de gá s na vizinhança que a protegem de muitos
perigos có smicos – e muito mais – a Terra é surpreendentemente
amigá vel à vida.
Mas, apesar de todas essas condiçõ es, a Terra ainda seria incapaz de
acomodar a vida se nã o apresentasse outras propriedades especiais
que permitissem a bioquı́mica. Por exemplo, sua superfı́cie só lida
poderia facilmente ser um deserto, que fervilharia durante o dia e
congelaria durante a noite. Se assim fosse, os ajustes inos de distâ ncias,
a lua ou o perı́odo de rotaçã o da Terra nã o trariam benefı́cio algum à
vida. Por sorte, e sorte grande, uma molé cula maravilhosa com dezenas
de propriedades fı́sico-quı́micas ú nicas forneceu à Terra a soluçã o
perfeita. Uma soluçã o que anteviu adequadamente as suas
necessidades. E que soluçã o genial com tanta antevidê ncia foi essa? A
água.
Para a maioria de nó s, as propriedades que mais conhecemos da á gua
– inodora, insípida e incolor – faz dela algo deveras trivial. Mas, quando
investigamos essas e todas as dezenas de suas outras propriedades, a
á gua se mostra como fruto de uma “cascata de milagres quı́micos”.
Inú meras propriedades e valores da quı́mica e da fı́sica tiveram que ser
ajustados com extrema exatidã o para que a á gua mostrasse um
conjunto incrı́vel de “anomalias” que sã o essenciais à vida na Terra.
Outro “milagre” (golpe de sorte) para a vida: apesar de a á gua lı́quida
ser bastante incomum em praticamente todo o sistema solar, boa parte
da superfı́cie da Terra é recoberta por ela. Especi icamente, a proporçã o
de á gua e Terra seca4 é de cerca de 2:1. Com essa proporçã o, ganhamos
na loteria có smica, pois a á gua, que é essencial para a vida na fase
lı́quida, só é lı́quida em uma faixa bastante restrita de temperatura e
pressã o. Essa faixa é inimaginavelmente ina, comparada com a vasta
faixa de pressõ es e temperaturas encontrada no universo. Mas, mesmo
assim, diante dessa quase impossibilidade, as temperaturas e pressõ es
dessa faixa ina sã o exatamente aquelas observadas na Terra, e bem na
sua superfı́cie.
O sistema solar e todo o universo estã o repletos de á gua,5 mas de
á gua principalmente no estado só lido (gelo) e gasoso, dos quais a vida
nã o se bene icia. Na superfı́cie da Terra, poré m, encontramos á gua em
todos os seus trê s estados. E note que, de fato, precisamos de todos
esses trê s estados da á gua para que haja vida na Terra. Se essa
necessidade nã o fosse antevista, nosso planeta seria como sã o os outros
“meros” planetas de nossa galá xia, sem a vida que só nela há .
O conjunto diverso de propriedades fı́sico-quı́micas da á gua resolve
muitos problemas mortais para a vida.6 Seu alto calor especı́ ico
modera as mudanças de temperatura entre o dia e a noite,
estabilizando a temperatura na superfı́cie da Terra ao absorver calor
durante o dia e liberá -lo à noite. A grande necessidade de calor exigida
para evaporar a á gua també m nos auxilia quando nos refrescamos
durante um dia quente de verã o, atravé s do resfriamento evaporativo
que ocorre quando transpiramos pelas nossas peles desnudas.
A á gua nã o é essencial somente na superfı́cie da Terra e em sua
atmosfera. Ela é també m essencial para a bioquı́mica de nossos corpos,
representando cerca de 2/3 de nosso peso corporal. A á gua é tã o
importante para o funcionamento do corpo humano que morremos de
sede em poucos dias. Ela apresenta tantas funçõ es essenciais devido à s
suas dezenas de propriedades fı́sico-quı́micas incomuns. Um outro
exemplo fundamental: a á gua é um condutor de calor relativamente
pobre, mas essa “pobreza” evita que organismos superaqueçam ou
congelem facilmente, ou seja, rá pido demais.
Outras propriedades incomuns permitem que a á gua permeie as
membranas celulares, ascendendo atravé s de um forte efeito capilar até
o topo de á rvores muito altas, e evaporando controladamente na
superfı́cie de suas folhas “luxuosamente” desenhadas. Esse ajuste
permite que plantas transportem nutrientes e conduzam com sucesso
uma imensidã o de operaçõ es bioquı́micas. Os fundamentos fı́sico-
quı́micos para essas e muitas outras propriedades da á gua – todas
essenciais para a vida – parecem ter sido antevistos e planejados antes
que a á gua surgisse nesse universo. Essas propriedades incluem:

• as massas especı́ icas e cargas elé tricas dos nê utrons, pró tons e
elé trons que formam os á tomos de H e O da molé cula de H2O;
• a extensã o precisa das forças nucleares que estabilizam pró tons e
nê utrons, mantendo-os juntos nos nú cleos de H e O;
• a extensã o exata das forças eletromagné ticas que agem nesses
á tomos e entre eles na molé cula de H2O;
• as regras quı́micas e leis da quâ ntica, que moldam os orbitais
moleculares ligantes e antiligantes da molé cula de H2O, os quais
acomodam nessa molé cula pares de elé trons dos á tomos de H e O em
nı́veis especı́ icos;
• o princı́pio de exclusã o de Pauli, que limita a dois o nú mero de
elé trons em cada um desses orbitais moleculares;
• a extensã o das forças eletromagné ticas de repulsã o entre pares de
elé trons ligados e nã o ligados que circundam o á tomo de O central,
força essa determinada por uma sé rie de constantes universais que,
direta e indiretamente, controlam o comportamento de tais á tomos e
o â ngulo preciso da con iguraçã o H-O-H de 104 graus e 28 minutos.

A lista completa é “quase inesgotá vel”. Todas essas propriedades e


valores tiveram que ser precisamente calibrados – previamente – para
criar essas dezenas de “anomalias so isticadas” da á gua que tornaram a
vida possı́vel na Terra. Parece que tudo foi antecipado com muita
antevidência e planejamento!
As dezenas de propriedades ú nicas da á gua sã o tã o “bizarras” que
um artigo publicado no mais prestigioso de todos os perió dicos
cientı́ icos, a Nature, “ousou” sugerir que a á gua teria até um tipo de
“memó ria” que poderia ser digitalizada, transmitida e reintroduzida em
outra porçã o de á gua.7 Pode? Talvez a á gua, em si mesma, nã o tenha tal
“memó ria mı́stica”, mas parece mais prová vel sugerir que alguma coisa
ou algué m, este sim com ó tima memó ria e, mais ainda, perfeita
antevidê ncia, teria sido o responsá vel por arquitetar esse lı́quido
“inteligente”.
A água como um supersolvente

Outra propriedade quı́mica espetacular da á gua, que a torna ainda mais


importante para a vida na Terra, é sua habilidade de dissolver muitas
substâ ncias diferentes. Assim, a á gua é capaz de transportar diferentes
tipos de nutrientes e dejetos atravé s de cé lulas de plantas e animais,
assim como para fora e para dentro delas.
A á gua é uma molé cula polar, o que signi ica que sua densidade
eletrô nica nã o é uniformemente distribuı́da ao redor da sua estrutura
molecular. Ou seja, um lado da molé cula de á gua é mais “pobre” de
elé trons (densidade positiva), enquanto o outro é mais “rico” em
elé trons (densidade negativa). Essa polarizaçã o somada ao tamanho
reduzido da molé cula de á gua e sua capacidade ú nica de formar duas
ligaçõ es de hidrogê nio em mé dia por molé cula fazem com que a á gua
dissolva aminoá cidos, alguns peptı́deos, hormô nios, proteı́nas
globulares e vá rias outras biomolé culas, alé m de sais inorgâ nicos.
Apesar de nã o dissolver todos os tipos de molé culas – “graças a Deus”,
como veremos mais adiante –, a á gua dissolve muito mais substâ ncias
do que qualquer outro lı́quido, tanto que costumeiramente nos
referimos a ela como “o solvente universal”.
Quando inspecionamos a arquitetura atô mica da á gua, vemos mais
nı́veis cruciais de beleza, so isticaçã o e ajuste ino quı́mico. Os trê s
á tomos que formam a molé cula de á gua (H-O-H) estã o dispostos em um
â ngulo de 104º28”, enquanto os á tomos de H e O apresentam
eletronegatividades bem diferentes. Essas caracterı́sticas – juntas –
tornam a á gua bastante polar, com uma distribuiçã o bem assimé trica de
densidade eletrô nica. A á gua consegue, assim, “solvatar” (rodear por
todos os lados) vá rios ı́ons com grande e iciê ncia e mover esses ı́ons
encapsulados ao longo das cé lulas do corpo humano.
Mesmo assim, a á gua nã o “exagera” em seu show de habilidades e –
felizmente para a vida – colocou um limite em sua capacidade de
dissolver molé culas. Biomolé culas maiores, como os á cidos graxos e as
proteı́nas que formam a maioria das estruturas de nossos corpos, sã o
insolú veis em á gua. Sorte grande, pois essa insolubilidade nos torna
capazes de cantar e dançar na chuva (“Singin’ in the rain”), tomar
longos banhos de mar ou relaxar por horas em uma banheira com á gua
morna, ou mesmo beber um chimarrã o bem quente, ou ainda uma
limonada bem á cida, sem sermos transformados em uma soluçã o
aquosa. Tudo isso por conta dessa capacidade quase universal, mas
controladamente limitada, de dissolver da á gua. Somos 2/3 de á gua. Se
a á gua, de repente, adquirisse a capacidade de dissolver tais
biomolé culas, serı́amos “feitos de açú car” e nã o poderı́amos mais
“cantar na chuva”.
Ela nã o dissolve proteı́nas, mas a á gua é essencial para o
enovelamento dessas biomolé culas. Esse enovelamento resulta do forte
momento dipolar de uma molé cula de H2O. Um momento dipolar é
criado quando os á tomos em uma molé cula nã o compartilham
igualmente seus elé trons. O seu momento dipolar ú nico e seu â ngulo
especı́ ico H-O-H de 104º28”, que calibra sua polaridade, permite,
entã o, que a á gua estabeleça fortes ligaçõ es de hidrogê nio entre si e
com as proteı́nas. Esse balé de forças de atraçã o e repulsã o faz com que
as proteı́nas, ao serem sintetizadas em á gua, se enovelem corretamente
nas formas tridimensionais especı́ icas e funcionais, as quais sã o
essenciais para sua atividade bioló gica.
A maluquice do gelo, que boia

Pelas leis da fı́sica, o estado só lido de uma substâ ncia deveria ser
sempre mais denso do que seu estado lı́quido. Há , poré m, uma exceçã o
extraordiná ria a essa regra. Qual seria? De novo, a á gua. Atingindo seu
má ximo de densidade a 4ºC, a á gua se torna menos densa quando
congela. Essa “anomalia” permite que a á gua circule e revitalize rios e
lagos na Terra, transportando gases nocivos para a superfı́cie e oxigê nio
para o fundo.
Considere agora uma alternativa. Se nã o boiasse, se o gelo fosse de
fato mais denso do que a á gua lı́quida, como ocorre para todos os
demais líquidos à temperatura ambiente, o que aconteceria? Uma
grande catá strofe: os lagos em climas mais frios congelariam e se
tornariam totalmente só lidos, destruindo toda a vida neles existente. Os
oceanos també m congelariam, nã o somente nos polos, onde agora
congelam, mas també m nas suas profundezas. E o congelamento dos
oceanos se estenderia por distâ ncias muito mais afastadas dos polos sul
e norte, em um cená rio devastador para a vida marinha.8
Mas graças ao “antevidente”, a á gua se expande quando congela, ica
mais “leve” e lutua no topo do lago, preservando, assim, a vida nele
existente. A vida é preservada, portanto, porque a á gua é rebelde e
gosta de desobedecer a regras, fazendo seu gelo ser mais leve (menos
denso) do que a á gua lı́quida. Igualmente surpreendente, o gelo é um
bom isolante té rmico. Juntas, essas duas propriedades “bizarras”
permitem que em seus topos se forme uma tampa de gelo isolante, que
evita que esses lagos congelem totalmente até o fundo, possibilitando
que peixes continuem vivos e bem supridos de oxigê nio debaixo do
gelo. E uma soluçã o “rebelde” para um problema mortal, mas uma
soluçã o muito genial. Se a á gua decidisse nã o ser tã o ú nica e anô mala
quanto é , e fosse mais comportada, a vida estaria em maus lençó is.
Vamos considerar outro cená rio hipoté tico. Suponha que a á gua se
mantivesse lı́quida muito abaixo de 0ºC e nunca se congelasse nas
temperaturas encontradas na superfı́cie da Terra. Nesse cená rio
desolador, ela perderia muitas de suas propriedades decorativas: nã o
terı́amos mais neve, nem as incontá veis formas magnı́ icas dos cristais
de neve, os natais no hemisfé rio norte perderiam seu “charme branco”
(White Christmas), nã o poderı́amos mais esquiar no gelo e nã o
observarı́amos mais aquelas geleiras majestosas. Bom para o Titanic, eu
sei, mas que desastre para a beleza do planeta! Nosso planeta se
tornaria muito menos charmoso.
Mas para entendermos melhor como a á gua é ú nica, temos que
investigá -la ao nı́vel molecular. A massa molecular (MW) de uma
molé cula de H2O é de 18 unidades de massa atô mica (Daltons, Da). A
MW do metano (CH4) é bastante pró xima, de 16 Da (somente 2 Da a
menos), mas a H2O tem um ponto de fusã o (0ºC) e um ponto de
ebuliçã o (100ºC) muito mais elevados do que o CH4 (-182,5ºC e
161,6ºC, respectivamente). Alé m disso, a H2O manté m-se lı́quida dentro
de uma faixa de temperaturas (100ºC) bem mais ampla do que o CH4
(20,9ºC).
A energia necessá ria para vaporizar H2O lı́quida é també m mais do
que quatro vezes maior do que para o CH4. O gelo també m necessita de
muita energia para derreter, aquecer e entã o vaporizar, permitindo
assim que os oceanos guardem grande quantidade de calor. Esse efeito
explica muito do porquê o clima tende a ser temperado em cidades
costeiras, pois a á gua do mar e a umidade no ar tendem a suavizar as
mudanças de temperatura.9 Nos desertos, poré m, que sã o muito mais
secos, temos grandes variaçõ es de temperatura.
Até aqui demos só uma pincelada – bem de leve – nas inú meras
anomalias da á gua, nas suas dezenas de propriedades fı́sico-quı́micas
tã o amigá veis à vida. Mas, em grande contraste com suas tantas
propriedades inusitadas, uma das caracterı́sticas mais surpreendentes
da á gua é sua extrema simplicidade quı́mica. A estrutura da á gua, 1H-
16O-1H, é simples, mas magni icamente elegante, tendo somente dois do

menor entre todos os á tomos (1H) ligados a um ú nico á tomo (també m


relativamente leve) de 16O. Como poderia esse trio atô mico tã o
pequeno e tã o simples assim ser capaz de formar uma molé cula com
tantos truques quı́micos e apresentar propriedades tã o “bizarras”?
A simplicidade da á gua é outro argumento a favor do seu design
inteligente e da antevidê ncia em sua estruturaçã o. O uso de coisas
simples para se atingir resultados complexos é tido como uma marca de
gê nios. Como a autora francesa Amandine Aurore Lucile Dupin, com seu
pseudô nimo George Sand, uma vez disse: “a simplicidade é a coisa mais
difı́cil de se obter nesse mundo... o ú ltimo esforço de um gê nio”.10 Com
simplicidade extrema, a “mera, leve e pequena” molé cula de H2O
resolve sozinha mú ltiplos problemas complexos para a vida.
A atmosfera perfeita

A atmosfera de nosso planeta é també m essencial à vida. Entre tantas


outras funçõ es, ela nos protege de bombardeamentos vindos do espaço
sideral, iltra a radiaçã o perigosa emitida pelo sol, enquanto permite
que parte de sua radiaçã o – vital à vida na Terra – a atravesse. Nossa
atmosfera també m controla a temperatura na superfı́cie da Terra.
A atmosfera da Terra é composta de uma mistura gasosa que conté m
os gases perfeitos – e em uma proporção perfeita – para a vida na Terra:
21% de oxigê nio (O2), 78% de nitrogê nio (N2) e um pouquinho de
argô nio (Ar), dió xido de carbono (CO2) e vapor d’á gua (H2O).
E pior: esses gases – muito felizmente – nã o reagem
espontaneamente entre si, outra propriedade quı́mica crucial para a
estabilidade a longo prazo de nossa atmosfera.
Quanto ao O2 compor nossa atmosfera, sim, perfeito, pois todos nó s
sabemos que essa é a molé cula que necessitamos respirar e assim,
atravé s dela, obter energia quı́mica para o perfeito funcionamento de
nossos corpos. Mas qual uso teriam os outros gases? Nã o poderı́amos
ter uma atmosfera só com O2 puro? Nã o, tal atmosfera seria desastrosa
para a vida na Terra. Sem CO2, nã o terı́amos plantas, e com O2 puro os
incê ndios na Floresta Amazô nica, por exemplo, seriam incontrolá veis. E
mesmo as espé cies que se bene iciam em respirar O2, incluindo os
animais, sofreriam com seu excesso. Entã o, “pensando” na vida, nossa
atmosfera foi “temperada” també m com nitrogê nio (N2), um gá s muito
está vel e pouco reativo, que dilui o O2 na proporçã o adequada.
Mas para que serviriam os outros gases presentes em concentraçõ es
“traço”, como o Ar, o CO2 (proveniente essencialmente de vulcõ es) e o
CH4 (de vacas e outros animais ruminantes)? Apesar de estarem
presentes em pequenas quantidades, esses gases també m sã o
essenciais à vida, formando um “efeito estufa” perfeito (há
contrové rsias, eu sei), que manté m a vida aquecida e com acesso à
quantidade certa de energia.
O N2 nã o somente “dilui” o O2, mas é també m essencial para a vida e
foi perfeitamente ajustado para ser um dos mais abundantes
componentes de nossa atmosfera. Essa molé cula cria uma atmosfera
su icientemente espessa para estabilizar a á gua lı́quida no nosso
planeta e criar resistê ncia mecâ nica (atrito) ao bombardeamento
có smico. O N2 é uma molé cula altamente está vel e quimicamente
“quase” inerte, pois é formada por dois á tomos de N ligados forte e
triplamente (N≡N), fornecendo, assim, um solvente perfeito para o O2.
A mistura inal de gases apresenta a densidade e pressã o certas para
facilitar a respiraçã o e destruir muitos dos detritos que vê m do espaço.
O N2 també m provê á tomos de N para os nossos aminoá cidos – os
blocos de construção das proteínas – e també m para inú meras outras
molé culas nitrogenadas essenciais à vida.
Esses dois gases – N2 e O2 – e suas estruturas moleculares perfeitas
sã o, portanto, essenciais à vida na Terra e exatamente na proporçã o
especı́ ica (nem muito mais, nem muito menos) em que nela sã o
encontrados.
Outro detalhe: nossa atmosfera de N2 e O2 é també m transparente à s
ondas de rá dio e à luz visı́vel e podemos, portanto, contemplar aquela
imensidã o de estrelas em uma noite escura. Essa mesma atmosfera cria,
agora durante o dia, um cé u azul e avermelhado ao pô r do sol. Essa
mistura perfeita de gases també m iltra e/ou bloqueia radiaçã o UV
danosa emitida pelo sol, enquanto permite que contemplemos os cé us e
enviemos e recebamos ondas de rá dio. Que equilı́brio extremamente
requintado!
Mas mesmo com uma atmosfera tã o espetacular assim, ainda temos
um grave problema a ser resolvido: a vida animal na Terra rapidamente
consumiria todo o O2 e o N2 de nossa atmosfera. Nosso O2 seria todo
convertido em CO2, o que poderia ainda aquecer excessivamente a
Terra pelo efeito estufa. A manutençã o da vida també m requereria
processos que – em formas bioquímicas úteis – reciclassem e ixassem
continuamente o N2 no solo e nos oceanos. E o que encontramos na
Terra? Encontramos exatamente todos esses processos ocorrendo em
perfeita sincronia atravé s de uma rede altamente complexa e
interligada, que inclui raios, micró bios, plantas e animais, e que
sustenta nossos ciclos de carbono, oxigê nio e nitrogê nio.11
Se as duas ú nicas “preocupaçõ es” do “antevidente” fossem o ajuste
da pressã o do ar e a diluiçã o adequada do O2, outros gases poderiam
ter sido selecionados. Mas se faltasse antevidê ncia e genialidade na
escolha, o efeito estufa de gases inapropriados entornaria o caldo.
Gases como o CO2, o vapor d’á gua (H2O), o CH4 e o ozô nio (O3) – comuns
e abundantes na atmosfera de outros planetas – poderiam també m
funcionar como solventes do O2, mas altas concentraçõ es desses gases
aprisionariam calor em excesso.
Perceba outro equilı́brio incrı́vel observado na atmosfera da Terra: se
nosso planeta fosse desprovido de uma atmosfera, como o planeta
Mercú rio, durante a noite o calor escaparia excessivamente para o
espaço, extinguindo por congelamento todas as formas de vida na
Terra. Vê nus tem um problema oposto. Mesmo nã o estando tã o
pró ximo do sol como seu vizinho Mercú rio, ele é o planeta mais quente
do sistema solar, pois sua atmosfera é quase que exclusivamente
constituı́da de CO2. Tanto CO2 assim causa um efeito estufa extremo em
Vê nus, que resulta em uma temperatura mé dia em sua superfı́cie de
462ºC. Assim, Mercú rio tem atmosfera de menos; Vê nus, de mais. E a
Terra? Nosso planeta “sortudo” tem a quantidade exatamente certa!
Ozônio: o protetor da vida

Eu deixei por ú ltimo o melhor exemplo de antevidê ncia em nossa


atmosfera: a camada de ozônio (Figura 6).

Figura 6. A atmosfera da Terra nos protege do bombardeamento vindo do


espaço, iltrando a radiaçã o perigosa, enquanto permite que a luz solar
essencial a atravesse. Essa mistura de gases modera a temperatura na Terra,
sendo sua receita perfeita para a vida: 21% de oxigê nio (O 2), 78% de
nitrogê nio (N2) e “pitadas” de argô nio (Ar), dió xido de carbono (CO 2) e vapor
d’á gua (H2O).

A camada de ozô nio (O3) mostra um conjunto requintado de soluçõ es


cuidadosamente antevistas e elaboradas. O sol emite cerca de 90% de
sua radiaçã o eletromagné tica na regiã o do visı́vel e do infravermelho
(IV), e essa mistura se mostra perfeita para a vida e para a fotossı́ntese.
Mas há um problema sé rio: os 10% restantes da luz do sol sã o
compostos de diferentes subtipos de radiaçã o ultravioleta (UVA, UVB,
UVC e UVE); alguns muitos danosos, mas outros essenciais à vida. Por
exemplo, um pouco do UVB que o sol emite excessivamente é bené ico e
necessá rio para a produçã o de vitamina D, que fortalece os nossos
ossos; alguns pá ssaros, insetos e mamı́feros, por sua vez, conseguem
ver luz UVA e usá -la para caçar. Certos raios UV sã o també m ú teis no
tratamento de algumas doenças de pele, tais como a psorı́ase, o vitiligo,
esclerodermas e dermatite ató pica.12 Mas outras porçõ es da luz UV sã o
danosas.
Mas nossa atmosfera foi perfeitamente ajustada para resolver esse
dilema “demô nio-anjo” da radiaçã o UV, bloqueando o que dela é ruim e
deixando passar o que dela é bom. O que chamamos de camada de
ozô nio (O3) tem uma tarefa central nesse ajuste.
A camada de ozô nio (O3) ocupa a parte inferior da estratosfera, em
uma faixa que se prolonga de 15 a 35 quilô metros acima da superfı́cie
da Terra. De fato, a camada de ozô nio nã o é constituı́da de ozô nio puro,
mas é mais rica em ozô nio (O3) do que outras partes de nossa
atmosfera, contendo algumas partes por milhã o dessa molé cula tri-
atô mica essencial. A luz UV emitida pelo sol é principalmente composta
por trê s subtipos: UVA, UVB e UVC e um pouquinho de UVE. A camada
de ozô nio deixa passar cerca de 5% e absorve cerca de 95% da radiaçã o
UVB, que seria potencialmente danosa para a vida em doses maiores,
mas providencia um benefı́cio geral em pequenas doses. Ao mesmo
tempo, nossa atmosfera é transparente ao UVA, a radiaçã o mais
amigá vel à vida entre todos os subtipos de UV emitidos pelo sol.
Mas o que realmente surpreende na camada de ozô nio (O3) é o seu
trabalho em perfeita sincronia com os gases predominantes de nossa
atmosfera, o N2 e O2, formando um equilı́brio perfeitamente balanceado
de O2 + O O3 e mediado pelas radiaçõ es UVC e UVB. A camada de
ozô nio també m aparenta conter exatamente a concentraçã o certa de O3
e estar na altitude correta para bloquear o “UVC do mal” e o excesso da
radiaçã o UVB, enquanto permite que o “UVA do bem” e uma quantidade
ú til de UVB (cerca de 5%) sejam transmitidos.
O O3 també m ocorre em uma camada perto da superfı́cie da Terra,
mas como a Agê ncia de Proteçã o Ambiental dos Estados Unidos (EPA)
explica em seu site, somos nó s que criamos esse O3 sinté tico atravé s de
“reaçõ es quı́micas industriais entre ó xidos de nitrogê nio (NOx) com
compostos volá teis de carbono (VOC), na presença da luz do sol”, o que
forma aquele esfumaçamento de poluiçã o urbana. As principais fontes
de NOx e VOC sã o as emissõ es de utensı́lios elé tricos e plantas
industriais, de exaustores de carros, os vapores da gasolina e outros
solventes quı́micos. Esse “O3 poluente” é prejudicial aos nossos
pulmõ es e dani ica as plantaçõ es, á rvores e a vegetaçã o em geral.13
O problema pioraria muito se o O3 nã o fosse a molé cula bastante
reativa que é na baixa atmosfera, o que evita que esse gá s venenoso se
acumule em concentraçõ es mais perigosas. Mas, felizmente, na
estratosfera mais diluı́da e mais fria onde a camada de ozô nio se
encontra – e somente lá – o O3 tem vida longa. E graças ao seu
posicionamento preciso – de 15 a 35 quilômetros acima de nossas
cabeças –, o “O3 natural” nos protege em vez de nos causar dano.
O ozô nio (O3) é formado quando a porçã o mais danosa e energé tica
da radiaçã o UVC é absorvida pelo O2. E també m surpreendente
descobrir que o UVC possui exatamente a energia requerida para
romper O=O em dois á tomos de O, mesmo sendo a molé cula de O2
fortemente ligada por duas ligaçõ es entre seus dois á tomos de O. Agora
esse O livre e altamente reativo se combina com O2 para formar O3.
Essa quı́mica toda ocorre para que o O2 bloqueie quimicamente a
radiaçã o danosa UVC, enquanto, ao mesmo tempo, forme a camada
bene icial de O3, atravé s de á tomos de O livres e altamente reativos.
Formada, entã o, a camada protetora de ozô nio, ela agora faz o quê ?
Outro truque incrı́vel: o O3 iltra exatamente o excesso da radiaçã o
danosa UVB, deixando passar aquela porçã o exata de cerca de 5% que a
vida requer.
Mas lembre-se que o O3 é – em si mesmo – danoso para a vida,
portanto, “graças a Deus”, todas essas reaçõ es ocorrem bem lá em cima,
no lindo cé u azul.
Para que tudo ocorresse com perfeiçã o, toda essa cascata complexa
de reaçõ es, induzida por radiaçã o, parece ter requerido um
planejamento cuidadoso, com ajustes da densidade de gases, da
pressã o do ar, de temperaturas e reatividades e da localizaçã o da
molé cula de O3 – mais pesada do que o ar, biologicamente danosa e
pungente – em uma altitude pró pria e concentraçã o certa na nossa
atmosfera.
Deixe-me mais uma vez tentar explicar com mais detalhes quı́micos
como todo esse processo magnı́ ico funciona, posto que preserva a vida
na Terra: a minha e a sua. Os gases O2 e O3 formam uma “dupla
dinâ mica”, como a de “um quarto zagueiro junto com seu beque central”.
Molé culas de O2 bloqueiam o UVC, mas deixam a maioria da radiaçã o
UVB passar. Lembre-se de que o sol emite UVB em quantidade muito
maior do que a vida na Terra necessita. Mas o UVB que escapa do
“quarto zagueiro” O2 – a primeira molécula da defesa da vida – é
capturado pela segunda, o “beque central” O3. Agora, quando atinge a
camada de O3, o UVB é quase todo absorvido (95%), e a energia
absorvida decompõ e o O3 de volta em O2 e O. Portanto, o excesso da
radiaçã o UVB é eliminado pelo O3, enquanto esse mesmo processo
transforma o O3 em O2 e O, realimentando o equilı́brio O2 + O O3.
Entendeu essa quı́mica fantá stica e circular, conhecida como o ciclo
O3/O2?
Vou resumir todo esse processo magnı́ ico agora em nú meros: a
maioria da radiaçã o danosa UVC é bloqueada primeiro pelo O2,
especi icamente a porçã o com comprimento de onda de 100 a 200
nanô metros (nm). A porçã o do UVC (de 200 a 280 nm) que escapa
desse bloqueio com O2 é bloqueada pela camada de O3; todo o UVC é
bloqueado e nada dele atinge o solo. A energia da porçã o da radiaçã o
UVC com 100 a 200 nm é , entã o, usada para quebrar o O2 em dois
á tomos de O, que reagem com O2, formando O3. Esse O3 agora bloqueia
a maioria (95%) da radiaçã o UVB (de 280 a 315 nm), que queima nossa
pele. O UVA de 315 a 400 nm (menor energia) é praticamente
transparente tanto ao O2 quanto ao O3, e a maioria dessa radiaçã o
“angelical” – menos danosa e essencialmente bené ica – atinge o solo. O
nitrogê nio molecular atmosfé rico (N2) també m faz parte desse ciclo
intrincado de iltragem e bloqueio, pois o N2 bloqueia a mais energé tica
e danosa porçã o da radiaçã o UV, ou seja, o UVE de 10 a 100 nm.
E lembre-se que, enquanto a camada de ozô nio iltra a maioria da
radiaçã o UVB, a sua porçã o bené ica de 5%, com os maiores
comprimentos de onda, é transparente ao O3, atingindo o solo, onde é
usada pelo nosso corpo para produzir vitamina D.
Assim, na nossa atmosfera, a vida é protegida por uma sinergia
complexa de propriedades de reagir e absorver UV de uma “trindade”
de gases: O2, O3 e N2. Pense comigo: se a camada de O3 mais a atmosfera
toda de O2 e N2 nã o estivessem lá , a exposiçã o excessiva à radiaçã o UVB
e UVC (e mais UVE) ameaçaria seriamente a vida abaixo do sol. Os
efeitos mais prová veis seriam uma reduçã o signi icativa da
produtividade de colheitas, supressã o do sistema imunoló gico dos
humanos, cegueira e uma pandemia de câ ncer de pele.14
Raios: surpreendentemente importantes

Nas molé culas de nitrogê nio (N≡N) e oxigê nio (O=O), fortemente
ligadas, todos os elé trons desemparelhados de valê ncia de seus á tomos
estã o compartilhados e, assim, seus elé trons estã o todos indisponı́veis
para reaçõ es quı́micas. Portanto, o N2 e o O2 nã o reagem naturalmente
entre eles. Essa falta de reatividade é uma propriedade essencial que
requereu antevidê ncia para que a Terra tivesse uma atmosfera está vel.
Mas a vida necessita de compostos nitrogenados e providenciou uma
maneira de formar NO e NO2, para que dissolvessem na á gua das
chuvas e atuassem no solo da Terra como ingredientes-chaves na forma
de â nions nitrato (NO3-) e nitrito (NO2-). Esse consumo de N2 e O2 teria
que ser compensado por um mecanismo que os recolocassem na nossa
atmosfera. Ciclos de reciclagem de N2 e O2 tiveram que estar
prontamente disponı́veis. Mas como resolver esse paradoxo quı́mico da
necessidade de estabilidade quı́mica junto com eventual reatividade? A
soluçã o foi genial: raios!15
Os raios (Figura 7) formam nos cé us um show piroté cnico
espetacular de luzes e sons, que sempre fascinou a todos. Raios sã o tã o
inspiradores que os humanos, ao longo de sua histó ria, os associaram à
fú ria de deuses. Eles sã o causados pelo luxo sú bito de carga elé trica
entre nuvens eletricamente carregadas ou entre uma dessas nuvens e o
solo. Os raios “caem” na Terra em uma taxa estimada de 100 vezes por
segundo e em nú mero que excede um milhã o por ano.16
Figura 7. Uma ilustraçã o do mecanismo de formaçã o de raios, com a
separaçã o de cargas elé tricas nas nuvens e no solo, e a descarga elé trica que
ocorre promovida pelo imenso “capacitor” que se forma. A energia que é
liberada atomiza o N2, e os á tomos de N nascente podem agora reagir com o
O 2 para formar NO e, em seguida, NO 2.

Os cientistas ainda debatem sobre o mecanismo exato pelo qual os


raios sã o gerados, mas é comumente aceito que a á gua congela nas
nuvens, em temperaturas que variam de -15ºC a -25ºC, formando
cristais de gelo que colidem com gotas d´á gua. Essas colisõ es fazem
com que os cristais de gelo adquiram carga elé trica positiva. Forma-se,
entã o, uma mistura meio “lamacenta” de gelo positivo e á gua
supercongelada negativa. Os cristais de gelo positivos sã o mais leves e
tendem a acumular no topo das nuvens, enquanto a mistura “negativa”
de á gua e gelo se acumula na base das nuvens. Quando passa perto do
solo, uma nuvem carregada induz uma carga oposta no solo, formando
um capacitor natural. Eventualmente, uma descarga elé trica entre
nuvens ou de uma nuvem para o solo ocorre e se propaga atravé s da
atmosfera composta de molé culas de N2 e O2.17
Mas, por um verdadeiro “milagre”, os raios fornecem energia
su iciente para romper as ligaçõ es triplas da molé cula de N≡N,
formando á tomos “nascentes” de N, agora com elé trons
desemparelhados e, assim, altamente reativos. As molé culas
relativamente inertes de N≡N na nossa troposfera sã o, entã o,
transformadas pelos raios em á tomos de N muito reativos.18 Esses N
“nascentes” reagem, entã o, com O=O, formando NO mais um á tomo de
O, enquanto o NO é , em seguida, rapidamente oxidado para NO2. Tem
sido estimado que um ú nico lash de raio é capaz de produzir quase um
octilhã o (cerca de 4 x 1026) de molé culas de NOx (NO + NO2) ou cerca
de 40 kg.
Em seguida, todos os principais ı́ons atmosfé ricos, N+, N2+, O+, O2+ e
NO2+, rapidamente “roubam” um elé tron do NO gerando NO+. Assim, o
produto inal de um raio19 é o cá tion NO+. Nuvens de tempestades
liberam enormes quantidades de energia elé trica, e essa energia supera
a alta “energia de ativaçã o” necessá ria para atomizar o N≡N em N
“nascente”, tornando viá vel a reaçã o controlada entre N2 e O2. Essa
reaçã o produz NO e, entã o, NO2, que chegam ao solo produzindo NO2- e
NO3-.
Esse ciclo que os raios ajudam a manter nã o é somente um benefı́cio
a mais. Como David Fowler e seus colaboradores explicam: “o ciclo de
nitrogê nio global é essencial para a biogeoquı́mica da Terra, com
grandes luxos naturais de nitrogê nio da nossa atmosfera migrando
para ecossistemas terrestres e marinhos, via a ixaçã o bioló gica de
nitrogê nio”20 e de volta para a nossa atmosfera. A ixaçã o bioló gica de
nitrogê nio (BNF) e os raios, os quais transformam molé culas pouco
reativas de N2 em NH3, NO2- e NO3- e, em uma sé rie de biomolé culas
nitrogenadas, fornecem formas ixas de nitrogê nio que, como Fowler e
seus colaboradores també m explicam, sã o “subsequentemente
transformadas em uma grande variedade de aminoá cidos e compostos
oxidados por microrganismos e, inalmente, devolvidas para a
atmosfera como nitrogê nio molecular, atravé s da denitri icaçã o
microbioló gica nos solos, nas á guas marinhas e em rios e sedimentos”.
E como esses autores melhor detalham, a emissã o de NO2 no inı́cio da
denitri icaçã o “tem um papel fundamental no balanço radioativo da
Terra e na quı́mica da camada de ozô nio de nossa estratosfera, onde o
NO2 é destruı́do por fotó lise”,21 um processo quı́mico que rompe
molé culas em unidades menores pela absorçã o de luz.
A ixaçã o bioló gica de nitrogê nio e a produçã o de NOX por raios
foram as soluçõ es para fontes de novas formas reativas de nitrogê nio
em nossa biosfera. Um suplemento contı́nuo de nitrogê nio reativo é
essencial, nã o somente para a agricultura, mas para todas as formas de
vida. Mesmo que a quantidade de nitrogê nio reativo fornecido pelos
raios aparente ser uma ordem de grandeza menor do que aquela
fornecida pela ixaçã o bioló gica de nitrogê nio, os raios tê m um papel
fundamental no ciclo de nitrogê nio, sendo també m importantes na
formaçã o da camada de ozô nio e na manutençã o da capacidade
oxidativa da nossa atmosfera.22 Sem raios para produzir NO, atravé s da
reaçã o “superenergé tica” entre N2 e O2, nã o haveria vida em nosso
planeta.
E lembre-se que as nuvens, mais as propriedades so isticadas das
mudanças de fase e a separaçã o de cargas elé tricas nos cristais de gelo,
resultam das intensas forças quı́micas que mantê m as molé culas de
á gua juntas; ou seja, aquelas forças provenientes da polaridade e das
propriedades ú nicas da á gua, que forma ligaçõ es de hidrogê nio fortes e
mú ltiplas. Resumindo: eu e você estamos aqui, em parte, graças aos
raios e à s nuvens aquosas eletricamente carregadas, que acumulam
“trilhõ es de bilhõ es” de quilowatts de energia elé trica. Sem tudo isso,
bye bye, eu e você!
Estamos falando de ciência?

Vimos que a Terra e mais as leis e constantes da fı́sica e da quı́mica


tiveram que ser inamente ajustadas – e de várias formas – para
viabilizar a vida. E muito desse ajuste ino teria que ser previsto antes
da vida surgir em nosso planeta. Antes que os pequenos detalhes da
bioquı́mica pudessem ser planejados, a quı́mica e as constantes
universais teriam que já estar todas inamente ajustadas ou essa
bioquı́mica seria inviá vel. Essa dimensã o de ajuste ino sugere que a
antevidê ncia teve um papel fundamental já na essê ncia de nosso
universo.
Para neutralizar as implicaçõ es inevitá veis de toda essa aparê ncia de
antevidê ncia em funcionamento a favor do design inteligente, alguns
apostam no multiverso: na existê ncia de incontá veis outros universos –
todos nunca observados (só um, o nosso). E pior, creem que o nosso
universo teria sido fortuitamente privilegiado com todas as inú meras
condiçõ es certas, enquanto a maioria dos outros universos desse
multiverso nã o tiveram “tanta sorte” assim.23 Mas a proposta do
multiverso e suas muitas variaçõ es que tentam explicar o ajuste ino
apresentam problemas serı́ssimos.24 Precisaria escrever outro livro
para apresentar uma discussã o detalhada desses problemas, mas, para
lhe dar uma ideia, vamos considerar um deles: a hipó tese do multiverso
falha em explicar uma lista longa e crescente de aspectos da biologia
que aparentam ter requerido um input criativo na Terra, mesmo antes
da origem do universo. Ou seja, o ajuste ino so isticadı́ssimo na fı́sica e
na quı́mica, que tem sido descoberto nas dé cadas recentes, é uma
condiçã o necessá ria, mas nã o su iciente para a vida bioló gica. Nã o só no
inı́cio, mas mais à frente, outras formas de ajuste ino foram també m
necessá rias.25
Todo esse ajuste ino sugere algo mais que somente constantes
ajustadas. Sugere antevidê ncia estupidamente genial, que antecipou
problemas e providenciou soluçõ es. E quanto mais aprendemos sobre
esse ajuste ino e essas soluçõ es, mais e mais convincente se tornam as
evidê ncias a favor dessa antevidê ncia.
Mas toda vez que esse argumento é invocado, sempre surge o mesmo
protesto: se esteve de fato envolvida no ajuste ino do cosmos, a
antevidê ncia emanou de um ser sobrenatural, que transcende o cosmos
e suas leis. Portanto, a conclusã o por antevidê ncia nã o pode ser
considerada cientı́ ica. E ponto inal.
Esse “protesto” nos remete, entã o, a uma questã o fundamental: como
se de ine ciência?
Contrá ria à percepçã o popular, a ciê ncia é uma atividade humana
muito variada e existem, assim, muitos mé todos cientı́ icos diferentes.26
Há certamente uma sobreposiçã o, mas existem distinçõ es muito
importantes. Por exemplo, a “ciê ncia experimental” feita em nossos
laborató rios, aquela que trata do modo como as coisas funcionam hoje,
emprega um tipo de metodologia, enquanto a “ciê ncia histó rica” – que
inclui a ciência de nossas origens – se baseia na metodologia da “ciê ncia
de laborató rio”, mas també m em outros mé todos, pois procura
descobrir a causa de eventos do passado. Eventos esses, portanto, que
nã o podem ser investigados com os mesmos mé todos que estudamos
aspectos da biologia molecular, ao observarmos a vida com
microscó pios e espectrô metros avançados.
Existem també m diferenças em metodologia mesmo entre as ciê ncias
experimentais, por exemplo, entre a ecologia e a fı́sica. Assim, cientistas
e sociedades cientı́ icas tê m proposto diferentes de iniçõ es para a
ciê ncia, as quais muitas vezes se sobrepõ em ou até mesmo competem
entre si. Por exemplo, o Conselho de Educaçã o do Estado de Kansas nos
Estados Unidos uma vez de iniu a ciê ncia como “um empreendimento
humano que tem como objetivo explicar o mundo natural”, poré m eles
adicionaram uma restriçã o bastante abrangente ao declararem: “a
ciê ncia está restrita a explicar o mundo natural usando somente causas
naturais (energia, maté ria e forças)”. E a justi icativa para essa forte
restriçã o foi a de que faltaria à ciê ncia hoje ferramentas para testar
explicaçõ es que apelem para causas (sobrenaturais) que transcendam
as causas naturais.27
Eu discordo dessa alegaçã o, a de que a ciê ncia das nossas origens nã o
teria ferramentas para testar explicaçõ es que concluiriam por causas
inteligentes, sobrenaturais ou de qualquer outro tipo. Uma objeçã o
salta aos olhos: se a de iniçã o de ciê ncia do Conselho de Educaçã o do
Estado de Kansas fosse apropriada, somente uma cosmovisã o seria
permitida em ciê ncia: o naturalismo. E essa restriçã o tendenciosa
signi icaria que o ajuste ino e todas as outras evidê ncias claras de
antevidê ncia na natureza teriam que ser obrigatoriamente ignoradas
ou “dissimuladas”, por exemplo, com o apelo desesperado para ideias
fantasiosas, tais como a do multiverso. Essa restriçã o empobrece a
ciê ncia, pois exclui teorias e conclusõ es só porque elas nã o se adequam
a uma categoria desejada.
Deve haver uma de iniçã o melhor e mais abrangente para a ciê ncia.
E, de fato, há : “A ciê ncia é a busca sistemá tica e imparcial pelo
conhecimento da natureza”. Por essa de iniçã o, cientistas se tornam
livres para pensar, investigar, duvidar e concluir baseados em toda e
qualquer evidê ncia que obtenham. O princı́pio norteador da ciê ncia é
este: liberdade de pensamento e fala guiada por dados coletados
usando mé todos sistemá ticos. Se a ciê ncia – a busca por verdades
absolutas28 escondidas na natureza – quer, de fato, ser tida como um
empreendimento dirigido exclusivamente pela verdade, suas duas
ú nicas restriçõ es devem ser: razão e evidências.
Com esse entendimento estabelecido, resta claro que a investigaçã o
de evidê ncias e causas para o ajuste ino, a antevidê ncia e o design
inteligente é um projeto cienti icamente vá lido. Diá logos e debates
honestos entre pessoas comprometidas com uma busca cienti icamente
livre por conhecimento sã o a força motriz da ciê ncia. Cientistas devem
seguir as evidê ncias, seja lá quem for que as encontrem ou as
motivaçõ es de quem conduziu a pesquisa, ou para onde esses dados
apontem sobre a realidade que nos cerca. Essa é a ú nica ciê ncia que
vale a pena ser feita.
Será com esse entendimento da ciê ncia que eu retornarei, no
pró ximo capı́tulo, à nossa investigaçã o da bioquı́mica, ignorando
qualquer regra que restrinja a busca livre pela verdade. Como bons
detetives, eu o convido a seguir comigo as pistas, recusando excluir
prematuramente opçõ es e nos guiando só pela razã o e pelo acú mulo de
evidê ncias.
Para mais informaçõ es sobre as constantes universais e a complexidade do
ajuste ino do universo que elas revelam, leia: Siegel, Ethan. It takes 26
fundamental constants to give us our universe, but they still don’t give
everything. Forbes, Aug. 22, 2015. Disponı́vel em: http://bit.ly/33omlfm.
Acesso em: 28 nov. 2019.

Leia mais em: Lewis, Geraint F.; Barnes, Luke A. A fortunate universe: life in a
inely tuned cosmos. Cambridge: Cambridge University Press, 2016. Para um
resumo mais antigo, mas on-line leia: Richards, Jay W. A list of ine-tuning
parameters. Discovery Institute’s Center for Science and Culture, Jan. 14, 2015.
Disponı́vel em: http://bit.ly/2rtO4Ou. Acesso em: 28 nov. 2019.

Hoyle, Fred. The universe: past and present re lections. Engineering and Science,
v. 45, n. 2, p. 8-12, 1981.

The peculiar properties of ice. Evolution News & Science Today, Aug. 7, 2012.
Disponı́vel em: http://bit.ly/37FcCEJ. Acesso em: 28 nov. 2019.

Dyches, Preston; Chou, Felicia. The solar system and beyond is awash in water.
NASA, Apr. 7, 2015. Disponı́vel em: https://go.nasa.gov/2L3C1hN. Acesso em:
28 nov. 2019.

Para uma discussã o bem mais completa sobre as propriedades “sobrenaturais”


da á gua, leia: Denton, Michael. The wonder of water: water’s profound itness
for life on earth and mankind. Seattle: Discovery Institute, 2017.

O artigo a seguir, famoso e controverso, sobre a “memó ria” da á gua foi uma vez
publicado na Nature. Esse artigo exempli ica como uma teoria “tentadora”
pode ser publicada em perió dicos de grande prestı́gio sem muita – ou quase
nenhuma – evidê ncia. O trabalho explicou os “porquê s” e o “quando”, mas foi
negligente em explicar o “como”: Davenas, E. et al. Human basophil
degranulation triggered by very dilute antiserum against IgE. Nature, v. 333, n.
6176, p. 816-818, 1988.

Para uma discussã o detalhada das muitas propriedades da á gua que favorecem
a vida, leia: Chaplin, Martin. Anomalous properties of water. Water Structure
and Science. Disponı́vel em: http://bit.ly/34tlU4L. Acesso em: 5 dez. 2019. Para
mais detalhes leia: Dutch, Steven. Ice Floats. Intelligent Design. Intelligently.
Disponı́vel em: http://bit.ly/2pY6NBt. Acesso em: 28 nov. 2019. No seu texto,
Dutch levanta vá rios bons argumentos, apesar de ele descaracterizar a teoria
do design inteligente no inal de seu artigo.

Dutch, Steven. Ice Floats. Intelligent Design. Intelligently. Disponı́vel em:


http://bit.ly/2pY6NBt. Acesso em: 28 nov. 2019.

Sand to M. Charles Poncy, Sept. 12, 1844. In: Letters of George Sand. Translation
Raphaë l Ledo de Beaufort. London: Ward and Downey, 1886. v. 1, p. 355.

Para uma discussã o sobre alguns desses fatores, leia: Ward, Bess B.; Jensen,
Marlene M. The microbial nitrogen cycle. Frontiers in Microbiology, v. 5, n. 553,
2014. DOI 10.3389/fmicb.2014.00553

Juzeniene, Asta; Moan, Johan. Bene icial effects of UV radiation other than via
vitamin D production. Dermato-Endocrinology, v. 4, n. 2, p. 109-117, 2014. DOI
10.4161/derm.20013

U.S. Environmental Protection Agency. Of ice of Air and Radiation. Ozone: good
up high, bad nearby, Jun., 2003. Disponı́vel em: http://bit.ly/2ORkiLr. Acesso
em: 28 nov. 2019.

Anwar, Fakhra et al. Causes of ozone layer depletion and its effects on human:
review. Atmospheric and Climate Sciences, v. 6, p. 129-134, 2016. DOI
10.4236/acs.2016.61011

Drapcho, David L.; Sisterson, Douglas; Kumar, Romesh. Nitrogen ixation by


lightning activity in a thunderstorm. Atmospheric Environment, v. 17, n. 4, p.
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Uman, Martin A. Natural Lightning. IEEE Transactions on Industry Applications, v.


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Rakov, V. A. The physics of lightning. Surv Geophys, v. 34, n. 701-729, 2013. DOI
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Can ield, Donald E.; Glazer, Alexander N.; Falkowski, Paul G. The evolution and
future of earth’s nitrogen cycle. Science, v. 330, n. 6001, p. 192-196, 2010. DOI
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Ferguson, E. E.; Libby, W. F. Mechanism for the ixation of nitrogen by lightning.


Nature, v. 229, n. 37, 1971.
Fowler, David et al. The global nitrogen cycle in the twenty- irst century.
Philosophical Transactions of the Royal Society B, v. 368, n. 1621, 2013. DOI
10.1098/rstb.2013.0164

Fowler, David et al. The global nitrogen cycle in the twenty- irst century.
Philosophical Transactions of the Royal Society B, v. 368, n. 1621, p. 1-2, 2013.
DOI 10.1098/rstb.2013.0164. Como os autores detalham, molé culas de NOx
també m desempenham papé is importantes “na produçã o fotoquı́mica do
ozô nio e outros oxidantes e espé cies radicalares chave”. Leia també m:
Galloway, James N. et al. Nitrogen cycles: past, present, and future.
Biogeochemistry, v. 70, n. 2, p.153-226, 2004; Wayne, Richard P. Chemistry of
atmospheres: an introduction to the chemistry of the atmospheres of Earth, the
planets and their satellites. Oxford: Clarendon Press, 1991; Isaksen, I. S. A. et al.
Atmospheric composition change: climate-chemistry interactions. Atmosphere
Environment, v. 43, n. 33, p. 5138-5192, 2009.

Fowler, David et al. The global nitrogen cycle in the twenty- irst century.
Philosophical Transactions of the Royal Society B, v. 368, n. 1621, 2013. DOI
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Linde, Andrei. Multiverse: a brief history of the multiverse. Reports on Progress


in Physics, v. 80, n. 2, 2015. DOI 10.1088/1361-6633/aa50e4

Para uma exploraçã o mais aprofundada da sintonia ina e a favor e contra a


soluçã o do multiverso para o problema de ajuste ino, leia: Lewis, Geraint F.;
Barnes, Luke A. A fortunate universe: life in a inely tuned cosmos. Cambridge:
Cambridge University Press, 2016.

Para um caso extenso em que o ajuste ino, planetá rio e cosmoló gico é melhor
explicado por referê ncia a uma causa inteligente, leia: Gonzalez, Guillermo;
Richards, Jay W. The privileged planet: how our place in the cosmos is designed
for discovery. Washington, DC: Regnery Publishing, 2004.

Pearcey, Nancy R.; Thaxton, Charles B., The soul of science: Christian faith and
Natural Philosophy. Wheaton, IL: Crossway Books, 1994.

Kansas State Department of Education. Standards Development Committee.


Kansas Science Education Standards. Feb. 2007. Disponı́vel em:
http://bit.ly/2qUMS6T. Acesso em: 2 dez. 2019.

Nabel, Gary J. The coordinates of truth. Science. v. 326, n. 5949, p. 53-54, 2009.
DOI 10.1126/science.1177637
03
O código pré-vida

Agora que entendemos como a antevidê ncia foi necessá ria para
viabilizar a bioquı́mica da vida, vamos retornar à cé lula. Como um
computador, mas ainda mais so isticado, a cé lula tem seu pró prio
sistema de processamento de informaçã o. Programas de computador
necessitam de programadores – de agentes conscientes com
conhecimento e antevidência capazes de codi icar as instruções
necessárias na sequência certa – para gerar um programa rico em
informaçã o e funcionalidade. Haveria, entã o, razõ es que justi icariam a
conclusã o de que a informaçã o das cé lulas, como as dos computadores,
també m foi programada por um programador? Ou que essa informaçã o
teria surgido por processos randô micos? Vamos, a seguir, mergulhar
nos detalhes e considerar essas duas opçõ es.
Antevidência no DNA

A informaçã o gené tica da cé lula é uma das caracterı́sticas mais


fundamentais e ancestrais da vida.1 Essa informaçã o é essencial para a
formaçã o, o movimento e a reproduçã o de todas as formas de vida da
Terra. Sem ela, nenhum organismo celular seria capaz de produzir as
biomolé culas essenciais à vida.
Se maté ria inanimada evoluiu formando cé lulas vivas,
exclusivamente atravé s de processos cegos, e pelos mecanismos que a
teoria da evoluçã o propõ e, entã o essa informaçã o – de alguma forma –
foi obrigatoriamente gerada de maté ria e energia por processos
naturais nã o guiados. Os teó ricos que estudam a origem da vida –
aqueles comprometidos com uma descrição puramente naturalista da
vida – sã o forçados, portanto, a explicar como essa informaçã o gené tica
surgiu junto com o sistema de processamento dessa informaçã o na
cé lula – os dois virtualmente de uma só vez. Isso porque, por sua pró pria
natureza, a informaçã o e seu processamento trabalham em sinergia
direta. Uma evoluçã o gradual, etapa por etapa, se mostra aqui inviá vel.
Essa impossibilidade nã o deveria nos surpreender, pois a informaçã o
gené tica combinada com seu có digo gené tico inclui caracterı́sticas tais
como uma ló gica semâ ntica e o arranjo com signi icado de caracteres,
coisas que nã o emanariam de nenhuma das leis conhecidas da fı́sica ou
da quı́mica.
As sequê ncias de bases no genoma de uma cé lula sã o,
essencialmente, um sistema operacional – o código que especi ica as
várias funções genéticas da célula – afetando tudo na vida, desde a
quı́mica e a estrutura celular até a maquinaria de replicaçã o e controle
temporal de processos. Como certas funçõ es sã o compartilhadas por
todas as formas de vida, os genomas de diferentes formas de vida sã o
todos muitos semelhantes. Por exemplo, todos os mamı́feros
compartilham mais que 90% dos seus genomas,2 e estima-se que até
mesmo formas de vida tã o distintas, como humanos e bananas,
compartilhem 60% da sua informaçã o gené tica.3 Nas porçõ es
especı́ icas de cada genoma, acham-se, entã o, as instruçõ es especı́ icas
para as necessidades variá veis dos diferentes gê neros e espé cies.
Por ser tã o fundamental para a vida na Terra, a informaçã o gené tica
teve que ser transmitida e armazenada da forma mais compacta,
e iciente e livre de erros possı́vel. Essa necessidade trouxe consigo uma
sé rie de problemas que tiveram que ser solucionados, e suas soluçõ es
implementadas de pronto para que molé culas plenamente capazes de
transmitir e armazenar informaçã o gené tica estivessem disponı́veis já
para o primeiro ser que habitou esse planeta.
O DNA (á cido desoxirribonucleico) é formado por trê s substâ ncias
quı́micas de classes distintas. Uma delas é o â nion fosfato PO43-, que é
formado por quatro á tomos de oxigê nio (O) distribuı́dos
tetraedricamente ao redor de um á tomo de fó sforo (P), restando, assim,
uma carga elé trica formal triplamente negativa. A outra substâ ncia é
um açú car cı́clico de cinco membros – a ribose –, que possui quatro
hidroxilas (OH) como seus grupos ligantes. O DNA usa um derivado da
ribose chamado desoxirribose, que tem um grupo OH a menos, pois foi
trocado por um á tomo de hidrogê nio (H). Discutirei essa diferença
entre ribose e desoxirribose e sua importâ ncia vital mais à frente, mas
por enquanto vou chamar as duas indistintamente de “ribose”. A
terceira classe de substâ ncias quı́micas do DNA sã o bases nitrogenadas
heterocı́clicas está veis e rı́gidas – duas purinas e duas pirimidinas –, que
tê m a habilidade de se ligarem fortemente à s hidroxilas (OH) da ribose,
por ligaçõ es covalentes, e entre si, atravé s de duas ou trê s ligaçõ es de
hidrogê nio supramoleculares.
A conexã o de uma ribose com uma das quatro bases nitrogenadas
forma ribonucleotı́deos, que sã o ideais para transmitir informaçã o. Por
que a “natureza” teria escolhido essas substâ ncias e por que a
combinaçã o delas forma espé cies ideais para transmitir informaçã o?
Sã o muito detalhes quı́micos intrincados, entã o vou explicar por partes,
em cada uma das seçõ es que se seguem. Mas aqui de novo você pode
achar essas explicaçõ es té cnicas demais para o seu gosto, entã o, se
quiser avançar e pular os pará grafos mais té cnicos, nã o se preocupe,
pois você encontrará um resumo dos argumentos na conclusã o de cada
subseçã o. As iguras serã o també m bastante ú teis para o seu
entendimento.
O ânion fosfato

Para ser viá vel como o depositó rio duradouro da informaçã o gené tica
da vida, a biomolé cula escolhida nã o poderia se desfazer (hidrolisar) na
presença de á gua. O problema da hidró lise, portanto, teria que ser
solucionado de antemã o ou esse depositó rio se desfaria no interior
aquoso de uma cé lula tã o rapidamente quanto um grã o de açú car se
dissolve na á gua. Mas o DNA vence, e muito bem, o desa io da hidró lise,
e a soluçã o que o fez vencedor é um esplendor supremo de engenharia
quı́mica e elé trica.
O DNA (Figura 8) é um é ster polimé rico, composto por um io muito
longo de fosfato (PO43-) – intercalado com ribonucleotídeos (ribose mais
uma das bases nitrogenadas) – que se estende por cerca de dois metros
em humanos. Essa arquitetura molecular é perfeita para uma
biomolé cula que deveria cumprir as funçõ es que o DNA executa, como
veremos a seguir.

Figura 8. A molé cula de DNA e sua forma entrelaçada – uma hé lice dupla. A
“escada” nas laterais é feita de anı́o ns fosfato (P), e os “degraus”, sustentados
por riboses, sã o as quatro bases nitrogenadas (A, T, G ou C) que carregam a
informaçã o do có digo gené tico. As histonas servem como “carreté is” que
enovelam o DNA em cromatinas, o material que forma os cromossomos, que
sã o guardados nos nú cleos das cé lulas.

A estrutura quı́mica tridimensional tetraé drica do PO43-, com seus


quatro á tomos de O terminais e trê s cargas elé tricas formais negativas,
permite que esse â nion se ligue a dois ribonucleotı́deos por meio de
dois de seus á tomos de O, enquanto o á tomo de O restante permanece
carregado negativamente. Se “R” representa um ribonucleotı́deo, tal
estrutura pode ser descrita como (R1O)(R2O) P(=O)-O-.
A carga elé trica negativa restante no O- terminal está , de fato, em
ressonâ ncia entre dois á tomos de oxigê nio. Essa ressonâ ncia é
essencial, pois estabiliza a molé cula de DNA contra as reaçõ es com á gua
(hidró lise) e cria um campo elé trico ao redor de toda a sua hé lice dupla.
Esse campo elé trico protetor envolvente impede també m que o DNA –
molécula tão preciosa para a vida – escape do nú cleo da cé lula por
permeaçã o da membrana. Essas propriedades tornam o PO43- o elo
perfeito de construçã o de uma macromolé cula de DNA está vel.
Primeiro, o PO43- se liga ao açú car certo e à s bases nitrogenadas certas.
Segundo, ele protege bem a estrutura toda com um campo elé trico
contra a hidró lise. Terceiro, ele ajuda a manter o DNA perfeitamente
encapsulado dentro do nú cleo da cé lula.4 Todo esse arranjo molecular
(ou outro equivalente, que eu nem sequer consigo imaginar) de
engenharias quı́mica e elé trica so isticadı́ssimas – que forma e protege o
DNA – teria que estar presente desde o momento zero para viabilizar a
vida de qualquer cé lula. Um tudo ou nada!
Para que o DNA funcionasse apropriadamente, outro problema teve
que ser resolvido de antemã o. O â nion PO43- é perfeito para o DNA
como conector de sua molé cula polimé rica longa, mas a reaçã o de PO43-
com ribose é lenta demais. A cé lula necessitou, portanto, de um
catalisador apropriado para acelerar essa reaçã o lenta, mas crucial.
Enzimas – grandes biomoléculas so isticadamente arquitetadas –
realizam essa tarefa nas cé lulas, acelerando a ligaçã o da ribose com
esses conectores em vá rias ordens de magnitude. A fabricaçã o de
enzimas é outro processo incrı́vel que eu discutirei mais à frente. Para
fazer DNA, enzimas foram necessá rias desde o inı́cio. Enzimas sã o
fabricadas segundo sequê ncias que as codi icam, mas onde essas
sequê ncias estariam armazenadas? No DNA, as molé culas nas quais
essas mesmas enzimas “foram concebidas” para tornar sua sı́ntese
viá vel. Percebeu o dilema?
Temos, entã o, no DNA duas soluçõ es geniais para dois desa ios do
tipo “vida ou morte”: primeiro, um campo elé trico que protege o DNA
de se “dissolver” na presença de á gua; e segundo, as enzimas, molé culas
so isticadı́ssimas que em muito aceleram uma reaçã o crucial, a qual,
sem elas, seria lenta demais. Uma dessas soluçõ es geniais nã o poderia
esperar pela outra. Elas teriam que vir juntas, pois uma sequê ncia
especı́ ica de DNA é necessá ria para codi icar a enzima, enquanto a
enzima é essencial para fabricar esse mesmo DNA. Tanto o DNA
polimé rico, com suas vá rias ligaçõ es (de ciné tica extremamente lenta)
de â nions fosfato com a ribose (mais uma base nitrogenada), quanto as
enzimas apropriadas para acelerar a formaçã o das ligaçõ es de fosfato
com ribose desse DNA teriam que estar disponı́veis ao mesmo tempo e
no mesmo lugar. Se somente uma surgisse sem a outra – e bem ali do
seu ladinho – nenhuma cé lula jamais se formaria nesse planeta.
Ribose

Um pouco mais de maravilhas da engenharia foi necessá rio para ajustar


a estabilidade do DNA. Ao formar o io de fosfato, o PO43- poderia se
ligar a qualquer um dos carbonos com grupos hidroxila (OH) da ribose
que se projetam da molé cula desse açú car, mas a natureza intrı́nseca
das ligaçõ es fosfodié ster vistas na molé cula de DNA ocorrem
exclusivamente nos carbonos com os grupos hidroxila 5’-3’. (Como as
molé culas de ribose da Figura 9 mostram, os bioquı́micos numeram os
á tomos de carbono (C) da ribose de 1’ a 5’. Assim, o esqueleto de fosfato
de um DNA se liga ao C5’ de uma ribose e ao C3’ da pró xima).
Descobriu-se que essa seletividade 5’-3’ aumenta a estabilidade do
DNA5 quando comparada à conexã o 5’-2’. De fato, no DNA, que usa
desoxirribose em vez de ribose, o grupo OH ligado ao C2’ foi trocado
por um á tomo de H e, portanto, o C2’ ica indisponı́vel para ligaçõ es, e
por uma razã o muita boa. Essa troca (de ribose por desoxirribose)
retarda a hidró lise do DNA, o que é uma caracterı́stica essencial para
qualquer molé cula que pretende armazenar informaçã o por um longo
tempo.
Um artigo recente trouxe mais luz a esse crité rio de seleçã o:

A razã o pela qual a natureza de fato escolheu fosfato é devido a uma


sinergia entre dois efeitos opostos: por um lado, fosfatos sã o carregados
negativamente, e a repulsã o carga-carga resultante do nucleó ilo que se
liga contribui para criar uma barreira de energia muito alta para a
hidró lise, tornando os é steres de fosfato um dos compostos mais inertes
que se conhece... [Mas] a mesma repulsã o carga-carga, que torna a
hidró lise dos é steres de fosfatos tã o desfavorecida, també m permite que
essa hidró lise seja regulada por meio de um controle eletroestá tico. Isso
signi ica que a hidró lise do é ster de fosfato nã o somente pode ser ligada,
mas també m desligada pelo ajuste ino do ambiente eletroestá tico...
Essas caracterı́sticas fazem de é steres de fosfatos os compostos ideais
para a vida da forma que a conhecemos hoje.6

Assim, somente o â nion fosfato tem essa dupla capacidade que faz o
DNA funcionar tã o bem.
Pesquisadores tê m construı́do aná logos de DNA usando outros
açú cares, alé m da ribose, e medido suas propriedades. Teria sido a
ribose, esse açú car cı́clico de cinco membros tã o especı́ ico, somente
uma boa opçã o entre muitas? Parece que nã o.7 A molé cula escolhida
teria que ser tanto está vel quanto capaz de carregar o có digo da vida. E
essas duas funçõ es, juntas, parece que somente a ribose consegue
exercer. Aná logos de DNA, feitos com outros açú cares, foram incapazes
de armazenar informaçã o. Outros falharam em formar hé lices duplas
está veis, ou suas interaçõ es intermoleculares se mostraram fortes ou
fracas demais, ou suas associaçõ es foram insu icientemente seletivas.
Outros aná logos adotaram conformaçõ es variadas que impediriam a
maquinaria da cé lula de replicá -los. Efetivamente, a ribose aparenta
nã o ser somente a melhor, mas a única.
Darwin sugeriu que a vida emergiu por acaso em uma “pequena poça
quente”, ou seja, um acidente teria formado uma biomolé cula imensa,
complexa e magistral capaz de armazenar informaçã o e já equipada
com o ú nico açú car, a ribose, que a faria funcionar. Mas, se julgarmos
pela imensidã o de molé culas que possuem grupos OH nelas
“pendurados” e que poderiam mimetizar a ribose, a tarefa de
bisbilhotar e selecionar corretamente esse ú nico açú car tã o particular,
e iciente e essencial à vida, naquela “poça quente”, se torna
“multiplicadamente impossı́vel”.8
A ribose é també m ideal para formar uma estrutura molecular
tridimensional (3D). De fato, a ribose nã o é o ú nico açú car que
permitiria ao DNA formar uma hé lice dupla está vel, mas ela é de longe a
melhor. O espaço livre resultante dentro da dupla hé lice com uma
ribose é de cerca de 25 angstrons, e essa distâ ncia é perfeita para que
nele uma base nitrogenada monocı́clica menor (T ou C) se emparelhe
com uma bicı́clica maior (A ou G). Esse espaço perfeito permite a
formaçã o de pares de bases seletivos, nos quais (como mostrarei mais à
frente) a base A só pode se emparelhar com T e a C, só com G, formando
um crité rio de seletividade essencial para o bom funcionamento do
có digo gené tico. Se outra molé cula, que nã o a ribose, fosse usada, essa
distâ ncia interna seria ou longa ou curta demais.
As quatro bases do DNA

Outra questã o crucial é esta: por que a vida escolheu as quatro bases
nitrogenadas entrelaçadas em nosso DNA que formam esse quarteto
fantá stico ATGC e que permitem o tricotar de nossas proteı́nas (Figura
9)?

Figura 9. O “tricotar” perfeitamente coordenado dos ios de fosfato e ribose


decorados com o “quarteto fantá stico” das bases nitrogenadas da vida (ATGC),
que entrelaça essas bases na hé lice dupla de nosso DNA. Essas bases ATGC
codi icam todas as receitas bioquı́micas, que sã o utilizadas pelos ribossomos
agora para tricotar com extrema perfeiçã o as estruturas 3D complexas das
proteı́nas que formam as nanomá quinas da vida. Um show de antevidê ncia e
engenharia.

Outra evidê ncia de planejamento na arquitetura quı́mica do DNA é


observada na escolha de um alfabeto de quatro caracteres usados como
unidades de codi icaçã o, emparelhados trê s a trê s (4 x 3). Por que nã o
se usou um nú mero maior ou menor de caracteres ou
emparelhamentos mais curtos ou mais longos, tipo 5 x 2 ou 3 x 5?
Alguns cientistas estã o estudando exatamente essas outras variaçõ es
de “Frankensteins gené ticos”. E um trabalho sem dú vida fascinante, mas
o DNA deveria ser o mais econô mico possı́vel. E, para que tivesse vida
longa, o DNA deveria ser també m quimicamente está vel. As quatro
bases escolhidas, ATGC, aparentam ser exatamente o que o DNA
precisaria. Elas sã o altamente está veis e podem se ligar à ribose atravé s
de ligaçõ es covalentes (N-O) muito fortes. Cada base desse “quarteto
fantá stico” ATGC é capaz de estabelecer emparelhamentos perfeitos
com um reconhecimento molecular preciso, atravé s de fortes ligaçõ es
de hidrogê nio supramoleculares. Os membros do par G≡C, por
exemplo, se alinham precisamente, formando trê s ligaçõ es de
hidrogê nio. O par A=T se alinha formando duas ligaçõ es de hidrogê nio.
As interaçõ es “espú rias” AG, CT, CA e GT sã o, entã o, preteridas, e se
formam ú nica e exclusivamente as interaçõ es “certas” G≡C e A=T.
Mas como os emparelhamentos també m “espú rios” G≡G, C≡C, A=A
ou T=T nã o acontecem? A inal de contas, essas duplas també m
formariam pareamentos perfeitos de duas ou trê s dessas fortes ligaçõ es
de hidrogê nio. A resposta é fascinante: esses arranjos nã o se formam
porque o espaço de 25 angstrons entre as duas itas da hé lice dupla “foi
antevisto” para ser curto demais para o emparelhamento entre duas
bases “largas” (bicı́clicas) A=A e G≡G e, ao mesmo tempo, longo demais
para o emparelhamento das duas bases “curtas” (monocı́clicas) C≡C e
T=T. Ou seja, ou icaria “apertado” demais para duas bases “gordinhas”,
ou “folgado” demais lá dentro da hé lice dupla para duas bases
“magrinhas”.9
Para o perfeito funcionamento do có digo da vida, é necessá rio que a
hé lice dupla seja está vel, formada pelo io polimé rico perfeito de fosfato
e ribose, com um espaçamento interno apropriado que permitiria
acomodar os acoplamentos seletivos “pequeno com grande” A=T e G≡C,
e com suas duas ou trê s ligaçõ es de hidrogê nio. E, felizmente, todo esse
arranjo quı́mico e espacial é precisamente o que nó s temos.
Ribose para o mRNA e desoxirribose para o DNA: um golpe de
mestre

Há ainda um exemplo mais impressionante dos problemas potenciais


na estrutura do DNA e seu iel mensageiro, o mRNA, que tiveram que
ser resolvidos de antemã o. O DNA teria que ser altamente está vel, de
vida longa, enquanto o mRNA – que funciona como intermediário
temporário entre o DNA e uma proteína (como veremos a seguir) –
precisaria ser muito menos está vel, de vida curta. O mRNA usa uma
molé cula intacta de ribose para construir o seu io polimé rico,
enquanto o DNA usa uma versã o “desoxigenada” da ribose, ou seja, a
desoxirribose. Visto que um grupo OH foi trocado por um á tomo de H
em uma posiçã o aparentemente inerte (o carbono C2’ no anel da ribose
da Figura 10), pareceria estranho, à primeira vista, que tal cuidado
tenha sido tomado para um detalhe molecular aparentemente tã o
“trivial”. Mas descobriu-se uma razã o crucial – de vida ou morte – para
que a vida apelasse para esse truque quı́mico fantá stico.
A escolha da ribose para o mRNA e de desoxirribose para o DNA teve
um propó sito claro: foi para, em um meio alcalino, aumentar a
estabilidade quı́mica do DNA e diminuı́-la para o mRNA.
Se o DNA nuclear é o “hard disk” da vida, armazenando informaçã o
por muito tempo, o mRNA é o seu “pen drive”, transmitindo parte dessa
informaçã o por pouco tempo (alguns minutos). O tempo de vida do
mRNA teria, portanto, que ser curto, senã o a produçã o de proteı́na se
prolongaria excessivamente. A vida precisou, portanto, encontrar uma
forma de digerir e reciclar rapidamente o mRNA, assim que seu
trabalho terminasse. Quando essa troca misteriosa de OH por H foi
estudada, descobriu-se que o grupo 2’OH aparentemente inerte
(quimicamente “silencioso”) acelera a hidró lise do mRNA cerca de 100
vezes mais do que a do DNA (Figura 10).10 A ribose foi, entã o, usada no
mRNA para sua digestã o rá pida em meio alcalino, mas, para um DNA
com vida longa, foi melhor usar a desoxirribose. Sem essa antevidê ncia,
a vida seria inviá vel. Novamente, tudo indica que esses controles de
estabilidade especı́ icos para o DNA e para o mRNA tiveram que ser
antevistos e a soluçã o providenciada de antemã o, e tudo entregue no
tempo certo.

Figura 10. As estruturas quı́micas da ribose, da desoxirribose e de duas


molé culas de ribose conectadas formando parte de um mRNA. O ataque de um
â nion hidroxila (OH-) ao H á cido de um grupo C2’-OH da ribose e o posterior
ataque nucleofı́lico do intermediá rio alcó xi formado por uma reaçã o SN2
intramolecular, via um estado de transiçã o de seis membros (o mais
favorecido), ao io fosfato quebram esse io e diminuem o tempo de vida do
mRNA para poucos minutos. No DNA, o grupo C2’-OH foi trocado por um C2’-H
e, portanto, essa reaçã o foi evitada. Quı́mica na sua mais pura essê ncia, com
muito de antevidê ncia!

Mas deixe-me explicar melhor esse ajuste, com os devidos detalhes


do “como” e da fantá stica bioquı́mica da vida. Talvez de novo seja muita
“quimiquê s” para você , mas pelo menos creio que você perceberá a
complexidade, a genialidade e toda a antevidê ncia necessá ria. Vamos lá :
como um grupo C2’-OH aparentemente “silencioso” poderia ajuda o
RNA a sofrer hidró lise cerca de 100 vezes mais rá pido do que o DNA? E
uma maravilha de quı́mica e engenharia. Atravé s de um intermediá rio
cı́clico, com assistê ncia intramolecular do grupo OH do carbono C2’ do
anel da ribose (calibrado nanometricamente para lá estar), um estado
de transiçã o de seis membros (o melhor) é formado quando uma base,
em meio alcalino, ataca esse OH, removendo seu pró ton á cido. Esse
ataque forma um â nion alcó xi (C-O-) intermediá rio, que, por sua vez,
ataca coordenada e intramolecularmente o io de fosfato por um
mecanismo SN2 (substituiçã o nucleofı́lica de ciné tica de segunda
ordem), quebrando esse io e, portanto, “digerindo” o RNA. Observe que
para o DNA com sua desoxirribose, o grupo C2’-OH foi trocado por um
C2’-H. Portanto, a hidroxila (OH) nã o está mais disponı́vel, a hidró lise
do DNA nã o é mais assistida por aquele â nion alcó xi via um estado de
transiçã o intramolecular, e o ataque de uma base deve, portanto, “vir de
fora”. Mas, quanto a esse ataque externo, que causaria hidró lise, o DNA
está també m bem protegido, pois é totalmente cercado por um escudo
elé trico fornecido pelo io de â nion fosfato discutido anteriormente.
A homoquiralidade e a troca de U por T

Há outras soluçõ es fantá sticas que foram antevistas e perfeitamente


implementadas no par DNA/RNA. Tal como muitas outras molé culas
orgâ nicas, a ribose pode se apresentar em duas formas distintas: uma
que se assemelha à nossa mã o direita – a D-ribose – e outra, à nossa
mã o esquerda – a L-ribose. A sı́ntese casual da ribose (sem controle
estereoquı́mico) – em laboratórios por exemplo – sempre forma uma
quantidade igual dos dois isô meros L e D, ou seja, o que chamamos de
uma mistura racê mica. Mas uma mistura racê mica de ribose seria,
biologicamente, uma catá strofe. Essa mistura tornaria impossı́vel obter
coerê ncia tridimensional para os contornos da hé lice dupla do DNA.
Tanto o DNA quanto o RNA necessitam somente de formas D ou
somente de formas L da ribose, nunca das duas juntas.
Assim, temos aqui um grande misté rio: como forças quı́micas cegas
teriam sido capazes de realizar essa seleçã o tridimensional tã o
desa iadora? Comentando sobre esse misté rio, o escritor de ciê ncia e
editor da Nature, Philip Ball uma vez confessou: “No sexagé simo
aniversá rio da hé lice dupla [do DNA], nó s temos que admitir que nã o
entendemos completamente como a evoluçã o funciona no nı́vel
molecular”.11 Ele foi sincero, mas bem “modesto” ao descrever um
grande problema.
As molé culas de DNA e RNA apresentam outra diferença crucial:
enquanto o DNA usa timina (T) como uma de suas bases, o RNA usa
uracila (U). Essa troca de U por T é muito intrigante, pois as estruturas
quı́micas das duas molé culas sã o quase idê nticas e diferem somente
pela presença de um pequeno grupo metila (CH3) em T. Como os
editores da revista NSTA WebNews Digest uma vez questionaram
resumidamente: “a conversã o de U em T consome energia, entã o por
que as cé lulas se importariam em gastar energia para adicionar essa
metila em U para formar T para o DNA?”.12
Pior ainda: esse grupo extra, pequeno e inerte (CH3) foi adicionado
ao anel da base T no que aparenta ser també m uma posiçã o “silenciosa”
(sem consequê ncias quı́micas). Podemos assumir, entã o, que esse
grupo CH3 foi posto lá somente para diferenciar U de T, enquanto
tentou alterar o mı́nimo possı́vel as propriedades fı́sico-quı́micas da
nova base “etiquetada”. Algumas explicaçõ es evolucionistas (graduais e
sucessivas) tê m sido apresentadas a ela,13 mas descobriu-se que essa
troca U/T tem a funçã o de manter a integridade de todo o sistema de
armazenamento de informaçã o da cé lula. Ou seja, essa troca (ou
qualquer outra versã o já “plenamente evoluı́da”) seria necessá ria desde
o “momento zero”.
Como já discutimos, esse quarteto fantá stico de bases (AUGC) é
perfeito para o trabalho que executa no mRNA, mas poderia apresentar
problemas se usado fora do contexto, para algo alé m de um mRNA. A
troca de U por T foi, entã o, a soluçã o. O quarteto original AUGC é
adequado para a molé cula de mRNA (vida curta), mas AUGC seria uma
escolha desastrosa para o DNA (vida longa).
A base U estabeleceria ainda um pareamento preferencial com A, mas
o par A=U nã o é ideal para a funçã o que o DNA exerce, pois U pode
també m se ligar e icientemente com todas as outras bases, inclusive
consigo mesma. A base T do DNA é , poré m, muito mais seletiva que U
em seu pareamento com A, formando um par A=T mais está vel. Essa
especi icidade maior faz sentido quando lembramos que o DNA, que é
feito de bases nitrogenadas, â nions fosfato e molé culas de D-
desoxirribose, é bastante hidrofı́lico (gosta de á gua). Como Michael
Onken14 uma vez explicou, a formaçã o de T pela adiçã o de um grupo
CH3 à base U, faz T repelir mais o resto do DNA. Essa repulsã o move T
para uma posiçã o especı́ ica na dupla hé lice, e seu posicionamento
perfeito faz T se ligar exclusivamente à A. Esse “ajuste quı́mico
inı́ssimo” torna o DNA um sistema ainda melhor e mais preciso para
replicar informaçã o, garantindo també m longevidade para a
integridade da informaçã o da vida.15
Vemos, assim, que os princı́pios de design mais fundamentais da
hé lice dupla do DNA foram cuidadosamente antevistos e ajustados para
que o có digo funcionasse apropriadamente. Esse ajuste envolveu desde
o nú mero de duas ou trê s ligaçõ es de hidrogê nio entre os pares A=T e
G≡C até o tamanho seletivo (longo e curto) dessas bases para garantir
seu encaixe perfeito nos 25 angstrons que separam os dois ios de
fosfato da hé lice.
Outra enzima magnífica e protetora da vida

Há mais um problema potencial que poderia arruinar toda a elegâ ncia
extrema da ló gica do có digo gené tico da vida. A citosina (C) nã o é tã o
está vel quanto as outras bases nitrogenadas e, com o passar do tempo,
se degrada por uma reaçã o conhecida como desaminaçã o. E sabe o que
essa reaçã o forma? Forma bem aquela base U que só o mRNA usa, e o
DNA nã o. Essa degradaçã o, se nã o solucionada de pronto, corromperia
a informaçã o do DNA ao trocar C por uma “base alienı́gena” U, que nã o
deveria estar por lá . O mRNA, que é rapidamente usado e reciclado
dentro da cé lula (em poucos minutos), é imune a esse problema de
envelhecimento. Mas o DNA tem uma vida muito mais longa, e essa
degradaçã o é mais uma razã o que o impede de usar a base U. Agora
perceba: sem a troca de U por T junto com um sistema de reparo que
retornasse todos os “Us alienı́genas” de volta para C, essa degradaçã o
de C em U corromperia de pronto o DNA e seria catastró ica para a vida.
Foi devido a essa degradaçã o que o DNA teve, de antemã o, que
encontrar um substituto para U, ao “antever” o problema. Essa
degradaçã o C → “U alienı́gena” corromperia a informaçã o registrada no
DNA e, assim, as bases “Us alienı́genas” teriam que ser todas
reconvertidas rapidamente em C. Entrou em cena, entã o, a uracila DNA-
glicosilase,16 uma enzima de reparo equipada especi icamente para
corrigir o que seria um “bug mortal” no software da vida. Essa enzima
so isticada reverte todas as “Us alienı́genas” de volta para C.
Esse reparo “U alienı́gena” → C existe, entã o, para corrigir os erros
introduzidos pela degradaçã o de C. Mas imagine agora um “cená rio
evolutivo” no qual o sistema de reparo está funcionando, mas o DNA
ainda nã o trocou U por T. A enzima de reparo, sem saber a diferença
entre “Us naturais” e “Us alienı́genas”, repararia indiscriminadamente
todas as bases U de volta para C, incluindo, portanto, as “Us naturais”
que deveriam ser de fato U. Outra catástrofe! Assim, tanto a troca U por
T quanto a maquinaria de correçã o “U alienı́gena” → C mostram-se
necessá rias para preservar a informaçã o do DNA.
A má quina de correçã o inspeciona o DNA, detecta as bases “U
alienı́genas” e troca todas elas pela original C. Em uma cé lula, a
degradaçã o C → “U alienı́gena” ocorre de mil a dez mil vezes em
somente um dia. Mas esse processo é sempre corrigido e icientemente
pela uracila-DNA-glicosilase, que restaura o DNA em sua sequê ncia
original e correta.17 Essa má quina incrı́vel de correçã o “U alienı́gena” →
C e a troca U → T no DNA sã o coisas absurdamente incrı́veis: coisa de
gênio!
Note que nã o podemos considerar a troca U → T no DNA só uma
“mera vantagem”, pois é uma troca crucial indispensá vel que teria que
ser feita de pronto. Se o DNA nascesse usando U, seu “U natural” seria
confundido com o “U alienı́gena” formado pelo envelhecimento de C.
Pior, se por um daqueles “milagres evolucionistas” a uracila-DNA-
glicosilase se “ izesse presente”, ela para nada prestaria, pois
indiscriminadamente trocaria todas as bases U (“naturais” e
“alienı́genas”) por C e, assim, toda a informaçã o do DNA se corromperia
rapidamente. Esses dois truques quı́micos magnı́ icos e sincronizados
formam uma barreira intransponı́vel para a evoluçã o darwiniana.
Examinarei agora uma teoria muito popular para a origem da vida: o
mundo do RNA. Segundo essa teoria, a vida começou com uma
molé cula de RNA,18 que, mais adiante, inventou o DNA e foi por ele
substituı́da. Mas esse “proto-DNA”, tudo indica, teria que ser feito das
mesmas bases e do mesmo açú car do RNA: AUGC e ribose. Com ribose,
esse “DNA natimorto” seria rapidamente hidrolisado. Se tivesse a sorte
de sobreviver à hidró lise (tipo “açú car nã o dissolver na á gua”), a
degradaçã o C → “U alienı́gena” corromperia a sua informaçã o. Mas,
mesmo que por outro daqueles “milagres fortuitos” a troca de U por T
ocorresse, faltaria para o DNA recé m-nascido – criado pelo “RNA
primordial” – o mecanismo de reparo enzimá tico que reconverteria os
“Us alienı́genas” em C. Essas “de iciê ncias congê nitas” desse “DNA
nascente” rapidamente eliminaria qualquer vida incipiente. E sem uma
segunda geraçã o, kaput seleção natural! Para a vida, um DNA com todos
os seus “truques má gicos” é um tudo ou nada.
Por generosidade, poderı́amos até dar à evoluçã o a “colher de chá ” de
apelar para um de seus “milagres fortuitos”. Mas para dois grandes
“milagres fortuitos” simultâ neos e sincronizados? Seria generosidade
demais contarmos com sortes tremendamente grandes. E o pior: temos
para o DNA nã o só esses dois, mas uma verdadeira cascata de milagres
que teriam que ocorrer todos simultaneamente: a disponibilidade do
â nion fosfato, da ribose, das quatro bases nitrogenadas e da uracila-
DNA-glicosilase para a correçã o “U alienı́gena” → C, tudo disponı́vel no
mesmo “santo dia” e no mesmo “santo lugar”. Sem nos esquecermos
ainda de usar U e ribose, para o RNA, e T e desoxirribose, para o DNA. E,
por im, temos a homoquiralidade da vida, ou seja, a necessidade da
quiralidade certa para a D-ribose.
A redundância genética

A expressã o “có digo gené tico”, alé m de se referir à s sequê ncias do DNA
que carregam a informaçã o para a sı́ntese de proteı́nas, pode també m
signi icar o conjunto de regras que correlacionam cada um dos
aminoá cidos com um có don – a combinação de três nucleotídeos –
especı́ ico no DNA. O có digo gené tico, nesse segundo signi icado,
apresenta a “redundâ ncia” como outra grande assinatura de engenharia
quı́mica com antevidê ncia (Figura 11).

Figura 11. O có digo gené tico com sua “redundâ ncia” de 64 có dons para só 20
aminoá cidos. Lembre-se que o RNA usa uracila (U), enquanto o DNA usa
timina (T).

Uma “redundâ ncia” torna-se possı́vel pois, na arquitetura bá sica do


có digo gené tico, cada uma das suas quatro letras forma trios (có dons)
de nucleotı́deos, gerando, assim, um total de 4 x 3 possibilidades, ou
seja, 64. Sã o 64 có dons, mas só 20 aminoá cidos, e esse “excesso” abriu
espaço para especulaçõ es sobre essa possı́vel “redundâ ncia”. Ou seja,
mais do que um ú nico có don pode codi icar um mesmo aminoá cido, e
esse “exagero” de fato se observa no có digo.
Essa “redundâ ncia” foi inicialmente interpretada como “artefato” de
uma evoluçã o ine iciente, que se move por processos caó ticos de
tentativa e erro. A primeira vista, os cientistas pensaram que somente
22 có dons fossem, de fato, necessá rios para os 20 aminoá cidos (os dois
có dons extras serviriam de sinais de partida e parada para a sı́ntese de
proteı́nas). Recentemente, poré m, essa relaçã o direta “22 por 20” se
mostrou equivocada, pois descobriu-se que a “redundâ ncia” do có digo
é , de fato, vital para a vida. Esse “exagero” minimiza erros de leitura e
transmissã o e procura garantir, assim, que as receitas com os mesmos
aminoá cidos sejam sempre transferidas de geraçã o em geraçã o.
Mas, se olharmos cuidadosamente, as “redundâ ncias” nã o parecem
ser mesmo aleató rias, pois envolvem principalmente mudanças na
terceira letra de cada có don. Por exemplo, o aminoá cido mais simples, a
glicina, é especi icado por quatro có dons: GGA, GGT, GGG e GGC. A ú nica
letra que varia, portanto, é a terceira. Assim, independentemente de
qual base ATGC apareça nessa ú ltima posiçã o, o có digo ainda
especi icará a glicina.
Trocas na primeira ou na segunda letra sã o menos comuns, mas sã o
compensadas pela transcriçã o de aminoá cidos com propriedades
quı́micas semelhantes. Essas trocas, portanto, nã o alteram
signi icativamente a estrutura e as propriedades da proteı́na inal. Por
exemplo, quando a primeira letra do có don CTT, que codi ica a leucina,
é trocada por A, o novo có don ATT passa a codi icar uma isoleucina
quimicamente similar. Esse tipo de “redundâ ncia” estabelece, portanto,
um “tampã o quı́mico” entre aminoá cidos, quando erros comuns
ocorrem. Ou seja, o có digo da vida tem, embutidos em si mesmo,
mecanismos de segurança contra erros de digitaçã o gené ticos
potencialmente danosos.
Mas esse nã o parece ser o ú nico propó sito da redundâ ncia em nosso
có digo gené tico.19 Recentemente, descobriu-se outro truque genial: o
uso de diferentes có dons para expressar o mesmo aminoá cido també m
permite o controle da velocidade de sı́ntese de proteı́nas. Por exemplo,
quatro có dons diferentes podem especi icar o mesmo aminoá cido, mas
esses quatro có dons diferem em seus efeitos sobre quã o rapidamente a
ligaçã o será formada e a proteı́na se enovelará .20 Esse controle ciné tico
dá a cada proteı́na o tempo exato que ela necessita para se enovelar na
forma tridimensional correta.
Outras nuances no nosso có digo gené tico també m sugerem
antevidê ncia, tal como o agrupamento de có dons para aminoá cidos
com cadeias laterais á cidas ou bá sicas.21 Assim, se um estı́mulo
ambiental requer a troca de um aminoá cido bá sico por um aminoá cido
á cido em uma proteı́na, o agrupamento de có dons facilita a troca. Outro
truque quı́mico fantá stico. Por exemplo, uma lisina (bá sica), codi icada
por AAA ou AAG, pode ser trocada facilmente por um á cido glutâ mico
(á cido) só pela troca de uma ú nica letra: GAA por GAG. Ter um có digo
tã o lexı́vel e bem antevisto assim ajuda o organismo a sobreviver.
O có digo també m aparenta antecipar as mutaçõ es pontuais (uma
letra) mais comuns, possuindo mecanismos de segurança contra elas. A
leucina é , por exemplo, codi icada pelo “exagero” de seis có dons. O
có don CTT (ou CUU no RNA) codi ica a leucina, mas todas as variaçõ es
com mutaçõ es na terceira letra CTC, CTA e CTG sã o sinô nimos que
també m codi icam a leucina. Trocas em dois có dons de C por T na
primeira letra (TTA e TTG) també m codi icam a leucina.
Mutaçõ es na primeira letra sã o mais raras, mas potencialmente mais
desastrosas, porque tendem, de fato, a alterar o aminoá cido
especi icado. Se a base C em CTT é trocada por T, formando TTT, nã o
mais a leucina, mas um aminoá cido diferente será expresso: a
fenilalanina. Felizmente, o có digo gené tico tem també m um mecanismo
de segurança para esse erro: as propriedades quı́micas da fenilalanina
sã o similares à s da leucina e, assim, a proteı́na ainda manterá a sua
forma e funçã o. Se a primeira letra C em CTT (leucina) for trocada por A
ou G, um truque similar entra em açã o, pois de novo ATT (isoleucina) e
GTT (valina) codi icarã o aminoá cidos com propriedades fı́sico-
quı́micas semelhantes à leucina.
O Prê mio Nobel de Quı́mica de 2015 foi concedido conjuntamente a
Tomas Lindahl, Paul Modrich e Aziz Sancar “por terem mapeado, ao
nı́vel molecular, como as cé lulas reparam DNA dani icado, protegendo,
assim, a informaçã o gené tica”.22 O Prê mio Nobel de 2016 foi concedido
a Jean-Pierre Sauvage, Fraser Stoddart e Bernard L. Feringa “pelo
design e sı́ntese de má quinas moleculares”, incluindo “um pequeno
guincho, mú sculo arti icial e motores minú sculos”.23 Esses seis
cientistas desvendaram mecanismos da correçã o de erros de digitaçã o
no DNA e de produçã o de nanomá quinas como aquelas que reparam a
degradaçã o de C em “U alienı́gena” no DNA. Desvendar esses processos
demandou a coordenaçã o de seis mentes, entre as mais brilhantes em
quı́mica, junto com um exé rcito de seus pesquisadores e de outros
grupos de pesquisa, trabalhando por dé cadas para pavimentar os
alicerces dessas grandes descobertas.
Essa grande proeza em pesquisa e engenharia do mais alto nı́vel
mereceu dois prê mios Nobel consecutivos. Entã o, pense mais uma vez
comigo: deverı́amos crer que essas mesmas maravilhas de engenharia,
que esses cientistas com suas mentes brilhantes desvendaram, foram
produzidas por um processo acé falo e nã o inteligente? Se só desvendar
as funçõ es dessas maravilhas de engenharia demandou muita
genialidade e antevidê ncia, quanta antevidê ncia genial teria sido
necessá ria para criá -las?
O problema para a teoria da evoluçã o se torna ainda mais
“problemá tico” quando lembramos que ela só avança uma etapa por
vez; assim, a pergunta é esta: o que teria vindo primeiro, o DNA ou a
sua maquinaria de correçã o? A maquinaria de correçã o do DNA é
codi icada no pró prio DNA, mas o DNA só pode “sobreviver” – de
geração em geração – se ajudado por essa maquinaria de correçã o. Esse
é outro grande dilema ovo-galinha para o qual a evoluçã o até hoje nã o
encontrou resposta. Prevejo que nunca encontrará .
Aminoésteres e ribossomos

O alfabeto de quatro caracteres do DNA é usado para compor o alfabeto


maior dos 20 aminoá cidos essenciais (Figura 12). A vida necessita
dessa coleçã o, cada um deles com propriedades ú nicas, para construir
suas proteı́nas. Para essa tarefa, esses “blocos de construçã o” precisam,
entã o, reagir entre si, formando conexõ es quı́micas especı́ icas
chamadas de ligaçõ es peptı́dicas. Os quı́micos tê m usado essa mesma
reaçã o para produzir polı́meros tais como o nylon, no qual molé culas
(precursoras) de um aminoá cido sinté tico [H2N-(CH2)n-COOH] ou de
uma diamina [H2N-(CH2)n-NH2] mais um diá cido [HOOC-(CH2)n-COOH]
sã o usadas como “blocos de construçã o”. A reaçã o ocorre sem muito
direcionamento, pois os grupos NH2 e COOH nessas molé culas “mais
simples” nã o tê m outra saı́da senã o a de reagirem entre si.
Para as proteı́nas, a quı́mica se mostra muito mais complicada, pois
os seus α-aminoá cidos, quando comparados com os que usamos para o
nylon, apresentam uma complicaçã o extra: 20 grupos laterais (os
grupos R da Figura 12) ligados em seus esqueletos ao carbono alpha
(Cα). Uma proteı́na é um polı́mero, ou seja, um longo io de á tomos feito
do encaixe de muitas subunidades, conectadas como no nylon, mas
compostas de α-aminoá cidos com vá rios grupos laterais R. Esses
grupos causam um problema sé rio para a sı́ntese de proteı́nas, pois os
diferentes R podem reagir favoravelmente entre si, ou reagir até mesmo
com os grupos COOH ou NH2 de outros aminoá cidos. Pior, as reaçõ es
peptı́dicas desejadas sã o normalmente desfavorecidas, pois
apresentam uma mudança positiva em energia livre (∆G+).24 Todas
essas outras reaçõ es laterais viá veis dos grupos R interrompem a
formaçã o da proteı́na. Como será , entã o, que a vida conseguiu resolver
esse sé rio problema de competiçã o? Hoje sabemos que a vida usa um
truque normalmente empregado em quı́mica orgâ nica sinté tica: a
derivatização.
Figura 12. Os 20 α-L-aminoá cidos que foram magni icamente desenhados
para formar um conjunto abrangente, mas econô mico, de blocos de construçã o
para as proteı́nas da vida. Esse conjunto contempla uma distribuiçã o de todas
as forças intermoleculares: desde as forças de dispersã o de London, exercidas
pelas suas cadeias carbô nicas apolares, até as ligaçõ es de hidrogê nio e
atraçõ es entre espé cies eletricamente carregadas (cá tions e â nions), incluindo
també m propriedades á cidas ou bá sicas.

Essa derivatizaçã o trabalha em conjunto com um outro “truque”


mecâ nico fantá stico: os ribossomos, que sã o grandes má quinas
multimoleculares encontradas em nossas cé lulas. A discussã o que se
segue será bem té cnica e, se fugir demais ao seu entendimento, sinta-se
de novo livre para talvez examinar só as ilustraçõ es – pois uma igura
vale mais do que mil palavras – e pular direto para o resumo geral
encontrado no pará grafo inal desta subseçã o.
Os ribossomos sintetizam proteı́nas a partir de aminoá cidos em
nossas cé lulas. Mas, antes de serem usados pelos ribossomos, cada
aminoá cido é convertido (por derivatizaçã o) em um aminoé ster e,
entã o, conectado a um RNA de transferê ncia (tRNA) por enzimas
chamadas aminoacil-tRNA sintetases (ATS). Existem diferentes tRNA e
ATS: um par especı́ ico deles para cada um dos 20 aminoá cidos. Aquela
competiçã o entre as reaçõ es mais favorecidas (R com R, R com NH2 ou
R com COOH) seria fatal para a sı́ntese de proteı́nas, e, assim, para
evitá -las, entram em cena os ribossomos. O que acontece durante o
processo é incrı́vel: à medida que se ligam aos seus tRNA especı́ icos,
pela açã o de suas ATS especı́ icas, por um processo muito elegante e
genial, os aminoá cidos sã o primeiro fosforilados por uma molé cula de
ATP e, entã o, atravé s de uma reaçã o de transesteri icaçã o, um tRNA
conectado com um aminoé ster é formado. Para garantir que a reaçã o
desejada entre os grupos NH2 e COOH ocorra, os aminoá cidos sã o,
primeiro, esteri icados (o que facilita a formaçã o da ligaçã o quı́mica) e,
entã o, aproximados pelas “mã os mecâ nicas” dos ribossomos. Isso
mesmo, as duas “mã os proteicas” do ribossomo seguram os dois
reagentes em uma posiçã o correta, favorecendo assim a ligaçã o certa e
prevenindo as reaçõ es competitivas com os grupos R, enquanto
també m é fornecida a energia necessá ria para a formaçã o da ligaçã o
peptı́dica.
Novamente, essa reaçã o induzida por ribossomos nã o aparenta ser
uma vantagem que a vida poderia ter gradualmente adquirido por
tentativa e erro. Quimicamente, é impossı́vel produzir uma proteı́na
funcional sem ribossomos que já tivesse resolvido o dilema das reaçõ es
competitivas dos grupos R ou sem toda a coleçã o dos 20 tRNA
especı́ icos e das 20 ATS especı́ icas que alimentam os ribossomos com
os reagentes certos: derivatizados em aminoé steres. Como em tantos
outros exemplos relacionados à cé lula e ao seu có digo, se essa
necessidade nã o fosse antevista e planejada, nada de cé lula nesse
planeta, de tipo algum. A vida é coisa de pro issional!
Conclusão: códigos e codificadores

Vamos agora parar por um momento para revisar somente o que foi
dito do DNA. Com a sua estrutura de hé lice dupla, o DNA é a forma de
armazenamento de informaçã o mais e iciente, mais protegida, melhor
calibrada em termos de estabilidade quı́mica e mais compacta
conhecida neste planeta. Como essa maravilha molecular, “quase
perfeita”, polimé rica, com cerca de 2 metros de comprimento, e com 3,2
bilhõ es (para os humanos) de peças, poderia se formar sem nenhum
planejamento? A cé lula nã o teria como antever que somente a D-ribose
funcionaria, ou que esse açú car teria que ser usado intacto no RNA, mas
sem a hidroxila no C2’ (D-desoxirribose) no DNA. E o que dizer da troca
de U por T, ou das quatro bases ATGC com encaixes e tamanhos
perfeitos, ou do io conectante está vel e protetor de â nions fosfato, com
seus dois á tomos a mais de oxigê nio e a carga elé trica negativa em
ressonâ ncia que cria um campo elé trico protetor, e tudo mais. Como,
sem antevidê ncia, a cé lula teria obtido todas essas coisas? Pior, como a
vida conseguiu todas elas, desde o inı́cio, desde a primeira cé lula, desde
o momento zero?
Apó s estudar as evidê ncias, Antony Flew – um famoso ilósofo ateu
que se converteu ao teísmo no inal de sua vida – concluiu: “Cinquenta
anos de pesquisa do DNA forneceram material para um argumento
novo e poderosı́ssimo a favor do design [inteligente]”.25
O có digo Morse foi criado por uma mente inteligente: a mente de
Samuel F. B. Morse; o có digo de barras, por outra mente brilhante: a de
Norman Joseph Woodland; e o có digo ASCII, pelo visioná rio Robert
Bemer. A conclusã o é clara: có digos sempre estã o associados a
criadores de có digos.
O DNA, o RNA, o có digo gené tico e todas as suas sequê ncias de letras
quı́micas que viabilizam a sı́ntese de proteı́nas, suas estruturas
coordenadas e sua manutençã o e planos de back-up servem como
exemplos magnı́ icos de antevidê ncia. Francis Crick, codescobridor da
hé lice dupla do DNA, propô s um cená rio de um “acidente congelado”
(“frozen accident”) para a evoluçã o do có digo gené tico,26 mas foi
incapaz de descrever como esse acidente teria ocorrido (todos os
muitos detalhes necessariamente envolvidos). Mais de 50 anos depois,
essa e outras explicaçõ es naturalistas para a origem do có digo da vida
continuam falhando em nã o detalhar o processo.
Em sua so isticaçã o e capacidade, o có digo gené tico supera qualquer
có digo criado pelo homem. Essas caracterı́sticas, por si só , deveriam ser
su icientes para justi icar a possibilidade de antevidê ncia e design
inteligente, mas há muito mais. Sabemos que o có digo gené tico é
incapaz de ler a si mesmo ou implementar as inú meras instruçõ es que
codi ica. Para essas tarefas, com muita antevidê ncia, outras soluçõ es
so isticadas foram implementadas. Continue comigo investigando esses
truques adicionais no pró ximo capı́tulo.
Eigen, Manfred et al. How old is the genetic code? Statistical Geometry of tRNA
provides an answer. Science, v. 244, n. 4905, p. 673-679, 1989.

Yue, Feng et al. A comparative encyclopedia of DNA elements in the mouse


genome. Nature, v. 515, p. 355-364, 2014. Segundo algumas estimativas, os
genomas diferem apenas entre 3% e 8% de uma espé cie de mamı́fero para a
outra. Isso pode ser verdade para mamı́feros, mas nã o para outras espé cies.
Um exame detalhado das moscas da fruta, por exemplo, revelou que “apenas
77% dos aproximadamente 13.700 genes codi icadores de proteı́nas em D.
melanogaster sã o compartilhados com todas as outras onze espé cies”
(Scientists compare twelve fruit ly genomes. National Institutes of Health, Nov.
7, 2007. Disponı́vel em: http://bit.ly/37LyzSw. Acesso em: 2 dez. 2019).

Existem estimativas muito variadas para a porcentagem de informaçõ es


gené ticas compartilhadas em comum entre humanos e bananas. Para os 60%,
leia: Ramsey, Lydia; Lee, Samantha. Our DNA is 99.9% the same as the person
next to us – and we’re surprisingly similar to a lot of other living things.
Business Insider, Apr. 3, 2018. Diposnı́vel em: http://bit.ly/2OOBgdA. Acesso
em: 2 dez. 2019.

Westheimer, F. H. Why nature chose phosphates. Science, v. 235, n. 4793, p.


1173-1178, 1987.

Kierzek, Ryszard; He, Liyan; Turner, Douglas H. Association of 2’ - 5’


oligoribonucleotides. Nucleic Acids Research, v. 20, n. 7, p. 1685-1690, 1992.
DOI 10.1093/nar/20.7.1685

Kamerlin, Shina C. L. et al. Why nature really chose phosphate. Quarterly


Reviews of Biophysics, v. 46, n. 1, p. 1-132, 2013. Disponı́vel em:
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Banfalvi, Gaspar. Why ribose was selected as the sugar component of nucleic
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anteriormente).

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38, n. 3, p. 367-379, 1968. DOI 10.1016/0022-2836(68)90392-6
04
Os “paramédicos” da vida

Como vimos no capı́tulo anterior, o có digo da vida é extremamente


so isticado e precisou ser desenhado cuidadosamente para funcionar
de maneira apropriada. Mas somente um có digo assim seria
insu iciente. Foi necessá rio, també m, um time de operá rios. Neste
capı́tulo, examinaremos juntos algumas má quinas nanomoleculares
que ajudam a transformar um DNA em proteı́nas, e proteı́nas, em coisas
vivas.
Operons

Desde o primeiro momento em que surgiu e passou a funcionar nesse


planeta, a vida necessitou de um mecanismo de controle para produzir
as proteı́nas certas, na hora certa e nas concentraçõ es certas. Para
responder à s mudanças ambientais, as cé lulas precisam ser capazes de
ligar e desligar a expressã o de seus genes. As bacté rias fornecem um
bom exemplo. Assim que sentem mudanças no meio ambiente, elas
expressam enzimas diferentes (enzimas sã o uma classe de proteı́nas),
dependendo dos nutrientes que estã o disponı́veis. As bacté rias podem,
por exemplo, desligar os genes que expressam enzimas do metabolismo
da lactose, quando nã o precisam mais dela, e religar esses genes se a
lactose (o açú car do leite materno), de repente, se tornar o ú nico
nutriente disponı́vel. Se a glicose, o açú car preferido, estiver presente
com a lactose, a bacté ria pode até mesmo perceber esse detalhe e
digerir primeiro a glicose, antes de ligar os genes que lhe permitirã o
digerir lactose. Nas bacté rias, esse controle é normalmente efetuado
por operons.
Operons sã o agrupamentos de genes que controlam a sı́ntese de
proteı́nas. Por exemplo, os genes necessá rios para usar lactose como
fonte de energia estã o organizados no operon da lactose, chamado de
“lac operon”. Esse operon é formado por um agrupamento de trê s
genes. O primeiro desses genes, o lacZ, codi ica uma enzima que cliva a
lactose em glicose e galactose (β-galactosidase). O segundo desses
genes, o lacY, codi ica uma “permease”, que é necessá ria para facilitar o
consumo de lactose pela cé lula. E o terceiro desses genes, o lacA, é
necessá rio para o uso pela galactoside de açú cares similares. Todos
esses trê s genes sã o ligados e desligados sequencialmente. Esse
agrupamento inteligente de genes, controlados por um mecanismo
comum, permite a uma bacté ria mudar rapidamente sua dieta mú ltiplas
vezes durante a vida.1
Todo esse conhecimento você encontra hoje em livros-textos de
biologia, mas, quando foi elucidado nos anos 1960, esse mecanismo
forneceu as primeiras indicaçõ es de como se dá a regulaçã o gené tica no
nı́vel molecular, rendendo aos seus investigadores prê mios Nobel. As
etapas de regulaçã o de genes, mesmo nos organismos mais “simples”
(menos complexos) impressionaram pela sua so isticaçã o e maestria.
As evidê ncias sugerem que os operons sã o “primitivos” e sempre
estiveram presentes nos cromossomos de bacté rias. Para o darwinismo,
tamanha organizaçã o é intrigante: como seria possı́vel, para genes que
evoluı́ram randomicamente, serem recrutados, alinhados lado a lado
nos cromossomos e montados como operons desde os primó rdios da
histó ria da vida?
Um operon é formado de um operador, um promotor, e genes
estruturais. (Em alguns casos, um operon també m inclui um gene
regulador associado fortemente, que para o lac operon é conhecido
como lacI).2 Os genes sã o transcritos em RNA mensageiros (mRNA) por
uma proteı́na chamada RNA polimerase, que, normalmente, inicia o
processo de expressã o de um gene se ligando a um promotor. Mas um
operador també m está envolvido no processo, que é formado por uma
sequê ncia reguladora. Se uma proteı́na repressora, como a lacI, se liga a
um operador, ela impede que a RNA polimerase se ligue na sequê ncia
do promotor. Essa ligaçã o do repressor previne, entã o, a transcriçã o
(expressã o gê nica) de forma que os produtos desses genes, tais como
LacZ, LacY e LacA, nã o sejam formados se a lactose estiver ausente no
meio ambiente, ou se ela estiver presente junto com glicose. Esse
mecanismo assegura a economia de suprimentos celulares ao permitir
a expressã o de certos genes somente sob circunstâ ncias apropriadas.
Se as enzimas produzidas pelos genes estruturais se tornam
necessá rias, o repressor é , entã o, inativado (removido do operador),
permitindo que a RNA polimerase acesse o promotor para iniciar a
transcriçã o, a qual é conhecida como a fase de induçã o.
Em bacté rias que nã o possuem um nú cleo, assim que a transcriçã o de
um mRNA é iniciada, os ribossomos se conectam imediatamente a ele e
iniciam a produçã o de proteı́nas antes mesmo que a construçã o de todo
o mRNA esteja completa. Esse acoplamento de transcriçã o e translaçã o
em bacté rias fornece tempos de respostas incrivelmente curtos diante
das mudanças nas condiçõ es ambientais. Quando a lactose se torna
subitamente disponı́vel, a bacté ria E. coli, que tinha só algumas poucas
molé culas de lacZ em seu citoplasma, passa a ter cerca de 15% de seu
conteú do proteico celular composto dessa enzima.
Sobre esse processo, James Shapiro escreveu o seguinte no perió dico
Gene:

Uma sé rie de interaçõ es moleculares altamente integradas permite que as


cé lulas de E. coli diferenciem dois açú cares e executem o algoritmo nada
trivial que se segue: SE a lactose está disponı́vel E SE a glicose nã o está
disponı́vel E SE a cé lula pode sintetizar β-galactosidase e lactose
permease, ENTAO transcreva lacZYA a partir do promotor lac.3

Uma “mera” E. coli usa, entã o, ló gica de programaçã o com instruçõ es
tipo “SE/ENTAO” para tomar decisõ es muito semelhantes à s ló gicas
“IF/THEN” de programaçã o usadas na codi icaçã o de nossos
computadores. Isso seria design?
Um mistério molecular

As proteı́nas sã o feitas de aminoá cidos, que reagem entre si formando


inú meros ios polimé ricos (molé culas muito longas formadas por
muitas subunidades similares). Os ios dessas proteı́nas necessitam se
enovelar – automaticamente – em sua forma 3D funcional. Mas como
um polı́mero “acé falo” poderia saber o que ele deve fazer? Se nã o se
enovelar corretamente, a proteı́na deformada será inú til. Esse
enovelamento correto ocorre como um balé altamente so isticado e
bem orquestrado de forças intra e intermoleculares.
Mas para perturbar essa coreogra ia sincronizada de enovelamento
de proteı́nas, há muitas encruzilhadas com ruas sem saı́da pelo
caminho. Felizmente, poré m, esses desastres foram apropriadamente
antevistos e prevenidos.
Se formados ao acaso, os aminoá cidos (Figura 13) surgiriam nesse
planeta como misturas racê micas, ou seja, em quantidades iguais e em
duas formas distintas: uma forma “aná loga” à nossa mã o direita (D), e a
outra, à nossa mã o esquerda (L). O problema é que essa mistura de L
com D causaria um caos completo para a estrutura tridimensional (3D)
de uma proteı́na. Se a cé lula decidisse partir de qualquer coisa que nã o
fosse um conjunto de aminoá cidos L ou D puros, seria inviá vel produzir
qualquer estrutura proteica 3D funcional. Talvez uma soluçã o possı́vel
para esse problema seria usar a mistura racê mica L/D, mas programar
o DNA para que sua sequê ncia de bases codi icasse especi icamente
aminoá cidos L ou D. Essa programaçã o extra, poré m, seria por demais
custosa, pois seriam necessá rios có dons extras (ou melhor, mais uma
letra em có dons) para codi icar uma hora um aminoá cido L e outra, um
D. Mas a vida foi mais esperta e achou uma soluçã o muito mais
elegante, pois anteviu o problema e decidiu usar exclusivamente
aminoá cidos L – um fenô meno conhecido como homoquiralidade.
Figura 13 – Na fabricaçã o das proteı́nas so isticadas e precisamente moldadas
por autoenovelamento, somente α-L-aminoá cidos foram usados como blocos
de construçã o. A escolha de L-aminoá cidos foi feliz, pois uma mistura de L e D
seria um desastre. Note que forças quı́micas cegas tenderiam a gerar uma
mistura igual de formas L e D, mas, de alguma forma, a vida foi presenteada
apenas com a versã o L. Seria necessá rio um bioquı́mico altamente quali icado
ou uma cé lula viva para separar ou formar somente L, mas os evolucionistas
querem que aceitemos que a vida partiu sem a ajuda de nenhum deles.

Se a vida surgiu, de fato, em uma sopa primordial, os D-aminoá cidos


teriam que ser removidos dela – por algum “fenômeno paranormal” – ou
“barrados do lado de fora” e por completo. Forças naturais parecem nã o
ter essa habilidade. Mas em uma outra tacada de mestre, a soluçã o foi
implementada, para grande felicidade de todos nó s. Sem a
homoquiralidade dos L-aminoá cidos de nossas cé lulas, a produçã o de
proteı́nas funcionais seria inviá vel, e a cé lula morreria. Pior ainda:
nenhuma cé lula sequer surgiria neste planeta.
Enzimas

A vida requer a execuçã o rá pida – em nossos bilhões e bilhões de células


– de bilhõ es e bilhõ es de reaçõ es quı́micas, que ocorrem
constantemente e em alta velocidade. Para que essa paraferná lia toda
funcione, uma classe de má quinas nanomoleculares incrı́veis é
essencial: as proteı́nas conhecidas como enzimas (Figura 14). Esses
engenhos moleculares, repletos de tecnologia quı́mica extremamente
so isticada, sã o essenciais para acelerar muitas das reaçõ es quı́micas da
vida. Sem enzimas, essas reaçõ es se arrastariam por “sé culos”; com
enzimas, ocorrem em um piscar de olhos.

Figura 14. A açã o complexa das enzimas ao acelerarem as reaçõ es quı́micas


da vida. A molé cula-alvo é capturada e encapsulada apropriadamente pela
enzima dentro de seu sı́tio ativo. Ligaçõ es especı́ icas sã o, entã o, formadas e
outras, rompidas. A atividade da enzima precisou ser antevista e previamente
controlada para produzir precisamente os resultados desejados e bené icos à
vida. Felizmente, a “vida” anteviu uma sé rie de ativadores e inibidores de
enzimas que exercem essas funçõ es.

As enzimas agem como catalisadores, o que signi ica que nã o sã o
consumidas nas reaçõ es que aceleram, permitindo-lhes ser recicladas e
reusadas em reaçõ es sucessivas. Em uma fraçã o de segundo, a mesma
molé cula de uma enzima pode agir sobre milhõ es de molé culas
(substratos). Por “conhecerem” bem as regras do jogo quı́mico, as
enzimas atacam o lanco certo, reduzindo a energia de ativaçã o
necessá ria para converter reagentes em produtos. A energia de ativaçã o
é aquela necessá ria para romper as ligaçõ es de uma molé cula reagente
e, mais adiante, criar as novas ligaçõ es das molé culas dos produtos.
Seria justo e bom repetir: a vida na Terra nã o poderia esperar pelo
“nascimento” eventual de enzimas. Sem elas, nã o haveria vida, pois
muitas reaçõ es demorariam sé culos. E a maioria das reaçõ es quı́micas
cruciais da vida catalisadas por enzimas sã o intrı́nseca e mortalmente
lentas. Somos, entã o, justi icados em assumir que a lentidã o dessas
reaçõ es teve que ser antevista e a soluçã o de aceleraçã o por enzimas,
providenciada de antemã o para que a vida pudesse dar partida.
Muitas enzimas sã o compostas de uma ú nica cadeia molecular
proteica, já bastante so isticada e normalmente enorme. Mas a
complexidade aumenta ainda mais nas conjugadas, outra classe comum
de enzimas. Enzimas conjugadas formam um agregado composto por
uma porçã o proteica chamada de apoenzima, cofatores inorgâ nicos, tais
como ı́ons de ferro, magné sio ou zinco, e/ou cofatores orgâ nicos, tais
como vitaminas e seus derivados. Essas enzimas conjugadas esbanjam
so isticaçã o pelas suas grandes diversidades de funçõ es e estruturas. E
tem mais: outras enzimas sã o ainda compostas de subunidades
mú ltiplas, cada uma delas formada por proteı́nas que contribuem para
o seu funcionamento pleno. Algumas vezes, essas subunidades
executam reaçõ es em etapas mú ltiplas e – como em uma “linha de
montagem” – deslocam rapidamente intermediá rios de um sı́tio
reacional para o pró ximo, como se fossem “batatas quentes pré -
assadas”, evitando, com a rapidez que se movimentam, que esses
intermediá rios se degradem antes que a pró xima reaçã o ocorra.
Enzimas sã o muito e icientes, mas muito exigentes e só funcionam
bem se as condiçõ es, como a temperatura do meio, o pH e a
concentraçã o do substrato, estiverem propriamente ajustadas. Em
temperaturas e pH baixos ou altos demais, uma enzima se desnatura,
ou seja, altera sua forma tridimensional, perdendo sua funçã o.
Inú meras enzimas essenciais à vida requerem ambientes quı́micos
perfeitamente controlados e só funcionarã o apropriadamente dentro
de cé lulas funcionais completamente formadas. Enzimas intracelulares
tã o “exigentes” assim oferecem outro grande dilema do tipo ovo-
galinha para a vida: sem cé lulas, nã o haveria enzimas; sem enzimas,
nã o haveria cé lulas.
Percebe o dilema? Enzimas – em si mesmas já o resultado de uma
so isticada engenharia química – necessitam de cé lulas plenamente
funcionais para sobreviverem e se manterem funcionais. Mas cé lulas
plenamente funcionais també m necessitam de enzimas plenamente
funcionais para sobreviverem. A conclusã o parece, entã o, inevitá vel: a
vida necessitou das duas juntas, de cé lulas e enzimas, desde o inı́cio.
Seria irracional supor que uma delas surgisse de repente – por um
“milagre fortuito” – e que, mais tarde, a outra surgisse por outro
“milagre fortuito”, esperando encontrar lá a sua parceira iel “esperando
por ela”. A primeira a “surgir” já estaria extinta há sé culos (se vamos
“azedar ainda mais o caldo”, incluindo no cená rio os milhõ es de anos)
antes de a segunda companheira surgir. E, estando a primeira morta, a
segunda (que é carente da primeira) teria uma vida extremamente
curta, naquela triste e pequena poça quente (warm little pound) com a
qual Darwin sonhou um dia.
As enzimas també m apresentam dinâ micas internas espetaculares,
que sã o coordenadas por um balé inamente calibrado de forças
intramoleculares. Esse balé sincronizado envolve o movimento de
partes proteicas, coisas pequenas, como aminoá cidos ou grupos de
aminoá cidos, até monstruosidades, como laços de cadeias proteicas ou
segmentos de uma cadeia proteica com formas 3D especı́ icas
enroladas como pequenas “molas” chamadas de hé lices α, e també m
empacotadas como as folhas β (Figura 13), toda essa paraferná lia
formando grandes domı́nios proteicos. Esses movimentos –
coordenados por forças intramoleculares inamente ajustadas – ocorrem
em velocidades altı́ssimas, gastando cerca de 10-15 segundos. As
enzimas nã o só posicionam corretamente seus substratos em espaços
tridimensionais apropriados, viabilizando suas reaçõ es, mas també m
os “incentivam” a reagir, aquecendo o “prisioneiro” com vibraçõ es
precisas para que seus substratos adquiram estruturas apropriadas.
Os dois exemplos que se seguem, e existem centenas deles, revelarã o
o quã o importante as enzimas sã o para a vida. A RNA polimerase é
essencial para a transcriçã o de partes especı́ icas da informaçã o do
DNA em mRNA. As 20 aminoacil t-RNA sintetases diferentes agem com
extrema seletividade ao conectarem cada um dos 20 aminoá cidos
especı́ icos ao seu t-RNA especı́ ico, permitindo que os ribossomos
traduzam corretamente o DNA. Sem enzimas, kaput vida; sem vida,
kaput enzimas! O resto é sonho com “poças escaldantes”.
Imagine que lhe fosse dada um dia a tarefa “insana” de construir uma
enzima funcional, partindo do zero. Imagine quanto conhecimento seria
necessá rio. Você teria que, com muita antevidê ncia, conhecendo, a
priori, o objetivo inal e a forma tridimensional de seu substrato,
projetar e criar uma cavidade apropriada no interior de sua enzima, na
qual o substrato se encaixaria corretamente (Figura 14). Pior, você teria
també m que prever os grupos funcionais de seu substrato que a enzima
teria que imobilizar em seus sı́tios ativos e arquitetar, entã o, interaçõ es
efetivas enzima-substrato com forças inter e intramoleculares, tais
como ligaçõ es de hidrogê nio e pontes salinas. Mais ainda, você teria que
saber qual reaçã o seria necessá ria e onde exatamente essa reaçã o teria
que ocorrer para ativar o sı́tio apropriado da molé cula substrato lá
imobilizada. Você teria que saber ainda como proteger sua enzima de
reaçõ es danosas com o substrato. E tudo isso seria só a preparaçã o
inicial.
Em seguida, você teria que antever como localizar os braços
nanomoleculares em sua enzima para promover, por exemplo, a
hidró lise de seu substrato pela reaçã o com uma molé cula de á gua
movimentada por uma “mã o enzimá tica”. E inalmente, você , pensando
melhor... pediria fé rias e iria pescar.
Somente descrever esse processo já é extremamente difı́cil. Imagine,
entã o, quã o difı́cil seria antever e arquitetar um sistema capaz de
realizá -lo. Mas, mesmo assim, na vida, milhares de enzimas executam
essas funçõ es automá tica, repetida, sincronizada, precisa e
pontualmente.
Na Universidade de Washington, os pesquisadores de um de seus
laborató rios (o laborató rio do Dr. David Baker) tê m usado a versã o
humana de “design inteligente” para tentar projetar enzimas. Nessa
tarefa, eles escolhem primeiro um tipo de reaçã o que querem acelerar,
anteveem o tipo de quı́mica que precisam induzir e teorizam uma
enzima com um sı́tio ativo apropriado. Em seguida, eles sintetizam e
testam essa enzima. E um trabalho cansativo e repetitivo, tipo o
“ensaboa, lava e seca” que repetimos no nosso dia a dia ao lavar roupas
sujas. Eles tê m obtido algum sucesso em criar essas “enzimas de
design”, mas seus resultados mais recentes (os ú ltimos que eu li)
mostram certa atividade, mas com baixa especi icidade. A vida ainda
está ganhando, e de goleada.
Os cientistas e a mı́dia tê m se empolgado com a possibilidade de
usarmos agora a inteligê ncia “superior” de humanos para resolver o
problema do design de enzimas, pois partem do pressuposto de que as
enzimas seriam produtos de um processo evolutivo “acé falo”. O Dr.
Baker explica bem essa esperança: “há muitas coisas que a natureza
criou só pelo seu bisbilhotar desastrado randô mico”. E, atrevidamente,
ele completa: “assim que entendermos melhor os princı́pios bá sicos,
nó s seremos capazes de fazer muito melhor”.4 Bom, veremos, o futuro
dirá . Essa previsã o de “fazer muito melhor” é , sem dú vida, um teste
interessantı́ssimo de design inteligente reverso, você nã o acha?5
Chaperonas e chaperoninas

As proteı́nas sã o peças magnı́ icas de nanoengenharia quı́mica, mas,


para esses gigantes biomoleculares serem funcionais, suas cadeias
lineares de α-aminoá cidos precisam assumir formas 3D especı́ icas.
Essas formas sã o obtidas automaticamente, pois os ios de proteı́nas se
autoenovelam graças a um balé inamente ajustado de inú meras forças
intramoleculares, que agem ao longo do io. Mas as formas 3D possı́veis
sã o inú meras e por demais variadas e, assim, as proteı́nas podem se
perder pelo caminho, caindo em “poços de potencial” e assumindo
formas nã o funcionais. A forma 3D funcional inal foi “calculada” para
ser, de fato, a conformaçã o de menor energia, o “poço da felicidade”,
mas, à s vezes, essa “uma forma entre milhõ es” é mesmo muito difı́cil de
encontrar. Se enovelada em uma forma 3D incorreta, a proteı́na se torna
inú til; de fato, letal. Se só uma ou algumas de suas primeiras proteı́nas
caı́ssem nesses “poços mortais”, sem um resgate à vista, a vida na Terra
nunca teria dado partida. Qual foi, entã o, a soluçã o? As incrı́veis
chaperonas (Figura 15), que podem ser comparadas com
“ isioterapeutas” ou mesmo “cirurgiõ es plá sticos” de proteı́nas. Certa
vez, a Nature descreveu a funçã o das chaperonas da seguinte forma:

A maioria das proteı́nas deve se enovelar em estruturas tridimensionais


de inidas, para adquirirem atividade funcional. Mas, no ambiente celular,
proteı́nas recé m-sintetizadas se veem em grande risco de enovelamento e
agregaçã o aberrante, o que formaria espé cies potencialmente tó xicas.
Para evitar esses perigos, as cé lulas investem em uma rede complexa de
chaperonas moleculares, as quais usam um mecanismo genial que
previne a agregaçã o e promove o enovelamento e iciente. Visto que
proteı́nas sã o altamente dinâ micas, o monitoramento constante por
chaperonas é necessá rio para garantir a homeostase de proteı́nas
(proteostase).6
Figura 15. As chaperonas, incluindo as chaperoninas, que sã o os
“ isioterapeutas” ou “cirurgiõ es plá sticos” da vida, ajudando as proteı́nas
recé m-nascidas a encontrarem suas formas corretas. O que veio primeiro:
proteı́nas, que necessitam de chaperonas para se enovelarem
apropriadamente, ou as chaperonas, que ajudam as proteı́nas a se enovelarem
apropriadamente, mas que sã o formadas de proteı́nas, que precisam de
chaperonas para se autoenovelarem apropriadamente?

As chaperonas que ajudam outras proteı́nas a se enovelarem na


forma correta sã o chamadas chaperoninas, mas, como veremos mais
adiante, chaperonas realizam també m outras funçõ es. Como R. A.
Quinlan e R. J. Ellis explicaram: “no nı́vel mais elementar sã o as
interaçõ es biomoleculares que de inem a vida, e as chaperonas foram
projetadas para moderar tais interaçõ es”.7
Para muitas proteı́nas, o autoenovelamento é bastante rá pido (dura
de milissegundos até segundos), mas també m muitas proteı́nas
essenciais e grandes nã o conseguem encontrar, por elas mesmas, a sua
forma 3D correta. Sem ajuda, elas se tornariam somente lixo molecular,
muitas vezes tó xico e mortal. Alé m disso, quando formam complexos
proteicos, proteı́nas permanecem em sua forma 3D incorreta se
falharem em encontrar o seu parceiro correto. Sã o muitas coisas que
precisam acontecer sincronizada e corretamente para que as proteı́nas
assumam suas formas 3D funcionais.
Proteı́nas em “boa forma”, apropriadamente enoveladas, sã o
essenciais para a vida, pois executam a maioria das funçõ es de uma
cé lula. Tipos diferentes de chaperonas existem para ajudar o correto
enovelamento de diferentes proteı́nas. Um exemplo é a chaperona
HSP70. O bioquı́mico Laurence Moran descreveu sua funçã o
destacando que elas se ligam “a regiõ es hidrofó bicas das proteı́nas que
se enovelam, evitando, assim, que elas se agreguem a outras proteı́nas
parcialmente enoveladas, direcionando-as à estrutura inal”.8
As chaperonas evitam erros mortais de enovelamento e sã o,
portanto, cruciais para a sı́ntese proteica e para a vida. Mas tem mais: o
tipo de controle de enovelamento varia de proteı́na para proteı́na.
Algumas chaperonas ajudam o enovelamento de certas cadeias de
aminoá cidos, enquanto essas cadeias ainda estã o sendo construı́das
pelos ribossomos, mas chaperonas “pó s-translacionais” fazem seu
trabalho apó s a sı́ntese de toda a proteı́na. Outra chaperona, o “fator
gatilho” (trigger factor), desacelera o enovelamento incorreto de
cadeias de aminoá cidos e pode até mesmo desenovelar cadeias de
aminoá cidos que já se enovelaram incorretamente.
Muitas proteı́nas necessitam, portanto, de chaperonas para se
enovelarem rá pida e apropriadamente. Em vez de só automontagem
espontâ nea, encontramos també m na vida montagem assistida. E,
mesmo depois de a proteı́na estar enovelada corretamente, as
chaperonas ajudam-na a manter sua forma 3D funcional, por um
processo conhecido como proteostasis.9
Esse trabalho todo é indispensá vel para a vida. Proteı́nas enoveladas
incorretamente nã o sã o apenas inú teis para a cé lula, mas mortais. Suas
superfı́cies hidrofó bicas icarã o incorretamente expostas e farã o com
que elas se atraiam mutuamente; assim, proteı́nas mal enoveladas
tendem a se agrupar. Em algumas doenças hereditá rias em humanos,
esses agrupamentos de proteı́nas mal enoveladas podem causar
sintomas graves ou mesmo a morte. As chaperonas “percebem” o risco
e normalmente previnem esses aglomerados, ligando-se à s superfı́cies
hidrofó bicas defeituosas pelas suas pró prias superfı́cies hidrofó bicas.
Proteı́nas mal enoveladas normalmente apresentam “defeitos” em suas
superfı́cies, como a exposiçã o de aminoá cidos hidrofó bicos, enquanto
proteı́nas corretamente enoveladas escondem (da á gua) esses
aminoá cidos em seu interior.
Esses “paramé dicos” proteicos competem com um outro mecanismo
de limpeza celular, que, ao reconhecer uma sequê ncia anormal de
aminoá cidos hidrofó bicos na superfı́cie de uma proteı́na, marca essa
proteı́na disforme para a destruiçã o por proteassomas (grandes
agregados de enzimas que digerem proteı́nas aberrantes). O
funcionamento normal e combinado de chaperonas e proteassomas
impede magni icamente, portanto, que a cé lula seja destruı́da por
aglomerados de proteı́nas “fora de forma”.
E o pior (para a evoluçã o) nessa histó ria toda: já vimos que, para que
cé lulas funcionem bem, as chaperonas sã o essenciais, pois enovelam
corretamente muitas proteı́nas essenciais.10 Mas, alé m de auxiliar no
enovelamento, chaperonas també m agem em certas condiçõ es de
estresse celular. Por exemplo, as chaperonas conhecidas como
“proteı́nas de choque té rmico” (HSP) agem sobre proteı́nas dani icadas
por choques té rmicos, retornando-as à s suas formas 3D originais. Sem
essas “paramé dicas”, kaput vida!
E o pior dos piores: sabe-se hoje que chaperonas sã o – elas mesmas –
feitas de proteı́nas que precisam ser corretamente enoveladas e
mantidas por outras chaperonas.11 Para os que creem em cená rios de
origem da vida destituı́dos de antevidê ncia e planejamento, essa
interdependê ncia entre chaperonas apresenta um problema do tipo
ovo-galinha “estupidamente” difı́cil de resolver. O Dr. Laurence Moran,
que já mencionei anteriormente, professor de bioquı́mica da
Universidade de Toronto, discorda:

Todas as chaperonas comuns se enovelam espontaneamente sem a


assistê ncia de qualquer outra chaperona. A razã o pela qual elas sã o
chamadas de “proteı́nas de choque té rmico” é porque suas sı́nteses sã o
induzidas quando as cé lulas sã o submetidas a altas temperaturas ou
outras condiçõ es que podem fazer com que elas se desenovelem ou se
tornem instá veis. Nessas condiçõ es, as chaperonas socorristas sã o feitas
em grandes quantidades para que ajudem a prevenir a destruiçã o de
proteı́nas celulares normais. Se você entende isso, você entenderá , entã o,
que as chaperonas por si mesmas sã o capazes de se enovelar rá pida e
espontaneamente.12

Compare agora esse cená rio “totalitá rio” ilustrado pelo Dr. Moran, no
qual chaperonas se enovelam rá pida e facilmente “sem a assistê ncia de
qualquer outra chaperona”, com o comentá rio contrastante, a seguir, do
Dr. Per Hammarströ m, professor do Departamento de Fı́sica, Quı́mica e
Biologia da Universidade de Linkö ping, na Sué cia. Ele é coautor de um
artigo sobre o enovelamento de chaperonas publicado no Journal of
Chemical Biology.13 Esse artigo tratou de duas chaperonas conhecidas
como GroES e GroEL. Ambas sã o proteı́nas de choque té rmico, ativadas
em resposta ao estresse celular, e trabalham juntas assistindo o
enovelamento e o re-enovelamento de proteı́nas. Sabemos hoje que o
conjunto GroES/GroEL interage com mais do que 30% das proteı́nas
celulares e que, portanto, a importâ ncia delas para a vida é real. Juntas,
elas formam uma estrutura semelhante a um barril: a GroEL forma o
barril e a GroES age como sua tampa. Proteı́nas desenoveladas sã o
atraı́das para o interior desse barril e, depois de vá rios ciclos de ligaçã o
e soltura, sã o liberadas para o citoplasma, mas agora corretamente re-
enoveladas.
Ao responder uma questã o postada no site ResearchGate sobre o
enovelamento de chaperonas, o Dr. Hammarströ m a irmou: “Nó s
mostramos recentemente que a cochaperona GroES provavelmente
auxilia no enovelamento da GroEL”. Esse comentá rio, junto com um
trabalho pré vio publicado na Nature,14 sugere que chaperonas de fato
servem como chaperonas para outras chaperonas, pois a GroEs auxilia
no enovelamento da GroEL.
E mais, o trabalho publicado no Journal of Chemical Biology, citado
anteriormente, també m relata que

[...] a translaçã o e, portanto, a sı́ntese proteica da GroES e GroEL estã o


organizadas espacialmente de acordo com a ordenaçã o de genes.
Portanto, a GroES será sintetizada primeiro, facilitando, assim, sua
interaçã o com a GroEL formada um pouco mais tarde. E, portanto,
intrigante propor que a GroEL seja um substrato da GroES.

Ou seja, a tampa do barril (GroES) assiste o enovelamento do barril


(GroEL). Trata-se, sem dú vida, de uma descoberta “intrigante”.
Em resumo, uma GroES já existente parece ser necessá ria para ajudar
no enovelamento da GroEL que se forma enquanto as duas trabalham
juntas, em sincronia, auxiliando no enovelamento de muitas outras
proteı́nas essenciais à cé lula.
A habilidade “chocante” das proteínas de choque térmico

Bruce Alberts e seus colaboradores izeram o seguinte comentá rio


sobre as proteı́nas de choque té rmico: “[elas] sã o sintetizadas em
quantidades dramaticamente aumentadas apó s uma curta exposiçã o da
cé lula a uma temperatura elevada”. Por exemplo, a temperatura ó tima
para cé lulas humanas é de cerca de 37ºC, mas, se expostas a uma
temperatura de uns 4 ou 5ºC acima, elas sofrerã o um “choque té rmico”.
Esse choque dispara um sistema de feedback que “responde ao
aumento da concentraçã o de proteı́nas mal enoveladas [...] acelerando a
sı́ntese de chaperonas que ajudam essas proteı́nas a se re-
enovelarem”.15
Como F. Ulrich Hartl e seus colaboradores16 uma vez explicaram, as
chaperonas HSP70 “sã o má quinas moleculares multicomponentes que
promovem o enovelamento atravé s de ciclos de liberaçã o e ligaçã o
regulados por cofatores”. A pró pria HSP70 é regulada por proteı́nas
indutoras de trocas de nucleotı́deos e por proteı́nas da famı́lia HSP40.17
As proteı́nas que ainda falham em se enovelar apropriadamente com a
ajuda dessas chaperonas serã o, entã o, tratadas pelas “ isioterapeutas”
mais “crué is” da cé lula: as chaperoninas – complexos proteicos imensos
na forma de gaiolas, “de duplo anel [...] que funcionam pelo
encapsulamento global de proteı́nas substrato [...] causando seu
enovelamento”. As chaperoninas funcionam como um tipo de “guarda-
costas”: “As chaperoninas cilı́ndricas permitem o enovelamento de uma
ú nica proteı́na encapsulada em sua cavidade”. Hartl e colaboradores
acrescentam:

Os dois sistemas atuam sequencialmente, com a HSP70 interagindo


inicialmente com polipeptı́deos nascentes e recentemente sintetizados.
As chaperoninas atuam mais à frente, no enovelamento inal das
proteı́nas que falham em encontrar seu estado nativo pela açã o inicial da
HSP70 sozinha.

Para o benefı́cio da ciê ncia, vou perguntar a você e a todos os


cientistas de bem desse planeta: acharı́amos razoá vel inferir que esse
sistema incrı́vel e altamente diversi icado de reconhecimento e
correçã o de erro, que envolve uma imensidã o de macromolé culas
altamente so isticadas e seletivas, teria surgido por um processo
natural cego e nã o guiado? Os darwinistas tê m respondido a essa
questã o com um forte e alto grito de SIM! Mas as “explicaçõ es” para o
surgimento de chaperonas que se seguem soam como “fá bulas infantis”.
Seus “contos” sã o repletos de detalhes sobre as “vantagens”, mas
normalmente desprovidos dos detalhes moleculares sobre o “como”
essas maravilhas de nanotecnologia teriam evoluı́do passo a passo por
etapas mutacionais plausı́veis.
Um exemplo emblemá tico se vê na seguinte proposta do Dr. Moran,
que escreveu um artigo em seu blog sobre chaperonas intitulado
“Enovelamento proteico, chaperonas e os ‘IDiotas’” (em inglê s “IDiots”,
um jogo de palavras para “homenagear” os defensores do intelligent
design – design inteligente).

No inı́cio, nó s nã o precisá vamos de chaperonas, pois todas as proteı́nas


se enovelavam rapidamente por si mesmas. Algumas dessas proteı́nas
primitivas poderiam ter sido um tanto quanto lentas em seu
enovelamento; entã o, a evoluçã o das primeiras chaperonas foi vantajosa,
pois elas aceleraram o enovelamento dessas proteı́nas. Elas nã o foram,
entã o, necessá rias para a sobrevivê ncia, mas as chaperonas conferiram
uma vantagem seletiva para aquelas cé lulas que as possuı́am. Assim que
se izeram presentes, novas proteı́nas puderam evoluir, as quais seriam
antes – na ausê ncia das chaperonas – lentas demais em seus
enovelamentos. Ao longo do tempo, as cé lulas acumularam mais e mais
dessas proteı́nas de enovelamento lento, até que hoje nenhuma cé lula
pode sobreviver sem chaperonas.18

Belo texto, mas a “explicaçã o” do Dr. Moran para o “se fazer presente”
das chaperonas escorrega em erros bioquı́micos ó bvios. Muitas funçõ es
essenciais das cé lulas – funções essas de que todas as formas de vida
carecem – requerem proteı́nas que só se enovelam com a ajuda de
chaperonas. Descobertas recentes tê m ampliado ainda mais as funçõ es
essenciais das chaperonas na biologia, como R. A. Quinlan e R. J. Ellis
destacaram:

[...] tem havido vá rias descobertas recentes que expandiram esse aspecto
relativamente negligenciado da biologia de chaperonas [...] que incluı́ram
a proteostase, a manutençã o do potencial redox celular, a estabilidade do
genoma, a regulaçã o da transcriçã o e a dinâ mica do citoesqueleto.19

Esses processos sã o essenciais à vida, como Quinlan e Ellis tã o bem
resumiram: “as chaperonas se colocam como encruzilhadas de vida ou
morte, pois elas controlam funçõ es essenciais, nã o somente nas horas
difı́ceis, mas també m nas horas boas”.20
A probabilidade de que uma vida pudesse ter existido só com
proteı́nas autoenovelantes é , portanto, in initamente pequena. O
nú mero dessas proteı́nas seria certamente insu iciente, pois sabemos
hoje que há um “limiar proteico” para a vida, de centenas de proteı́nas
expressas por pelo menos 250 genes essenciais ou mais de mil deles se
nó s consideramos realisticamente uma forma de vida totalmente
independente.21 A probabilidade de centenas de proteı́nas essenciais
“nascerem” autoenovelantes e se autoenovelarem sempre nas suas
formas 3D complexas e corretas – entre milhões de formas incorretas – e
em velocidades apropriadas, sem a ocorrê ncia de nenhum acidente, é
tã o baixa que equivale a “crer no impossível”. Aglomerados tó xicos de
proteı́nas disformes inú teis – mais que inúteis, mortais – sã o
astronomicamente mais fá ceis de se formar do que proteı́nas
funcionais.
Pior: mesmo que proteı́nas funcionais autoenovelantes por “golpes
de muita sorte” se formassem, esses verdadeiros milagres nã o seriam
simultâ neos, e o tempo entre eles seria excessivamente longo (o tempo
é inimigo da vida) para reunir os vá rios tipos de proteı́nas necessá rios
em uma forma de vida unicelular viá vel. Essas proteı́nas “solitá rias”
teriam, entã o, chance zero de se formarem no mesmo lugar e se
coordenarem para formar um todo funcional. Cada uma dessas
“proteı́nas milagrosas” teria, entã o, uma vida solitá ria e morreria
rapidamente, muito antes de encontrar outras dessas “proteı́nas
milagrosas” para lhes fazer companhia. Sem proteı́nas funcionais e
chaperonas para as deixarem em boa forma, nã o haveria vida.
A explicaçã o do Dr. Moran é tı́pica do que eu costumo chamar de um
conto evolutivo do tipo “com muitos porquês, sem nada de como”. E
muito fá cil encontrar uma vantagem (“um porquê ”) de uma
caracterı́stica já existente (portanto, vantajosa) na vida, o difı́cil é
explicar o “como” – o mecanismo evolutivo detalhado ao nível molecular
– tal vantagem surgiu. Assim, devido a essa imensa di iculdade, os
detalhes crucias sã o ampla ou totalmente ignorados. Tais “explicaçõ es
desesperadas” (“desesperaçõ es”) falham ao ignorar os riscos e as
di iculdades imensas desses saltos evolutivos.
Para o Dr. Moran, o surgimento repentino de chaperonas justi ica-se
simplesmente pela vantagem que essa chaperona conferiu. Mas, por
nã o oferecer os detalhes moleculares do mecanismo evolutivo que
permitiu que as chaperonas “se izessem presentes”, o texto do Dr.
Moran nos deixa sem qualquer pista de “como”, bioquimicamente, essa
maravilha de engenharia teria evoluı́do.
O guia dos filamentos do flagelo

A vida é cheia de problemas que tiveram que ser resolvidos a priori, e


as formas pelas quais esses “entraves mortais” foram resolvidos sã o
incrı́veis. Há tantas maravilhas moleculares que deverı́amos parar por
um momento e re letir sobre suas implicaçõ es. Veja, por exemplo, um
problema mortal que bacté rias lentas tiveram que resolver: encontrar o
próximo almoço. Para a bacté ria E. coli, e muitas outras, a soluçã o foi
construir um lagelo (Figura 16).

Figura 16. Detalhes do lagelo bacteriano e seu motor. Indiscutivelmente, a


má quina mais espetacular encontrada na Terra.

O lagelo e seu motor foram popularizados pelo bioquı́mico Michael


Behe, que ofereceu essa maravilha nanomolecular como um grande
desa io à teoria da evoluçã o de Darwin. Seja qual for a nossa opiniã o
sobre essa interpretaçã o de Behe, uma conclusã o aqui é inevitá vel e
consensual: o lagelo bacteriano é uma maravilha de nanoengenharia
da mais suprema complexidade e so isticaçã o.
O motor do lagelo é composto por cerca de 40 a 50 complexos
proteicos, e as proteı́nas desse complexo sã o, cada uma delas, formadas
por milhõ es de á tomos, e cada um desses milhõ es de á tomos está
perfeitamente arranjado para que todos formem a estrutura 3D correta
das partes do motor e da cauda do lagelo. Milhares e milhares de
aminoá cidos estã o sequencial e engenhosamente arranjados nos “ ios
de nylon” dessas proteı́nas, para que um perfeito “balé ” de forças inter e
intramoleculares os enovelem apropriadamente e os façam entrelaçar
automá tica e sincronizadamente. Pior foi perceber que esses engenhos
nanomoleculares, com suas estruturas 3D perfeitas, “cheiram a plá gio”,
pois se parecem e funcionam como os rotores, estatores, eixos, o-rings,
juntas, hé lices e até mesmo o câ mbio de motores criados pelo homem
(Figura 17).

Figura 17. O “inacreditá vel” sistema de câ mbio do motor do lagelo bacteriano
“plagiado” pelos humanos.

Muito tem sido dito sobre a complexidade extrema das partes do


motor do lagelo bacteriano e de suas funçõ es, e há muito mais que
poderı́amos dizer sobre o controle gené tico de sua montagem. Sã o
tantos os detalhes e as suas maravilhas que precisarı́amos de uma
enciclopé dia para falarmos de tudo. Mas se falamos de antevidê ncia, um
detalhe da estrutura do lagelo precisa ser destacado: o perfeito
entrelaçamento dos quatro ios proteicos que formam seu ilamento
(Figura 18). O ilamento do lagelo, que age como uma hé lice, chega a
ser até dez vezes mais longo do que a pró pria bacté ria. Essa hé lice
mostra-se como um arranjo perfeitamente ordenado, longo, helicoidal,
tipo parafuso, formando um tubo oco com cerca de 20 nanô metros de
diâ metro. Os ios helicoidais sã o feitos de lagelina – uma proteína
globular imensa – e se entrelaçam como os ios de cabelo, quando
formam uma trança.
Figura 18. O ilamento do lagelo bacteriano e detalhes do molde so isticado e
cuidadosamente projetado que guia a montagem de um conjunto longo e
helicoidal de ios, o qual faz com que eles se entrelacem e formem um
ilamento irmemente trançado.

Resumidamente, esse ilamento apresenta uma forma helicoidal


relativamente rı́gida, semelhante a um saca-rolhas que, ao girar,
funciona como uma hé lice e propulsiona a bacté ria. Como Koji
Yonekura, Saori Maki-Yonekura e Keiichi Namba destacaram, as
estruturas tubulares sã o formadas por “onze proto ilamentos, os quais
estã o arranjados em subunidades helicoidais quase longitudinais”.22 E
note que esses detalhes fornecem só um vislumbre da so isticaçã o
envolvida nessa maravilha nanomolecular. Como tal espetá culo de
nanotecnologia teria, entã o, surgido em uma “mera bacté ria”?
Vamos deixar de lado, por enquanto, a questã o sobre a sua origem e
focar no que vemos aqui e agora, no presente, no mecanismo já
su icientemente assombroso da montagem automá tica dessa má quina
de nadar maravilhosa. Fragmentos de ios deixados ao acaso formariam
um emaranhado caó tico, como os ios dos fones de ouvido que você
guarda na sua mochila. Para prevenir esse caos, o lagelo usa um guia
tridimensional: um molde nanomolecular simplesmente espetacular
(Figura 18). Esse guia foi moldado com perfeiçã o na forma de um
pentá gono cuidadosamente esculpido ao longo de toda sua extensã o.
Como M. Jonathan tã o bem descreveu, esse engenho funciona “como
um promotor rotativo do autoarranjo dos monô meros de lagelina”,23
guiando atravé s dele o deslizar sincronizado dos ios proteicos.
Quando em funcionamento, esse molde sabe onde deve agir e se
posiciona no topo do ilamento lagelar em crescimento, guiando o
arranjo dos ios por meio de suas pernas, as quais se projetam para
baixo e se encaixam em cavidades situadas na ponta superior do
ilamento que se forma.24 O entrelaçamento perfeito que o molde
proporciona torna a cauda inal lexı́vel, forte e resistente. Mas como
esse crescimento perfeito da trança de ios ocorre? Na base do lagelo,
um sistema secretó rio do tipo III bombeia os monô meros de lagelina
(os ios) atravé s do interior da cauda em formaçã o. Cada um dos ios do
lagelo já instalados empurra o novo io atravé s do guia, torcendo-o
perfeitamente à medida que a cauda cresce.
Muitas bacté rias precisam se locomover para encontrar comida e,
para elas, ter um lagelo motorizado é essencial para a sobrevivê ncia.
Mas desenvolver um lagelo nã o é tarefa simples, é “coisa de
pro issional”. No seu livro A caixa preta de Darwin: o desa io da
bioquímica à teoria da evolução, Michael Behe propõ e que o motor do
lagelo nã o poderia ter evoluı́do etapa por etapa, pois nã o haveria
caminho evolutivo viá vel para essa evoluçã o “insana”. O motor do
lagelo, como Behe precisamente o descreveu, é irredutivelmente
complexo. Mas os evolucionistas tê m contra-argumentado,25 alegando
que esse motor irredutivelmente complexo poderia ter, sim, surgido
gradualmente. Alguns cená rios darwinianos, que obviamente excluem
design inteligente, tê m sido sugeridos, mas os detalhes sã o sempre
“esquecidos”.
Mas se o problema já é grave com o lagelo e seu motor, o guia do
lagelo bacteriano talvez ofereça um desa io ainda mais á rduo para
aqueles que creem na evoluçã o. A peculiaridade aqui é que esse guia
parece servir para um ú nico e exclusivo proposito na cé lula, sendo
inú til sem os monô meros de lagelina que ele ajuda a montar. E, sem
esse guia para orientar a montagem, os monô meros de lagelina
també m se tornariam imprestá veis.26 Portanto, o modelo da cooptaçã o
de Miller de partes preexistentes de outros sistemas se torna inó cuo
para um guia tã o especı́ ico e exclusivo. E quem teria evoluı́do primeiro:
o guia do ilamento sem o ilamento ou o ilamento sem o guia? Eis a
questã o.
A mais famosa das propostas para a evoluçã o do lagelo é o modelo
de cooptaçã o de Miller, que assume sua construçã o pelo uso de partes
já disponı́veis em outros sistemas, tais como o sistema secretó rio tipo
III. A proposta foi feita pelo bió logo Kenneth Miller, que assim o
descreveu:

O ponto que a ciê ncia já há muito tempo entendeu é que partes e peças de
má quinas supostamente irredutivelmente complexas podem ter funçõ es
diferentes, mas ainda ú teis [...]. A evoluçã o produz má quinas bioquı́micas
complexas ao copiar, modi icar e combinar proteı́nas usadas previamente
para outras funçõ es.27

Mas a “explicaçã o” de Miller receberia zero em quı́mica e nela se acha


só a clá ssica combinaçã o de retó rica e analogias morfoló gicas. O
argumento de cooptaçã o de Miller é falho, pois o arquitetar de todo o
lagelo, mais indesculpavelmente uma de suas peças mais cruciais – o
guia do ilamento –, necessitaria de antevidê ncia, e muita. Miller só se
salvaria se ele apelasse para um “ser nanomolecular” que chamei, no
meu primeiro livro, Fomos planejados28, de “MacGyver de Darwin”
(Figura 19), um “nanoheró i mitoló gico” que, com muita inteligê ncia e
antevidê ncia, planejaria o lagelo e seu guia e realizaria a “missã o
impossı́vel” de copiar, modi icar e combinar todas as suas partes
moleculares com a extrema precisã o que o lagelo e seu guia exigem.

Figura 19. O “MacGyver de Darwin” montando o motor do lagelo bacteriano a


la Miller, ou seja, copiando, modi icando e combinando partes cooptadas de
outros sistemas.

Apesar de o argumento de Miller ter ganhado muita atençã o, hoje se


reconhece que, mesmo assumindo que a evoluçã o fosse de fato
verdadeira, o sistema secretó rio tipo III mostra-se muito mais uma
inovaçã o recente, que teria derivado (“involuı́do”) dos lagelos mais
complexos, e nã o de seus pretensos progenitores. Sobre a evoluçã o do
lagelo, preste atençã o no que declarou um dos principais
investigadores nessa á rea, o Dr. Shin-Ichi Aizawa: “visto que o lagelo é
tã o bem projetado e belamente construı́do por um caminho ordenado
de montagem, eu sinto, mesmo nã o sendo criacionista, um sentimento
inspirador quando contemplo sua beleza divina”. E ele “detonou” de vez
(a evoluçã o) quando “sinceramente” perguntou:

Contudo, se o lagelo evoluiu de uma forma primitiva, onde estã o os


remanescentes de seu ancestral? Por que nó s nã o vemos nenhuma forma
mais simples do que o lagelo, do que aquelas que vemos hoje? Como foi
possı́vel para o lagelo evoluir sem deixar nenhum traço de sua histó ria?
29

As má quinas moleculares sempre me fascinaram. E quanto mais as


estudo, mais fascinado ico (como em meu primeiro encontro com o
mar) ao contemplar – nesses minúsculos “seres” mecânicos – soluçõ es
geniais para problemas de “vida ou morte”. E també m cada vez mais me
convenço, por essas soluçõ es, de que esses problemas tiveram que ser
reconhecidos e resolvidos a priori. Sabemos que atos de antecipaçã o de
problemas – de antevidência – nã o podem emanar de processos
naturais acé falos. Sã o atos que demandam uma mente inteligente.
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do ilamento do lagelo, leia: Maki-Yonekura, Saori; Yonekura, Koji; Namba,
Keiichi. Domain movements of HAP2 in the cap- ilament complex formation
and growth process of the bacterial lagellum. Proceedings of the National
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Para mais detalhes sobre o guia do lagelo, que inclui uma animaçã o, e como
ele sugere antevidê ncia e design inteligente, leia: Jonathan, M. The lagellar
ilament cap: “one of the most dynamic movements in protein structures”.
Evolution News & Science Today, Aug. 3, 2013. Disponı́vel em:
http://bit.ly/2RfYYSU. Acesso em: 3 dez. 2019.

Jonathan, M. The lagellar ilament cap: “one of the most dynamic movements
in protein structures”. Evolution News & Science Today, Aug. 3, 2013. Disponı́vel
em: http://bit.ly/2RfYYSU. Acesso em: 3 dez. 2019.

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Jonathan, M. The lagellar ilament cap: “one of the most dynamic movements
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Sã o Paulo: Editora Mackenzie, 2018.

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05
Bactérias, insetos e plantas carnívoras

Até agora, examinamos juntos exemplos de antevidê ncia encontrados


na bioquı́mica e na engenharia das formas mais diminutas de vida na
Terra: nas cé lulas e nas suas minú sculas má quinas nanomoleculares
que fazem a vida funcionar. Mas exemplos magnı́ icos de planejamento
e propó sito nã o se limitam somente aos que encontramos nas cé lulas,
pois se espalham por todas as formas de vida, desde as menores até as
maiores. Neste capı́tulo, veremos como temos descoberto inú meros
problemas antevistos e resolvidos de pronto por estraté gias
simplesmente geniais até mesmo nas menores criaturas da Terra e nas
plantas mais incomuns.
Micróbios: outro dilema ovo-galinha

O planeta Terra é magni icamente equipado para acomodar a vida, mas


o desenrolar na Terra dessa vida em si mesma gera problemas que
poderiam aniquilá -la. Por exemplo, a molé cula de nitrogê nio (N2) forma
um gá s “quase inerte”, perfeito para a nossa atmosfera, mas a vida e
todos nó s necessitamos desse nitrogê nio disponı́vel em uma forma
mais reativa – como nitrogênio atômico (N) – para que aminoá cidos
(com a fó rmula geral RCH(NH2)COOH) e, mais adiante, nossas proteı́nas
possam ser feitos. Mas como poderı́amos converter nitrogê nio – uma
molécula muito estável conectada por três ligações químicas (N≡N) – em
N atô mico? Pior ainda, como preservar esse N reativo em formas
quı́micas ú teis? E como poderı́amos repor o nitrogê nio gasto? O
suprimento de nitrogê nio eventualmente se esgotaria se as formas de
vida na Terra o consumissem constantemente. Uma maneira de formar
N e repor ou reciclar o N2 teria, portanto, que ser antevista e
providenciada.
Uma soluçã o? Micró bios.
Micró bios sã o coabitantes do nosso planeta e exercem uma funçã o
essencial na manutençã o da vida na Terra. Nos oceanos, o plâ ncton
manté m o ciclo de carbono e as algas unicelulares, conhecidas como
diatomá ceas, e fornecem cerca de 25% do oxigê nio (O2) de nossa
atmosfera. No solo e nos oceanos, os micró bios rompem as molé culas
de N2 e, assim, ixam nitrogê nio em compostos como a amô nia (NH3).1
Outras bacté rias usam agora a NH3 e a reconvertem em N2, o que
chamamos de ciclo do nitrogê nio. Ou seja, a tarefa de manter a Terra
habitá vel para nó s foi dada à s suas menores criaturas.
O oxigê nio livre (O2) e as fontes de carbono (C) sã o essenciais para a
habitabilidade da Terra, apresentando seus ciclos de renovaçã o, que
també m dependem de micró bios e plantas. Muito do O2 na Terra é
produzido, por meio da fotossı́ntese, pelos micró bios autotró icos.2
Esses micró bios autotró icos tê m a habilidade de “ ixar” nitrogê nio pelo
rompimento das ligaçõ es triplas N≡N do nitrogê nio atmosfé rico,
formando, assim, NH3 e outros compostos ú teis à vida. Esses “paus para
toda a obra” microbianos també m mantê m o equilı́brio de muitos
outros elementos essenciais em nossa atmosfera. Sem esse equilı́brio, a
vida complexa nã o poderia existir. Sem micróbios, kaput vida!
A anammox: uma bactéria “insana” e sua química
de foguetes espaciais

Temos a tendê ncia de “menosprezar” as bacté rias classi icando-as


como “meras formas rudimentares de vida”. Mas só um vislumbre de
sua estrutura molecular já seria su iciente para nos convencer do
contrá rio. Bacté rias sã o seres de altı́ssima tecnologia (high tech) e já
“vieram a esse mundo” equipadas com um arsenal fantá stico de
má quinas moleculares extremamente requintadas.
No inı́cio dos anos 1990, a descoberta de um grupo “bizarro” de
bacté rias – as anammox – chocou a comunidade cientı́ ica. Tal
“insanidade molecular” forneceu um exemplo ainda mais espetacular,
impensá vel, da altı́ssima tecnologia das bacté rias. De acordo com Laura
van Niftrik e Mike Jetten, as anammox sã o abundantes na Terra e
encontradas em vá rios ambientes, incluindo zonas marinhas com
pouco oxigê nio, plantas de tratamento de á gua, sedimentos costeiros e
em lagos.3 A descoberta foi ainda mais surpreendente, pois estimou-se
que as anammox contribuem com cerca de 50% da produçã o de
nitrogê nio molecular (N2) em ambientes marinhos,4 ao promover a
remoçã o do nitrogê nio ixado e reconvertendo-o em N2 livre, sendo,
assim, essenciais para a vida na Terra.
A descoberta das anammox foi “chocante” para a comunidade
cientı́ ica, algo equivalente à “descoberta de ETs”, nesse caso, de
verdadeiros “ETs bacterianos”, pois viu-se que elas eram os
componentes principais do ciclo biogeoquı́mico do nitrogê nio na Terra,
realizando uma reaçã o previamente considerada impossı́vel. E, entã o,
os cientistas de pronto perguntaram: como uma bacté ria – coisa tão
simples – poderia realizar tamanho “milagre”?5 E que reaçã o
“milagrosa” seria essa? As anammox “simplesmente” convertem NH3 e
NO2- em N2 sob condiçõ es anaeró bicas, ou seja, na ausê ncia de O2.
Por conta dessa reaçã o, as anammox ganharam seu nome: ANaerobic
AMMonium OXidation.6 Note o que Van Niftrick e Jetten acrescentaram
sobre essas “insanidades” e a “encrenca” em que Darwin se meteu com
elas: “as bacté rias anammox nã o se enquadram nas caracterı́sticas
tı́picas de bacté rias, mas compartilham caracterı́sticas com os trê s
domı́nios da vida: bacté rias, archaea e eukarya, o que as tornam
extremamente interessante em uma perspectiva evolutiva”.7 Eu – mais
ousado que sou – diria que essas bacté rias cruciais e bizarras sã o, de
fato, extremamente difı́ceis (impossı́veis) de serem explicadas em uma
perspectiva evolutiva. Kaput Darwin!
Mas como ela realiza essa “missã o impossı́vel” de realimentar o N2
em nossa atmosfera? Para essa tarefa, a anammox usa ciê ncia de
foguetes espaciais e habilidades so isticadı́ssimas em quı́mica orgâ nica
sinté tica.
E inacreditá vel, mas essa bacté ria possui uma organela interna,
rodeada por uma membrana de camada dupla, que també m é bastante
peculiar para uma cé lula procarió tica. Mas a maior das surpresas foi
descobrir o que a anammox guarda dentro dessa organela, pois lá os
cientistas encontraram sabe o quê ? Hidrazina, uma molé cula que tem
uma variedade de usos que inclui sabe o quê ? Combustível para naves
espaciais!8 Resumindo o perigo: de alguma forma, a anammox faz,
estoca e usa um combustı́vel “espacial” lı́quido altamente tó xico,
corrosivo e explosivo (Figura 20).

Figura 20. A bacté ria insana anammox, que usa combustı́vel de foguetes
espaciais e que parece existir com um ú nico objetivo na vida: repor o
nitrogê nio molecular (N2) à atmosfera da Terra.

Você consegue imaginar uma criatura evoluindo – uma etapa após a


outra – a capacidade “bizarra” de armazenar esse veneno explosivo
dentro dela? Pior, se você fosse a annamox, você tentaria sintetizar
dentro de suas cé lulas hidrazina pura por tentativa e erro? Nã o
demoraria muito para que você fosse pelos ares! Como poderia uma
bacté ria evoluir um protocolo de sı́ntese de hidrazina, sem antes ter
toda a maquinaria necessá ria para manipular e usar hidrazina com
segurança? Seria sensato imaginar que uma bacté ria evoluiu a
habilidade de usar hidrazina pura – explosiva e tóxica – por um
processo sequencial desprovido de antevidê ncia para prevenir os
perigos e prever as vantagens futuras desse veneno temperamental?
Por que a “proto-anammox” – a precursora da anammox –, que nã o
usava ainda hidrazina e deveria sobreviver bem sem ela, arriscaria sua
vida nessa aventura perigosı́ssima de evoluir a habilidade de produzir e
armazenar hidrazina antes que essa substâ ncia lhe conferisse qualquer
benefı́cio?
A anammox armazena hidrazina em compartimentos internos
chamados anammoxosomas.9 Obviamente, ela deveria manipular essa
molé cula explosiva com um cuidado extremo. E, de fato, as aná lises
quı́mica e microscó pica da membrana de camada dupla desses
compartimentos, que encapsulam a hidrazina, revelaram os segredos
desse cuidado, outra grande surpresa quı́mica: essa membrana é
formada por lipı́dios ú nicos e igualmente “bizarros”, feitos de
laderanos.10 Achar laderanos em bacté rias foi surpreendente, pois
essas estruturas quı́micas sã o altamente so isticadas, a ponto de muitos
quı́micos orgâ nicos sinté ticos nem sequer tentarem fazê -las.
Um laderano tı́pico é o “á cido pentacicloanammó xico”, que tem em
sua estrutura cinco ané is fundidos de ciclobutano. Sua cadeia carbô nica
se assemelha a uma escada e conté m estruturas anelares cú bicas
concatenadas, formadas por ané is de quatro á tomos de carbono
fundidos. Ané is de quatro membros concatenados sã o uma das
estruturas mais difı́ceis de serem sintetizadas, porque a ciné tica e a
termodinâ mica trabalham contra elas. Mas a anammox parece ter
faltado nas aulas de sı́ntese orgâ nica e, mesmo com essa
impossibilidade, decidiu enfrentar e vencer o desa io de fazê -lo.
Mas por que essas “meras bacté rias” se dariam a esse trabalho?
Parece que as anammox sintetizam laderanos somente para poder
guardar e, entã o, usar a hidrazina como um agente que converte NH3 e
NO2- em N2 na ausê ncia de O2. Mas por que uma bacté ria sintetizaria N2,
um gá s “quase inerte” e praticamente inú til – em si mesmo – para ela e
para a vida? As anammox sã o encontradas por todo o mundo, mas sã o
mais abundantes nos oceanos. Lá , elas realizam essa missã o impossı́vel,
tudo indica, simplesmente pelo “prazer” de produzir N2. Mas por meio
desse “hobby” elas fazem a “caridade” de regular o ciclo de nitrogê nio,
mantendo sob perfeito controle a razã o N2/O2 em 3:1 na atmosfera da
Terra.11 Essa minú scula má quina nanomolecular manté m o balanço
perfeito da concentraçã o de N2 e O2 de nossa atmosfera permitindo que
todas as formas de vida nela sobrevivam.
Descobrimos, entã o, que um minú sculo micró bio usa ciê ncia de jatos
espaciais12 simplesmente para tornar possı́vel e sustentá vel a vida na
Terra.
E estamos apenas no inı́cio do nosso entendimento dessa
extraordiná ria bacté ria. O mecanismo enzimá tico que produz a
hidrazina está sendo desvendado e se mostra també m incrı́vel. Como
Andreas Dietl e colaboradores descreveram: “a estrutura cristalina
revelou um mecanismo de duas etapas para a sı́ntese de hidrazina: uma
reduçã o de trê s elé trons do ó xido nı́trico para a hidroxilamina
ocorrendo no sı́tio ativo de uma subunidade γ e sua condensaçã o
subsequente com amô nia”. Os autores desse artigo, publicado na
Nature, izeram també m uma analogia ainda mais intrigante: “é
interessante notar que o mecanismo proposto é aná logo ao processo
Raschig, usado na sı́ntese industrial de hidrazina”.13 Veja a ironia:
novamente descobrimos que uma das grandes invençõ es humanas (o
processo Raschig) é somente mais um “plá gio” que izemos da natureza.
O gá s N2 de nossa atmosfera é essencial para a vida na Terra e, como
os autores de outro artigo declararam, é “o produto lateral de uma
nanomá quina precisa e so isticadamente projetada, que sabe muita
quı́mica orgâ nica redox e é mestre em armazenar com segurança
combustı́vel de foguetes”.14
A cada nova descoberta, portanto, esse “fantá stico mundo dos
micró bios” se mostra mais e mais fantá stico, revelando mais e mais
“surpresas”, ou seja, evidências de antevidência. Mais recentemente,
outra maravilha microbiana foi descoberta: uma bacté ria ainda mais
chocante e enigmá tica, a “comammox”15 (“COMplete AMMonia
OXidizer”). Ela també m pode ser encontrada em quase todos os cantos
da Terra e descobriu-se que realiza um trabalho ainda mais espetacular
do que a anammox. Sozinha, a comammox faz uma nitri icaçã o
completa: um marco na microbiologia. Duas classes diferentes de
micró bios nitri icantes já eram, há muito tempo, conhecidas e sabia-se
que cooperavam no processo de nitri icaçã o que oxida NH3 em NO2- e,
subsequentemente, em NO3-. Mas a comammox decidiu nã o terceirizar
nenhuma das etapas de nitri icaçã o. Para economizar energia, ela
catalisa sozinha as duas etapas de nitri icaçã o, realizando a oxidaçã o
completa de NH3.
As implicaçõ es de todas essas descobertas parecem claras, pois é
inevitá vel concluirmos que a necessidade de manter uma atmosfera
viá vel para a vida na Terra teria que ser antevista desde o inı́cio. E mais:
um conjunto de micró bios “insanos”, equipado com arsenais quı́micos e
capacidades quı́micas “quase sobrenaturais” e so isticadı́ssimas, teve
que ser providenciado de pronto para atender a essa demanda.
Issus: o verdadeiro inventor das engrenagens

Para um inseto que nã o voa, a habilidade de saltar alto, rá pido e com
grande sincronia se torna essencial para sua sobrevivê ncia. Para evitar
ser “servido no jantar”, esse inseto precisa ser capaz de pular desde seu
nascimento. Nã o deveria, entã o, nos surpreender que pequenos insetos
estã o entre os melhores saltadores deste planeta.
Mas insetos leves, com corpos pequenos, que precisam dar grandes
saltos constituem um problema enorme de engenharia mecâ nica. Para
complicar ainda mais, insetos tê m pares de patas e, portanto, o impulso
precisa ser perfeitamente sincronizado, para que as duas patas do par
se movimentem simultaneamente. Nã o há espaço aqui para tentativas e
erros.
Como essas criaturas conseguem realizar tais façanhas? O que
descreverei a seguir é uma estraté gia extraordinariamente incrı́vel.
Em 2013, dois bió logos da Universidade de Cambridge, Malcolm
Burrows e Gregory Sutton, estavam estudando um pequeno inseto do
gê nero Issus (Figura 21), uma criatura encontrada “saltando em
jardins” por toda a Europa e a Africa do Norte. O que eles descobriram
soa como algo que se lê nas pá ginas de novas descobertas de revistas
de engenharia, como a Mecânica Popular. Esse minú sculo inseto salta
usando engrenagens bem encaixadas no trocanter16 de suas patas
traseiras, o qual as conecta a uma estrutura equivalente a um quadril.17

Figura 21. O “Issus juvenil”, um inseto do tamanho de uma pulga, da espé cie
Issus coleoptratus, que usa engrenagens so isticadamente construı́das para
sincronizar o movimento do tipo catapulta de suas patas, dando saltos altos,
longos e perfeitos.

Usando essa tecnologia miniaturizada, esses insetos minú sculos (só


um pouco maiores do que uma pulga) movimentam suas patas em uma
sincronia praticamente perfeita. Suas duas patas deslizam lateralmente
e, assim, se uma delas se estendesse uma fraçã o de segundo antes da
outra, o inseto rodopiaria e se tornaria comida fá cil para predadores.
Mas as engrenagens sã o tã o inamente ajustadas e sincronizadas que
essas criaturas dã o saltos longos, rá pidos e em linha reta.
Essas engrenagens mecâ nicas cuticulares se encaixam e rodam com
grande precisã o, coordenando o movimento sincronizado das patas.
Para o encaixe perfeito de seus dentes, uma engrenagem roda cerca de
30 milioné simos de segundo defasada da outra, a mais de 33 mil
rotaçõ es por minuto (33.000 RPM). Percebeu o nı́vel do ajuste
inı́ssimo? Os motores mais rá pidos de carros de Fó rmula 1, por
exemplo, atingem somente cerca de 10.000 RPM.
Essas engrenagens usam dentes assimé tricos (melhores que os
simé tricos) e inclinam simultaneamente as duas patas do Issus antes de
ele disparar seus saltos. Burrows e Sutton dã o mais detalhes sobre esse
mecanismo: “uma sincronia entre as engrenagens garante que ambas as
patas se movam nas mesmas velocidades angulares para propelir o
corpo do inseto sem guinadas (sem que rode como um piã o)”.18 Um
“Issus juvenil” consegue pular até 100 vezes mais do que seu
comprimento e em alta velocidade, quase quatro metros por segundo
(15 km/h).
Mas o risco de quebra de um engenho tã o pequeno que se move em
tã o alta velocidade é grande. Para contornar esse risco, as engrenagens
dos insetos jovens sã o constantemente trocadas por novas e maiores. E,
como Burrows e Sutton sugeriram, o “Issus juvenil” desenvolve novas
engrenagens repetidas vezes durante seu crescimento para que quando
sua engrenagem quebre ele consiga sobreviver nesse intervalo de
tempo até que um novo par seja formado.
No “Issus adulto” e bem mais pesado, as engrenagens se tornam
inviá veis e, pasmem, sã o trocadas por um sistema mais robusto
baseado agora em um mecanismo de fricçã o de alta performance que se
adapta melhor ao seu maior tamanho. Essa troca també m sugere
antevidê ncia, e muita.
Hoje, o “Issus juvenil” é a ú nica criatura conhecida na Terra que usa
engrenagens mecâ nicas dentadas e perfeitamente encaixantes para
sincronizar seus membros para saltos de longa distâ ncia. Antes dessa
descoberta, engrenagens nunca tinham sido encontradas na natureza,
especialmente engrenagens que pudessem favorecer saltos balı́sticos
tã o espetaculares. Se a evoluçã o de alguma forma criou as engrenagens
do “Issus”, parece que ela só conseguiu fazer esse “milagre fortuito” de
engenharia mecâ nica de ponta uma ú nica vez.
Ao discutir a origem mais prová vel das engrenagens do “Issus”, o Dr.
Sutton se apressou em dizer: “essas engrenagens nã o sã o frutos de
design; elas evoluı́ram, representando uma maquinaria de alta
velocidade e precisã o que evoluiu para introduzir a sincronizaçã o no
mundo animal”.19 Perceba que Sutton inicia bem sua fala, corretamente
considerando a outra opçã o cienti icamente viá vel, mas, em seguida,
erra feio ao selecionar a opçã o errada – aquela que é comprovadamente
desprovida da capacidade de antever e projetar tais maravilhas. Mas
como é comum nessas “alegaçõ es evolutivas”, a alegaçã o de Sutton veio
de novo totalmente desprovida dos detalhes de “como” tal sistema de
saltos baseados em engrenagens poderia ter evoluı́do lenta, gradual e
sucessivamente, uma pequena etapa de cada vez; caminho esse
inevitá vel se alguma forma de evoluçã o darwiniana cega de fato tivesse
produzido tal maravilha. Mas quem se importaria com esses detalhes,
nã o é verdade? Nã o somos todos obrigados a aceitar tais cená rios como
dogmas inquestioná veis? Como mais lei do que a lei da gravidade?
Mas vamos nos permitir – eu e você – a deixar de lado esse dogma por
um momento e analisar juntos a racionalidade da alegaçã o do Dr.
Sutton. Vamos supor – por uma “licença poética” – que o “Issus” de fato
existiu um dia sem suas engrenagens da fase juvenil ou sem seu
mecanismo de fricçã o da fase adulta, sem ser de pronto extinto sem
eles. Por que, entã o, esse inseto decidiria correr o risco, nessa longa
“viagem sem destino conhecido”, de percorrer o longo e perigoso
caminho evolutivo que, sem ele saber, o levaria a ter dois mecanismos
novos e distintos de salto? Como trabalha por pequenas etapas, a
evoluçã o teria que primeiro formar as engrenagens ou o sistema de
fricçã o, qualquer um dos dois imperfeitos. Suponha que a evoluçã o, por
um “milagre fortuito”, tenha conseguido fazer um desses sistemas de
pronto e perfeito, mas se engana e dá as engrenagens para o adulto ou o
mecanismo de fricçã o para o jovem? O pobre “Issus mutante” testaria,
entã o, essa nova funçã o somente para descobrir o grande iasco, e ser
“servido no jantar”.
E mesmo que a evoluçã o conseguisse selecionar as idades corretas
para cada funçã o, o “Issus juvenil” descobriria prová veis erros de
fabricaçã o. Descobriria, por exemplo, que o material da nova
engrenagem era mole demais, ou que o nú mero ou o espaçamento
entre os dentes veio descompassado, ou que o impulso veio
descalibrado mais para a direita ou para a esquerda, fazendo a pobre
criatura rodar e se espatifar no chã o: mais um jantar à mesa. Muitas
coisas poderiam dar errado. Se a intençã o é pular – com toda a
sincronia e rapidez possível –, um sistema de engrenagem ou de fricçã o
imperfeito seria um “estorvo evolutivo” sem benefı́cio algum.
E o que veio primeiro? Engrenagens para o “Issus juvenil” ou o
sistema de fricçã o melhor adaptado para o “Issus adulto”? Ele
provavelmente necessitaria de ambos para sobreviver, pois esse inseto
indefeso – se saltar fosse a solução – teria que saltar sempre e bem, e
bem longe, como jovem ou adulto.
Anteveja, projete e instale um par de sistemas de saltos e icientes
desde o inı́cio – um para o Issus juvenil e outro para o adulto – ou: adiós,
muchacho!
Inquestionavelmente as engrenagens do “Issus” sã o um exemplo de
alta tecnologia. Mas deixe-me acrescentar mais algumas evidê ncias
para sustentar essa tese: o risco de quebra de uma engrenagem de
tamanha tecnologia assim e que roda a 33.000 RPM é imenso: se
qualquer um dos dentes for dani icado, a e iciê ncia de todo o sistema é
perdida. Para minimizar esse risco, os dentes, com uma largura de cerca
de 80 milioné simos de metro, sã o ligeiramente curvados em sua base.
Engenheiros eventualmente també m usam té cnicas similares (mais
difı́ceis de executar) para conseguir maior torque e reduzir o desgaste
dos dentes das engrenagens, mas a “natureza” já usava esse truque bem
antes deles.
Engrenagens funcionais de qualquer tipo sã o peças que precisam ser
engenhosamente moldadas. Há engrenagens de muitas formas e que
sã o usadas para diferentes propó sitos. Elas sã o peças-chaves da
tecnologia moderna e estã o presentes em muitas má quinas, carros,
bicicletas e motos. Se olharmos para trá s na histó ria, por mais que
recuemos no tempo, parece que ningué m sabe com certeza quem foi o
inventor das engrenagens mecâ nicas. Sabemos que os gregos usaram
engrenagens no mais antigo computador analó gico conhecido, o
“computador de Anticı́tera”, um mecanismo magnı́ ico que mapeava o
movimento do sol, da lua e de planetas visı́veis a olho nu.20 Em 1900,
quando mergulhadores gregos encontraram esse mecanismo antigo – o
mecanismo tecnológico da Antiguidade mais avançado até hoje
descoberto – e se depararam com suas engrenagens, todos
imediatamente reconheceram aquela peça como o produto
“indesculpá vel” de uma mente inteligente.
Se nã o identi icamos em nenhuma outra causa – senão na causa
inteligente – a capacidade demonstrada de gerar tais maravilhas, com
antevidê ncia e planejamento, por que deverı́amos optar por outra
causa quando encontramos engrenagens tã o so isticadas e
cuidadosamente desenhadas ixadas nas patas de um inseto saltante?
Mais ainda: por que nã o nos renderı́amos à s evidê ncias claras de
antevidê ncia e design quando notamos que os “cená rios” que nos sã o
oferecidos com evidê ncias de uma evoluçã o cega e gradual dessas
maravilhas naturais se mostram inviá veis e se esquecem de pelo menos
arriscar a explicar o “como”, soando mais como “sonhos delirantes de
uma noite de verão”?
O soco superpoderoso do “aquaTyson”

Em 1998, Tyson surpreendeu o mundo por “cavar” um buraco na


parede de sua prisã o na Inglaterra usando somente seus socos
poderosos,21 logo sendo manchete por todo o mundo. Mas nã o se
engane, pois nã o estou falando do boxeador de peso pesado, o famoso
Mike Tyson. Esse Tyson que mencionei foi uma pequena criatura dos
oceanos que esmagou a parede de vidro de seu aquá rio, com a
espessura de cerca de 0,7 cm, no Centro Great Yarmouth de vida
marinha, na Inglaterra. Quilo por quilo, esse “aquaTyson” é imbatı́vel
em questã o de dar os socos mais potentes e mais rá pidos desse planeta.
Nosso “aquaTyson” é um crustá ceo marinho conhecido no Brasil
como “lagosta boxeadora” (Odontodactylus scyllarus). Esse crustá ceo
(Figura 22) usa apê ndices em seus punhos que funcionam como um
duro bastã o e geram golpes extremamente rá pidos, capazes de esmagar
conchas.22 Esses socos poderosos demandam o armazenamento de
energia e um sistema de liberaçã o dessa energia em seu exoesqueleto23
por um mecanismo com mola e que tem um formato semelhante a uma
sela de cavalo.

Figura 22. A “lagosta boxeadora”, campeã mundial de socos potentes.

Ao ilmarem esses golpes com câ meras que capturam imagens em


alta velocidade, os cientistas descobriram que a lagosta-boxeadora dá
os socos mais rá pidos conhecidos nesse planeta. Esses socos, dados
debaixo d’á gua, alcançam uma velocidade de até 80 km/h, em menos de
800 microssegundos, gerando uma força que equivale a cerca de 2.500
vezes o peso de seu corpo.24 Os golpes sã o tã o rá pidos – e tão potentes –
que chegam a produzir pequenos lashes de luz, pois diminuem tanto a
pressã o ao seu redor que a á gua entra em ebuliçã o. Quando a pressã o
da á gua se normaliza, as pequenas bolhas de vapor d’á gua colapsam,
liberando ainda mais energia por um fenô meno conhecido como
cavitaçã o. Como Ed Yong uma vez escreveu: “o soco atinge seu alvo em
somente trê s milissegundos e causa um impacto equivalente ao de uma
bala disparada por um ri le”.25 E essa lagosta insana consegue essa
façanha nã o no ar, mas debaixo d’á gua, ou seja, mesmo movimentando
seu “punho” contra um retardo substancial imposto pelo atrito com a
á gua.
A tecnologia é tã o avançada e tã o elegante que Sheila Patek, coautora
de um artigo26 escrito para a BBC sobre a lagosta-boxeadora, fez uma
analogia intrigante: “a lagosta-boxeadora armazena energia elá stica
antes do golpe e a libera como faz um arqueiro com seu equipamento
de arco e lecha”27 (Figura 23).

Figura 23. O braço superpoderoso da lagosta-boxeadora, semelhante a um


bastã o de beisebol, que trabalha como uma “balestra” (equipamento
pro issional de arco e lecha) e desfere os socos mais potentes desse planeta.
Em tamanho corporal, essa lagosta é proporcionalmente dez vezes mais
potente do que o Mike Tyson (o ex-campeã o mundial de peso pesado).

Ed Yong deu ainda mais detalhes:


[...] assim que o braço é engatilhado, uma trava o ixa irmemente em seu
lugar. Os mú sculos largos na parte superior do braço se contraem e,
assim, armazenam energia. Quando essa trava de lingueta se solta, toda
essa energia é liberada de uma vez, e o braço inferior é lançado para a
frente.28

Zack, Claverie e Patek descrevem outras caracterı́sticas do sistema:

[...] as formas incrı́veis e os padrõ es de mineralizaçã o que caracterizam o


apê ndice raptorial da lagosta-boxeadora revelam ainda um poderoso
sistema mecâ nico de ampli icaçã o altamente integrado, baseado em
armazenamento de energia elá stica em seu exoesqueleto.29

Uma caracterı́stica fundamental que permite esse poderoso soco é


encontrada em uma estrutura minú scula em seu braço, semelhante a
uma sela, que també m é comprimida durante o armar do gatilho,
funcionando, assim, como uma mola e armazenando energia adicional.
Quando a trava é liberada,30 essa estrutura em forma de sela se
expande, proporcionando um impulso adicional para o bastã o,
acelerando-o e provendo uma força que chega a 10.000 unidades de
força-g.31 Essa energia foi su iciente para que o soco do “aquaTyson”
estilhaçasse o vidro do seu aquá rio. O design é també m semelhante ao
usado por engenheiros. Outro “plá gio” da natureza.
Mas como essa “mera lagosta” pode desferir socos tã o rá pidos e tã o
poderosos sem se machucar? Pois é , algo anteviu o perigo e a equipou
com uma “luva de boxe” de altı́ssima tecnologia. Uma luva de boxe,
pode?
Foi só recentemente que descobrimos essa “luva”, outra maravilha de
engenharia.32 A regiã o de impacto frontal do bastã o é bem espessa e
feita de um material semelhante a um osso: cristais de hidroxiapatita.
Alinhados perpendicularmente à superfı́cie, cada cristal forma uma
coluna que fornece alta resistê ncia à compressã o e pode suportar até 4
bilhõ es de pascal (Pa) de pressã o (a pressã o do ar ao nı́vel do mar é
cerca de quatro mil vezes menor). Como essa estrutura se compara à
tecnologia humana? Forjada em temperaturas extremamente altas de
mais de 1.300ºC, materiais aná logos feitos pelo homem, tais como as
cerâ micas, suportam pressõ es um pouco menores, de 2 ou 3 bilhõ es de
Pa.
Pró ximas à regiã o de impacto, ibras proteicas engenhosamente
arquitetadas estã o també m dispostas em camadas empilhadas. Sobre
elas, Yong també m acrescentou estes detalhes: “em cada uma, as ibras
sã o todas paralelas, mas cada camada é desalinhada um pouco em
relaçã o à camada inferior para assim produzir uma estrutura helicoidal.
Finalmente, o espaço entre as ibras é preenchido com minerais
arranjados aleatoriamente”, o que previne o crescimento de eventuais
trincas.33 O bastã o da lagosta-boxeadora é ainda envolto em ibras de
quitina, que comprimem toda a estrutura, reduzindo a velocidade de
propagaçã o de eventuais rachaduras. David Kisalius comparou esse
“capricho” com algo semelhante a “um boxeador que coloca
esparadrapo ao redor de seus punhos”.
Os evolucionistas alegam que essa lagosta-boxeadora evoluiu todas
essas caracterı́sticas magnı́ icas para responder à s necessidades
especiais criadas pelo seu ambiente. Ed Yong, um escritor de ciê ncia da
revista National Geographic, “contou” esse processo evolutivo da
seguinte forma:

[...] alguns cientistas pensam que a natureza guerreira da lagosta


boxeadora evoluiu porque as crateras rochosas que elas habitavam eram
disputadas ferozmente. Essa competiçã o tornou esses animais mais
espertos do que uma lagosta comum. Eles sã o os ú nicos invertebrados
que podem reconhecer outros indivı́duos de sua espé cie e podem ainda
lembrar o resultado de uma briga contra um rival por mais de um mê s.34

Entendi perfeitamente. Acho, entã o, que vou me mudar para a cidade


mais violenta do Brasil, no seu bairro mais “competitivo”, e me envolver
constantemente em situaçõ es nas quais dar socos potentes e ser
esperto serã o necessidades constantes, pois sei agora que a evoluçã o –
como uma fada madrinha – me salvará da extinçã o certa, me
recompensando com socos cada vez mais poderosos e um “boost” no
meu QI.
Essa histó ria evolutiva é interessante, mas falha de novo em explicar
como essa pequena lagosta teria desenvolvido toda essa tecnologia e
expertise por tentativa e erro, uma pequena etapa mutacional de cada
vez. Todas as partes do mecanismo de soco teriam que estar no seu
lugar para que esse mecanismo funcionasse. Eu me nego a chamar esse
caminho evolutivo de viá vel. E você ?
Plantas carnívoras

As plantas carnı́voras (Figura 24) sã o por demais intrigantes e


fascinantes, sendo quase impossı́vel nã o nos apaixonarmos por elas já à
primeira vista. Para capturar, matar e ingerir “sucos” de aranhas,
insetos, protozoá rios, crustá ceos, pequenos lagartos, ratos,
camundongos e vá rios outros pequenos invertebrados e vertebrados,
essas plantas “bizarras” usam um arsenal de armadilhas que se
movimentam com uma engenharia genial, alé m de sensores elé tricos e
quı́micos e mais um conjunto de compostos quı́micos digestivos. Elas
executam todas essas funçõ es usando iscas e armadilhas feitas com
mecanismos elé tricos e mecâ nicos e um arsenal de compostos quı́micos
que preparam os “sucos” pela digestã o total da presa.35

Figura 24 – A mais famosa planta carnı́vora, conhecida como dioneia ou


“apanha-moscas” (Dionaea muscipula), representada com sua armadilha
aberta, fechada e na fase de digestã o.

Como Aaron Ellison e Nicholas Gotelli lembram, Charles Darwin foi


pioneiro na pesquisa moderna de plantas carnı́voras ao escrever, em
1875, um trabalho intitulado “Insectivorous plants”. Nesse trabalho, ele
aplicou sua ideia de homologia (o que os bió logos hoje chamam de
homoplasia) para destacar o que Darwin interpretou como uma
convergê ncia evolutiva entre dois taxa36 aparentemente nã o
relacionados. Darwin foi, entã o, o primeiro a descrever as estruturas de
oito gê neros de plantas que aprisionavam insetos.37
Como Darwin bem descreveu, essas plantas sã o impressionantes nã o
só por serem capazes de capturar a presa, mas també m por
empregarem enzimas especı́ icas para dissolver as proteı́nas do animal
capturado e tomar o “suco proteico”. Se essas enzimas nã o estivessem
lá , nã o haveria funçã o alguma para a armadilha, e vice-versa. Darwin
descreveu essas plantas há mais de 150 anos, mas, desde entã o,
nenhum trabalho mostrou como essas criaturas incrı́veis teriam
evoluı́do todas essas funçõ es bioquı́micas altamente intrincadas e
sincronizadas via mecanismos anatô micos, mecâ nicos e/ou elé tricos.
Plantas carnı́voras usam folhas altamente especializadas e que sã o
moldadas para funcionar como armadilhas mecâ nicas, como John
Brittnacher explica:

[...] muitas dessas armadilhas seduzem a presa com coisas como cores
vivas, né ctares lorais ou pelos que servem como guias. Quando
capturada e morta, a presa é digerida pelo organismo da planta ou por
um organismo parceiro. A planta absorve, entã o, os nutrientes liberados
pelo falecido. Muitas plantas carnı́voras crescem sem consumir presas,
mas elas crescem mais rapidamente e se reproduzem muito melhor com
os nutrientes que obtê m de suas presas.38

A apanha-moscas (Venus lytrap, em inglê s) é uma das plantas


carnı́voras mais famosas.39 Em seu habitat natural, no sudoeste dos
Estados Unidos, ela se alimenta principalmente de moscas, mas
consome qualquer coisa viva que se encaixe em sua armadilha. Como
Rainer Hedrich e Erwin Neher explicam, a planta emprega
mecanoreceptores altamente sensı́veis e “pelo contato com a presa,
uma açã o potencial é disparada atravé s da qual, por meio de uma rede
elé trica – compará vel ao sistema nervoso de vertebrados –, ela fecha
rapidamente sua armadilha”40 (Figura 25).
Figura 25. Um ciclo incrı́vel de eventos ocorre quando a “apanha-moscas”
abre sua armadilha. Essa planta carnı́vora detecta sua presa por sensores
eletroquı́micos, fecha a armadilha com rapidez para capturá -la, digere a presa
usando um coquetel de enzimas seletivas e toma o suco proteico, reabrindo,
em seguida, sua armadilha e se preparando para a pró xima refeiçã o.41

A armadilha fecha automaticamente, mas, em seguida, a planta segue


uma sequê ncia cuidadosamente orquestrada de ativaçã o gené tica para
fechá -la mais fortemente, digerir a presa e absorver os nutrientes. Toda
essa sequê ncia de eventos precisa ocorrer em perfeita sincronia. A
planta “toma decisõ es” em cada etapa de ativaçã o pelo cá lculo do
estı́mulo gerado pelos seus ó rgã os sensitivos.
Os evolucionistas nã o tiveram ainda a ousadia de propor que plantas
carnı́voras evoluı́ram essas habilidades “animalescas” por incorporar
genes de suas presas, uma proeza impossı́vel, pois a presa é totalmente
digerida. Eles tê m sugerido, entã o, que a planta modi icou e rearranjou
algumas funçõ es gené ticas compartilhadas por todas as plantas. Mas o
problema aqui é imenso, pois essa habilidade de modi icar e arranjar
com tamanha destreza e antevidê ncia em muito excede a capacidade de
processos cegos que sã o incapazes de prever necessidades ou
vantagens futuras.
O carnivorismo é encontrado no mundo animal e é nele que faz todo
o sentido. Por isso, é tã o intrigante encontrar carnivorismo no ramo
verde da á rvore da vida, particularmente se considerarmos que a
maioria das plantas sobrevivem e se reproduzem muito bem usando
somente a fotossı́ntese. Se o carnivorismo evoluiu em plantas
carnı́voras só para lhes fornecer mais nutrientes, por que a seleçã o
natural recompensaria essas plantas – aparentemente carentes de mais
nutrientes – por gastarem alguns dos nutrientes preciosos que já
tinham para iniciar uma aventura perigosı́ssima de “milhõ es de anos”
que, sem qualquer rumo, acabou evoluindo lentamente uma nova
ferramenta, no inı́cio inú til, de suprimento de nutrientes? Qual seria a
recompensa imediata se essas plantas estivessem supostamente
evoluindo esse sistema complexo ao longo de incontá veis geraçõ es por
muitas eras? Ou seja, se os nutrientes provenientes da açã o carnı́vora
fossem somente um “bô nus” nã o essencial para a planta, por que a
natureza selecionaria todas as muitas etapas intermediá rias desse
sistema complexo de bô nus, durante o tempo em que esse “sistema
mutante” nã o oferecesse nenhum bô nus – nem nutrição e nem
proteção? E qual a vantagem de um sistema que provavelmente viria
com um alto custo em nutriente e energia, tudo isso (pela maior
so isticaçã o) aumentando o risco de sobrevivê ncia da planta?
Se o sistema evoluiu primeiro para a proteçã o da planta e, mais tarde,
para lhe fornecer nutrientes adicionais, terı́amos aqui um problema
semelhante: por que gastar tanta energia no processo de formaçã o de
um sistema de proteçã o funcional, antes que esse sistema de proteçã o
fosse funcional, comprometendo a proteçã o já existente? A seleçã o
natural é desprovida de antevidê ncia, sendo incapaz de olhar para o
futuro e reconhecer nele benefı́cios. Lembre-se: na evoluçã o, é tudo um
aqui e agora: “o que você pode fazer por mim hoje?”.
O desa io para o darwinismo oferecido por plantas carnı́voras ica
ainda mais evidente quando notamos que, se seu carnivorismo de fato
evoluiu, essas plantas tiveram que evoluir essa habilidade
“independentemente por pelo menos seis vezes em cinco ordens
diferentes de angiospermas”, como uma vez explicaram Ellison e
Gotelli.42
Talvez possamos dar à evoluçã o o benefı́cio de um milagre, mas
repetir a mesma façanha “bizarra” por seis vezes? Pode?
Acredita-se que outras espé cies de plantas carnı́voras, como a
Darlingtonia e algumas Nepenthes perderam sua habilidade de digerir
presas. Talvez o seu sistema digestivo estivesse funcionando bem, mas,
de repente, a planta se viu em um ambiente bastante rico em bacté rias
e outros organismos. Entã o, nasceu uma dessas plantas com um
sistema digestivo defeituoso que conseguiu sobreviver, pois se valeu
das bacté rias e de outros organismos presentes em seu ambiente para
digerir os nutrientes da presa que a mutante capturou.
Em seu website, a Sociedade Internacional de Plantas Carnı́voras
assim “explica” esse processo:

[...] falando nã o cienti icamente, por que uma planta deveria se preocupar
com todo o trabalho de digerir uma presa, quando outros organismos
fariam essa tarefa por elas? Ou, cienti icamente, se nã o há uma vantagem
seletiva em gastar energia para a digestã o, as mutaçõ es se acumularã o e
eliminarã o a digestã o.43

Talvez sim, mas isso é involuçã o – a destruição de um sistema


existente. E como qualquer um que tem ou teve ilhos sabe, qualquer
“pirralho” teria a mesma capacidade. O que o darwinismo precisa
fornecer sã o explicaçõ es para a evoluçã o de novos sistemas e de novas
maravilhas da engenharia, e nã o para a destruiçã o de sistemas
maravilhosos que já existem.44
Alguns poderiam argumentar que nos falta um pouco de imaginaçã o
para aceitar a possibilidade de que essas plantas evoluı́ram, mas nem
toda a imaginaçã o desse mundo parece su iciente, nem sequer para só
conectarmos – sem qualquer comprovação – uma sé rie de etapas viá veis
iniciando do zero até uma armadilha e um sistema digestivo totalmente
funcionais. Crer que algo aconteceu nã o é o mesmo que imaginar como
esse algo aconteceu. Ningué m tem chegado sequer pró ximo de
imaginar como essas plantas maravilhosas surgiram, e essa “lacuna de
dados e imaginaçã o” nã o se perpetua por falta de tentativas.
Se imaginar é preciso, vamos entã o imaginar outras causas prová veis,
essas com a capacidade já demonstrada de construir novas maravilhas
de engenharia. Vamos considerar uma outra possibilidade,
independentemente se temos ou nã o permissã o: a construçã o dos
sistemas usados por plantas carnı́voras demandou antevidê ncia. Foi
necessá rio prever o que icaria armazenado dentro da armadilha, para
que um sistema digestivo apropriado pudesse ser sincronizadamente
construı́do. Foi necessá rio prever ainda como o sistema digestivo
funcionaria para que valesse a pena construir uma armadilha tã o
so isticada. E foi necessá rio també m antevidê ncia para construir cada
um desses dois sistemas individualmente.
Um poder único

E muito fá cil se esquivar classi icando coisas vivas como simples e
primitivas, mas quando expandimos nossa visã o usando microscó pios
poderosos e a bioquı́mica, descobrimos que até os aspectos mais
minú sculos da vida sã o complexos em um nı́vel alé m da nossa
imaginaçã o. O microscó pio nos revelou um novo mundo de estruturas
complexas e inspiradoras com a funçã o de resolver engenhosamente
problemas que, sem essas soluçõ es, seriam fatais. E, se vamos da escala
atô mica para escalas mais superiores e examinamos estruturas como as
engrenagens do “inseto Joã o do Pulo” (Issus), as “luvas” da “aquaTyson”,
ou as “churrasqueiras” das “plantas gaú chas” (carnı́voras),
encontramos exemplos numerosos e magnı́ icos dessas soluçõ es
geniais.
E eu só descrevi uma pequenı́ssima fraçã o dessas soluçõ es nos
exemplos já explorados neste capı́tulo. Tudo o que vimos foi só a gota
de um oceano de genialidade. E a nossa experiê ncia continuada e
universal só pode associar essa genialidade a uma capacidade exclusiva
de agentes inteligentes – a antevidência.
Para mais detalhes da sinergia entre os micró bios e a vida, leia: How microbes
make earth habitable. Evolution News & Science Today, Feb. 10, 2016. Disponı́vel
em: http://bit.ly/2OMX22x. Acesso em: 6 dez. 2019; More on how microbes
make earth habitable. Evolution News & Science Today, Feb. 14, 2016. Disponı́vel
em: http://bit.ly/381fEDn. Acesso em: 3 dez. 2019.

Kuenen, J. Gijs. Anammox bacteria: from discovery to application. Nature


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Leia també m: Dietl, Andreas et al. The inner workings of the hydrazine
synthase multiprotein complex. Nature, v. 527, n. 7578, p. 394-397, 2015.
Disponı́vel em: https://go.nature.com/34PKSLS. Acesso em: 3 dez. 2019.

Niftrik, Laura van; Jetten, Mike S. M. Anaerobic ammonium-oxidizing bacteria:


unique microorganisms with exceptional properties. Microbiology Molecular
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Disponı́vel em: http://bit.ly/2DJOaVc. Acesso em: 3 dez. 2019.

Jetten, Mike S. M. et al. Biochemistry and molecular biology of anammox


bacteria. Critical Reviews in Biochemistry and Molecular Biology, v. 44, n. 2-3, p.
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Kuypers, Marcel M. M. et al. Anaerobic ammonium oxidation by anammox


bacteria in the Black Sea. Nature, v. 422, n. 6932, p. 608-611, 2003. DOI
10.1038/nature01472. Leia també m: Niftrik, Laura van; Jetten, Mike S. M.
Anaerobic ammonium-oxidizing bacteria: unique microorganisms with
exceptional properties. Microbiology Molecular Biology Reviews, v. 76, n. 3, p.
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Nifdrik, Laura van; Jetten, Mike S. M. Anaerobic ammonium-oxidizing bacteria:


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Biology Reviews, v. 76, n. 3, p. 585-596, 2012. DOI 10.1128/MMBR.05025-11

Para mais informaçõ es sobre as propriedades da hidrazina e seus usos, leia:


Hydrazine. PubChem Compound Database. National Center for Biotechnology
Information. Disponı́vel em: http://bit.ly/369J4Of. Acesso em: 3 dez. 2019.
Niftrik, Laura A. van et al. The anammoxosome: an intracytoplasmic
compartment in anammox bacteria. FEMS Microbiology Letters, v. 233, n. 1, p. 7-
13, 2004. DOI 10.1016/j.femsle.2004.01.044

Damsté , Jaap S. Sinninghe et al. Linearly concatenated cyclobutane lipids form


a dense bacterial membrane. Nature, v. 419, p. 708-712, 2002.

Vossenberg, Jack van de et al. Enrichment and characterization of marine


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Environmental Microbiology, v. 10, n. 11, p. 3120-3129, 2008. DOI
10.1111/j.1462-2920.2008.01643.x

Rocket science in a microbe saves the planet. Evolution News & Science Today,
Nov. 23, 2015. Disponı́vel em: http://bit.ly/2Rf16u4. Acesso em: 3 dez. 2019;
Tagish Lake meteorite does not solve homochirality problem. Evolution News &
Science Today, Jul. 30, 2012. Disponı́vel em: http://bit.ly/34Prv5x. Acesso em: 6
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Andreas Dietl et al. The inner workings of the hydrazine synthase multiprotein
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Rocket science in a microbe saves the planet. Evolution News & Science Today,
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O trocanter é um pequeno artı́culo situado entre a coxa e o fê mur.

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Burrows, Malcolm; Sutton, Gregory. Interacting gears synchronize propulsive


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Functioning “mechanical gears” seen in nature for the irst time. University of
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Patek, S. N.; Korff, W. L.; Caldwell, R. L. Biomechanics: deadly strike mechanism


of a mantis shrimp. Nature, v. 428, p. 819-820, 2004.

O exoesqueleto de animais como os insetos e os crustá ceos funciona como


uma estrutura de sustentaçã o externa ou de revestimento, constituı́da por uma
cutı́cula espessa e rı́gida.

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Yong, Ed. The mantis shrimp has the world’s fastest punch. National Geographic,
Jun. 19, 2008. Disponı́vel em: https://on.natgeo.com/2rhm8NU. Acesso em: 4
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Zack, T. I.; Claverie, T.; Patek, S. N. Elastic energy storage in the mantis shrimp’s
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Yong, Ed. The mantis shrimp has the world’s fastest punch. National Geographic,
June 19, 2008. Disponı́vel em: https://on.natgeo.com/2rhm8NU. Acesso em: 4
dez. 2019.

A força g equivale à quela exercida pela gravidade da Terra sobre um corpo


quando acelerado em 9,806 65 m/s², em queda livre, ao nı́vel do mar, a uma
latitude de cerca de 45,5°.

Weaver, James C. et al. The stomatopod dactyl club: a formidable damage-


tolerant biological hammer. Science, v. 336, n. 6086, p. 1275-1280, 2012. DOI
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Yong, Ed. How mantis shrimps deliver armour – shattering punches without
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Yong, Ed. The mantis shrimp has the world’s fastest punch. National Geographic,
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dez. 2019.

Brittnacher, John. What are carnivorous plants? International Carnivorous Plant


Society, Jan. 2010. Disponı́vel em: http://bit.ly/2LnU3vf. Acesso em: 4 dez.
2019. Para uma coletâ nea sobre ecologia, diversidade e histó ria natural das
plantas carnı́voras, leia: McPherson, Stewart; Fleischmann, Andreas; Robinson,
Alastair. Carnivorous plants and their habitats. Dorset, UK: Redfern Natural
History Productions, 2010. v. 1.

Em taxonomia, um tá xon (plural: taxa) é uma unidade de classi icaçã o dos
seres vivos, por exemplo, em reino, gê nero, famı́lia ou espé cie.

Ellison, Aaron M.; Gotelli, Nicholas J. Energetics and the evolution of


carnivorous plants – Darwin’s most wonderful plants in the world. Journal of
Experimental Botany, v. 60, n. 1, p. 21, 2009. DOI 10.1093/jxb/ern179

Brittnacher, John. What are carnivorous plants? International Carnivorous Plant


Society, Jan. 2010. Disponı́vel em: http://bit.ly/2LnU3vf. Acesso em: 4 dez.
2019.

Para uma descriçã o detalhada sobre essa planta, leia: Dionaea muscipula – The
Venus Flytrap. Botanical Society of America. Disponı́vel em:
http://bit.ly/34Puqvb. Acesso em: 4 dez 2019.

Hedrich, R.; Neher, E. Venus lytrap: How an excitable, carnivorous plant works.
Trends in Plant Science, v. 23, n. 3, p. 220-234, 2018. DOI
10.1016/j.tplants.2017.12.004
O ciclo da Figura 25 foi adaptado de: Hedrich, R.; Neher, E. Venus lytrap: How
an excitable, carnivorous plant works. Trends in Plant Science, v. 23, n. 3, p. 220-
234, 2018. DOI 10.1016/j.tplants.2017.12.004

Ellison, Aaron M.; Gotelli, Nicholas J. Energetics and the evolution of


carnivorous plants – Darwin’s ‘most wonderful plants in the world’. Journal of
Experimental Botany, v. 60, n. 1, p. 19-42, 2009. DOI 10.1093/Jjxb/ern179

Brittnacher, John. What are carnivorous plants? International Carnivorous Plant


Society, Jan. 2010. Disponı́vel em: http://bit.ly/2LnU3vf. Acesso em: 4 dez.
2019.

Para mais exemplos de “involuçã o” e o problema que esse padrã o na natureza


traz para a teoria da evoluçã o, leia: Behe, Michael. Darwin devolves: the new
science about DNA that challenges evolution. San Francisco: HarperOne, 2019.
06
Pássaros: ápices de antevidência

A vida revela muitas soluçõ es de engenharia, combinadas com uma


quı́mica genial, que vã o muito alé m do alcance de mecanismos
evolutivos nã o guiados. Outro exemplo marcante e particular: os
pássaros. Muitos aspectos da arquitetura e da bioquı́mica de pá ssaros
sugerem fortemente antevidê ncia, planejamento e uma maravilhosa
genialidade. Eu poderia falar muito sobre pá ssaros, mas vou focar só
em dois de seus aspectos mais extraordiná rios: a navegaçã o e a
reproduçã o.
Pássaros voam por GPS

Pá ssaros migrató rios possuem uma capacidade quase “sobrenatural”.


Sabe-se que alguns pá ssaros como o andorinhã o-preto (Apus apus,
Figura 26) voam por mais de dez meses e que, durante esse voo,
aterrissam só rara e brevemente em sua migraçã o da Europa para a
Africa e de volta para casa.1 Mas talvez ainda mais impressionante: eles
voam por longas distâ ncias e por paisagens bastante diversi icadas sem
se perder. E como se estivessem usando um GPS.

Figura 26. O andorinhã o-preto (Apus apus) que voa por vá rios meses na sua
jornada da Europa para a Africa, e de volta para casa, sem se perder. Parte de
seu segredo pode ser uma molé cula criptocroma, conhecida como cry4, tã o
avançada que parece controlar o entrelaçamento quâ ntico, processo que lhe
fornece um GPS preciso e a habilidade de visualizar o campo magné tico da
Terra.

A fabricaçã o pelo homem do GPS demandou a genialidade de muitas


mentes, e é necessá rio usar sinais de rá dio provenientes de saté lites
arti iciais orbitando a Terra para que funcionem. Ao integrar os sinais
de vá rios saté lites, um GPS pode nos posicionar na superfı́cie da Terra
com uma precisã o de poucos centı́metros. Os cientistas já sabiam há
dé cadas que pá ssaros possuı́am GPS, mas nã o que eram baseados em
um princı́pio ainda mais elegante: os GPS de pá ssaros sentem o campo
magné tico da Terra2 por um fenô meno chamado de magnetorecepção.
Pá ssaros migrató rios navegam usando esse compasso magné tico,
mas até mesmo os pá ssaros nã o migrató rios possuem esse sentido e
navegam usando seu compasso magné tico interno. Uma vez sugeriram
que a presença de ferro no bico dos pá ssaros forneceria a eles esse
compasso magné tico, mas aparentemente esse sistema sensorial é
ainda muito mais so isticado: molé culas especiais em seus olhos
permitem que os pá ssaros literalmente enxerguem as linhas do campo
magné tico da Terra (Figura 26) e que usem essas linhas como seus
guias de navegaçã o.
Essas molé culas especiais sã o proteı́nas altamente so isticadas
chamadas de criptocromas. A maioria delas é sensı́vel à luz e é
envolvida no “reló gio circadiano”, que regula o metabolismo e os ciclos
de comportamento de 24 horas em animais. Mas evidê ncias recentes
sugerem que uma molé cula criptocroma conhecida como cry4 esteja
envolvida na magnetorecepçã o de pá ssaros.3 Mas como poderia uma
“mera proteı́na” como a cry4 detectar as linhas do campo magné tico da
Terra? Parece que, quando energizada pela luz, a cry4 separa os dois
elé trons de um de seus pares, formando o que é chamado de um “par
radicalar” (nos vertebrados, as criptocromas sã o as ú nicas molé culas
que fazem essa separaçã o).
Em um á tomo ou molé cula, um orbital é um estado quâ ntico
especı́ ico que de ine a energia, o spin e a localizaçã o prová vel dos
elé trons em relaçã o aos seus nú cleos. Normalmente, cada orbital
conté m um par de elé trons com spins opostos e, assim, com campos
magné ticos també m opostos. Uma espé cie quı́mica é chamada de
radical quando apresenta um elé tron desemparelhado, e de par
radicalar quando apresenta dois desses elé trons desemparelhados, que
se conectam pelo que se conhece como entrelaçamento quâ ntico: um
dos fenô menos mais “bizarros” já descobertos pela fı́sica moderna.
O Dr. David Kaiser descreveu elegantemente esse processo:

O entrelaçamento está relacionado ao comportamento de partı́culas


minú sculas, tais como os elé trons, que interagiram no passado e se
distanciaram. Perturbe uma partı́cula aqui, para medir as suas
propriedades – sua posiçã o, momento ou spin – e seu parceiro dançará
instantaneamente, independentemente da distâ ncia que essa segunda
partı́cula tenha viajado.4

Esse fenô meno soa como icçã o cientı́ ica, nã o soa? Albert Einstein,
Boris Podolsky e Nathan Rosen deduziram esse fenô meno da mecâ nica
quâ ntica, mas até esses grandes cientistas duvidaram dele, concluindo
que a teoria deveria estar incompleta.5 Mais tarde, poré m, o
entrelaçamento quâ ntico foi demonstrado experimentalmente. Em
2013, um time de cientistas chineses mostrou que a comunicaçã o entre
dois objetos entrelaçados acontecia e que essa comunicaçã o era
(pasmem) pelo menos dez mil vezes mais rá pida do que a velocidade da
luz.6
Em condiçõ es laboratoriais, já há dé cadas sabemos que pares
radicalares sã o afetados por campos magné ticos.7 Em 1966, os
quı́micos Brian Brocklehurst e Keith Alan MacLauchlan sugeriram que
o entrelaçamento quâ ntico pudesse estar ocorrendo també m em
sistemas bioló gicos.8 Entã o, em 2000, os biofı́sicos Thorsten Ritz, Salih
Adem e Klaus Schulten propuseram que o fenô meno seria a base da
magnetorecepçã o em pá ssaros.9
Quando ativado por luz, um par radicalar é formado na proteı́na cry4,
e os dois elé trons desse par se distanciam por alguns bilioné simos de
metro. Mas, mesmo a essa distâ ncia molecular reduzida, os dois
elé trons desemparelhados podem ser afetados distintamente pelo
campo magné tico da Terra. Teoricamente, muitos desses pares de
elé trons entrelaçados poderiam, entã o, produzir uma igura do campo
magné tico da Terra nos olhos dos pá ssaros, permitindo, assim, que eles
naveguem orientados por ela.
Um problema dessa proposta é que pares radicalares conectados por
entrelaçamento quâ ntico tê m tempos de vida muito curtos. Em
laborató rios, a menor molé cula que se conhece capaz de manter um
entrelaçamento quâ ntico é a de um Buckminsterfulereno, molé culas
que receberam esse nome porque suas estruturas se assemelham aos
domos geodé sicos projetados nos anos 1940 pelo arquiteto
Buckminster Fuller. Essas molé culas magnı́ icas de carbono sã o
també m chamadas de “buckballs” ou simplesmente “fulerenos”. A
temperatura ambiente, um par radicalar em entrelaçamento quâ ntico
em uma molé cula de fulereno pode ser mantido por cerca de 80
milissegundos.
Em 2011, um time de fı́sicos usou a teoria da informaçã o quâ ntica e
um modelo amplamente aceito do par radicalar para analisar
observaçõ es experimentais recentes do compasso de aves, e concluiu
que o entrelaçamento quâ ntico dos olhos dos pá ssaros dura cerca de
100 microssegundos, o que em muito “excedia a duraçã o atingida no
melhor sistema molecular compará vel produzido pelo homem”.10 O
fı́sico Simon Benjamin, um membro do time, comparou o desempenho
da proteı́na cry4 com os fulerenos e questionou:

Como poderia um sistema vivo ter evoluı́do molé culas exó ticas capazes
de manter um estado quâ ntico tã o bem – nã o, muito melhor – quanto as
molé culas que fomos capazes de sintetizar em nossos laborató rios? Os
pá ssaros – seja lá como seu sistema funcione e seja lá o que eles usem –
estã o, de alguma forma, se saindo muito melhor do que as nossas
molé culas: as mais belas e especialmente projetadas. Isso é
simplesmente estarrecedor.11

Se pá ssaros navegam pelo campo magné tico da Terra usando pares
radicalares em entrelaçamento quâ ntico, creio ser implausı́vel supor
que tal habilidade incrı́vel tenha evoluı́do sequencialmente, uma
pequena etapa funcional de cada vez. Pois o “pá ssaro mutante”
necessitaria certamente nã o só de biomolé culas sensı́veis ao campo
magné tico, que funcionassem como sensores magné ticos, mas també m
de canais para transmitir os sinais desses sensores até a regiã o certa de
seus cé rebros. E pior: seus cé rebros necessitariam de todo um aparato
que respondesse e interpretasse corretamente toda essa informaçã o
especı́ ica; para se ter uma vantagem funcional, só se tudo estivesse
funcionando integradamente. Um tudo ou nada. Todo esse sistema
“quase sobrenatural” teria que ser implementado de uma só vez.
Como Fred Hoyle uma vez concluiu sobre o universo e a vida, parece
que um “superintelecto” capaz de antever e de projetar essas incrı́veis
descobertas cientı́ icas esteve “macaqueando com fı́sica quâ ntica,
quı́mica e biologia”.12
Ovos de pássaros

O oxigê nio molecular (O2) é necessá rio para a vida humana


praticamente desde o momento da concepçã o, pois precisamos dele
para converter nutrientes em energia. Ou seja, para humanos a equaçã o
é : vida = O2. Um bebê humano necessita de O2 mesmo antes de seus
pulmõ es começarem a funcionar. Um ó vulo fertilizado que cresce
dentro do ú tero materno obté m de sua mã e O2 su iciente atravé s do
cordã o umbilical.
Mas, e para um embriã o de pá ssaro enclausurado dentro de um ovo?
Embriõ es de pá ssaros nã o se desenvolvem no ú tero de suas mã es, mas
delas sã o separados por completo e icam lá isolados dentro de uma
cá psula: o ovo. Olhando de fora, um ovo se assemelha muito mais a uma
sepultura do que a um berço, onde o pobre embriã o jaz embrulhado
por uma casca dura e selada de carbonato de cá lcio (CaCO3). Mas ique
tranquilo, o infante sobrevive, e muito bem, pois um ovo (Figura 27) é
muito mais complexo do que as aparê ncias indicam.13

Figura 27. A biologia da reproduçã o de ré pteis e pá ssaros é ú nica, e os


cientistas, por muito tempo, se perguntam como o ovo – esse sistema de biologia
cíclica altamente so isticado – teria surgido.

Ovos, claro, nã o sã o sepulturas: eles sã o magnı́ icos berços high tech
autossustentá veis, cheios de truques maravilhosos e “intrigantes” e que
fornecem ao pintinho absolutamente tudo o que ele necessita, desde
proteçã o mecâ nica até um menu inamente balanceado de alimentaçã o
(a gema e a clara).
Um ovo se assemelha a uma nave espacial, que carrega tudo o que um
bebê pintinho necessita, mas com uma exceçã o “mortal”: O2. A primeira
vista, a morte por sufocamento dentro do ovo seria inevitá vel. Mas o
pintinho lá dentro sobrevive, crescendo muito bem, obrigado, e por trê s
semanas. Mas como ele consegue O2? E como elimina o dió xido de
carbono (CO2) que se forma à medida que os nutrientes sã o convertidos
em energia? Pior, se um excesso de CO2 se acumulasse, o pobre pintinho
morreria sufocado. Como ele, entã o, e iciente e seletivamente, consegue
capturar O2 e expelir CO2? Há na internet um vı́deo curto sobre ovos de
pá ssaros que eu recomendo fortemente.14 Vou, em seguida, resumir o
que é descrito nesse vı́deo fantá stico.
Os ovos tê m uma casca incrı́vel: ela é dura, mas ainda assim
permeá vel ao ar e à á gua. Alé m disso, é forte o su iciente para suportar
o peso da mã e incubadora. A casca de um ovo conté m milhares de
pequenos poros, com um diâ metro menor do que um milioné simo de
centı́metro, tã o pequenos que nã o podem ser vistos a olho nu. Um ovo
de galinha, por exemplo, tem mais de sete mil desses pequenos poros.
Esses poros minú sculos sã o calibrados perfeitamente para que a
integridade fı́sica de toda a estrutura se mantenha, para impedir a
entrada de invasores, mas ao mesmo tempo para permitir a entrada de
O2 do ar externo e a saı́da do CO2. Se os poros fossem antevistos, mas
sem genialidade, e “feitos” grandes demais ou pequenos demais, os
pá ssaros já teriam sido extintos.
Mas para a respiraçã o do pintinho, somente poros na casca do ovo
seriam insu icientes. Duas membranas altamente seletivas foram,
assim, antevistas e posicionadas diretamente abaixo da casca de ovos
de galinha, trabalhando cooperativa e sincronizadamente. Quando uma
galinha bota um ovo para o encubar, esse ovo estará ligeiramente mais
quente do que o ar ambiente. Assim que o ovo esfria, seu conteú do
interno encolhe um pouco, separando as duas membranas no momento
perfeito. Esse encolhimento cria um vá cuo que suga ar da atmosfera
para o interior do ovo, formando um pequeno saco interno que agora
contê m principalmente N2 e su iciente O2. Agora o mais espetacular: de
alguma forma, o infante “sente” que o precioso O2 entrou no ovo e, para
alcançá -lo, começa a desenvolver uma rede delicada de capilares em um
processo metabó lico e gené tico precisamente orquestrado. Esses
capilares sã o perfeitamente construı́dos para capturar esse precioso O2
e expelir o CO2 do seu sangue. Essa rede se expande alé m do abdome do
bebê e comprime as membranas, promovendo, assim, um contato
mú tuo efetivo. As duas membranas do ovo també m permitem
permeaçã o seletiva pela troca apropriada de O2 e CO2. Tudo forma uma
obra de arte de alta tecnologia em tratamento e controle de ar.
Os poros dos ovos sã o obras de arte de engenharia també m por outra
razã o: eles permitem que molé culas de á gua permeiem a membrana.
Assim, a á gua dentro do ovo evapora lentamente para fora, criando
mais espaço vazio lá dentro que é , imediatamente, preenchido com
mais ar. Quando está pronto para nascer, ainda dentro do ovo, o bebê
perfura o saco in lado de ar para respirar pela primeira vez.
O “dente de ovo” é outra maravilha de engenharia. Trata-se de uma
protuberâ ncia semelhante a um pequeno chifre que começa a se
desenvolver na parte de cima do bico no sé timo dia da incubaçã o. O
processo de incubaçã o acontece por 21 dias depois que o ovo é posto. A
medida que a hora de nascer se aproxima, esse dente endurece e ica
a iado para que o pintinho possa com ele perfurar a membrana interna
e alcançar o ar localizado no lado mais achatado do ovo.15 O saco de ar
localizado entre a casca e a membrana interna conté m exatamente a
quantidade de O2 que permitirá que o pintinho comece a usar o seu
sistema respirató rio por trê s dias antes do im da incubaçã o. Usando
esse reservató rio de ar, o bebê enche seus pulmõ es e se fortalece o
su iciente para perfurar a casca dura do ovo.
O bico e as garras do pintinho ainda nã o sã o su icientemente fortes
para perfurar a casca dura do ovo, assim o “dente de ovo” e o saco de ar
sã o essenciais.16 Sem essas ferramentas antevistas, o vexame seria
inevitá vel e o pintinho morreria dentro do ovo.
O pintinho també m precisa de mais uma “providê ncia divina”. Para
fazer a primeira trinca, perfurando a membrana e a casca, um mú sculo
se contrai na parte de trá s do seu pescoço, pressionando o seu bico
contra a casca do ovo. Fazer o primeiro furo na casca é tã o cansativo
que o pintinho descansa por oito horas depois desse trabalho. Entã o,
como Gail Damerow explica, o pintinho revigorado se vira em sentido
anti-horá rio, bicando a casca com seu “dente de ovo” por “milhares de
vezes, até que consiga quebrar a casca em cerca de 3/4 de seu entorno,
criando uma tampa no fundo mais chato do ovo”.17 Pode?
Essa açã o altamente orquestrada de quebrar a casca do ovo pode
durar até cinco horas. O pintinho percebe quando o trabalho está feito
e, entã o, com a sua cabeça, pressiona a casca do ovo. Depois de cerca de
40 minutos de trabalho pesado, ele inalmente quebra a tampa. Mas o
pintinho recé m-nascido está de novo exausto e descansa mais uma vez.
Finalmente, ele dá uma ú ltima bicada bem forte, escapa de vez da casca
do ovo e está livre para seu passeio exuberante pela vida.18
O “dente de ovo” é essencial para que o pintinho escape do ovo.
Perceba que a mã e do pintinho nã o teve ainda como ensiná -lo nenhuma
dessas tarefas, mas, de alguma forma, ele executa todas elas com
perfeiçã o, senã o morreria. Essa expertise també m é parte do que
aparentemente deveria ser antevisto e entregue de antemã o.
Os “pintinhos” de algumas espé cies de aves, como as da famı́lia
Megapodiidae, nã o usam um “dente de ovo”. As cascas de seus ovos sã o
bem mais macias e, portanto, eles nã o precisam desenvolver dentes
especiais, que consumiriam parte de seus valiosos nutrientes. Eles
quebram a casca com seus pé s para se libertarem do ovo, usando garras
a iadas, mas com a antevidê ncia de estarem engenhosamente cobertas
por capas gelatinosas que evitam danos. Essas capas gelatinosas, tais
como os “dentes de ovo”, se desprendem tã o logo esses pintinhos
nascem.
Uma sinergia incrı́vel de açã o també m acontece entre o pintinho
dentro do ovo e a sua mã e lá fora. A galinha “sabe” – sabe-se lá como –
que tem que encubar o ovo por algumas semanas, mantendo-o quente e
rodando-o vá rias vezes por dia. Depois de cerca de 17 dias de
encubaçã o, debaixo de sua mã e, o pintinho começa a bicar a casca: esse
é o sinal para que sua mã e saiba que ele está quase pronto para sair do
ovo.
Assim que recebe o sinal, a galinha – sabe-se lá como – entende que
tem que começar a bicar exatamente a parte inal arredondada da
casca. Os furos que ela faz permitem que mais ar entre, fornecendo
mais oxigê nio e, portanto, uma força extra ao pintinho para o seu
trabalho de escapar do ovo. Desse ponto em diante, o pintinho usará
seu “dente de ovo” para quebrar a casca, contorcendo seu corpo em um
processo altamente coordenado até que se veja livre.
Essa é a forma mais comum que os pintinhos usam para quebrar a
casca do ovo, mas, em algumas poucas espé cies, o pintinho emerge
atravé s de um furo. A quantidade de bicadas para cavar esse furo varia
e parece ser pré -programada em funçã o da dureza da casca do ovo e da
capacidade fı́sica do pintinho.
Thomas Wentworth Higginson, um autor do sé culo XIV, abolicionista
e ativista na defesa dos direitos das mulheres, uma vez declarou: “eu
penso que se me pedissem, sob risco de morte, para nomear
rapidamente a coisa mais perfeita do universo, eu arriscaria minha vida
em um ovo de pá ssaro”.19 Vá rios nı́veis de antevidê ncia parecem
necessá rios para orquestrar uma coisa tã o perfeita como um ovo. Como
nos outros exemplos, os cená rios evolutivos sugeridos se explicam
pelas vantagens (que sã o ó bvias) de se ter um ovo furadinho de casca
dura e de uma galinha para botá -lo e chocá -lo, e tudo mais, mas
ignoram os detalhes moleculares de “como” todo esse sistema
so isticadı́ssimo e extremamente sincronizado “ovo-pintinho-galinha”
teria se originado por mú ltiplas etapas cegas sucessivas, ocorrendo ao
longo de geraçõ es.20
O que veio primeiro?

A velha questã o é esta: o que veio primeiro, o ovo ou a galinha?


Precisamos de uma galinha para botar um ovo, mas precisamos de um
ovo para gerar uma galinha. Sem a galinha, nã o haveria ovo, mas
galinhas que botassem ovos somente parcialmente evoluı́dos, ainda nã o
totalmente funcionais, seriam extintas em uma ú nica geraçã o – “bye
bye”, galinha!
Um ovo plenamente funcional teria que ser planejado de antemã o,
com poros do tamanho correto, membranas internas e um saco de ar
expansı́vel. O pintinho teria que estar programado para se conectar,
atravé s de uma rede de vasos sanguı́neos, à s membranas, e o conteú do
do ovo teria que estar programado para fazer com que o seu saco de ar
se expandisse lentamente de modo que o pintinho pudesse exercitar
seus novos pulmõ es antes de quebrar as paredes de sua prisã o. O ovo
deveria estar també m carregado com a quantidade certa de comida
para que o pintinho pudesse se desenvolver. O pintinho deveria
desenvolver, na hora certa, um “dente de ovo” propriamente
arquitetado e duro o su iciente e saber como perfurar a casca. O
pintinho e a galinha teriam que “combinar” a coordenaçã o de seus
comportamentos. Se qualquer uma dessas etapas complexas,
comportamentos ou estruturas faltassem ou fossem defeituosos, os
passarinhos nã o sobreviveriam por muito tempo, e a seleçã o natural
icaria sem chance de fazer algo novo. Os pá ssaros e seus ovos sã o, de
fato, casos contundentes e deveras indesculpá veis de antevidê ncia,
propó sito e planejamento na natureza.
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COMO os pá ssaros recebem oxigê nio dentro de seus ovos | Urso Skunk da NPR.
1 vı́deo (3 min). Publicado pelo canal NPR’s Skunk Bear, 17 abr. 2018.
Disponı́vel em: http://bit.ly/368V9TP. Acesso em: 4 dez. 2019.

Damerow, Gail. What is an egg tooth? Cackle Hatchery, Aug. 26, 2016.
Disponı́vel em: http://bit.ly/365k626. Acesso em: 4 dez. 2019.

Damerow, Gail. What is an egg tooth? Cackle Hatchery, Aug. 26, 2016.
Disponı́vel em: http://bit.ly/365k626. Acesso em: 4 dez. 2019.

Damerow, Gail. What is an egg tooth? Cackle Hatchery, Aug. 26, 2016.
Disponı́vel em: http://bit.ly/365k626. Acesso em: 4 dez. 2019.

Apó s o ilhote se soltar da casca, seu bico continuará se fortalecendo e


crescendo. No entanto, o dente do ovo deixa de crescer, seca e cai alguns dias
depois do nascimento do pintinho. (Damerow, Gail. What is an egg tooth?
Cackle Hatchery, Aug. 26, 2016. Disponı́vel em: http://bit.ly/365k626. Acesso
em: 4 dez. 2019.)

Citado no prefá cio em: Birkhead, Tim. The most perfect thing: inside (and
outside) a bird’s egg. New York: Bloomsbury, 2016.

Para alguns cená rios altamente especulativos sobre a evoluçã o dos ovos, leia:
Stoddard, Mary C. et al. Avian egg shape: form, function, and evolution. Science,
v. 356, n. 6344, p. 1249-1254, 2017. DOI 10.1126/science.aaj1945; Varricchio,
David J.; Jackson, Frankie D. Reproduction in mesozoic birds and evolution of
the modern avian reproductive mode. The Auk, v. 133, n. 4, p. 654-684, 2016.
DOI 10.1642/AUK-15-216.1
07
Antevidência em humanos: a reprodução

Nossos pró prios corpos estã o tã o repletos de soluçõ es que anteviram
problemas complexos que eu nã o teria como deixar de explorar alguns
desses exemplos neste livro. Os exemplos sã o belos, magnı́ icos e
inú meros. Mencionarei, portanto, alguns dos mais emblemá ticos.
O óvulo e o esperma

O grande milagre da concepçã o se inicia com um “estouro de boiada”.


Entre 100 e 300 milhõ es de espermatozoides se alinham na largada
(Figura 28). A linha de chegada se encontra bem mais à frente, e o
prê mio é participar da fabricaçã o de um novo ser. Algo divino: um bebê .
O vencedor, entre milhõ es, será o primeiro espermatozoide a penetrar o
ó vulo (Figura 29). Essas corridas podem ocorrer vá rias vezes por mê s,
mas muitas delas terminam sem prê mio, pois o ó vulo estará à espera
do vencedor somente uma vez por mê s.

Figura 28. O sistema reprodutivo da mulher (centro), com a vagina preenchida


com cerca de 100 a 300 milhõ es de espermatozoides à esquerda. Usando seus
geradores mitocondriais e suas hé lices, eles iniciam a corrida, mas somente
um espermatozoide esperto e sortudo encontrará o ó vulo e o fecundará .
Figura 29. O carro de corrida mais so isticado da Terra: o espermatozoide.

O espermatozoide é muito bem equipado para a corrida. Ele possui


uma longa cauda (chamada de lagelo, mas bem diferente do lagelo
bacteriano), que o impulsiona para frente, vá rias dú zias de geradores
de energia mitocondriais, bilhõ es de bits de informaçã o para passar
adiante, um “detector de ó vulo” para guiá -lo e um coquetel de enzimas
para abrir o caminho para a vitó ria inal.
Do volume total do luido seminal (sê men) que um homem
normalmente ejacula, os espermatozoides formam somente uns poucos
por cento. Na sua corrida em direçã o ao ó vulo, o espermatozoide
precisa ser nutrido e, portanto, o sê men o nutre com um açú car: a
frutose. O sê men é també m fortemente alcalino, mantendo o
espermatozoide – que é sensível a meios ácidos – vivo no ambiente á cido
do trato reprodutivo feminino.
O circuito da corrida da vida tem cerca de 15 centı́metros1 e está
adequadamente preparado para a corrida. Assim que o hormô nio
estrogê nio é liberado, a barreira fı́sica do colo do ú tero se abre, o muco
cervical se torna mais alcalino e aquoso e as contraçõ es uterinas sã o
estimuladas, auxiliando o espermatozoide a entrar no sistema
reprodutivo. Para que o espermatozoide consiga atingir a tromba de
faló pio onde o ó vulo o aguarda, as contraçõ es uterinas trabalham em
conjunto como uma má quina para a sua propulsã o. Os “bravos
espermatozoides” que conseguem chegar no canal cervical – os que
escapam do ataque de um exército de defesa de células brancas do
sangue da mãe – sã o recompensados com um mar de muco cervical
para transportá -los. Esse muco é normalmente viscoso, mas
exatamente no perı́odo da ovulaçã o ica claro e ino para que o circuito
da corrida da vida seja adequadamente pavimentado com cadeias de
molé culas pelas quais os espermatozoides possam navegar até o seu
destino inal.
Mas como será que os espermatozoides se orientam para encontrar o
ó vulo? E incrı́vel, mas eles se guiam pelo “aroma” de atraentes quı́micos
emitidos pelo ó vulo2 usando um sensor quı́mico que sente o “perfume”
e os guia em direçã o à reta inal.
O espermatozoide sortudo nã o vencerá simplesmente se for o mais
rá pido, pois alguns deles se movimentarã o rá pido demais e chegarã o à
reta inal antes do ó vulo. Outros chegarã o tarde demais. Para complicar
ainda mais sua jornada, há duas trompas de faló pio – à direita e à
esquerda – e somente em uma delas poderá haver – se houver – um
ó vulo à espera na reta inal. Apenas uma fraçã o mı́nima dos corredores
encontrará o ó vulo. Dos cerca de 200 milhõ es de espermatozoides
alinhados à largada, somente cerca de 200 deles encontrarã o o ó vulo.
Mas encontrar o ó vulo nã o será o im da corrida, o desa io maior, no
inal, será penetrar a parede do ó vulo.
O ó vulo está rodeado por uma cobertura externa espessa, chamada
de zona pelú cida, que conté m proteı́nas decoradas com rami icaçõ es de
carboidratos (glicoproteı́nas). Milhares de padrõ es de carboidratos
poderiam ter sido usados pelo ó vulo para construir essas
glicoproteı́nas, mas o ó vulo “escolheu” exatamente o tipo que o
esperma reconhece. Essa combinaçã o quı́mica perfeita, do tipo senha, é
necessá ria para o sucesso da corrida.
Necessá ria, mas nã o su iciente. Ele pode ter chegado, mas o
espermatozoide ainda precisa penetrar o ó vulo, pois é lá dentro que
está escondido o grande prê mio.
Felizmente, um mecanismo capacita o espermatozoide a atravessar a
zona pelú cida. Sua cabeça está envolta em uma estrutura chamada de
acrossoma. Assim que o acrossoma encosta na zona pelú cida, enzimas
digestivas perfeitamente desenhadas sã o liberadas, digerindo a parede
e permitindo que o espermatozoide navegue atravé s dessa espessa
camada externa e, assim, consiga chegar até a membrana do ó vulo
(Figura 30). A membrana do esperma se funde, entã o, na membrana do
ó vulo.

Figura 30. O momento mais crucial da corrida da vida, quando o


espermatozoide vencedor encontra o ó vulo, sabe a “senha” e abre caminho
atravé s da sua camada exterior e membrana (etapas de 1 a 3) usando um
arsenal genial de enzimas. Apó s essa entrada triunfal, o ó vulo endurece sua
parede e impede que um segundo espermatozoide entre.

E o ó vulo? Será que ele ica lá parado esperando pelo


espermatozoide? Nã o, como em ilmes româ nticos, o ó vulo també m
“corre” em direçã o ao seu amado: o espermatozoide. A membrana do
muco que estrutura a trompa de faló pio libera secreçõ es que ajudam no
transporte tanto do espermatozoide quanto do ó vulo, mantendo os dois
vivos. Os bicarbonatos e o á cido lá tico presentes nessas secreçõ es sã o
fornecedores vitais de oxigê nio para o espermatozoide e para o
desenvolvimento do ó vulo fertilizado. A glicose també m está presente,
fornecendo um energé tico do tipo “Red Bull” para o ó vulo e o
espermatozoide. Alé m disso, um coquetel de molé culas
engenhosamente arquitetadas fornece um ambiente apropriado para a
fertilizaçã o.
Esses muitos aspectos da corrida da vida (nã o mencionei todos)
formam um magnı́ ico exemplo de orquestraçã o. A quı́mica e os nı́veis
de pH precisam ser perfeitamente balanceados. Depois da “primeira
noite”, o ú tero precisa estar pronto para que o ó vulo fertilizado nele se
implante. Essa implantaçã o causa uma mudança programada nos
hormô nios produzidos pelo corpo da mulher, como a progesterona, que
dispara o crescimento dos seios. Mais à frente, nı́veis elevados de
estrogê nio e outros hormô nios no sangue da mulher prepararã o os
seus seios para a amamentaçã o.
Mas talvez os mais espetaculares membros dessa “equipe de apoio”
da corrida da vida sã o encontrados na membrana mucosa.
Impulsionadas por má quinas nanomoleculares, estruturas semelhantes
a inos cabelos, chamadas de cı́lia, arrastam o ó vulo atravé s das
trompas de faló pio, usando movimentos altamente sincronizados, como
os movimentos dos braços de um nadador. Esse nado sincronizado,
junto com contraçõ es musculares rı́tmicas da parede da trompa de
faló pio e com o sistema de propulsã o lagelar do espermatozoide, é
essencial para que o espermatozoide e o ó vulo “corram” um em direçã o
ao outro, como nas cenas de ilmes româ nticos.
O ditado diz que “dois é bom, trê s é demais”, e essa conta també m é
respeitada na corrida da vida. A festa foi antevista para ser de um
casamento entre um ú nico par: um ó vulo e o seu espermatozoide. Mas
duas centenas de espermatozoides rodeiam o ó vulo e tentam, a todo o
custo, formar esse par. Se dois espermatozoides penetrassem o ó vulo, o
caos gené tico resultante arruinaria a festa e mataria o embriã o.
Para prevenir essa tragé dia, uma sé rie de processos bioquı́micos
foram engenhosamente orquestrados.3 Assim que o primeiro
espermatozoide atravessa a primeira parede, um exé rcito de soldados
moleculares rapidamente endurece a parede externa do ó vulo, evitando
que outros o acompanhem. A entrada do espermatozoide vencedor e a
sua fusã o com o ó vulo disparam a liberaçã o de milhõ es de ı́ons cá lcio
(Ca2+). Essa “chuva iô nica” forma grâ nulos corticais dentro do ó vulo
que fundem a membrana plasmá tica. Esses grâ nulos liberam sua carga
fora da cé lula, ou seja, as enzimas digerem a zona pelú cida, assim ela
nã o poderá mais se ligar a outros espermatozoides. Enquanto isso,
outras molé culas liberadas pelos grâ nulos formarã o uma nova barreira
ao redor do ó vulo fertilizado. O risco mortal de um ó vulo ser fertilizado
por dois ou mais espermatozoides (polispermia) foi, portanto, muito
bem antevisto e evitado.4
Recentemente, cientistas solucionaram um antigo misté rio da
biologia,5 ao descobrirem que um par de proteı́nas especı́ icas permite
que o espermatozoide “ancore” no ó vulo. A proteı́na “Juno”, nomeada
em homenagem ao deus romano da fertilidade, está situada na
superfı́cie do ó vulo e se liga a uma proteı́na especı́ ica do
espermatozoide, chamada de “Izumo”, nomeada em homenagem a um
santuá rio japonê s de casamento. Como o ó vulo e o espermatozoide
teriam aprendido esse truque incrı́vel de codi icaçã o mú tua? E como se
o ó vulo perguntasse ao espermatozoide: garoto, qual é a senha do noivo
para entrar na festa?
Esse processo cuidadosamente coordenado precisa ocorrer com
perfeiçã o absoluta para que uma nova vida humana inicie sua jornada.
Tudo precisa ocorrer na ordem certa, e nada pode dar errado. Cada
parte precisa executar sua tarefa ou nã o haveria nenhum novo bebê
nesse planeta. Se somente uma das muitas etapas indispensá veis
falhasse, “bye bye, baby”! E um tudo ou nada.
Você tem alguma ideia, ou já leu e assim poderia me indicar um
artigo cientı́ ico – corroborado por dados –, de como um processo
so isticadı́ssimo como esse poderia ter surgido por uma sequê ncia
viá vel de pequenas etapas evolutivas com seus detalhes moleculares?
Nã o icarei chateado se sua resposta for “nã o”, pois nunca li e parece
que ningué m conhece um artigo assim.
A razã o desse desconhecimento, eu sugiro, é que na realidade esse
processo nã o surgiu por uma evoluçã o cega, mas envolveu muita
antevidê ncia e um planejamento cuidadoso. Essa é a melhor explicaçã o
que emerge de um conjunto crescente de evidê ncias. E as necessidades
so isticadas de um feto em desenvolvimento nã o terminam com a sua
implantaçã o no ú tero. Se o plano é o nascimento de um bebê
plenamente capaz de viver e sobreviver, assim que esse primeiro
está gio cuidadosamente coordenado termina, faz-se necessá rio antever
e planejar uma segunda jornada de nove meses. E essa nova jornada
demandará processos ainda mais so isticados e cuidadosamente
sincronizados.
O arsenal químico de hormônios da gravidez

Como eu já mencionei brevemente, a gravidez exige uma sé rie


concatenada de alteraçõ es quı́micas e morfoló gicas. Essas etapas sã o
acionadas por uma sé rie de mensageiros quı́micos que foram um
coquetel de fantá sticas biomolé culas conhecidas como hormô nios
(Figura 31). Hormô nios controlam desde a sincronizaçã o na produçã o
de um ovo e sua fertilizaçã o até o desenvolvimento do embriã o e o
parto inal da criança no ventre da mã e.6

Figura 31. Apenas uma amostra do coquetel diversi icado de hormô nios da
gravidez, as diversi icadas biomolé culas mensageiras necessá rias para
orquestrar a gravidez e o parto.

Hormô nios sã o estruturas intrigantes do ponto de vista quı́mico. Eles


formam um conjunto especial e estruturalmente diversi icado de
mensageiros quı́micos, que controlam a maioria das principais funçõ es
corporais, desde a fome até as operaçõ es altamente complexas e
so isticadas da reproduçã o. Hormô nios ainda contribuem para nosso
bom ou mau humor. Eu teria que escrever outro livro inteiro só sobre a
antevidê ncia revelada apenas nos hormô nios da gravidez e em outras
biomolé culas que devem estar presentes para a chegada do primeiro
bebê nascido na Terra. Destacarei aqui, entã o, apenas um pequeno
conjunto dos exemplos mais impressionantes.
Os hormô nios desencadeiam eventos especı́ icos da gravidez, mas
també m evitam problemas que, de outra forma, seriam mortais para o
bebê . Embora alguns deles desempenhem papé is mais importantes na
gravidez, todos os hormô nios sã o necessá rios para produzir um bebê
saudá vel. O que segue é uma pequena lista de hormô nios e um resumo
de seus papé is:

• Hormônio folículo-estimulante (FSH): Acredita-se que o hormô nio


FSH seja o primeiro na cascata de hormô nios da gravidez e esteja
presente no sangue da mã e mesmo antes da fertilizaçã o. O FSH
estimula um dos folı́culos do ová rio, instruindo-o para amadurecer e
começar a produzir estrogê nio.
• Hormônio luteinizante (LH): Trabalhando em sincronia com o FSH, o
LH orquestra o ciclo menstrual, tornando-se inativo durante a
gravidez. Como o FSH desencadeia a produçã o de estrogê nio, esse
mensageiro inicia um ciclo de LH que sinaliza para o folı́culo
dominante a hora de liberar o ó vulo do ová rio. O ó vulo, entã o, migra
em direçã o à trompa de faló pio, onde esperará a chegada do
espermatozoide vencedor. O folı́culo que se desprende forma o corpo
lú teo, que se desintegra em cerca de duas semanas se nenhum
embriã o se implantar. Se o ó vulo é fertilizado, o corpo lú teo continua
a crescer, produzindo hormô nios su icientes para nutrir e apoiar o
bebê .
• Gonadotro ina coriónica humana (hCG): Esse hormô nio é uma
proteı́na que age como mensageiro “apenas para a gravidez” e que
desencadeia a produçã o de estrogê nio e progesterona assim que o
ó vulo é fertilizado. Como o LH, o hCG é responsá vel por manter vivo o
corpo lú teo até que a placenta possa assumir seu papel. Igualmente
crucial, o hCG suprime parte do sistema imunoló gico da mã e que
poderia eliminar o bebê ao confundi-lo com um corpo estranho. A
placenta recé m-desenvolvida inicia a produçã o de hCG apenas alguns
dias apó s o implante do ó vulo fertilizado para “enganar” o exé rcito de
guardiõ es moleculares da mã e. O embriã o faz seu “check in” e ica
hospedado por até 40 semanas, alimentando-se dos nutrientes que
captura do sangue de sua mã e. A quantidade de hCG é tã o alta
durante a gravidez que pode ser medida com testes de gravidez
caseiros. Esse hormô nio també m estimula o corpo lú teo a produzir
mais estrogê nio e progesterona. Os nı́veis de hCG sobem e descem,
mas sã o detectados durante toda a gravidez, estando, entã o, sempre
de plantã o para proteger o bebê da rejeiçã o pelo sistema
imunoló gico da mã e.
• Estrogênio: Esse hormô nio realiza muitas tarefas, mas a principal é
ajudar o ú tero a crescer enquanto regula a produçã o de outros
hormô nios essenciais, desencadeando o desenvolvimento dos ó rgã os
do bebê .
• Progesterona: Esse é outro hormô nio multifuncional que
desencadeia o crescimento do tecido da mama e, o mais importante,
ajuda a amolecer ligamentos e cartilagem para preparar o corpo da
mã e para o trabalho de parto, de modo que o bebê possa nascer mais
facilmente.
• Relaxina: Esse é també m outro hormô nio crucial para a gravidez.
Sem relaxina, todo o trabalho duro de amadurecimento do bebê seria
em vã o e o pobre infante icaria preso dentro do ú tero da mã e. Mas
essa catá strofe foi antevista e a soluçã o, adequadamente
providenciada, uma vez que a relaxina envia uma mensagem ao
corpo da mã e para relaxar seus mú sculos, ossos, ligamentos e
articulaçõ es, causando a dilataçã o do colo do ú tero para que o bebê
possa inalmente “vir ao mundo”.
• Lactogênio placentário humano (hPL): O hPL ou
somatomamotropina coriô nica (HPC) é o hormô nio polipeptı́dico
responsá vel por enviar mensagens para o peito da mã e, preparando-
o para a amamentaçã o.
• Ocitocina: Esse hormô nio desencadeia contraçõ es musculares que
coordenam o trabalho de parto do bebê . Ele també m estimula os
mamilos para a amamentaçã o e é conhecido como o “hormô nio do
amor”, pois ajuda no vı́nculo amoroso entre a mã e e seu bebê .
• Prolactina: Esse é outro mensageiro incrı́vel na gravidez, pois cuida
do pó s-parto, desencadeando o metabolismo que aumenta o seio da
mã e para que possa produzir leite su iciente para o recé m-nascido. A
propó sito, hoje está bem estabelecido que o leite materno é bem
melhor para os bebê s do que a mais avançada fó rmula arti icial
criada pelo homem. A capacidade de antever e prover da “natureza”
parece insuperá vel.
Sem esse coquetel bem ajustado e sincronizado de hormô nios da
gravidez, nã o haveria recé m-nascidos, pois, mesmo com sua
implantaçã o no ú tero, o bebê nunca alcançaria o ponto de entrega.
Anteveja um coquetel de hormô nios da gravidez, ou kaput “baby”!
Abrindo a porta para o mundo

O cé rvix forma a parte inferior do ú tero (colo do ú tero) que se abre
para a vagina. Como o bebê se desenvolve no ú tero durante a gravidez,
o cé rvix exerce duas funçõ es crı́ticas. Primeiro, ele permanece irme e
imó vel durante as 40 semanas de gravidez. O cé rvix serve, entã o, como
um “colo” irme e seguro para o feto, retendo-o durante seu
desenvolvimento dentro do ú tero até que esteja maduro o su iciente
para o parto. Mas, precisamente na hora do parto, ocorre uma
maravilha metabó lica: o hipotá lamo envia mensageiros moleculares
para o cé rvix avisando-o que é chegada a data tã o aguardada e que é
hora de amolecer e se tornar mais elá stico.
Evolucionistas dirã o que o amadurecimento do cé rvix foi uma
vantagem seletiva adquirida ao longo de muitas geraçõ es de evoluçã o
cega, mas observe aqui vá rios problemas com essa “interpretaçã o”. Se
no primeiro parto de bebê ocorrido nesse planeta7, o cé rvix fosse
incapaz de segurar o bebê irme em seu lugar ou nã o abrisse
exatamente na hora certa, esse pobre “bebê pioneiro” ou teria sido
expulso muito cedo ou restaria preso dentro do ventre da mã e, o que
causaria a morte de ambos, do primeiro bebê e da primeira mamã e.
Sem o primeiro bebê , chance zero para uma evoluçã o gradual ao longo
de muitas geraçõ es. A dilataçã o certa e no momento certo do cé rvix é
um pré -requisito para a reproduçã o humana.
No parto, o cé rvix se expande consideravelmente. Seu diâ metro
normal, de cerca de 1 a 3 centı́metros, expande-se para cerca de 10 a 12
centı́metros, para criar espaço su iciente para a passagem do bebê .
Normalmente, o cé rvix é aproximadamente cilı́ndrico, longo e espesso,
mas, durante o parto, ele encurta, a ina e se projeta para a parte inferior
do ú tero, o que provoca sua abertura. Esse aumento incrı́vel de
tamanho, de cerca de dez vezes, cria uma passagem “milimetricamente”
calculada para que a cabeça do bebê e o resto do seu corpo passem do
ú tero para o canal vaginal.
A dilataçã o do cé rvix pode ocorrer durante a noite ou gradualmente
ao longo de um ou dois dias. Lembre-se de que o amadurecimento do
cé rvix é estimulado pela ocitocina, com a ajuda dos altos nı́veis de
estrogê nio. Esse estı́mulo, por sua vez, libera um grupo de hormô nios
adicionais, conhecidos como prostaglandinas (P2 e PGE2), que juntas
desempenham um papel indispensá vel na dilataçã o e no parto.
Ocasionalmente, a dilataçã o inadequada do cé rvix causa sé rias
complicaçõ es no parto do bebê .8 Antes da medicina moderna, essas
complicaçõ es frequentemente levavam à morte da mã e e do bebê .
Algué m poderia, entã o, argumentar que essa falha é evidê ncia para um
processo imperfeito de tentativa e erro de uma evoluçã o cega, e nã o de
antevidê ncia e planejamento por um designer onisciente. Essa objeçã o
carrega em si dimensõ es cientı́ icas, ilosó icas e até teoló gicas. Outro
livro inteiro poderia ser escrito sobre esse assunto, mas aqui creio que
seja su iciente lembrar que propor que um projetista bom e sá bio
planejaria – necessariamente – um mundo livre de toda dor, sofrimento
e morte é somente uma “mera suposiçã o”, sem lastro seguro algum
sequer na teologia. Grandes teó logos de vá rias tradiçõ es religiosas tê m
oferecido argumentos só lidos que se opõ em a essa tese.
Mas deixando de lado discussõ es teoló gicas sobre o cará ter de
qualquer pretenso designer da natureza, considere comigo o seguinte
cená rio especulativo. Suponha que você descubra um armazé m
abandonado e encontre lá uma frota de carros de corrida, todos do
mesmo modelo. Os carros sã o magnı́ icos e tecnologicamente muito
mais avançados do que qualquer outro já feito pelo homem, tanto que,
quando comparados, por exemplo, aos carros da Fó rmula 1, eles
estariam mais para “carroças velhas”. Mas ao testá -los, você descobre
que alguns desses veı́culos magnı́ icos apresentam, com o uso
continuado, problemas nas linhas de combustı́vel, que entopem com
frequê ncia. Essa falha seria interessante e certamente digna de
investigaçã o, mas será que, por causa dela, você estaria justi icando a
conclusã o de que esse incrı́vel modelo de carro foi feito sem
antevidê ncia e planejamento?
Somente se houvesse outra causa melhor para a origem desse carro
incrı́vel, de todo ele e seus incrı́veis componentes, uma outra causa
provida de toda a antevidê ncia e a capacidade de planejamento
aparentemente necessá rias para construir um carro com tanta
tecnologia assim e suas linhas de combustı́vel que eventualmente
entopem, seria razoá vel descartar o design inteligente. E uma
racionalizaçã o para toda a antevidê ncia e o planejamento dessa causa
alternativa requereria muito mais do que aquelas histó rias vagas
desprovidas do “como”: dos detalhes especı́ icos, falha comum nas
explicaçõ es darwinistas.
Para um sistema tã o extraordinariamente so isticado como a
gravidez humana e o nascimento de bebê s, as melhores explicaçõ es que
negam o design inteligente – todas as variações modernas da teoria da
evolução de Darwin – permanecem desprovidas de antevidê ncia e de
detalhes, sendo sustentadas apenas por toda a sorte de dissimulaçõ es
falaciosas.
Quanto à dilataçã o do cé rvix, só a constataçã o de que esse
mecanismo so isticado funciona já é surpreendente, mais ainda que ele
funcione tã o frequentemente, e tã o bem. E assim que o bebê nasce, o
cé rvix mostra mais um truque incrı́vel e essencial para a saú de da mã e.
Apó s o parto, a dilataçã o reverte automaticamente, e o cé rvix logo
recupera seu tamanho e consistê ncia normais, retornando à s suas
funçõ es regulares.
A necessidade das duas etapas teve que ser prevista. Preveja a
necessidade de sustentar bem o bebê em desenvolvimento dentro do
ú tero, apesar da “insistê ncia” da mã e em andar em pé , e preveja a
dilataçã o do cé rvix na amplitude correta e as contraçõ es no momento
certo, ou de novo: “bye bye, baby!”.
Um apêndice nada vestigial

Antes de avançar para o pró ximo tó pico, gostaria de desviar um pouco
do assunto deste capı́tulo para falar de um ó rgã o nã o envolvido na
gravidez, mas que mostra uma façanha incrı́vel de soluçã o antecipada
de problemas: o apêndice humano.
O processo digestivo é parte essencial da vida humana. Para fornecer
a todos nó s a nutriçã o necessá ria, nosso sistema digestivo funciona
como uma maravilhosa piscina cheia de enzimas e “nano-operá rios” –
as bactérias intestinais –, que digerem as molé culas grandes de
alimentos em pequenas molé culas para que nossos corpos consigam
absorvê -las e usá -las como energia para o crescimento e reparo celular.
Mas, algumas vezes, “bacté rias alienı́genas” nos invadem causando um
“bug” no sistema. Adoecemos e precisamos, entã o – e o mais
rapidamente possível – remover esses “ETs bacterianos” e outras
substâ ncias prejudiciais do nosso trato digestivo. E aı́ que entra em
açã o um incrı́vel processo de “lavagem a jato”: a diarreia. Embora
desagradá vel, a diarreia é uma “bençã o”, pois elimina o problema e
recupera o nosso bem-estar.9
Pela diarreia, o nosso corpo elimina as “bacté rias ET” que nos deixam
doentes. As cé lulas na parede do nosso intestino permitem a entrada de
muito mais á gua do que o habitual. Estudando-o em ratos, os cientistas
descobriram que esse processo é uma obra-prima da sinalizaçã o
quı́mica, envolvendo a açã o coordenada de duas proteı́nas: a
interleucina-22 e a claudina-2.10
Mas, como é comum até mesmo para as soluçõ es mais geniais de
engenharia, a cura tem um preço, pois cria outros problemas. A diarreia
é necessá ria, mas pouco seletiva. Ela elimina, sim, a causa da doença,
mas, no processo, se vã o també m nossas boas, leais e ajudadoras
bacté rias intestinais, que sã o essenciais para a digestã o adequada de
alimentos. Entã o, como o nosso corpo contorna este sé rio dilema de, ao
eliminar o mal, eliminar junto o bem? Você se surpreenderá com a
resposta, creio eu, pois os darwinistas tê m apregoado por dé cadas que
o ó rgã o que resolve esse dilema mortal seria uma “mera sobra inú til” da
evoluçã o.
Nosso sistema digestivo é constituı́do por uma complexa variedade
de ó rgã os interconectados: o trato gastrointestinal (GI), que se estende
da boca até o â nus e inclui o fı́gado, o pâ ncreas e a vesı́cula biliar, bem
como o esô fago, o estô mago, o intestino delgado e o intestino grosso.
Mas, escondido em um canto do intestino grosso e isolado do resto do
trato, temos um ó rgã o pequeno e solitá rio, mas bastante importante: o
apêndice (Figura 32). Ele se assemelha a um pequeno saco em forma de
dedo, ligado ao ceco.

Figura 32. O apê ndice humano, erroneamente classi icado por Darwin & cia.
como um ó rgã o vestigial. Mas descobertas recentes mostraram que ele é um
reservató rio essencial de bacté rias essenciais para a digestã o.

Darwin e seus seguidores presumiram que o apê ndice é um ó rgã o


vestigial inú til, uma “sobra” de quando nó s humanos andá vamos sobre
quatro pernas e comı́amos uma dieta vegetariana. Essa “lenda
evolutiva”, como de costume baseada em muita retó rica e pouca
evidê ncia, existe pelo menos desde que Darwin a defendeu no seu livro
A descendência do homem e seleção em relação ao sexo.11
E fato que à s vezes, o apê ndice, devido à sua suscetibilidade moderna
à in lamaçã o, nos causa muito desconforto nas apendicites,
principalmente nos paı́ses industrializados. Mas uma pesquisa global
recente sugeriu que a apendicite tem sido muito menos comum nos
paı́ses em desenvolvimento e que “os padrõ es epidemioló gicos da
apendicite apoiam a noçã o de que a apendicite é causada por fatores
ambientais multifatoriais associados à industrializaçã o da sociedade”.12
Ou seja, a apendicite é um “mal moderno” que talvez deva ser colocado
“na nossa conta”. Sabemos hoje que esse ó rgã o é indispensá vel e
desempenha pelo menos duas funçõ es cruciais. Percebeu quã o valioso é
ter um apê ndice e como você nã o deveria querer perdê -lo, a menos que
a sua remoçã o se torne absolutamente necessá ria?13
Preserve seu apê ndice, pois, primeiro, ele é uma fonte de cé lulas
sanguı́neas que produzem anticorpos e, entã o, uma parte ú til do nosso
sistema imunoló gico.14 Segundo, ele atua como um reservató rio seguro
para as boas bacté rias, repovoando o trato gastrointestinal apó s sua
limpeza nas diarreias.15
Do ponto de vista da engenharia hidrá ulica, a localizaçã o do apê ndice
é perfeita: posicionado logo abaixo do luxo unidirecional normal de
alimentos e germes no intestino grosso, ele forma um beco sem saı́da
(“cul-de-sac”) e ica, assim, bem protegido da “lava jato” da diarreia.
O apê ndice parece ser ú til també m durante a digestã o normal, pois,
como foi destacado no perió dico Nature Reviews Microbiology,
provavelmente ele fornece um compartimento “anatomicamente
privilegiado” para o cultivo de boas bacté rias, protegendo esses
habitantes microbianos de seus concorrentes.16
Descobrimos, entã o, que vestigial é o argumento darwiniano que um
dia a irmou ser o apê ndice um ó rgã o inú til e que sua inutilidade
sustentaria a teoria da evoluçã o. Um argumento que é sobra de uma
biologia darwiniana do sé culo XIX. Nosso conhecimento é hoje bem
melhor.
Esses 15 cm representam uma distâ ncia enorme para um espermatozoide que
mede apenas 0,0005 cm. Proporcional ao nado de um humano de 2 metros de
altura, o circuito corresponderia a um nado do espermatozoide ao longo de
uma piscina de 60 km.

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Independentemente da criatividade dos evolucionistas em construir cená rios


distintos para a evoluçã o dos sexos e do nascimento de bebê s humanos, via
processos mais “rudimentares” que se davam em nosso pretensos ancestrais
evolutivos, o fato é que, pelo que vemos hoje, o parto de bebê s humanos
ocorre (naturalmente) graças à dilataçã o do cé rvix. Se hoje é assim, teria que
ter havido necessariamente no passado um “primeiro parto” que precisou
primeiro da rigidez do cé rvix, seguido de sua dilataçã o durante o parto, e
posterior contraçã o. Esse é o fato, o resto é boato!

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08
Antevendo e planejando os sentidos

Falarei neste capı́tulo da antevidê ncia associada aos sentidos da visã o,


olfato e paladar, da nossa habilidade de sentir dor e de um sensor
interno crucial para a respiraçã o. O foco será , principalmente, nos
sentidos humanos, mas, para evitar um excesso de exaltaçã o ao homem,
farei no caminho uma pausa para que admiremos um inseto nada
trivial. Na verdade, um campeã o mundial em farejamento: a mariposa.
Olhos humanos

Eu seria negligente se escrevesse um livro sobre as evidê ncias de


antevidê ncia em biologia e falhasse em explorar uma das mais
convincentes, ou seja, a visão.
A luz visı́vel é uma coleçã o de ondas eletromagné ticas com
comprimentos que variam de 380 a 740 nanô metros (nm), ou
bilioné simos de metro. Quando a luz visı́vel atinge um objeto ou passa
atravé s de um gá s, ela pode ser absorvida, re letida, refratada ou
espalhada. Quando um objeto re lete igualmente todos os
comprimentos de onda, o cé rebro humano interpreta esse objeto como
branco; quando absorve todos igualmente, como preto. Quando o
objeto absorve alguns comprimentos de onda visı́veis e re lete outros,
percebemos uma cor especı́ ica, como vermelho, laranja, amarelo,
verde, azul ou violeta. A forma como experimentamos as cores també m
é in luenciada pelo contexto. Muitos fatores in luenciam, desde as cores
de fundo até o grau de familiaridade que temos com uma determinada
cor.1 Existe uma relaçã o ı́ntima entre as cores e a interpretaçã o mental.
Nada impede imaginarmos que a vida seria viá vel em um universo
incolor ou mesmo cinzento (com uns “cinquenta tons de cinza”, por
exemplo), mas, por alguma razã o, o universo é colorido e somos
capazes de perceber um arco-ı́ris de cores.
A retina humana tı́pica (na parte de trá s do globo ocular) conté m trê s
tipos de cé lulas cô nicas receptoras, que podem distinguir trê s cores
primá rias mais milhõ es de tons em suas combinaçõ es. Ela també m
conté m milhõ es de cé lulas receptoras chamadas de bastonetes, que sã o
mais sensı́veis à luz, mas podem distinguir apenas o preto e o branco.
Como Jennifer Leong uma vez explicou, em ambos os casos, quando a
luz atinge um receptor, os sinais neurais sã o criados por alteraçõ es
quı́micas e “esses sinais sã o encaminhados atravé s das cé lulas
bipolares e cé lulas gâ nglios que formam o nervo ó ptico. Esse nervo,
entã o, transmite informaçõ es para o có rtex visual da mente”.2 A
sensibilidade ocular varia de pessoa para pessoa, mas tem sido
estimado que os seres humanos com a melhor visã o de cores possam
distinguir cerca de 10 milhõ es de suas diferentes tonalidades.3
Mas somente a capacidade de perceber cores seria insu iciente como
um auxı́lio à nossa sobrevivê ncia, pois precisarı́amos també m de um
mecanismo que permitisse interpretar o que as cores signi icam no dia
a dia. Essa interpretaçã o começa nas cé lulas nervosas do olho e é
concluı́da pelo cé rebro. Os sinais nervosos do olho sã o processados no
có rtex visual do cé rebro, que é tã o complexo e integrado que faz um
moderno computador equivaler a um á baco. Desenvolver esse có rtex
visual requer algo que em muito transcende a habilidade de processos
aleató rios: antevidência. Foi preciso um plano para coordenar a
complexidade integrada que nos permite dar sentido ao que vemos.
Quanto mais aprendemos sobre ele, mais incrı́vel esse fenô meno se
revela.
Olfato e paladar

Nos laborató rios de aná lise ao redor do mundo, como nos laborató rios
de espectrometria de massas que eu tenho supervisionado no Brasil,
usam-se centenas de diferentes equipamentos altamente sensı́veis e
seletivos e mé todos diversos, desenvolvidos por muitos cientistas e
engenheiros, para detectar e identi icar substâ ncias quı́micas. Esses
equipamentos e mé todos nos ajudam a entender a composiçã o quı́mica
de diferentes tipos de aromas, bebidas e alimentos em concentraçõ es
tã o baixas quanto partes por trilhã o (ou menos).
Mas muito antes dessas tecnologias tã o sensı́veis se tornarem
disponı́veis, humanos (e animais) tiveram que decidir o que comer e o
que nã o comer sem qualquer orientaçã o cientı́ ica (Figura 33). Como
foram capazes de tomar essa decisã o essencial? Essa capacidade de
separar boa comida de comida ruim tinha que estar lá desde o inı́cio,
pois é difı́cil imaginar como essa tarefa poderia ser adquirida
gradualmente durante um longo tempo sem que a vida fosse extinta.
Comer e beber sã o necessidades diá rias, portanto terı́amos que fazer
essa escolha de pronto, e todos os dias. Imagine pescar de manhã e
guardar as sobras de seu peixe para o jantar, em um dia quente de
verã o, sem poder sentir que o peixe podre já cheirava mal.

Figura 33. Humanos e macacos, com suas habilidades “quase sobrenaturais”


de detectar cores e odores, em baixı́ssimas concentraçõ es, com seus
espectrô metros e espectrofotô metros naturais de altı́ssima sensibilidade, e
associá -los a comida boa ou ruim.

Temos aqui outra soluçã o inteligente para esse problema. Em adiçã o


aos “instrumentos analı́ticos” que temos por meio de nossos olhos e
có rtex visual (muito mais so isticados que os espectrofotô metros
arti iciais para a detecçã o de cores), temos outro “instrumento
analı́tico” natural em nosso nariz, lı́ngua e cé rebro que nos permite
provar e cheirar com sensibilidade e precisã o muito melhores que os
espectrô metros de massa arti iciais. Essa “instrumentaçã o bioló gica”
segue uma regra geral: coisas que nos deixariam doentes ou até nos
matariam geralmente cheiram e/ou tê m gosto ruim. E verdade que
mé todos modernos de preparaçã o de comida nos permitem re inar,
preparar e comer até exageradamente alguns alimentos saborosos que,
com moderaçã o, seriam bons para nó s, mas que em excesso causariam
problemas. E é claro que os nossos sentidos podem ser
“eventualmente” enganados, como mostra a existê ncia de alguns
venenos inodoros e/ou insı́pidos. Mas o que causa admiraçã o é quã o
bem nossos sentidos de paladar e olfato geralmente nos fazem evitar
alimentos ruins ou mortais e preferir alimentos que nos fornecem
nutrientes saudá veis de que tanto precisamos.
Já faz tempo que se propaga por aı́ o “mito” de que o nariz humano é
“de iciente”. Aristó teles escreveu que “os homens tê m um sentido
olfativo de baixa e iciê ncia”,4 e Darwin erroneamente concluiu que, ao
ser humano civilizado, o olfato seria um sentido “de pouquı́ssima
utilidade”.5 Essas impressõ es equivocadas se fundamentam em uma
falsa ideia de como a vida funciona e levaram, no sé culo XIX, o
neuroanatomista Paul Broca a insistir que os humanos nã o teriam
mesmo um bom olfato. E verdade que os cã es possuem 50 vezes mais
receptores olfativos do que os humanos, o que signi ica que a força do
sinal é provavelmente mais forte para cã es em muitos casos. Mas um
nariz humano saudá vel possui um sistema olfativo muito so isticado,6
capaz de detectar muitos milhares de aromas e classi icá -los todos,
normalmente como canforá ceo, almiscarado, loral, mentolado, eté reo,
pungente ou pú trido. Alé m disso, como observou John McGann em um
estudo recente:
Os seres humanos superam os roedores e os cã es de laborató rio na
detecçã o de alguns odores, sendo menos sensı́veis a outros odores [...] e,
como outros mamı́feros, os seres humanos podem distinguir um nú mero
incrı́vel de diferentes odores e podem até seguir trilhas de perfume ao ar
livre.7

Como McGann explicou em mais detalhes, nosso bulbo olfativo é


grande em termos absolutos quando comparado aos de camundongos e
ratos, e conté m um nú mero de neurô nios bem pró ximo aos bulbos
olfativos de outros mamı́feros. Portanto, podemos “detectar e
diferenciar uma gama extraordiná ria de odores”, pelo menos os que
realmente importam para nó s.8
A conexã o entre mau gosto e mau cheiro com comida ruim é tã o forte
que nó s e a maioria dos outros animais (exceto os abutres, que tê m
capacidade digestiva de lidar com carcaças em decomposiçã o)
preferem, por exemplo, morrer de fome do que comer carne podre. O
odor de carne podre parece ter sido cuidadosamente planejado, pois é
composto por algumas das molé culas mais desagradá veis e volá teis da
Terra: duas diaminas que tê m um cheiro de morte tã o forte e nauseante
que sã o chamadas de cadaverina e putrescina.
A lı́ngua humana pode detectar cinco sabores: salgado, doce, amargo,
azedo e umami (de acordo com pesquisas recentes, humanos també m
podem detectar um sexto sabor: carboidratos mais complexos do que
açú cares simples9). Incrı́vel, mas, para detectar traços de aromas e
sabores muito fracos que nã o seriam distinguidos por um só , o nosso
nariz e a nossa lı́ngua se unem ao cé rebro para somar os sentidos do
paladar e do olfato. Nossa sensibilidade e precisã o de paladar e olfato
sã o muito melhores porque nossos dois “espectrô metros de massas”
naturais (nariz e lı́ngua) trabalham juntos. Como explicado em um
artigo da Nature Neuroscience, a percepçã o do sabor é um processo
integrado ativado “em dois sistemas neurais distintos perifericamente,
olfato e paladar, que se combinam” para nos fornecer uma sensaçã o
oral uni icada.10
Mariposas

Na escala de sensibilidade do olfato, humanos e cã es sã o


impressionantes, mas alguns dos melhores “cheiradores” sã o insetos.11
Entre eles, algumas mariposas macho sã o “supercampeã s”, pois sentem
o cheiro de estimulantes sexuais altamente especı́ icos mesmo a longas
distâ ncias (Figura 34). Elas conseguem detectar, no meio de uma
in inidade de outras molé culas muito mais abundantes, até mesmo uma
ú nica molé cula especı́ ica de um feromô nio emitido a quilô metros de
distâ ncia pela mariposa fê mea.

Figura 34. Uma extraordiná ria combinaçã o de ibra extratora e detector


quı́mico: a antena de uma mariposa macho. Usando o que parecem ser os
detectores quı́micos mais sensı́veis e seletivos conhecidos pelo homem, elas
detectam até mesmo uma ú nica molé cula emitida pela fê mea a quilô metros de
distâ ncia.

As mariposas macho de vá rias famı́lias realizam essa tarefa incrı́vel


usando um dispositivo de amostragem requintado: uma antena
altamente so isticada com até 60 mil receptores olfativos semelhantes a
pequenos pelos. Seu formato amplo permite que a antena entre em
contato com o maior volume possı́vel de ar para, assim, obter a maior
sensibilidade possı́vel na amostragem.12 Os mecanismos que permitem
que uma mariposa macho detecte as molé culas de feromô nios em
concentraçõ es tã o incrivelmente baixas dependem de um conjunto de
proteı́nas també m altamente so isticado.
Essa detecçã o de odor é assim tã o sensı́vel e seletiva, pois, como
Monika Stengl bem esclareceu, é “um pré -requisito para a sobrevivê ncia
e a reproduçã o em muitos insetos, especialmente em mariposas de vida
curta”.13 O namoro começa assim: a mariposa fê mea libera no ar uma
mistura de feromô nios para atrair seu companheiro, seja lá onde ele
estiver. Em uma sincronia temporal com a fê mea, a mariposa macho
fareja o ar à procura das molé culas de sinalizaçã o especı́ icas da fê mea
usando sua antena “insana” e seu “espectrô metro de massas” com
sensibilidade imbatı́vel. Essas duas habilidades “casadas” – a de emitir e
a de detectar o feromônio certo – teriam que estar presentes desde o
inı́cio para que os potenciais noivos se encontrassem, casassem e
reproduzissem. De nada adiantaria ter uma só , sem a outra.
Stengl detalhou ainda que a mariposa macho executa com maestria
seu trabalho, pois varre o ar ao derredor com seus sensores
especializados em sua antena apontados para a frente, enquanto voa
contra o vento. Ao fazê -lo, consegue absorver cerca de 30% das
molé culas de feromô nios lipofı́licos no ar circundante graças à s
superfı́cies cerosas muito seletivas de sua antena. O processo é muito
semelhante ao mé todo de amostragem e pré -concentraçã o com ibras
de “microextraçã o em fase só lida” (SPME) usado por quı́micos para
substâ ncias em concentraçõ es traço. Outro “plá gio” da natureza. As
mariposas macho usam ainda outro truque: batem as asas em uma
frequê ncia altı́ssima para que esses golpes aumentem o luxo de ar e,
assim, melhorem a e iciê ncia da captura seletiva de molé culas com suas
“ ibras de SPME”.14 Com quem elas aprenderam essa té cnica fantá stica
de amostragem, melhor do que usamos em SPME?
Mesmo que a fê mea viesse a produzir a combinaçã o certa de
feromô nios – já um tremendo “milagre químico” –, esses feromô nios
seriam inú teis se o macho nã o tivesse a capacidade de detectá -los com
a sensibilidade extremamente alta que só é obtida com seus sensores
do tipo “ ibra de SPME” e com a té cnica adequada de amostragem com
ibra. Construir um sistema que permita que as mariposas macho e
fê mea se encontrem, mesmo que estejam separadas por quilô metros de
distâ ncia, requer antevidê ncia – para lá de genial – em cada um de seus
passos. Todas as estraté gias empregadas, por ambas, toda a bioquı́mica,
os biossensores subjacentes e mais seus planos corporais devidamente
elaborados e sincronizados sã o um “imperativo primordial” para a
sobrevivê ncia dessas mariposas. Se algum desses detalhes nã o fosse
antevisto ou fosse mal planejado, e, consequentemente, o macho
falhasse em sua tarefa de encontrar a fê mea, nada de bebê s mariposas.
A espé cie estaria extinta.
Agravando o problema, algumas mariposas adultas precisam se
acasalar durante um tempo de vida extremamente curto (nã o mais do
que uma semana), o que lhes dá pouquı́ssimo tempo para localizar seu
parceiro. O “tempo” ica aqui literalmente “sem tempo” de executar seus
milagres evolutivos por longas eras. Anteveja e implemente os
feromô nios certos e antenas ultrassensı́veis de uma só vez, ou “bye bye,
mariposas!”.
A benção da dor

E claro que nem todas as sensaçõ es sã o agradá veis. A vida é


maravilhosa, mas frequentemente é també m dolorosa. Mas será , entã o,
que nã o seria melhor termos um corpo imune à dor? A resposta é nã o,
pois a dor é uma bençã o: uma caracterı́stica da vida
extraordinariamente valiosa para a nossa sobrevivê ncia. Ela nos
protege de estı́mulos desagradá veis ou perigosos, e perder a sensaçã o
de dor geralmente leva a sé rias lesõ es ou até a morte.
Na academia a regra é : “sem dor, sem ganho” (“no pain, no gain”). Na
vida, a regra é semelhante: “sem dor, sem vida”.15 A ausê ncia de dor
representa uma ameaça mortal à vida pois, sem ela, as criaturas se
esforçariam alé m dos limites de suas forças sem perceber a insanidade
da açã o ou ignorariam ferimentos até que eles se tornassem muito
graves ou letais.
A dor com intensidade adequadamente ajustada é crucial para
proteger a vida.16 Por exemplo, quando um menino pisa em um prego
(Figura 35), ele sente uma dor intensa e imediata atravé s de
terminaçõ es nervosas que detectam dor em seu pé (nociceptores)
perfeitamente localizadas na sua pele e em tecidos conjuntivos. Um
impulso elé trico é – de pronto – transmitido aos seus neurô nios
sensoriais, e um impulso nervoso é acionado e transmitido ao seu
sistema nervoso central atravé s de um relê neuronal. Dependendo da
fonte da dor, esse relê direciona o sinal para o cé rebro ou para a medula
espinhal e, em seguida, de volta aos mesmos mú sculos de seu pé que
emitiram o sinal, atravé s de neurô nios motores. Seus mú sculos se
contraem rapidamente, limitando a lesã o e protegendo o pé do menino.
Ele també m levanta seu pé quase que imediatamente mesmo antes de
“tomar consciê ncia da dor”. Se o menino pega uma panela quente, seus
mú sculos, de pronto, se retraem induzidos pela sensaçã o de queimaçã o
dolorosa na mã o. Enquanto o corpo se envolve em todas essas muitas
atividades inconscientes para minimizar a ameaça, a mente consciente
do menino sente apenas dor e espera que ele tenha aprendido a liçã o.
Figura 35. A dor e seu estı́mulo elé trico inconsciente e praticamente imediato
que sentimos quando, por exemplo, pisamos em um prego, causados graças à s
muitas terminaçõ es nervosas espalhadas pela pele e pelos tecidos conjuntivos,
e suas conexõ es com o cé rebro.

Desde o furo de um prego em nosso pé à grande agonia de um osso


quebrado ou pele queimada, a dor é (geralmente) um guia seguro, pois
nos avisa quando precisamos agir, nos diz que parte do nosso corpo
necessita de atençã o e, incisivamente, nos motiva a remediar o
problema.
Por experiê ncia, també m aprendemos que a intensidade da dor é
muito bem calibrada com a gravidade da lesã o e que ela apenas
desencadeia um estı́mulo re lexo quando se ultrapassa um limite
preestabelecido de dano. Imagine a agonia se nossos sensores de dor
fossem desajustados e, assim, sentı́ssemos dor intensa em atividades
triviais, como caminhar sobre a areia da praia ou ao receber aqueles
abraços excessivamente calorosos.
As pessoas saudá veis tê m todos os seus ó rgã os externos sensı́veis à
dor, e os mais sensı́veis sã o geralmente os mais frá geis, os futebolistas
que o digam. Sem dor, a vida sempre estaria em sé rio risco. Se o menino
que pisou no prego nã o sentisse dor, ele continuaria pisando mais
fundo no prego, causando sé rios danos aos seus mú sculos e nervos,
com perda de sangue e provavelmente uma infecçã o grave. A dor
informa o nosso cé rebro da gravidade da lesã o e interrompe a açã o
antes que tenhamos tempo para reagir conscientemente. Com um corpo
sem dor, nossas vidas e nossa saú de correriam sé rios e constantes
riscos, pois nos envolverı́amos em atividades perigosas sem perceber o
perigo.
Para apreciar melhor o seu propó sito, compare a dor com a analgesia
congê nita, um distú rbio raro que impede algumas pessoas de sentir
dor.17 Essa patologia potencialmente letal é causada por mutaçõ es18
que dani icam vá rios genes. Como Mo Costandi uma vez relatou,
mutaçõ es no gene SCN9A “produzem um canal de só dio nã o funcional,
assim as ibras de dor ainda detectam os estı́mulos dolorosos, mas se
tornam incapazes de enviar os respectivos sinais para o cé rebro”.19
Essa limitaçã o faz da vida um “constante pesadelo”. Pessoas com
analgesia congê nita icam vulnerá veis a cortes graves, fraturas e
queimaduras. Essa falha é tã o perigosa que os portadores de analgesia
congê nita muitas vezes morrem muito cedo devido a graves lesõ es ou
doenças que lhes passam despercebidas.20
A literatura cientı́ ica relata vá rios casos de crianças que foram
incapazes de sentir qualquer tipo de dor fı́sica desde o nascimento.21
Crianças que sofrem dessa patologia indolor, mas terrı́vel, começam,
por exemplo, a mastigar sua lı́ngua durante a dentiçã o e,
inconscientemente, mutilam seus pró prios dedos e lá bios. Seus pais
icam sem saber quando devem levá -las ao mé dico, em eventos que
podem ser graves, como a apendicite, pois a criança simplesmente
nunca sente dor e, portanto, nunca reclama. Elas se queimam
intencionalmente ou continuam jogando futebol com o tornozelo
quebrado ou sã o mordidas por formigas ou aranhas sem nunca
sentirem absolutamente dor alguma.
Os evolucionistas dirã o que sim, a dor é uma bençã o, mas o benfeitor
foi a evoluçã o, pois a sensaçã o de dor foi adquirida casual e lentamente
ao logo de milhõ es de anos ao, eventualmente, proporcionar uma
vantagem e melhor sobrevivê ncia. E é fato que a histó ria da vida sugere
uma progressã o de sentidos do menos para o mais sensı́vel. Por
exemplo, os cnidá rios (como as á guas-vivas, anê monas-do-mar e as
hidras) apresentam uma rede muito simples de cé lulas nervosas que
detectam estı́mulos, provavelmente o toque. Os anelı́deos tê m uma rede
neural um pouco mais sensı́vel, que responde ao toque, ao sabor e ao
odor. Os nociceptores sã o terminaçõ es nervosas que alguns
evolucionistas tenderiam a classi icar como intermediá rias, que
estariam a uma curta distâ ncia evolutiva desses outros neurô nios
sensoriais.
Essas sã o hipó teses razoá veis, mas “o diabo está nos detalhes”. O que
pode parecer uma curta distâ ncia por uma aná lise super icial pode se
mostrar, repentinamente, muito maior quando nos aproximamos e
podemos, assim, discernir bem o mundo assustadoramente so isticado
da biologia molecular, incluindo sua gené tica e informaçã o epigené tica
e sistemas de processamento de informaçõ es. A partir desse ponto de
vista, de repente, o caminho evolutivo parece mais com o que o capitã o
Meriwether Lewis e seu tenente Willian Clark22 devem ter
testemunhado ao chegar à s cabeceiras do rio Missouri e encontrar, em
vez de apenas um rio sobre o qual bastaria saltar de pedra em pedra até
o outro lado da divisã o continental que lui para o oeste dos Estados
Unidos, uma extensa cadeia de montanhas. Assim é o caminho da
evoluçã o, muito mais distante do que inicialmente presumimos. E o
pior para a evoluçã o nessa analogia é que ela nã o tem o capitã o Lewis
nem o tenente Clark, ou a ı́ndia Sacajawea23, como guias ao longo do
caminho. Pior ainda, a evoluçã o nã o tem caminhos especı́ icos como seu
objetivo. Seu caminhar é cego e sem propó sito.
Será que a analogia entre a expediçã o de Lewis e Clark e os caminhos
da evoluçã o seria vá lida? Creio que sim e que quanto mais aprendemos
sobre os detalhes moleculares que diferenciam a nossa so isticadı́ssima
habilidade de sentir dor e reagir a ela daquelas de formas de vida
menos complexas, mais a possibilidade elusiva de uma caminhada
evolutiva fá cil e feliz por meio de pequenos saltos A → B → C → D será
confrontada com uma “cordilheira” de informaçõ es riquı́ssimas e uma
maquinaria molecular so isticada e engenhosamente orquestrada, as
quais exigirã o cada vez mais habilidades que excedem as má quinas
feitas pelo homem, sem nenhum caminho evolutivo detalhado plausı́vel
que pudesse conectar o primitivo ao so isticado.
Respire ou morra

Quando pensamos nos sentidos, geralmente vê m à nossa mente apenas


os cinco principais: visã o, audiçã o, tato, olfato e paladar. Mas o nosso
corpo tem muitos outros sensores internos que medem vá rios outros
fatores essenciais para a nossa sobrevivê ncia, enviando mensagens
para o nosso cé rebro a im de mantê -los bem equilibrados. Por
exemplo, a nossa capacidade de respirar depende de um sistema de
detecçã o muito sensı́vel – de certa forma um “sentido extra” – que
controla os nı́veis de oxigê nio (O2) no nosso sangue. E esse sensor é
apenas um exemplo entre muitos outros sensores e mecanismos de
equilı́brio.
E ó timo que o oxigê nio (O2) seja abundante em nossa atmosfera, pois
esse gá s é crucial para a vida humana e para praticamente todos os
seres vivos. Mas, como já vimos, a molé cula diatô mica duplamente
ligada O=O pode també m ser prejudicial. Ou seja: o O2 é bené ico sim,
mas somente para as formas de vida já plenamente preparadas para
usá -lo controladamente. Os meios especı́ icos para esse uso controlado
variam com o nı́vel de so isticaçã o do organismo e suas demandas de
energia. A maioria das formas de vida está equipada com magnı́ icos
sistemas respirató rios e de transporte de sangue, que retiram o O2 do
ar e o transportam por vasos sanguı́neos (usando biomolé culas como a
hemoglobina) até onde ele se faz de fato necessá rio, e trazendo de volta
o subproduto do processo. Consumimos O2 e eliminamos seu
subproduto, o dió xido de carbono (CO2), respirando constantemente a
uma taxa muito bem controlada. O sistema todo funciona magistral,
automá tica, silenciosa e suavemente. Funciona tã o bem e tã o
“silenciosamente” que nem notamos seu funcionamento.
Existem, é claro, algumas exceçõ es mais “primitivas” a essa histó ria.
Cnidá rios, por exemplo, tê m a espessura de somente duas camadas de
cé lulas e, assim, todas as suas cé lulas estã o expostas ao meio ambiente
marinho de onde obtê m diretamente seu pró prio O2. Minhocas
simplesmente absorvem O2 atravé s da sua epiderme, por isso, apó s
uma forte chuva, elas sobem à superfı́cie para nã o morrerem afogadas.
Existem, portanto, animais multicelulares que nã o possuem sistemas
tã o complexos quanto o que encontramos em vertebrados para
processar O2. De novo, evolucionistas os usariam para contar uma
histó ria começando, por exemplo, com uma simples hidra e conectando
“formas intermediá rias” que chegariam até os animais superiores,
anunciando esses seus “contos evolutivos” como “mais lei do que a lei
da gravidade”. Mas, novamente, esses “contos-da-carochinha”
evolutivos descrevem os dois extremos ligados por um caminho
ilusó rio, desprovido de detalhes moleculares – muito longo sobre o
porquê e curtı́ssimo sobre o como. A existê ncia de carroças nã o explica
a existê ncia de Ferraris (pelo menos nã o sem uma mente inteligente
coordenando o processo).
Normalmente, respiramos entre 12 e 20 vezes por minuto, dia apó s
dia, durante toda a nossa vida. A respiraçã o consiste em duas fases:
inspiraçã o e expiraçã o. Nossos pulmõ es se expandem e se contraem
continuamente, fornecendo O2 aos nossos corpos e removendo o CO2
residual. Quando você inspira, seus mú sculos intercostais externos e o
diafragma se contraem, puxando o seu diafragma para baixo e movendo
suas costelas para cima e para fora, o que expande sua caixa torá cica,
aumentando o volume de seu tó rax. Esse aumento do volume reduz a
pressã o do ar dentro dos seus pulmõ es em comparaçã o à pressã o
externa, aspirando ar pelas suas narinas e/ou boca, laringe e traqueia.
Quando você expira, seus mú sculos intercostais externos e o diafragma
relaxam, o que faz a cavidade torá cica retornar ao seu menor volume
inicial. Esse movimento expele o ar dos seus pulmõ es.24
A morfologia do nosso sistema respirató rio inclui tubos brô nquicos,
que se rami icam da traqueia e, depois, se dividem nos pulmõ es em
passagens aé reas menores, conhecidas como bronquı́olos. Esses
bronquı́olos terminam em mais de 300 milhõ es de pequenos sacos de
ar em forma de balã o, chamados alvé olos. Ao redor de cada um desses
alvé olos, há uma malha de pequenos vasos sanguı́neos chamados
capilares. E atravé s desses capilares que o O2 oxidante atravessa as
paredes dos alvé olos e entra no nosso sangue. Nos gló bulos vermelhos,
o O2 é transportado por uma biomolé cula altamente so isticada, a
hemoglobina. A medida que o sangue circula por todo o corpo, a
hemoglobina libera O2 para todas as suas cé lulas. A mesma
hemoglobina coleta, entã o, o CO2 residual e o devolve aos pulmõ es,
onde ele escapa para os alvé olos e se dilui no ar que exalamos.25
Todos esses processos bem orquestrados geralmente acontecem
automá tica e inconscientemente e sã o controlados pelo nosso centro
respirató rio no tronco cerebral, ou medula. A respiraçã o continua
mesmo quando dormimos, ajustada a uma demanda especı́ ica de O2
durante o sono. A medula instrui a medula espinhal a manter a
respiraçã o mais suave, mas o padrã o de respiraçã o é fornecido pela
ponte de Varó lio, localizada pró xima à medula no nosso tronco
cerebral.26
A concentraçã o de CO2 no sangue arterial é utilizada pelo centro
respirató rio para modular a respiraçã o. Quanto mais CO2, maior a
acidez e, se a acidez aumenta, quimiorreceptores enviam um sinal para
o centro respirató rio do cé rebro, o qual envia “feedbacks” que aceleram
e aprofundam a respiraçã o. Esse processo nos faz expelir mais CO2 e
inspirar mais O2.27
Se formos expostos a uma atmosfera sufocante, com pouco O2 – como
uma atmosfera dentro de um laboratório de espectrometria de massas,
onde o uso de N2 é frequente e pode eventualmente predominar, ou em
grandes altitudes ao escalar montanhas –, ou com muito CO2 – como
infelizmente às vezes acontece no interior de silos de armazenamento de
milho –, essa de iciê ncia de O2 fará com que o nosso metabolismo
diminua para que consumamos o mı́nimo de O2 possı́vel. Sá bia decisã o!
També m podemos observar nossos sensores respirató rios tomando
sá bias decisõ es em outras situaçõ es de disponibilidade reduzida de O2.
Quando a concentraçã o de O2 no sangue diminui e a concentraçã o de
CO2 aumenta subsequentemente, a nı́veis crı́ticos, o luxo normal de O2
é alterado, e a maior parte dele, que vem dos pulmõ es, é redirecionada
para os dois ó rgã os mais crı́ticos: o cé rebro e o coraçã o.
Pelas descobertas de um estudo publicado na Cell, parece que o
cé rebro també m está equipado com um sensor quimiomé trico de
sufocamento atmosfé rico.28 A amı́gdala – um órgão vestigial [inútil],
segundo previsões equivocadas da evolução – é , por sua vez, “parte do
circuito do medo do cé rebro”, segundo explicaçã o de John Wemmie, da
Universidade de Iowa. Ela funciona como um sensor de as ixia e
estimula o sistema nervoso simpá tico.29 A inalaçã o de CO2 reduz o pH
do cé rebro, e a amı́gdala possui um canal de ı́ons, conhecido como
ASIC1a,30 que é sensı́vel a á cidos e ativado por pH baixos. Os resultados
demonstram que a amı́gdala sente a ameaça que o CO2 representa e
desencadeia a resposta.31
A respiraçã o é incomum entre as nossas funçõ es corporais, pois pode
continuar por conta pró pria ou ser voluntariamente controlada. Por
que um mecanismo tã o vital assim seria suscetı́vel ao controle
voluntá rio? O controle consciente da taxa e da intensidade da
respiraçã o permite que humanos falem, cantem e toquem instrumentos
musicais, como saxofone e trompete. O controle da respiraçã o també m
nos permite nadar e mergulhar (Figura 36).

Figura 36. Prender a respiraçã o é um risco, mas é també m uma dá diva (ó timo
custo/benefı́cio), que permite aos humanos e muitos outros animais
mergulharem e contemplarem as belezas aquá ticas, ou mesmo praticarem a
pesca submarina. Mas, quando o limite de segurança é excedido, o cé rebro
manda automaticamente uma “ordem irresistı́vel” avisando o “feliz
mergulhador” que é chegada a hora de subir à superfı́cie e respirar novamente.

A capacidade de controlar a nossa respiraçã o traz grandes benefı́cios,


mas podemos pagar um alto preço por ela. Se nã o soubé ssemos por
quanto tempo podemos prender a respiraçã o e exagerá ssemos,
dani icarı́amos facilmente o nosso cé rebro e o nosso coraçã o;
eventualmente, outros ó rgã os parariam de funcionar e morrerı́amos.
Assim, o centro de controle da respiraçã o autô noma do cé rebro,
quando sente o perigo, retoma rapidamente o controle e aciona o
diafragma para que retome sua açã o. O desejo de respirar
desencadeado por nosso cé rebro é simplesmente forte demais, e
poucos conseguem resistir a essa ordem imperiosa de respirar. E, para
os raros humanos que conseguem, um plano B entra em açã o: o “heró i
da resistê ncia” desmaia e, desmaiado, o cé rebro reassume o controle e
o “rebelde” volta a respirar. A ditadura do cé rebro sobre a respiraçã o
salva o “rebelde” da “estupidez” de seu autossufocamento.
Faça uma pausa e perceba agora que você está respirando,
silenciosamente, e provavelmente muito bem. Pense, entã o, no design
maravilhoso do seu sistema respirató rio. Se essa delicada interaçã o da
respiraçã o automá tica, voluntá ria ou obrigató ria – controlada por
quimiossensores e feedbacks – nã o estivesse pronta e funcionando
sincronizadamente de antemã o, você , eu e muitos dos animais que
habitam a Terra nunca terı́amos sobrevivido.
Conclusão

Sem todos esses delicados sistemas sensoriais que citei – e esses foram
realmente apenas alguns dos muitos exemplos possíveis –, humanos
nunca existiriam. E esses sentidos nã o só nos permitem sobreviver, mas
permitem també m que experimentemos e aproveitemos o mundo
magnı́ ico que temos ao nosso redor. Esses sentidos sã o absolutamente
cruciais, mas sã o, ao mesmo tempo, “presentes” que tornam nossa vida
mais bonita e valiosa. Essa orquestraçã o de sentidos parece nos deixar
todos indesculpá veis e sem outra saı́da senã o nos rendermos à
conclusã o de que ela é fruto de muita antevidê ncia e de um
planejamento cuidadoso, implementado antes que soubé ssemos que
precisarı́amos desses sentidos ou pudé ssemos entender sua extrema
importâ ncia para a vida.
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10.1155/2014/141953

O capitã o Meriwether Lewis e o tenente William Clark lideraram, de 1804 a


1806, a primeira grande expediçã o explorató ria do continente norte-
americano – a expedição de Lewis & Clark –, indo em direçã o ao Oeste até a
costa do Oceano Pacı́ ico.
Sacajawea foi uma amerı́ndia da tribo Shoshone que serviu como guia e
inté rprete para a expediçã o de Lewis e Clark.

Novotny, Sarah; Kravitz, Len. The science of breathing. Disponı́vel em:


http://bit.ly/2rWuP0k. Acesso em: 5 dez. 2019. Leia també m: Cherniack, Neil
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Cell Press. Brain’s fear center is equipped with built-in suffocation sensor.
ScienceDaily, Nov. 26, 2009. Disponı́vel em: http://bit.ly/363tELd. Acesso em: 5
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dez. 2019.
09
A antevidência e o futuro da ciência

Tempo para uma rá pida recapitulaçã o para, em seguida, voltarmos a


considerar as implicaçõ es das evidê ncias de antevidê ncia na quı́mica da
vida aqui apresentadas para o futuro da ciê ncia.
O desenvolvimento de um pintinho embriã o é uma maravilha que
merece ser vista com muita contemplaçã o. E você pode literalmente
contemplá -lo, pois os cientistas já conseguiram até mesmo ilmar o
processo.1 Mas nã o menos espetacular do que o embriã o em
desenvolvimento é o ovo em que ele se desenvolve. A gema e a clara de
ovo contê m todos os nutrientes que o pintinho precisará durante as
trê s semanas de seu amadurecimento. A casca de ovo també m conté m
inú meros poros microscó picos que deixam o ar entrar, permitindo que
o pintinho respire. Mesmo sendo ainda um embriã o de poucos dias, ele
sente o perigo e a salvaçã o ao longe e gera uma rede de capilares que se
projeta em direçã o à casca perfurada para absorver o oxigê nio do ar e
liberar o dió xido de carbono. Momentos antes da eclosã o, membranas
especiais no ovo retê m ar su iciente para que o pintinho, já maduro,
possa respirar pela primeira vez antes de sair da casca.
A casca do ovo é dura o su iciente para proteger o embriã o em
desenvolvimento e frá gil o su iciente para que ele possa perfurá -la com
sua bicadas, mas só quando usa uma ferramenta especial: o “dente de
ovo”. O conteú do e a casca do ovo sã o verdadeiras obras-primas da
engenharia que nutrem e protegem o pintinho.
Mas nã o haveria ovo algum sem uma galinha capaz de produzi-lo e
botá -lo. Sem ovo, nã o haveria galinha, mas sem galinha, nã o haveria
ovo. Esse é um dilema famoso: “quem veio primeiro: o ovo ou a
galinha?”. E o maior exemplo da mais curiosa circularidade causal: para
obter A, precisamos de B, mas para obter B, precisamos primeiro de A.
Nã o podemos ter um sem ter o outro. Mas, para termos os dois juntos,
precisamos de quê ? De muita antevidência!
Encontramos exemplos dessa circularidade causal – e, portanto, da
necessidade de antevidência – em todos os sistemas vivos. Como vimos,
as cé lulas vivas precisam de membranas. Sem membranas, kaput vida! E
a vida nã o precisa só de “meras” membranas, mas membranas
especiais, formadas por uma in inidade de fosfolipı́dios e providas de
canais proteicos que permitem à cé lula controlar seu ambiente interno.
Esses canais, “ganhadores de prê mios Nobel”, para funcionarem bem,
exigem proteı́nas complexas e especializadas. Mas, na ausê ncia de um
bioquı́mico especialista em sua sı́ntese, apenas cé lulas plenamente
funcionais sã o capazes de produzir essas proteı́nas. E essas cé lulas já
existiam supostamente muito antes do aparecimento de bioquı́micos na
Terra. Sem membranas está veis providas de canais operados por
proteı́nas, nã o haveria cé lulas. Mas, sem cé lulas, nã o haveria proteı́nas
que pudessem formar os canais da membrana.
Considere outro grande dilema: em toda cé lula viva encontramos
DNA e RNA, ambos extremamente adequados para os trabalhos que
realizam – desde a química de seus componentes até a química dessas
próprias moléculas complexas. Sem DNA e RNA, a cé lula seria incapaz de
sintetizar as proteı́nas de que precisa. Mas, sem um conjunto de
proteı́nas complexas, a cé lula seria incapaz de sintetizar uma segunda
có pia de seu DNA e, portanto, jamais conseguiria se dividir. Sem outro
conjunto de proteı́nas complexas, a cé lula seria incapaz de produzir
RNA. Sem DNA e RNA, sem proteínas. Mas, sem proteínas, sem DNA e
RNA! Por onde começaríamos então?
Muitas proteı́nas sintetizadas seguindo a receita transcrita em mRNA
precisam de chaperonas que as ajudem a se enovelar rá pida e
corretamente nas suas formas tridimensionais funcionais. Sem a forma
3D correta, uma proteı́na nã o funcionaria corretamente. Mas
chaperonas sã o feitas de quê ? De proteı́nas. Mais uma vez, temos uma
circularidade causal: sem chaperonas, sem proteínas; mas sem proteínas,
sem chaperonas!
E nã o sã o apenas os sistemas de causalidade circular que exigem
antevidê ncia. Outros exemplos sã o: o armazenamento e o uso “insano”
de hidrazina pura e venenosa por algumas bacté rias para converter
formas de nitrogê nio residual e, assim, reabastecer o nitrogê nio
molecular atmosfé rico; o uso de engrenagens precisamente “torneadas”
pelo Issus para saltar e escapar de seus predadores; o armazenamento
elá stico de energia pela “lagosta Mike Tyson”, que impulsiona seus
socos potentes enquanto suas patas sã o protegidas com luvas high tech;
o uso de entrelaçamento quâ ntico por pá ssaros para sentir o campo
magné tico da Terra e navegar por longas distâ ncias; a coordenaçã o
perfeita com “senhas” entre o espermatozoide e o ó vulo na reproduçã o
humana; o design, a localizaçã o e o funcionamento perfeito do apê ndice
para preservar bacté rias bené icas ao nosso sistema digestivo em
eventos de diarreia; e a complexidade integrada envolvida nos sentidos
da visã o, do olfato e da dor. Tudo isso somado – só esse topo de um
imenso iceberg – aponta, indesculpavelmente, para a necessidade
absoluta de uma habilidade ú nica de mentes inteligentes: a
antevidência.
Blefes no jogo da vida

No capı́tulo 1, mencionei que os evolucionistas tê m feito acré scimos e


outros ajustes ao mecanismo central do neodarwinismo que invocam
mutaçõ es gené ticas aleató rias e seleçã o natural. Alguns foram tã o longe
por esse caminho de ajustes que até abandonaram a sı́ntese
neodarwiniana moderna, mas ainda se apegam à “vã esperança” de que
alguma versã o puramente cega de uma evoluçã o materialista poderá
um dia ser desenvolvida.
A busca contı́nua por essa tal alternativa ao neodarwinismo foi
assunto de uma reuniã o, em 2016, na Royal Society of London, que
contou com a participaçã o de centenas de ilustres evolucionistas. As
vá rias propostas para salvar a teoria da evoluçã o – algumas mais
elegantes e outras nem tanto – incluı́ram o equilı́brio pontuado, a
evoluçã o neutra (nã o adaptativa), a “evo-devo” (biologia evolutiva do
desenvolvimento), a auto-organizaçã o, a herança epigené tica e a
engenharia gené tica natural. Grandes reivindicaçõ es tê m sido feitas
para cada um desses mecanismos e outras versõ es de evoluçã o cega,
mas, no inal, essas alegaçõ es – embora, indubitavelmente, seus
proponentes aparentem crer sinceramente nelas – tê m pouco mais
substâ ncia do que um blefe em um jogo de truco. Cada uma dessas
propostas tem sé rias de iciê ncias e nã o serviria como substituto sequer
razoá vel para todo o propó sito e o planejamento revelados pela
antevidê ncia na vida.
O equilı́brio pontuado, por exemplo, tenta explicar por que vemos no
registro fó ssil tã o poucos fó sseis transicionais (de uma forma animal
para outra forma animal fundamentalmente diferente), mas falha ao
nã o oferecer um mecanismo viá vel para a evoluçã o geologicamente
rá pida de novas formas. De fato, todos os desa ios que o
neodarwinismo tradicional enfrenta para encontrar essa explicaçã o, o
equilı́brio pontuado també m os enfrenta, mas de uma forma ainda mais
intensa, pois alivia o problema no registro fó ssil, mas acaba icando com
muito menos tempo geoló gico à sua disposiçã o para construir uma
nova forma.
A evoluçã o neutra reduz a importâ ncia da seleçã o natural,
concentrando-se em mutaçõ es que, pelo menos por um longo tempo,
teriam sido neutras ou até mesmo deleté rias para o condicionamento
fı́sico. A ideia é que tais mutaçõ es poderiam predominar em pequenas
populaçõ es. O benefı́cio dessa abordagem é que ela economiza
“imaginaçã o”, ou seja, os evolucionistas nã o precisam mais imaginar
aquelas sé ries “tediosas” de mú ltiplas etapas funcionalmente
vantajosas, que, partindo de algum ponto, levariam à evoluçã o plena de
alguma nova má quina, ó rgã o ou organismo molecular. Mas esse
benefı́cio tem custos enormes, que seus proponentes tendem a ignorar.
Stephen Meyer, ao discutir o trabalho de Michael Lynch e Adam
Abegg sobre a evoluçã o neutra, usou uma ilustraçã o bem didá tica:
imagine um ná ufrago que se encontra no meio de um grande oceano,
mas, felizmente, um oceano livre de predadores. A ausê ncia de
predadores, na analogia de Meyer, espelha a irrelevâ ncia dada pela
evoluçã o neutra à seleçã o natural. O ná ufrago só precisa nadar em
direçã o ao navio de socorro e subir pela sua escada. O problema é que
ele está com seus olhos vendados e nã o tem a menor ideia de onde
estaria o navio, muito menos a sua escada. Agora, como Meyer tã o bem
apontou, se você (blefando) tentasse estimar quanto tempo o ná ufrago
levaria para achar o navio e sua escada, calculando uma linha reta entre
o homem e a escada, seus cá lculos resultariam em “uma estimativa
fantasticamente otimista da severidade do problema enfrentado pelo
nosso infeliz ná ufrago”. A linha reta que você traçou obscurece o
principal problema que o nadador enfrenta: como traçar uma linha reta
se ele nã o tem a menor ideia de onde o navio e sua escada estejam, nem
tem mecanismo algum que o ajude a avaliar, a cada instante, se está se
aproximando ou se afastando da escada que lhe salvaria a vida. Meyer
continua dizendo:

Assim, qualquer estimativa realista de quanto tempo ele realmente levará


para nadar até a escada – em oposiçã o à estimativa de uma rota
teoricamente possı́vel e fantasticamente mais rá pida – deve considerar
seu prová vel vagar sem objetivo, ajustes e recomeços, seu nadar em
cı́rculos e lutuar em vá rias direçõ es. Da mesma forma, Lynch e Abegg
falharam em considerar, em seus cá lculos, a natureza aleató ria, nã o
direcionada e, literalmente, sem objetivo do mecanismo que eles
propuseram. Em vez disso, eles presumem erroneamente que processos
neutros de evoluçã o percorrerã o um caminho reto e mais curto em
direçã o à uma adaptaçã o complexa especı́ ica. De fato, esses processos –
com uma probabilidade absoluta – irã o vagar sem rumo em um vasto
espaço de sequê ncia de possibilidades neutras e sem funçã o, sem nada
para direcioná -los, ou preservá -los em qualquer progresso que eles
façam, em direçã o à s raras e isoladas ilhas de funçã o representadas por
adaptaçõ es complexas. Por esse motivo, Lynch subestima amplamente o
tempo de espera necessá rio para gerar adaptaçõ es complexas e, portanto,
nã o resolve o problema da origem de genes e proteı́nas ou qualquer outra
adaptaçã o complexa.2

Mas há outro sé rio problema: o nadador da evoluçã o neutra, que já
está de olhos vendados, nã o sabe aonde precisaria ir e, pior, nã o tem
desejo algum de chegar lá , precisa també m enfrentar outros perigos
nesse “oceano” que poderiam matá -lo ou, pelo menos, levar à perda de
um de seus membros. A evoluçã o nã o se move somente em uma
direçã o. As mutaçõ es destroem coisas muito mais rá pida e facilmente
do que as fazem. Pior ainda, nã o é razoá vel supor que essa tendê ncia a
mutaçõ es deleté rias faria uma pausa para, educadamente, esperar que
a evoluçã o neutra procurasse cegamente até encontrar uma mutaçã o ou
sé rie de mutaçõ es que construı́sse algo novo.
E verdade que, à s vezes, essas destruiçõ es de coisas resultam em
uma “vantagem aparente”, como Michael Behe discute detalhadamente
em seu livro Darwin devolves. Mas, como Behe esclarece, nenhuma nova
maquinaria molecular tem sido construı́da nesses casos “involutivos”, e
é precisamente a origem de novas má quinas moleculares e informaçã o
gené tica que qualquer mecanismo para a diversi icaçã o da vida
precisaria explicar, seja por evoluçã o neutra, seja por qualquer outro
tipo.3
As outras propostas evolutivas també m enfrentam de iciê ncias
devastadoras.4 O que falta a todas é o “tempero secreto” de todas as
grandes obras de engenharia: antevidência salpicada de genialidade,
propósito e planejamento.
O princípio da “antevidência ou morte”

A necessidade de antevidê ncia – da habilidade de olhar para o futuro,


prever a ocorrência de problemas potencialmente mortais em um projeto
e resolvê-los de antemão – é claramente percebida por todos nó s como
um ato inteligente. E claro, pelos exemplos deste livro, que a vida está
repleta de soluçõ es cuja necessidade precisou ser prevista para evitar
vá rios becos sem saı́da. Ou seja, muitas funçõ es e sistemas bioló gicos
requereram planejamento inteligente para que funcionassem
adequadamente. Essa caracterı́stica da vida testi ica fortemente contra
a teoria da evoluçã o moderna em todas as suas variantes, que apela
exclusivamente para processos acé falos e cegos.
Como vimos no capı́tulo 2, a evidê ncia de antevidê ncia na natureza
nã o se limita a exemplos das ciê ncias da vida. Ao investigarmos a Terra
e o cosmos, vimos indicaçõ es de que uma mente genial antecipou e
evitou uma sé rie de possı́veis becos sem saı́da, usando desde a fı́sica e a
cosmologia até a quı́mica e a geologia. Se esses becos sem saı́da nã o
fossem evitados, a vida nesse universo e, mais especi icamente, na
Terra seria impossı́vel.
Neste livro, examinamos juntos muitos exemplos que manifestam um
princı́pio da vida: “antevidê ncia ou morte” (Figura 37). E a coleçã o
apresentada é só o topo do iceberg. Os muitos exemplos de soluçõ es
que anteciparam problemas mortais antes que eles surgissem, a
evidente genialidade dessas soluçõ es e a necessidade de entrega
orquestrada e simultâ nea de componentes mú ltiplos plenamente
funcionais desde a partida de um determinado sistema representam
um desa io enorme à evoluçã o darwiniana. E nã o apenas a uma
evoluçã o cega, mas ao materialismo que a sustenta, pois a antevidê ncia
requer algo mais do que a maté ria em movimento. A antevidê ncia é
marca registrada de mentes inteligentes.
Figura 37. Uma analogia ao grito de Dom Pedro I de “Independê ncia ou
morte!”. Na biologia da vida, os dados també m estã o gritando aos cientistas:
“Antevidê ncia ou morte!”.
Antevidência e inteligência

Humanos prosperaram na Terra graças à s suas muitas habilidades


ú nicas. Raciocinamos, falamos, criamos ferramentas so isticadas,
cultivamos cereais e dominamos a pecuá ria. Pilotamos també m aviõ es e
naves espaciais e mergulhamos fundo nos oceanos com nossos
submarinos. Desenvolvemos ainda softwares que comandam telefones
celulares e robô s e sintetizamos polı́meros para fazer roupas quentes e
resistentes e medicamentos que nos curam de doenças. Fazemos
també m coisas “evolutivamente inú teis”, como sorrir, cantar, compor
melodias, tocar instrumentos, e muito mais. O que mais nos diferencia
no reino animal nã o é , entã o, nada mecâ nico ou material; pelo
contrá rio, sã o as nossas mentes (Figura 38). Com elas, podemos
estudar o passado, compreender o presente e antecipar o futuro em um
grau sem paralelo no reino animal. Em nó s, mais do que em qualquer
outro animal, se revela a habilidade da antevidê ncia.

Figura 38. Uma ilustraçã o da fantá stica mente humana e sua capacidade
suprema de raciocı́nio e memó ria.

E, no entanto, como testemunhamos ao longo deste livro, atos


extraordiná rios de antevidê ncia sã o evidentes em todo o mundo
natural, desde membranas celulares até os mecanismos de migraçã o
das aves. Esses exemplos excedem em so isticaçã o quaisquer exemplos
de antevidê ncia em engenharia que poderı́amos apontar na cultura
humana.
Qual seria, entã o, a inferê ncia que essas evidê ncias nos convidam a
fazer? Vamos considerar a antevidê ncia na natureza em etapas:

1. Vemos muitos exemplos claros de antevidê ncia de problemas no


mundo natural – problemas sendo antecipados antes de surgirem –
sendo genialmente resolvidos com a entrega pontual de peças
mú ltiplas, essenciais e bem orquestradas.
2. Sabemos, por experiê ncia uniforme e continuada, que a
capacidade de antever e resolver esses problemas é uma
caracterı́stica exclusiva de mentes inteligentes.
3. Nã o há exemplos demonstrados de processos acé falos e nã o
guiados que foram capazes de antecipar e resolver problemas que
requereram a orquestraçã o so isticada de peças sincronizadas, todas
entregues juntas no pá tio de montagem de um sistema em sua
origem. Note que nã o se deve aqui apelar para referê ncias a casos
que sã o assumidos, mas nã o demonstrados, nem usar argumentos
baseados na ló gica do “petitio principii”5 do tipo “caracterı́sticas
comuns signi icam descendê ncia comum” e “descendê ncia comum
signi ica evoluçã o cega”.
4. A nossa experiê ncia uniforme e continuada nos fornece apenas um
tipo de causa com a capacidade demonstrada de antecipar e resolver
tais problemas: o design inteligente!
5. Portanto, o design inteligente representa a melhor, de fato, a ú nica
causa que explica adequadamente os muitos exemplos claros de
antevidê ncia no mundo natural, de problemas que foram
genialmente resolvidos com a entrega pontual de peças mú ltiplas,
essenciais e bem orquestradas. A antevidê ncia nã o é apenas
aparente, mas real.

Essa conclusã o, ló gico, nã o exclui por completo causas secundá rias
em açã o, ou infere que nada poderia ter se desenrolado a partir de
padrõ es semelhantes à s leis ou condiçõ es preexistentes. Estar livre para
considerar as evidê ncias de antevidê ncia nos deixa livres també m para
considerar causas primá rias e secundá rias. A cada caso que
consideramos, podemos simplesmente seguir as evidê ncias em vez de
termos que excluir causas pela força de regras restritivas espú rias.
E se a evidê ncia aponta para uma causa primá ria, ou uma causa
secundá ria, ou a combinaçã o de ambas, muitas vezes ainda teremos
que concluir que uma mente foi necessá ria para antever muitos becos
sem saı́da em potencial e para escapar deles. A vida e o universo estã o
cheios dessas fugas inteligentes, de soluçõ es engenhosas que testi icam
fortemente a favor do design inteligente.
Algo a mais

Eu sempre me recordo també m de outro evento marcante em minha


vida: de uma noite escura na qual contemplei o cé u no “Rancho do
Waldemar”, à s margens de uma grande represa na cidade de Santa Fé
do Sul, Sã o Paulo, Brasil (Figura 39). A noite era escura, mas de “cé u
claro” e, estando eu longe o su iciente de uma cidade grande, pude ver,
pela primeira vez em minha vida, o grande espetá culo de um cé u
noturno sem lua e sem poluiçã o atmosfé rica urbana: aquela vasta
multidã o de trilhõ es de galá xias e, em cada uma delas, bilhõ es de
estrelas cintilantes.

Figura 39. O contemplar do homem, em uma noite de cé u “claro”, de um


universo imenso, magnı́ ico, diversi icado, belo e colorido, salpicado de
incontá veis galá xias e estrelas. E a pergunta que vem imediatamente à nossa
mente é : quem fez tudo isso?

Entã o, de novo, como na primeira vez que vi o mar, pensei comigo e


me perguntei: quem fez todas essas incontá veis estrelas e colocou-as
todas lá em cima? O impulso de atribuir essas maravilhas a algué m é
forte e quase universal. Mas, hoje em dia, esse impulso é severamente
reprovado.
Mas será mesmo que esse universo magnı́ ico simplesmente
“pipocou” do nada? Por lutuaçõ es quâ nticas? Ou será que, antes dele,
uma má quina “má gica” de gerar multiversos teria se feito do nada, ela
pró pria inamente ajustada para gerar universos habitá veis, entre eles,
o nosso? E se, independentemente de começarmos só com o nosso
universo ou com um multiverso imaginá rio, tivesse o ajuste inı́ssimo
das leis e constantes da natureza surgido do nada? Que sorte grande
essa a nossa!
E, a partir desse inı́cio, teria tudo mesmo evoluı́do cegamente até a
primeira forma de vida na Terra – a primeira célula borbulhando
repentinamente daquela sopa primordial? E dela teria surgido a
primeira vida multicelular, as primeiras plantas, os primeiros animais,
os primeiros primatas e os primeiros seres humanos? Eu e você ?
Essa é a histó ria da criaçã o ateı́sta.
Devo confessar, como quı́mico, que me falta esse tipo e essa
imensidã o de fé para acreditar nessa religiã o.
Tenho testemunhado a beleza e a complexidade da vida no planeta
Terra, e contemplado as muitas caracterı́sticas incrı́veis que parecem
tã o cuidadosamente planejadas. Mesmo assim, me convidam a crer que
essas maravilhas “pipocaram” cegamente do vazio frio do nada, só para
mais tarde a esse nada retornar. Seria verdade, como Carl Sagan uma
vez recitou em uma cadê ncia sacerdotal no inı́cio de sua popular sé rie
televisiva, que “o cosmo é tudo o que é , ou foi ou que sempre existirá ”?6
Ou haveria algo a mais?
Apesar das maravilhas que nos rodeiam, por mais de um sé culo e
meio, muitos cientistas tê m se convencido de que a resposta para tais
questõ es fundamentais foi encontrada e que as maravilhas do mundo
natural sã o todas devidas, como atribuiu uma vez o bió logo
evolucionista Francisco Ayala, ao

[...] acaso e necessidade conjuntamente emaranhados nas coisas da vida;


aleatoriedade e determinismo engajados em um processo natural que fez
jorrar as entidades mais complexas, diversi icadas e belas do universo: os
organismos que povoam a Terra, incluindo humanos, que pensam e
amam.7

Por essa visã o, a evoluçã o forneceu design sem um designer.


Observamos claras evidê ncias de design proposital no universo e em
nó s, mas, mesmo assim, esperam que creiamos todos que esse design
tã o evidente é apenas uma ilusã o e que, na realidade, um processo
guiado por nada alé m de leis e constantes da natureza lentamente
formou tudo o que conhecemos: o universo, as estrelas, o oceano, o cé u
e as suas nuvens, o RNA e o DNA, os ribossomos, as bacté rias, os peixes,
os pá ssaros, os chimpanzé s, e eu e você .
Essa é a histó ria que nos contam.
Infelizmente, essa velha e mal contada histó ria tem restringido o
avanço da ciê ncia, estreitado os nossos horizontes e dissipado a nossa
admiraçã o.
Mas, felizmente, uma brisa refrescante começa a soprar, e cada vez
mais forte. A evidê ncia de antevidê ncia e design na natureza está
progressivamente se acumulando e se tornando mais e mais aparente à
medida que novas descobertas cientı́ icas surgem. E, ao contrá rio da
iloso ia do “só matéria e nada mais”, o fato de estarmos abertos à s
evidê ncias de design inteligente certamente ampliará ainda mais os
horizontes da ciê ncia.
Neste livro, descrevi muitos mecanismos inteligentes da vida. Mas
esses mecanismos sã o nã o só inteligentes. E nã o sã o també m apenas
vantagens que poderiam ter sido adquiridas ao longo de eras atravé s de
um processo evolutivo. Esses mecanismos sã o “obrigatoriedades
primordiais”, caracterı́sticas que qualquer organismo deveria
inevitavelmente exibir desde o inı́cio se desejasse sobreviver e
prosperar. Para quase todos os “mortais”, essas soluçõ es parecem ter
sido planejadas com antecedê ncia e “se feito presentes” desde o
momento zero da vida.
Para o princı́pio de “antevidência ou morte”, que aqui demonstramos,
nã o se encontra na teoria da evoluçã o uma explicaçã o, pois esse
princı́pio requer antevidê ncia e planejamento, e essas habilidades sã o
exclusivas de mentes inteligentes.
Depois de uma “longa noite escura” de repressã o do naturalismo ao
livre investigar e pensar na ciê ncia, uma nova luz brilha, e novas e
antigas perguntas voltam a ser feitas. Muitos de nó s nos vemos
novamente envolvidos naquele bom, velho e vigoroso debate. Bravo,
bravo! Que se removam os dogmas e se abandonem as tá ticas de
supressã o do livre pensar. Temos de novo sobre a mesa da ciê ncia duas
teorias cientı́ icas primá rias sobre as nossas origens. Que os defensores
de ambas se levantem, apresentem suas teses e suas evidê ncias; e que
todos possam deliberar e debater em um jogo limpo e aberto, e com um
espı́rito de boa vontade. E que vença a teoria que melhor explicar as
evidê ncias.
Essa busca franca e aberta pela verdade é , a inal de contas, um
elemento-chave que torna a ciê ncia emocionante e grati icante. Eu, do
meu lado, vou aprendendo com a ciê ncia e sendo o “maluco-beleza” que
sou; me sinto imensamente feliz de nã o ser um “sujeito normal que faz
tudo igual”, mas, “controlando minha maluquez misturada com a minha
lucidez”, sigo feliz por estar vivendo esse novo tempo da ciê ncia. Sem
“nada a temer, senã o o correr da luta, nada a fazer senã o esquecer o
medo”. Que vivamos todos esse tempo de novas ideias, descobertas e
grandes debates.
E qual será o resultado inal de todo esse esforço? Nã o sei prever com
que rapidez outros cientistas estarã o dispostos a seguir as evidê ncias,
aonde quer que elas nos levem, mas sei que aqueles entre nó s dispostos
a se renderem à s evidê ncias de antevidê ncia na natureza terã o o
privilé gio de participar de uma revoluçã o cientı́ ica intelectualmente
fascinante e emocionante.
Impulsionada por novas ferramentas de investigaçã o cientı́ ica e por
uma avalanche de novas descobertas sobre o universo e a vida, essa
revoluçã o é enriquecida pelo reavivamento de uma ideia com um
pedigree real: o design. Os pais da ciê ncia moderna – Copé rnico, Galileu,
Kepler, Newton, Boyle e muitos outros – viram claras evidê ncias de
design no universo e, de fato, foram inspirados a descobrir as leis da
natureza por sua fé em um legislador transcendente.
E para essa maravilhosa jornada de descoberta que os pais da ciê ncia
iniciaram, o im nã o parece estar pró ximo. Certa vez, J. J. Thomson,
ganhador do Prê mio Nobel de Fı́sica de 1906 – um dos pioneiros da
ísica moderna, descobridor do elétron e o pai da espectrometria de
massa (minha área de especialização) –, magni icamente resumiu essa
visã o otimista e aberta da ciê ncia. Nã o consigo pensar, entã o, em
palavras melhores para concluir este livro sobre um mundo cheio de
evidê ncias de antevidê ncia senã o com essas palavras de Thomson, tã o
verdadeiras hoje quanto foram quando ele as pronunciou no inı́cio do
sé culo XX:
A medida que conquistamos picos cada vez mais altos, vemos diante de
nó s regiõ es cheias de interesse e beleza, mas nã o vemos o nosso objetivo,
nã o vemos o horizonte. A distâ ncia, erguem-se picos ainda mais altos,
que renderã o aos que os ascenderem perspectivas ainda mais amplas e
um sentimento mais profundo, a verdade que é enfatizada a cada avanço
da ciê ncia de que grandes sã o as obras do Senhor.8
Development of a chicken embryo. 1 video (2 min). May 25, 2008. Disponı́vel
em: https://www.youtube.com/watch?v=LKvez9duEHQ. Acesso em: 5 dez.
2019; Observation of the development of chick embryo. Watanabe, Yusaku. 1
video (9 min). Nov. 26, 2017. Disponı́vel em: http://bit.ly/364Pj5K. Acesso em:
5 dez. 2019.

Meyer, Stephen C. Darwin’s doubt: the explosive origin of animal life and the
case for intelligent design. San Francisco: HarperOne, 2013. p. 328-329.

Behe, Michael. Darwin devolves: the new science about DNA that challenges
evolution. San Francisco: HarperOne, 2019.

Para mais informaçõ es sobre os problemas enfrentados pelos vá rios modelos
pó s-neo-darwinianos e por que muitos deles nã o sã o realmente modelos pó s-
neo-darwinianos, consulte os capı́tulos 4 e 5 In: Behe, Michael. Darwin
devolves: the new science about DNA that challenges evolution. San Francisco:
HarperOne, 2019. p. 93-137; e os capı́tulos 15 e 16 In: Meyer, Stephen C.
Darwin’s doubt: the explosive origin of animal life and the case for intelligent
design. San Francisco: HarperOne, 2014. p. 291-335.

Em ló gica, a “petiçã o de princı́pio” é uma retó rica falaciosa (falá cia de
presunçã o) que transforma a conclusã o numa premissa do argumento.

Cosmos: the shores of the cosmic ocean. Direçã o: David Oyster et al. Arlington:
PBS, 1980.

Ayala, Francisco. Chance and necessity. Counterbalance. Disponı́vel em:


http://bit.ly/2rW69F6. Acesso em: 5 dez. 2019.

Thomson, J. J. The British Association at Winnipeg. Nature, v. 81, p. 257, 1909.


DOI 10.1038/081248a0
Agradecimentos

Sou profundamente grato a muitos que contribuı́ram de formas


variadas para este livro. No Brasil, sou primeiramente grato a
Ené zio Almeida Filho por ser o pioneiro do design inteligente (DI)
no paı́s e por me apresentar, pela primeira vez, essa teoria
apaixonante. Ao reverendo Augustus Nicodemus Lopes, agradeço
també m imensamente por organizar, na Universidade
Presbiteriana Mackenzie (UPM) – de longe a melhor do Brasil –, os
primeiros encontros de DI no Brasil: os simpó sios “Darwinismo
Hoje”. Por estabelecerem o alicerce sobre o qual este livro se
ergueu criando em 2017 o Nú cleo de Pesquisa Mackenzie em
Ciê ncia, Fé e Sociedade (Discovery-Mackenzie) e por me
convidarem a coordená -lo, sou també m gratı́ssimo ao chanceler
Davi Charles Gomes e ao seu reitor Benedito Guimarã es Aguiar
Neto.
No Discovery Institute (EUA), sou eternamente grato a Jonathan
Witt por seus conselhos e grandes contribuiçõ es referentes ao
estilo, à reorganizaçã o de capı́tulos e iguras e à seleçã o de
argumentos. Agradeço també m a Rachel Adams pela primeira
aná lise do livro, ajudando na sua reorganizaçã o e re inamento, e na
correçã o do texto, tornando a prosa mais pró xima de um inglê s
lú cido e polido (um trabalho imenso, sem dú vida). Sou també m
profundamente grato aos cientistas Jonathan Wells, Ann Gauger,
Guillermo Gonzalez, Ray Bohlin, Scott Minnich, Matti Leisola,
Michael Behe e Brian Miller e pelo mé dico Howard Glicksman por
fornecerem sugestõ es em seçõ es especı́ icas. Grato també m sou a
um revisor magnı́ ico, cujo nome infelizmente nã o poderei
mencionar pelo risco de perseguiçã o acadê mica.
Eu nã o poderia deixar també m de agradecer a Michael Behe,
Stephen Meyer, Jonathan Wells, Willian Dembski, Michael Denton e
Douglas Axe por toda a inspiraçã o que obtive ao ler seus livros; a
Mike Perry, pelo magnı́ ico layout; a Brian Gage, pela capa
lindı́ssima; ao grande Otniel “Otis” Araú jo, pelas obras de arte que
ilustram este livro; e ao diretor associado do Center for Science
and Culture do Discovery Institute (EUA), pelo seu suporte
irrestrito e pelo convite que me fez para escrever o Antevidência
baseado em uma palestra sobre o “Foresighter” que apresentei na
conferê ncia de design inteligente em 2017, em Alberta, Canadá .
Para a traduçã o em portuguê s, sou extrema e eternamente grato
à minha querida esposa Elisabeth Eberlin, pelos “serõ es” nos quais
digitou os textos ditados por mim e pela ajuda na traduçã o literal
dos capı́tulos inais nos meus momentos de “ocupaçã o extrema”.
Imensamente grato sou també m a toda a equipe da Editora
Mackenzie, mas particularmente à Jé ssica Dametta, à Elaine de
Oliveira e ao seu coordenador, Roberto Borges Kerr, pelo apoio
irrestrito e ediçã o primorosa.

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