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Título

Periodização Tática - Entender e Aprofundar a Metodologia que Revolucionou o Treino do Futebol


Autor
Julian Bertazzo Tobar
Colaboração
Jorge Maciel
Tradução
César Romeu Pedrosa Coelho
ISBN
978-989-655-374-6
© 2018 Julian Bertazzo Tobar e Prime Books
Prime Books – Sociedade Editorial, Lda.
clientes.primebooks@gmail.com
www.primebooks.pt
seguro | rápido | económico
“Este livro não te fará ganhar jogos de futebol e campeonatos. Para
ganhar jogos de futebol, os livros não servem. Servem somente os
jogadores... E às vezes nem eles, se as circunstâncias não os ajudam”.
Índice
INTRODUÇÃO
1 A FILOSOFIA CARTESIANA
1.1 O impacto do paradigma cartesiano no futebol
1.1.1 A divisão (e a treinabilidade) do jogo em dimensões isoladas
1.1.2 A separação do Jogo em Fases
2 A VISÃO SISTÉMICA
2.1 A equipa de futebol entendida como um sistema dinâmico, adaptativo e homeodinâmico
2.2 O jogo de futebol constituído por momentos de jogo
2.2.1 O “refutar” da dualidade cartesiana (defesa e ataque): O Jogo como um continuum, uma
inteireza inquebrantável
2.3 A lógica interna do jogo de futebol
2.3.1 O jogo como um fenómeno imprevisível, aberto, caótico (determinista) com organização fractal
2.3.2 As dimensões do jogo entendidas à luz da complexidade. A necessidade de reconhecer o
futebol como um jogo regido pela (Supradimensão) Tática
3 A PERIODIZAÇÃO TÁTICA
3.1 Modelo de jogo, que entendimento(s)? A estrutura de jogo & ideia de jogo
3.2 O modelo de jogo
3.3 Supraprincípio da Especificidade
3.3.1 ATP e Especificidade
3.3.2 Musculação versus Especificidade
3.3.3 A manifestação da Especificidade através dos exercícios
3.3.3.1 Intensidade máxima relativa e concentração
3.3.3.2 A importância da intervenção durante os contextos de propensão
3.4 Princípios metodológicos da Periodização Tática
3.4.1 Princípio metodológico das propensões
3.4.2 Princípio metodológico da progressão complexa
3.4.3 Princípio metodológico da alternância horizontal em especificidade
3.4.4 Morfociclo padrão
3.4.4.1 Jogo de futebol: implicações a nível metabólico. O que é de facto relevante promover em
treino?
3.4.4.1.1 O ciclo de auto renovação da matéria viva e a Lei de Roux a reforçarem a necessidade da
alternância horizontal em especificidade promovida pelo morfociclo padrão
3.4.4.2 Domingo (competição): dia de máxima exigência
3.4.4.3 Segunda-feira (primeiro dia após a competição): Folga
3.4.4.4 Terça-feira (segundo dia após a competição): Recuperação
3.4.4.5 Quarta-feira (terceiro dia após a competição – primeiro dia “aquisitivo”): Dia “azul”
3.4.4.6 Quinta-feira (quarto dia após a competição – segundo dia aquisitivo): Dia verde
3.4.4.7 Sexta-feira (dois dias antes da próxima competição – terceiro dia “aquisitivo”): Dia “amarelo”
3.4.4.8 Sábado (um dia antes da próxima competição): Recuperação direcionada para a competição
3.5 Morfociclo com jogos separados por 6 dias (domingo a sábado)
3.6 Morfociclo com três jogos na semana
3.7 A gestão do desempenho-recuperação dos jogadores que não foram utilizados e/ou relacionados
3.8 A Periodização Tática justificada pelas neurociências
3.8.1 O derrubar do mito de que para se tomar boas decisões e realizar bons julgamentos,
necessitamos fazer um apelo única e exclusivamente à razão, evitando as emoções
3.8.1.1 As emoções (e os sentimentos) como protagonistas na indução da razão, das melhores
decisões e da aprendizagem de um jogar
3.8.2 A importância da positividade durante o processo
3.8.3 Mais do que marcadores somáticos, marcadores de um jogar somatizado!
3.8.4 A criação de hábitos como pressuposto para um bom jogar
3.8.4.1 O hábito e a economia neurobiológica
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
O mais sincero e profundo agradecimento às pessoas que dedicaram e
compartilharam, ao longo dos últimos seis anos, seu tempo, conhecimento e
afeto sem querer nada em troca, a não ser o desejo de contribuir com a
construção do conhecimento no futebol.
De maneira especial, gostaria de expressar minha imensa gratidão ao meu
amigo e colaborador Jorge Maciel, pela intervenção real e concreta,
amizade, horas, dias e anos dedicados à esta obra.
Este livro tem fundamental contribuição do especial e genial Vítor Frade
– professor dos professores, e portanto meu eterno agradecimento.
À Marisa Gomes, Xavier Tamarit, Abel Pimenta, José Guilherme
Oliveira, Romeu Coelho, Mauro Medvetkin, que de maneira direta e
indireta me auxiliaram, o meu muito obrigado.
Com a palavra, Vítor Frade
Com a palavra, Jorge Maciel
“Os princípios fundamentais não admitem piruetas.”
Quando o Julian chegou a Portugal não sabia no que essa aventura se iria
tornar, nem que o tal poderia representar para o seu futuro. Muito menos, e
tal como eu e ele expectávamos que nesta altura estivéssemos prestes a
avançar para este passo. Um livro sobre futebol, mais precisamente sobre
Periodização Tática. Não é mais um livro sobre Periodização Tática, é um
livro que se irá assumir como referência credível desta metodologia de
treino de futebol. Sobre Periodização Tática muita gente fala, mas poucos a
conhecem. Julian tem esse grande mérito, para se expor, primeiro inteirou-
se sobre o que de facto este “teorema em ato” é efetivamente, e não o que
dizem ser. Com justiça intitula o seu livro de “Periodização Tática:
Entender e Aprofundar a Metodologia que Revolucionou o Treino do
Futebol”, não se trata de um ato de presunção, mas sim de um sentimento
visceral de realização e de dever cumprido.
Quando o conheci pela primeira vez, desde logo lhe notei uma grande
vontade e sede de saber, o que tornou ainda mais proveitosa esta aventura
em Portugal, onde conheceu alguém que tal como a mim, lhe mudou a
forma de ver e entender o futebol, treinado e jogado, o grande professor
Vítor Frade. Por não ser daqueles alunos que lia o título e julgava saber
tudo, tinha dúvidas e muita vontade de as esclarecer. Essa é uma das suas
maiores virtudes, não sucumbir perante o desafio da complexidade. À
medida que mergulhava na metodologia mais dúvidas se relacionavam e
mais ele tentava ir ainda mais a fundo. Diga-se que durante estes anos de
aprimoramento desta obra, várias foram as horas que passamos a corrigir,
rever e esclarecer aspetos de maior ou menor pormenor, mas sempre com o
afinco de quem sabe que estava a tratar de algo muito precioso e que nos
merece enorme respeito, a Periodização Tática, a verdadeira, a do Professor
Vítor Frade. Estas longas horas passadas agarrados ao telefone quase me
valiam o divorcio, minha esposa até hoje só teve ciúmes de um homem, do
Julian!
O processo foi longo, e teve momentos difíceis, eu e ele bem sabemos
disso, mas para além dessa resiliência necessária para não sucumbir perante
a dimensão do assunto em mãos, ele manifestou outra enorme qualidade,
honestidade intelectual. Foi o primeiro a dizer, “cara, isso só sai quando
estiver mesmo bom. E quando o professor disser que está conforme”.
Parabéns Julian, ficou mesmo muito bom, estou/estamos orgulhosos!
Neste livro que retrata precisamente o que o seu título sugere, o Julian
revela-se um profissional interessado, empenhado, capaz, ousado e
diferente! Mas revela também pela forma como o foi construindo a sua
outra dimensão, humana. Um profissional com um futuro promissor, mas
acima de tudo um homem de valores. Não há princípios sem pessoas, e
ambas são fundamentais para o jogar. Com pessoas de valor e com valores
como os do Julian e este seu contributo acredito que será possível um
futebol melhor. O futebol carece de pessoas assim, com paixão, causas e
valores.
Por fim destacar que o Julian é uma daquelas pessoas que aos pouco foi
entrando no universo da Periodização Tática, e acredito que marcará com
este livro uma posição muito importante e relevante. É daquelas pessoas
que se vão juntando a um grupo restrito de excelentes pessoas que o
professor Vítor Frade consegue agregar em torno de si e das suas ideias,
uma espécie de magia, uma ressonância empática que nos vai ligando mas
que não conseguimos explicar. O Professor tem este condão, tal como a
tática, a admiração por ele e pelas suas ideias, é tácita. Não se explica sente-
se, porque o essencial é invisível aos olhos…
É uma honra poder ter acompanhado este percurso teu. Sou um
privilegiado! Obrigado e obrigado pelo brio com que tratas esta causa
nossa, a Periodização Tática.
Com a palavra, Marisa Gomes da Silva
“Ter uma ideia é sempre melhor do que ideia nenhuma.”
O treino de futebol tem tido um crescimento muito acentuado nas últimas
décadas, promovido pela crescente procura de conhecimento do jogo e da
sua organização no treino. E neste sentido, vários sentidos se foram criando.
De um modo comum conseguimos reconhecer aqueles que se centram no
desenvolvimento das capacidades ditas condicionais dos jogadores (com ou
sem bola), aqueles que se preocupam com o desenvolvimento da técnica
dos jogadores e aqueles que procuram nos jogos reduzidos a “receita” para
o treino do jogo. E todos estes sentidos são válidos. E, por isso, merecem
respeito porque quem opta por um caminho assume conceitos, premissas e
paradigmas (consciente ou inconscientemente). Sobretudo quando estas
abordagens são a expressão pura do pensamento e sentimento do treinador.
Sem dramas, sem modas, sem filtros, sem receios e sem imposições
comerciais. Somos o que pensamos e somos o que fazemos.
Recentemente, o treino do futebol tem sido inundado por múltiplos
interesses económicos, por um sem fim de protocolos e métodos que
prometem a complementaridade necessária ao rendimento. A quantidade de
informação que vigora e se encontra acessível aos mais curiosos revela a
falta de conhecimento que o treino do futebol tem perdido, pelo acrescento
constante de “técnicas” que não ajudam à modelação de um jogo. Face a
este contexto global, a periodização tática criada pelo Vítor Frade é algo
que segue por um sentido único e, na maioria, de forma marginal.
A Periodização Tática de Vítor Frade foi marginalizada durante muitos
anos, mas no passado recente esta metodologia tem sido maltratada pela
quantidade de pessoas que falam desta metodologia sem a conhecer.
Enganam e vendem mentiras. Alguns justificam esta conduta pela
“crescente procura” dos apaixonados do futebol (aproveitando para fazer
negócio) e outros simplesmente procuram ensinar o que nunca aprenderam,
chegando a criar “os complementos” que a Periodização Tática precisa (no
entendimento dos mesmos!). Face a tudo isto, nunca a Periodização Tática
foi tão precisa como agora! Simplesmente porque esta Periodização Tática
se centra no desenvolvimento do jogar através de um conjunto de princípios
metodológicos.
Neste enquadramento, este livro meticuloso e dedicado acerca da
Periodização Tática é muito valioso. Porque esclarece aos interessados
acerca desta metodologia num discurso muito específico e singular. A
dinâmica deste livro não dá receitas e isso tem um valor fundamental pois
são os princípios (o modo como se faz!) que nos permite conhecer a
periodização de uma ideia de jogo, na sua modelação constante e específica.
Permite desenvolver uma metodologia em vez de um conjunto de métodos
ou uma soma de técnicas ou protocolos. Porque o jogo precisa de paixão,
precisa de ser treinado com respeito pela sua natureza complexa.
A palavra que deixo ao Julian, meu companheiro no terreno em terras
lusas, é de profundo agradecimento. Pelo prazer que me deu em ler o seu
trabalho, mas sobretudo pelo que aprendi! A ligação deu uma lógica
singular ao processo – que se fez fazendo! – mas evidenciando os pilares e
os valores da metodologia desta metodologia. A Periodização Tática, que
ele mostra (muito bem!) que é só uma...
INTRODUÇÃO
Creio não haver ninguém ligado ao futebol que não acredite que um
treinador deva possuir um profundo conhecimento do jogo, de “táticas”,
estratégia, liderança, motivação, gestão com jogadores, imprensa e adeptos,
etc. Contudo, para que o treinador seja de excelência ele também deverá
saber como aplicar as suas ideias na prática, isto é, deverá também dominar
uma metodologia de treino.
Tendo por base os treinadores que ganham regularmente, é possível
identificar um conjunto de características e qualidades que os fazem ganhar
mais do que os outros. Uma delas é acreditar que o estilo de jogo que se
quer apresentar em competição, não é algo que nasce pronto, senão
idealizado e construído por eles próprios em conjunto com os jogadores, ou
seja, treinado todos os dias. Por este motivo, cada vez mais os treinadores
de elite investem seu tempo na área do treino.
Este livro pretende atender a todos aqueles profissionais ligados ao
futebol que procuram aprimorar o seu conhecimento metodológico, para
superar os desafios do alto rendimento, criando circunstâncias favoráveis
para que os jogadores e a equipa possam ter êxito durante as partidas e
competições. Nesse sentido, a Periodização Tática, metodologia de treino
criada pelo português Vítor Frade há mais de 40 anos, cada vez ganha mais
fama e notoriedade, em grande parte devido aos resultados obtidos por José
Mourinho, conhecido treinador ligado a esta metodologia.
Embora nos dias de hoje se tenha tornado comum falar de Periodização
Tática, seja por meio de livros, entrevistas, palestras, cursos, etc., são
poucas as pessoas que a retratam de maneira fidedigna, abordando-a não
raras vezes de maneira superficial e distante da realidade, daquela
Periodização Tática que o professor Vítor Frade idealizou. No Brasil, esta
metodologia é praticamente desconhecida na sua essência.
De modo a preencher esta lacuna, decidi escrever um livro sobre a
verdadeira Periodização Tática, para esclarecer, retratar e divulgar esta
forma singular de conceber e operacionalizar o processo de treino.
De modo a que esta obra atendesse aos objetivos referidos, para além de
anos de estudos e prática em diferentes equipas de futebol, tanto ao nível da
formação como profissional, no Brasil e no exterior, fui diretamente ao
berço da Periodização Tática, em Portugal, onde realizei um conjunto de
entrevistas e observações com três grandes expoentes desta forma singular
de treinar: Vítor Frade1, Marisa Gomes Silva2 e Xavier Tamarit3.
Este livro foi revisto e tem a total anuência e consentimento de Vítor
Frade; e contou com a grande colaboração de Jorge Maciel4, um dos
grandes experts no assunto, uma referência tanto a nível conceptual,
metodológico como na prática. Neste livro o leitor fará uma viagem ao
mundo da verdadeira Periodização Tática, a metodologia criada por Vítor
Frade!
O futebol é um jogo opinável onde só o resultado é indiscutível.
(Valdano, 1999 citado por. Amieiro, 2007)

A complexidade do fenómeno no seu jogo espaço-temporal de


inédito, singular e repetição mata a noção tradicional de facto
mostrando que quem se nega a ir mais além dos factos raramente
chega até os próprios factos.
(Huxley, citado por. Frade, 1985, p. 3)

As ciências humanas não têm consciência dos caracteres físicos e


biológicos nos fenómenos humanos. As ciências naturais não têm
consciência da sua inscrição numa cultura, numa sociedade, numa
história. As ciências não têm consciência do seu papel na
sociedade. As ciências não têm consciência dos princípios ocultos
que comandam as suas elucidações.
As ciências não têm consciência de que lhes falta uma consciência.
(Morin, citado por. Frade, 1985, p. 2)

1 Vítor Frade: Português, máxima autoridade no assunto, criador da metodologia, assistente de vários
treinadores renomados, campeão nacional várias vezes ao serviço do F.C. Porto. Atuou como
coordenador metodológico deste mesmo clube, tendo importância fundamental na estruturação
conceptual e operacional do departamento de formação.
2 Marisa Gomes Silva: Portuguesa, autora de “O desenvolvimento do jogar, segundo a Periodização
Tática”, ex F.C. Porto, atualmente exerce duas funções na Federação Portuguesa de Futebol
feminino: treinadora adjunta da seleção principal e selecionadora do escalão Sub-17.
3 Xavier Tamarit: Espanhol, autor dos livros “¿Qué es La Periodización Táctica?” e “Periodización
Táctica vs Periodización Táctica”, treinador adjunto de Maurício Pellegrino, tanto no Valência C.F.,
Club Estudiantes de La Plata (Argentina), C.A. Independiente (Argentina), Deportivo Alavés
(Espanha) e mais recentemente no Southampton (Inglaterra).
4 Jorge Maciel: Português, Maciel foi treinador de diversas equipas de formação em clubes como
F.C. Porto e Gil Vicente. Trabalhou como treinador adjunto de Baltemar Brito na Líbia e Emirados
Árabes Unidos. Com o treinador Lito Vidigal foi adjunto no C.F. Os Belenenses e no F.C. Arouca.
Com Miguel Cardoso foi adjunto no Rio Ave F.C. e atualmente exerce a mesma função no F.C.
Nantes (França). Autor do livro “Não o deixes matar, o bom futebol e quem o joga”.
1 A FILOSOFIA CARTESIANA
Assim como o jogo de futebol, que desde a sua criação e
profissionalização, tem apresentado uma evolução permanente, o modo de
se perspectivar o treino também tem vindo a modificar-se ao longo dos
anos. O futebol sempre foi e muito provavelmente continuará a ser alvo de
intermináveis discussões e debates. Seja na sala de conferências de
imprensa após mais um jogo de campeonato, seja nos jornais, programas
televisivos, na rua, na faculdade, etc. Quando se fala de futebol,
normalmente existem vários pontos de vista e diferentes opiniões a respeito
dos mais variados temas.
Entretanto, existe um ponto em que tanto treinadores, preparadores
físicos, auxiliares técnicos, jogadores, dirigentes, jornalistas e adeptos
concordam: o treino tem um papel capital para a melhoria do desempenho
das equipas de futebol, tanto coletiva como individualmente. Disso
ninguém parece ter dúvidas. No entanto, nem todos pensam o “treinar” da
mesma forma, devido às diferentes experiências, estímulos e contextos nos
quais as pessoas se encontram inseridas.
Por mais de quatro séculos o mundo ocidental tem sido regido e educado
sob a luz do paradigma cartesiano. Este modelo de pensamento permeia a
grande maioria dos fenómenos que nos cercam, influenciando as pessoas a
(inter)agir e pensar de determinado modo, não estando o treino em futebol
alheio a esta realidade.
Nosso sistema de ensino nos ensina a isolar os objetos (do seu
contexto), a separar as disciplinas, a dividir os problemas, ao invés
de uni-los e integrá-los. Induz-nos a reduzir o complexo ao simples,
quer dizer, a separar o que está unido, a decompor e não a
recompor, a eliminar tudo aquilo que traga desordem ou
contradição ao nosso entendimento.
(Morin, 2002, p. 7)

A ciência ocidental orientou-se e edificou-se sobre os contributos do


racionalismo clássico, herdado de Aristóteles (o primeiro a dividir o reino
animal em categorias) e desenvolvido por Descartes. Este filósofo,
advogado, matemático e físico francês, de nome latim Renatus Cartesius
(daí ser filosofia cartesiana), nasceu em 1596, e contribuiu decisivamente
para os rumos da ciência moderna ao publicar
“O Discurso sobre o Método”, onde propôs, com sucesso, quatro princípios
de pensamento/raciocínio:
O primeiro era o de jamais aceitar algo como verdadeiro sem saber
com evidência que seja tal; isto é, evitar com cuidado a
precipitação e a prevenção, e nada mais incluir nos meus juízos
além do que se apresente tão clara e tão distintamente ao meu
espírito que eu não tenha nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida.
O segundo, o de dividir cada dificuldade examinada em tantas
partes quantas puder e for necessário para melhor resolvê-las.
O terceiro, conduzir pela ordem os meus pensamentos, começando
pelos objetos mais simples e mais fáceis de se conhecer, para subir
aos poucos, como por degraus, até o conhecimento dos mais
compostos e supondo até haver certa ordem entre os que não
precedem naturalmente uns aos outros.
E o último, fazer em toda a parte enumerações tão completas e
revisões tão gerais, que me assegure de nada omitir.
(Descartes, 2008, p. 25)

Por outras palavras, Capra (2006, p. 34), explica-nos que o método do


pensamento analítico, criado por Descartes, consiste em “quebrar
fenómenos complexos em pedaços a fim de compreender o comportamento
do todo a partir das propriedades de suas partes”; ou seja, para que os
problemas sejam solucionados sob o ponto de vista cartesiano é necessário
dividir as partes tanto quanto for necessário, para que assim, ao estudá-las
em separado se possa chegar à compreensão do todo.
Este modelo de pensamento, para além de analisar e interpretar os objetos
separando-os de seu contexto específico, não entende as partes como
unidades sujeitas a interações com as outras partes e com o seu meio
ambiente, pelo contrário, são perspectivadas como partes independentes e
com capacidade para serem analisadas sem levar em conta o conjunto (a
totalidade, o envolvimento – o contexto) a que pertencem.

1.1 O impacto do paradigma cartesiano no futebol


1.1.1 A divisão (e a treinabilidade) do jogo em dimensões isoladas
Imersos por séculos nesta realidade cartesiana, não é de estranhar,
portanto, a necessidade e obsessão de desmontar e estilhaçar o jogo de
futebol (o “todo”) em “partes” (dimensão tática, técnica, física, psicológica,
estratégica), treinando cada uma destas “partes” separadamente, pois nesta
perspectiva, acredita-se que a somatória destas vertentes, após o processo
de treino, aumentará o desempenho de uma equipa, uma vez que para esta
conceção o todo é constituído pela soma de suas partes constituintes.
A este respeito, Rui Faria (1999) diz que a maioria dos manuais de treino
traz de forma repartida a componente técnica da tática, assim como das
ditas capacidades físicas, existindo uma constante decomposição do esforço
dos jogadores num conjunto de parcelas, treinando cada uma delas em
separado, de modo a melhorar o desempenho em competição da equipa.
Neste contexto o aparecimento do treino físico, técnico, tático e
psicológico adquire a sua forma. Incide-se no conhecimento de
aspetos isolados, na ideia de que quanto melhor conhecermos cada
parte, melhor conhecemos o todo.
(Faria, 1999, p. 20)

Em 2010, era possível encontrar um artigo do jornal eletrónico


globoesporte.com, que evidencia este modo de pensar no futebol. Nesta
reportagem, intitulada de “Depois de deixar grupo com físico em dia, X5
sonha ver qualidade aflorar” podia ler-se:
Treinador destaca melhoria no condicionamento dos jogadores
alvinegros e agora aguarda a vez do auge técnico.
Mesmo antes do clássico contra o Fluminense, neste domingo, “X”
tem a certeza de que a semana chega ao fim com um grande
objetivo cumprido. Desde que assumiu o comando do Botafogo, o
treinador destacou a importância de que a equipa melhorasse a
condição física e, segundo ele, a semana de trabalho na Região dos
Lagos fechou a programação com sucesso.
– Desde a minha chegada, buscamos dar equilíbrio físico à equipa, e
aos poucos conseguimos. Buscamos o empate com o Corinthians e
enfrentamos o Cruzeiro com um jogador a menos, por exemplo.
Agora essa pressão não existe mais – observou.
Na avaliação de “X”, agora o Botafogo está na condição ideal de
mostrar o futebol que se espera dele no momento em que a vitória é
fundamental para a reação no Campeonato Brasileiro.
– Agora é jogar bem e deixar aflorar essa qualidade que existe no
grupo. Para que a gente vença, precisamos dessa força física – disse
o treinador.
Mais exemplos não faltam: “o sucesso de um jogador é feito em 50 por
cento de preparação física, 25 por cento por técnica e 25 por cento por
psicologia”, diz um treinador citado por Oliveira et al. (2006).
Os mesmos autores no seu livro trazem uma reportagem do jornal
português “O Jogo”, um artigo intitulado como “As vertentes do treino de
Y6”, que representa bem este modo de pensar:
O preparador físico do FC Porto explicou então os métodos de
trabalho que estão a ser implementados na pré-temporada. «Nesta
altura, o treino tem várias vertentes, a física, a técnica e a tática. Há
um especialista que cuida de cada uma delas: o mister da tática, o
Francesco Conti da técnica e eu da física», explicou.
Acerca deste e de outros temas, o treinador espanhol Cervera (2010)
sublinha e adverte que esta especialização reducionista está a encher o
mundo do futebol de “especialistas”, que cada vez mais fragmentam o
treino e por conseguinte, o jogo.
No caminho cada vez mais claro da concretização do paradigma da
redução e fragmentação, Z7, então preparador físico do Real Madrid
(temporada 2006/2007), numa entrevista concedida para o realmadrid.com
em 2006, aponta-nos que é possível realizar em cada parte, inúmeras
divisões, reduzindo-as em parcelas cada vez mais elementares, ao afirmar:
Iniciamos agora a segunda parte da pré-temporada. Foi finalizado
o processo de melhoria da capacidade aeróbica, e agora entramos
no aumento do aspeto anaeróbico e lático, em termos mais
concretos, de explosão e rapidez.
(Z, 2006 citado por. Moreno, 2010, p. 48)

Esta maneira de pensar retrata muitas metodologias convencionais,


sobretudo as originárias do leste europeu, onde sugerem que se deve
começar primeiro pelo aeróbio para depois ir para o anaeróbio; iniciar a
temporada partindo do geral para o específico; primeiro treinar sem bola
dando ênfase na melhora das ditas capacidades condicionais e depois com o
decorrer dos trabalhos físicos inserir treinos técnicos e táticos, etc.
Contudo, como é de conhecimento geral, as metodologias de treino
convencionais foram criadas para desportos individuais, como o atletismo e
a natação, com grande tempo de preparação e um período competitivo
reduzido (periodização olímpica).
O futebol ao longo dos anos, com o advento da figura do preparador
físico nas equipas técnicas – talvez por falta de metodologias de treino
específicas para o futebol (desporto coletivo de características muito
próprias, com curto período de preparação entre competições e extenso
período competitivo) e pela forte influência mecanicista e cartesiana
existentes nas faculdades – acabou por ser influenciado por tais conceções
metodológicas, o que levou muitos a adotarem-nas para uma realidade
completamente diferente da originalmente preconizada, tratando-a como se
fosse uma metodologia universal. Este modo de pensar ainda vigora
atualmente em vários clubes.
É comum encontrarmos treinadores que pensam assim, que não só
dissociam o futebol em pedaços (decompondo-o, descontextualizando-o e o
desconectando da sua natureza complexa), como defendem que sua
treinabilidade (neste caso para os fundamentos técnicos) se faça de maneira
integrada ou isolada: passe, domínio de bola, condução de bola, remate,
cabeceamento, drible, finta e fundamentos básicos de defesa; que segundo
os mesmos, são itens primordiais para a boa preparação de uma equipa,
principalmente nos aspetos táticos defensivos e ofensivos.
Vejamos o que um preparador físico de um grande clube brasileiro – em
matéria exibida pelo SporTV, no dia 27 de janeiro de 2015 – respondeu,
quando perguntado por um repórter sobre alguns dos objetivos do clube
durante pré-época: “Desde o primeiro dia, na nossa equipa técnica, no
nosso jeito de trabalhar, nós introduzimos a bola, nos primeiros dias os
fundamentos, que são o passe, o cabeceamento, o controlo. Essas coisas
mais simples, mais elementares”.
Tal facto apenas vem a corroborar com as convicções de Tani & Corrêa
(2006 citado por. Campos, 2008, p. 26), quando afirmam que:
A noção de que um sistema pode ser separado em componentes sem
perder as suas características essenciais está ainda muito presente no
campo dos desportos coletivos, por exemplo, quando se dá muita
ênfase à prática de fundamentos técnicos na aprendizagem ou no
treino de certas modalidades desportivas coletivas.
Parece claro que está lógica permeia o futebol atual, bem como a sua
treinabilidade.
1.1.2 A separação do Jogo em Fases
Seguindo a tendência da separação e divisão do paradigma vigente,
constatamos que ao longo dos tempos, tradicionalmente o jogo de futebol
foi, e para muitos ainda é, dividido em fase ofensiva e defensiva.
Teodorescu (2003) coloca que a “fase” ofensiva é caracterizada pelo facto
de a equipa ter a posse da bola e através de ações coletivas e individuais
tentar marcar golo. A “fase” defensiva, por sua vez, caracteriza-se por não
ter a posse da bola e através de ações coletivas e individuais tentar
recuperá-la para entrar em fase ofensiva, evitando assim o golo na sua
baliza.
Caso fosse possível relembrarmos todas as declarações que alguma vez
escutamos ou lemos, entre entrevistas, artigos, conferências de imprensa, e
ainda por cima, de nossas próprias reflexões, comprovaríamos que cada vez
mais que se faz referência ao jogo de futebol, mais precisamente as fases
que o compõe (ainda que, neste caso, o mais correto seria afirmar que o
“decompõe”), sempre ficaríamos com a sensação de que ataque e defesa
têm uma existência independente, parecendo que ambos não fazem parte da
mesma realidade (Moreno, 2010).
Esta perspectiva parece obedecer a uma lógica linear ininterrupta que não
equaciona os instantes entre o perder e o recuperar a bola, ou seja, as
“fases” a partir desta ideia, são consideradas como independentes uma da
outra.
Existem treinadores que idealizam uma maneira de defender que não
corresponde, ou não se articula com o modo como pretendem atacar. Por
exemplo, um treinador que queira atacar o adversário com ataque
posicional, circulando a bola pacientemente por todo o campo, tendo como
sustentação um jogo posicional forte, mas em organização defensiva
procura marcar o adversário com marcações individuais e perseguições ao
homem.
O que muitas vezes pode acontecer é que quando recuperam a posse da
bola, possivelmente os jogadores estarão fora das suas posições (porque
perseguiram seus adversários diretos) para atacar da maneira com que o
treinador pretende, o que leva a que a equipa não consiga cumprir com a
ideia de jogo do treinador (quando está com a posse da bola), fruto desta
separação conceptual e contextual do atacar com o defender.
Igualmente, alguns treinadores idealizam e treinam uma maneira de
atacar que não fornece equilíbrio para o instante da perda da posse da bola,
não equaciona o equilíbrio entre o ter e o perder a bola, o que leva a equipa
a ser frágil defensivamente.
Através do portal globoesporte.com, no dia 15 de maio de 2012, é
possível ver uma reportagem concedida ao programa “Globo Esporte”, no
que o referido portal intitulou como: “Emocionado, A8 lamenta o primeiro
semestre do Flamengo”:
Nós temos três grandes jogadores de ataque, que são bons
jogadores, sem dúvidas, que é o Ronaldo, o Vágner e o Deivid. Lá
na frente estamos a marcar golos, mas lá atrás estamos a sofrer
muitos golos. Falta equilíbrio.
Doze dias depois, também no portal desportivo globoesporte.com, era
possível ler uma matéria intitulada como “A9 aponta setor defensivo como
problema do Fla”:
Treinador diz que tem que encontrar solução, mas ainda não sabe o
que fazer. Ele afirma, no entanto, que time está no caminho certo.
Disse que a queda do time em certos momentos talvez seja por conta
do aspeto psicológico e chamou a atenção quando apontou
diretamente o setor defensivo como principal problema da equipa.
Mas o treinador confessa: ainda não sabe o que fazer.
– Acho que vamos acertar, mais um pouquinho de detalhe, de
sentimento. Essa equipa vai melhorar principalmente no setor
defensivo, onde está nosso problema. Estou a debater isso, e vamos
ter que melhorar. O que vamos fazer, eu não sei. Mas tenho que
encontrar uma solução – disse “A”.
Aqui podemos observar como o paradigma cartesiano pode se expressar.
O treinador, apesar de ressaltar à “falta de equilíbrio”, se refere ao aspeto
psicológico, às diferenças individuais e nos diferentes setores, e ainda aos
problemas quando estão a defender, mas nunca realça a relação destes
aspetos com os demais, pois cada elemento é decomposto e analisado
separadamente.
É comum no futebol brasileiro que treinadores culpem seu “sistema
defensivo” por sofrerem golos. Sabemos que muitas vezes podem existir
aspetos a serem corrigidos na maneira como os homens mais recuados da
equipa interagem e se coordenam sem a bola, na articulação deste setor com
o resto da equipa. Porém muitas vezes o facto de sofrerem golos
constantemente pode não ser culpa exclusiva dos defensores, afinal para a
bola chegar até o guarda redes e a última linha, não deverá antes ter passado
por mais 6 ou 7 jogadores, que também têm funções defensivas, embora
sejam homens mais avançados?
Noutros casos, será justo que treinadores culpem o “setor defensivo” por
sofrerem tantos golos, quando suas equipas atacam de forma
desequilibrada, expondo constantemente a contra-ataques os seus jogadores
mais recuados?
Em suma, parte dos profissionais do futebol enxerga o treino e o jogo
com os óculos do cartesianismo. Mark Twain certa vez disse que “para
aqueles que têm apenas um martelo como ferramenta, todos os problemas
parecem pregos”.
Como vimos, alguns treinadores parecem perspectivar a “fase” ofensiva e
a defensiva de maneira estanque, quase que separadas por fendas, ou seja,
parece que o “atacar” e o “defender” tem pouca relação contextual. Isso
implica que tais “fases” do jogo sejam treinadas e entendidas de maneira
separada, e por vezes desconectadas uma da outra, dando espaço para que
as equipas sejam muito desequilibradas.
Na minha opinião, para fornecermos equilibrio à equipa devemos
contemplar e alimentar o jogar como um todo, dando-lhe sentido e
articulação, tal como evidenciarei durante o próximo capítulo.

5 X: Treinador da referida equipa em 2010.


6 Y: Preparador Físico da referida equipa na altura da reportagem.
7 Z: Preparador Físico da referida equipa na altura da reportagem.
8 A: Treinador da referida equipa em 2012.
9 A: idem.
2 A VISÃO SISTÉMICA
“As pessoas só veem o que estão preparadas para ver”
(Ralph Emerson)

Quando um “geocentrista” e um “heliocentrista” contemplavam o


sol, a sua retina estava a ser bombardeada por fotões semelhantes,
... no entanto eles não vêem a mesma coisa! O primeiro vê um
objeto brilhante que roda à volta da Terra, o segundo vê um objeto
brilhante fixo, à volta do qual roda a Terra...
(Frade, 1985, p. 37)

A realidade pré-existe à nossa conceção das coisas. A questão está


em saber se a ideia que dela se tem se lhe ajusta.
(Frade, citado por. Amieiro & Maciel, 2011)

2.1 A equipa de futebol entendida como um sistema


dinâmico, adaptativo e homeodinâmico.
A ordem ou organização de um todo, ou sistema, transcende aquilo
que pode ser oferecido pelo “conjunto” das suas partes quando
estas são consideradas isoladas umas das outras.
(Frade, 1985, p. 31)

De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea, não


ipomtra em qaul odrem as lrteas de uma plravaa etãso, a úncia
csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia lrteas etejasm no lgaur
crteo. O rseto pdoe ser uma bçguana ttaol, que vcoê anida pdoe ler
sem pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos cdaa lrtea isladoa, mas
a plravaa cmoo um tdoo.
(Autor sconhecido)

Embora o paradigma cartesiano ainda exerça influência na nossa


sociedade, será este o melhor caminho para entendermos e agirmos sobre
uma realidade complexa, no nosso caso, o treino e o jogo de futebol?
Segundo Morin (2007) o pensamento simplificador é incapaz de conceber
a conjunção do uno e do múltiplo. Ou ele unifica abstratamente ao anular a
diversidade, ou pelo contrário, justapõe a diversidade sem conceber a
unidade. O autor ainda afirma que conceber as coisas desta maneira, irá
conduzir-nos à “inteligência cega”:
A inteligência cega destrói os conjuntos e as totalidades, isola todos
os seus objetos do seu meio ambiente. Ela não pode conceber o elo
inseparável entre o observador e a coisa observada. As realidades-
chaves são desintegradas. Elas passam por fendas que separam as
disciplinas.
(Morin, 2002 p. 12)

Na perspectiva de Capra (2006), o contexto adquire uma importância


fundamental na compreensão da realidade, sendo que os problemas que nos
envolvem não podem ser entendidos isoladamente, pois são problemas
sistémicos, o que significa que estão interligados e são interdependentes.
Este mesmo autor explica que “sistema”, deriva da palavra grega
synhistanai, que significa “colocar junto”, e diz que entender as coisas
sistemicamente significa, literalmente, “colocá-las dentro de um contexto e
estabelecer a natureza de suas relações”.
Von Bertalanffy (2009, p. 84) define um sistema como “um complexo de
elementos em interação”, algo que é corroborado por Morin (2007, p. 20),
quando refere que um sistema “não é uma unidade elementar discreta, mas
uma unidade complexa, um «todo» que não se reduz à soma de suas partes
constitutivas”, pelo contrário, é constituído por suas relações.
Olhemos para a composição do açúcar: quando os átomos de
carbono, de oxigénio e de hidrogénio se unem e formam o açúcar, o
composto que daí resulta (o açúcar) emerge como uma substância
doce. Contudo, separadamente, nenhum dos elementos que o
compõe é doce.
(Lourenço, 2010, p. 45)

Imaginemos um bolo que se assume na totalidade constituída por


vários ingredientes como o açúcar, ovos, entre outros. Contudo, o
bolo é algo diferente dos seus ingredientes que deixam de ser partes
isoladas para se assumirem numa totalidade com os demais e
adquirir uma nova expressão. Assim, as partes do bolo não são o
açúcar ou os ovos, mas as fatias e as migalhas do próprio bolo e
por isso, se queremos conhecer a totalidade através das suas partes
não podemos procurar nos ingredientes, porque estes
contextualizam-se nas relações que estabelecem com os demais
para ganhar uma forma própria. Assume-se por isso num objeto
coletivo cujas partes têm de ser perspectivadas à luz do mesmo.
(Gomes, 2008, p. 21)

É sabido que a água (H2O) é um meio essencial para apagar o


fogo, no entanto, se separarmos as suas componentes, hidrogénio e
oxigénio, qualquer uma destas ao invés de apagar o fogo,
incandesce-o ainda mais.
(Popper, citado por. Leitão, 2009, p. 57)

“Não podemos desmontar um piano para ver o som que ele produz”, já
diziam O’Connor & McDermott, ambos citados por Moreno (2010).
É por isso que Von Bertallanfy (2009) faz questão de sublinhar que para
compreender as características de um sistema, dentre outras coisas,
“devemos por conseguinte conhecer não somente as partes mas também as
relações”. O referido autor ainda acrescenta que qualquer mudança ou troca
em uma das partes, influenciará o comportamento das restantes.
Por falta de um prego perdeu-se uma ferradura,
Por falta de uma ferradura perdeu-se um cavalo,
Por falta de um cavalo perdeu-se um cavaleiro,
Por falta de um cavaleiro, perdeu-se uma batalha,
Por falta da batalha, perdeu-se o reino!
(Provérbio Popular, citado por. Gaiteiro, 2006, p. 33–34)

Fazendo uma ponte com este provérbio, Frade no distante ano de 1985
menciona que se um dos componentes de um sistema é incapaz de interagir
corretamente com os outros, não desempenhando sua função específica,
como deve desempenhar, o sistema todo é afetado. “Todas as partes têm um
papel a desempenhar. Mesmo alterar apenas um dos elementos pode, às
vezes, ter consequências completamente inesperadas”.
O mesmo poderá acontecer em uma equipa de futebol, ao retirarmos um
jogador da sua posição natural (extremo esquerdo, por exemplo), onde o
mesmo maximiza as suas potencialidades – não só pelas suas qualidades
intrínsecas, mas também pela sua relação com os outros jogadores (lateral
esquerdo, pivot, avançados, etc.) – e colocá-lo numa outra posição (médio
ofensivo, por exemplo), em que as exigências táticas são diferentes, bem
como as relações e interações que este referido jogador passará a ter com os
demais jogadores da equipa.
Ainda que esse deslocamento posicional seja mínimo, ele influenciará na
manifestação do jogar10 da equipa, provocando consequências que podem
prejudicá-la (ou beneficiá-la). Logicamente que as relações desconexas
podem refletir-se de formas diversas, que não necessariamente na troca ou
deslocamento de jogadores.
Imaginemos que a ideia de jogo do treinador passa por organizar sua
equipa para defender com quase todos os jogadores atrás da linha da bola,
com exceção do ponta de lança. Nesta situação hipotética, um extremo que
em organização defensiva permanece à frente, ao invés de fechar
determinados espaços com o restante dos companheiros, a formar um bloco
coeso e compacto, em virtude do seu desempenho, ainda que seja apenas
um elemento no meio de onze, poderá hipotecar a organização defensiva da
equipa, ao abrir espaços consideráveis nas suas zonas de (inter)ação.
Do mesmo modo que um treinador pode querer que seu extremo
permaneça um pouco à frente do bloco defensivo para potenciar as suas
características em contra-ataques, e ele não permanecendo poderá fazer
com que os contra-ataques não tenham o efeito esperado. Por isso é
fundamental que a funcionalidade de um jogador ou setor seja coerente com
o que se deseja, com o sentido que se pretende dar ao coletivo.
Romário só tinha uma tarefa defensiva: que o guarda-redes tivesse
de lançar a bola do lugar onde a tinha agarrado. Ele tinha de
pressionar o guarda-redes de forma a permitir que a defesa
avançasse dez metros. Se estivesse a dormir, a lamentar-se ou a
queixar-se do árbitro e perdesse a concentração, permitia que o
guarda-redes subisse até o limite da grande área e toda a equipa
tinha de recuar. Se, por outro lado, ele estivesse concentrado e
pressionasse o guarda-redes, isso permitia que a equipa ganhasse
um espaço importantíssimo, na medida em que o espaço se reduzia
e as linhas se voltavam a juntar.
(Cruyff, 2002 citado por. Amieiro, 2007)

Do mesmo modo que um único elemento poderá influenciar radicalmente


o “todo”, a recíproca é verdadeira. A este respeito, Mourinho (1999 citado
por. Amieiro, 2007, p. 39) referindo-se à ideia de jogo de Van Gaal, salienta
a importância do triângulo do meio campo na organização coletiva da
equipa, indicando alguns dos referenciais relativos à organização ofensiva:
Pretendendo tornar o campo grande numa primeira fase de
construção, “queremos os laterais abertos e em profundidade, os
dois centrais mais ou menos na direção das paralelas da área e o
mais perto possível da nossa baliza, extremos abertos e o mais
profundo possível, ponta de lança em ponta realmente e tentando
arrastar a defensiva adversária, o mais longe possível para criar o
maior espaço possível para aqueles que são os nossos jogadores
mais criativos, o triângulo do meio campo”. Numa segunda fase,
explica, os extremos “podem partir dessa posição de campo grande
e dessa posição exterior indo à procura de posições interiores que
são as posições que nós chamamos «entre as linhas».”
Mourinho (1999a) salienta ainda que, se a equipa não conseguisse
fazer esse «campo grande», a criação de espaços era completamente
impossível de fazer e estaria a limitar muitíssimo os espaços entre
linhas, espaços onde tanto o triângulo do meio campo como os dois
extremos eram realmente fortíssimos.
Caso a equipa como um todo (segundo José Mourinho), na sua dinâmica
coletiva não conseguisse fazer o “campo ficar grande”–através da abertura
posicional de alguns jogadores, em largura e profundidade (aliado à
existência de apoios próximos da bola e de uma velocidade adequada nos
passes)– isso tendencialmente faria com que alguns talentos individuais não
se manifestassem na sua plenitude.
Portanto, não podemos desconsiderar o impacto que as interações, as
inter-relações têm no seio de uma equipa e na expressão de um jogar, em
todos os seus níveis – macro, meso, micro.
Como vimos, o todo está na parte, que está no todo. Não há como
dissociar, uma vez que tudo está interligado e tudo é interdependente.
Sem equipa
nenhum jogador cresce,
mas só boa equipa fica
se ser bom jogador acontece.
(Vítor Frade, 2014a)

Bertrand & Guillemet (1994) para além de apontarem um sistema como


um todo dinâmico constituído por elementos que se relacionam e interagem
entre si e com o meio envolvente, são contundentes ao afirmarem que os
sistemas revelam um conjunto de pressupostos que os caracterizam, que
são: abertura, complexidade, finalidade, tratamento, totalidade, organização,
fluxo e equilíbrio.
De acordo com estes autores um sistema é considerado aberto quando
promove trocas permanentes com o seu meio envolvente, contrariamente ao
sistema fechado, que não permite trocas com o meio envolvente; A
complexidade de um sistema pode ser definida como um conjunto de
interações que um sistema pode promover entre os seus elementos e entre
estes e o envolvimento.
O conceito de finalidade diz-nos que os diferentes elementos de um
sistema interagem em função de um objetivo; por sua vez, o tratamento é a
relação dinâmica que o sistema tem com o seu meio, promovendo trocas
entre ambos; já a totalidade significa que um sistema é mais do que a soma
das suas partes (sinergia), e isso também implica que os sistemas tenham as
suas próprias propriedades, que em virtude das interações, são diferentes
das dos seus componentes vistos de maneira isolada.
No que se refere à organização, pode-se dizer que um sistema é um todo
organizado quando ele é mais do que a soma de suas partes. Por sua vez, o
todo desorganizado é menos do que a soma das suas partes, enquanto que o
todo neutro é igual à soma das suas partes; o fluxo de um sistema significa a
quantidade de interações entre os elementos do sistema e entre o sistema e o
meio envolvente. Finalmente, o equilíbrio ou homeostasia pode ser definido
como a tentativa de manter as relações e as interações estáveis.
Moriello (2003) acrescenta que os sistemas podem ser assinalados por
serem dinâmicos ou estáticos, conforme vão modificando ou não o seu
estado interno ao longo do tempo, e revela-nos que há um sistema em
particular, que apesar de estar imerso num contexto passível de mudanças, é
capaz de manter o seu estado interno. A este tipo de sistema o autor define
de “homeostático” e sublinha que a homeostase expressa a tendência de um
sistema no que se refere à sua sobrevivência dinâmica, seguindo as
transformações do contexto através de ajustes estruturais internos. Dada
esta característica dinâmica, acreditamos que, tal como o professor Vítor
Frade sugere, homeodinâmico, ao invés de homeostático, seria a palavra
que melhor expressa essa noção.
Moriello (2003) ainda acrescenta que sistemas que reagem e se adaptam
ao seu entorno, podem ser considerados como sistemas “adaptativos”.
Portanto, parece coerente considerar que uma equipa de futebol deva ser
entendida como um sistema dinâmico, adaptativo e homeodinâmico11.
As equipas são formadas por subsistemas (jogadores), que interagem
entre si com objetivos e finalidades definidas e compartilhadas (um jogar
determinado, obtenção de vitórias, etc.) – que acabam por influenciar e
guiar as suas intencionalidades e interações, criando um meio aberto,
complexo e dinâmico em que as características coletivas que uma equipa
evidencia são diferentes do somatório das características e capacidades dos
diferentes jogadores que a compõe.
Como atuam num contexto em que se estabelecem relações de
dependência e interdependência (macro-micro), como é o jogo de futebol,
devemos considerar as equipas como sistemas (des)hierarquizados12 e
especializados.
Ainda é importante acrescentar que dito sistema está envolto por um
meio ambiente que lhe é característico e que pode moldar as suas interações
e os seus comportamentos, direcionando-as para um determinado caminho.
Moriello (2003) sublinha que o meio ambiente afetará tanto o
funcionamento, bem como o rendimento de um sistema (neste caso, uma
equipa). A este respeito, Pivetti (2012), salienta que um sistema tem uma
relação de reciprocidade com o envolvimento, ou seja, tanto ele influencia o
envolvimento, como também ocorre o inverso, e acrescenta que apesar de
tal propriedade, existem evidências de que um determinado sistema
complexo tem um relativo nível de autonomia em relação ao seu
envolvimento, já que pode exercer influência sobre ele.
A seleção holandesa de 1974, que apresentou um desempenho
espetacular com a sua maneira de jogar (o totaalvoetbal – “futebol total”),
conseguiu modificar em parte o modo como se joga futebol, tendo como
base uma interpretação inovadora no que diz respeito à gestão, ocupação e
manipulação dos espaços e do tempo de jogo, tanto para atacar como para
defender. Ideias como o pressing, em “organização defensiva”, utilização
regular de bloco alto, linhas próximas e muita agressividade na pressão ao
portador da bola, utilização da regra do fora de jogo de maneira constante;
trocas posicionais exacerbadas, com estruturas muito móveis em
“organização ofensiva”; rápida reação após a perda da posse bola,
encurtamento de espaços em profundidade, com forte pressão coletiva ao
portador da bola, etc., coisas que naquela altura nenhuma equipa ainda
havia feito com regularidade. Trata-se de um sistema que influenciou as
tendências gerais do futebol, ou seja, um sistema “hierarquicamente” acima.
Outro exemplo temos na importância do A.C Milan de Arrigo Sacchi,
que introduziu o que hoje conhecemos como “zona pressionante”.
A equipa do F.C Barcelona, de Pep Guardiola (2008 – 2012), com a sua
maneira de jogar, conseguiu não apenas desmistificar, mas também
influenciar outras equipas a jogarem sem ponta de lança fixo, algo que há
décadas não era utilizado com frequência e que, de acordo com o próprio
interveniente, Lionel Messi (em entrevista para o diário Marca, em 2012),
foi fruto do estilo de jogo da sua equipa, isto é, de um sistema complexo e
que invariavelmente conseguiu influenciar o sistema macro (futebol):
“Não é possível dizer que a posição de “falso 9” foi criada por minha
causa, mas fruto de um estilo de jogo determinado. Eu tento desempenhar o
melhor possível”.
Conforme palavras do próprio Guardiola, em uma conferência realizada
na Argentina em 2013, ele considerou que seria produtivo introduzir Messi
na posição de 9 (com grande liberdade de movimentos) porque isso geraria
novas interações, e, portanto, novos problemas aos adversários, problemas
que os adversários não estavam habituados, e, portanto, teriam muitas
dificuldades em lidar com eles, em geri-los e neutraliza-los. Para além
disso, esta alteração posicional e funcional geraria condições para que as
qualidades do jogador fossem maximizadas.
Assim, dita introdução, potenciando novas interações emergentes,
significou um ganho de complexidade ao jogo e ao jogar, uma
“complexificação” da complexidade.
Para mim, uma equipa de futebol (sistema) poderá sofrer influência e ter
os seus desempenhos maximizados quando evidenciar organização. Creio
que uma equipa que manifesta qualidade ao nível da organização,
representa algo muito maior que a simples soma de cada jogador que a
compõe (não raras vezes observamos equipas que têm excelentes plantéis,
com jogadores de grande “nível técnico” em que o todo é menor que a soma
das partes, uma vez que acabam por não evidenciar grande organização e
por consequência seus desempenhos acabam por ser de nível inferior ao
potencial que de facto possuem).
Trata-se de algo novo, que emerge, como vimos, pela interação dos seus
elementos constituintes (os jogadores), que por sua vez, são (ou deveriam
ser) guiados por referenciais comuns – finalidade/intencionalidade
(princípios de jogo), de modo a conferir à equipa uma identidade e
organização.
Convém lembrar que o grau e a riqueza da organização que uma equipa
evidencia passa dentre outras coisas, pela ideia e da operacionalização da
mesma por parte do treinador.
A este respeito, Sousa (2009, p. 20) brilhantemente coloca que qualquer
equipa “para se apresentar como um sistema, tem necessariamente que
apresentar organização, caso contrário estaremos na presença de um
“conjunto” de jogadores”, com o atenuante de estarem perdidos, sem um
norte, um referencial comum, que os guia e os auxilia a agir e a interagir
durante um jogo de futebol.
Esta perspectiva não é transportada somente aos elementos (jogadores)
que compõe uma equipa de futebol, mas é extensível a todos os níveis dessa
equipa (sistema), ou seja, a todos os seus subsistemas.
Imaginemos uma equipa técnica composta por um treinador principal e
dois treinadores adjuntos. Nesta equipa técnica, o treinador principal quase
sempre toma as decisões sozinho, sem perguntar a opinião dos seus
treinadores adjuntos; também planifica as sessões de treino de maneira
separada dos adjuntos, apenas lhes transmitindo o que será feito, sem dar
espaço para que haja uma maior parcela de contribuição de seus
colaboradores, como por exemplo sintonizar com as finalidades do processo
e das propostas de propensão (“exercitação”), dentre outras coisas.
Deste modo, a interação provocada pelos agentes (treinadores) deste
subsistema (equipa técnica) do sistema maior (equipa), com o treinador
principal (que à partida, é o líder de todo o processo) claramente deixando
os adjuntos praticamente à margem do processo –as capacidades dos
mesmos estariam inibidas ou virtualizadas, ou seja, não estariam a ser
potencializadas na sua plenitude. Assim, o todo poderá ser menor do que a
soma de suas partes.
Por sua vez, noutro modelo hipotético, estes dois treinadores adjuntos
citados anteriormente, formam uma equipa técnica, onde, desta vez, um
permanece de adjunto e o outro torna-se treinador principal. Neste trabalho,
os dois trabalham de maneira conjunta, expondo e discutindo as suas
opiniões, chegando a maioria das vezes a um consenso, no que se refere aos
mais variados assuntos da equipa e a sua envolvência.
Deste modo, o facto destes agentes estarem a interatuar de maneira
intensa e coordenada, à partida, conseguem exprimir e potencializar todas
as suas capacidades, fazendo assim o todo ser maior do que a simples soma
das partes. Inclusivamente, mesmo com apenas dois agentes, poderá ser
maior que o exemplo dado anteriormente com três, dado que a noção de
sistema está intimamente relacionada com as potencialidades emergentes
das interações entre seus elementos e o meio envolvente. Neste caso, trata-
se da qualidade em vez da quantidade, algo que para Capra (2006) é
“característico do pensamento sistémico em geral”.
No que diz respeito às potencialidades emergentes das interações entre os
seus elementos e o meio envolvente, Moreno (2010) comenta sobre as
interações de Messi envolvido em dois contextos completamente diferentes
(FC Barcelona e seleção argentina).
Conta este autor, que em 2009 quando Maradona assumiu o comando da
seleção argentina, este informava que um dos seus maiores planos era o de
aproveitar toda a qualidade de Messi e sua capacidade para fazer a
diferença, do mesmo modo com o que o mesmo fazia no seu clube, o FC
Barcelona. Maradona queria que o referido jogador tivesse o mesmo
rendimento, que o levou a ser o melhor jogador do mundo pelo seu clube,
na seleção do seu país. Inclusivamente cogitou mantê-lo na mesma posição
e função que ocupava na equipa catalã.
Entretanto o padrão de organização evidenciado pela Argentina de
Maradona, condicionado pela sua ideia de jogo, pelo modo como a
operacionalizava, como a transmitia, e pelos jogadores que tinha à
disposição (Mascherano, Gago, Agüero, etc.) em nada se assemelhava aos
padrões organizativos do FC Barcelona, que emergiam condicionados por
uma série de coisas, como pela ideia de jogo do treinador Pep Guardiola,
pela forma como a transmitia e a operacionalizava, pelos jogadores
disponíveis (Xavi, Iniesta, Piqué, Eto’o, Henry), etc.
Se, por um lado, estamos diante de uma equipa (FC Barcelona) que
através do seu Modelo de Jogo13 consegue exponenciar e potenciar as
capacidades de Messi, parece evidente que tal rendimento será afetado (para
o bem ou para o mal) quando este mesmo jogador for inserido em outro
contexto, em outro meio ambiente, a interagir e a articular-se com outros
agentes, mesmo sendo este um dos melhores jogadores de todos os tempos.
Para Moreno (2010), preocupa o facto de que para muitos treinadores e
“especialistas” de futebol, o contexto onde um jogador alguma vez
expressou determinadas capacidades não seja um critério tão relevante para
definir e compreender o seu rendimento, e acrescenta que as circunstâncias
originadas pela organização geral coletiva de um jogar – esta criada pelas
características e interações dos diferentes companheiros de equipa, é,
muitas vezes, negligenciada dos processos de análise de desempenho.
Parece haver um consenso que se um jogador possuiu um determinado
rendimento em uma determinada estrutura, poderá reproduzir o mesmo
desempenho noutra, ainda que se modifiquem as circunstâncias e os
jogadores com os quais este futebolista passará a interagir. Tal modo de
conceber a realidade claramente distancia-se do pensamento sistémico e
complexo, uma vez que “o sistema só pode ser compreendido se nele
incluímos o meio ambiente, que lhe é ao mesmo tempo íntimo e estranho e o
integra sendo ao mesmo tempo exterior a ele” (Morin, 2007, p. 22).
Cervera (2010) fala sobre a trajetória de Gerard Piqué, e levanta uma
questão: porque um central que quase nunca jogou pelo Manchester United,
de repente (após acertar sua transferência para o FC Barcelona) torna-se
num dos melhores centrais da Europa?
Porque encontrou uma equipa na qual foi possível expressar todas as suas
virtudes, como capacidade para sair a jogar com qualidade desde trás,
passando a bola para seus companheiros quase sempre em ótimas
condições, possibilidade de conduzir a bola para atrair marcadores e abrir
espaços para os seus companheiros, criando superioridades e superando
linhas, dentre outras inúmeras coisas. Tudo isso numa equipa com elevadas
médias de percentagens de posse de bola por jogo.
A respeito de Messi, Carles Rexach (2012), antigo jogador e treinador do
Barça confidenciou ao portal eletrónico A Bola que Messi teria sido um
grande jogador em qualquer lugar, mas teve a sorte de “cair” no Barça, que
joga um futebol que lhe encaixa perfeitamente. “Noutra equipa, em vez de
tocar 60 vezes na bola tocava 15, faria uma ou outra jogada genial, mas
não seria tão decisivo como é aqui”.
Para muitos, é estranho alguns jogadores “darem-se” num
determinado clube e não se “darem” num outro. Embora seja um
pouco abusiva esta extrapolação, porque os motivos podem ser
variados, há alguns que me parecem óbvios.
Imaginem um determinado defesa num processo defensivo bem
consolidado pelo seu treinador: defesa alinhada com os apoios
permanentemente e corretamente orientados; jogadores em
comportamento zonal pressionante a guardar distâncias iguais
entre si; todos a depender de todos; a saberem quando fazer
encurtamentos aos avançados e respectivas coberturas;
a saberem retirar profundidade e subir as linhas quando os sinais
no jogo assim o indicam; em posse fazem “campo grande”, etc. Um
defesa que domine todos estes aspetos preconizados pelo treinador
esconde alguns dos seus potenciais defeitos e faz valorizar as suas
virtudes, porque a equipa funciona como um todo e com
interdependência. No fundo, podemos dizer que fica mais jogador.
Este mesmo defesa vai para outro clube e confronta-se com ideias
diversas de um outro treinador: mais preocupado com marcações
aos avançados; com perseguições individuais; sem grandes
referências coletivas, etc. Este jogador pode inclusivamente
reforçar ali suas qualidades, mas, por certo, exporá claramente
seus defeitos. Vai parecer aos olhos das pessoas outro jogador,
certamente.
(Carvalhal, 2014, p. 96-97)

Desta maneira cubro de razão Marina (2004 citado por. Moreno, 2010)
quando este nos alerta para que “não esqueçamos de que cada um de nós
somos o que somos dentro de um conjunto de relações em que estamos
incluídos”. Nesta direção, Gomes (2013) expõe a necessidade de
reconhecermos que o futebol é um jogo coletivo constituído por
individualidades que se relacionam e fazem emergir uma dinâmica num
todo funcional, onde o treinador modela seres humanos em interação, seja
entre eles, seja com o ambiente que os envolve.
Nesta direção, acredito firmemente que a modelação sistémica é a melhor
e mais vantajosa maneira para encarar um fenómeno complexo como o jogo
e o treino de futebol.
Portanto, fica explícita a necessidade de respeitarmos a todo o momento a
integração de cada parte com seu contexto específico, sendo que essa
articulação deve ser sobredeterminada pela finalidade ou intencionalidade
do todo (o jogar da equipa, a supra dimensão Tática).

2.2 O jogo de futebol constituído por momentos de jogo


Conforme evidenciei até agora, tradicionalmente o jogo de futebol é
dividido em duas fases bem definidas: defesa e ataque. Entretanto discordo
desta perspectiva, uma vez que, com a bola em movimento, o jogo permite
a identificação de pelo menos quatro “momentos” (organização ofensiva,
transição ataque–defesa, organização defensiva e transição defesa–
ataque)14.
Conforme disse no capítulo anterior, o conceito de “fases” apresenta uma
característica sequencial e uma lógica linear e ininterrupta. Considerando
que o jogo, com a bola em movimento, evidencia quatro15 momentos, e que
a categorização destes deve obedecer a uma lógica não linear, estes deixam
de acontecer sequencialmente, a sua ordem de acontecimento não é linear,
portanto há um pouco mais de sentido em perspectivar o jogo, visando a
treinabilidade da ideia de jogo, a partir de momentos e não de fases. Repito:
sobretudo a nível didático.
Os quatro momentos do jogo de futebol com a bola em movimento

Deste modo, os quatro momentos do jogo, com a bola em movimento,


podem ser caracterizados assim:

Organização Ofensiva: instantes caracterizados pelas interações


que a equipa assume quando tem efetivamente a posse da bola,
fazendo a gestão da mesma de modo a preparar situações para
marcar golo.
Transição Ataque–Defesa: instantes em que se produz a perda da
bola. Pode ser caracterizado pelas interações assumidas durante os
instantes em que a perda da posse da bola acontece; e também
durante os instantes que a antecederam, isto é, a contemplação
posicional e mental por parte da equipa para uma eventual perda,
equacionando-a e antecipando-a, ainda que se esteja com a posse
da bola.
Organização Defensiva: instantes caracterizados pelas interações
assumidas pela equipa quando efetivamente não tem a posse da
bola, com o objetivo de se organizar de forma a recuperar a bola,
impedindo que a equipa adversária prepare situações para marcar
golo;
Transição Defesa–Ataque: instantes em que se produz a
recuperação da bola. Pode ser caracterizado pelas interações
assumidas durante os instantes em que a recuperação da bola
acontece; e também durante os instantes que a antecederam, isto é,
a contemplação posicional e mental por parte da equipa para uma
eventual recuperação, equacionando-a e antecipando-a, ainda que
se esteja sem a posse da bola.

Todos estes momentos estão ligados uns aos outros, fazendo parte de um
todo, não podendo ser perspectivados de maneira estanque. Embora sejam
passíveis de padronização, os momentos do jogo são interdependentes e
estão relacionados entre si, não devendo o ataque ser separado da defesa,
nem das transições, pois além de constituírem um todo, condicionam-se
reciprocamente.
Pelo facto da defesa e do ataque estarem intimamente relacionados é um
erro perspectivar a organização defensiva e ofensiva sem uma “articulação
de sentido” (Amieiro, 2007). Nesse sentido, importa discutir a importância
dos momentos de transição e, nessa medida, do equilíbrio da equipa no
jogo, tendo por base a tal “articulação de sentido” entre as várias dimensões
do jogar desejado, bem como o modo como este se expressa e como se
articulam os diferentes instantes que dão corpo aos momentos de jogo.
Conforme disse, as transições podem ser consideradas como os instantes
que antecedem e dão corpo para que efetivamente a perda e recuperação da
bola (transição ataque-defesa e defesa-ataque, respectivamente) aconteça, e
que embora sejam instantes muito rápidos, afiguram-se como fundamentais
para a sustentação de um equilíbrio e fluidez no jogar de uma equipa.
Ao que parece, a terminologia “momentos de jogo” foi batizada pelo
famoso treinador holandês Rinus Michels, treinador da “laranja mecânica”,
que não perspectivava o jogo em função da equipa ter a bola ou não tê-la,
mas sim da mesma estar organizada ou não. Este treinador, a partir desta
análise começou a perceber que havia momentos do jogo em que a equipa
estava mais organizada –nomeadamente nos momentos em que a equipa
tinha a bola em seu poder e quando não a tinha, e que em outros momentos
revelava um maior desequilíbrio– nomeadamente na passagem do momento
ofensivo para o defensivo, e vice-versa.
Para facilitar o entendimento dos seus jogadores, uma melhor
operacionalização destes momentos do jogo em treino, e tentar organizar
estes momentos que identificava como desorganizados, Michels criou a
terminologia “transições” (ataque-defesa e defesa-ataque).
De salientar que embora a nomenclatura “transições” possa ter surgido a
partir destas observações de Michels, é fundamental compreender que as
transições não devem ser vistas como algo anárquico e/ou desorganizado,
pelo contrário, na minha opinião, os instantes de transição deverão ser
padronizáveis e revelar coerência, intencional e de concretização com o que
lhes antecede e sucede.
Mesmo que o reconhecimento da existência dos quatro momentos com a
bola em movimento seja importante, reduzirmos a análise e o entendimento
do jogo à divisão de momentos seria igualmente redutor e linear, tal como
ocorre com as fases.
O professor Frade inclusivamente, atualmente sugere outra designação
para estes conceitos, em função da necessidade de operacionalização.
Segundo o professor parece ser mais ajustado o conceito ou a noção de
defender, recuperar, gerir e definir, ou seja, se deve defender com o intuito
de recuperar a bola. Uma vez que a recuperamos, devemos saber como gerir
esta posse de bola de maneira a criar condições para definir, para marcar
golo.
O jogo de futebol é fluído, interligado e inquebrantável

Tal como irei evidenciar no próximo ponto ao entendermos o jogo sob


uma perspectiva sistémica tudo está tão interligado que inclusive esta
divisão é difícil de ser feita, embora a nível didático possivelmente se faça
necessário.
2.2.1 O “refutar” da dualidade cartesiana (defesa e ataque): O Jogo como
um continuum, uma inteireza inquebrantável
Só um entendimento do Jogo pelo “Todo” aceita uma abordagem
que não retira ao jogar a sua natureza, ou seja, a sua “inteireza
inquebrantável”.
(Carvalhal, 2007)

Esteja ciente de que, durante o processo de ataque, estou gerando


as futuras condições defensivas e vice-versa.
(Fernandéz, 2012)

Não consigo dizer se o mais importante é defender bem ou atacar


bem, porque não consigo dissociar esses dois momentos. Acho que
a equipa é um todo e o seu funcionamento é feito num todo também.
(Mourinho, citado por. Amieiro, 2007)

Ataque e defesa
é uma coisa unida
separá-los é tristeza
leva a equipa a estar perdida
(Frade, 2014a, p. 53)

Como já adiantei, embora se reconheça que os momentos do jogo possam


ser claramente padronizados e “diferenciados” uns dos outros, deve-se
entender o Jogo (e o jogar) como um fluxo contínuo, um continuum, e não
como algo faseado e, nessa medida, compartimentado.
Moreno (2010), apoia-se no pensamento sistémico ao sugerir que os
momentos do jogo devem ser encarados como sub-sistemas que compõem o
sistema superior, neste caso o jogo de futebol, e que portanto estão todos
relacionados uns com os outros, não podendo ser separados desta
totalidade, pois a fragmentação das partes de um sistema não implica
somente a separação delas, mas também a anulação das suas propriedades
emergentes (Tamarit, 2007).
Nesse sentido o professor Frade é categórico ao considerar o jogo uma
inteireza inquebrantável16, algo que é reforçado pelo treinador português
Carlos Carvalhal, quando o mesmo sublinha que só um entendimento do
Jogo pelo todo aceita uma abordagem que não retira ao jogar a sua
natureza, ou seja, a sua inteireza inquebrantável.
Estas declarações fazem-nos lembrar o que Maciel (2011a), tendo em
conta a obra de Capra (2005), designou como ponto de mutação. Parece que
já alguns treinadores começam a perspectivar o jogo de uma maneira
diferente da lógica cartesiana.
Vejamos o que um dos treinadores mais vencedores da história do
futebol, José Mourinho, respondeu quando perguntado sobre a importância
de sustentar defensivamente a forma tão ofensiva de jogar da sua equipa,
naquela altura o FC Porto:
Claro. Mas é tão importante defensiva como ofensivamente! Não
consigo dissociar as coisas! Não consigo fazer essa dissociação. O
jogo é preparado de uma forma equilibrada e o treino é também
feito nesse sentido. Não consigo dizer se o mais importante é
defender bem ou atacar bem, porque não consigo dissociar esses
dois momentos. Acho que a equipa é um todo e o seu funcionamento
é feito num todo também. Penso que, quando se possui a bola,
também tem que se pensar defensivamente o jogo, da mesma forma
que, quando se está sem ela e se está numa situação defensiva,
também tem que estar a pensar o jogo de uma forma ofensiva e a
preparar o momento em que se recupera a posse de bola. Portanto,
penso que tudo isto está demasiado interligado para eu conseguir
fazer essa separação.
(Mourinho, citado por. Amieiro, 2007, p. 131-132)

Rui Quinta, bicampeão português, como treinador adjunto do FC Porto,


parece ser outro profissional que não encara os momentos do jogo de forma
cartesiana, faseada e estanque, conforme o mesmo dá a entender:
Para mim, é complicado estar a falar da fase de defesa e da fase de
ataque separadamente, porque eu acho que o jogo nunca nos
permite estarmos apenas numa ou noutra fase. Ou seja, as equipas
que estão num processo e, depois deste, vão para outro processo,
são equipas que, na minha perspectiva, terão muita dificuldade em
apresentar uma elevada qualidade de jogo. Para mim, as equipas
com mais qualidade são as que conseguem estar permanentemente
a visualizar os dois processos, porque eles estão interligados. Eu
defendo para poder atacar e ataco para marcar golos, mas quando
perco a bola devo estar preparado para imediatamente a tentar
recuperar. Ou seja, existe uma relação permanente, não são dois
momentos estanques, são situações relacionadas. E se eu recuperar
a bola numa zona ataco de uma maneira, se a recuperar noutra,
ataco de outra forma.
(Quinta, citado por. Amieiro, 2007, p. 132)

Lillo (citado por. Cervera, 2010) concorda com os treinadores recém-


citados, quando explana que o jogo é uma unidade indivisível e que não há
momento defensivo sem o momento ofensivo, e vice-versa, uma vez que
ambos constituem uma “unidade funcional”.
Isso reforça com o que quero dizer com inteireza inquebrantável do Jogo,
enquanto articulação dos diferentes instantes. Para além disso, temos a
inteireza do jogar que tem a ver com o Sentido que se dá ao modo como se
vivenciam os diferentes instantes do jogo. Trata-se de uma articulação de
sentido necessária e subjacente à ideia de jogo.
Existe também a necessidade de se atender à inteireza relativa às escalas
da equipa, ou seja, a relação ou articulação de sentido entre os diferentes
jogadores e setores para a lógica de funcionalidade e fluidez da equipa.
A análise que comumente se faz sobre a capacidade do Barcelona
conseguir roubar a bola imediatamente após a perder: a clássica
visão cartesiana apenas fixaria seus olhares no momento, quase que
numa fotografia, e tenderia a enaltecer os grandes esforços de
recuperação, ignorando o fundamental: o jogo, o “continuum”. O
Barça quase sempre consegue roubar a bola após perdê-la, quando
antes deu um grande número de (bons) passes que possibilitaram
que a equipa e jogadores fossem juntos para o campo contrário,
dominando o adversário.
(Caneda, 2012 citado por. Fernandéz, 2012)

Ou seja, a contemplação do jogo e do jogar enquanto uma inteireza


inquebrantável é o que possibilita o seu entendimento inteiro.
Moreno (2010, p. 84) assevera que o ataque, a defesa e as transições
evidenciam uma interdependência tão grande, que é possível afirmar: “Diz-
me como atacas e eu te direi como defendes, ou vice-versa, diz-me como
defendes e mostrarás tuas possibilidades para atacar”; teoria esta,
reforçada por Tadeia, quando perguntado se a forma como defendemos
deve estar permanentemente relacionada com a forma como atacamos:
Aquilo que me parece é que tem que estar tudo integrado. Veja-se o
exemplo do Porto do ano passado: não me lembro de ver uma
equipa portuguesa a jogar tão bem quanto o Porto de Mourinho e
precisamente porque baseava o seu futebol num conceito integrado.
A forma como a equipa defendia estava diretamente relacionada
com a forma como a equipa atacava, porque existia uma série de
princípios que eram inalienáveis e que partiam uns dos outros. Por
exemplo, a defesa alta e o pressing alto parecem-me estar
relacionados com a forma como o Porto gosta de atacar. O facto de
a linha defensiva estar subida no terreno e de a equipa estar
próxima está relacionado com uma maior facilidade de circulação
de bola.
(Tadeia, citado por. Amieiro, 2007, p. 132 – 133)

Por isso, existe a necessidade de articular os momentos do jogo e


conferir-lhes um sentido, sob pena de a organização da equipa ser posta em
cheque.
Tentarei clarificar estas ideias através de um exemplo: imaginemos uma
equipa que em organização ofensiva (por assim dizer) aspire ter níveis
elevados de posse de bola, buscando circulá-la por todo o terreno, de modo
a criar desequilíbrios no adversário, identificando-os e aproveitando-os para
marcar golos.
Para o treinador desta equipa, um bom jogo posicional é condição sine
qua non para que se tenha a bola com regularidade, e para que isso seja
possível os jogadores devem estar muito bem posicionados já em
organização defensiva (uma alternativa pode ser a marcação zonal, que na
opinião de Amieiro é a forma de defender que mais se ajusta a alguns
propósitos, dentre eles à intenção de atacar o adversário dominantemente
através da posse e do bom jogo posicional), para que quando se retome a
posse da bola, os futebolistas já estejam próximos dos lugares em que
devem estar para circular a bola o mais rápido possível, ou mesmo
realizarem um contra-ataque com eficácia.
Contudo, se o treinador desta referida equipa balizar sua organização
defensiva em marcações individuais, quando esta equipa recuperar a posse
da bola, provavelmente não estará preparada para atacar do modo
pretendido, pois se o “atacar” com qualidade (tendo como base esta ideia de
jogo hipotética) depende, dentre outras coisas, de um bom jogo posicional,
este será colocado em cheque, pois como as referências de marcação, neste
caso, são individuais, os jogadores muito possivelmente serão arrastados
para longe de sua posição original, pois perseguiram seus adversários a
lugares de interesse dos mesmos, e, isso poderá comprometer severamente
não só o sucesso durante os instantes que sucedem a recuperação da bola,
bem como na organização ofensiva, dado que vários jogadores estariam
“fora de posição” para atacar, no momento da recuperação da bola.
Ou seja, há aqui claramente um conflito de ideias. Quero com isto
evidenciar que a forma como se defende deve ser perspectivada em função
do modo como se deseja atacar. “Deve-se organizar defensivamente a
equipa com o propósito de atacar melhor”, refere Amieiro (2007, p. 128).
Só a defender o recuperar
dá sentido ao gerir
p’ra definir o finalizar
sem o critério deixar fugir.
(Frade, 2014a, p. 52)

Daí que a articulação de sentido seja um pressuposto fundamental para o


sucesso de uma equipa, visto que se perdermos de vista o “todo” (leia-se o
jogar) que se pretende, desarticulando uma “parte” das demais, certamente
isso irá refletir no jogar da equipa. Portanto o treinador ao modelar o seu
jogar deverá ter em conta justamente isso, a interligação e a congruência de
tudo para o “todo”.
Nesse sentido acredito que um treinador quando treina a organização
ofensiva da sua equipa, não implica que a vivência de propósitos defensivos
não se verifique, ou vice-versa. Treinar implica dominantemente respeitar
um dos aspetos caracterizadores do jogo e do jogar – a sua inteireza
inquebrantável, o atacar e o defender como um fluxo contínuo.
Carvalhal é outro treinador que perspectiva as coisas desta maneira, e
sublinha a importância dos “equilíbrios” no futebol atual:
No fundo, o jogo é feito de equilíbrios. Ninguém consegue atacar
bem se não tiver a equipa equilibrada para defender (se não
contemplar um equilíbrio defensivo no ataque) e ninguém consegue
atacar bem se, a defender, a equipa não estiver preparada para
atacar (se não contemplar um equilíbrio ofensivo na defesa). Os
equilíbrios são importantíssimos. Estar com a equipa
permanentemente equilibrada é meio caminho andado para se
poder ganhar.
(Carvalhal, citado por. Amieiro, 2007, p. 136)

“Ainda que “atacar” e “ter cuidado” pareçam ideias contrárias, faz


todo o sentido serem equacionadas juntas. Devemos ter determinados
cuidados quando atacamos”, coloca Valdano (1997, citado por. Amieiro,
2007).
Quando uma equipa tem a posse da bola, ela estará basicamente sempre
diante de três possibilidades: esta posse resultará em golo, bola parada, ou
resultará em perda da posse da bola (não se sabe quando, como e onde esta
perda poderá ocorrer).
Portanto, perder a posse de bola para o adversário é uma possibilidade
real e que, na minha opinião, deve ser equacionada e sentida por
antecipação. Isto é, toda a equipa que tem a posse da bola deverá estar
preparada para o momento de a perder, para reagir de maneira eficaz, tendo
capacidade para roubá-la de imediato, ou na pior das hipóteses conseguir
organizar-se defensivamente evitando situações de golo do adversário.
Por estes motivos é difícil separar e treinar estes momentos (que embora
sejam padronizáveis) separadamente, sem os conectar com os outros, e por
consequência com o todo. A possibilidade de perder a bola poderá ser
equacionada antes mesmo de efetivamente a perder! Como? Pela
contemplação mental, isto é, pelo entendimento de jogo e do jogar
(especialmente), pela capacidade de antecipação e pela somatização desta
possibilidade.
Hipoteticamente falando, imaginemos uma equipa que quando tem a
bola, frequentemente consegue dominar o adversário, gerindo a posse de
bola com eficiência e eficácia, controlando a partida. Tal equipa circula a
bola por todo o terreno, com velocidade e intenção de desorganizar o
adversário e criar espaço para os explorar, ficando muito tempo com ela,
conseguindo muitas vezes criar condições de finalizar.
O treinador da equipa quer ter a bola constantemente para dominar o
adversário e quando tem a posse da bola, perspectiva uma sub-estrutura fixa
e uma sub-estrutura móvel, com maior liberdade de movimentação (não
entendamos liberdade como “anarquia”), posicionando muitos dos seus
jogadores “por dentro” e alguns jogadores “por fora”, garantindo a
equilibrada ocupação do terreno de jogo, constantes superioridades em
torno da bola, múltiplas linhas de passe e por consequência condições para
manter a bola em seus domínios.
Isso faz com que – para além de conseguirem ter jogadores disponíveis
para receber a bola e dar continuidade à manutenção da posse –no momento
em que perdem a bola, conseguem ter muitos jogadores próximos à zona da
perda, facilitando uma rápida pressão, o que possibilita, em caso de sucesso,
uma recuperação quase que imediata da bola. Ou seja, mesmo com a posse
da bola a equipa já está a contemplar e a preparar-se para reagir de maneira
eficaz a uma eventual perda.

Na imagem acima, podemos ver claramente este exemplo, supondo que o


10 preto tenta um passe ao 7 e é intercetado pelo 2 branco. Nesta
circunstância, o 5, 7, 10 e 9 estarão mais próximos do local da perda, e,
portanto, reúnem as condições mais favoráveis para: criar/ativar uma zona
de pressão em torno do adversário com bola; restringi-lo e retirar-lhe tempo
e espaço para pensar e executar.
Não apenas os jogadores mais próximos da zona da perda contribuem
efetivamente para recuperar a posse da bola rapidamente, mas também os
jogadores mais afastados, pois ainda que não possam pressionar
imediatamente o adversário com bola, ao fecharem os espaços interiores e
bloquearem eventuais linhas de passe, fazem com que o adversário tenha
dificuldade em encontrar e criar soluções para ficar com a bola.
Portanto, dentre outras coisas, é a ocupação racional do espaço
promovida pela equipa preta, com muitos jogadores por dentro e alguns por
fora, que permite que quando percam a posse da bola possam recupera-la
muito rapidamente, pelo facto dos jogadores estarem muito próximos para
pressionar.
Desta maneira, ainda que se esteja com a posse de bola, já se está a
equacionar e a gerir uma eventual perda da posse da bola. Neste modelo
hipotético ilustrado na imagem, notamos a presença de uma sub-estrutura
fixa por trás da linha da bola (3, 4, 6 com a incorporação ou não do 2 preto).
Nós sabemos que aliado ao jogo posicional, o facto de terem
constantemente a bola faz com que o adversário não a tenha, gerando
desgaste significativo e por vezes desordem posicional. Daí que a equipa
que frequentemente tem bola consiga estar mais disponível e capaz de
concretizar, antecipar e reagir com êxito a eventual ou efetiva perda da bola.
Ninguém consegue atacar com qualidade se não tiver a equipa
equilibrada e preparada para uma eventual perda, se não contemplar e gerir
um equilíbrio defensivo com a posse da bola, o que naturalmente, neste
caso, não se aplica somente aos equilíbrios referentes à circulação da bola
no último terço, mas sim em todos os momentos da progressão da bola no
terreno.
Por exemplo, o guarda redes que sai a jogar com o central: conforme
ocorre a definição do lado em que a bola irá progredir, alguns jogadores do
lado contrário e/ou que estão por trás da bola, poderão fechar um pouco de
modo a assegurar equilíbrio perante uma possível perda de bola, como
demonstra a imagem abaixo.
Também quando não temos a posse de bola devemos estar
constantemente a visualizar a recuperação da posse da bola e o que
sucederá após recuperá-la, a pensar e a preparar o jogo de uma forma
ofensiva mesmo estando sem a bola. No fundo, estes exemplos servem para
ilustrar o que julgo no futebol ser fundamental: a noção de equilíbrios
dinâmicos.
Para finalizar, constitui-se como imperativo ressalvar que embora se
tenha que perspectivar o jogo como uma inteireza inquebrantável, ao nível
do treino é imprescindível “reduzir” esse todo, pois senão não faria muito
sentido treinar e sim somente jogar, dado que treinar-se-ia “tudo” e ao
mesmo tempo nada.
Se é certo que o «jogar» é uma «inteireza inquebrantável», também
o é que ele é «fabricado» (criado e recriado17), é «construído» (e
reconstruído, sobretudo no plano micro). Treinar é «fabricar»
(criar) o «jogar» que se pretende. Assim sendo, no treino, a
dominância das preocupações deve incidir nas suas diferentes
«partes» (macro princípios, meso princípios e micro princípios dos
quatro momentos do «jogar»), na medida em que o operacionalizar
tem critérios.
(Amieiro, 2007, p. 134)

Ou seja, considerando que a organização de jogo de uma equipa é um


problema de dinâmicas, ela é necessariamente complexa (Frade, 2000
citado por. Maciel, 2011a), e sendo também o futebol – e tudo o que dele
advém – algo complexo, toda a problemática terá de necessariamente ser
encarada sob esta perspectiva.
Portanto há a necessidade do treino atender uma lógica de redução sem
empobrecimento, no sentido de articular essas várias dinâmicas, através do
incidir nas diferentes sessões de treino nas “partes” (macro princípios, meso
princípios, micro princípios dos quatro momentos do jogar) sem que com
isso percamos de vista o todo. Daí a articulação de sentido ser fundamental
no processo de treino, não somente no que diz respeito à interação dinâmica
e não linear entre os vários momentos de jogo, mas também face aos macro,
meso e micro princípios da ideia de jogo que se está construindo, tema este
que abordarei com maior profundidade posteriormente.

2.3 A lógica interna do jogo de futebol


2.3.1 O jogo como um fenómeno imprevisível, aberto, caótico
(determinista) com organização fractal
Valores são princípios
p’ro jogar ter identidade,
safando-nos assim dos precipícios
vindos do excesso de aleatoriedade.
Frade (2014a, p. 131)

O futebol é jogado por mais de 265 milhões de pessoas pelo mundo, e


para muitos a impossibilidade de prever quem será o vencedor de um jogo é
a maior graça deste desporto.
Neste sentido, várias pesquisas e estudos recentes dão conta que entre
todos os desportos coletivos o futebol é aquele que mais imprevisibilidade
possui no sentido de predizer o vencedor de um jogo (Anderson & Sally,
2013).
Assim como outras modalidades desportivas, o futebol enquadra-se na
categoria de jogos desportivos coletivos (JDC). Uma das características
fundamentais que caracterizam os JDC, é a permanente relação de oposição
entre os elementos das duas equipas em confronto, e a relação de
cooperação entre os jogadores da mesma equipa, desenvolvidas num
contexto imprevisível, sobretudo no plano micro (que tentaremos
sobredeterminar através dos referenciais globais da equipa, ou seja, através
da manifestação regular da nossa ideia de jogo). Isso permite que
qualifiquemos os JDC como jogos de oposição e cooperação.
Nesse sentido, as relações de cooperação (característica dos jogadores da
mesma equipa) são fundamentais na sequência das ações do jogo e
assumem uma importância determinante na formação e na corporalização
de uma forma de jogar, auxiliando os jogadores e a equipa a criarem
problemas para o adversário e a resolverem os problemas criados pelo rival
durante o jogo.
As relações de oposição entre os jogadores de diferentes equipas, por sua
vez, são capazes de aumentar o grau de complexidade do jogo, na medida
em que são decisivas na colocação de problemas e resoluções, ou seja, em
termos qualitativos, quanto maiores forem os problemas que uma equipa
coloca à outra, mais elaboradas têm que ser as soluções encontradas para os
ultrapassar (Guilherme Oliveira, 2004).
Portanto a matriz dos JDC está fundamentada num conjunto de
referências que contempla a maneira como jogam as equipas; o tipo e a
relação de forças (conflitualidade) entre as equipas que se enfrentam; a
variabilidade, a imprevisibilidade e aleatoriedade dos contextos em que as
ações do jogo são tecidas e as características das competências perceptivas,
decisionais e motoras para agir e interagir nesses contextos específicos
(Garganta, 2006)18.
Como vemos, esta forma de pensar concebe o jogo como algo complexo.
Contudo, a grande particularidade da Periodização Tática, como irei
continuar a evidenciar, passa por reconhecer que sendo o jogo algo
imprevisível, sobretudo no plano micro, consegue, ou tem a pretensão de
conseguir sobredeterminar o jogo (aleatório) através de uma forma de jogar
(cultura tática, Especificidade –como mostrarei mais à frente) sem retirar o
jogo ao jogo.
Como coloca o professor Vítor Frade (2006, citado por. Maciel, 2011a):
“o jogo de qualidade tem demasiado jogo, para ser ciência, mas é
demasiado científico para ser só jogo”.
Outra característica inerente ao jogo de futebol, é o fator tempo-time-
dependent. Os desportos dependentes do fator tempo, segundo Garganta
(1998) são interativos e tendem a integrar cadeias de acontecimentos
descontínuos, implicitamente relacionados, não apenas com os
acontecimentos antecedentes, mas também com as probabilidades de
ocorrência de acontecimentos subsequentes, considerada a sua
aleatoriedade.
O mesmo autor, desta vez em 1997, afirma que na aparência simples de
um jogo de futebol, esconde-se um fenómeno que assenta numa lógica
complexa, decorrente não apenas do número de variáveis em jogo, mas
também da imprevisibilidade e aleatoriedade das situações que se colocam
aos jogadores e às equipas.
Alguns pesquisadores também têm sustentado que a natureza e a
diversidade dos fatores que concorrem para o desempenho no futebol
revelam uma estrutura de grande complexidade devido:
1) à extensão das relações de envolvimento dos jogadores
(Worthington, 1974); 2) ao facto das ações de jogo não
corresponderem a uma sequência previsível de codificações
(Garganta, 1994), revelando um elevado grau de indeterminismo
(Dufour, 1993); 3) à presença de sistemas sujeitos a rápidas
alterações (Schubert, 1990), com componentes numerosas e
variadas.
(Garganta & Gréhaigne, 1999, p. 42)

Mais uma vez, conforme evidenciam os últimos parágrafos, o futebol é


caracterizado como um fenómeno complexo e jogado, algo que corresponde
à realidade, mas não é o suficiente.
Nesse sentido, a Periodização Tática ultrapassa essa visão e vai além,
pois através da criação de um jogar –conseguida pela modelação– pretende
criar uma ordem que dê sentido ao caos inerente à modalidade futebol.
Quero com isso dizer que a imprevisibilidade é uma característica essencial
do jogo de futebol, mas não pode ser a característica que identifica um
jogar.
Quando falamos do jogo de futebol, falamos de um fenómeno complexo,
não linear e diversas vezes imprevisível, onde o acaso19 e o caos20 se
introduzem. Trata-se de um sistema dinâmico complexo de causalidade21
não linear, sendo que o acaso e as regras são elementos do jogo, onde um
acontecimento causal pode mudar o curso do mesmo, lançando-o para um
novo rumo.
Ressalto que embora a aleatoriedade esteja presente no desenrolar do
jogo, ele não está condenado a decorrer de maneira aleatória, uma vez que
através da criação de um jogar, uma organização coletiva, torna-se possível
sobredeterminar, em termos globais, o caos inerente ao jogo.
Segundo alguns autores, entre outras coisas, a complexidade do jogo é o
próprio jogo, ou seja, para além da já referida interação entre as equipas e
entre os jogadores da mesma equipa, esta complexidade resulta do futebol
ser o jogo das previsibilidades e imprevisibilidades, que constantemente se
confrontam.
A aleatoriedade e aciclicidade dos acontecimentos, a capacidade de
criação das equipas e dos diferentes jogadores, a qualidade do jogo e dos
jogadores, e consequentemente, os problemas levantados, proporcionam um
meio complexo e caótico que para ser perceptível tem de ser gerado e
analisado nesse envolvimento, uma vez que o jogo é um acontecimento
caótico e particularmente sensível às condições iniciais, sendo um dos
exemplos mais eloquentes do caos determinista na medida em que se joga
na fronteira do caos (Cunha & Silva, 1999; Gaiteiro, 2006; Guilherme
Oliveira, 2004, Pivetti, 2012).
Em suma, o jogo de futebol revela algumas propriedades, como a
aleatoriedade, que se faz presente porque a ocorrência das situações não
apresenta uma lógica sequencial, isto é, apresenta-se de forma não-linear. A
imprevisibilidade revela-se porque os acontecimentos são de difícil
previsão em termos de pormenor (especialmente na esfera micro),
inventando e reinventando-se a cada instante, sendo que os problemas
derivados do jogo podem ser resolvidos de diferentes maneiras, dependem –
dentre outras coisas– da intuição, do instinto do jogador, dos conhecimentos
específicos que se tem, da interpretação que o jogador faz sobre a situação
que está a decorrer, da sua auto-consciência relativa às suas capacidades
para a resolução desse problema, isto é, das suas competências e dos
modelos de referência coletivo e individual que construiu (Guilherme
Oliveira, 2004; Pivetti, 2012), e também a execução da ação que o jogador
decidiu realizar no “aqui e no agora”.
A sensibilidade às condições iniciais22, logo, acontecimentais, mas
apriorísticas, relaciona-se justamente com isso, ou seja, com as ocorrências
que emergem durante o jogo e com as ações realizadas pelos jogadores.
Qualquer ação realizada trará implicações às ações que se seguem, sendo
que esta é proveniente de uma implicação de uma ação que já ocorreu
anteriormente, isto é, uma ação no “aqui e agora”, condicionará a
sequência, o desenvolvimento, a lógica e o resultado do processo, em suma,
o jogo revela uma grande dependência do que acontece em cada instante –
ambiguidade circunstancial (Oliveira et al., 2006; Pivetti, 2012)– daí que
uma das pretensões da Periodização Tática seja dar sentido ao modo como
os jogadores e a equipa vivenciam e experienciam o “aqui e agora”, com o
intuito de sobredeterminar e padronizar o que acontece. Ainda, o futebol
pode ser considerado aberto, e como tal, sensível às ocorrências do instante.
Por fim, o jogo de futebol revela um conjunto de regularidades, ou seja,
características funcionais e estruturais invariáveis que permitem reconhecer
o jogo de futebol como futebol e não outro desporto qualquer, podendo por
isso revelar um caráter fractal23.
Para além disso, também as equipas, embora joguem num meio
imprevisível por natureza (num plano micro), revelam padrões de
funcionamento e um conjunto de regularidades, que nos permitem
identifica-las como equipas de maneira regular. “O que nos leva a poder
dizer que nem com o Barcelona (do Guardiola) há dois jogos iguais e isso
não tem nada a ver com o macro!” (Frade, 2013a).
Será através da manifestação da nossa ideia de jogo (previsível no plano
macro) que estaremos em condições de ajudar a equipa e os jogadores a
lidarem com as circunstâncias e muitas vezes as sobredeterminarem.
Portanto, uma das nossas maiores preocupações é a de que através do
processo de treino (ensino-aprendizagem) e sem retirar do jogo o jogo, o
treinador e a equipa consigam lidar e interagir com a imprevisibilidade do
jogo de futebol, reduzindo-a (no nível macro), através da criação de
previsibilidades que sejam reconhecidas, adquiridas a partir da vivência
hierarquizada de uma ideia de jogo e manifestadas pelo jogar da equipa.
Mourinho (2012) compartilha desta opinião. Em entrevista ao jornal
português “A Bola”, o mesmo, quando ainda treinava o Real Madrid,
declarou:
Vamos lutar e a dar o máximo em cada jogo, com todas as forças
que tivermos. Mas infelizmente ninguém pode controlar certos
fatores: o futebol será sempre um jogo. E sendo um jogo existe
sempre incerteza, é imprevisível. O meu trabalho é reduzir essa
imprevisibilidade ao mínimo. Quero que o Real volte a ganhar
muito mais vezes do que as que já o fez. Queremos voltar a
conquistar títulos e regressar à Cibeles24, que é o melhor final de
época que se pode ter.
Rinus Michels (2001) é outro que refere que apenas a organização de
jogo das equipas poderá reduzir a imprevisibilidade inerente ao jogo de
futebol evidenciada no plano micro, possibilitando o sobredeterminar das
circunstâncias. Tal organização, para este treinador, assenta em “linhas
mestras”, ou seja, num conjunto de princípios de jogo que fornecem
organização e coesão, guiando e auxiliando os jogadores a agirem e
interagirem durante o jogo de determinadas maneiras e não de outras.
Segundo Michels, pode-se comparar a ideia de jogo com as regras de
trânsito, onde os condutores e peões agem e interagem de maneira
organizada (na maioria das vezes), condicionados por “linhas mestras” –
regras de trânsito, evitando que o mesmo seja completamente caótico, isto
é, busca-se que o caos seja determinístico.
Um exemplo bem evidente disso é trazido pela treinadora adjunta da
seleção feminina de Portugal, Marisa Gomes:
Não sei se por exemplo o lateral direito ao receber a bola vai jogar
no extremo ou vai jogar no central porque isso é que é
variabilidade, é o aqui e agora, a decisão do jogador. Mas está
sobre-condicionada àquilo que desejamos, portanto, nós queremos
ter a posse de bola e o pivot está a ser marcado, ele não vai
arriscar um passe para o pivot e então vai jogar para o central. E
está sobre-condicionado a quê? Ao querermos jogar em segurança
para mantermos a posse de bola. Não sei o que vai acontecer no
aqui e agora mas sei que a minha equipa vai ter determinadas
interações pelo que construo no processo de treino.
(Gomes, 2007 citado por. Campos, 2008, p. 36)

A partir da modelação, vivência e treinabilidade dos princípios que


estruturam a sua ideia de jogo (dimensão macro), Marisa induz os jogadores
implicitamente a interatuarem de acordo com os seus códigos, isto é, num
nível macro procura-se reduzir essa imprevisibilidade (existente a nível
micro) inerente ao jogo, sobredeterminando as ações e interações dos
jogadores para um determinado sentido, neste caso o de gerir a posse de
bola de modo a passá-la preferencialmente a quem tem melhores condições
de recebê-la. Faz o caos ser determinístico.
Entretanto, no nível da concretização, ou seja, no “aqui e agora”, sempre
imprevisível, são os jogadores que tomam as decisões, neste caso eles são
livres para agir e intervir mas sem agirem livremente, uma vez que estão
sujeitos a essa ideia coletiva. Desta maneira não há mecanização. O
treinador não pode cair no erro de querer controlar o incontrolável. Como
diz o professor Vítor Frade: “para o detalhe não há equação”.
Tamarit (2013b) ressalta que a criatividade –algo fundamental não apenas
no jogo de futebol, mas na espécie humana– deverá ser potenciada em
qualquer jogar, entretanto a imprevisibilidade promovida pela criatividade
deverá sempre ser sobredeterminada pela previsibilidade do jogar.
No fundo deve-se promover e fomentar a desordem criada dentro da
ordem. Trata-se de maximizar a redundância concomitantemente com a
variabilidade (Frade, 2013a), o que poderá permitir, de certa forma, que o
caos seja determinístico.
Por isso, quando nos referimos ao futebol de qualidade devemos falar de
sistemas caóticos determinísticos, pois apresentam padrões de ações e
interações que se repetem no tempo, denominados invariantes ou
regularidades. A estes padrões “ocultos”, Stacey (1995, p. 546) denomina
de auto-semelhança, isto é, “um grau de variação constante, uma
variabilidade consistente, uma irregularidade regular, ou de forma mais
precisa, uma dimensão fractal constante”.
Por outras palavras, a aleatoriedade e a variabilidade destes sistemas
apresentam um modelo de ação consistente (Oliveira et al., 2006).
Objeto Fractal. Retirado de Zambiasi, 2012
Evidência da auto similaridade evidenciada pelos fractais. Independentemente da escala onde é
observado, o todo pode ser representado. Adaptado de Wikipédia

Os sistemas caóticos (equipa de futebol) são caracterizados por um


conjunto de agentes em interação (jogadores, treinadores, etc.), que
cooperam, com objetivos e comportamentos (interações intencionalizadas)
comuns coordenados, fazendo emergir uma certa ordem (organização
funcional – padrões de interação individuais e coletivos) e estabilidade
num contexto caótico, de desordem e instabilidade permanente (Stacey,
1995 citado por. Amieiro, Frade & Guilherme Oliveira, 2008).
Por outras palavras, pode-se dizer que as equipas de futebol podem ser
sistemas organizados em interação, onde as condições de funcionamento
destes sistemas podem fazer com que procurem gerar desordem
preservando uma certa ordem que permite tomar decisões congruentes aos
referenciais coletivos num contexto não completamente previsível à priori,
sobreteterminando-o na maioria das vezes.
Em virtude dos motivos aqui expostos, entendo que o jogo de futebol
pode ser considerado como um confronto entre dois sistemas caóticos
determinísticos com organização fractal.
Em síntese, conforme já coloquei, apesar de toda a ação do jogo conter
incerteza, o jogo de futebol não está condenado a decorrer de forma
aleatória. O acaso não deve orientar a atividade dos jogadores, mas para que
isso aconteça torna-se necessária a vivência e a somatização de uma ideia
de jogo de maneira estruturada e coerente.
Nesse sentido o treino é extremamente importante e deve possuir a
representação da realidade, fornecendo através dos exercícios um conjunto
de estímulos que permitam agir e interagir em condições aleatórias e
adversas, guiando e organizando os jogadores e a equipa para um
determinado sentido (o da ideia de jogo do treinador), permitindo desta
maneira sobredeterminar os instantes do jogo, em função da ideia coletiva
preconizada.
De facto, a organização é um elemento indispensável para que as equipas
de futebol consigam dar cumprimento a um jogar de qualidade, e para
Frade (2013a), a organização de jogo das equipas emerge na concretização
como Supradimensão Tática.
2.3.2 As dimensões do jogo entendidas à luz da complexidade.
A necessidade de reconhecer o futebol como um jogo regido pela
(Supradimensão) Tática
Dimensão tática
É cultural é postura...
Habituação adquirida na prática,
É a identidade que se procura.
(Frade, 2014a, p. 150)

A Tática é o que nos identifica.


(Frade, 2013a, p. 415)

Há muito tempo que treinadores, pesquisadores e profissionais


envolvidos no futebol vêm tentando entender a rede e a interação das
diversas dimensões que influenciam o desempenho desportivo. Conforme já
mencionei, é comumente aceite que a qualidade das manifestações das
interações do jogo de futebol está relacionada com cinco dimensões: tática,
técnica, fisiológica, psicológica e estratégica.
Se para a maioria dos treinadores, preparadores físicos, jornalistas,
comentadores, etc., toda a lógica processual do “treinar” deve ser balizada
pela dimensão física (Oliveira et al., 2006), neste momento, conforme
reflete Maciel (2011a), o futebol pode estar a passar pelo ponto de mutação,
onde diferentes treinadores têm vindo a propor outro modo de olhar e
operacionalizar – nomeadamente à luz do pensamento complexo – o treino
em futebol, sugerindo uma mudança de paradigma que transgride o
tradicionalmente institucionalizado.
Segundo estes treinadores todo tipo de ação e interação que o(s)
jogador(es) executa(m) no jogo deve estar subordinada à dimensão tática.
Esta é a dimensão que dá sentido, que unifica e consequentemente emerge
sob a forma do jogar.
Para este tipo de treinadores, o jogo de futebol é um fenómeno
essencialmente “tático”, uma vez que as interações que ocorrem durante um
jogo são consubstanciadas através desta dimensão.
Para Frade (2013a), a dimensão tática emerge da relação da dita
dimensão física, da dita dimensão psicológica, da dita dimensão técnica e
da dita dimensão estratégica. “Portanto, ela não é nenhuma delas, mas sem
estas ela não existe, porque ela dimana destas”, afirma.
Imaginemos uma situação de jogo em que um jogador está por receber a
bola e realizará um passe a outro companheiro: ao receber a bola, o jogador
terá de optar por uma solução dentre as que julgar possível para aquele
instante (tomada de decisão: passa a um companheiro? Conduz a bola para
frente? Dribla o adversário?) e decide fazer o passe a um colega, que está
bem colocado e receberá a bola com liberdade, e assim poderá dar
progressão ao jogo.
Ora, dentro deste passe está presente a dita dimensão técnica (gesto
motor), mas também o desgaste fisiológico implicado para controlar,
comandar e executar tal gesto (e na sua ação subsequente – um sprint, por
exemplo, para receber a bola novamente), bem como a dita dimensão
psicológica, dado que o referido jogador decidiu pelo passe em segurança
tendo como pano de fundo um sentimento (desejo de garantir a eficácia e a
eficiência).
Todas estas ações quando estão inter-relacionadas, de maneira
intencionalizada (intenção esta possibilitada pela vivência hierarquizada de
um jogar através da modelação), fazem emergir o que chamamos de supra-
dimensão tática. Neste caso, o todo está na parte, que está no todo.
Portanto todas estas dimensões que tradicionalmente foram separadas são
definitivamente inseparáveis, sendo das conexões que estabelecem que
resulta a identidade do todo, ou seja, da suprainteireza, que é o jogar da
equipa, ou seja, a tática (Maciel, 2011a).
É por isso que ao abordar a questão do treino (exclusivo) da dita
dimensão técnica, Frade (1985) sublinha que somente o “jogo” sobre todos
os seus aspetos proporciona o conveniente treino “técnico”, porque a
“técnica” por si só não existe no vazio, visto que, como ressalta Amieiro
(2007), qualquer gesto técnico tem subjacente uma intenção tática (que é
coordenadora). Partindo deste pressuposto quando em situação de jogo ou
treino, não há sentido em utilizar o termo “técnico-tático”, mas apenas
“tático” (embora seja possível padronizar a dimensão técnica), porque trata-
se, ou deverá tratar-se, segundo a nossa perspectiva, de uma execução com
uma intencionalidade coletiva subjacente.
Para além da dimensão técnica, há também a questão do treino físico, o
que para mim se trata de uma falsa questão, uma vez que mesmo tomando
como modelo os principais movimentos de deslocamento dos jogadores nas
suas diferentes expressões (marcha, trote, corrida rápida, sprint), constata-
se que tais ações e interações têm a sua génese assente numa situação criada
pelo jogo (onde se pretende que tal situação seja sobredeterminada pelo
jogar), isto é, uma situação contextual que determinou a manifestação de
determinada gestualidade, suportada e sobredeterminada muitas vezes pela
intencionalidade coletiva referente ao jogar.
García (2006 citado por. Cervera, 2010) avaliou o comportamento da
frequência cardíaca durante um jogo de futebol, e pôde verificar que esta
apresenta uma clara assimetria, sendo que os seus picos se manifestam
predominantemente em situações em que o jogador está a participar
diretamente nas jogadas, seja com ou sem a posse da bola. Isso faz com que
o autor sugira que a oscilação dos níveis de frequência cardíaca está
diretamente relacionada ao sistema nervoso central e logicamente aos
constrangimentos decorrentes da partida.
Nesse sentido, Oliveira et al. (2006) lançam uma pergunta: Qual será o
intervalo de frequência cardíaca ideal para o balanço do bloco defensivo à
direita, para pressionar o lateral esquerdo adversário em posse de bola?
Qual será o intervalo de frequência cardíaca ideal para que, em transição
defesa-ataque o pivot passe a bola, com regularidade, para jogadores mais
afastados da zona da recuperação da bola?
“Será que a relação frequência cardíaca/potência é a mesma sobre o
terreno de jogo e no «tapete rolante»?” questiona Frade, já no distante ano
de 1985 (p. 26).
Deste modo, o mesmo Vítor Frade (1985, p. 30) sugere: “Não será uma
determinada “conceção de jogo” que determina o equacionar de
determinadas “qualidades físicas” como necessidade?”. E poetisa:
Que preparadores físicos tens, e pedes, ó futebol? Será que o
simples vestir duma farda de astronauta permite o assumir-se como
tal? Será que qualquer epidemia (pulmonar, por exemplo) num
qualquer país seria suficientemente debelada, só por
“enfermeiros”? Só por clínicos gerais? Ou tanto melhor por
“especialistas pulmonares”? O peso da institucionalização da
ignorância. O atrevimento seu principal sintoma.
(Frade, 1985, p. 34)

Quadro comparativo entre o Borussia Dortmund liderado por Thomas Tuchel


e Jürgen Klopp.

Durante uma transmissão do campeonato alemão, por uma televisão


francesa, este diagrama foi exibido. A equipa do Borussia Dortmund, que
sob o comando de Jürgen Klopp, predominantemente tinha como ponto
forte a organização defensiva agressiva, as saídas rápidas em contra-ataque
e, principalmente o gegenpressing (determinadas interações coletivas em
situações que envolviam a perda da posse da bola, visando recuperá-la o
mais rápido possível), tinha em média menos posse de bola, mais
quilómetros percorridos (por jogo), mais sprints (por jogo) e mais corridas
“intensas” (por jogo) do que o Borussia Dortmund do seu sucessor, Tomas
Tuchel, que baseava o seu jogo ofensivo em ataque posicional, procurando
causar desequilíbrio no adversário através da circulação exacerbada da bola,
na busca paciente pelo melhor espaço para agredir. Ou seja, a manifestação
regular de uma determinada ideia de jogo e de um padrão de interações,
leva a um determinado e correspondente tipo de solicitação, adaptação e
expressão física/fisiológica/bioenergética.
Por isso, não consigo compreender as razões pelas quais as periodizações
e planificações de treino são predominantemente físicas, quando no futebol
todas as dimensões que concorrem para o desempenho (dita física incluída)
estão sempre integradas e subjugadas pela dimensão tática, à organização
de jogo. Trata-se, portanto de um fenómeno cuja supra-dimensão é tática.
A manifestação regular da organização de jogo da equipa é o
grande indicador da forma desportiva. Para quê, então, a
realização dos tradicionais testes físicos? Será que a organização
de jogo se afere por indicadores como os “quilos” de lactato, as
séries de ioiô, a frequência cardíaca registada nos
cardiofrequencímetros ou o VO2 máximo?
(Oliveira et al., 2006, p. 98)

Para Frade (citado por. Martins, 2003) todas estas conceções derivam “de
um mesmo mal conceptual, que é a separação das coisas e a lógica
ascensional das etapas, das fases”.
Já dizia Benedict (citado por Mlodinow, 2012), que “o olho que vê não é
um mero órgão físico, mas uma forma de percepção condicionada pela
tradição na qual o seu possuidor foi criado”.
Por esta razão Frade alerta que ver não é a mesma coisa que entender, não
basta estar de boa saúde oftálmica. Para este autor, onde a “esfera” (neste
caso o futebol e o treino) é complexa, não pode reinar senão o pensamento
complexo (1985, p. 37). “Para sistemas complexos, uma abordagem em
complexidade: Futebol e Homem são como as cebolas, se os picarmos em
pedacinhos, fazem-nos chorar!” (Maciel, 2011a, p. 168).
No mundo do futebol existem treinadores que além de verem, entendem:
Não sei onde acaba o físico e começa o psicológico ou o tático.
Para mim, o futebol é globalidade, tal como o homem. Não consigo
separar as coisas. Do mesmo modo, custa-me entender a evolução
de um jogador à margem da evolução da equipa.
(Mourinho citado por. Oliveira et al., 2006, p. 153)

Quando questionado pela revista Ideias e Negócios (2003 citado por.


Oliveira et al., 2006 p. 40) sobre a percentagem que atribuía a cada
dimensão do jogo, Mourinho respondeu:
Eu digo que para haver sucesso numa equipa de futebol a equipa
tem de estar 100 por cento preparada. E quando eu digo 100 por
cento não consigo dissociar aquilo que é físico daquilo que é tático,
daquilo que é psicológico. Para mim, um jogador é um todo, tem
características físicas, técnicas e psicológicas que tenho de
desenvolver como um todo. Não consigo separar.
Portanto, se no jogo de futebol ocorrem interações complexas, não se
pode dizer que uma situação é somente física, ou somente técnica ou
psicológica, é “simplesmente” uma situação tática.
Entretanto a definição de tática comumente é distorcida e confundida,
principalmente com a dimensão estratégica. Isso faz com que não haja o
mesmo comprimento de onda na literatura e muito menos no entendimento,
discurso e prática dos profissionais envolvidos com o futebol.
De modo a esclarecer e definir um único comprimento de onda –no que
se refere à Periodização Tática– Frade (2013a) sustenta que a dimensão
tática é aquilo que nos identifica enquanto equipa, é a emergência
proveniente da interação das outras dimensões (física, técnica, psicológica,
estratégica), mas é acima de tudo uma emergência intencionalizada, ou seja,
é deliberada, há uma intenção prévia de agir em conformidade com essa
intenção, unindo, portanto, a pretensão (intenção prévia) com aquilo que
acontece no aqui e agora (intenção em ato). “Eu pretendo que a minha
equipa venha a jogar assim, portanto a dimensão tática pra mim é isso”
(Frade, 2013a, p. 415).
Maciel (2011b, p. 2) adiciona que “a tática é uma realidade –um jogar–
dinâmica e complexa que se manifesta como interindependência
organizacional intencionalizada”. Para além disso, a tática é muito mais
diacrónica do que sincrónica, isto é, “tem que ser (deve transformar-se em)
uma cultura tática, é identitária” (Frade, 2013a, p. 414).
Por outras palavras quando esta intencionalidade coletiva partilhada e
intencionalizada (tática), a qual, ao manifestar-se de tal forma e com
regularidade, se revela como uma emergência assumida, como que um
aspeto cultural por parte daqueles (jogadores) que a partilham (Maciel,
2011b).
Por isso, de acordo com Jorge Maciel, a tática tem a ver com o partilhar
de uma intencionalidade e não somente a necessidade de tomar decisões –
“contexto tático” para a norma. Penso que é tomar decisões (fazer escolhas
dentre as diferentes hipóteses possíveis a que mais se ajusta à
intencionalidade e funcionalidade coletiva da equipa), jogando de acordo
com valores partilhados que ao acontecerem com regularidade se
manifestam como cultura, fazendo assim emergir uma determinada
dimensão tática, um jogar.
Na mesma linha de raciocínio está Mourinho. Oliveira et al. (2006)
esclarecem que para este treinador a tática não é algo de abstrato, mas algo
muito concreto, isto é, o conjunto de interações intencionalizadas que se
pretende para a equipa, e que se deseja que esta manifeste com regularidade
em competição. É uma cultura de interações específicas, que requer
aprendizagem, sendo, portanto, uma propriedade emergente, o que implica
a necessidade de periodizar o processo de emergência do tático:
Periodização Tática.
Pode-se dizer que a dimensão tática enquanto cultura é o que permite
identificar as equipas, ou seja, a organização (preconizada) que as equipas
revelam enquanto regularidade é o que as faz evidenciar uma identidade.
“É aquilo que existe quando você vê o Barcelona (do Guardiola) a jogar,
mesmo jogando mal, ou até perdendo. Você diz: “Não, estes gajos até
poderiam jogar de camisolas amarelas que eu sei que é o Barcelona”. Isto
é a dimensão cultural!” (Frade, 2013a, p. 415).
A dimensão tática é isso, e é uma organização intencionalizada, porque
há uma intenção prévia a isso, que é a ideia de jogo, o modo como
queremos que a equipa venha a jogar.
Assim como Frade, Mourinho também entende que a dimensão tática não
é nem técnica, nem física, nem psicológica e nem estratégica, mas que
necessita destas para se manifestar, e defende que:
Ao privilegiar a vertente tática, portanto, a organização que eu
pretendo, estou a privilegiar todas as outras componentes do
rendimento, pois é por necessidade do «tático» que surgem todas as
outras. É a partir do trabalho tático, da operacionalização do meu
modelo de jogo, que vou conseguir uma adaptação específica nas
outras componentes. Se o nosso «tático» é singular, tudo o que
deriva dele é singular também. Por isso é que eu digo que não
acredito em equipas bem ou mal preparadas fisicamente, mas em
equipas identificadas ou não com uma determinada matriz de jogo,
adaptadas ou não a uma determinada forma de jogar. Porque a
adaptação fisiológica é sempre específica, singular, de acordo com
essa forma de jogar.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al., 2006, p. 111)

É por isso que, quando questionado por um repórter do jornal português


A Bola, sobre o que havia achado da estreia do médio-centro Tiago ao
serviço do Chelsea FC, Mourinho foi taxativo:
Esteve bem, mas cansado. Jogamos de forma muito específica e
demonstrou ainda uma inadaptação fisiológica ao nosso ritmo.
Esteve um mês e meio a treinar com outra equipa, mas isso não
significa que tenha vindo mal preparado fisicamente. Apenas
chegou inadaptado.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al., 2006, p. 41)

Isso vai perfeitamente ao encontro do que referiu Frade ainda em 1985,


quando já questionava se não seria uma determinada ideia/conceção de jogo
que determinaria o equacionar e o levar a cabo de determinadas “qualidades
físicas” como necessidade.
Segundo José Mourinho, se a base de rendimento é a organização de
jogo, a forma desportiva de modo algum pode ser circunscrita apenas à dita
dimensão física. A forma não é somente física, ela é muito mais do que
isso. “Sem organização e talento na exploração de um modelo de jogo, as
deficiências são explícitas, mas pouco têm a ver com a forma física”, diz o
treinador português.
Eu não consigo falar em forma desportiva sem falar na equipa e
naquilo que eu quero para ela. Para mim, estar em forma é jogar
bem, é a equipa jogar como eu pretendo. A interpretação de um
modelo de jogo, não de uma forma individual, mas sim coletiva, é a
base de sustentação da forma da equipa e das oscilações
individuais da forma de cada jogador. Por isso é que eu digo que a
base de sustentação da boa ou má forma de um jogador é a
organização da equipa. Por exemplo, a «má forma» de um jogador
pode ser disfarçada pela organização da equipa.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al., 2006, p. 98)

A referida organização de jogo, para Mourinho, vai ao encontro dos


efeitos causados pela manifestação de uma cultura tática no seio da equipa,
pois:
A equipa que eu desejo é aquela em que, num determinado momento
perante uma determinada situação, todos os jogadores pensam em
função da mesma coisa ao mesmo tempo. Isso é que é jogar como
equipa. Isso é que é ter organização de jogo.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al., 2006, p. 121)

Daí que seja fácil compreender o porquê de não ser possível quantificar e
atribuir percentagens a dimensões que não existem no vazio. No processo
de treino a dimensão tática deve sobrecondicionar a dimensão física, técnica
e psicológica, desenvolvendo-as de arrasto, pela operacionalização da
dimensão tática, de um jogar, conferindo-lhes um determinado sentido na
sua vivência.
Por outro lado, enquanto que a tática como dimensão e cultura pode ser
definida nestes termos, segundo Frade (2013a), a estratégia pode ser
entendida sob dois prismas, a estratégia no sentido lato e a estratégia no
sentido restrito.
O professor refere que a dimensão da estratégia no sentido restrito pode
ser definida como “um conjunto de manigâncias ou de estratagemas, de
apostas/estratégias circunstanciais”. Apostas e estratagemas que são
criados em função de um adversário, que tem as suas particularidades
(debilidades, virtudes, padrões, etc.) e tendo como base a matriz de jogo da
própria equipa (esta, circunscrita no sentido lato da estratégia).
Para Oliveira et al. (2006) é fundamental que se entenda que, apesar de o
treinador José Mourinho dissecar os padrões de interação do adversário que
irá defrontar no próximo jogo, ele nunca deixa de ter como preocupação
principal aquilo que é o seu modelo de jogo, a sua forma de jogar.
Antes do lado estratégico (no sentido restrito – dos estratagemas
circunstanciais) estará sempre salvaguardada a presença do padrão de jogo.
E é na presença da sua matriz de jogo que se realizam pequenas nuances
estratégicas de circunstância, ou seja, o lado estratégico restrito do jogo.
Imagine que a partir da nossa análise verificamos que o adversário
é muito bom nas desmarcações em profundidade, procurando as
costas da nossa última linha, além disso possui bons passadores e
conseguem aproveitar estes espaços. Pode ser que nós decidamos
defender quinze ou vinte metros atrás do que estamos habituados a
defender. Trataremos de evitar que eles tirem proveito deste
potencial que têm. Isso vai mudar a nossa forma de defender? Não.
Podemos defender igual ou muito parecido quinze metros mais
atrás. Não vamos passar de defender zonalmente a individualmente
isso sim, seria uma mudança significativa na nossa organização
defensiva, na nossa identidade como equipa. A nossa organização
defensiva continuará a ser, orientar o adversário a jogar pelos
lados e fechar os espaços interiores, pressionar a bola nas zonas
que nos interessam, realizar um tipo determinado de coberturas,
reduzir os espaços e adiantar as linhas quando a bola esteja
pressionada. A questão estratégica pode modificar nosso jogar a
um nível contornal, não ao nível da matriz.
(Tamarit, 2016a)

Em suma, podemos dizer que o planeamento estratégico de cada jogo (no


sentido restrito, conforme explicamos), assenta e é um acrescento
qualitativo (logo, sem perda de identidade) ao jogar da equipa.
Mourinho sabe que tem sempre de conhecer os pontos fortes e
fracos das equipas que vai defrontar, os seus comportamentos
coletivos e individuais padrão, o modo como o treinador adversário
reage ao longo do jogo em função do marcador. Mas não é por isso
que vai alterar a sua forma de jogar. Não é por isso que vai
interferir na tática, no modelo de jogo, no compromisso comum.
Para Mourinho, as nuances estratégicas são sempre um acrescento,
um complemento. E uma aposta. Não mais do que isso.
(Oliveira et al., 2006, p. 163)

José Mourinho dá um exemplo de como aborda a parte estratégica na sua


equipa, naquela altura o Chelsea FC:
Eu faço o estudo detalhado do adversário, fundamentalmente para
ajudar os meus jogadores. Para mim, é imprescindível saber como o
treinador adversário reage, o tipo de substituições que faz, os
comportamentos-padrão da equipa adversária. Por exemplo, tenho
o Makelele que mede 1,60; o Lampard 1,85; o Tiago 1,85. Se eu
souber antecipadamente que a equipa adversária promove a
construção com passe largo para a zona do Makelele, jogo com o
Lampard ou o Tiago nessa zona e com o Makelele noutra posição e
depois a trocar. Isto é conhecer o adversário. É como quando vamos
para a guerra: temos de saber como é que o nosso adversário ataca
e defende, para que possamos atacá-lo melhor. Por exemplo, eu sei
que o nosso próximo adversário joga em fora de jogo, sei que joga
com os extremos trocados e que, consequentemente, não saem
cruzamentos e que o que querem é rematar por dentro e, portanto,
vou preparar a minha equipa para isso.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al., 2006, p. 164)

Estes autores sublinham que se a equipa que vai defrontar tem pontos
fracos e pontos fortes, a simples substituição do defesa “A” pelo defesa “B”
ou do avançado “A” pelo avançado “B” pode ser significativa.
Carlos Carvalhal (citado por. Tamarit, 2013b) coloca que algumas sub-
dinâmicas para determinado jogo poderão alterar-se em função daquilo que
se pretende para o jogo (em termos estratégicos), mas jamais se perde de
vista a identidade da equipa, nem os princípios. Entretanto existem coisas
que se podem adaptar tendo em conta aquilo que com alguma
previsibilidade o adversário poderá apresentar na competição.
A dimensão estratégica deve sempre ser complementar à dimensão tática,
mas nunca deve estar em dominância em relação a esta, pois como veremos
adiante neste livro, a tática enquanto cultura, consubstancia-se em
interações intencionalizadas, hábitos, que requerem tempo de aprendizagem
e os quais não se adquirem da noite para o dia, é necessário algum tempo
para esta aquisição; por isso, estar a sobrepor a dimensão estratégica à tática
poderá colocar em cheque a qualidade do jogar da equipa na competição, a
sua fluidez funcional, sobretudo se a equipa ainda não tem solidificada a
aquisição e incorporação das ideias de jogo.
Saliento que tendo em conta as características do adversário, poderão
surgir alterações de contorno para o jogo, ao nível do jogar, mas não ao
nível da sua matriz. Primeiro se deve buscar uma identidade, através da
aquisição dos macro princípios e meso princípios de jogo, para depois – em
caso de ser preciso e aconselhável – passar a ter em conta a dimensão
estratégica, ou seja, “alterar certas coisas do nosso jogar, em termos de
contorno, para nos beneficiarmos das debilidades e nos proteger das
virtudes do adversário” (Tamarit, 2013b).
Você só é um bom músico se primeiro dominar o tema para depois
poder improvisar, não se improvisa sem primeiro dominar o tema.
Portanto enquanto você não solidifica essa organização
intencionalizada que seja do domínio de todos os jogadores (a
tática) e que tenha uma certa espontaneidade ao acontecer, não faz
sentido absolutamente nenhum você estar enfatizando este ou
aquele aspeto de detalhe e muito menos qualquer aspeto que tenha
a ver com os adversários. É por isso que é um contra-senso as
pessoas estarem a falar de formação e a dizer que é jogo a jogo
tendo em conta o adversário, isso é uma estupidez. E em relação às
equipas de top, só quando elas de facto têm uma identidade é que
podem pensar no sentido de estarem preocupados em minorar o que
é forte no adversário ou de acentuar as suas fragilidades sem perda
de identidade, sem perda de espontaneidade, sem perda de
organização e sem perda de uma implantação de uma dinâmica que
lhe é própria e na qual ela se sente bem.
(Frade, 2010, p. 106-107)

(O camaleão) pode em função do contexto, ao qual é sensível,


nuanciar o seu fenótipo com o intuito de melhor preservar a sua
integridade, no entanto, jamais subverte a sua identidade. E o jogar
de qualidade deve manifestar-se deste modo, deve ser sensível ao
contexto, e nuanciar-se para melhor dar respostas aos diferentes
padrões de problemas que enfrenta, mas sem perder a sua
identidade, isto é, mantendo a concretização das suas regularidades
(macro) e que caracterizam os seus desempenhos. Esta nuanciação
sem implicações na dominância, isto é, de modo a que a
dominância esteja nas regularidades e não na novidade que o
sistema comporta, pois como foi referido, estas interferências são
de extrema sensibilidade. Quando as equipas sobrevalorizam a
dimensão estratégica sobre a dimensão tática, que por ser
identitária se deve assumir como supra, o que sucede é que a
equipa se metamorfoseia não como um camaleão, mas sim como um
palhaço! Os palhaços mascaram-se mas a sua identidade é
escondida ou subvertida. Os jogares “palhaços” acredito podem
muito bem ser motivo de riso, mas dos adversários!
(Maciel, 2013, p. 17)

Um jogar à camaleão ou um jogar estilo palhaço? Escolho o camaleão,


isto é, a dimensão tática convivendo de maneira saudável e harmoniosa com
a estratégica, depois de solidificada, é claro! E se ainda houver alguma
dúvida a respeito das diferenças de tática e estratégia, Frade dissipa-as:
Muitas vezes, na rádio e nos jornais, as pessoas estão a referir-se,
quando muito, a nuances estratégicas, mas falam em «tática».
Quando eu falo em tática, falo em cultura de jogo, falo de um
entendimento de jogo. E cultura tem a ver com a postura, com
aquilo que fazemos espontaneamente. Ou seja, um grupo de
indivíduos vai fazer algo espontaneamente, mas «obrigados» pela
mesma cultura. Portanto, o tático é a aquisição desse algo, isto é,
de uma forma de jogar, como uma cultura de jogo.
(Frade, citado por. Amieiro & Maciel, 2011)

Se a tática é a dimensão que rege o jogo de futebol, também deverá ser


ela a coordenar e balizar toda a lógica processual do treinar. Por isso
necessitamos de um pensamento que trate de ser coerente com o nível que
esta realidade exige. E é justamente debruçado nesta lógica, nesta conceção
transgressora e neste desafio, que nasce a Periodização Tática.

10 Jogar: O jogar é o tipo de futebol que uma equipa produz. São regularidades que identificam uma
equipa. Este é um conceito chave para a compreensão do que está por vir neste livro e estará sempre
em itálico, de modo a diferenciar um jogar de um “Jogo Geral”.
11 Homeodinâmico: A equipa deve ser entendida como um sistema homeodinâmico tendo em conta
o conceito apresentado anteriormente (tendência de um sistema no que se refere a sua sobrevivência
dinâmica e transcendência, seguindo as transformações do contexto através de ajustes estruturais
internos). É importante fazer esta ressalva pois, uma equipa embora passe por diferentes
circunstâncias e contextos tentando manter uma condição de estabilidade, mediante múltiplos ajustes
de equilíbrio dinâmico, controlados por mecanismos de regulação que se inter relacionam, ela nunca
volta ao ponto de partida, isto é, as vivências fazem com que a equipa vá evoluindo, ainda que de
maneira não-linear, ao longo do tempo.
12 (Des)hierarquia: Falamos em deshierarquia pois dentro de uma lógica sistêmica a noção de
hierarquia e suas fronteiras bem demarcadas não faz sentido, o que existem são redes aninhadas em
outras redes. Não deve haver juízo de valor na natureza do “superior” e do “inferior”, pois o que há é
uma sinergia, uma “deshierarquia, no sentido que não há, que não é uma anarquia, mas é uma
deshierarquia” (Cunha e Silva, 2008, citado por. Maciel, 2011a).
13 Modelo de Jogo: Conceito que será abordado com maior profundidade posteriormente.
14 Considerarei um momento como um conjunto de instantes, que se deseja darem sentido e
padronizarem as equipas quando têm a posse da bola, quando não a tem e entre o perder e o recuperar
a posse da bola. Esta divisão em quatro momentos surge sobretudo em função de uma necessidade
didática para melhor compreender e padronizar o jogo. Conforme evidenciarei adiante, a riqueza do
jogo e dos jogares está na sua fluidez, na sua inteireza inquebrantável.
15 Ainda que seja possível e razoável considerar as bolas paradas dentro da organização defensiva e
ofensiva, acredito ser importante, devido a sua especificidade, tratá-las como um quinto momento.
Entretanto, a minha análise neste capítulo centrar-se-á somente nos aspetos com a bola em
movimento.
16 Inteireza Inquebrantável: Tendo em conta a perspectiva sistêmica, a terminologia “inteireza
inquebrantável” direciona-se para a noção de “inteiro”, isto é, algo (neste caso o jogo, um jogar, a
equipa, os jogadores...) que está conectado e relacionado, não devendo por isso ser partido e
separado, pois como vimos, o todo está na parte que está no todo, onde a natureza das relações e o
contexto desempenham um papel chave no emergir do mesmo. Ao partirmos o todo nós o mutilamos,
uma vez que o segredo se encontra nas conexões e nos padrões de organização do todo (Maciel,
2011a). Portanto, a fragmentação das partes de um sistema não implica somente a separação delas,
mas também a anulação das suas propriedades emergentes (Tamarit, 2007).
17 Recriado ao nível dos contornos e não ao nível da matriz.
18 Futebol e o treino vistos à luz da complexidade: Importante enfatizar que embora alguns autores
de que me servi para evidenciar algumas características inerentes ao jogo de futebol pensem de
maneira diversa do convencional, querendo transcender a perspectiva cartesiana, isso não significa
que as mesmas estão plenamente –ou as vezes até minimamente– sintonizadas e identificadas com a
Periodização Tática do professor Vítor Frade.
19 Acaso: “Comportamento errático e fruto da sorte. Sequência de acontecimentos em que nenhum
deles ocupa a mesma posição que já ocupara anteriormente. Alguns descrevem o comportamento
caótico como inerentemente ao acaso, visto que é imprevisível em termos específicos. Outros ainda
descrevem-no como aparentemente ao acaso, porque é gerado por leis fixas e tem a propriedade da
auto-semelhança” (Stacey, 1995, p. 545).
20 Caos: O termo caos é utilizado em vários sentidos. Segundo Stacey (1995): num sentido
específico “como um modelo inerentemente ao acaso de comportamento gerado por “imputs” fixos
em leis (relações) deterministas (isto é, invariáveis). As leis tomam a forma de nós não-lineares de
feed-back. Apesar do caminho específico seguido pelo comportamento, este tem sempre um modelo
de base, um modelo “escondido”, um modelo global ou ritmo. Este modelo é a auto-semelhança, isto
é, um grau de variação constante, uma variabilidade consistente, uma irregularidade regular ou, de
forma mais precisa, uma dimensão fractal constante. Assim, o caos é a ordem (modelo) dentro da
desordem (comportamento ao acaso)”. Num sentido geral “para descrever o corpo da teoria do caos,
a sequência completa de comportamentos gerados por regras de feedback, as propriedades dessas
regras e esse comportamento”. Por vezes, é também usado para descrever o estado longe-do-
equilíbrio instável, aberto e sensível, no qual precede uma escolha abrupta e espontânea.
Importa referir que para Stacey (1995) os sistemas caóticos são sistemas complexos que se
caracterizam por um conjunto de agentes em interação, que cooperam, com objetivos e
comportamentos comuns coordenados, fazendo emergir uma certa ordem e estabilidade num
contexto caótico, de desordem e instabilidade permanente. Estes sistemas apresentam padrões de
ação que no tempo se repetem, denominados invariantes ou de regularidades. Esta propriedade
manifesta um modelo ou padrão “oculto” que Stacey (1995) denomina de auto-semelhança, isto é,
um grau de variação constante, uma variabilidade consistente, uma irregularidade regular.
21 Causalidade: De acordo com Tamarit (2013b, p.116), a causalidade pode ser descrita como: “É a
relação entre um evento designado geralmente de causa e um segundo evento designado de efeito,
sendo que numa conceção linear o segundo evento é uma consequência do primeiro. Podemos
distinguir dois tipos de causalidade: a linear e a não-linear. Gleick (2005, p. 49-50) esclarece que
“as relações lineares podem ser representadas por uma linha reta num gráfico. As equações lineares
são solucionáveis, o que as torna próprias para os livros de texto. Os sistemas lineares possuem uma
virtude modular importante: pode-se separá-los e voltar a reuni-los – as peças encaixam.” Pelo
contrário conforme adverte: “os sistemas não-lineares não são solucionáveis nem obedecem a
princípios de sobreposição de soluções… Não-linearidade significa que a maneira como se joga
altera as regras do jogo… Esta mutabilidade recíproca torna a não-linearidade difícil de calcular,
mas origina também uma variedade de comportamentos possíveis que não existe nos sistemas
lineares.”
Pode dizer-se que a causalidade ou determinação de um fenómeno é a maneira específica na qual os
eventos se relacionam e surgem, motivo pelo qual apreender ou tentar decifrar os contornos gerais
da causalidade de um fenómeno passa por perceber as relações que se estabelecem e a amplificação
que dessas relações podem resultar. É isto que permite apreender a inteligibilidade global de um
sistema, ainda que no caso da causalidade não-linear, como sucede no caso do futebol, tal
inteligibilidade deva fugir da “vertigem” pela catalogação, visto que em termos de pormenor ela é
indecifrável. Daí que o Professor Vítor Frade afirme que “para o detalhe não existe equação”.
22 Sensibilidade às condições iniciais: “Propriedade amplificadora dos mecanismos de feedback
não-lineares, o que significa que minúsculas alterações podem sofrer uma escalada até à mudança
completa de comportamento a longo prazo” (Stacey, 1995, p. 548).
23 Fractal: “Propriedade de fracturar e representar um modelo caótico em sub modelos, existentes
em várias escalas, que sejam representativos desse modelo” (Mandelbrot, 1991 citado por. Amieiro,
Frade & Guilherme Oliveira, 2008), ou seja, é uma parte invariável ou regular de um sistema caótico
que, pela sua estrutura e funcionalidade, consegue representar o todo, independentemente da escala
considerada (Oliveira et al., 2006, p. 217).
24 Cibeles: A Praça de Cibeles (Plaza de Cibeles), situada no centro de Madrid, é o tradicional ponto
de encontro dos adeptos do Real Madrid para comemorações de títulos do clube merengue.
3 A Periodização Tática
A designação Periodização Tática é um bocado agressiva,
provocatória, precisamente para se saber que existe uma
periodização, e quando se fala neste termo, deve-se saber o que eu
estou a querer dizer com ele. Ou seja, é usar um determinado
período de tempo para levar a efeito uma determinada ordem, mas
se é Periodização Tática esse tempo é gasto para se conseguir dar
ênfase ao lado tático, mas mesmo aqui é provocatório no sentido de
que a conceção evidencie um tático que não é condizente com o que
normalmente se refere. Ou seja é um aspeto meramente
organizativo do jogar e intencionalizado, tem a ver com a
aculturação de princípios na dinâmica do jogar de uma equipa e se
de facto esse jogar tiver qualidade demora o seu tempo a construir.
Isto foge a toda lógica da periodização convencional.
(Frade, 2010, p. 106)

Até a designação que eu coloco inicialmente que é precisamente


essa, Periodização Tática, é provocatória, porque eu já sabia, logo,
logo que se ia dizer «mas periodização é outra coisa, e tática não
é…!» É precisamente essa a intenção, aparecer uma coisa de um
modo diverso, porque regra geral todo o outro tempo que se utiliza,
toda a outra periodização que se utiliza é em função do físico, é em
função, digamos, das capacidades ditas condicionais, ou das fontes
energéticas, ou das capacidades ditas motoras, ou das qualidades
motoras, é tudo em função disso, era portanto na realidade uma
lógica transgressora com uma linguagem e não só, «Periodização
Tática». Eram dois termos que tinham uma afinidade com as
pessoas e que as pessoas viam de outra maneira! E portanto, «o que
é que este gajo quer dizer com isto?!» Complementando
terminologicamente muitas vezes para os elucidar melhor, designar
ou referenciar isso de outro modo, mas que não necessariamente,
porque eu acho que mesmo num ano de treino os períodos são
diversos, são diversos em função da singularidade das
circunstâncias e que eu tenho que tomar em conta isto
antecipadamente, e tenho que arranjar uma lógica que me dê
sustentabilidade a essa necessidade. E a noção de “tática” é uma
noção central para mim no jogo de futebol. É a organização, uma
organização intencionalizada, um «dinamismo de dinâmicas», e
portanto tem um plano que é mais macro que é, digamos assim, a
saliência dos referenciais coletivos, englobando a totalidade dos
sectores e as relações entre os sectores, e neste caso um
intersetorial, um que é intra, e depois um plano mais micro, que do
meu ponto de vista é tanto mais diverso, diversificado ou infindável,
quanto mais qualitativo for este primeiro plano, que é o plano
macro! Mas isso é uma organização, é uma dinâmica construída, de
várias subdinâmicas que eu tenho que alimentar ininterruptamente,
respeitando uma causalidade que tem, que é tão importante na sua
lógica ascendente como na sua lógica descendente. Portanto, o
micro interfere no macro e o macro interfere no micro e é a
capacidade de sustentar isto no sentido do equilíbrio que tem que
ser uma constante.
(Frade, 2013b, p. 81)

Não podemos, como treinadores, estar nisto como se o futuro a


alcançar, no que se refere ao jogar, não tivesse um presente. O
futuro só se “PRÉ-VÊ”, não se PREVÊ, isto é, prepara-se
periodizando-se metodologicamente.
(Frade, 2012)

Periodizar...
É codificar a temporalidade,
periodização é praticar
a ideia de jogo na treinabilidade.
(Frade, 2014a, p. 22)

A Periodização Tática é uma metodologia de treino de futebol criada e


sistematizada pelo professor Vítor Frade, que a partir das suas experiências
e ideias, começou a criar esta conceção, pois acreditava que as
metodologias de treino de futebol que até então existiam não atendiam às
necessidades que o futebol apresentava.
Tal conceção de treino apresenta princípios metodológicos próprios e
concebe o treino como um processo de ensino-aprendizagem. Trata-se de
uma metodologia cujo propósito fundamental passa pela aquisição de uma
forma de jogar específica (em todos os níveis), servindo-se para tal de uma
lógica diferente da que convencionalmente se adota para o futebol e por
isso apresenta princípios metodológicos únicos, transgressores, que saem
dos moldes convencionais.
Logicamente, a criação e a consequente aquisição de um jogar por parte
dos jogadores, não se faz da noite para o dia e, portanto há a necessidade de
distribuir temporalmente tal aquisição, ainda que de maneira não linear –em
termos gerais a época, em termos estruturais e operacionais o Morfociclo25,
daí o sentido de se falar em “Periodização”, e “Tática” por ser esta a
dimensão que irá coordenar todo o processo de treino, assumindo-se,
portanto como uma supradimensão. É a periodização de um “jogar”.
Embora seja possível fazer uma equipa pensar e jogar como equipa, ou
seja, estabelecer a fusão entre a pretensão (intenção prévia), e aquilo que de
facto acontece (intenção em ato) entre todos os indivíduos de um
determinado grupo, não é tarefa fácil e muito menos simples.
Daí que a Periodização Tática tendo tais pretensões, diferentes das
comummente referidas pelas metodologias do treino, tenha
igualmente pressupostos transgressores, que passam desde logo
pela necessidade de conceber o processo como uma realidade
dinâmica e complexa, pela necessidade de conhecer o ser que joga
– com a particularidade de se tratar de uma realidade em que o
Homem mais do que agir se vê obrigado a interagir, o que implica
por sua vez dar importância não somente às estruturas efetoras do
movimento mas também às que o comandam e controlam. Implica
portanto conceber-se o Corpo26 como uma realidade inteligente.
(Maciel, 2011b, p. 2)

Sendo a nossa preocupação máxima o “jogar” que se pretende manifestar


em competição, na minha opinião, a Periodização Tática apresenta-se como
um caminho metodológico extremamente viável, porque esta se distingue
das outras metodologias ao entender o homem à luz da complexidade, isto
é, ao conceber o homem como um ser inteligente que interage com os
outros, e também entender o homem como um ser que também é
circunstâncias.
Desenvolver o «jogar», esta ideia de jogo, contempla a necessidade
de reconhecermos que o futebol é um jogo coletivo constituído por
individualidades que se relacionam e fazem emergir uma dinâmica
como um todo funcional. Ou seja, passa também pelo
reconhecimento de que o treinador modela seres humanos em
interação. A Periodização Tática exige que se respeite o homem
como ser humano, ou seja, um ser inteligente, sensível, adaptável e
capaz de o fazer com os outros.
(Gomes, 2013, p. 318)

Outro pressuposto fundamental passa por reconhecer os traços que fazem


o futebol ser futebol, “nomeadamente a sua natureza complexa e
competitiva, o que implica que o treino respeite a matriz da competição, e
mais precisamente do que se deseja em competição em termos gerais”
(Maciel, 2011b, p. 2).
Deste modo, a Periodização Tática será dirigida por uma matriz
conceptual e metodológica, falo de uma ideia de jogo (requisito
fundamental) e de sua operacionalização, tendo por base os seus princípios
metodológicos (Propensões, Progressão Complexa e Alternância Horizontal
em especificidade), tendo como objetivo alcançar uma organização coletiva
de qualidade, tendo também em conta a maximização do individual, de
maneira que a evolução de cada jogador dentro do coletivo interfira na
melhoria do mesmo.
É importante evidenciar que na Periodização Tática as preocupações não
são apenas com o lado coletivo, mas também com o individual (não há
coletivo sem indivíduos, e estes necessitam que as suas capacidades e
qualidades sejam desenvolvidas, potenciadas e maximizadas), e por isso,
durante o processo o treinador deverá contemplar não apenas o plano macro
do jogar, mas também o plano meso e o plano micro, de modo a que tal
interação contribua com a melhoria do todo.
Portanto, o primado está no coletivo (enquanto intencionalidade) e ao
mesmo tempo no indivíduo (na concretização e aquisição).
Podemos dizer que a dinâmica evolutiva resultante do treinar,
segundo este modelo é (co)auto-hetero. Auto porque se vão
registando alterações no indivíduo. Hetero porque os princípios de
jogo contemplam, fundamentalmente, relações entre vários
indivíduos. Ou seja, o indivíduo progride, mas submetido a uma
lógica que tem a ver também com a coexistência e crescimento dos
outros, num registo comum no que se refere à conceção de jogo (e
de treino). Daí o (co).
(Oliveira et al., 2006, p. 154)

A realidade competitiva do futebol, precisamente no rendimento superior,


caracteriza-se por um período preparatório muito reduzido e por uma
elevada densidade competitiva, onde os jogos são constantes e muito
próximos temporalmente.
Tendo em conta esta realidade, a operacionalização da Periodização
Tática tem como prioridade manifestar de maneira consistente uma
regularidade competitiva, baseada numa ideia de jogo, oferecendo
condições para que tanto a equipa, bem como as individualidades que a
constituem, tenham as máximas condições e disponibilidade para competir
em alto nível continuamente.
Desta forma, pretende-se uma estabilização do rendimento em patamares
elevados, que poderá ser alcançada através da respeitabilidade de um
padrão semanal, o Morfociclo Padrão, como veremos mais adiante.
Ainda, com relação às características e à natureza do jogo de futebol, um
outro aspeto que importa entender, uma vez que justifica a sua possível
eleição enquanto conceção metodológica, é que no jogar podem ser
descortinadas algumas regularidades identificando-se um padrão (sobretudo
ao nível macro) podendo por isso ser modelado, ainda que o jogo seja um
fenómeno complexo, aleatório em termos de pormenor e sensível às
condições iniciais.
Desta forma o futebol pode assumir várias manifestações, isto é, trata-se
de um fenómeno plural, passível de ser jogado de diferentes maneiras e que,
portanto –e perante aos motivos que já aqui evidenciei, constitui-se como
imperativo (ao menos deveria, tanto ao nível da formação como do alto
rendimento)– optarmos por uma determinada maneira de jogar, isto é,
selecionar das muitas ideias possíveis a nossa (dos vários “futebóis” que
existem).
A operacionalização destas ideias deverá ser feita preferencialmente em
contextos de prazer e paixão, já que está mais do que provado que o
desprazer é contraproducente aos processos de ensino-aprendizagem
(Maciel, 2011b), levando os jogadores a agirem e a interagirem de maneira
intencional, levando-os a vivenciar a ideia de jogo tanto subconsciente
como conscientemente.
Para Maciel, a Periodização Tática é uma metodologia ajustada para o
futebol porque tem uma validação e um suporte teórico único e cada vez
mais robusto, cuja aplicabilidade se argumenta e fomenta na prática. Tem
portanto validade prática como comprova o êxito de alguns treinadores e
um suporte científico muito consistente. Não é uma ciência do abstrato, mas
sim uma ciência in vivo.
Esta conceção de treino poderá definir um novo rumo para o futebol e
para o treino, pois identifica-se com conceitos complexos e sistémicos que
permitem compreender o jogar que se pretende criar sem ter de mutilá-lo,
desenvolvendo as capacidades coletivas ao mesmo passo em que as
individualidades são maximizadas.
Amieiro (2012) salienta que face ao modo como olhamos, vivemos e
sentimos o futebol – ao reconhecermos a sua essência, sua lógica interna,
sua complexidade, a dominância da dimensão tática enquanto balizadora de
tudo o que acontece no jogo e a necessidade de tornar singular o que a
partida é plural, etc. – somos levados naturalmente a ver a Periodização
Tática como uma metodologia extremamente viável e ajustada ao
fenómeno, como “uma conceção metodológica que é uma consequência
trivial do jogo de futebol” (Resende, 2002), tanto ao nível do futebol
profissional como da formação de jovens jogadores. Nós só sentimos
necessidade daquilo que conhecemos!
Embora para a maioria das pessoas a Periodização Tática seja uma
novidade, levando-as a designarem-na como uma metodologia
vanguardista, na verdade não o é, pois os seus pilares fundamentais
começam a ser edificados em 1970, com base em fontes dessa época e
ainda anteriores (Maciel, 2011b).
Também importa referir que embora esta metodologia esteja balizada
numa matriz conceptual (ideia de jogo do treinador) e metodológica
(princípios metodológicos), diferentemente de outras, ela não concebe o
processo de treino como um “manual”, ou seja, não há receitas. Há uma
grande necessidade de adequação ao contexto envolvente, que sempre é
único e singular para cada processo, onde o treinador –principal responsável
pela condução do processo– deve intervir e guiar as suas ações de acordo
com esta lógica, tendo muita sensibilidade.
Em suma, a Periodização Tática é um fato feito à medida, pois é singular
em todos os sentidos, para cada processo, cada contexto e cada jogar.
“Encontra-se na esteira do pensamento sistémico e como tal coloca a
ênfase nas relações, na qualidade e nos padrões, sem refutar na sua
evolução a intuição, mostrando assim que tal como treino, também a
ciência de qualidade requer arte” (Maciel, 2011b, p. 3).
Nesse sentido a modelação de um jogar, ou seja, a criação de um Modelo
de Jogo e o seu desenvolvimento, mais do que ganhar um sentido é uma
necessidade. Inclusive, tal como refere Faria (1999) não há lógica, é
irracional pensar-se em Periodização Tática sem pensar no modelo de jogo
que está a ser construído. Definitivamente o modelo de jogo é uma questão
absolutamente central na Periodização Tática.

3.1 Modelo de jogo, que entendimento(s)? A estrutura de jogo &


ideia de jogo
Ao procurarmos pela palavra “modelo” no dicionário de língua
portuguesa Priberam deparamos-nos com uma grande quantidade de
conceitos. Segundo este glossário a palavra “modelo” poderá estar
associada a alguma imagem, desenho ou objeto que serve para ser imitado;
a uma pessoa que mereça ser imitada; a profissionais do mundo da moda
(modelos ou manequins), etc.
Esta variedade de definições também se faz presente quando falamos de
futebol. É precisamente neste contexto que surge o “modelo de jogo”, um
conceito que tem vindo a ganhar destaque na literatura e inclusivamente
televisão e jornais. Entretanto, o entendimento deste conceito praticamente
varia de pessoa para pessoa.
É muito comum escutarmos expressões do tipo: “Meu modelo de jogo é o
1-4-3-3”; “o clube tem um modelo de jogo definido, todas as equipas jogam
em 1-4-4-2”; “a equipa mudou o modelo de jogo no intervalo da partida”,
etc.
Contudo, para a Periodização Tática, a noção de modelo de jogo
necessita do devido entendimento de seu significado. Nesse sentido, parece-
me importante estabelecer uma linguagem comum. Começarei por
esclarescer dois conceitos que por vezes são confundidos com a noção de
modelo de jogo. Refiro-me à estrutura de jogo e à ideia de jogo.
A estrutura de jogo (vulgarmente conhecida como “sistema de jogo27”)
pode ser entendida como a estruturação/disposição dos jogadores no terreno
de jogo, ou seja, a forma de colocação dos jogadores no campo de jogo. A
princípio, trata-se de uma organização rígida e sem funcionalidade, não
possuindo vida própria, mas que, entretanto assume-se como um aspeto
muito importante no emergir e concretizar das dinâmicas e
intencionalidades coletivas desejadas, daí que a sua eleição não pode ser
feita de maneira leviana (Maciel, 2011b).
“Normalmente as pessoas pensam que falar em estruturas é uma coisa
que não tem importância, o que tem importância são as dinâmicas. Ora
bem, mete uma estrutura contra uma estrutura e vês que as dinâmicas de
compensação são completamente diferentes.”, diz o treinador André Villas-
Boas (2009).
Portanto, conforme sugeri, a escolha da estrutura de jogo deverá ser feita
com muito cuidado e coerência, porque na distribuição geométrica dos
jogadores geramos diferentes relações, diferentes possibilidades de
interações no jogo, diferentes formas de operacionalizar conceitos. Ou seja,
podemos facilitar ou dificultar a propensão do aparecimento de
determinadas interações utilizando a estrutura A ou B (Esteves, 2012).
Van Gaal (2006) acrescenta que a escolha da estrutura de jogo deverá ter
em conta, obrigatoriamente, a qualidade e as características dos jogadores
que se tem à disposição, de maneira a maximizar as qualidades dos
mesmos. Por exemplo, se estivermos a treinar no Brasil, e na nossa equipa
houver um jogador diferenciado em termos de qualidade como Paulo
Henrique Ganso, típico número 10 (médio ofensivo): seria conveniente
optarmos por uma estrutura de jogo que não contemplasse esta posição,
como um 1-4-4-2 com duas linhas de quatro? Será que estaríamos –à
partida– a explorar e potencializar as melhores qualidades deste jogador em
prol da equipa? Penso que não.
Carlo Ancelotti pensa de maneira semelhante. Ele relata que no início de
sua carreira preferia a estrutura 1-4-4-2, “mas depois das realidades que
vivi, o tempo e a experiência levaram-me a conceber o sistema de jogo
como uma espécie de fato, possível de ser feito à medida, com o que o
treinador veste o grupo de jogadores que tem à sua disposição, para que
estes possam manifestar plenamente as suas qualidades num jogo
otimizado que represente a realidade cultural e histórica do clube”
(Ancelotti, 2013).
Deste modo, convém salientar que apesar de a estrutura de jogo ser algo
extremamente importante, não podemos simplesmente comparar e pensar
sobre as estruturas de jogo sem ter em conta (para além dos jogadores
disponíveis) a ideia de jogo, isto é, o modo como queremos que a equipa
venha a jogar. A estrutura de jogo é fundamental em função de uma ideia de
jogo e dos jogadores disponíveis.
“Dizer que uma ou outra estrutura é melhor do que outra na
manifestação de determinadas interações é uma abstração se não olharmos
para uma ideia de jogo e para as características dos jogadores28 em
concreto”, diz Sousa (2009), analista de desempenho e treinador adjunto de
André Villas-Boas.

Exemplo de Estrutura de Jogo, neste caso o 1-4-2-3-1

Por sua vez, a ideia de jogo (ou conceção de jogo), como já disse, são as
ideias de futebol que um treinador possui, ou melhor, trata-se da maneira
que ele pretende que a equipa venha a jogar. Por outras palavras, a maneira
como quer que a equipa defenda, ataque e realize as transições. Tal ideia é
baseada em princípios de jogo29 que procurarão dar um padrão30 de jogo à
equipa, o tal jogar.
Em termos concretos e objetiváveis, Xavier Tamarit (treinador adjunto de
Maurício Pellegrino em diversos clubes de alto nível), explica a sua ideia de
jogo, grosso modo, para a equipa que naquela época estava a treinar, a
equipa feminina do Valencia Club de Fútbol, de Espanha.
Para este treinador, a sua equipa em organização ofensiva deveria
dominar a equipa rival controlando a partida por meio da manutenção da
posse de bola, uma posse mais circulada, conseguida através de um bom
posicionamento no jogo; criação de triângulos permanentemente; muita
largura e profundidade (fazer o “campo grande”), muita mobilidade das
jogadoras, especialmente das que não possuem a bola. Xavier também
pretendia que a sua equipa estivesse preparada e atenta à possibilidade de
perder a bola, aliando uma boa capacidade de antecipação a determinados
equilíbrios posicionais.
Outro aspeto fundamental que o treinador destaca é a equipa possuir uma
boa qualidade de passe, onde todas as jogadoras devem saber ter a bola –
guarda redes incluída– destacando que esta é um elemento fundamental na
dinâmica ofensiva da sua equipa. “Pretendo que durante a manutenção da
posse de bola, nós tenhamos a capacidade de decifrar quando o nosso
adversário segue estando organizado e quando conseguimos desorganizá-
los, para poder entrar em profundidade ou não” (Tamarit, 2013a, p. 378).
Xavier afirma que a paciência é algo muito importante para atingir os seus
objetivos, entretanto não devemos confundir paciência com lentidão,
conforme o mesmo salienta: “Não devemos ter pressa, devemos imprimir
velocidade no jogo – quando assim as circunstâncias exigirem – mas sem
pressa”.
Este treinador espanhol prossegue explicando que os pressupostos
preconizados em organização ofensiva permitem que a sua equipa atue
dentro de uma determinada lógica nos outros momentos do jogo (a já
referida articulação de sentido), algo que é facilmente verificável quando o
mesmo conta que pretende recuperar a bola o mais rápido possível após
perdê-la (transição ataque-defesa), realizando uma forte pressão à portadora
da bola e às possíveis linhas de passe adversárias, sendo esta garantida pela
provável elevada densidade de jogadoras perto da bola e do espaço
circundante:
No final das contas tudo está conectado, uma coisa com a outra,
tudo tem conexão. Se tu estás a conseguir ter posse de bola, eu já te
disse que temos um jogo posicional muito forte e é este jogo
posicional que nos permite ter muitos jogadores em campo
contrário. Então, quando nós perdemos a bola –que costuma ser em
campo contrário– no nosso caso, quase sempre temos muita gente
perto para poder realizar uma pressão com o objetivo principal de
roubarmos a bola para estarmos com a posse de bola novamente.
(Tamarit, 2013a, p. 378)

Xavier Tamarit também coloca que por vezes durante o jogo existem
momentos em que a sua equipa não consegue desenvolver o jogo posicional
desejado, porque não conseguiram ter a posse de bola da maneira de que
gostariam sobretudo pelos condicionalismos que o adversário pode impor-
lhe. Isso muitas vezes faz com que não seja desejável pressionar a portadora
da bola com o intuito de recuperá-la imediatamente, antes, talvez seja
preferível resguardar e proteger a profundidade, retardando a progressão do
adversário através da pressão de algumas jogadoras, dando tempo para que
a equipa se organize defensivamente.
Esta variabilidade funcional revela-se importante, especialmente quando
se enfrentam equipas que são extremamente competentes e eficazes em
contra-atacar, que jogam a bola nas costas da defesa.
Por isso, nos instantes subsequentes à perda da posse da bola, as
jogadoras devem interpretar as circunstâncias do instante para melhor
decidir, se há possibilidade ou não de pressionar imediatamente de forma
coletiva para roubar a bola o mais rápido possível; se retardam a progressão
do adversário com o intuito de se organizar defensivamente. Consoante as
interpretações que as jogadoras fazem nas circunstâncias, ou seja, o
referencial coletivo existe, mas a decisão depende da interpretação que se
faz no “aqui e agora”.
Depois, se o adversário conseguiu manter a posse da bola, ou seja,
a nossa transição não teve o êxito esperado –se a intenção era
roubar a bola imediatamente– ou teve o êxito evitando a
profundidade e ganhando tempo para nos reorganizarmos, somos
uma equipa que quando estamos organizados defensivamente,
tentamos condicionar, ou seja, minha ideia de jogo em momento
defensivo é a de uma equipa que tenta condicionar o adversário.
(Tamarit, 2013a, p. 379)

Xavier Tamarit em organização defensiva deseja condicionar o rival


através de uma marcação à zona pressionante. Entretanto a altura em que o
bloco defensivo se posicionará dependerá de diferentes circunstâncias.
Inicialmente agrada-lhe iniciar o jogo em bloco médio, para depois passar a
bloco alto ou baixo, dependendo das situações.
E porque depende das circunstâncias? Porque se a minha equipa
não está a conseguir ter a posse de bola durante um jogo, ela não
conseguirá realizar pressão em bloco alto como eu gostaria, porque
é um tipo de pressão que desgasta muito e necessitamos ter a bola,
para recuperar com a posse e para estarmos frescos quando não a
temos, por exemplo...
E tudo isso a minha equipa já sabe, sabe quando podemos e quando
não podemos, conforme o jogo está a decorrer.
(Tamarit, 2013a, p. 379)

Embora a altura do bloco defensivo seja variável, os seus princípios de


jogo em organização defensiva não o são. Xavier pretende que sua equipa
provoque o erro do rival, recuperando a bola através de uma grande pressão
coletiva, conseguida por um excelente jogo posicional, ou seja, um bloco
coeso e compacto (reduzido em largura e profundidade – “campo pequeno”
com muitas linhas em largura e profundidade), com coberturas
permanentes, etc.
Procura-se conduzir o rival até determinadas zonas de interesse e
pressioná-lo com muita agressividade para recuperar a bola.
Realizamos uma defesa muito pressionante, que nos permite
conduzir o adversário para onde nós queremos, pelo menos é isso
que nós tentamos, promover momentos de pressão e ganhar a posse
da bola em determinadas zonas que nos permitem ter um bom
posicionamento para quando estivermos novamente com a posse da
bola.
(Tamarit, 2013a, p. 379-380)

Aqui mais uma vez a articulação de sentido –implicada na coerência e


respeito pela inteireza inquebrantável da ideia de jogo– aparece, ou seja,
pretende-se recuperar a bola de determinada maneira, para atacar como se
pretende.
Por fim, após a recuperação da bola acontecer, Tamarit pretende que a
sua equipa fique com a bola em segurança e faça uma gestão das
circunstâncias, ou seja, as jogadoras consoante a situação devem decidir o
que fazer, se o melhor é tentar um passe imediato na profundidade para
tentar levar perigo ao adversário imediatamente, ou manter a posse de bola
com o propósito de buscar novamente o jogo posicional preconizado, dando
tempo para a equipa abrir tanto em largura como em profundidade. As
jogadoras devem estar sintonizadas com a ideia, que é de manter a posse da
bola para que quando vivenciem diferentes situações no jogo saibam como
lidar com elas. Algo que não ocorreria se tivéssemos um jogar de cartilha,
onde é “primeiro isso, depois aquilo”. Periodiza-se a ideia, para que os
indivíduos sintonizados e contagiados com a mesma possam agir e interagir
de acordo com os referenciais coletivos.
Esta é, grosso modo, a ideia de jogo de Tamarit tendo em conta este
contexto.
É importante percebermos, ainda que em contornos gerais, o que é uma
ideia de jogo, de modo a diferenciá-la de uma noção mais complexa, aberta
e dinâmica, que é o modelo de jogo.

3.2 O modelo de jogo


Conforme referi anteriormente, o treinador deverá optar por uma maneira
de jogar, sempre atendendo ao contexto e às circunstâncias em que se
encontra envolvido.
Quando um treinador é contratado para dirigir uma equipa, ele leva
consigo ideias próprias sobre a forma de jogar que pretende (ao menos
deveria), o que não deveria ser indiferente aos clubes que o contrata –que
deveriam estar atentos a que tipo de ideias estão trazendo ao clube – o que
na verdade infelizmente nem sempre acontece.
Portanto, na chegada de um treinador, este trará consigo uma ideia, um
esboço inicial de como quer que a equipa venha a jogar (em termos
coletivos, – num nível macro, matricial), ou seja, como a equipa vai
defender, como vai atacar e como vai perspectivar as transições.
Esta ideia de jogo será condicionada e influenciada pelo entorno, o
contexto envolvente, ou seja, o país em que se vai treinar, a cultura do
clube, as características dos jogadores, e várias outras coisas.
Portanto, após o treinador tentar entender a realidade que inicialmente o
envolve e sistematizar31 a sua ideia tendo em conta essas circunstâncias, dá-
se a modelação do modelo de jogo enquanto intenção prévia, uma vez que
tais ideias ainda estão apenas na cabeça do treinador e não foram levadas à
prática.
A treinadora adjunta da seleção portuguesa, Marisa Gomes, deixa claro
em entrevista a Xavier Tamarit (2013b, p. 21), que a criação do modelo de
jogo (como consequência da intenção prévia) está influenciada pelo
contexto em que nos encontramos:
Primeiro tens que chegar ao contexto e ver o que é que tens, tentar
conhecer a realidade e para isso tens que conhecer o passado.
Conhecer o que tens no momento e o que aconteceu anteriormente.
O que motivou a tua chegada e o que se espera com ela. Depois vês
as condições do clube, dos jogadores, o campeonato e o contexto
macro em que o processo será desenvolvido. Tens que entender um
conjunto de coisas contextuais relacionadas com a cabeça dos
jogadores, que é o que eles têm, que é o que fizeram até agora, que
foi o que lhes permitiu estar ali e a dimensão do contexto. Assim,
podes ir dirigindo o projeto e as expectativas das pessoas envolvidas
e fazer que o jogo seja sempre (o mais próximo) (d)aquele que tu
queres. Outro lado importante é o facto de que por mais que nós
desejamos estar alheios às questões da direção, às questões do
contexto exterior, é muito complicado porque estás inserido numa
realidade, fazes parte de um contexto. Podes querer jogar de
determinada maneira, mas essa determinada maneira é condicionada
conscientemente ou inconscientemente pelo que acontece no
contexto. Inclusive podes não conseguir entender os motivos, mas
eles estão ali. Numa equipa profissional ainda é pior porque os
jogadores são mais velhos, portanto as crenças são maiores, estão
mais enraizadas e os contextos são diferentes, tens que ter a
consciência que tens que dar primazia às circunstâncias, àquilo que
tens para depois adequar aquilo que pensas. O lado conceptual só
existe para ajudar a que a realidade seja melhor.
Marisa e Xavier Tamarit fazem especial menção a respeito do futebol que
os jogadores têm dos pés à cabeça, ou seja, no Corpo todo. A nossa
intenção será que todos os jogadores possam entender o jogo que
pretendemos, que tenham essa ideia de jogo coletiva no corpo inteiro e para
isso será fundamental que essa ideia prévia, essa ideia global, seja
vivenciada do início ao fim do processo, o que lhes permitirá a identificação
com esse jogar, a sua aquisição, primeiro a nível subconsciente e depois
conscientemente, como veremos de modo mais detalhado na última parte
deste livro.
Tal como ressalta Xavier, os jogadores também têm crenças a respeito da
maneira de treinar, algo que devemos ter em conta como também veremos
adiante.
Com relação ao peso que o contexto exerce sobre a criação do modelo de
jogo (enquanto intenção prévia) e também sobre sua modelação durante o
processo, peguemos como exemplo a realidade do Athletic Bilbao, um
clube com uma identidade muito singular, símbolo emblemático da
identidade basca, por não permitir que jogadores não nascidos ou não
desenvolvidos no país Basco, Navarra ou Iparralde possam vestir a sua
camisola. Para se ter uma ideia, este clube somente em 2011 teve seu
primeiro jogador negro a atuar numa competição oficial.
Isso exige do treinador habilidade e perspicácia uma vez que a cultura do
clube invariavelmente fará com que a modelação do processo se dê de uma
determinada maneira, desde a formulação da ideia de jogo, política de
contratações, aproveitamento dos jogadores formados no clube, uma
maneira diferente da que encontraria em qualquer outro clube.
José Tavares, treinador adjunto do FC Porto, em entrevista à Xavier
Tamarit (2013b) coloca que “um treinador que venha para o FC Porto,
antes de chegar deve ser um treinador forte, que ponha a equipa para jogar
de uma maneira ofensivamente forte, que nas transições seja muito forte e
que a equipa seja dominadora porque isso é o que os sócios querem. O
treinador do FC Porto deve cumprir com isso, se não cumpre não
conseguirá estar bem aqui. Então quando ele chega, deve compreender
qual é a realidade do clube, o que é que as pessoas do clube querem. E
como disse há pouco, não no sentido de se condicionar, mas no sentido de
adaptar a sua ideia”.
Ainda sobre a importância do respeito à cultura do clube e o modo como
ela influência na criação e modelação do jogar, Guilherme Oliveira (2011)
comenta sobre a passagem do treinador multicampeão Tomislav Ivić, que
orientou o Ajax de Amsterdão (Holanda) durante as épocas 1976/1978.
Este clube é reconhecido mundialmente por possuir uma cultura muito
própria, de um futebol de ataque, de “jogo bonito”, apoiado, com muita
circulação de bola, etc (influenciado em grande parte pelas ideias de Rinus
Michels e Johan Cruyff). Entretanto, Tomislav Ivić era um treinador que
possuía uma conceção de jogo completamente diferente da do Ajax. As
suas preferências passavam por um jogar assente numa organização
defensiva fortíssima e em saídas rápidas em contra-ataques, com bola
preferencialmente a aproveitar a profundidade dos alas/extremos, com
muitos cruzamentos, etc.
O que aconteceu foi que o Ajax lhe comunicou que para treinar o clube
de Amsterdão, ele deveria adaptar-se às ideias do clube, operacionalizando,
portanto, um jogar diferente do que preferia, caso contrário teriam de
procurar outro treinador. Ivić, aceitou a tarefa, ganhando inclusivamente um
campeonato nacional, mas ao completar 2 anos no cargo, o treinador
iugoslavo comunicou ao clube que se retirava do Ajax, porque se sentia
mal, pois “este não era o seu futebol”.
Tem-se aí um exemplo claro do peso que tem a cultura de um clube, na
modelação de um jogar. É impensável, por exemplo, alguém hoje assumir o
FC Barcelona e desejar jogar dominantemente em contra-ataques, tamanha
identificação cultural com uma forma de jogar específica que este clube
desenvolveu ao longo dos anos. Daqui sobressai a importância dos clubes
contratarem treinadores em função das suas ideias.
A este respeito, Guilherme Oliveira (2008) sublinha:
Quando um clube contrata um treinador, contrata ideias de jogo
porque sabe que vai jogar dentro de determinadas ideias (idealmente
falando). Mas também o treinador quando chega a um clube tem de
compreender que vai para um clube com um determinado tipo de
história, com determinado tipo de cultura, com um determinado
historial num país com determinadas características. E o treinador
tem de compreender tudo isso e o modelo de jogo tem de envolver
tudo isso. E se não se envolve com tudo isso, o que vai acontecer é
que, por mais qualidade que possa ter, pode não ter o mesmo
sucesso do que se tudo isso estiver relacionado.
Conforme refere Guilherme Oliveira, também os treinadores devem levar
em conta o contexto em que se encontram. Particularidades como a história
do clube, a sua cultura, as suas conquistas, a mentalidade dos adeptos, o
país, o campeonato são alguns aspetos fundamentais que se deve ter em
conta durante a modelação do processo.
Nesse sentido Marisa Gomes (2013) cita José Mourinho, um treinador
que demonstrou capacidade de adequação aos mais diferentes contextos, ao
treinar e ser campeão em campeonatos completamente diferentes (Espanha,
Inglaterra, Itália e Portugal). Para ela, trabalhar em diferentes contextos
geram necessidades diferentes, logo as vivências são diferentes e as
orientações, as modelações têm que ser necessariamente diferentes, ainda
que obedecendo a determinada lógica metodológica. E tendo em conta tudo
isto é que faz com que alguns treinadores tenham capacidade para trabalhar
fora de determinado padrão e outros não.
Conquistei a Liga espanhola com 100 pontos e a minha equipa não
jogava como o Barcelona. Se tentas imitar o que os outros fazem,
nunca atingirás o nível deles. Tens de respeitar o estilo dos teus
jogadores. É muito simples. Se tentas jogar como os outros e não
tens jogadores para isso, és muito estupido.
(Mourinho, 2013)

Cada treinador tem a sua forma de trabalhar e é igualmente


respeitável. Eu, particularmente, sempre tenho em conta a
idiossincrasia de um país, futebolisticamente falando, e de um
clube. É muito diferente a cultura futebolística da Inglaterra, Itália
e Espanha. Para ganhar em campeonatos diferentes, tens que te
adaptar às características culturais do campeonato em que
participas. Por pensar assim ganhei em Portugal, Inglaterra e Itália
na primeira época que cheguei. Tens que reconhecer bem os teus
oponentes e suas características. Como não vou ter em conta uma
tradição tão importante como a do Real Madrid, o clube que mais
conquistou a Liga dos Campeões da Europa!?
(Mourinho, 2010, citado por. Tamarit, 2013b, p. 28)

Portanto, como disse anteriormente, desta tentativa do treinador tentar


entender a realidade que o envolve e sistematizar a sua ideia tendo em conta
essas circunstâncias, o treinador cria o modelo de jogo através da intenção
prévia, uma vez que tais ideias ainda estão apenas na cabeça do treinador e
não foram levadas à prática.
Tal sistematização deve ser feita com coerência e articulação, onde o
treinador à priori definirá os macro princípios e também parte dos meso
princípios que orientarão a condução do processo, objetivando obter
eficiência e eficácia nas competições.
Feita esta quantificação à priori virá o que sucede na prática, no dia-a-
dia, ou seja, nos treinos, nos jogos, enfim, durante o processo. Este tempo
vai permitindo que o treinador conheça mais sobre a realidade inicialmente
perspectivada, em todos os seus níveis.
Tal como coloca o professor Vítor Frade (2013a, p. 412), “quando
falamos do modelo, temos de fugir do plano das palavras para o plano da
somatização, para o plano da operacionalização. Porque quando um
processo acontece, tem repercussões nos indivíduos a todos os níveis”,
modelando.
A morfogénese duma ideia
é a “marcação somática”
da coisa nossa e não da alheia
do modelado na prática.
(Vítor Frade)

Desta maneira, o modelo não se resume apenas ao plano conceptual, isto


é, à nossa intenção de fazer qualquer coisa. Por outras palavras,
concomitantemente ao plano dos valores (axiológico), ou seja, do treinador
sistematizar uma ideia de jogo tendo em conta as suas preferências internas
e o envolvimento em que o seu clube está inserido, logo virá o que sucede
na prática, o praxiológico32:
O que sucede durante os treinos, o que a interação entre
determinados jogadores te dá; coisas que vão surgindo. Durante o
próprio processo, e que tu no início não esperavas, e que vai
modelando o modelo de jogo de uma forma ou de outra. A matriz da
ideia de jogo segue sendo a mesma, mas os contornos desta ideia de
jogo coletiva, ou deste modelo de jogo como intenção prévia, vão-se
modificando. Eu chamo a isso modelo de jogo como intenção na
ação, e pertence ao plano praxiológico, é o que vai sucedendo no
“aqui e agora”. Aqui a intervenção do treinador é fundamental,
para impedir que o processo tome uma direção que não desejamos,
ou para potenciar certas interações que nos interessam. Também a
reflexão do treinador à posteriori, sobre o que está a acontecer se
torna essencial.
(Tamarit, 2013a, p. 377)

Conforme coloca Tamarit, ao operacionalizar o modelo de jogo no


terreno e passar a ser uma intenção na ação (ação esta que se dá no “aqui e
agora”), irão produzir-se interações de pormenor, muitas das quais o
treinador não esperava à priori, que poderão fazer com que parte da
intenção prévia se modifique, ou seja, algumas destas interações que
emergem durante a operacionalização do modelo poderão parecer-nos
importantes para o jogar e sendo assim poderemos incorpora-las (e
inclusivamente maximiza-las) na ideia de jogo, mas também poderão
ocorrer interações que não nos interessam, tais interações nós devemos
suprimir.
Conforme vimos, a reflexão do que acontece e também a intervenção do
treinador são fundamentais para impedir que o processo tome uma direção
indesejada e para potenciar certas interações que nos interessam.
Lembrando que esta eliminação de aspetos que não nos interessam, e a
incorporação de aspetos que nos interessam deverá ser feita apenas nos
contornos da ideia de jogo e não ao nível da sua matriz.
A gestão deste processo, feita no fio da navalha, torna fundamental
a dinâmica extremamente complexa que se estabelece entre
quantificação à priori e quantificação à posteriori. A primeira
refere-se ao retrato projectivo, geral, que se faz para o processo,
isto é, faz-se uma análise aos três tempos, passado, presente e
futuro. A segunda, quantificação à posteriori refere-se à
necessidade de a cada instante se ir gerindo e aferindo o sentido
que o processo vai tomando, de modo a torná-lo congruente e o
mais aproximado possível com o retrato inicial. E neste ponto uma
vez mais me vejo obrigado a salientar a importância da
sensibilidade do treinador para gerir estes aspetos, e
fundamentalmente para hierarquizar.
(Maciel, 2011b, p. 6–7)

A este respeito, vejamos um exemplo bastante concreto e elucidativo:


Suponhamos, que determinada ideia de jogo tem como ideia para o
momento de organização ofensiva, atacar fazendo uso de uma posse
e circulação de bola dominantemente no meio campo adversário.
Em termos ideais, esta intenção num subnível, passava pela
participação dos defesas na circulação da bola até a fazer chegar
ao meio campo adversário e na sua continuidade. Mas quando
confrontados com o plantel, verifica-se que a eficiência de tal
intenção hipoteca, por falta de qualidade individual no setor, a sua
eficácia. Face à impossibilidade de adquirir novos jogadores, o
treinador tem de solucionar a situação, e entretanto pelo maior
conhecimento do plantel, verifica que tem pontas de lança muito
eficazes quando solicitados em bolas diretas, capazes de as segurar
e esperar pelo apoio dos colegas. Face a esta configuração o
treinador decide aproveitar tal potencialidade desses jogadores, por
exemplo, e passa a construir após saídas diretas de trás, dando
continuidade à posse a partir daí e fazendo-o no meio campo
adversário. A intenção mais global (macro) não se altera, o modo
como tendencialmente se concretiza é, no entanto, diferente do
inicialmente conjecturado, mas a equipa não se descaracteriza da
sua intenção mais geral para aquele momento, confere-lhe é em
termos de pormenor outras nuances em determinados instantes que
permitem uma gestão mais harmoniosa e melhor conseguida do
trinómio estética/eficácia/eficiência.
(Maciel, 2012a, p. 4)

Conforme coloca Jorge Maciel, a gestão de todo o processo de modelação


do jogar (o “modelo” concreto) exige do treinador muita habilidade e
sensibilidade para perceber e captar o essencial com o intuito de que as
bifurcações emergentes do processo possam ir ao encontro do essencial e
nos conduzam, mesmo que por muitas curvas, ao futuro aspirado.
Daqui sobressai a importância da reflexão por parte do treinador sobre o
que ocorre durante o processo da modelação do jogar. Deve-se ter
sensibilidade na condução da mesma, sendo que as modificações que
poderão ocorrer em meio a esta deverão fazer com que sempre haja uma
aproximação ao retrato inicial, em suma deve-se fazer com que a intenção
na ação tenha congruência com a intenção prévia.
Portanto, conforme costuma dizer Jorge Maciel, o modelo de jogo é tudo,
mas não pode ser tudo e qualquer coisa: é essa ideia de jogo tendo em conta
o contexto que a rodeia, sendo que desse encontro resulta a criação de um
referencial coletivo, é o que sucede durante a sua operacionalização que vai
moldando essa ideia de jogo coletiva ao nível dos contornos, e é também a
reflexão (e a operacionalização em conformidade com esta) por parte do
treinador.
É o que existe em termos estruturais e funcionais, que proporciona que
regularmente uma equipa se identifique como tal. Por isso costuma dizer-se
que o modelo de jogo é algo que se constrói, mas que nunca está acabado,
está sempre a ser modelado.
Forma-se portanto uma espiral do modelo de jogo, ou seja, o modelo de
jogo não perdendo a sua matriz reconstrói-se permanentemente, formando
uma espiral entre essa intenção prévia do jogar, a sua intenção na ação e a
sua reflexão que nos levará a uma recriação (não matricial) da intenção
prévia, etc., e mais as novas circunstâncias que ao longo do processo vão
emergindo (Tamarit, 2013b).
Forma-se uma espiral porque se trata de uma progressão complexa que se
desenvolve em torno de um eixo (intenção prévia-ideia de jogo). Trata-se,
portanto, de um processo muito dinâmico que se desenvolve e se caracteriza
por constantes avanços mas também retrocessos sem perda de relação com
o referencial que o sobredetermina, que é a ideia de jogo, o ponto de partida
à volta do qual o jogar emerge.
A relação organizada e coordenada entre os jogadores de uma
equipa, faz emergir alguma coisa que está para além da soma das
partes e portanto isso também evolui, o jogar, a identidade. Isto
resulta da exponenciação dos grandes princípios mas tem a ver com
a cada vez melhor articulação entre os sub-princípios e os sub sub e
isso faz-se no dia-a-dia. Muita das vezes a potenciação disto resulta
de se ter enfrentado adversários e os ter superado e de se ter ganho
com isso. Isto permite até trazer à tona capacidades que eles
próprios e os próprios treinadores desconheciam e isto tudo é que é
o modelo. Isto tudo que depois vai surgindo de uma forma mais
complementar, no sentido do crescimento de uma equipa e dos
jogadores, ter esta consideração ou outra consideração em função
do sobre condicionamento dos grandes princípios e é alicerçado
nisso que o modelo cresce, por isso é que eu digo que o modelo é
qualquer coisa que não existe em lado nenhum todavia procuro
encontrá-lo, parece até um paradoxo! Não existe em lado nenhum
tal qual porque ele também se faz, agora não se modifica na sua
matriz. Anteriormente falei em causalidade linear e causalidade
não linear e isto está relacionado porque esta forma de pensar tem
a ver com a modelação sistémica, a modelação matemática é outra
coisa, a modelação sistémica é diferente, ou seja, eu estou a
modelar uma operacionalização em função de determinados valores
ou princípios mas o sistema acontencimental também permite
emergência, se não, nós não dizíamos que o todo é maior que a
soma das partes, mas também é nelas diferente porque elas deixam
de ser partes como quando são partes tal qual para serem partes
fruto da sua relação com o todo, por isso é que costumo dizer que o
primado está no indivíduo, mas ele tem que evoluir relacionado com
outros por isso é que chamo de auto-eco-hetero.
Frade (2010, p. 107-108)

A modelação do jogar tendo como base o referencial coletivo, a matriz,


possibilita uma relação organizada e coordenada entre os jogadores da
equipa, fazendo emergir algo que está para além da soma das partes, o que
faz com que o jogar também evolua.
Isso, como disse, resulta da exponenciação dos macro princípios, que por
sua vez evolui cada vez mais alicerçado pelo ajustamento e melhor
articulação destes (dos macro) com os meso e os micro princípios. Tudo
isso em decorrência da vivência e da experienciação do processo ao longo
do tempo, que sempre permite emergência.
Mais uma vez, não à toa o professor Frade refere sobre a importância do
indivíduo, onde esta evolução e maximização do lado individual se faz
tendo por base o relacionamento com os outros jogadores,
sobrecondicionado por um referencial coletivo. Deste modo o processo
assume um caráter auto-eco-hetero.
Esta vivência coletiva mexe com o subconsciente dos jogadores, como
veremos mais adiante, fazendo com que esse jogar vá se incorporando nos
mesmos, dos pés à cabeça, na carne e nos ossos, mapeando-os e
somatizando-os, portanto.
Aparente paradoxo então
a auto-eco-hetero afirmação
no crescer colectivo
exalta o da individualidade
mas sem equipa consigo
nenhum jogador é bom,
e o inverso pode também
ser verdade
e assim qualidade tem.
(Frade, 2014a, p. 32)

Como coloca Tavares, em entrevista a Xavier Tamarit, quanto melhor for


a sua equipa, que é constituída por jogadores, mais facilmente as
individualidades aparecerão. Desta maneira os jogadores crescem dentro do
contexto da equipa. Basta lembrarmos da exponenciação evidente dos
talentos de Messi comparando os seus desempenhos no Barcelona e na
seleção Argentina treinada por Maradona.
É por isso que eu falo em qualidade de jogo, da minha ideia, e que
essa evolui conseguindo eu maximizar a redundância
concomitantemente com a variabilidade, a redundância é do foro
mais do macro, das grandes referências coletivas, depois temos o
“meso” e o “micro”! O que nos leva a poder dizer que nem com o
Barcelona há dois jogos iguais e isso não tem nada a ver com o
macro!
A redundância não é como o pessoal costuma dizer, os chamados
“os grandes princípios”, não! São os macro princípios! O que é
balizador da modelação são os macro princípios! São os
referenciais coletivos que implicam a equipa toda. Daí que depois
os outros estejam todos “sub”. Mais “sub” ao nível da dimensão
meso, e mais “sub-sub” ao nível da dimensão micro.
E como tanto equipa como jogadores, devemos pensá-los na
possibilidade de infindavelmente estarem a evoluir, então ele é
aberto.
(Frade, 2013a, p. 413)

Portanto deve-se entender o modelo de jogo como um todo, não sendo


apenas o jogar que queremos evidenciar e que se vai modificando,
alterando-se, modelando-se e transcendendo-se, evoluindo de forma não
linear (devido, sobretudo, à evolução que ocorre durante o emergir do
processo, do inesperado, assim como à constante reflexão –e
operacionalização em conformidade com esta– no plano dos contornos da
ideia, levando à sua recriação –não matricial– permanente), mas tudo o que
ocorre ao longo o processo, que acaba por influenciar o que efetivamente
acontece em campo (nas competições) regularmente, o que existe em
termos estruturais e funcionais, que permite identificar a equipa como tal.
Qualquer treinador tem uma ideia de jogo. Em função da forma
como vê o jogo toma partido por uma ideia, e essa ideia, a tal
Especificidade, é o esboço inicial, a partir do qual ele vai
construindo aos poucos o processo de crescimento da equipa, e de
acordo com a Periodização Tática, fá-lo-á segundo princípios
metodológicos que estão perfeitamente sistematizados. E tendo em
conta também o contexto, portanto a realidade, o “aqui e o agora”,
o instante, aquilo que é a realidade naquele clube, desde os
jogadores que tem, o país onde está, a cultura dos adeptos, o estado
da relva, tudo influi, tudo! O contexto é infindável, e é indecifrável
na sua totalidade. Tudo isso em conjunto com o tal esboço inicial,
em conjunto com a lógica processual vai levar a tal emergência e aí
sim vamos ter o aparecimento de uma funcionalidade. Uma
funcionalidade que nos permite distinguir o jogar do Barcelona, do
jogar do Real Madrid; o jogar do Porto, do jogar do Benfica, do
jogar do Sporting. Portanto se nós conseguirmos identificar
diferenças nas equipas, é porque algo que elas expressam é
diferente e esse algo é o Modelo de Jogo.
(Amieiro & Maciel, 2011)

A interação de diferentes aspeto tais como a própria ideia de jogo do


treinador; a cultura do país em que se está a trabalhar; cultura do clube;
objetivos traçados pela direção; características dos dirigentes;
características dos jogadores (características e nível de jogo, crenças,
historial, personalidades, etc.); condições de trabalho; a metodologia de
treino; gestão do grupo; liderança; sensibilidade do treinador; adeptos;
imprensa; resultados obtidos ao longo do processo, etc. fazem com que a
modelação se dê de uma maneira muito particular, de modo a que o mesmo
treinador num clube modele de uma forma e em outro clube modele de
outra (ainda que devendo, em nosso entendimento, manter as mesmas
premissas no que se refere aos princípios metodológicos), assim como em
um mesmo clube a modelação de um treinador será diferente da modelação
que outro treinador faria se estivesse no seu lugar.
Jorge Maciel conta que a sua experiência no mundo árabe enquanto
treinador adjunto colocou-lhe grandes desafios na modelação do jogar da
sua equipa, como por exemplo treinar durante o mês do Ramadão, um
período religioso no qual os muçulmanos devem jejuar.
Para além de ser desafiante planificar um treino para jogadores que não
se alimentam, gerir a dinâmica entre o esforço e a recuperação, ter de se
adaptar a interrupção de treinos para horários de rezas, existia a
incapacidade de se comunicar em árabe, o que trouxe para Maciel, desafios
adicionais para o desenvolvimento do processo.
Também é muito diferente ser um treinador que já ganhou muita coisa na
carreira e ser treinador que nunca ganhou nada, que está recém iniciando,
ou que nunca jogou futebol num nível profissional. A aceitação das ideias
do treinador multicampeão, por parte dos jogadores, tendencialmente é
facilitada quando comparado ao treinador que nunca ganhou títulos, ou um
desconhecido.
Um exemplo disso foi quando Mourinho chegou ao Chelsea:
Quando o Mourinho chegou ao Chelsea os gajos também
perguntavam e o caraças, «então mas a gente não vai fazer isto ou
aquilo?!» E ele dizia, «aqui quem ganhou fui eu, não foram vocês».
É diferente se eu chegar lá e não tiver ganho nada, passamos à
teoria do café com leite33. Isso é uma questão de inteligência, é um
pensamento estratégico, digamos assim. Costuma-se dizer que se eu
vou enfrentar um boi para lhe dar de comer não vou puxar o boi
para baixo pelo pescoço para o levar à manjedoura, tenho que
trazer a manjedoura ao boi.
(Frade, 2013b, p. 93)

Também não é a mesma coisa treinar uma equipa que ganhou tudo na
última época e treinar outra que não ganhou nada, porque para um treinador
que chega numa equipa que ganhou tudo jogando de determinada forma,
porque é que os jogadores irão querer seguir por um caminho diferente com
outro treinador?
Porque é que o Del Neri se foi embora quando veio para o FC
Porto?! Tinha estado cá o Mourinho, tinham ganho tudo, campeões
europeus e não sei quê, e eram os mesmos jogadores e então eles
próprios… cá está, o modelo de jogo é tudo… eles estavam
contrariados e «rejeitavam» e por isso nem começou o campeonato.
Eles até tiravam os paralelepípedos das rampas com a quantidade
de repetições que faziam! E os jogadores entre eles diziam assim,
«então, nós ganhamos tudo e não precisamos de andar a fazer isto,
nunca fomos para ginásios era só bola, que é aquilo que a gente
gosta e éramos melhores que os outros e ganhamos, e agora vamos
ter que fazer estas merdas?!» É evidente que estava tudo com cara
de azedo até que a coisa partiu e o presidente teve que mandar o
homem embora. E ele não tem prestígio?! Não tem curriculum?!
Não tem feito coisas?!
(Frade, 2013b, p. 102)

Em 2009, o site do jornal Diário de Notícias trouxe a informação de que


Luiz Felipe Scolari, treinador que foi campeão por quase todos os lugares
que passou, revelou que alguns jogadores do Chelsea, sobretudo os
ingleses, não estavam muito de acordo com sua metodologia de treino e que
isso acabou por gerar certo desgaste.
Agora sem estar a falar em metodologia de treino mas sim em ideias de
jogo, tivemos a oportunidade de presenciar o que Pep Guardiola fez no
Bayern de Munique, que ganhou o triplete na época anterior à sua chegada
jogando de uma forma diferente da que o treinador espanhol implantou
desde o primeiro treino. Vários jogadores do clube bávaro já falaram para
reporteres que inicialmente havia uma certa desconfiança no balneário, mas
que terminaram todos contagiados e convencidos pela maneira como
Guardiola transmitiu suas ideias (e claro, pelo peso do seu historial
enquanto treinador, conseguido devido, dentre outras coisas, pela sua
filosofia de jogo).
Daí mais uma vez a necessidade do treinador ter habilidade na gestão do
Processo (divina proporção) e ter bem presente o jogar que se deseja.
Quando me refiro à necessidade de se ter capacidade de adequação ao
contexto, obviamente que não estou a falar apenas a diferentes países,
culturas e passado recente.
Mara Vieira, treinadora portuguesa, exerceu um trabalho na formação do
FC Porto, com idades de sub 8 à sub 11 e explica que devido à pouca
capacidade de abstração para os termos e nomenclaturas que as crianças
pequenas têm, quando comparadas às maiores e aos adultos, teve de
encontrar soluções para que a ideia de jogo do clube fosse transmitida (e
consequentemente somatizada) da maneira mais eficaz para as idades em
questão. Tendo em conta a espantosa capacidade de aprendizagem de
crianças mais novas, e seus incríveis poderes de imaginação e criatividade,
Mara passou a criar histórias de fantasia que transportassem as crianças
para uma realidade palpável e entendível para elas, tendo como pano de
fundo o jogar que o clube pretendia desenvolver. Trata-se de uma
adequação face às circunstâncias impostas pelo contexto.
Sabemos que a história assume-se como veículo precursor da
imagética da criança, a qual se constrói com símbolos extraídos da
realidade. Para além disso, a necessidade de refletir as pessoas do
mundo real, de fácil associação para a criança, conduz à
interpretação das personagens como parte do real e parte do
imaginário. A história criada permite desde muito cedo representar
em traços gerais a nossa dinâmica funcional.
(Vieira, 2011, p. 3–4)

O jogar que o FC Porto pretende desenvolver desde as idades mais


precoces até o mais alto escalão, passa fundamentalmente por
sobredeterminar e subjugar o adversário, com um futebol de ataque, tendo
sempre que possível a posse da bola para desorganizar o adversário e
marcar golo.
Procuram-se equipas equilibradas, que também defendam com qualidade
(sem a posse da bola), para além de fazer uma boa gestão nos momentos de
transição. Em transição ataque-defesa, procura-se uma pressão imediata ao
portador da bola e ao espaço circundante. Primeiro para tentar roubar a bola
imediatamente, e se não for possível, dar tempo para a equipa se organizar
defensivamente.
Assim sendo, as histórias contadas pela treinadora dão exatamente a
noção do que será desenvolvido, em traços gerais, com as crianças:
Era uma vez “um reino mágico” onde viviam guardas, guarda-
costas, dragões, um polícia e um rei. Nesse reino há uma bola
mágica, um castelo e uma casa! A equipa do FC Porto é a mais
forte porque guarda a bola mágica que tem poderes especiais.
Transforma as casas em grandes castelos. Castelos que tem um
lindo jardim, muitos quartos, salas e grandes torres. Na torre mais
alta está presa uma princesa que precisa da nossa ajuda. Só se pode
salvar se conseguirmos levar a bola mágica até lá. E quando
ficamos sem a bola? O que acontece? O grande castelo transforma-
se numa casa pequena. Onde queremos viver?
(Vieira, 2011, p. 3)

“A história criada permite desde muito cedo representar em traços gerais


a nossa dinâmica funcional: com bola, fazer castelo grande; sem bola fazer
casa pequena”, diz Mara.
Sabemos que para que se tenha sucesso no jogo, dominando o adversário
através de um jogar pautado, sobretudo na conservação da posse da bola,
alguns aspetos chave passam por ter paciência para encontrar os espaços,
criando uma relação de cooperação entre todos os jogadores, passando a
bola para quem tem melhores condições de recebê-la, conseguindo faze-la
chegar a zonas adiantadas em condições de êxito para finalizar.
Logicamente que se falássemos nestes termos criaríamos grandes
dificuldades de entendimento para as crianças e, portanto Mara transmite o
que pretende através de histórias:
Quando temos a bola mágica onde queremos chegar?
Como é que a bola consegue chegar até à torre da princesa?
Vamos procurar caminhos com muita ou pouca gente?
Nos caminhos onde tem muita gente é fácil ou difícil a bola correr?
Imaginem que vão para a escola e levam uma bola para jogar no
intervalo. Mas no caminho estão meninos mais velhos, de outra
escola, que vos querem roubar a bola para também eles poderem
jogar. O que fazemos? Arriscámos e passámos no meio deles ou
procurámos outro caminho?
(Vieira, 2011, p. 6)

É importante referir que não basta criar histórias de fantasia se tais


histórias não são levadas a cabo através da criação e vivência de contextos
em treino, para que possam sair do campo do imaginário e promoverem
aquisição, hábito e por consequência funcionalidade.
Já diria Bella Gutman, treinador húngaro, citado por Campos (2008):
“Escreveram-se tratados sobre estratégias e táticas, mas o jogador não é
um estudante universitário, é sobretudo um prático e só passa a acreditar
nesta estratégia ou naquela tática se ela se lhe demonstra em campo”.
É por estas razões que a modelação do Modelo de Jogo requer arte.
Falamos de arte porque na arte temos o exemplo espetacular disto,
que é: existem artistas que fazem obras de arte originais e existem
os artistas que só fazem as cópias. Com os treinadores passa-se o
mesmo: há treinadores que só servem para orientar para
determinada coisa e num contexto diferente em que as solicitações
são diferentes eles já não conseguem fazer a modelação com
sucesso. Apesar dos artistas pintarem extremamente bem não chega
para produzirem uma arte completamente diferente de outros que
também pintam bem, mas que conseguem fazer outras coisas.
(Gomes, 2013, p. 314)

Um dos aspetos determinantes para que a Modelação se processe da


maneira que desejamos é a intervenção e a liderança do treinador, o modo
como conduz o grupo de jogadores.
Naquilo que é o nosso processo, um treinador deve saber que em
determinada altura tem que dar um berro a um jogador; deve saber
que em determinada altura não deve pôr um jogador a jogar; deve
saber como lidar com um jogador que chega atrasado a um treino.
Fazê-lo naquele momento, naquele timing! E isso é que é difícil
porque tem de o fazer sentir determinadas coisas e perceber que
repercussões é que isso gera no contexto. Se tem que fazer dele
exemplo para a equipa ou não. Portanto, isto é ser treinador porque
é modelar. E quem diz que ser treinador é só perceber de jogo e
treino é mentira, não sabe o que é modelar.
(Gomes, 2013, p. 308)

Modelar é reconhecer a importância de dar um determinado


feedback a um jogador, de ter uma intenção numa determinada
situação de treino, de se fazer “aquela” substituição concreta, entre
outras coisas.
(Gomes, 2013, p. 305)

Por isso é que o treinador tem de perceber, se um jogador precisa


de ser motivado de uma determinada forma ou ser motivado de
outra porque isto também é modelar.
(Gomes, 2013, p. 308)

Xavier Tamarit bem coloca que alguns treinadores veem nas coletivas de
imprensa oportunidades para criar climas e atmosferas que lhes tragam
benefícios e/ou prejuízos aos rivais. Parece-nos que Mourinho é um
exemplo bastante claro disso, com seus mind-games.
Outro aspeto importante que se revela fundamental são as intervenções
que o treinador vai dando durante os exercícios no treino, para direcionar a
equipa ao jogar que se pretende, pois as interpretações que pretendemos
que os jogadores adquiram são feitas ao longo do tempo e especialmente
fruto dos contextos específicos vivenciados em treino.
O treinador deve levar toda a envolvência a interpretar as circunstâncias
de determinada forma e não de outra. Os jogadores deverão somatizar as
ideias, os referenciais coletivos. Desta maneira, para Gomes (2013), um
treinador também tem de “estar” e “ser” contexto, e refere que se durante
um treino, um exercício está a acontecer e não se intervém em nada, poderia
ser um momento de ganho e que deste modo se perde. Conclui que perceber
de jogo e de treino não é o suficiente para ser bom treinador, pois o lado da
modelação está muito para além da interpretação do que acontece.
Referimo-nos à somatização da modelação, isto é, do que emerge como
modelo de jogo.
Por exemplo: existem muitos bons analistas de jogo que não podem
ser treinadores porque o lado da modelação é muito mais do que a
interpretação do que acontece. É fazer com que os outros
interpretem, é levá-los a estar de determinada forma, é fazê-los
viver as circunstâncias de acordo com as crenças que se vão
instalando no corpo todo através do contexto que o modela.
(Gomes, 2013, p. 307)

A dinâmica de relações que o modelo de jogo estabelece com o que o


envolve reflecte-se na operacionalização do processo, tanto em campo
como fora deste.
O modelo é qualquer coisa que não existe em lado nenhum, todavia
eu procuro encontrá-lo. Parece um paradoxo! Ora, ele não existe
em lado nenhum porque ele não se esgota. Porque o modelo tem
também muito a ver com as circunstâncias, com a realidade. Coisa
que eu não domino completamente e nem ninguém! E é sobre esta
realidade que eu nunca domino completamente, que vou exercer a
modelação. Portanto há, por exemplo, algumas coisas que eu penso
que não existiam, e ao estarem a acontecer podem estar a fazer com
que a modelação não se dê. A que aspiro!
(Frade, 2013a, p. 412)

Imaginemos um treinador que dirige um clube de quarta linha na Europa,


como o Montpellier, da França. Este clube recentemente venceu o
campeonato nacional pela primeira vez na sua história (2011/2012),
superando todas as expectativas possíveis. Em teoria, isso faz com que
muitos jogadores sejam valorizados e cobiçados por clubes maiores, e
muito mais poderosos, tanto em contexto nacional como internacional,
como, por exemplo, o Paris Saint Germain (PSG), Lyon, Olympique de
Marseille, Manchester United, Real Madrid. Imaginemos agora que,
próximo ao encerramento da janela de transferências, o Montpellier recebe
inúmeras propostas – extremamente vantajosas para os jogadores – para que
venda os seus destaques.
Entretanto, o clube deseja manter os seus jogadores e não permite a saída
deles, a não ser que algum clube pague uma multa rescisória
completamente irreal e fora dos padrões do mercado.
Ora, imaginem a reação e desilusão de alguns dos principais jogadores do
clube, que chegam à sala do presidente e lhe dizem “ok, presidente,
vencemos um título que o clube nunca havia vencido, alcançamos
resultados para além do que o clube previa e agora gostaríamos de sair
para outro clube, um clube maior, de maior visibilidade, onde iremos
receber quatro vezes mais do que recebemos aqui e disputaremos todos os
campeonatos para ganhar”, e o presidente lhes nega o pedido, sendo
irredutível.
Como é que um jogador vai trabalhar nas semanas seguintes após uma
situação como esta? Como poderá isso afetar o jogar da equipa?
O treinador por mais que tenha uma ideia de jogo bastante evoluída, que
saiba operacionalizar as suas ideias adequadamente, etc. poderá vir a ter
dificuldades na manifestação do seu jogar, porque supondo que mais da
metade da equipa titular provavelmente estará com a “cabeça noutro lugar”,
irritados e desapontados com o clube, possivelmente a qualidade de treino e
jogo da equipa cairá, talvez o empenho e a dedicação não seja a mesma de
outrora. Ou seja, a ideia preconizada é a mesma, os jogadores são os
mesmos, a metodologia de treino é a mesma, entretanto por questões
circunstanciais a modelação poderá não acontecer do modo a que se
aspirava.
Portanto, conforme coloca Jorge Maciel (2012a) sendo o modelo de jogo
uma realidade aberta, simultaneamente redundante e imprevisível, coloca o
treinador perante o aparente paradoxo de ter de gerir uma realidade que na
sua essência também é imprevisível e em parte invisível aos seus olhos e
aos intervenientes do processo, mas que estando ali presente poderá
interferir na modelação conjeturada pelo treinador.
À superfície, isto é, a face visível, parece ser uma realidade
circunscrita a uma dimensão e complexidade, mas na verdade é
bem mais complexa e edificada sobre muitos aspetos que não são
visíveis à superfície, mas que se assumem como fundamentais para
a dimensão visível do Modelo.
(Maciel, 2011b, p. 7)

Assim, o Modelo de Jogo é um “impossível necessário” que o treinador


em termos ideais concebe, mas que depois na sua concretização não
consegue reproduzir tal e qual, pois ao nível do pormenor ele vai assumir
contornos únicos resultantes da interação com o que o envolve. No entanto
não deixa, ou não deve deixar de ter a configuração geral, os traços gerais
daquilo que foi projetado inicialmente.
“Muitas vezes quando se fala em Periodização Tática refere-se a seguinte
citação: “o caminho faz-se caminhando” e o modelo é isso, faz-se
modelando” (Maciel, 2011b, p. 8).
Por isso, paradoxalmente, mesmo tendo em conta que nunca existirá uma
reprodução fiel das nossas ideias, da nossa conceção de jogo e das coisas
“tal e qual” aspiramos, o modelo de jogo idealizado deve estar sempre a ser
visualizado. Em suma, deve-se constituir como o ideal a ser alcançado,
havendo portanto a necessidade de modelar o presente em função daquilo
que se projeta, tendo a certeza de que o processo nunca estará concluído.
Portanto, o modelo de jogo vai sendo permanentemente modelado e
remodelado (nos seus contornos) em virtude do que vai ocorrendo no
transcurso do processo. Ele é o que existe em termos estruturais e
funcionais, que proporciona que regularmente uma equipa se identifique
como equipa.
O modelo é este lado, esta evidência empírica, é efetivamente aquilo
que uma equipa revela como regularidade quando acontece. E isso
é fruto dum conjunto de coordenadas. Mas porque é uma
emergência, é qualquer coisa que precisa de tempo para aparecer,
precisa de uma ideia que a sustenta e precisa dum processo que
orienta esta aquisição.
(Frade, 2013a, p. 412-413)

Conforme diz Jorge Maciel, trata-se de uma resultante da interação


dinâmica entre os aspetos visíveis e dizíveis com os aspetos invisíveis e
indizíveis que o compõe daí se dizer que ele é tudo, mas não é tudo e
qualquer coisa, dada a nossa intenção prévia, a nossa matriz que estará
sempre presente guiando e sobredeterminando o processo.
Por isso, o Modelo de Jogo embora seja permeável à realidade que o
envolve, é tanto mais seletivo nesta permeabilidade quanto mais consistente
e coerente for a complexa e dinâmica operacionalização do processo
(Maciel, 2012a).
Nesse sentido o modo como se leva a efeito o processo, isto é, como
sairemos das ideias para chegar à funcionalidade regular, a matriz
metodológica é um aspeto chave na modelação, uma vez que ela possibilita
a somatização dos referenciais coletivos por parte dos jogadores.
Portanto, quando falo que quero que a minha equipa jogue de
determinada forma é a mesma coisa que um cozinheiro dizer que
quer fazer uma massa à bolonhesa. Mas depois tem que a fazer, não
é? E o processo de a fazer é para quem sabe. Uns sabem fazer uma
massa genial e outros fazem uma massa normal.
(Gomes, 2013, p. 315)

Portanto, para jogarmos um determinado tipo de futebol é necessário


treinarmos esse tipo de futebol que queremos jogar e para a Periodização
Tática o modo como se tenta chegar ao jogar pretendido terá
necessariamente de obedecer a três princípios metodológicos,
nomeadamente o princípio da alternância horizontal em especificidade, o
princípio da progressão complexa e o princípio das propensões, sempre em
interação.
O cumprimento desta matriz metodológica é o que permite distinguir
claramente quem treina segundo a Periodização Tática e quem não treina.
Contudo, antes de abordar estes princípios metodológicos importa referir a
noção de Especificidade, que mais do que um conceito afirma-se como um
imperativo categórico, supraprincípio.
3.3 Supraprincípio da Especificidade
A especificidade não é um princípio metodológico, é muito mais um
imperativo categórico. É uma necessidade que eu tenho que
procurar para balizar as coisas, para direcionar o processo, para
orientar a direção do processo.
(Frade, 2013a, p. 412)

Se as adaptações humanas são específicas, ou seja, levamos a efeito


o que nos é colocado em causa, que é o mesmo que dizer: se
corrermos à volta do piano, ficamos melhores corredores à volta do
piano; se tocarmos piano, ficamos melhores pianistas (ainda que
tenha de resistir para tocar uma grande obra).
(Gaiteiro, 2006, p. 149)

Conforme já explicitei, é de suma importância que um treinador tenha


uma ideia de jogo e balize o treino em função desta. Sabemos que a ideia de
jogo surge em função do modo como um treinador vê e entende o futebol e
o contexto em que está inserido, valorizando alguns conceitos em
detrimento de outros, tratando-se, portanto, de uma ideia Específica34, que a
nível macro é singular e caracterizável.
A ideia de jogo, em conjunto com a matriz dos princípios metodológicos,
permite que haja uma coerência e uma lógica na orientação de todo o
processo de treino. Esta ideia Específica (que inicialmente é abstrata –
necessita de ser operacionalizada, vivenciada e somatizada), através dos
princípios de jogo que lhe dão corpo, é o que poderá permitir a
identificação de padrões que definem e distinguem as equipas.
O supraprincípio da Especificidade implica respeitar isso em todos os
momentos do processo, isto é, criar contextos de propensão35
(“exercitação”) durante as sessões de treino que se reportem à matriz da
ideia de jogo, do jogar que se pretende desenvolver com os futebolistas,
mas sem descurar do modo como isto é feito. Ou seja, quero com isto
alertar sobre a necessidade do respeito pelos princípios metodológicos da
Periodização Tática durante o processo que se está a levar a efeito.
Nesse sentido, a Especificidade é o que baliza toda a lógica de
direcionamento do processo, afigurando-se não como um princípio
metodológico, mas, antes, como um imperativo categórico36, uma
obrigatoriedade, uma necessidade. Ela permite tornar as circunstâncias num
contexto, ou seja, dar um sentido, um significado e coerência àquilo que se
tem, que se pratica e que emerge.
É um conceito chave, pois encerra um verdadeiro sentido que transporta
para todos os treinos (Resende, 2002). Em suma, a Especificidade
contextualiza tudo o que é feito.
Maciel (2011b, p. 3) reforça e sustenta que o Supraprincípio da
Especificidade “resulta da concretização interativa dos princípios de jogo,
dos princípios metodológicos e de tudo o que envolve tal
operacionalização”.
Fica claro aqui, que para a Periodização Tática treinar em Especificidade
não é apenas treinar em função da ideia de jogo, mas sim, treiná-la de
maneira sustentada e balizada por princípios metodológicos únicos –
princípio das propensões, da progressão complexa e da alternância
horizontal em especificidade, sempre em interação – em todos os momentos
do processo, tendo como objetivo o emergir de um determinado jogar.
Este supraprincípio baseia-se num raciocínio e numa premissa lógica: “Se
nós queremos jogar de uma determinada maneira, segundo uma
determinada ideia de jogo, o que devemos treinar?”.
Aquilo que acontece é que o objetivo final é jogar. E, se é esse o
objetivo, treinar só pode ter um significado: fazê-lo a jogar. Se o
objetivo é a melhoria da qualidade de jogo e de organização, esses
parâmetros só se conseguem concretizar através de situações de
treino ou de exercícios onde se consiga trabalhar essa organização.
(Faria, 2003 citado por. Oliveira et al., 2006, p. 46)

Eu não vejo outra possibilidade que não seja essa repetição


sistemática em Especificidade dos princípios de jogo porque é
fundamental perceber que a organização é o sucesso e quanto mais
organizada for a equipa mais probabilidade de sucesso haverá.
(Faria, 2008, p. 186)

Tal como refere Rui Faria devemos treinar justamente o nosso jogar! Mas
de maneira alguma isso deve ser entendido como fazer sempre jogos de
11x11. Devemos é treinar os macro princípios, meso princípios e micro
princípios de jogo e a sua respectiva interação e articulação nos diferentes
momentos do jogo, aos níveis coletivo, intersetorial, setorial, grupal e
individual, revelando uma organização fractal no seu desenvolvimento. Isto
é, todos os contextos criados e vivenciados, em quaisquer escalas, deverão
ser representativos da totalidade, leia-se ideia de jogo, levando à
manifestação da “autosimilaridade” preconizada pela teoria dos fractais.
“A Especificidade assenta no conceito de globalidade que compreende a
relação todo-partes, contextualizada numa organização” (Gomes, 2008, p.
31).
Destaco e uma vez mais reforço que desde o início do processo (inclusive
na “pré-época”) há a necessidade de criar um contexto macro que nos irá
direcionar sempre para o mesmo sentido, onde as especificidades da
Especificidade estarão presentes em qualquer escala (servindo como base
de todo o processo), seja num exercício mais micro, seja num exercício
mais macro, salvaguardando permanentemente a relação desempenho-
recuperação, tal como procurarei evidenciar durante este livro.
“Não consigo conceber nenhum exercício que não tenha a ver com aquilo
que quero da minha equipa em termos de interações intencionalizadas. Até
o aquecimento tem que estar diretamente relacionado com aquilo que vou
fazer depois”, coloca Vítor Pereira, ex-treinador do FC Porto, em entrevista
para Xavier Tamarit (2013b).
Portanto podemos dizer que a Periodização Tática, enquanto conceção
metodológica, em momento algum perde de vista a ideia do todo, isto é, do
jogar que se pretende desenvolver nos seus múltiplos níveis de organização.
Não tem como centro de preocupação o desenvolvimento das ditas
“capacidades condicionais” como força, resistência, velocidade e as suas
inúmeras divisões e subdivisões (resistência aeróbia, resistência anaeróbia,
força resistente, força explosiva), mas, antes, ao almejar o desenvolvimento
do jogar que se pretende, parte do pressuposto de que as adaptações
fisiológicas e bioquímicas decorrentes deste procedimento serão uma
consequência do acontecer do mesmo, e portanto, serão Específicas para
aquele processo, permitindo assim que a equipa como um todo e os
jogadores individualmente mobilizem a dita dimensão física na
singularidade que o jogar requisita.
As pessoas que acreditam que na Periodização Tática não existem
preocupações com a dimensão física estão mal informadas. Existem tanto
ou até mais do que nas outras metodologias de treino, inclusivamente as
convencionais, tal como continuarei a evidenciar durante a abordagem dos
princípios metodológicos.
A diferença da Periodização Tática para as outras conceções é que a
bússola processual de todo o treinar assenta nos referenciais coletivos, e,
portanto, em tudo o que dá vida aos mesmos, estando a dimensão física
circunscrita neste processo, sendo desenvolvida na grande maioria das
vezes através de formas jogadas, em situações de jogo, mas não de um jogo
qualquer, mas sim do jogar que se pretende levar a efeito, daí que por
consequência emerja uma adaptabilidade biológica, a todos os níveis, em
cada jogador implicado neste mesmo processo.
Portanto a Periodização Tática está assente num conceito de modelação
sistémica, uma vez que surge como uma forma de entender, perceber e
tratar um fenómeno complexo (o jogar), sem haver a necessidade de o
decompor analiticamente.
Quer isto dizer que se entendermos o conceito de modelização
sistémica como um conceito de periodização tática, este aparece
como forma de interpretação, conhecimento e modelização do jogo,
sem que para isso seja necessário a sua redução em aspetos de
ordem tática, técnica, física ou psicológica.
(Faria, 1999, p. 36)

Com o foco do treino na repetição sistemática do conectar dos


diferentes princípios fundamentais de um jogar, o treino
organizacional compreende uma determinada expressão física,
técnica e psicológica que define o conceito de organização
intencionalizada de uma equipa. Nesse contexto, o modelo de jogo
perspectivado é adquirido tendo em vista a dimensão tática, a qual
subentende o desenvolvimento dos princípios de jogo da equipa que
induzem como emergências as adaptações específicas em nível
físico, técnico e psicológico no jogar criado para cada condição
particular das ações inerentes ao padrão de jogo pretendido para
cada situação. Tendo em vista os contextos propensos criados para
o treino tático dos diferentes princípios de jogo e de suas referidas
articulações, uma determinada equipa deve ter um conjunto de
princípios que forneçam organização coletiva, e, por isso, as
preocupações físicas, técnicas e psicológicas surgem por arraste e
na respectiva singularidade. Isso quer dizer que, ao criarmos
jogares contextualizados especificamente à aquisição de
determinados princípios de jogo tornados habituação, tendo como
referência os momentos ou um contexto em particular de partida, a
exigência física, a técnica contextual e o estado cognitivo-
emocional do jogador necessário ao desempenho ótimo requerido
para essa situação particular são incorporados da maneira mais
específica possível. Nos exercícios propostos, as dinâmicas de
contexto viabilizam que as adaptações bioquímicas e
neuromusculares sejam específicas ao cumprimento coletivo de
cada um dos princípios de jogo. Além disso, as técnicas individuais
exigidas são condizentes com aquelas utilizadas em ordem da
unidade coletiva da equipa em um determinado contexto. Vale
mencionar também que o equilíbrio emocional e cognitivo
necessário para as exigências psicológicas comuns às situações de
confronto, com pressão espacial e temporal, é condizente com os
princípios de jogo objetivados.
(Pivetti, 2012, p. 124-125)

Pode-se dizer, portanto, que a Especificidade que emerge da vivência e da


experienciação da supradimensão tática durante o processo de treino, desde
que vivenciada e experenciada de acordo com a lógica do Morfociclo
Padrão (tema que irei abordar mais adiante) permitirá atingir, uma
Especificidade Total e concreta, a todos os níveis, isto é, técnicos, físicos,
psicológicos, etc.
A respeito desta temática, Marisa Gomes (2008) evidencia que na
Periodização Tática as repercussões do treino são concretas e específicas
em cada jogador, pelo papel que desempenha no seio do jogar e pelas
relações e inter-relações que estabelece com os demais jogadores.
Se as adaptações acontecem em função dos estímulos vivenciados, as
adaptações promovidas pela equipa A serão necessariamente diferentes das
adaptações promovidas na equipa B, a todos os níveis, uma vez que se
tratam de processos diferentes, ainda que desenvolvidos com a mesma
metodologia de treino (Periodização Tática, por exemplo).
Assim sendo, sigamos a seguinte linha de raciocínio: a dita dimensão
física requisitada para a manifestação do jogar do Barcelona de Guardiola
(época 2009/2010), uma equipa que dentre outras inúmeras coisas, defendia
fundamentalmente em bloco alto, com muita pressão ao portador da bola e
ao espaço circundante, roubando a bola quase que de maneira instantânea, e
que, com a posse da mesma subjugava (quase) todos os seus adversários,
através de um bom jogo posicional, aliado a uma gestão paciente da posse
de bola (alicerçado neste bom jogo posicional), com elevados índices de
posse de bola (normalmente acima de 70%) é a mesma do que a dita
dimensão física requisitada para manifestar o jogar do Manchester United
de Alex Ferguson (época 2009/2010)? Uma equipa que dentre outras muitas
coisas, sentia-se extremamente confortável em defender-se em bloco baixo,
alternando saídas em velocidade no contra-ataque através de jogo mais
direto, com a manutenção da posse da bola para encontrar espaços na defesa
adversária, mantendo-a e circulando-a pelo terreno de uma maneira mais
direta, mas não por isso menos criteriosa.
Será mesmo que a dita dimensão física requisitada para a manifestação
destes “jogares”, enquanto regularidade, são iguais?
Resgatemos o que em 1985 o professor Frade já questionava: “Não será
uma determinada “conceção de jogo” que determina o equacionar de
determinadas “qualidades físicas” como necessidade?”
O jogar é uma dinâmica coletiva sendo que se repercute a um nível
individual em alterações bioquímicas, musculares, físicas, mas em
consequência de um propósito mais vasto, o de jogar de uma dada
forma. É portanto, um físico supracondicionado ao tático que se
pretende ver instituído. Significa isto, que o crescimento tático,
devidamente consubstanciado à proposta de jogo a que se aspira,
quando concretizado, implicará alterações a nível físico positivas.
São função do desenvolvimento dos princípios e subprincípios
inerentes a cada um dos momentos. Não pressupõe um
conhecimento alargado sobre um físico genérico, mas importa o
domínio sobre os aspetos inerentes ao físico em que a sua forma de
jogar se sustenta.
(Frade, 2005 citado por. Gaiteiro, 2006, p. 135)

É por este motivo que Mourinho (citado por. Oliveira et al., 2006),
enfatiza que ao privilegiar a vertente tática, portanto, a organização de jogo
preconizada, está a privilegiar e a incidir em todas as outras componentes
do rendimento, pois é por necessidade do tático que surgem todas as outras.
É a partir da incidência sistemática nos princípios de jogo que dão vida à
ideia de jogo preconizada (tendo em conta as dimensões e níveis
emergentes) –processo este suportado pela lógica do morfociclo– que se
alcança a verdadeira Especificidade.
Se mergulharmos mais a fundo nesta questão, em organização defensiva,
as adaptações fisiológicas, mentais, técnicas, etc., de um mesmo grupo de
jogadores que defendem à zona pressionante seriam as mesmas do que se
fossem defender de maneira individual por zona, ou homem-a-homem? A
sentimentalidade inerente para a consecução do macro princípio de
organização defensiva seria a mesma? É a mesma coisa para um grupo de
jogadores em termos de concentração defender zonalmente ou homem-a-
homem? E “fisicamente”, também?
Se o nosso «tático» é singular, tudo o que deriva dele é singular
também. Por isso é que eu digo que não acredito em equipas bem
ou mal preparadas fisicamente, mas em equipas identificadas ou
não com uma determinada matriz de jogo, adaptadas ou não a uma
determinada forma de jogar. Porque a adaptação fisiológica é
sempre específica, singular, de acordo com essa forma de jogar.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al., 2006, p. 111)

Por este motivo, volto à declaração de Mourinho sobre o rendimento do


médio-centro Tiago, recém chegado à sua equipa:
Esteve bem, mas cansado. Jogamos de forma muito específica e
demonstrou ainda uma inadaptação fisiológica ao nosso ritmo.
Esteve um mês e meio a treinar com outra equipa, mas isso não
significa que tenha vindo mal preparado fisicamente. Apenas
chegou inadaptado.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al., 2006, p. 41)

Imaginemos agora a equipa do Real Madrid (época 2011/2012): a dita


dimensão física requisitada para levar a cabo tal jogar, solicitada pelo
Cristiano Ronaldo, um jogador que era permanentemente capaz de estar
junto com a equipa em bloco baixo defendendo, e no momento em que
recuperam a bola, ser o principal alvo para o contra-ataque, a sprintar
constantemente 40, 50 metros até a baliza adversária para finalizar (fazendo
isso durante o jogo diversas vezes), é a mesma do que a dita dimensão física
requisitada pelo Varane, que não precisa acelerar tantos metros, e tantas
vezes como Ronaldo e que quando tem a bola limita-se a passar a bola para
um companheiro próximo, ao contrário do português, que tem uma
variabilidade contextual muito maior de movimentos e habilidades
técnicas?
Acredito que não possuem as mesmas exigências ditas “físicas” para
jogarem dentro da mesma equipa! Então, se assim for, porque devem treinar
da mesma forma? Tal como sugere Frade, o futebol está impregnado com a
lógica do “Caldo Knorr”, já vem tudo pronto, como se todos fossem iguais
e necessitassem das mesmas coisas (em todos os níveis).
Como já disse, para a Periodização Tática deve-se treinar o jogar que se
pretende, articulando seus diversos níveis de organização. Por isso, pelo
facto de os jogadores estarem a vivenciar constantemente suas funções e
posições, que são específicas, ainda que complementares, as repercussões
provenientes da adaptabilidade promovida pelo treino e pela evolução da
equipa, são registadas de maneira singular por cada jogador, a todos os
níveis.
Adaptabilidade esta, que na minha opinião, não se alcança treinando de
maneira genérica.
Os efeitos da adaptação têm uma relação estreita com os estímulos que a
provocam, ou seja, treinos genéricos (inespecíficos) geram adaptações
genéricas, e conforme já vimos, perante ao caráter que o futebol evidência,
de maneira alguma podemos aspirar ser uma equipa sem identidade, sem
uma adaptabilidade padrão.
Por isso o processo de treino é extremamente importante, uma vez que as
adaptações geradas por ele acontecem desde a um nível mais macro a um
nível mais ínfimo, tanto da equipa como dos jogadores, como verificamos
na produção e gestão do ATP, por exemplo.
3.3.1 ATP e Especificidade
Hoje sabe-se que o ATP (adenosina tri-fosfato) tem uma função dupla. Se
comumente o ATP era considerada “apenas” como uma molécula
responsável pelo fornecimento de energia para as células, uma avalanche de
descobertas nos últimos 15 anos demonstraram como ela também
desempenha uma outra função, mas não menos essencial, do lado de fora
das células.
Trata-se da transmissão e transporte de informação entre as células,
afigurando-se, portanto, como uma “importante molécula sinalizadora que
permite a comunicação entre as células e os tecidos pelo corpo. Na prática,
o combustível universal serve também como uma linguagem universal”
(Khakh & Burnstock, 2011, p. 36).
Estes dois autores sustentam que a atividade de transmissão de sinais pelo
ATP foi detectada pela primeira vez entre células nervosas e tecido
muscular, mas hoje sabe-se que ele opera em uma grande variedade de
células pelo corpo. Está presente no cérebro, modulando a comunicação
entre neurónios37, e entre eles e as células de suporte chamadas glia38;
também está presente nos órgãos sensoriais, coração, ossos, pele, sistema
imunológico e muitos outros órgãos, sendo, portanto, um “supremo
mensageiro”.
“Os sinais transmitidos pelo ATP e seu subproduto, a adenosina, estão
envolvidos no sono, na memória, no aprendizado, no movimento e em
outras atividades cerebrais” (Khakh & Burnstock, 2011, p. 42).
Maciel (2011c, p. 2) esclarece que o ATP desempenha um papel muito
relevante como transmissor de informação, atuando como informador
acerca dos múltiplos estados que o Corpo vivencia em diferentes instantes,
“sendo por isso uma molécula determinante para a proprioceptividade e
como tal para assegurar a funcionalidade conforme e criteriosa dos
milhões de cérebros que nos compõe”.
Nesse sentido e falando especificamente sobre futebol, Marisa Gomes
(2013) entende que esta transmissão e descodificação de informação devem
ser feitas em função de um contexto, orientada por um determinado sentido,
isto é, pelos referenciais coletivos da equipa. Questiona: que valor terá o
ATP ao portar a informação e ela não ser descodificada no timing certo?
Por isso não há sentido algum vivenciar em treino contextos desconexos
e desprovidos de sentido, no que se refere a um jogar específico, uma vez
que conforme coloca Marisa, a vivência de uma situação desprovida de
sentido provoca um desgaste bioquímico diferente do pretendido pelo jogar
(com sentido), face à função informativa do ATP, bem como a sua retenção
e utilização. Pelo contrário, ao vivenciarmos contextos providos de lógica
(com sentido) sistematicamente, assentados dentro da lógica do morfociclo,
possibilitaremos a adaptabilidade da funcionalidade desta molécula.
Hoje em dia não há dúvidas absolutamente nenhumas que o ATP
tem uma função dupla. Não tem só aquela que se pensava, de
proporcionar energia. E, mesmo essa, pode ser veiculada por
metabolismos diversos ou por um namoro relativo entre eles. Essa
função é inquestionável e toda a gente o sabe. Mas tem um papel
“muito mais importante”, que é a transmissão de informação, face
ao modo como está a funcionar. Isto levado às últimas
consequências está relacionado com a «proprioceptividade». Lá
está, voltamos outra vez, quando funcionando desta maneira dá-se
uma modelação em função do que se transmite.
(Frade, 2011, p. 13-14)

O ATP é a molécula mais importante para tudo aquilo que se


realiza, não é? Mas também sabemos que o ATP também tem
informação que é utilizada em função de um contexto. Assim vamos
ter ao supraprincípio da Especificidade, que nos diz que o sentido,
ou seja, o contexto tem de estar sempre presente. Portanto, aqui o
lado da informação é muito mais complexo. Quem deve controlar a
energia é a informação. E esta quem a deve controlar é o sentido!
(Gomes, 2013, p. 342/364)

Trata-se de acedermos aos níveis mais ínfimos da Especificidade, da


adaptabilidade em função de um jogar e, portanto de tudo o que lhe dá vida.
Não se trata de uma coisa abstrata, desprovida de sentido, mas sim de algo
concreto e objetivável.
Portanto, concordo com Fernandes (2003) quando defende que o
processo de adaptabilidade não deverá alhear-se do conceito de
Especificidade, e concretamente para a Periodização Tática trata-se de uma
adaptabilidade para e na Especificidade/especificidades, estando
inclusivamente, pelo modo como é conduzido o processo de treino, a gestão
e o fornecimento do ATP circunscrito neste processo.
Em suma, esta conceção metodológica, tendo em consideração a
realidade completa e concreta da modalidade, promove a verdadeira
adaptabilidade, a todos os níveis, tendo em vista o desempenho a que se
aspira manifestar em competição.
3.3.2 Musculação versus Especificidade
“Neymar tem jogado muito bem, faz o que quer dentro do campo.
Mas peço que não coloquem peso (halteres) nele. Não tem que ser
culturista, mas sim jogador de futebol”.
(Maradona, 2013)

Para a Periodização Tática a «perfeição do automatismo não


consiste no ter-se definitivamente fixado um certo encadeamento de
ações musculares, é pelo contrário, uma liberdade crescente na
escolha das ações musculares a encadear».
(Gomes, 2013, p. 350)

São pelos motivos expostos não apenas na seção anterior, mas em vários
outros trechos deste livro, que na Periodização Tática o treino com
máquinas de musculação e também com pesos livres não é contemplado, já
que estes levantam uma série de questões.
Por vezes, as pessoas estão tão obcecadas com a vertente física que
só veem o músculo como um órgão gerador de trabalho e não como
um órgão sensível. Esquecem-se que ele é um órgão sensível com
uma capacidade absolutamente fantástica de adaptação ao
envolvimento regular.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al., 2006, p. 115)

Para Maciel (2011b), o treino de musculação e, em especial, a vertigem


por aumentar os índices de massa muscular de vários jogadores parte do
pressuposto, errado, que o músculo é exclusivamente um órgão efetor de
movimento, mas não, o músculo (e tudo o que lhe dá vida) tem inteligência,
sensibilidade e como tal ao sofrer alterações no sentido de haver mais
músculo, haverá ali uma parte nova que é estranha que como tal necessita
de ser educada. Há perda de proprioceptividade sobretudo no que se refere à
manifestação de uma atividade específica (o futebol) principalmente porque
essas mudanças se fizeram tendo por base uma estimulação que em nada se
assemelha ao que depois será exigido.
Por tudo isto, pelo desfasamento na forma de adquirir, pelo desfasamento
entre o corpo e o cérebro (corpo não tomou consciência das alterações) a
propensão para lesões e descoordenação é muito maior. É comum jogadores
que em poucos meses verificaram incrementos significativos, manifestarem
perda de fluidez de movimentos, maior descoordenação com a bola, e
nalguns casos um acentuar significativo do número de lesões.
A este respeito, Casarin & Greboggy (2012a) sustentam que durante as
atividades de musculação priorizam-se contrações diferentes, velocidade de
movimento e tensões diferentes do que realmente um jogo de futebol exige,
quanto mais de um jogar Específico.
Para além disso, segundo estes autores, a despolarização, repolarização e
hiperpolarização acontecem de forma diferente quando comparado com a
especificidade promovida pela repetição sistemática e hierarquizada dos
princípios de jogo, bem como a ativação de canais de cálcio, potássio,
sódio. Assim como a quantidade de unidades motoras envolvidas nos
movimentos; a proprioceptividade39, a maneira como a informação é
transmitida entre as células, e a coordenação intermuscular e intramuscular,
que por consequência lógica também será diferente, podendo resultar,
portanto, numa inadaptabilidade para o jogar que se pretende.
Basta saber o que são os mecanorecetores40, o que é a
proprioceptividade e saber que o músculo pelo fuso neuromuscular
e não só é fundamentalmente um órgão que tem que estar receptivo
às nuances do envolvimento que a gente não pode prever ou prevê,
mas muito disso em termos de pormenor é inopinado e tem que se
registar para responder. Isto é, há um timing de ajustabilidade na
co-contractibilidade41 muscular e há outro timing que ajusta aquele
às circunstâncias, no esforço de as enfrentar! Este 2º timing é
chamado de antecipatório, daí a relevância da história das
contracções de cada um! As máquinas tiram precisamente isso, por
mais sofisticadas que sejam, e são! E mais, máquina é para o
individual, não para a relação com os outros, portanto isso é um
contra-senso.
(Frade, 2013b, p. 103)

Eu pessoalmente não defendo (a utilização da musculação), eu


julgo que a melhor adaptação é aquela que se consegue a partir
daquilo que vai perspectivar uma determinada competição. Se tu
pretendes competir de uma determinada forma e semanalmente
trabalhas num contexto direcionado para aquilo que é a
competição, julgo que toda a estrutura fisiológica se adapta
concretamente e de forma direcionada no final de contas para
aquilo que são os objetivos da competição. Do trabalho com
máquinas, podemos levantar uma série de questões, uma delas
poderá ser até que ponto o desenvolvimento que se consegue com a
máquina identifica-se com as sinergias musculares que a própria
modalidade necessita. Julgo que é a adaptação concreta a partir
das situações de jogo que permite direcionar melhor a preparação
do atleta, tendo em vista a competição. Agora não digo que não
haja pessoas que sigam esses caminhos, há pessoas que seguem
esses caminhos e que conseguem também resultados. Agora cada
um opta pelos caminhos que estão mais direcionados para aquilo
que é o objetivo final.
(Faria, 2002)

O mesmo Rui Faria, quando questionado se considerava como


potencialmente importantes para a operacionalização da ideia de jogo outras
coisas (musculação, etc.) que não a repetição sistemática em especificidade
dos princípios de jogo, alicerçado pela operacionalização do morfociclo
padrão, foi taxativo:
Eu não vejo outra possibilidade que não seja essa repetição
sistemática em especificidade dos princípios de jogo porque é
fundamental perceber que a organização é o sucesso e quanto mais
organizada for a equipa mais probabilidade de sucesso haverá.
“Numa época extremamente competitiva, onde por vezes a falta de tempo
para treinar nos obriga a fazê-lo numa supraespecificidade relativamente
ao modelo, a única preocupação que temos é treinar as interações
intencionalizadas do jogar, é treinar princípios, é atender ao lado
estratégico em função do adversário numa perspectiva de antecipar o que
vai acontecer no próximo jogo, corrigir aspetos do jogo anterior. Temos
que rentabilizar ao máximo o tempo que temos para treinar, para potenciar
ao máximo o padrão de interações (intencionalizadas) que queremos e não
pensamos em mais nada!”, coloca Rui Faria (2008).
Assim como Rui Faria, Mourinho (citado por Oliveira et al., 2006)
defende que o treino promovido pela Periodização Tática é o que
verdadeiramente adapta os jogadores maximamente para o esforço em
competição. “Isso é linear, é pragmático e é básico”, mas cada um é livre
para escolher o seu caminho, segundo o que julgar mais correto, e como
referiu Rui Faria anteriormente, muitos optam por diferentes caminhos e
também atingem resultados.
O que devemos perceber é que um músculo “fortalecido” pelas máquinas
de musculação não significa que necessariamente estará adaptado para
reagir eficazmente nas trocas de direções, sprints com ou sem bola,
travagens, fintas rápidas, dribles, ultrapassagens, saltos, finalizações,
passes, enfim, para as ações que o jogo de futebol exige, e mais
precisamente para a concretização que um determinado jogar implica.
As máquinas de musculação promovem exercícios fechados que
predispõem o músculo a uma realidade desprovida de sentido para o jogo
de futebol. Trata-se de exercícios que “cegam” e “enganam” o músculo,
adaptando-o para algo descontextualizado.
Seria como aprender a conduzir um comboio que percorre um
trajeto sobre trilhos, de maneira “automática”, sendo que depois o
que acontece é que temos que dirigir um autocarro, “num contexto
de muito trânsito, onde as regras existem, mas os contornos da
condução e dos trechos percorridos são muito variáveis” (Maciel,
2010).
(Tamarit, 2013b, p. 47)

Xavier Tamarit coloca que num exercício para o desenvolvimento do


quadríceps numa máquina de musculação, de por exemplo, três séries de
doze repetições, duas vezes por semana, desenvolve-se o mesmo tipo de
contração repetidamente (praticamente sempre as mesmas fibras
implicadas, as mesmas conexões neurais atuando), levando o músculo a
habituar-se a uma realidade que não irá encontrar nos relvados, uma
realidade que exige do quadríceps uma diversidade nas contrações, ou seja,
diferentes fibras agora, diferentes fibras depois, mas no caso da musculação
revividas diversas vezes e de maneira idêntica, o que possibilita robustecer
a formação de certas conexões que inclusivamente podem levar o músculo a
equivocar-se perante determinadas situações que exigem outras conexões,
permitindo, portanto a possibilidade aumentada de lesões.
Por isso não há melhor prevenção de lesões do que levar o músculo à
habituação da imprevisibilidade e da espontaneidade características do jogo
de futebol, e mais especificamente de um jogar (a nível micro).
Cada vez mais, dentro da lógica convencional, são feitos exercícios
de potenciação (“reforço”) dos adutores, abdutores, antes, durante
ou depois do treino. Ou seja, um músculo que é muito solicitado no
jogo, e que portanto necessita de descanso, e o que fazemos é dar
“trabalho extra” para potenciá-lo? Mais? Se é justamente esse o
seu problema!
(Tamarit, 2013b, p. 41)

A respeito desta (por vezes, indiscriminada) prática de “reforço”


muscular, com máquinas de musculação, o professor Vítor Frade refere:
O reforço,
o reforçar...
põem-no torto
p’lo treinar
ao músculo quando,
no jogo está jogando...
Meio caminho andado
p’rá lesão...
premissas p’ra lesionado
terás assim bem à mão!
Neuronal
ou muscular,
a plasticidade é genial
antagónica do reforçar
Plasticidade na expressão do gene
é anti-flexibilidade...
p’rá síntese das proteínas é leme,
p’ra lá da genética
a epigenética!
O reforço
isoladamente proposto,
o corpo põe-se aflito
Atormentado na continuidade
entra em aflição...
agindo o corpo p’lo grito
de desejo de liberdade,
p’ra que a identidade
vete a potencialidade de lesão
Não tem rosto
o reforço...
não é gente é multidão
p’ró indiviso
no indivíduo,
mutilação...
sem “fio-de-jogo” é alienação!
(Frade, 2016)

A mecanobiologia tem vindo a mostrar a importância do processo


para gerar uma adaptabilidade. Segundo o investigador Stefano
Piccolo (2015), existe uma tendência da biologia focar no papel dos
genes no controlo dos mecanismos celulares, mas refere que são as
forças mecânicas que as células sofrem no organismo que regulam
a sua atividade e a sua função. De acordo com a sua investigação,
as forças físicas e mecânicas exercidas pelo envolvimento originam
os processos fundamentais na conexão e função das células. De
acordo com este autor, o modo como as células se dispõem e o
espaço existente entre elas é muito importante para desencadear ou
não a divisão celular. Sendo assim, a hipertrofia celular que muitos
jogadores procuram na sala de musculação tem influência neste
processo de espaço das células e das suas necessidades. Assim, o
aumento das massas musculares criado nas salas de musculação –
tido como reforço complementar – não só não ajuda como prejudica
esta funcionalidade celular porque interfere com as dimensões das
células, com as suas funcionalidades. Por isso, o reforço muscular
tem um papel concreto e real no funcionamento das células,
dinamizando um conjunto de informações que não é a mesma que a
do jogar.
(Gomes, 2016, p. 15)

A musculação procura retratar uma realidade irreal, é um contexto


postiço, desde logo porque não permite estar em relação com a bola
e o contexto de jogo, por isso terá necessariamente perdas. A
propriocepção é algo concreto, contextual e os estímulos que
emanam do contexto de jogo não são passíveis de serem
reproduzidos numa sala de musculação. A propriocepção tem a ver
com a configuração acontecimental das circunstâncias, com o modo
como eu as identifico e interajo com estas, com o modo como me
ajusto e nalguns casos reajusto para poder agir ou antecipar em
conformidade com o que aquela solicitação exige. Eu entendo o
Corpo como uma realidade inteligente, que como tal carece de ser
aculturada. Trata-se inegavelmente de uma realidade plástica,
sobre a qual o treino pode atuar. Mas que treino?! Para mim a
plasticidade42 tem de rimar com seletividade e consequentemente
com Especificidade. Nós tornamo-nos seletivos pelo que fazemos,
assim como a adaptabilidade que emana do que fazemos tem a ver
com essa seletividade. Se o meu processo de adaptabilidade atua
sobre a plasticidade num determinado sentido, ou de uma
determinada forma, é essa a modelação que eu vou conferir ao
Corpo. Portanto se é em função de um jogar, que eu aspiro que a
adaptabilidade se instale nos Corpos que compõem a minha equipa,
a seletividade do processo tem que ir nesse sentido, e só assim se é
norteado pela Especificidade, pela vivenciação continuada de um
jogar respeitando os princípios metodológicos.
(Maciel, 2011b, p. 30–31)

No futebol, devido à sua dinâmica, um músculo jamais trabalha sozinho,


fá-lo sempre interagindo com uma determinada cadeia muscular, de
maneira que quando o músculo trabalha e evolui, fá-lo equilibradamente
com toda a cadeia muscular envolvida nestas ações; algo que não ocorre
quando se trabalha numa máquina de musculação, uma vez que se
exercitam músculos isolados das cadeias musculares que os acompanham
nas várias ações de um jogo de futebol, o que vai contra a própria
proprioceptividade, que deixa de solicitar informação do exterior, uma vez
que o contexto é sempre idêntico (Tamarit, 2013b).
A musculação altera a relação do corpo com o corpo. Há dois tipos
de timing. O timing coordenativo dos músculos entre si, que é a co-
contractividade, portanto, vão existir cadeias que passam a
degladiar-se, que se passam a estorvar umas às outras. Porque é
uma coordenação que se coloca contrária à fluidez que sugere e
solicita a espontaneidade do jogo de futebol. Para além disso, há
outro tipo de timing, que tem a ver com o ajustamento muscular à
alteração sistemática regular que o envolvimento coloca. Ao fazer
musculação vai estar a bulir com isso, vai estar a enganar o sistema
nervoso. Portanto, vai obstruir o leque de possibilidades de
manifestação que o corpo tinha a jogar futebol. E se o fizer quando
em desenvolvimento vai inclusivamente bloquear o crescimento, por
exemplo, dos ossos e de outras estruturas. Vai hipertrofiar uma zona
que é muscular quando nós sabemos que os tendões não se
desenvolvem da mesma forma... Porque não é natural!
Quem souber um bocadinho sobre aprendizagem motora, sobre
coordenação motora, sobre timing de manifestação muscular e de
coordenação muscular, etc, acaba por se afastar dessa forma de
pensar, que é mutiladora. Mas até aqui na faculdade há professores
que dizem que o músculo é cego. Cego são eles, porque o músculo
é, manifestamente, muito mais, um órgão sensitivo do que um órgão
gerador de potência. E, se calhar, ao mesmo tempo que dizem que o
músculo é cego, defendem que é importante a proprioceptividade.
Ou seja, não sabem o que estão a dizer. Porque a
proprioceptividade é precisamente o que faz do músculo
fundamentalmente um órgão sensitivo. Portanto, uma série de
mecanorecetores que se alteram para captarem, digamos assim, a
evolução do corpo no tempo e no espaço.
(Frade, 2009)

Digamos que a força tem que se contextualizar no que é a ação do


jogador no jogo. Nesse contexto é para nós fundamental o trabalho
realizado de acordo com a especificidade do nosso jogo, se nós
queremos uma predominância que a componente força esteja
evidente procuramos um conjunto de situações e posso dizer
situações de jogo onde a maioria desse trabalho é realizado em
situações de jogo (do jogar aspirado), por um condicionamento do
número de jogadores, quer pelo espaço de jogo, quer pela duração
do exercício em si procuramos que exista a dominância das ações
que nós denominamos como força. Agora, não temos a preocupação
de quantificar se o jogador, faz dez mudanças de direção a nossa
preocupação é que a própria situação em si traga, arraste consigo,
uma dominância dessas ações que no final de contas vão constituir
como força. Não temos a preocupação do treino da velocidade do
ponto de vista fisiológico concretamente, eu julgo que as situações
de jogo que trabalham a especificidade vão trazer consigo uma
dominância dessa necessidade fisiológica mas como uma
necessidade para uma organização de jogo, da mesma forma em
relação à resistência, pois resistir no final de contas é adaptar a um
conceito de jogo, é tu teres a capacidade de identificares com esse
modelo, seres capaz de realizar essas necessidades de jogo. A nossa
preocupação e a nossa perspectiva inserem-se novamente numa
preocupação de encontrar num contexto das situações de jogo uma
adaptação específica para aquilo que pretendemos em termos do
nosso jogar. Isto é fundamental.
(Faria, 2002, p. iii-iv)
Portanto, as máquinas de musculação e/ou pesos livres poderão ser
incapazes de promover o suporte muscular e bioenergético (sem falar em
outras coisas como a concentração, sentimentalidade) inerente à
manifestação fluida de um jogar.
Costumava dizer que ninguém fazia no mundo mais musculação que
eu com os jogadores, porque a fazia todas as semanas, mas não era
com máquinas. Era sensibilidade muscular, ou seja, sensitivo na
aquisição e concretização do jogar, em função da evolução
individual do jogador para o crescimento da minha equipa tendo
em conta as funções de cada um. Agora, isso não é uma coisa fácil.
(Frade, 2013b, p. 102)

Por isso, a Periodização Tática, ao ter como epicentro processual o jogar,


vivenciado e experenciado através do respeito pela lógica do morfociclo
padrão permite a promoção da verdadeira adaptabilidade. Esta
adaptabilidade não é conseguida apenas na dimensão física, mas em todas
as dimensões do desempenho.
Trata-se de um outro modo de ver e sentir as coisas, uma lógica diferente,
não significando ser certo ou errado, apenas constitui-se como um caminho
diferente, mas com o mesmo objetivo final de todas as outras metodologias
de treino: estar apto para competir, mas neste caso aspirando a competir
jogando de uma determinada forma.
3.3.3 A manifestação da Especificidade através dos exercícios
Um exercício, mais do que um exercício, deve ser um contexto. Um
exercício tem informação potencial, mas para ela se constituir em
capacitativa, tem que se utilizar várias vezes e o exercício tem que
concretizar uma determinada dinâmica. A responsabilidade do
desenvolvimento dessa dinâmica é dos intervenientes diretos, os
quais têm de se constituir num sistema ou mecanismo determinado,
para que a qualidade capacitativa cresça, para que sejam um
mecanismo não-mecânico.
(Frade, 2011, p. 14)

A aquisição e somatização da ideia de jogo do treinador por parte da


equipa poderá ser promovida de diferentes maneiras, seja através de
palestras, conversas, imagens, vídeos, dentre outros recursos, mas na minha
opinião, sem dúvidas encontra-se maximamente potenciada através do
processo de treino, da operacionalização da ideia de jogo através dos
exercícios (contextos), processo em que o treinador assume um papel
fundamental.
Deste modo, podemos dizer que o exercício é protagonista na
manifestação da especificidade, pelo sentido que lhe atribuímos e,
fundamentalmente, pela vivência deste sentido por parte dos jogadores, uma
vez que o jogar é matéria de ação e principalmente interação.
Mourinho costumava dizer que treinar só é bom quando se consegue
operacionalizar o que é a sua ideia de jogo, ou seja, o treinador deve criar
exercícios que induzam sua equipa a fazer aquilo que pretende apresentar
em competição, seja com contextos mais ou menos complexos. A verdade é
que a estrutura de acontecimentos do treinar tem de refletir a natureza de
estrutura de acontecimentos do jogar.
Se pretendemos jogar de uma determinada maneira e durante os treinos
andamos a fazer outras coisas que não estão relacionadas à nossa ideia de
jogo, na minha opinião estes treinos não terão grande utilidade. Desligar a
realidade do treino com a competição, e precisamente ao que treinamos e o
que pretendemos apresentar em competição, seria como uma companhia de
teatro querer exibir ao público uma comédia, mas ensaia todos os dias, ou
quase todos os dias uma tragédia. Provavelmente no dia do espetáculo o
resultado disto não será nem uma coisa nem outra. Isso simplesmente não
faz sentido.
Contudo, devemos ter bastante atenção e entender que apesar de os
exercícios serem os principais indutores da especificidade pretendida, eles
são potencialmente específicos. Isso porque o cumprimento da(s)
especificidade(s) nos exercícios depende(m) de muitas coisas, como os
jogadores entenderem os objetivos e as finalidades dos exercícios
(percebendo como os exercícios podem melhorar o jogar da equipa e o seu
próprio futebol, algo que tendencialmente os faria treinar de maneira
intencional face ao que se pretende); os jogadores manterem um elevado
nível de concentração durante o exercício e o treinador intervir de maneira
adequada e atempadamente perante os acontecimentos que ocorrem durante
a “exercitação” (Amieiro, Frade & Guilherme Oliveira, 2008).
Nesse sentido, é muito importante que os jogadores desenvolvam e
mantenham uma intensidade máxima relativa permanente para que os
propósitos do treino sejam realizados com a eficácia que pretendemos.
Importa contudo, destacar a noção de intensidade máxima relativa, pois
para a Periodização Tática este conceito rompe com o que é comumente
aceite.
3.3.3.1 Intensidade máxima relativa e concentração.
Em terminologia convencional, a intensidade é tradicionalmente
associada à dimensão física, ao desgaste energético proveniente da
atividade que se está a desenvolver, mas para a Periodização Tática quando
se fala em intensidade deve-se considerar que a mesma tem a ver com a
necessidade de um ajustamento eficaz face aos condicionalismos
circunstanciais que o contexto vai colocando, trata-se portanto de um
problema de escolha e critério, tendo em conta a intenção prévia.
Conforme exemplifica Maciel (2011b) um jogador pode ter uma
velocidade de deslocamento muito alta, mas não fazer dela o melhor uso,
isto é, não a aproveitar em conformidade com o que as circunstâncias
requisitam. Messi não é mais rápido que Theo Walcott e Aaron Lenon, mas
tem muito mais critério no uso que faz da velocidade, tem timings mais
ajustados, acelerações, travagens e mudanças de direção em conformidade
com o que lhe “pede” o contexto, por isso joga regularmente em
intensidades máximas relativas, porque face ao contexto ele vai ajustando
para responder com o desempenho mais eficaz e eficiente. Para isso é
imprescindível estar concentrado.
E estar concentrado não se trata “apenas” de ter capacidade para pensar e
tomar decisões eficazes, mas de conseguir estabelecer uma fusão entre a
intenção prévia, o contexto e a concretização (ou seja, na intenção em ato).
A capacidade de ter e desenvolver esta concentração está diretamente
relacionada ao jogador estar implicado (individualmente, ainda que em co-
implicância) e envolvido na vivência dos ideais coletivos e nas interações
da equipa.
Ora, conseguir estar concentrado o máximo de tempo possível no
jogo implica treino e aprendizagem, isto é, exige um determinado
volume de intensidades de concentração. E é preciso perceber que
há exercícios pouco «intensos» sob um ponto de vista mais «físico»
que, pela concentração que exigem, são extremamente intensos.
(Oliveira et al., 2006, p. 104)

Por exemplo, correr por correr tem um desgaste energético natural, mas a
complexidade desse exercício é nula. Como tal, o desgaste em termos
emocionais tende a ser nulo também, ao contrário das situações complexas,
onde a supradimensão tática está presente, que exigem permanentemente a
necessidade de ajustamentos face às circunstâncias e aos condicionalismos
impostos pelo contexto.
Como diz Carvalhal (2002), nós podemos correr uma determinada
distância na nossa máxima velocidade de deslocamento, entretanto, se
quisermos realizar essa mesma distância com uma bandeja cheia de copos,
e se fizermos esse percurso na máxima velocidade possível sem que os
copos caiam, possivelmente vamos fazê-lo com menos velocidade, mas
mais intensamente do que no primeiro exemplo. Isso porque a necessidade
de ser eficaz no ajustamento face ao contexto exige uma concentração
muito maior, levando a que a intensidade também seja maior.
Portanto ser intenso muitas vezes implica parar, abrandar e não correr em
grande velocidade, procurando sempre ser eficaz tendo em conta o
contexto.
Em suma a concentração decisional implicada na ação e na interação pela
exigência do desempenho no contexto, pela exigência em termos de
desgaste “mental-emocional” que esse desempenho representa, faz com que
uma situação, tanto em jogo como em treino, seja mais ou menos intensa.
Portanto, quando falamos em intensidade, não nos referimos a uma
intensidade abstrata, mais ou menos cronometrável, mas a uma
intensidade decisional associada à concentração, calibrada pelo
instante singular de cada exercício a vivenciar – porque os
jogadores têm, permanentemente, que equacionar a gestão do aqui
e agora. E devemos falar numa concentração tática, porque ela é
necessária para que o jogar desejado se manifeste.
(Oliveira et al., 2006, p. 105)

Conforme coloca Jorge Maciel (2011b), o que se pretende na


Periodização Tática é que a intensidade na vivência de um jogar seja
sempre máxima (entendendo-se a intensidade associada à concentração e
também à qualidade do desempenho), porém trata-se de uma intensidade
máxima relativa, uma vez que o maior ou o menor grau de intensidade
estará relacionado com o maior ou menor grau de complexidade emergente,
e em conformidade com a intencionalidade coletiva que a sobredetermina.
No que diz respeito às unidades de treino do padrão semanal, como a
configuração padronizada de cada dia é diferente, também a intensidade
implicada nas várias unidades de treino difere. Ela segue sendo máxima,
porém relativa. Por isso é importante relativizarmos a noção de intensidade
máxima.
O treino de quarta-feira (assumindo uma semana de jogo domingo
a domingo) tem nos exercícios menos elementos em interação que o
de quinta-feira, o que faz com que a intensidade de quinta seja
“mais intensa”, pela maior complexidade que comporta, que a de
quarta-feira que no entanto, para aquele padrão de desempenho
tem de ser máxima. O mesmo sucede com os restantes dias do
morfociclo padrão, as intensidades têm de ser relativizadas em
função do padrão de “exercitação” e de aquisição implicados na
respectiva sessão, sendo que a intensidade máxima em cada dia
emerge da qualidade dos desempenhos manifestos, ou seja, do modo
como os jogadores se ajustam e reajustam aos estímulos que
sobredeterminam as suas ações nos contextos de “exercitação”.
Maciel (2011b, p. 43)

Agora vamos aprofundar um pouco mais esta ideia através de um


exemplo, uma situação hipotética: de acordo com a ideia do treinador X,
um jogador (pivot) deve ter uma intensidade de concentração máxima para
que, num exercício de 4x1 (onde o objetivo seja a simples manutenção da
posse da bola, dentro de um quadrado de 15 metros quadrados) quando
receber a bola, consiga fazer um passe a um companheiro melhor colocado
para dar continuidade na manutenção da posse da bola, isto é, aja com
eficácia, obtendo êxito através do ajuste perante este determinado contexto.
Isso exige uma concentração máxima para esta ação, que é diferente
(embora seja em função da mesma ideia em termos macro), por exemplo,
da concentração exigida para que, num exercício de 10x8 (com o mesmo
objetivo de manter a posse da bola, tendo que marcar golos), este mesmo
pivot consiga posicionar-se permanentemente em linhas de passe seguras,
para que quando receba a bola possa dar progressão à mesma e ajudar sua
equipa a mantê-la por mais tempo e com qualidade, passando-a para
companheiros que permitam que isso aconteça, através do seu (bom)
posicionamento.
Ora, a intensidade exigida para obter o sucesso nas duas situações acima
descritas, não foi a máxima (uma vez que implicou em constantes
ajustamentos e reajustamentos objetivando a eficácia, exigindo muita
concentração)? Mas manter a posse da bola e visualizar companheiros
melhores colocados numa situação de 4x1 não é a mesma coisa que numa
situação 10x8, onde quase sempre há pressão em cima do pivot, onde há
uma complexidade relacional e espacial muito maior que num exercício de
4x1, e por isso, falo de intensidade máxima relativa.
Assim, temos necessariamente de contextualizar a intensidade, pois como
disse anteriormente, em determinadas situações o jogador para ter êxito
deve estar parado, outras vezes correr muito, outras vezes correr pouco ou
mesmo fazer um chapéu, um elástico, uma cueca no adversário, pisar em
cima da bola, isso está dependente dos instantes, das circunstâncias e do
ajustamento necessário para as sobredeterminar.
Então, a intensidade reside na parte qualitativa do jogo e do jogar e não
tem a ver apenas com a execução, mas também com a intencionalidade que
sobredetermina a execução, ou seja, na relação entre o que se faz e aqueles
que são os referenciais coletivos, que permite ao jogador ter êxito na
situação em que se encontra, sendo lento ou rápido, mas fundamentalmente
criterioso, ajustando e reajustando para obter eficácia na
concretização/manifestação do jogar.
Por isso é de suma importância que os jogadores estejam
permanentemente concentrados e que mantenham uma intensidade máxima
relativa durante os exercícios e os jogos, pois isso além de permitir
potencializar a aquisição e a especificidade do processo, possibilita o
desenvolvimento e o crescimento constante desta capacidade de
concentração por parte dos jogadores ao longo do tempo.
Embora a concentração possa ser incrementada, não se trata de uma
concentração qualquer, é uma concentração que o jogar requisita para se
manifestar de maneira fluida e constante.
Conforme coloca o professor Frade (2011), o Dalai Lama consegue estar
a meditar por duas horas, concentra-se, mas não é a concentração de jogo, e
muito menos a necessária para levar a efeito um jogar.
Por isso devemos estar atentos ao processo de treino, em criarmos
exercícios (contextos) que façam o jogador estar permanentemente em
modo de alerta, envolvidos completamente para que de facto estejam
concentrados subconscientemente. Como costuma referir Jorge Maciel,
lembremo-nos das crianças que jogam futebol na rua, lá ninguém lhes exige
concentração, porém mais concentrados que eles não deve haver.
Aí está um dos desafios e uma das missões dos treinadores.
3.3.3.2 A importância da intervenção durante os contextos de propensão
Como já referi é muito importante que os jogadores percebam os
benefícios que o exercício trará para o jogar da equipa e para o futebol de
cada um individualmente (“saber sobre o saber fazer”), isso porque tal
entendimento tendencialmente os faria treinar de maneira intencional e
talvez mais implicada e sintonizada face ao que se pretende.
Schmidt e Wrisberg (2010), conhecidos autores no campo da
aprendizagem motora, referem que a motivação e a pré-disposição
intencional para aprender são fundamentais para a aquisição dos conteúdos
a serem vivenciados pelo indivíduo. Dificilmente alguém faz algo bem feito
quando não acredita que isto lhe trará benefícios. Como já dizia Frade em
1985, só o movimento intencional é educativo.
Porém, e ainda que o que referi acima seja verdade, inicialmente, o foco
do treino deverá centrar-se sobretudo no “saber fazer”, isto é, primeiro o
jogador deverá fazer e depois, com o tempo e os estímulos vivenciados nos
treinos e também nos jogos ir tomando consciência do que se faz. Tal
processo, aquisição e somatização ocorre em concomitância, isto é, faz-se
fazendo, neste caso jogando, treinando e refletindo sobre o que se faz.
Como já disse, o jogar e a sua aquisição, para além de ser não linear é
uma matéria de ação e sobretudo de interação, daí que o papel do treino e
da equipa técnica afigura-se como algo fundamental para que a aquisição e
somatização da ideia de jogo por parte dos jogadores seja facilitada, seja na
criação de contextos propícios para determinado “acontecer”, seja nas suas
intervenções durante os exercícios, guiando-os até as interações
pretendidas.
Conforme pretendo evidenciar mais à frente, as emoções têm papel
fundamental na transmissão e aquisição das ideias de jogo, e, portanto
quanto mais empatia emocional o treinador (e as ideias que carrega consigo
– bem como a forma como as transmite/operacionaliza) conseguir criar com
os jogadores, seja durante os exercícios, seja no dia-a-dia, melhor será.
Portanto, a qualidade do treino está também claramente dependente da
intervenção do treinador, uma vez que o exercício por si só não tem tanto
valor como tem quando o treinador intervém e o direciona para os
propósitos congruentes com a intenção prévia. Por isso, concordo com
Carvalhal (2003) quando diz que um exercício não vale só por ele, não
chega fazê-lo, deixar que ele aconteça e não intervir. É por isso que o
mesmo exercício, com os mesmos objetivos e os mesmos jogadores, pode
ter uma eficácia diferente com diferentes treinadores.
Acredito que a intervenção do treinador na condução dos contextos
(exercícios) vivenciados pelos futebolistas se faz fundamental, onde os
feedbacks transmitidos aos jogadores podem tornar o exercício mais rico e
mais eficaz. Também contribuem os feedbacks transmitidos ao treinador
pelos jogadores.
Castelo (2000 citado por. Fernandes, 2003) sugere ser possível comparar
as atividades profissionais de um médico com as de um treinador de
futebol, onde o exercício no processo de treino e o medicamento para
tratamento de doenças apareceriam como coisas semelhantes.
Entretanto, no meu entendimento, assim como para Fernandes, esta
comparação é redutora na medida em que a relação que a aplicação do
exercício permite estabelecer entre treinador e jogadores é mais complexa
do que a relação estabelecida entre o médico e o paciente no momento da
prescrição do medicamento. Queremos dizer que o médico realiza um
diagnóstico e prescreve um remédio ao seu doente, mas um exercício não se
“toma” e pronto.
Entendo que o treinador não se deve limitar a “prescrever” um exercício
e esperar o efeito no jogador, pelo contrário, deverá ser partícipe na
aquisição de suas ideias, apostando muito mais na “prevenção do que na
cura43”, através da presença constante de uma ideia de jogo coerente e o
treino da mesma, onde o treinador deverá escolher e alimentar de maneira
ajustada e qualificada os exercícios.
Durante a realização do exercício, o treinador deverá adotar, quando
necessário, uma atitude interventiva e imbuída de emoção, no sentido de
reforçar as ações e interações que se reportam à intenção prévia do jogar e
inibir as ações e interações que não se coadunam com o pretendido. Daí que
no futebol o mesmo exercício funcione de forma diferente com diferentes
treinadores (e também jogadores).
É por isso que Mourinho (2002 citado por. Fernandes, 2003) afirma não
se importar com o facto de vinte treinadores assistirem aos seus treinos,
“porque o mesmo exercício de treino liderado por uma pessoa e liderado
por outra não tem nada a ver”. Rui Faria (2003) também acredita que um
exercício liderado por pessoas diferentes não é a mesma coisa. Para ele o
aspeto da intervenção é fundamental, sobretudo no aspeto emotivo da
intervenção.
Há várias formas de intervir. Há formas pouco emotivas, mais
passivas, dizer qual o objetivo do exercício e ir intervindo. Mas
julgo que se for feito com uma maior emotividade e uma maior
expressividade, de alguma forma incute um espírito diferente ao
exercício. Posso dizer a mesma coisa de uma forma tranquila,
passiva e posso dizer de uma forma ativa, bastante expressiva e isso
tem claramente influência no rendimento dos jogadores na
realização dos exercícios. Mais uma vez o exercício pode ser
diferente de acordo com a pessoa que o orienta.
(Faria, 2003, p. LXXX)

Imaginemos um exercício em 3/4 de campo, em que o objetivo é treinar


fundamentalmente os instantes que sucedem à perda da posse da bola da
equipa branca (tentar mudar rapidamente de atitude e pressionar
imediatamente a bola e o espaço circundante, para tentar roubá-la no menor
tempo possível, necessitando, portanto, de um fecho de espaços, tanto em
largura como em profundidade) e a organização defensiva e transição
defesa-ataque dos pretos.
Neste contexto, os 11 jogadores da equipa de branco (numa estrutura de
1-4-3-3) saem sempre a jogar e tentam marcar golos na equipa preta, que se
defende com apenas oito jogadores (guarda redes + linha defensiva +
triângulo do meio-campo), porque os seus três avançados não participam da
organização defensiva, ficam em stand-by.
Neste exercício, quando os brancos perderem a bola terão apenas cinco
segundos para recuperá-la e continuar o ataque, pois, caso a recuperação
não aconteça no tempo estipulado, a equipa de branco perderá os seus três
avançados para se defender, e os três avançados de preto que estavam em
espera, passam a jogar, realizando uma situação de 11 pretos vs 8 brancos.

Primeiro momento do exercício acima referido. Na figura acima, a bola está em posse dos
brancos, que com 11 jogadores atacam apenas 8 pretos, pois os seus três avançados (na figura
acima virtualizados) não podem participar da organização defensiva
Segundo momento do exercício citado. Neste momento, a partir de um erro de passe dos
brancos, há o desarme por parte da equipa preta. Caso os brancos não consigam recuperá-la em
até cinco segundos, os seus três avançados não poderão participar da organização defensiva, e
os três avançados pretos que estão em modo de espera, passarão a jogar

Como os brancos não conseguiram retomar a posse da bola em cinco segundos, os seus três
avançados ficam em modo de espera, não participando na organização defensiva (na figura
virtualizados), enquanto que os três avançados de preto, que antes estavam em modo de espera,
passam a jogar, promovendo uma situação de 11 pretos vs 8 brancos

A partir desta configuração desenvolve-se o exercício, mas uma coisa é o


treinador apenas presenciar o treino e não intervir perante determinados
acontecimentos que ocorrem durante a “exercitação” (propensão). Muito
diferente do que se o treinador diante as situações que decorrem, positivas e
negativas, intervenha guiando os jogadores até os objetivos pretendidos,
exigindo uma rápida e agressiva reação perante a perda da bola.
Sejamos mais concretos: imaginemos que os brancos estão a conseguir
criar situações de golo e manter a posse de bola com relativa qualidade, mas
no momento em que perdem a bola (transição ataque-defesa), não
evidenciam uma mudança de atitude no sentido de serem agressivos e
pressionantes para tentar recuperar imediatamente a bola.
Embora estejam a efetuar um fecho posicional com qualidade, isto não
está a ser suficiente para que recuperem a bola rapidamente, isto é, desta
maneira face ao que foi proposto, o exercício não está a atingir seu objetivo.
Se isto ocorrer com frequência, e se o treinador permitir que isso aconteça
sem emitir qualquer tipo de feedback de correção, este exercício não estará
a promover a especificidade, pois permite a adoção de atitudes que são
contraditórias à ideia de jogo, e portanto, ao serem repetidas
sistematicamente poderão criar-se hábitos prejudiciais à funcionalidade
desejada em competição.
Desta forma, a intervenção do treinador poderá ter um efeito impactante
na consecução dos objetivos propostos no exercício e por consequência na
aquisição da ideia de jogo. Imaginemos que cada vez que a equipa branca
perca a bola, o treinador seja incisivo e através de intervenções verbais e
gestuais (antes, durante e/ou no final da “exercitação”) incentive e auxilie
os jogadores a recuperarem a bola em até cinco segundos, reforçando os
aspetos positivos e corrigindo os negativos.
Acredito que assim os jogadores reagirão muito mais rapidamente às
situações, direcionando a sua atenção para as interações preconizadas,
dando um sentido Específico para os acontecimentos do exercício,
facilitando a aprendizagem e a aquisição dos conteúdos, interiorizando-os e
incorporando-os mais facilmente do que se não houvesse nenhum feedback
do treinador.
Portanto, podemos dizer que a atuação e a modelação do treinador
perante as circunstâncias é fundamental, pois “o modo como a
interpretação que se vai adquirindo ao longo do tempo é fruto da nossa
interação nas circunstâncias porque um treinador que está numa situação a
decorrer também tem de estar e ser contexto” (Gomes, 2013, p. 308). Deste
modo, quando um exercício está a acontecer e o treinador não realiza
nenhum tipo de intervenção, perde-se um momento que poderia ser de
ganho.
Por isso, as especificidades poderão ser evidenciadas se o treinador
apresentar um tipo de intervenção que consiga transformar a informação
potencial de cada exercício em informação efetiva, no fundo falo
novamente da importância de tentar sempre aproximar a intenção na ação,
ou seja, o que sucede no “aqui e agora,” com o que é a nossa intenção
prévia.
Caso isso não aconteça, se o treinador não conseguir intervir
adequadamente ou simplesmente não intervir durante um exercício quando
alguma coisa desajustada acontece, ele tornar-se-á vazio de qualquer
especificidade, por mais que inicialmente esteja de acordo com a ideia de
jogo.
Em suma, mesmo que o exercício face à sua configuração inicial (espaço
de jogo, número de jogadores, regras) já esteja propenso para determinado
“acontecer”, isso não é garantia de que as coisas decorrerão da maneira que
o treinador pretende, o que lhe confere um papel de primazia no sentido de
guiar e potencializar ao máximo as interações dos jogadores em função da
ideia de jogo pretendida.
Se no jogo o agente principal é o jogador, durante o processo de ensino-
aprendizagem (treino) o treinador tem uma maior dominância, um papel de
extrema importância, porque ele é o principal responsável pela criação do
processo, é o direcionador do sentido, é o promotor do sentimento da
equipa, é o catalisador ou o inibidor de interações, é o gestor da articulação
interativa da criação dos novos conhecimentos com os conhecimentos já
existentes dos jogadores (Guilherme Oliveira, 2004). Ele tem a capacidade
de dar significado aos acontecimentos, através da manipulação dos
contextos e da sua intervenção.
A manipulação dos contextos de propensão, bem como a sua modelação
em meio ao exercício é outro aspeto fundamental que possibilita a aquisição
e a somatização do que está a ser treinado, como veremos de modo mais
aprofundado durante a abordagem do princípio metodológico das
propensões.
Saliento que a intervenção do treinador não se limita a apenas dar
feedbacks aos jogadores e também a ouvi-los, mas estar atento a tudo o que
acontece, como por exemplo ao espaço de propensionalidade.
Muitas vezes o treinador no seu gabinete, no planeamento do exercício
crê que o espaço de propensionalidade pré-concebido permitirá potenciar as
interações pretendidas, porém o que se verifica quando o exercício
efetivamente se realiza é que o espaço necessita de ser ajustado. Algumas
vezes deve ser alargado ou encurtado, com o intuito de promover e
potencializar a manifestação das interações desejadas.
Outras vezes, durante a operacionalização de um determinado exercício,
o treinador deverá estar atento à manipulação dos constrangimentos deste,
por vezes retirando algum(ns), acrescentando outro(s), de modo a otimizá-
lo, de acordo com a necessidade emergente.
Portanto, é fundamental que o treinador esteja alerta e consiga modelar
com eficácia o contexto (não me refiro apenas ao espaço de
propensionalidade, regras, mas de tudo o que lhe é inerente), no intuito de
orientar os seus jogadores às funcionalidades e interações pretendidas.
O professor Vítor Frade refere que a dinâmica do processo é uma
“fenómenotécnica” de natureza não linear. Isto porque, como já disse, o
treinador tem um papel determinante como criador e gestor de um processo
que é não linear.
Nesse sentido, a intervenção do treinador e a modelação que exerce sobre
o contexto de propensão nas suas diferentes possibilidades, no sentido de
guiar os jogadores à funcionalidade pretendida é algo destacável.
Para Frade (2004) a grande condição da Periodização Tática é ser
uma “fenómenotécnica” na operacionalização do treino. Isto quer
dizer que não é suficiente dizer-se que a natureza desta realidade é
caracterizada pela extrema sensibilidade às condições iniciais e
depois deixar correr o processo sem qualquer intervenção. A
causalidade não linear consiste precisamente no facto da
intervenção ter o poder de alterar muita coisa, o que, aplicado ao
treino no Futebol faz todo o sentido e tem enorme pertinência dando
a clara indicação que a intervenção do treinador durante os
exercícios será um fator fundamental para o seu correto
direcionamento em função do modelo de jogo.
(Campos, 2008, p. 70)
Gladwell (2007 citado por Campos, 2008) sustenta que as nossas
primeiras impressões são geradas por experiências anteriores e pelo
ambiente, o que quer dizer que podemos mudar as primeiras impressões
mudando as experiências que formam as primeiras impressões.
Assim, o treino deve proporcionar um conjunto de experiências que pela
sua configuração direcionem o padrão de ações e interações da equipa para
aquilo que é a ideia de jogo do treinador e quanto mais rica for essa ideia e
a sua operacionalização, melhor será.
Devo ressalvar que a intervenção do treinador para guiar os jogadores até
às interações pretendidas não significa comandá-los, no sentido de lhes
castrar a criatividade e lhes dar soluções estereotipadas e robotizadas,
criando um mecanismo mecânico, pelo contrário, os jogadores devem ser
autónomos no desenvolvimento do treino, uma vez que é assim que se
deseja que aconteça na competição, mas devem ser “autónomos” com
aspas, isto é, livres para agir sem agirem livremente.
Embora pareça paradoxal, não o é, porque o jogador deve ser livre de agir
porque para o aqui e o agora não existe equação, mas não age livremente
porque as suas intenções devem ter como pano de fundo o jogar que se
pretende (Oliveira et al., 2006). Assim, o exercício deverá conter numa
dimensão micro, o plano do aleatório, do contingente, do imprevisível.
O treinador, através das suas intervenções deverá dar o tema para que os
jogadores façam uma redação, e não um ditado, isto é, a sujeição constante,
da equipa aos princípios de jogo vai gerar uma dinâmica específica no seu
jogar, criando um mecanismo, mas um mecanismo não mecânico (Oliveira
et al., 2006), desta maneira os jogadores são orientados para os princípios
de relacionamento que geram um jogar concreto, com uma lógica e não
com jogadas mecanizadas que não consideram as circunstâncias.
Não sei se por exemplo o lateral direito ao receber a bola vai jogar
no extremo ou vai jogar no central porque isso é que é
variabilidade, é o aqui e agora, a decisão do jogador. Mas está
sobre-condicionada àquilo que desejamos, portanto, nós queremos
ter a posse de bola e o pivot está a ser marcado, ele não vai
arriscar um passe para o pivot e então vai jogar para o central. E
está sobre-condicionado a quê? Ao querermos jogar em segurança
para mantermos a posse de bola. Não sei o que vai acontecer no
aqui e agora mas sei que a minha equipa vai ter determinadas
interações pelo que construo no processo de treino.
(Gomes, 2007 citado por. Campos, 2008, p. 36)

Em suma, como diz Marisa Gomes (2008), devemos ter em conta que o
treino concede um espaço de manobra ao treinador, que lhe permite gerir as
situações como pretende, mas isso não sucede na competição, onde o
treinador pouco pode interferir. Isso confere ao treino uma importância
brutal.
Conforme abordei inicialmente neste capítulo, importa ter em
consideração durante o processo o modo como o contexto é configurado. A
Periodização Tática é uma metodologia muito complexa de ser levada a
cabo, isto porque a criação dos contextos de treino, a sua modelação e a
condução do processo envolvem diversas variáveis que interagem
constantemente. Em suma, o treinar e o jogar são caracterizados por
conterem dimensões múltiplas.
Para além da falta de intervenção adequada e no tempo certo, outro
aspeto que poderá conduzir a uma “inespecificidade” para o processo é o
modo como o contexto é fabricado. Imaginemos a seguinte situação: um
treinador configura uma sessão de treino dedicada para a recuperação ativa
dos jogadores (veremos mais adiante com profundidade este tema) com um
dos exercícios incidindo na organização coletiva da equipa, uma situação
mais complexa, onde os jogadores têm um desgaste, sobretudo a nível
mental, bastante grande e se exercitam por um período relativamente longo.
Imaginemos também que durante este determinado exercício o treinador, tal
como sugeri anteriormente, corrige e direciona as interações dos jogadores
através de suas intervenções.
Ora, mesmo que este exercício vá ao encontro da ideia de jogo
pretendida, e o treinador intervenha guiando os jogadores até os objetivos
pretendidos, como este exercício assenta num caráter mais complexo, isso
põe em risco a Especificidade do processo, porque em primeiro lugar
possivelmente gerará uma inadaptabilidade para o que se pretende. Os
jogadores “mentalmente” e também “fisicamente” não serão capazes de
corresponder com eficácia ao que o treinador propôs.
Em segundo lugar, promover desempenhos como este, neste dia, tendo
em conta que houve um desgaste importante resultante de um jogo dois dias
antes e a extrema necessidade de recuperação, poderia prejudicar a
capacidade de aquisição da equipa nos treinos subsequentes durante a
semana, bem como (e por consequência) o desempenho individual e
coletivo na próxima competição.
É por estas razões que o supraprincípio da Especificidade resulta da
concretização interativa dos princípios de jogo e dos princípios
metodológicos – que dão vida aos primeiros – e de tudo o que envolve tal
operacionalização (Maciel, 2011b).
Portanto, fica evidente que o conceito de Especificidade vai muito para
além do simples entendimento entre ideia de jogo e treinar em função da
ideia de jogo. “Não que isto não contemple tudo o que possamos referir de
seguida, mas porque entendemos que o paradigma da simplificação poderá
levar a um empobrecimento precoce deste princípio de condição superior,
supraprincípio” (Sousa, 2007, p. 113).
Portanto, treinar em Especificidade não implica “apenas” contemplar o
que se faz (treinar) com o que se pretende (ideia de jogo), mas, igualmente,
contemplar os pressupostos metodológicos e operacionais da Periodização
Tática.

3.4 Princípios metodológicos da Periodização Tática


A Periodização Tática está assente em Princípios Metodológicos
que são fundamentais e que a diferenciam claramente das demais
metodologias. Sem a sua correta compreensão e seu correto
domínio durante a operacionalização do processo não existe
Periodização Tática.
(Tamarit, 2013a, p. 381)

Portanto os Princípios Metodológicos são… e repare que durante


muito tempo, 90% da gente que falava sobre Periodização Tática,
nem sequer falava dos Princípios Metodológicos e é onde eu mais
martelo com os alunos, porque uma ideia de jogo toda a gente tem,
para jogar de uma determinada maneira, depois sistematizando
mais ou menos, mas como é que se fabrica isso?! Eu digo que a
especialização todos os cozinheiros têm, e então porque é que uns
são melhores que outros?! Então, é porque a feitura tem qualquer
coisa de concreto, de diferente, de original e isso tem a ver com as
doses, ah pois tem! Basta você exagerar na dose de uma merda
qualquer que a coisa já não dá. Isso é a causalidade não linear.
(Frade, 2013b, p. 93)

Em determinadas ocasiões, à primeira vista, até pode parecer, com


a observação de algumas unidades de treino, que estão a treinar
segundo esta metodologia de treino, já que a “exercitação” realiza-
se normalmente em uma única unidade de treino por dia, quase
sempre com a bola presente, inclusive com situações específicas do
modelo de jogo, alguns dias com aspetos mais ou menos individuais
ou setoriais, outro dia mais coletivos. Mas a Periodização Tática é
muito mais, ou menos, que tudo isso. Trata-se de uma forma de
entendimento diferente da convencional: entendimento do ser
humano e seu funcionamento, entendimento do organismo e sua
adaptabilidade, entendimento do jogo e sua inteireza
inquebrantável, entendimento do futebol e sua aprendizagem,
entendimento do jogar e sua modelação. E não somente diferente no
seu modo de entender, mas também na maneira de operacionalizar
e proceder! E para isso é necessário o respeito pelos princípios
metodológicos (princípio das propensões, princípio da progressão
complexa e princípio da alternância horizontal em especificidade)
que, sendo corretamente entendidos e levados ao campo, permitem
dita lógica.
(Tamarit, 2016b)

Muitos treinadores sabem aquilo que querem. No entanto, criar o


processo para construir o jogar e que este se evidencie durante a
competição não é algo fácil. E a riqueza da Periodização Tática é
exatamente haver encontrado um conjunto de princípios
metodológicos que ao serem contemplados vão permitir que tal
equipa manifeste essas ideias do treinador. Agora, se joga bem ou
mal isso é outra coisa, porque as ideias do treinador podem ser
umas ideias de merda e por isso jogam mal, e podem ser ideias
excelentes e por isso jogam bem.
(Guilherme Oliveira, citado por. Tamarit, 2013b)

Como o jogar é algo que emerge e não o que apenas se propõe, devemos
estar muito atentos, não somente à qualidade da ideia de jogo, mas também
ao modo como ela é operacionalizada. Por isso, “nem sempre é a ideia de
jogo coletiva o motivo de nossos maus resultados, mas muitas vezes é a
operacionalização que não está acertada” (Tavares citado por. Tamarit,
2013b).
3.4.1 Princípio metodológico das propensões
O jogar futebol bem
não se ensina, nem
se compra-feito...
Mas aprende-se com “condições-a-jeito”,
aqui entra o bom treinador
se este é o juízo de valor.
(Frade, 2014a, p. 41)

Assim como referi, a Periodização Tática está assente em determinados


princípios metodológicos, que interagem fazendo emergir uma lógica e um
sentido ao processo.
É através do respeito desta matriz metodológica que o jogar poderá ser
desenvolvido, em todas as dimensões do rendimento, com qualidade e
coerência.
Vítor Frade (2013a) afirma que o que se pretende é concretizar a
Especificidade, e que para dar vida a esta pretensão serve-se de princípios
metodológicos, que na realidade, como já disse, poderiam ser chamados de
“praxiológicos”, porque a práxis (ação e, sobretudo, no futebol, ação
coordenada para um certo fim) que se quer levar a efeito tem uma lógica,
que é deliberada, é condizente com o condicionalismo da ideia que
queremos colocar, com a ideia de jogo.
O princípio metodológico das propensões refere-se à modelação dos
contextos de propensão/“exercitação”, com o objetivo de criar contextos
relativos ao jogar que se pretende, que possibilitem o aparecimento do que
se quer treinar com elevada frequência.
Ele permite que de facto o caos seja determinístico, isto é, os exercícios
(contextos de propensão) criados pelo treinador não perdem a sua natureza
aberta, onde os jogadores são chamados a decidir e a interagir
constantemente, conferindo-lhes um papel determinante. O que ocorre é que
mesmo com esta natureza aberta, contendo o plano do aleatório e do
imprevisível em termos de pormenor, é um contexto que, pela sua
configuração inicial e pelo que esta promove em termos de acontecimentos,
permite sobredeterminar determinados propósitos e intencionalidades
(facilitando e catalisando o seu aparecimento) relativas ao jogar que se
pretende desenvolver.
A ideia de propensão tem a ver com o facto de proporcionar que o
contexto de “exercitação” seja mais propício ou provável à ocorrência de
determinado acontecimento, no caso do treino de futebol, determinada
interação e mais especificamente, no nosso caso, deverá promover o
aparecimento de interações condizentes com nossa ideia de jogo. Daí a
ideia de modelar o contexto no sentido de tornar mais provável aquilo que
se deseja que aconteça, fazendo com que o caos seja determinístico,
sobredeterminando-o.
O princípio das propensões tem a ver com a contextualização dos
propósitos que se querem alvo de repetição sistemática, sendo que o que se
pretende é que as preocupações de momento do treinador apareçam
regularmente em treino, em vez de outras quaisquer, a todos os níveis.
Não se trata de quantificar ações, mas de criar contextos de propensão
ricos, que conduzam a uma determinada dominância de interações relativas
ao nosso jogar, de modo a que isso se repercuta em termos de assimilação,
aquisição e somatização de interações intencionalizadas condizentes com a
intenção prévia, sem deixar de ter em conta o padrão de desempenho e
desgaste que caracterizam cada dia do morfociclo (Oliveira et al., 2006;
Maciel, 2010).
Como recorda Tamarit (2013b), para garantir que em cada dia do
morfociclo aconteça efetivamente o que queremos que aconteça – a todos
os níveis, é fundamental que se produza uma redução sem empobrecimento,
ou seja, uma redução sem perda do padrão identificador.
É graças à Redução Sem Empobrecimento que se asseguram as
dominâncias desejadas para cada uma das unidades de treino. Uma
redução que sendo qualitativa, uma vez que se reporta à
complexidade de um jogar, também é quantitativa. Trata-se
igualmente de uma redução quantitativa, visto que a configuração
dos exercícios de treino e o modo como o jogar é vivenciado (sem
perda de Especificidade), requer que o treinador manipule e
articule com parcimónia as seguintes variáveis: espaço, número e
tempo. As quais ainda que quantificáveis, não deverão ser
encaradas como universais nem para diferentes equipas, nem para
diferentes jogares. Além disso, também elas deverão atender ao
princípio da progressão complexa.
Maciel (2010, p. 11)

O princípio das propensões, aliás é um termo do Popper que eu uso,


significa que o contexto está mais propenso a X do que a Y, porque
normalmente as pessoas dizem, “eu quero que faça isto ou faça
aquilo”. Não! Eu quero que ele faça em função de um contexto
determinado. Portanto eu tenho que parir é o contexto, não os
comportamentos e isso é uma confusão do caraças das pessoas.
Tenho que articular em função de como eu jogo, defendo de
determinada maneira para poder atacar de determinada maneira,
portanto eu estou preocupado com a transição defensiva, com a
ofensiva. Portanto eu tenho que criar condições para que isso se
organize de modo mais preferencial, para que haja uma
familiaridade com uma determinada lógica. Portanto o Princípio
das Propensões é isso, é o contexto acontecimental.
(Frade, 2013b, p. 88-89)

Se um treinador quer dominantemente treinar a organização defensiva,


concretamente a interação dos jogadores da primeira linha defensiva em
bloco baixo, sua coordenação, posicionamento e timings de pressão, deverá
promover um contexto que esteja configurado para que este tipo de
acontecimentos ocorra muitas e muitas vezes, consoante a configuração da
unidade de treino preconizada pelo Morfociclo Padrão e os propósitos
pretendidos.
Exercício hipotético com o objetivo de treinar fundamentalmente alguns aspetos defensivos da
primeira linha defensiva. Jogam o setor de meio campo e o avançado (6 jogadores) contra os 4
defesas e o guarda redes (brancos). A bola inicia sempre em posse dos vermelhos, que devem
realizar a manutenção da posse da bola, tentando desequilibrar e encontrar espaços na estrutura
defensiva dos brancos, para marcar golos; e quando perderem bola, devem evitar sofrer golo
nas mini-balizas que estão posicionadas no meio-campo

Neste exercício, como o objetivo dominante para os brancos é treinar


alguns aspetos da organização defensiva dos jogadores da primeira linha
defensiva, por uma razão lógica, deve-se promover situações em que estes
jogadores estejam a maioria do tempo a defender44.
Isso é conseguido através da manipulação do contexto, onde as regras
impostas, o espaço de jogo, a duração do exercício, o número de jogadores,
o período de recuperação e “exercitação”, as intervenções do treinador
(como já ressaltei), são algumas das variáveis que permitem que o treinador
modele um contexto, direcionando-o para o que lhe interessa.
Neste contexto de propensão, pelo facto do treinador colocar sempre a
bola em jogo com os avançados, pelo espaço de jogo ser alargado, e por
estarem com uma desvantagem numérica considerável, a própria
configuração inicial do exercício promoverá naturalmente que os brancos
passem muito menos tempo com bola do que os vermelhos, e, portanto,
estejam predominantemente a defender e a treinar dominantemente o que se
deseja. Por outro lado, os vermelhos treinam dominantemente propósitos
ofensivos do jogar.
Ainda com relação a este contexto que coloquei aqui, reparem que a
equipa de branco após roubar a bola tenta marcar golo numa das mini-
balizas, que hipoteticamente podem ser colocadas em função de alguns
referenciais de saída em profundidade da equipa, ou de zonas a explorar
estrategicamente.
Deste modo, o exercício não se resume apenas e unicamente a defender –
ainda que seja este o objetivo dominante/prioritário para os brancos – pois
tal como já apresentei aqui, o jogo é uma inteireza inquebrantável, e,
portanto – na medida do possível (e se for desejável) – deve-se promover a
conexão e a articulação de sentido dos momentos, numa escala macro, meso
ou micro. O mesmo vale para os vermelhos, que neste contexto
desenvolvem dominantemente a articulação da organização ofensiva com a
transição ataque-defesa.
Para Mourinho, o princípio metodológico das propensões permite a
consecução da “descoberta guiada45”, face à configuração que o treinador
promoveu para o exercício:
O trabalho tático que promovo não é um trabalho em que de um
lado está o emissor e do outro o recetor. Eu chamo-lhe a
«descoberta guiada», ou seja, eles descobrem segundo as minhas
pistas. Construo situações de treino para os levar por um
determinado caminho. Eles começam a sentir isso, falamos,
discutimos e chegamos a conclusões.
(Mourinho, citado por. Lourenço, 2004, p. 26)

Em suma, e como coloca Rui Faria (2008), fundamentalmente temos que


perceber que o exercício quando surge já tem que estar configurado de
modo a que as interações intencionalizadas que pretendemos em termos de
princípio, de objetivo, se evidenciem, ou seja, quando o estruturamos já
criamos condições para que o que pretendemos surja com elevada
frequência.
Isto é o mais importante, é a especificidade do exercício e nós como
treinadores, em função das nossas necessidades é que vamos elaborar e
alimentar o exercício de acordo com determinado objetivo.
Devo destacar, contudo, que o princípio metodológico das propensões
não tem como finalidade propiciar a vivência exacerbada somente da ideia
de jogo do treinador nas suas diferentes escalas (macro princípios, meso
princípios e micro princípios), mas também promover com elevada
frequência o aparecimento de um determinado tipo de contração muscular
(predominante), da matriz metabólica implicada, determinadas dinâmicas
de desempenho e recuperação, da intensidade máxima relativa a vivenciar e
experenciar, e um conjunto de outras coisas, segundo o dia do morfociclo.
Portanto, o princípio das propensões, devidamente articulado com todos
os outros permitirá que a aquisição do jogar se dê em todos os seus níveis.
Entretanto, esta aquisição não ocorre de maneira linear, pelo contrário, é
uma aquisição complexa e espiralar.
Esta realidade conduz-nos para o Princípio Metodológico da Progressão
Complexa.
3.4.2 Princípio metodológico da progressão complexa
Pr’á intenção a informação
Prévia porque é ideia,
interINdependentes na acção
numa liberdade de mão-cheia...
O que é princípio
regula e é regulado
sem que saia do “seu sítio”
quando ao sentir-se acrescentado,
mudando sem ter mudado
o que dele emerge ao emergir
o faz emergir do que ele tinha provocado,
E sem deste sentir sair
é não linear esta dança
e só assim será bailada,
na complexidade acrescentada
doutra forma nada cresce nada avança.
(Frade, 2014a, p.132)

O princípio metodológico da progressão complexa, tal como o seu nome


dá a entender, trata o fenómeno e o processo como algo necessariamente
complexo e não linear. Manifesta-se em pelo menos dois planos distintos
que interagem de maneira conjunta e em simultaneidade.
A progressão complexa, num nível mais a longo prazo evidencia que a
aquisição e a evolução qualitativa de um jogar dá-se de maneira complexa e
não de modo linear, o que implica que durante o processo de treino se deve
ir de menos a mais complexidade, mas sempre em complexidade, uma vez
que estamos lidando com o jogar, que é necessariamente complexo.
Como já disse, esta progressão complexa é espiralar, pois se desenvolve
em torno de um eixo (intenção prévia – ideia de jogo). Trata-se, portanto, de
um processo muito dinâmico que se desenvolve e caracteriza-se por
constantes avanços, mas também retrocessos (devido à não-linearidade do
processo) – sem perda de relação com o referencial que o sobredetermina,
que é a ideia de jogo. Devemos construir e alimentar a complexidade
inicial, de modo a que o jogar possa evoluir qualitativamente e aceder a
níveis cada vez maiores de complexidade.
O treinador ao definir quais serão os referenciais coletivos, deverá
hierarquizar prioridades para facilitar a aquisição e somatização da ideia de
jogo ao longo do tempo, ou seja, por mais que sistematize coerentemente a
sua ideia de jogo, não poderá passá-la, treiná-la, transmiti-la “toda” ao
mesmo tempo. É impossível e contraproducente para o aprendizado. Deste
modo, tendo em conta sua ideia de jogo, o treinador deve saber por onde
começar e que caminho deve tomar.
Para isso é imprescindível hierarquizar prioridades (tendo em conta a
realidade em concreto), enfatizar a dominância dos aspetos a abordar, em
termos de macro princípios e meso princípios de jogo, de modo a que no
início do processo comecemos com o que é mais fundamental e de uma
maneira menos complexa para que os jogadores possam interiorizar, tendo
desde o início e de maneira regular ao longo de todo o processo, a presença
assegurada dos referenciais macro dos quais o jogar se complexificará.
Isso nos permitirá depois progredir para uma complexidade maior,
evitando assim a estagnação e possibilitando que o jogar continue a evoluir
permanentemente.
Não se trata, portanto, de começar pelo micro, ir para o meso e depois
para o macro. Este é um pensamento completamente desprovido de lógica e
sentido, pertencente a outra “lógica”. A Periodização Tática se afasta por
completo deste modo mutilador de pensamento.
A Periodização Tática é um fato feito à medida, nela não há receitas em
que tudo vem pré-determinado linearmente sobre como fazer, desde o início
ao fim da época, como acontece com a generalidade das metodologias de
treino. Ela promove uma evolução complexa e de acordo com as
necessidades que o processo vai impondo, porque se refere a algo concreto
e objetivável que é o jogar, nos seus variados níveis de organização (Frade,
2013a).
O princípio da progressão complexa liga com os outros todos.
A progressão assenta em reconhecermos que quando começamos
numa equipa e num processo novo existem determinadas
características que se vão desenvolvendo ao longo do tempo de
forma não linear. Ou seja, sabemos para onde queremos ir, mas não
sabemos à priori como é que serão as coisas de forma precisa. Não
sabemos se a equipa vai dar uma resposta determinada para os
problemas que vamos encontrar e, daí que a progressão seja
complexa! Eu sei para onde quero ir mas como vai acontecer este
caminho é complicado, não podemos prever à priori. É um caminho
que se faz fazendo (tendo sempre em conta o referencial que o
sobredetermina, que é a ideia de jogo).
(Gomes, 2013, p. 349)

Durante o processo existirão momentos em que haverá a necessidade de


treinar e enfatizar certos aspetos da nossa ideia de jogo em detrimento de
outros, fazendo evoluir determinadas coisas, voltar e relembrar algumas que
se deixaram de fazer (Tamarit, 2013b).
Marisa Gomes exemplifica que com o passar do tempo e com a evolução
qualitativa do seu jogar em certos aspetos, alguns exercícios que em uma
fase inicial eram feitos de uma maneira, num momento posterior, tendo em
conta a evolução qualitativa que a equipa apresentou, estes propósitos
devem ser vivenciados em contextos de maior complexidade e com graus
de exigências diversos, de modo a evitar a cristalização e continuar a
alimentar a complexidade do jogar no sentido de promover a sua evolução
ao longo do tempo.
A progressão complexa exprime-se no facto de começar o processo
fazendo com que a equipa passe muito tempo sem bola, em
inferioridade numérica – e ainda faço isso. No entanto, hoje já faço
isso com componentes completamente diferentes, para que o grau
de exigência seja diferente, para caminhar para aquilo que
realmente quero conseguir.
(Gomes, 2013, p. 351)

No que diz respeito à necessidade de por vezes ter de voltar atrás, Tavares
em entrevista a Xavier Tamarit (2013b) coloca que se a equipa deixa de
treinar algumas coisas importantes durante algum tempo –e isso podem ser
três ou quatro dias, ou uma ou duas semanas-, se o treinador não voltar a
incidir naquilo, os jogadores podem perder aquelas interações
intencionalizadas, podem deixar de manifestar os padrões de interação que
caracterizam o jogar, nos diferentes níveis de complexidade.
A filosofia de jogo e de treino será sempre um processo ímpar de
identidade própria. Munida de conhecimento, cresce e desenvolve-
se de acordo com as necessidades que a própria imprevisibilidade
do processo exige. Torna-se complexa e cada vez mais à imagem
dos seus mentores. A necessidade obriga a pensar, refletir e divagar
incansavelmente sobre uma esfera de novas ideias, problemas e
possíveis soluções. Rapidamente o processo fica mais rico, mais
exigente e mais complexo, mas sempre inacabado.
(Faria, 2006)

No fundo, devemos sempre ter em conta as circunstâncias e agir sobre a


realidade, de modo a tentar atingir níveis de complexidade crescentes sobre
a qualidade do nosso jogar; e por mais que saibamos que existem
momentos de retrocesso na evolução qualitativa de certos aspetos do jogar,
devemos ter em conta também, que a Periodização Tática possibilita que
esta realidade (o jogar) evolua muito mais rápido do que em qualquer outra
metodologia, porque não perde tempo com aspetos acessórios, mas sim em
desenvolvê-lo desde o primeiro dia até o último.
A outro nível, num plano mais a curto prazo, a progressão complexa se
manifesta na eleição do que devemos treinar durante a semana e também
gere e regula o nível de complexidade de cada treino nos diferentes dias do
morfociclo, promovendo uma dinâmica de esforço e recuperação coerentes
com a nossa lógica.
Treinar significa fundamentalmente estabelecer prioridades ao longo da
semana de treinos e também ao longo de uma única unidade. Conforme
reflete Marisa, a natureza do processo fornece indicadores do que o
treinador deve valorizar em cada momento do mesmo. Vamos a um
exemplo hipotético: imaginem que no jogo anterior a equipa não conseguiu
expressar a ideia de jogo do treinador ao nível da organização defensiva,
que de um modo muito geral tem como premissa defender à zona
pressionante, a encurtar os espaços, formando um bloco coeso e compacto
numa zona intermédia, procurando sobredeterminar os instantes em que
está sem bola, controlando o adversário.
No jogo anterior, nomeadamente os dois centrais (habituados a marcarem
individualmente), ao invés de permanecerem com o bloco defensivo,
fornecendo equilíbrio à equipa, moldaram-se aos movimentos dos
avançados rivais, sendo permanentemente arrastados para fora do bloco, o
que causou muitos desequilíbrios à organização da equipa, com o
desposicionamento e aumento da distância entre linhas. Portanto, face ao
que se pretende (intenção prévia) e ao que decorreu (intenção em ato), e
também o que se perspectiva para o próximo jogo se estabelecem
prioridades semanais.
Neste caso, entendo que o treinador, sem perder de vista o que está para
trás no processo, ou seja, o que se tem vindo a treinar, bem como a relação
dessa parte do jogar com as demais (inteireza inquebrantável, articulação de
sentido), deveria dar ênfase a estes aspetos, que são parte da sua ideia de
jogo. Isto é, na organização defensiva, concretamente na melhora do jogo
posicional, na consciencialização da gestão da cobertura dos espaços e na
manutenção do equilíbrio do bloco defensivo, tendo como principal
referência de posicionamento a bola e não prioritariamente os movimentos
dos rivais.
Portanto, a progressão complexa também se relaciona com isso, na
eleição do que é prioritário naquele período do processo, no que deverá ser
treinado durante a semana, consoante a evolução e os problemas
apresentados pela equipa, tendo sempre em consideração o nosso
referencial coletivo.
Os exercícios nascem precisamente por esta eleição de prioridades, pelas
necessidades da equipa, tendo em vista o que se deseja que ela manifeste
como regularidade. Contudo, não basta estabelecermos as prioridades a
serem vivenciadas, há a necessidade imperativa de saber como fazê-lo.
Nesse sentido, a progressão complexa liga-se umbilicalmente às
propensões e à alternância horizontal em especificidade, porque também
tem a ver com a gestão do grau de complexidade dos exercícios a serem
vivenciados durante o morfociclo padrão, bem como a gestão do foro
emocional dos jogadores, de modo a garantir que os jogadores sempre
estejam em condições de adquirir o que se pretende.
3.4.3 Princípio metodológico da alternância horizontal em especificidade
O princípio metodológico da alternância horizontal em
especificidade salvaguarda a permanente relação esforçar-
recuperar distribuindo semanalmente diferentes escalas do «jogar»
que pretende para a equipa. Aborda ao longo da semana diferentes
níveis de organização. Tão importante como o esforçar na
aquisição dos princípios de ação pretendidos é o recuperar para
assegurar condições de realização que permitam a
operacionalização aquisitiva dos mesmos.
(Gomes, 2008, p. 141)

A lógica da Periodização Tática é uma lógica que também é diversa


da convencional no que diz respeito aos aspetos (ditos) físicos.
Entende que a contração do músculo caracteriza-se pelo grau de
tensão, de duração e de velocidade da mesma. Embora saibamos
que durante qualquer exercício a contração muscular expressa
estas três características de maneira conjunta (isto é: em toda
contração acontece tensão, duração e velocidade), nós podemos,
através da manipulação dos exercícios, evidenciar mais uma, ou
outra, ou seja, dar dominância de uma em relação às outras,
permitindo incidir mais sobre a tensão, sobre a duração ou sobre a
velocidade da contração muscular, um dia e, portanto, maximizá-la,
recuperando assim as estruturas utilizadas nos outros dias.
(Tamarit, 2013b, p. 93)

Então, este princípio da alternância horizontal em especificidade


resulta do reconhecimento de que o jogar (cultura da equipa)
emerge do entranhar das pessoas umas nas outras. Só que as
pessoas são biologia, são emoções, são sentimentos e têm
determinadas limitações. Portanto fazer o entranhar de jogadores
sempre da mesma maneira faz com que exista um cansaço e uma
fadiga que limita toda evolução do processo. Todos conhecemos a
condição biológica fundamental que nos indica que quando nos
desgastamos precisamos de recuperar. Por isso, se queremos
aprender (adquirir) algo todos os dias do processo, temos um
desgaste porque ninguém aprende sem se desgastar. E se ninguém
aprende a jogar sem praticar, logo este praticar provoca o desgaste
e a fadiga que temos que gerir. Assim, com o princípio da
alternância horizontal em especificidade balizamos os dias que
medeiam as duas competições de acordo com um padrão de
incidências diferentes em cada dia. Falamos do morfociclo, logo, é
um padrão de incidências (finalidades) do nosso jogar –
Especificidade. E, portanto o princípio da alternância horizontal
em especificidade orienta-nos na questão: “quero desenvolver o
meu «jogar» e por isso, o que posso fazer em cada dia para que os
meus jogadores estejam sempre nas melhores condições para
poderem competir no domingo?”.
(Gomes, 2013, p. 322)

Concomitantemente e justamente por pretender uma aquisição sistémica


do jogar, a Periodização Tática tem a preocupação de manter uma
regularidade semanal relativamente à alternância dos diferentes padrões de
desempenho-recuperação, uma vez que não é possível em termos biológicos
manter ininterruptamente o Corpo a esforçar-se dentro do mesmo registo,
solicitando todos os dias as mesmas dimensões do jogar.
Para se conseguir esforçar é necessário que se esteja em condições, isto é,
descansar e recuperar (o que também não significa não treinar).
Sabemos que o treino é condição fundamental para que a incorporação do
jogar e o desenvolvimento da sua dinâmica aconteçam, fazendo com que a
equipa venha a jogar melhor. Entretanto, para que se possa jogar melhor,
existe a necessidade de se ter condições para fazê-lo da melhor maneira
possível, tanto em treino como em competição.
Por isso, ao fazer os jogadores vivenciarem e experenciarem sempre a
mesma escala de solicitações, o treinador estará a promover, na
continuidade deste padrão, uma sobrecarga, uma massificação das mesmas
estruturas morfológicas, funcionais, psicológicas, hipotecando, portanto a
possibilidade de haver aquisição e somatização de aspetos relevantes ao
jogar – devido à Fadiga46 e ao Desgaste47 gerados por tal sobrecarga; bem
como de se estar nas máximas condições de disponibilidade (funcional,
bioenergética, etc., etc.) para competir. Estas afirmações são asseguradas
pelo ciclo de auto renovação da matéria viva48.
O professor Vítor Frade, há mais de 30 anos, reconhecendo que para
além da competição, o treino de futebol também promove um Desgaste
significativo no Corpo, e tendo em conta o desafio de ao longo da semana
ter de treinar o jogar sem provocar um Desgaste limitador à evolução deste
processo, e sem perder de vista a necessidade de ter a equipa recuperada e
disponível para competir em alto nível, refere o princípio metodológico da
alternância horizontal em especificidade.
Um princípio metodológico que promove uma dinâmica de incidências
que permite que a equipa esteja em condições de adquirir treinando e
também de competir em alto nível nas máximas condições do rendimento.
É possível alcançar isso alternando, em cada sessão de treino, entre um jogo
e outro, o padrão de solicitações no que se refere à: complexidade dos
contextos de propensão subjacente à porção do jogar que é vivenciada
(macro princípios, meso princípios e micro princípios); padrão de contração
muscular dominante; dimensão estratégica.
Importante referir que as contrações musculares são caracterizáveis por
três tipos de indicadores fundamentais: a velocidade da contração das fibras
musculares implicadas, a duração deste tipo de contração e o nível de
tensão levado a efeito durante a contração muscular49.
De imediato sinto a necessidade de deixar claro que tensão da contração
muscular não é igual a força, que duração da contração muscular não é
igual a resistência e que velocidade da contração muscular não é igual a
“velocidade”. Aquele que procurar compreender a Periodização Tática com
“olhos convencionais” estará muito longe de entender a sua lógica, e não
nos referimos somente aos aspetos ditos físicos (Tamarit, 2013b).
A alternância horizontal em especificidade refere que há uma invariância
de preocupação (a operacionalização da ideia de jogo – Especificidade),
mas a escala em que isso acontece é que vai sendo diversa (especificidade,
com “e” minúsculo, portanto).
Isso permite que os jogadores cheguem ao dia do jogo devidamente
recuperados (ainda que durante a semana treinem também de maneira
aquisitiva), porque durante a semana ao promover uma alternância de
dominância ao nível do tipo de contração muscular predominante, da
complexidade dos exercícios e a intensidade máxima relativa implicada
para a realização destes (para além do respeito dos tempos de “exercitação”
e recuperação, tal como veremos no próximo ponto), não se massacram as
mesmas estruturas implicadas no jogar, isto é, há uma alternância, mas é
uma alternância horizontal, porque é feita ao longo da semana, de dia para
dia, e não durante a mesma unidade de treino.
Sendo assim, a alternância dá-se em diferentes níveis, e como já vimos, o
“físico” não é um “físico” qualquer, é um “físico” Específico do jogar e que
se caracteriza pelas variáveis da contração muscular e pelo emaranhado
bioenergético requerido para a manifestação regular de dito jogar,
distanciando-se desta maneira do “físico” entendido convencionalmente.
A conjugação deste princípio metodológico com os demais, não só evita
que haja uma massificação das mesmas estruturas do jogar (nas suas
múltiplas dimensões), como inclusivamente permite maximizá-las. Para
além disso tal conjugação permite-nos resolver a seguinte questão:
Como o nosso objeto de estudo –ou de preocupação– é o todo, a
tendência da contemplação da complexidade é o privilégio da
incidência sobre o todo. Mas o todo é feito de partes e até que ponto
a impossibilidade empírica de ter em mãos, sempre, o grau de
fadiga de todos os indivíduos e, portanto, o grau de possibilidades
evolutivas pode permitir a efetiva maximização do todo como todo?
A partir de certa altura alguns dos elementos possam estar a
definhar e não estarem a evoluir então, eu tenho que contemplar
isso e é através do levar à prática do princípio da alternância
horizontal em especificidade, e horizontal porque é ao longo da
semana. Mas eles não podem ser vistos isoladamente, têm de ser
vistos conjuntamente.
(Frade, 2013a p. 418-419)

Assim como Frade coloca, os princípios metodológicos apesar de


poderem ser conceitualizados individualmente, não podem ser corretamente
entendidos, vistos e muito menos operacionalizados de maneira separada.
Pelo contrário, vistos desta maneira deixam de fazer sentido, porque a
lógica da operacionalização do jogar emerge de um padrão de conexões dos
princípios metodológicos, uma articulação de sentido com um sentido.
A interação promovida pelos três princípios gera um padrão de conexões,
uma matriz processual que fornece uma lógica que se personifica na
repetição sistemática do morfociclo (pela sua manifestação e vivência
continuada), isto é, do morfociclo padrão.
3.4.4 Morfociclo padrão
Para mim o grande problema e eu costumo brincar e digo que a
Periodização Tática só precisa de uma coisa: É de gajos
inteligentes e apaixonados por ela. Ela o que necessita é do
entendimento aprofundado da frente para trás, de trás pra frente, da
direita para a esquerda, da esquerda para a direita, de cima para
baixo, de baixo pra cima do morfociclo. Porque o morfociclo é a
representação desta complexidade toda ali contida, e isto depois é
extravasável inclusivamente para a formação.
(Frade, 2013a, p. 427)

Morfociclo
a fôrma da forma
o macro princípio
a norma...
Mecanismo não-mecânico
flexível e titânico
de dinâmica específica,
colectivamente contextualizada
alicerce da diversidade espontânea,
individualizada...
E com outras simultânea
fortalecida e não raquítica.
(Frade, 2014a, p. 156)

Para além de estabelecermos um comprimento de onda único, no que se


refere à conceituação dos princípios metodológicos, importa perceber como
estes princípios são devidamente operacionalizados, pois é a partir da
operacionalização que um jogar ganha vida, se torna mais complexo e se
desenvolve.
Para a Periodização Tática, o desenvolvimento do jogar deve-se fazer a
partir do respeito ininterrupto do morfociclo padrão, durante toda a época,
inclusivamente durante o período dito “preparatório”50 (em que não há
competição formal), assumindo-se, portanto, como o núcleo duro do
processo de treino.

Morfociclo Padrão.

O morfociclo padrão é aquele período, ou aquele ciclo que se identifica


pela presença de dois jogos separados, no espaço de uma semana, tendo,
por exemplo, jogos de domingo a domingo, que ao ter sua lógica e matriz
respeitada ininterruptamente, todas as semanas, afigura-se como um padrão.
A palavra morfo, de acordo com o dicionário Priberam, exprime a noção
de forma; ciclo encerra o significado de um fenómeno periódico que se
efetua durante certo espaço de tempo, enquanto que padrão significa algo
que existe sempre, mas comporta uma variabilidade que não compromete a
finalidade e permite a possibilidade de ajustamento (Gomes, 2013).
Nesse sentido o morfociclo significa a morfologia e a morfogénese da
adaptabilidade do jogar ao longo de um ciclo (entre dois jogos). Caracteriza
um padrão que apresenta uma dada forma representativa do todo, o jogar e
a somatização condizente. Forma essa, que ainda que diferente a diferentes
escalas, mantém-se relativamente estável nos princípios maiores. “Permite
com base numa periodização jogo a jogo fazer emergir e dar vida ao jogar
a que se aspira” (Maciel, 2011b, p. 13).
Daqui fica muito fácil perceber que a noção de morfociclo padrão se
distancia da lógica convencional, de micro, meso e macrociclo(s). O
microciclo é um pequeno ciclo, enquanto que o meso e o macrociclo
referem-se a escalas temporais mais alargadas. Estas nomenclaturas diferem
porque nada têm a ver com a forma (a que aqui nos referimos, um
desempenho concreto), elas variam justamente porque os seus objetivos e
preocupações alteram-se de semana para semana, meses, semestres
(desenvolvimento das ditas capacidades condicionais), enquanto que para a
Periodização Tática, o objetivo central é sempre o mesmo, do início ao fim,
desenvolver o jogar que se pretende (uma forma complexa e dinâmica);
promovendo uma dinâmica de incidências que permite que a equipa e os
jogadores estejam em condições de adquirir treinando, respeitando uma
lógica de desempenho e recuperação, assegurando, portanto, que todos
estejam nas melhores condições possíveis para competirem ao alto nível,
durante todas as semanas da época, por isso não varia na sua morfologia.
Nessa direção, a Periodização Tática difere da maioria das metodologias
de treino porque outras conceções colocam a dimensão física no topo das
necessidades, operacionalizando-a através de um planeamento, tal como
referi, a curto, médio e longo prazo (micro, meso e macrociclos).
Este tipo de trabalho preconiza a oscilação de desempenhos, através do
efeito retardado das cargas, onde se procura atingir picos de forma
(“física”) para que em determinados períodos da época a equipa atinja o seu
pico de forma (“física”), objetivando a obtenção de vantagem significativa
sobre os seus adversários. Durante este processo, planea-se a aquisição,
manutenção e perda da “forma física” ao longo de uma época (Matveiév,
1986 citado por. Gaiteiro, 2006), estando a operacionalização de um jogar
relegada a um segundo (ou terceiro) plano.
Usualmente estes ápices “físicos”, “picos de forma” são planeados para
que ocorram nas meias-finais, final de determinada competição, jogos
importantes, playoffs, etc. Contudo, os picos de forma estão associados a
periodizações de treino para desportos individuais, com grande tempo de
preparação e um período competitivo reduzido (“periodização olímpica”),
não traduzindo, portanto, a realidade do futebol, um desporto coletivo com
um longo período competitivo e um curto período de preparação sem
competições.
Parece estranho planear chegar “bem” a uma final, orientando todo o
processo em função disso (do início ao fim), admitindo quebras e
decréscimos de rendimento durante o processo, até porque para chegarmos
às fases finais de uma competição temos de vencer os jogos anteriores! Não
seria necessário jogar bem e nas máximas condições de disponibilidade
para o desempenho, para vencê-los?
Eu não quero que a minha equipa tenha picos de forma... Não posso
querer que a minha equipa oscile de desempenho! Quero sim que
esta se mantenha sempre em patamares de rendibilidade elevados.
Porque não há jogos ou períodos mais importantes do que outros.
Todos os jogos são para ganhar.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al., 2006, p. 100)

Parece incoerente assumir que em determinados momentos da época a


equipa estará mal, e não renderá o esperado, considerando más exibições
como uma coisa a ser plenamente (e “cientificamente”) normal e esperada.
Definitivamente, numa realidade como o futebol em que se compete
excessivamente, sempre almejando vitórias, a conceção defendida pelas
periodizações mais convencionais tanto teoricamente como na prática não
se justifica, até porque a maioria dos campeonatos hoje em dia são de
pontos corridos, isto é, o primeiro jogo tem exatamente o mesmo valor do
último jogo do ano: três pontos.
Assim como já referi, a Periodização Tática refuta a lógica convencional,
ao colocar a ênfase na operacionalização do jogar, nos seus níveis de
organização, tendo como base operacional e conceptual outra lógica de
orientação, que se pode dizer transgressora.
Preconiza-se estar sempre no topo das prestações para se competir em
alto nível, através da otimização estabilizada do rendimento. Desta maneira,
a Periodização Tática apresenta-se como alternativa viável para aqueles que
aspiram a estar e a não sucumbirem às exigências do rendimento superior
(Maciel, 2010).
A Periodização Tática rompe metodologicamente com o que se faz,
o foco centra-se desde o primeiro dia na intensidade (de qualidade,
ou seja, no desempenho manifesto na vivenciação e aquisição de um
jogar) e não no volume (enquanto capacidade condicional). Na
Periodização Tática o volume só faz sentido se for um volume de
qualidade, um volume de intensidades, ou melhor ainda, um volume
de intencionalidades (diferentes níveis de determinada
intencionalidade), que deve contudo desde o início do processo
assumir uma pesagem relativa, semanalmente ou nos ciclos entre
jogos, e próxima daquela que deverá estar presente ao longo de
toda a época. Este facto torna a existência e o cumprimento do
morfociclo padrão uma premissa fundamental. Nesta forma de
entender o treino procura-se não os ditos “picos de forma”, mas
antes níveis de desempenho elevados, ou seja, patamares de
rentabilidade que permitam que a equipa mantenha um nível de
funcionalidade, de adaptabilidade e de interação eficaz e eficiente,
isto é, sem que hipoteque a manifestação da matriz que a identifica
como equipa. Deseja-se deste modo, que uma determinada
Intencionalidade que se quer regular, estabilize, e não que oscile ao
longo da época.
(Maciel, 2010, p. 1-2)

Através do correto entendimento e operacionalização do morfociclo


padrão (e do treinador ter qualidade ao nível das suas ideias), promove-se
uma regularidade de desempenho que possibilita à equipa e aos jogadores
estarem permanentemente a evoluir, uma “estabilização sem cristalização”,
como refere Maciel (2010), onde o cumprimento desta estabilização
otimizada só se pode fazer, como já disse, tendo por base o respeito e a
repetição sistemática do morfociclo padrão ao longo de todo o processo, da
primeira à última semana de treinos.
É ele, que através da sua lógica, permite sempre que haja uma evolução
qualitativa na equipa e nos jogadores, que salvaguardando a relação
desempenho-recuperação maximiza os níveis de desempenho da equipa,
coletiva e individualmente.
Podemos assim dizer que a estabilização de um patamar de
rendibilidade ótimo se consegue a partir da institucionalização de
um padrão semanal de treino – relativo aos conteúdos, à
recuperação, aos regimes, ao número e duração das unidades de
treino – e a sua estabilização. No fundo, trata-se de construir uma
dinâmica semanal e de a manter ao longo da época, desde o
período dito preparatório.
(Oliveira et al., 2006, p. 101)

Como coloca Frade (2013), o Morfociclo é um ciclo que tem parecenças


com o ciclo seguinte e com o anterior, em função da forma e, portanto, ao
assumir-se como regularidade metodológica (núcleo duro do processo de
treino), deve ser entendido à luz de uma organização fractal.

Fractalidade do morfociclo padrão.

Nos morfociclos
contidos,
uns dos outros são discíp’los
se uns nos outros imbuídos,
e só quando é este o modo
de a eles ter acesso,
jogando...
a periodização se faz no processo
como prática,
duma cultura tática
aculturando...
p’ro futebol um jogar,
e nele se emancipando
ao jogá-lo p’ra ganhar.
Vítor Frade

O reconhecimento do facto de ser o ciclo entre jogos (a sua


qualidade) a direcionar o processo, reforça ainda mais a íntima
relação existente entre treino e competição. Desde logo, os
momentos formais de competição são os testes cruciais que melhor
permitem ao treinador aferir a congruência ou não daquilo que a
equipa manifesta efetivamente e aqueles que são os seus intentos. É
em função dessa avaliação qualitativa do processo, que o treinador
vai configurar semana a semana a operacionalização do seu jogar,
nuanciando-o consoante as necessidades circunstanciais, as quais
se detectam tendo por base aquilo que se verificou no jogo anterior
e aquelas que se perspectivam vir a ser as exigências do jogo
seguinte. E claro está, tendo sempre como suporte não somente o
nosso jogar, mas também o padrão semanal adotado para o fazer
emergir. Depreende-se daqui, que é a competição que determina a
configuração dos morfociclos. Uma configuração que mantendo a
sua matriz, varia a nível da sua “essência”, isto é, a nível do
conteúdo experienciado nas diferentes sessões de treino, ainda que
tal se verifique apenas num plano micro e sem perda de referência
relativamente ao plano macro do jogar. Trata-se de uma redução
sem empobrecimento, em que as nuances ao longo dos vários dias
vão conferir à operacionalização do processo uma maior incidência
sobre níveis de organização diferentes do nosso jogar. Importa
ressalvar, que mesmo no dia em que estão mais presentes frações
maiores do nosso jogar (macro princípios), se verifica a
necessidade de reduzir sem empobrecer em função das prioridades
estabelecidas para aquele morfociclo e de modo particular para
aquela sessão de treino. Na Periodização Tática não há lugar às
tradicionais “peladas”. Por isso, mesmo a vivência dos macro
princípios assume, pela configuração do exercício e pela
intervenção do treinador, uma determinada dominância a qual
permite que a vivência do jogar nesse dia se centre
predominantemente nos aspetos que o treinador entende mais
relevantes naquele ciclo entre jogos, moldando deste modo aquela
unidade de treino com o intuito de registar maior propensão de
ocorrência de interações relativas a determinadas dimensões do
nosso jogar, sem que contudo se perca as ligações ao todo. Uma
fractalidade que sendo maior, também não leva à fatalidade.
(Maciel, 2010, p. 8)
Tal como colocou o professor Vítor Frade na introdução deste capítulo, o
morfociclo padrão é a pedra filosofal da operacionalização do jogar, e o seu
total entendimento é fundamental para que se perceba o que de facto a
Periodização Tática significa.
Para melhor compreensão do morfociclo necessitamos de desvendar os
fatores que justificaram o nascimento desta forma de organização do
processo de treino, isto é, importa que entendámos o que de facto
caracteriza a competição e as suas implicações para o processo de treino.
Primeiramente, tentaremos entender o jogo de um ponto de vista mais
fisiológico e depois vamos ao que é de facto o maior balizador para a
estruturação do morfociclo padrão, tal como ele é.
3.4.4.1 Jogo de futebol: implicações a nível metabólico. O que é de facto
relevante promover em treino?
É importantíssimo esclarecer que durante a abordagem a este capítulo irei
apresentar algumas características do jogo de futebol do ponto de vista
fisiológico que julgo pertinente para a conveniente operacionalização do
treino.
Como já disse, a Periodização Tática é um fato feito à medida, onde cada
processo e cada jogar é singular, e, portanto, Específico (a todos os níveis,
fisiológico incluído).
Nesse sentido, cada treinador é livre para escolher o tipo de
“combustível” de que a sua equipa dominantemente se servirá para
competir, portanto, torna-se pertinente salientar que as minhas
interpretações e sugestões estarão pautadas em aspetos que por norma
entendo serem caracterizadores de um jogar de qualidade. Não devemos
esquecer que o mais relevante é atender à matriz metabólica que o jogar
requisita (afinal, a Periodização Tática é uma forma de treinar e não uma
forma de jogar).
Importa também referir que independentemente da escolha da matriz
metabólica que emergirá no desenvolvimento e na manifestação do jogar, a
Periodização Tática tem o poder de potenciá-la, seja ela qual for.
Recentemente, algumas pesquisas revelaram que apesar de o jogador de
futebol se deslocar mais de 9 km por jogo, a fase “ativa” da partida, onde de
facto o jogador atua e decide o jogo de futebol (tanto defensiva como
ofensivamente) é disputada em uma metragem inferior a 1,5 km, sob “alta
intensidade”51 (Di Salvo et al, 2007).
O futebolista permanece a andar, a caminhar, ou a trotar a baixa
intensidade52 cerca de 80% a 85% do jogo (Bangsbo, Mohr & Krustrup
2006). Nesta fase (“passiva”), é o momento em que os jogadores apesar de
estarem a jogar, não estão envolvidos em ações decisivas. Neste momento
os futebolistas recuperam dos estímulos fortes, intensos, dinâmicos e
especialmente ultracurtos que compõe a fase “ativa” do futebol (Sargentim,
2012), que de acordo com Di Salvo et al. (2007) corresponde a somente 9%
do tempo do jogo.
A respeito desta realidade, Maciel (2011c) refere que apesar de
dominantemente as análises quantitativas ao tipo de esforço registado no
futebol (estudos Time Motion), salientarem a dominância (temporal –
quantitativa) das vias aeróbias, tendo por base uma análise qualitativa do
padrão de esforço subjacente à prática do futebol, conclui-se que as ações
(na verdade interações) mais relevantes e preponderantes são levadas a
efeito tendo como base a via anaeróbia alática.
Penso que esta constatação é de extrema relevância para o treino, dado
que mesmo tendo em conta que o futebol é um desporto intermitente que
contempla a solicitação das várias vias metabólicas53 em simultâneo, se são
as de mais alta intensidade a nível fisiológico (metabolismo anaeróbio
alático) que se assumem como determinantes na generalidade das ações
relevantes, deverá ser sobre estas que dominantemente o treino, seja com
caráter de recuperação ou aquisitivo, deverá incidir, uma vez que a sua
finalidade será induzir nos organismos uma adaptabilidade tal que lhes
permita dar resposta e possibilidade de lidar eficazmente com uma elevada,
isto é, muito frequente estimulação destas vias metabólicas, sem socorrer-se
dominantemente de outras vias, que têm menor potência, como a oxidativa
e a anaeróbia lática, embora isso dependa de como o treinador queira que a
sua equipa jogue.
Como já disse, na minha opinião, por norma um jogar de qualidade deve
ter dominantemente esta característica e é dentro desta lógica que abordarei
este capítulo.
Contudo, o mais relevante é atender à matriz metabólica que o jogar
requisita e essa assenta numa interação determinada das vias metabólicas no
momento da concretização do jogar. Repito, a Periodização Tática é uma
metodologia de treino e não uma ideia de jogo!
Trata-se portanto, de em termos biológicos conferir ao organismo
uma maior eficácia a qual lhe permite após ser submetido a um
estímulo intenso reestabelecer os seus índices basais rapidamente, o
que por conseguinte possibilita que o organismo consiga suportar
esforços às expensas das vias metabólicas anaeróbias aláticas com
muito maior densidade e sem que tal seja acoplado, ou
exclusivamente sustentado noutras vias metabólicas (ainda que
paradoxalmente elas não funcionem em separado) devido à fadiga
induzida e não respeito pelos devidos tempos de repouso.
(Maciel, 2011c, p. 4)

Assim como refere Maciel no excerto anterior, tal feito é passível de ser
alcançado através de uma gestão acertada e coerente do binómio
desempenho/recuperação durante o processo de treino. Importantíssimo
referir que apesar da ênfase colocada nas vias anaeróbicas e de modo mais
destacado nos fosfagênios, não quero com isso transmitir a ideia de que a
via aeróbia é irrelevante no futebol.
Devemos através da operacionalização continuada do morfociclo padrão
otimizar a gestão do desempenho e da recuperação de modo a que os
jogadores estejam plenamente em condições de disputarem a competição
nas suas melhores condições possíveis. Nesta direção, o respeito pelo ciclo
de auto renovação da matéria viva (também chamada Lei de Roux, Arndt
Schultz) afigura-se fundamental.
O ciclo de auto renovação, desde que visto com os óculos da
complexidade permite que o organismo aceda a níveis de desempenho e
complexidade cada vez maiores, tal como tentarei evidenciar nas linhas que
se seguem.
Segundo Maciel (2011c), a ideia de auto renovação vai ao encontro da
essência da evolução dos sistemas complexos (jogadores, equipa), os quais
somente quando se encontram a funcionar na fronteira do caos podem fazer
emergir novas ordens de complexidade (progressão complexa).
A este respeito, e estando a Periodização Tática vocacionada para o
rendimento superior, importa reconhecer, conforme explica Vítor Frade,
que a fenomenologia do rendimento superior é complexa. Trata-se de uma
problemática complexa, logo, a lógica de evolução do “processo” dentro de
tal problemática, terá de assentar numa estratégia de progressão complexa
(princípio metodológico da progressão complexa).
O ciclo de auto renovação da matéria viva refere que o organismo,
quando submetido ao esforço fadiga as suas estruturas: “A célula glandular,
assim como a fibra muscular e a fibra nervosa, se desgastam quando
trabalham e ocorre um esgotamento, “fadigam”. O trabalho exige um
gasto de substâncias altamente energéticas, tais como o glicogênio, a
creatinafosfato e a adenosina tri-fosfato (ATP)” (Langlade & Langlade,
1977).
Daqui podemos depreender que não são apenas os músculos e as células
glandulares que dependem do ATP para funcionar, mas também o cérebro
afigura-se como um órgão gluco dependente, sendo um dos principais
consumidores de energia do organismo humano (Maciel, 2011c). Neste
livro já falei a respeito da importância do ATP não só como gerador de
energia, mas também como transmissor de informação.
Assim como refere Santos (s/d), a eficácia continuada da via metabólica
anaeróbia alática (quando geralmente se decidem os jogos) está claramente
dependente da disponibilidade frequente de ATP no organismo.
Se este elemento estiver minimizado depreende-se que a
funcionalidade do sistema fica condicionada, pois a informação por
ele veiculada não será a mais condizente com a desejada, e por
conseguinte vai induzir uma estimulação dominante das vias
metabólicas que não se ajustam ao jogar desejado. Este elemento
em menor quantidade no interior das células, vai estimular as vias
metabólicas ditas de menor potência, pois são aquelas que
requisitam menor quantidade de aporte de ATP por unidade de
tempo, logo se há pouco, gasta menos, economiza recorrendo a
metabolismos de mais baixo consumo por unidade de tempo.
(Maciel, 2011c, p. 2)

O ciclo de auto renovação da matéria viva refere que quando se executa


um dado exercício algumas vezes seguidas, após um determinado tempo, o
indivíduo sente a fadiga. Desta maneira estes indivíduos necessitam de
descansar.
No entanto, o repouso depois de um exercício e da fadiga, não é um mero
estado de repouso, não é um momento de paralisação metabólica ou
orgânica. É durante este momento que, segundo investigações, o órgão ou o
organismo fadigado absorve avidamente oxigênio, que alimenta as
estruturas fadigadas e as ajuda, substituindo as substâncias usadas por
novas.
Trata-se de um “efeito detonador” por parte do oxigênio, que sujeita o
glicogênio a uma combustão biológica, libertando a energia química
necessária para a re-síntese e reconstituição da creatinafosfato (CP) e do
ATP (Langlade & Langlade, 1977).
Penso que estes aspetos são de grande importância para uma conveniente
e coerente operacionalização do treino, seja ele de dominância aquisitiva ou
recuperativa. Desde logo se refuta a ideia de que para recuperar se deve
atuar fundamentalmente sobre a via oxidativa, mostrando que
independentemente da via metabólica dominantemente utilizada e
responsável pela fadiga todas requisitam a oxigenação das células para
funções de realimentação, de remoção de metabólitos e de restabelecimento
dos valores basais do organismo (Maciel, 2011c).
É precisamente este momento (processo de recuperação – durante e entre
exercícios e sessões de treino) –quando devidamente respeitado– que
permite que a matéria se renove, podendo aceder, inclusivamente, a níveis
de funcionalidade superiores ao que se encontrava antes de haver realizado
o dado desempenho (fase de supercompensação ou exaltação).
No caso desses exercícios extremamente breves, o VO2máx não
desempenha qualquer papel no gesto propriamente dito, mas vai
condicionar a recuperação após o esforço. Num gesto explosivo
desse tipo, a contração muscular é possível graças à
disponibilização muscular imediata do substrato energético do
músculo, as moléculas de adenosina trifosfato (ATP).
No caso dos esforços superiores a dois segundos, o ATP deve ser
renovado para permitir a continuidade do esforço. Para fazer isso,
três vias metabólicas entram em ação de forma sincronizada nos
músculos. A primeira é a oxidação dos açúcares. A segunda é a
fermentação dos açúcares (produz ácido lático, cuja acumulação é
prejudicial). A terceira é a degradação da fosfocreatina. Este
composto de fósforo do músculo, muito energético, é utilizado em
esforços repentinos e intensos. Uma das importantes descobertas
dos últimos anos é que a síntese de fosfocreatina necessita de
oxigênio. Podemos assim, comparar o nosso corpo a um motor
híbrido. As fosfocreatinas são as nossas “baterias elétricas”:
esgotámo-las nas fases de forte aceleração (acima dos 0,05m/s² em
média para os humanos) e recarregámo-las na fase de
desaceleração, durante os quais o ATP é fornecido pela oxidação
dos glúcidos.
(Billat, 2016)

O ciclo de auto renovação da matéria viva refere que:


É precisamente este ciclo de processos do metabolismo, que começa
com a carga funcional, durante a qual gastam-se substâncias,
conduzindo a um esgotamento e a uma fadiga, provocando a
suspensão do trabalho e a passagem para um estado de repouso de
reestabelecimento. Este ciclo que continua pelos processos de
reestabelecimento, caracterizados pelos fenómenos de oxidação
(combustão) biológica nos tecidos, a também denominada cadeia
respiratória, associada à fosforilação “oxidativa”, isto é, aos
processos da biossíntese, acumulando durante a fase de exaltação
novos potenciais energéticos e novas albuminas estruturais; é
justamente este ciclo que representa o ciclo de auto renovação.
(Langlade & Langlade, 1977)

Quando treinamos, melhoramos graças a algumas adaptações que


se produzem no nosso organismo. Estas, respondem a razões
fisiológicas, a qual denominamos supercompensação. O esforço do
nosso corpo em responder perante a situações superiores às que
normalmente estamos habituados (rompe-se a estabilidade do
sistema) origina a ativação de processos internos cuja finalidade é
a de melhorar o estado inicial e se preparar para dar respostas
futuras mais eficientes. Estes processos se produzem graças ao
descanso e a correta aplicação das cargas de treino.
A aplicação de uma carga (estímulo) suficientemente potente cria
uma alteração do meio interno e consequentemente uma diminuição
do rendimento, devido ao dito estímulo. Após os processos de
recuperação oportunos, o corpo experimenta uma compensação das
suas capacidades com a finalidade de aumentar o seu rendimento e
poder atender com melhores condições estímulos semelhantes, ou
inclusivamente, superiores. A base desta resposta não é outra,
senão a sobrevivência.
Pastor (2016)

Ciclo de supercompensação ou exaltação (Bompa, 2004). Adaptado de Junior (2011)

Assim como mostra a figura, para haver supercompensação, é necessário


dar o conveniente tempo de recuperação para que as estruturas solicitadas
possam auto renovar-se e acederem a níveis de organização e
funcionalidade cada vez maiores.
Entretanto, quando não se respeitam os períodos de intervalo
(recuperação) entre os de “exercitação” convenientemente, de modo a
permitir sempre reestabelecer os valores basais (ou muitíssimo próximos)
de ATP, o jogador quando submetido a um novo estímulo conseguirá jogar,
entretanto fá-lo-á predominantemente à custa de vias metabólicas não
desejadas, como a anaeróbia lática (com ácido lático na circulação) e a
oxidativa, o que, na minha opinião, é claramente contraproducente para a
funcionalidade de um jogar de qualidade.
Para Maciel (2011c), este é um dos maiores problemas que parece
verificar-se na maioria dos processos de treino: submeter jogadores a
treinarem cansados, por não se respeitar convenientemente os tempos de
repouso, uma vez que é tal não contemplação que origina adaptabilidades
metabólicas contraproducentes relativamente à que se deseja.
Quando este desrespeito se afigura um padrão, estabelece-se como
adaptação “e o que se verifica é uma adaptabilidade contraproducente que
se reflete por querer, mas não poder, fica um jogar sem a variabilidade e
disponibilidade de andamentos ou ritmos desejados” (Maciel, 2011c, p. 4).
A não contemplação pelos corretos períodos de recuperação entre
exercícios e a “exercitação” continuada sob estágios de fadiga acentuada
poderá ter implicações nefastas para o indivíduo e consequentemente para o
jogar da equipa, porque induz e adapta o corpo a uma gestualidade
diferente da requisitada para um jogar de qualidade. Isto é, a gestualidade
requisitada pelo corpo quando tem de dar resposta a solicitações
dominantemente aeróbias ou anaeróbias láticas difere substancialmente (nas
amplitudes de movimento dos segmentos, nas velocidades, durações e
tensões musculares requeridas no momento da contração muscular e ainda
no modo como é levado a efeito o encadeamento de ações) das que se
verificam quando o organismo é obrigado, por vezes como no caso do
futebol, a funcionar em alta rotação (Maciel, 2011c).
A gestualidade implicada num jogar de qualidade, por sua vez, implica
uma grande versatilidade, fluidez e disponibilidade corpórea, o que
geralmente não acontece quando se trabalha em predominância de outras
vias metabólicas que não a anaeróbia alática.
Para além destas implicações gestuais e musculares (para além disso a
maior suscetibilidade a lesões, sobretudo as do tronco inferior), não
devemos esquecer-nos de que em estágios acentuados de fadiga (baixo
aporte de ATP) há também uma indisposição mental relativa ao jogar que
se pretende, que não se ajusta à preconizada. O Corpo além de não estar
devidamente implicado na vivência de um jogar (desrespeito pelo padrão
metabólico e gestual) também não estará totalmente implicado nesta
vivência.
Nesse sentido Jorge Maciel sugere que organismos neste estado de fadiga
continuada funcionariam à semelhança de carros que têm muitos cavalos de
potência, mas que devido às adaptações contraproducentes funcionam em
baixa rotação, com o travão de mão puxado.
Este “querer, mas não poder” é um processo semelhante ao que se
observa nos automóveis quando por norma funcionam com baixas rotações
independentemente das velocidades que estejam engrenadas, quando
estimulados no sentido de funcionarem com uma rotatividade maior
revelam muitas dificuldades, porque o motor criou uma adaptabilidade, pelo
fazer, que não vai de encontro àquela solicitação (Maciel, 2011c).
Como resultado final temos um veículo para provas de endurance com
“vontade” de ficar na garagem, quando aquilo que deveríamos ter era um
Fórmula 1 afinado para os circuitos mais sinuosos (variabilidade de
trajetórias, ritmos e velocidades).
A sobrestimulação das vias aeróbias em detrimento das anaeróbias,
e mais precisamente no caso do futebol das anaeróbias aláticas,
poderá pela adaptabilidade biológica criada, hipotecar a
possibilidade dos mecanismos associados à solicitação dos
fosfagênios se manifestarem eficazmente.
(Maciel, 2011c, p. 5)

Associado a esta lógica, Frade (2013a) coloca que ao incidirmos


dominantemente em outras vias metabólicas, que não a anaeróbia alática, é
como possuirmos um carro de Fórmula 154 mas sem o combustível
adequado, aquele de maior octanagem.
E não adianta colocar “gasolina contrafeita”, muito menos gasóleo,
porque o resultado não pode ser o mesmo; o carro sempre andará aquém do
que poderia andar, abaixo do seu potencial.
Pelo contrário, ao possuirmos um tanque cheio de gasolina com maior
octanagem (leia-se grande aporte de ATP), que se “auto reconverte”
facilmente (leia-se grande e continuado aporte de ATP), isso sim permitiria
andar na máxima velocidade (entenda-se qualidade).
Este combustível, na minha opinião, está relacionado a uma gestão
continuada e eficaz predominantemente da via anaeróbia alática, o que é
conseguido a partir do conveniente respeito entre o tempo de repouso e o de
“exercitação”.
A relação otimizada e devidamente contemplada em treino (devido e
através do seu correto fracionamento), do binómio-dilema
desempenho/recuperação, possibilita a potenciação do VO2 máximo, que
contrariamente ao que se julgava, se assume como determinante para a
performance numa modalidade como o futebol, uma vez que com um índice
elevado de VO2máx o jogador terá maior possibilidade de utilizar o
oxigênio de maneira otimizada para poder reconstituir/ressintetizar as
reservas de fosfocreatina, que o permitirá realizar novas interações de “alta
intensidade” (Billat, 2016).
A dominância e as circunstâncias condicionais devem proporcionar a
dominância do aparecimento da teia metabólica que suporta o jogar
(segundo a minha ideia de jogo, uma teia capaz de maximizar a
manifestação do metabolismo anaeróbico alático em dominância na
concretização do jogar). E é isto a acontecer durante a semana, como
dominante, que mantém na Especificidade a especificidade (Frade, 2013a).

Na minha opinião, a dominância das estimulações deverá incidir no metabolismo anaeróbico


alático. Deste modo estaremos a abastecer o Fórmula 1 sempre com a gasolina de maior
octanagem. Com o combustível certo “até voa”, desde que conduzido por piloto preparado!

Para que isso seja possível é fundamental que exista recuperação


completa (entre treinos, exercícios, durante o mesmo exercício), para poder
reiniciar a “exercitação” com as condições ideais, isto é, muito próximas
das iniciais.
O repouso, a recuperação, o intervalo é uma condição sine qua non,
porque o intervalo fornece condições iniciais de implicação desejável de
esforço (Frade, 2013b).
Para finalizar, considero importante termos em conta não somente a
questão da gestão do esforço e da recuperação entre exercícios (de modo a
garantir que o aporte de ATP esteja próximo, ou esteja dentro dos índices
basais), como também um maior aprofundamento desta gestão entre as
sessões de treino que compõe o morfociclo.
3.4.4.1.1 O ciclo de auto renovação da matéria viva e a Lei de Roux a
reforçarem a necessidade da alternância horizontal em especificidade
promovida pelo morfociclo padrão
Assim como ilustrei recentemente, é necessário dar o conveniente tempo
de recuperação para que as estruturas solicitadas possam regenerar-se e
aceder a níveis de organização e funcionalidade cada vez maiores.
Nesse sentido, justifica-se a conveniente contemplação dos princípios
metodológicos, porque promovem de dia para dia uma alternância das
solicitações a serem vivenciadas evitando a massificação das mesmas
estruturas implicadas nestas vivências, promovendo assim, condições para
que o Corpo possa estar em permanente evolução e não em retrocesso, o
que acontece ao promoverem-se estimulações antes do devido tempo de
recuperação.
Kesting (2003) refere que quando o treino for sistematicamente muito
severo ou o período necessário para recuperar entre sessões de treino não
for respeitado e se incidir sistematicamente nas mesmas estruturas; ao invés
das mesmas evoluírem e acederem a novos níveis de organização e
funcionalidade, haverá involução, retrocesso, até mesmo sobretreino.
As sessões de trabalho, com suas “cargas funcionais” a repetir-se
tão próximas umas das outras, faz com que os novos esforços
aconteçam antes que os processos de restauração tenham permitido
a obtenção do nível inicial. A consequência final é a extenuação
orgânica e a piora da performance.
(Langlade & Langlade, 1977)
Redução e perda dos índices de funcionalidade decorrente do desrespeito pelo período de
recuperação. Adaptado de Kesting (2003)

Ao encontro desta lógica, Gomes (2013) refere que para que sua equipa
jogue bem, é preciso “gerir e digerir” o que treinam durante a semana, isto
é, não se pode fazer sempre o mesmo.
Ela afirma que se quisesse submeter os jogadores a realizarem
desempenhos semelhantes nos vários dias que compõe a semana, os
jogadores iriam realizá-los, entretanto a qualidade com que o fariam não
poderia ser a melhor. Normalmente os jogadores acabam por se lesionar
porque o organismo ultrapassa limites ou então, cria mecanismos de defesa
para evidenciar a necessidade de descansar.
Sabemos que o organismo é sensível mesmo que o seja de forma
inconsciente, impõe limites que obriga os jogadores a descansar. E isso não
se refere apenas a descansar e esforçar logo após o jogo, mas também
durante a semana. Gomes ressalta que muitos treinadores promovem
situações muito semelhantes na quinta-feira e na sexta-feira (quando o jogo
é no domingo) e os efeitos disso notam-se na competição.
Este princípio da alternância horizontal em especificidade resulta
do reconhecimento de que o jogar (cultura da equipa) emerge do
entranhar das pessoas umas nas outras. Só que as pessoas são
biologia, são emoções, são sentimentos e têm determinadas
limitações. Portanto fazer o entranhar de jogadores sempre da
mesma maneira faz com que exista um cansaço e uma fadiga que
limita toda evolução do processo. Todos conhecemos a condição
biológica fundamental que nos indica que quando nos desgastamos
precisamos de recuperar. Por isso, se queremos aprender (adquirir)
algo todos os dias do processo, temos um desgaste porque ninguém
aprende sem se desgastar. E se ninguém aprende a jogar sem
praticar, logo este praticar provoca o desgaste e a fadiga que temos
que gerir. Assim, com o princípio da alternância horizontal em
especificidade balizamos os dias que medeiam as duas competições
de acordo com um padrão de incidências diferentes em cada dia.
Falamos do morfociclo, logo, é um padrão de incidências
(finalidades) do nosso jogar. E, portanto o princípio da alternância
horizontal em especificidade orienta-nos na questão: “quero
desenvolver o meu «jogar» e por isso, o que posso fazer em cada
dia para que os meus jogadores estejam sempre nas melhores
condições para poderem competir no domingo?”.
(Gomes, 2013, p. 322)

O ciclo de auto renovação da matéria viva, também refere que se faltar


continuidade durante os treinos, isto é, dar-se muito tempo de intervalo
entre uma sessão de treino e outra, as adaptações promovidas anteriormente
tendem a desaparecer.

Ao faltar continuidade nas atividades o novo desempenho evidencia-se quando já


desapareceram os efeitos benéficos da adaptação anterior. Portanto, não existe possibilidade de
mudanças positivas a nível funcional. Adaptado de Zatsiorsky & Kraemer (2006)

Em consonância com a perspectiva que apresentei nestas linhas está a Lei


de Roux, Arndt-Schultz que postula que uma estimulação extrema destrói55
as funções celulares (intensidade do estímulo, tempo insuficiente de
recuperação); grandes estimulações (no sentido ótimo) as fazem melhorar e
aceder a níveis de funcionalidade cada vez maiores; estimulações normais
mantêm-nas no mesmo estágio; estimulações pobres diminuem a
funcionalidade das células e a ausência de estimulação conduz à atrofia das
estruturas (o que justifica que de facto só existe treino havendo fadiga).
Tendo isso em conta, devemos ter muita habilidade na gestão e no
doseamento dos contextos, de modo a salvaguardar sempre a relação entre
desempenho e recuperação, para que as aquisições se processem a todos os
níveis.
Para isso, Maciel (2011c) reforça a necessidade de explorar a “resiliência
metabólica56” de forma continuada (sempre a salvaguardar o repouso), o
que uma vez mais evidencia a necessidade da perpetuação do morfociclo,
de estabelecê-lo como unidade basilar, garantindo assim uma constante
aquisição e progressão qualitativa do jogar que se pretende, tendo as
melhores condições para o adquirir e para competir.

A continuidade da realização dos desempenhos, salvaguardando uma relação ótima entre


esforço e recuperação promove evolução nos sistemas implicados nas vivências, ainda que não
tão linearmente como mostrado na figura. Adaptado de Maciel (2011c)

Deste modo, os períodos de recuperação afiguram-se como fundamentais,


não só para permitir a auto renovação e evolução das estruturas implicadas
nos movimentos, bem como para a estabilização das aprendizagens
efetuadas, pois são esses períodos que permitem que a reorganização
neuronal e dos circuitos neurais se verifiquem e deste modo se processe a
uma verdadeira aquisição, incorporação do jogar vivenciado e
experenciado.
Pelos motivos apresentados, o professor Vítor Frade (2013a) diz que a
recuperação e a aquisição não são duas faces da mesma moeda, mas sim,
duas dimensões da mesma face da moeda.
Tamarit (2013a) também não dissocia e destaca que a Periodização Tática
pode ser entendida como um treinar recuperando e um recuperar treinando.
Antes de terminar este assunto, gostaria de fazer um alerta e reforçar o
que já referi inúmeras vezes e extensamente neste livro, que na
Periodização Tática procura-se desenvolver um jogar, nos seus variados
níveis de organização. Portanto treina-se o jogar nas suas diferentes escalas
(frações do jogar), sendo este jogar suportado pelas diferentes vias
bioenergéticas em interação.
Ressalto a importância que o metabolismo anaeróbio alático tem nas
ações decisivas do jogo, mas de forma alguma podemos reduzir a análise do
morfociclo àquilo que é a dominância do sistema bioenergético, porque isso
pode induzir a uma interpretação completamente diferente daquela que a
Periodização Tática possui.
Isto porque o sistema aeróbio funciona de uma forma relevante
após termos intensidade máxima relativa, existe a necessidade de
recorrer a este metabolismo sobretudo, tendo em conta aquilo que é
o padrão de acontecimentos. Deste modo chegamos àquilo que o
professor Vítor Frade define como fundamental: o sistema
anaeróbico aláctico é predominante na intensidade máxima e
consegue-se a frescura de concretização no «aqui e agora», em
função do «alargamento» do intervalo entre repetições e da grande
mobilização dos mecanismos aeróbios entretanto.
Reduzir à dominância do sistema bio-energético a análise
Intencional e funcional de cada dia do morfociclo é muito redutor,
ou melhor, é uma perspectiva convencional. Para além de induzir
facilmente a erro.
(Gomes, 2013, p. 338)

Gomes ainda agrega que não podemos cair no erro da categorização


abstrata de nos vários dias abordarmos somente os mecanismos
(bioenergéticos) que concretizam aquilo que intencionamos. Devemos ter
sempre em vista o jogar, na fração que pretendemos desenvolvê-lo, claro
está, suportado por uma matriz bioenergética Especifica, que
inclusivamente poderá variar de processo para processo (afinal se algum
treinador quiser desenvolver um jogar com “outra gasolina” é opção de
cada um).
É levar as unidades musculares, ou os grupos musculares
fundamentais a funcionarem dentro de determinadas condições, mas
com o objetivo de fazer qualquer coisa ou em termos mais
individuais ou em termos mais coletivos, que tem a ver com o modo
como eu pretendo que se jogue.
(Frade, 2013b, p. 129)

Evidencia-se assim, o entrelaçamento entre os “binómios-dilemas”


problematizados por esta metodologia, com a necessidade de
recuperar da fadiga relativa aos desempenhos para voltar a
“desempenhar”, e assim sucessivamente, ininterruptamente, ao
mesmo tempo em que se vai cuidando do coletivo e do individual.
Falamos de “efeito retardado dos desempenhos”, e não de “efeito
retardado das cargas”, precisamente porque tal como se fez
referência, esta metodologia tem como pressuposto fundamental que
“quem controla a energia é a informação”, e quem controla a
informação é a articulação de sentido levada a cabo em função de
uma dada ideia de jogo (enquanto intenção-prévia), que garantirá
que a sobrecompensação que se dá, é em relação a determinado
aspeto do “jogar” levado a efeito, e que como tal, resultará numa
melhora qualitativa de um “jogar” concreto, dentro da lógica
inerente aos princípios metodológicos.
Reis (2016)

Devidamente esclarecidos estes conceitos, veremos o que é de facto


balizador para a estruturação do morfociclo padrão. Tudo está estruturado
em função do que irei apresentar no próximo ponto. Deste modo poderemos
compreender exatamente de que modo se processa a operacionalização do
jogar durante os dias que compõe o padrão semanal.
O Morfociclo Padrão que irei apresentar a seguir, é balizado por jogos de
domingo a domingo.
3.4.4.2 Domingo (competição): dia de máxima exigência.
O que baliza a configuração do morfociclo padrão é a competição,
operacionalizar a ideia de jogo nos seus múltiplos níveis de organização e
estar preparado para competir nas máximas condições do desempenho (a
todos os níveis do jogar).
A morfologia e distribuição das frações do jogar durante o ciclo semanal
estão intimamente ligadas às implicações e exigências decorrentes da
competição, que aqui considerarei que ocorrerá geralmente aos domingos.

Morfociclo padrão

O dia da competição simboliza o ápice, mas também o início da


preparação semanal.
A competição (neste caso, o jogo anterior) é um aferidor e um parâmetro
importantíssimo, pois proporciona uma avaliação qualitativa no sentido de
observarmos se o jogar pretendido e treinado se manifestou efetivamente
no último jogo, e é em função desta avaliação qualitativa que o treinador
configurará a operacionalização do jogar durante a semana, tendo em conta
o que se passou nesta última partida (o que fizemos bem? O que fizemos
mal?) e aquelas que se perspectivam vir a ser as exigências do jogo
seguinte, em todas as suas nuances.
Nesse sentido, Marisa Gomes (2008) coloca que a competição é um
indicador extremamente importante, porque é um referencial para a
utilização acertada daquilo que tem que estar antes e daquilo que tem que
estar depois, ou seja, permite analisar o que tem sido feito e desenvolver o
processo face ao jogar que se pretende alcançar.
Lembrando que o desenvolvimento do jogar, compreendido neste ciclo
entre dois jogos, será feito sempre através da operacionalização e do
respeito da lógica do padrão semanal, tendo também em conta o contexto e
as circunstâncias emergentes durante este processo.

Preparação semanal do jogar. A hierarquização dos objetivos semanais deverá levar em conta os
aspetos referidos, conforme ilustra a imagem.

O professor Vítor Frade (2003 citado por. Gomes, 2008) entende que a
competição é também uma parte do treino, porque é um momento muito
importante para criar o jogar que se pretende, sendo o que sustenta o que é
desenvolvido pelo processo de treino. Em virtude disso, o treino jamais se
dissocia da competição uma vez que “tão relevante quanto a dinâmica do
treinar, é a própria dinâmica do competir”.
É no domingo que a equipa tentará resolver e superar os
constrangimentos que o jogo lhe irá impor, em todas as suas dimensões.
Isso inclui tudo o que lhe está inerente, como o adversário (e todos os
condicionalismos e adversidades que ele impõe), terreno de jogo, adeptos,
competição disputada (e a posição na tabela classificativa), desgaste por
viagens e estágios, pressão por resultados.
A competição geralmente é o evento semanal de máxima exigência a
todos os níveis do desempenho, pois assim como reforça Marisa Gomes
(2008), é necessário abordar com cuidado os conceitos de máxima
exigência e grande exigência, isto porque se uma equipa habituada a jogar
de uma determinada maneira, fazendo-o regularmente com eficácia, face a
um adversário inferior não terá (teoricamente) os mesmos constrangimentos
ao nível de Desgaste do que quando enfrentar um adversário mais
qualificado e/ou do seu nível, que lhe impõe maiores dificuldades pelo seu
modo de jogar.
Desta maneira o Desgaste que a equipa encontrará nestas partidas será
tendencialmente maior do que em outros casos, podendo ser classificado
como máximo. Por exemplo, jogar uma partida contra o líder do
campeonato, fora de casa, tendencialmente não tem nada a ver do que jogar
contra uma equipa que está abaixo na tabela classificativa onde se derrota
este adversário por uma grande margem de golos, marcando 2 ou 3 golos
ainda na primeira parte e ainda por cima com capacidade para manifestar
sem grandes restrições a sua forma habitual de jogar.
Portanto há que se ter em conta que nem todos os jogos são iguais e que
em alguns deles conseguiremos manifestar claramente o nosso jogar e em
outros nem tanto. O facto é que na grandíssima maioria das vezes a
competição é o evento de máxima exigência semanal.
Na competição, trabalha-se ao nível do coletivo, do entrosamento de toda
a equipa com grande complexidade relacional, num grande espaço e com
forte oposição adversária, o que gera um Desgaste pronunciado nos
jogadores.
Competição: evento semanal de maior exigência a todos os níveis. Fotografia cedida por Luiz
Felipe Varella

Em virtude desta configuração, as exigências são ao nível da dimensão


mais complexa e total do jogar. Este dia assume a cor verde. Esta
tonalidade resulta da junção das cores desenvolvidas ao longo do
morfociclo padrão, que expressam o fracionamento do jogar57 (em níveis de
organização), tendo em conta as implicações decorrentes do Desgaste
gerado pela competição anterior e o facto de se procurar estar nas máximas
condições possíveis para a próxima competição.
Periodização Tática
Morfociclos Padrão,
o entrelaçamento na prática
tem um padrão de conexão.
A simbologia das cores
significa analogicamente,
o entrelaçamento dos amores
no corpo e na mente
continuadamente presente
na codificação da temporalidade,
e nunca daí ausente...
p’ra não perda de especificidade,
e eficacidade...
Frade (2016, p. 880)

Vítor Frade (2013a) explica que o Desgaste promovido pela competição é


tão grande que após um jogo de máxima exigência, para que a equipa, como
um todo, consiga realizar um outro desempenho de máxima exigência, na
sua máxima disponibilidade a todos os níveis, só o consegue fazer apenas
quatro dias depois.
E se, se fizer uma pergunta a uma centena de indivíduos que
estiveram a top e que estão a top, como treinadores, todos dirão ou
noventa e tal por cento dirá que após um esforço de máxima
exigência, um jogo de máxima exigência essa equipa, a equipa que
o levou a efeito só consegue estar em condições de realizar um
outro esforço de máxima exigência, sem bulir, sem estorvar aquilo
que é a fluidez funcional da equipa, quatro dias depois.
(Frade, 2013b, p. 117)

Esta constatação é extremamente importante, como balizador e é em


função disto que nós devemos contemplar o preenchimento dos diferentes
dias do Morfociclo, pela chamada regra dos quatro dias.
Portanto se eu jogo no domingo, eu só vou poder estar em
condições idênticas às de domingo, como equipa, como equipa na
totalidade, quatro dias depois. Você tem um carro aí, um Fórmula 1,
mas tem uma porca ou um parafuso desapertado você estará em
maus lençóis! Basta um! Portanto, a garantia da totalidade é que
leva ao enquadramento porque se calhar há um gajo ou dois que
estariam já em condições, mas aquilo não é ping-pong ou tênis, isto
é futebol. E, portanto isto no futebol, onde existem tempos muito
dilatados de solicitação, muitos meses, eu só garanto a ininterrupta
resposta se salvaguardar esta lógica.
(Frade, 2013a, p. 420)

Portanto por mais que alguns jogadores possam estar totalmente


recuperados já no terceiro dia após a competição anterior, é a garantia da
totalidade que leva ao enquadramento, porque sendo o futebol um desporto
coletivo com uma grande complexidade relacional, a contemplação do todo
deverá ser constante, onde importa respeitar a regra dos quatro dias.
Tendo em conta que a equipa como um todo é capaz de realizar
desempenhos semelhantes às da competição anterior somente quatro dias
depois, só há a possibilidade de realização de apenas um treino com
características e esforços semelhantes aos do jogo.
Este treino é ‒ e só será ‒ realizado precisamente quatro dias após a
competição e distante três dias da próxima competição (uma vez que
necessitamos salvaguardar a recuperação plena da equipa para o próximo
jogo), portanto na quinta-feira.
Poderá parecer uma incoerência realizar um treino com esforços
semelhantes aos do jogo, se a próxima competição dista três dias deste
treino. Entretanto, isto acontece porque um treino de máxima exigência não
tem o mesmo desgaste como tem o jogo, onde inclusivamente nós podemos
“controlá-lo”.
Embora esta constatação empírica seja uma realidade, nos dias que
antecedem este treino de máxima exigência, e nos que o sucedem, as
equipas não poderiam treinar? Deveriam apenas fazer recuperação? Dentro
da lógica da Periodização Tática, podem e devem treinar, mas com muito
cuidado, sabendo o que se faz e as implicações do que se faz. Devem fazê-
lo de modo a que a equipa possa adquirir as dimensões mais meso e micro
do jogar, sem que isso hipoteque e atrapalhe a recuperação e a
disponibilidade da equipa e de cada um dos jogadores para a próxima
competição.
Em suma a aquisição no desempenho deverá promover fadiga sobre o
todo, o quase todo, o pouco mais que o individual e o individual, consoante
os diferentes dias, bem como constantemente deve contemplar a
recuperação de maneira a ter a equipa fresca para competir nas suas
máximas condições (Frade, 2014b).

Morfociclo Padrão e sua operacionalização, tendo em conta a “regra dos 4 dias”.

Tentaremos entender de que forma isso se concretiza, bem como de que


maneira se operacionaliza o jogar durante os dias que compõe o morfociclo
padrão.
3.4.4.3 Segunda-feira (primeiro dia após a competição): Folga
Como p’ro músculo após esforço
o cérebro do mesmo modo
p’ra não funcionar a contra-gosto,
deve esforçar-se e descansar num todo.
Do cérebro e do muscular
p’ra muito deles se exigir
é fundamental recuperar
p’ra qualquer deles não “partir”
(Vítor Frade, 2014a, p. 200/201)

Na segunda-feira, tal como referi anteriormente, a recuperação dos


jogadores ainda não ocorreu, pelo contrário, está apenas a iniciar. Parece
haver um consenso, por parte de várias conceções de treino, que treinar
logo no primeiro dia após a competição é algo que favorece os jogadores.
Boa parte dos preparadores físicos e fisiologistas defendem que do ponto
de vista fisiológico é benéfico realizar mobilizações musculares,
alongamentos e treinos “leves”, sobretudo incidindo na via oxidativa, no
menor período possível após a competição. De modo a acelerar a remoção
de detritos e subprodutos do metabolismo da musculatura ativa, bem como
aumentar a oxigenação das células e promover um aumento do aporte
sanguíneo, de maneira a remover os metabolitos gerados pelos estímulos da
competição.
Tendo em conta esta realidade (ainda que não “diretamente” através da
via oxidativa), mas sem esquecer que o jogador de futebol é, acima de tudo,
um ser humano, isto é, um ser que é biologia, interação, emoção,
sentimentos, um ser social, uma unidade, e sendo a competição um evento
de máxima exigência, que provoca um desgaste pronunciado em todas as
dimensões, sobretudo a nível mental-emocional, o primeiro dia após a
competição geralmente58 é reservado à folga total dos jogadores, para que
os mesmos “desliguem” do futebol e façam o que lhes der vontade,
logicamente que sem muitos “excessos”.
Outro aspeto muito importante é proporcionar que o sistema imunológico
de cada jogador proceda com seu respectivo processo de recuperação. Por
isso, no morfociclo padrão, a segunda-feira assume a cor branca, que
representa a ausência de treino, o dia de descanso.
Eu não me vejo bem para treinar no dia seguinte, não me vejo
podendo ir ao treino e ter 100% de concentração, porque me
desgasto muito nos jogos, e acredito que minhas jogadoras também
se desgastam muito nos jogos. Num processo em que estamos a
exigir concentração devemos ter isso muito em conta.
(Tamarit, 2013a, p. 383)
Mourinho coloca que quando a semana só tem uma partida ele costuma
dar folga no dia a seguir ao jogo. Para ele, trata-se de uma escolha acertada
principalmente sob o ponto de vista mental:
Para mim próprio também é o melhor, porque não gosto de
trabalhar no dia a seguir ao jogo. Custa-me dormir a seguir ao
jogo, custa-me levantar, custa-me concentrar, custa-me planificar,
custa-me pensar, custa-me treinar e, nesses treinos, passo mais
tempo a passear de um lado para o outro a ver o treino do que a
treinar. Com os jogadores sucede o mesmo. Engana-se quem pensa
o contrário.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al., 2006, p. 131-132)

Marisa Gomes compartilha desta ideia e refere que atrelado ao facto de a


recuperação ainda não ter ocorrido, o processo de somatização do que se
vivenciou na competição está em plena ebulição.
Para alguns pode ser importante em algum momento trabalhar na
segunda, tendo em conta que em termos biológicos –em termos
fisiológicos de recuperação– não é a mesma coisa treinar 24 horas
ou 48 horas a seguir ao jogo. Isto porque o processo de
recuperação acontece ao longo do tempo. O processo aquisitivo
(desempenho-recuperação) tem algo muito particular que
normalmente não se fala. O jogador joga no domingo à tarde
quando está a relaxar à noite é assaltado por imagens do jogo na
cabeça. Isto é a somatização que o jogador está a ter daquilo que
vivenciou. Portanto ele está a adquirir ainda, não se esgota no
jogo. E quem jogou futebol sabe o que é sentir isto. Imagina um
jogador que esteve muito mal, falhou um golo num jogo importante,
sabemos que ele ao estar mais tarde com a filha em casa vai estar a
pensar nisso. Naturalmente que faz um esforço consciente para não
se lembrar mas o inconsciente traz-lhe imagens do que aconteceu.
Isto é a expressão da somatização. E não se esgota nesse momento
pois quando estiver a dormir, quando estiver a relaxar, as imagens
acabam por lhe vir à cabeça. E temos treinadores que também
passam por isso, tenho a certeza absoluta!
(Gomes, 2013, p. 325)

Quem nunca acordou de madrugada a pensar em lances do jogo


disputado horas antes? São vários os treinadores que afirmam que lhes custa
trabalhar no dia seguinte ao jogo. Isto porque o Corpo está desgastado e
necessita de descanso, em todos os sentidos. Com os jogadores isso também
acontece.
Em 1992, então no PSV Eindhoven, Romário em entrevista ao programa
Impact, de uma rede de televisão holandesa (disponível no YouTube), disse
o seguinte:
Já expliquei mil vezes que depois do jogo, um dia depois do jogo
para mim é melhor não treinar, não me sinto bem. Porque eu saio
daqui... vamos dizer que nós jogamos de noite, como sempre
jogamos pela Copa Europa... vou dormir uma ou duas horas da
manhã, acordo às nove e vou lá para correr seis minutos? Que que é
isso!? Isso aí não ajuda em nada!
Romário fala o que pensa, sem meias palavras, e é apenas um exemplo,
mas poderíamos aqui dar outros muitos de jogadores que referem odiar
treinar no dia seguinte ao jogo.
São vários os que não se sentem bem, sobretudo porque, segundo os
mesmos, na noite do jogo mal conseguiam dormir, ficavam praticamente a
noite toda acordados pensando em lances da partida, no que haviam feito de
bom, no que poderiam melhorar.
Portanto, as imagens ao emergirem ao consciente é a prova mais
evidente de que a somatização acontece e está a acontecer muito
para além do tempo “real” do jogo. E este lado tem que ser
contemplado! Treinar na segunda-feira de manhã, logo após o jogo,
este processo tem menos tempo para se processar com normalidade
pois a modelação já se processa num sentido não linear. Ou seja,
não termina a somatização do jogo mas não acontece da mesma
maneira. Imagina, nessa Segunda-feira, o referido jogador vai
tomar um café da manhã com a família, vai para um lugar
diferente, faz uma coisa que gosta, isto é, recuperação passiva, isto
é, “desliga” conscientemente do momento pois envolve-se noutro
contexto.
(Gomes, 2013, p. 325)

Para a maioria dos jogadores, treinar no dia seguinte é algo stressante,


porque querem estar envolvidos noutras atividades para relaxarem, querem
treinar de “cabeça fresca” e não fadigados e stressados. Para muitos, mais
vale estar cansado “fisicamente” e de “alto astral” do que o contrário.
Num morfociclo de Sábado a Sábado, aquilo que era a nossa
experiência e ainda no Futebol Clube do Porto acontecia com
regularidade, dávamos descanso no dia a seguir ao jogo e, por
vezes, dávamos dois dias. Portanto, por vezes, sentíamos que a
melhor forma de recuperar, sob o ponto de vista mental e isto já não
tem a ver com questões teóricas, tem a ver com aquilo que é a tua
sensibilidade para perceberes o que é a equipa e para perceberes o
que é a necessidade da equipa e a necessidade dos jogadores. Por
vezes atribuíamos dois dias porque sentíamos que os dois dias
permitiam aos jogadores recuperar mais facilmente sob o ponto de
vista mental e se recuperassem mais facilmente sob o ponto de vista
mental, recuperariam mais facilmente sob o ponto de vista
fisiológico. O estado de espírito é uma coisa importante porque o tu
sentires-te bem também permite estares mais… permite uma melhor
recuperação, digamos assim. O teu estado emocional permite uma
maior recuperação global.
(Faria, 2007, p. XXV)

Como podemos ver, temos de contemplar o jogador como um ser humano


e não somente do ponto de vista fisiológico (ainda que, face ao exposto,
sequer parece haver coerência, mesmo do ponto de vista fisiológico, em
treinar no dia a seguir ao jogo).
A respeito desta temática, Bompa (2002 citado por. Esteves, 2010) cita
que a recuperação fisiológica/muscular normalmente se concretiza de um a
três dias, enquanto que a recuperação mental/emocional se produz de três a
sete dias após eventos de máxima exigência, ou seja, as manifestações de
carga mental são as últimas a recuperar, se as exigências do jogo forem
grandes (Platonov, 1998 citado por. Ribeiro, 2005).
O sistema nervoso periférico (vulgo sistema muscular) atinge muitas
vezes o limite durante o jogo, enquanto que o sistema nervoso central
começa a “trabalhar” muito antes destes jogos, atinge o limite durante o
mesmo e ainda “trabalha” depois (Carvalhal, 2014, p. 66).
Assim, a competição gera um desgaste significativo nos jogadores,
especialmente a nível mental-emocional. No futebol de competição,
começa-se a “jogar” antes do próprio jogo. Ainda, joga-se o jogo e
continua-se a “jogá-lo” passado uns dias.
Talvez seja por isso que Iker Casillas, ex guarda redes do Real Madrid,
referiu em entrevista (2012), que “o desgaste de jogar na elite é muito mais
mental”.
Portanto, parece estar claro que na segunda-feira, na grande maioria das
vezes, deverá ser concedida folga a toda gente envolvida no processo.
Contudo, alguns profissionais acreditam que treinar apenas à tarde, dando
folga no turno da manhã já é o suficiente para amenizar esta problemática.
A este respeito, Gomes (2013, p. 332-333) lança um alerta:
Para terminar, acho que os jogadores a top devem ter um dia para a
família. Digo isso porque trabalhar sete dias por semana é muito
complexo. Não é muito complexo no início do processo mas depois
com a rotina torna-se pesado saber todos os dias que vais fazer
qualquer coisa. E mesmo que seja um treino às 17h, já sentimos a
partir do almoço que está condicionado para ir treinar mais tarde. O
que não acontece se tiver um dia para não fazer nada que lhe é
imposto. Num processo de um ano isto pode ser decisivo para gerir
o modo como os jogadores se envolvem no processo.
Os jogadores têm o seu lado social, o lado familiar e, portanto isso deve
ser contemplado. Mesmo tendo em conta que em termos fisiológicos se
contraria o “consenso geral”, do ponto de vista mental é mais fácil afastar
os jogadores do processo do que “levá-los” para treinar logo no dia seguinte
após a competição. Isso acelera a recuperação.
Sob o ponto de vista mental-emocional, se a este nível a
recuperação ocorrer mais rápido ocorre mais rápido ao nível do
resto. A minha preocupação é aquilo que nós chamamos de fadiga
tática, digamos assim, é a fadiga mental. Esta é a que nos preocupa
mais. A fisiológica também nos preocupa mas, efetivamente, menos
complexa vem por arrasto à mental-emocional ou tática.
(Faria, 2007, p. XXVI)

Depois existem outras coisas que também devemos levar em conta,


não? Por exemplo: Se nós jogamos em Bilbao domingo à noite.
Uma equipa de primeira divisão que joga às oito da noite, com o
jogo terminando às dez...enquanto tomam banho, talvez jantam, vão
ao aeroporto e tudo isso, chegam em casa pelas duas ou três da
manhã, e me parece uma barbaridade colocar um treino para o dia
seguinte, pela manhã. Penso que o que os jogadores devem fazer é
chegar, descansar, disfrutar suas famílias, esquecer um pouco o que
é o futebol e no dia seguinte (dois dias a seguir à competição)
começar outra vez.
(Tamarit, 2013a, p. 383)

Ainda que as periodizações convencionais defendam que


“fisiologicamente” é melhor treinar no dia a seguir, a Periodização Tática
não pensa desta forma. Num processo que atende a uma lógica complexa,
onde o aspeto mental e emocional é tão importante, onde se exige
concentração permanente, a recuperação é fundamental. Como disse, parece
que sequer do ponto de vista dito fisiológico é recomendável treinar no dia
seguinte ao jogo. Isso tem pouco sentido, salvo exceções, mais ligadas às
circunstâncias de cada processo. Portanto, dominantemente a segunda-feira
deverá ser um dia sem treino.
3.4.4.4 Terça-feira (segundo dia após a competição): Recuperação
A Periodização Tática não concorda com a forma convencional de
recuperação.
(Frade, 2013a)

Segundo a lógica da Periodização Tática, recuperar é incidir na


matriz do esforçar.
(Amieiro & Maciel, 2011)

Na continuidade da abordagem do fracionamento do jogar durante o


morfociclo padrão, chegamos ao segundo dia pós-competição, o primeiro
treino propriamente dito.
Neste dia a recuperação fisiológica ainda não ocorreu e a fadiga central
ainda está presente de maneira acentuada, por isso, tal como no dia anterior,
os jogadores são novamente submetidos a um regime de recuperação.
Entretanto, desta vez recuperam de forma ativa, ou seja, treinando.
Assim, devido à lógica e ao caráter dominantemente recuperativo, a
terça-feira assume a cor verde-claro, resultante da junção do verde do jogo
com o branco da folga.
Embora este treino esteja assente num regime de recuperação, isso não
significa que o conceito de especificidade seja posto de lado, muito pelo
contrário, na Periodização Tática o modo como se treina tem sempre em
conta aspetos inerentes ao jogar, quer quando a dominância é aquisitiva,
quer quando é recuperativa.
É tão importante recuperar como treinar e é fundamental entender
que, do modo como trabalhamos, tudo o que diz respeito ao treinar,
ao recuperar e ao jogar é perspectivado e preparado em conjunto –
o processo para ser específico tem de ser indiviso-. Normalmente,
aquilo a que os jogadores estão habituados é recuperar a correr,
com corrida contínua. Nós não aceitamos esta ideia. Fazemos um
trabalho específico, condicionado ao nosso modelo de jogo, que
incida sobre as estruturas afetadas pela fadiga do jogo,
acompanhado de exercícios que ajudem à recuperação mental, pois
é nesse aspeto que a fadiga ataca mais depressa.
(Faria, citado por. Oliveira et al., 2006, p. 135)

Neste dia, para quem jogou, deve existir recuperação a todos os níveis,
onde a ideia de jogo apareça de maneira implícita e sem nenhuma pretensão
aquisitiva de forma deliberada.
Esta unidade de treino faz-se fundamental porque para além da
necessidade de se ter de recuperar de um evento de exigência máxima (o
jogo anterior), possibilita que os jogadores adquiram determinados macro,
meso e micro princípios relevantes ao jogar ao longo da semana de treinos
do morfociclo padrão.
Além disso, o respeito e a correta operacionalização desta unidade de
treino –e das outras– é o que garantirá que a equipa chegue ao próximo jogo
com a possibilidade de competir nas suas máximas condições.
No que se refere à operacionalização deste dia, o professor Vítor Frade
sugere algo que contraria a generalidade das conceções de treino, as quais
referem que se deve incidir fundamentalmente na via oxidativa para
acelerar a recuperação dos jogadores. Trotes, corridas contínuas, utilização
de bicicletas ergométricas em ginásios, sessões de hidroginástica, são
alguns dos exercícios preconizados por estas metodologias.
Frade (2013b) refere que há incongruência por parte destas orientações.
Isto porque se a equipa cansa em função de um todo complexo, como é que
ao atuar “apenas” (predominantemente) na via aeróbia os jogadores se
recuperam?
Na perspectiva de Frade, ou seja, da Periodização Tática, a recuperação,
quando feita de maneira ativa, assim como a aquisição, deverá ser feita
incidindo sobre o novelo metabólico representativo da Especificidade da
equipa.
Contrariamente ao que se diz, que a recuperação deve ser feita em
trabalho ativo, eu não acho que se deva fazer, o que se deve fazer é
descansar, e se deve ser feita com trabalho ativo deve fazer-se sobre
aquilo que está cansado.
(Frade, 2013a, p. 425)

O núcleo duro da adaptabilidade, em termos energéticos é aquilo que se


deve recuperar, isto é, o novelo metabólico que é representador ou
representativo da Especificidade.
Este novelo, ou emaranhado, é constituído por um “namoro” determinado
das vias anaeróbias com a aeróbia, que a equipa frequentemente solicita em
competição e em treino. Deste modo, ao ativar este novelo e salvaguardar
um tempo largo de recuperação, dando tempo para a oxigenação das células
ocorrer, é que a recuperação irá acontecer.
Se o jogador se cansa solicitando uma teia bioenergética, portanto,
todos os mecanismos (aeróbio, anaeróbio lático e anaeróbio
alático)...se tudo isso está em uma determinada teia e está num
determinado padrão de conexões a ser solicitado e a cansar-se,
parece-nos pouco razoável acreditar que depois, à posteriori,
quando se quer recuperar, atuando só sobre uma parcela (via
aeróbia), e atuando só sobre uma parcela descontextualizada, que
se consiga fazer recuperar a teia, o todo. Portanto, segundo a
lógica da Periodização Tática, recuperar é incidir sobre a matriz do
esforçar.
(Amieiro & Maciel, 2011)

Por isso, parece ser evidente que é atuando sob a mesma matriz de
esforço registada em competição que a recuperação se faz de maneira mais
eficaz e melhor respeitando a Especificidade do jogar. Logicamente que a
natureza do esforço é a mesma, a duração é que é pequena, resumindo-se a
pequenos instantes, visando ativar o organismo tal como no jogo ele é
ativado, mas durante pouquíssimo tempo.
Portanto nesta unidade de treino, os estímulos devem ser curtos e de
“elevada” “intensidade”, solicitando fundamentalmente a mesma matriz
metabólica implicada na concretização do jogar, e proporcionando períodos
de recuperação largos para que o metabolismo aeróbio possa proceder à
recuperação, reorganização e realimentação do organismo.
O padrão de contrações musculares deste dia, para o grupo de jogadores
que jogaram caracterizar-se-á por elevada tensão e velocidade, entretanto
com baixíssima duração ‒ isto é, uma reduzida densidade do padrão de
contração que permite a concretização do jogar ‒, resumindo-se a alguns
instantes.
É, portanto, uma sessão extremamente descontínua, onde o tempo de
recuperação é muitíssimo alto, com baixa continuidade nos exercícios,
portanto a densidade59 é bastante baixa.
Geralmente o tempo total da sessão de treino não ultrapassa uma hora,
por vezes podendo até durar mais em virtude da necessidade de assegurar o
alargamento dos tempos de recuperação. No que se refere à escala de
organização em que se treina, esta é dominantemente individual e grupal.
Nos dias da recuperação, como já falamos anteriormente,
desenvolvemos a intensidade máxima relativa através de situações
de execução máxima em períodos muito curtos com tempos largos
de intervalo entre cada repetição. Deste modo, temos entre os
intervalos largos de repouso também a predominância do
metabolismo da fosfocreatina. Mas não podemos ter só essa
PREocupação pois também temos a absoluta necessidade de
ficarmos ágeis e frescos. Assim, sabemos que para recuperar temos
que criar situações em que isso aconteça. Então, sabemos que no
jogar e descansar, o descansar é no mínimo cinco vezes mais o
tempo que o do jogar. Uma matriz do recuperar de pelo menos
cinco tempos de repouso para um de ação.
(Gomes, 2013, p. 337)

“Então é uma espécie de fustigação do metabolismo: ele vem, mas parou!


Ora, isto constitui uma benesse, não o deixa adormecer e apressa sua
recuperação. Portanto, aquilo que está cansado é também através dele que
se recupera. Esta é a minha lógica na Periodização Tática” (Frade, 2013a,
p. 426).
De tal forma esta metodologia de treino é coerente com a essência
biológica do ser que joga, que o professor Frade sugere como uma espécie
de “imunoterapia”, possibilitando sempre que possível que seja o organismo
por via do sistema imunológico a reestruturar-se, regenerar-se e recuperar-
se, sem o auxílio de “muletas” como a prescrição e ingestão de
medicamentos, anti-inflamatórios, banhos de imersão no gelo, em suma,
trata-se de uma adaptabilidade especifica individual.

Esquema explicativo do treino de terça-feira (segundo dia após a competição),


no morfociclo padrão.

E então como eu quero que todos recuperem, eu tenho que ser muito
cuidadoso em relação à situação jogada. A situação tem que ser
jogada, mas ela tem que ser uma redução sem empobrecimento e
naquilo em que o não empobrecimento é o contemplar a totalidade
dos indivíduos que estão implicados e, portanto, a situação guarda
redes + 3x3 + guarda redes é a melhor! Muito curto o tempo, todos
eles têm a possibilidade de travar, cair, rematar e o caraças! Porque
são três, se são quatro já uns vão intervir mais do que outros e com
três se calhar não! E o G + 3x3 + G é um padrão universal do
jogar, qualquer que ele seja. Vá ler sobre
“O Problema dos Três Corpos60” do Poincaré.
(Frade, 2013a, p. 425)

Guarda redes + 3vs3 + Guarda redes

Frade (2013a) refere que nos contextos de propensão de guarda redes +


3x3 + guarda redes (importante salientar que estes jogos podem e devem ter
diferentes condicionalismos e configurações, não são jogos feitos de
qualquer maneira, simplesmente “por fazer”) os jogadores jogam por um
minuto, um minuto e meio e descansam; saem da situação e voltam a jogar
após aproximadamente cinco tempos. Enquanto estão fora do exercício, nos
intervalos entre as repetições, os jogadores alongam, fazem abdominais,
etc., isto é, a natureza do jogar é a mesma (ainda que em escala micro), mas
a duração em que isto acontece é que é curta.
Por ser o que permite, que de facto, o impacto do que se faz em treino se
verifique em cada um individualmente, sem com isso descurar o todo, as
situações de 3x3 tendem a serem as ideais, ainda que se realizem outras
situações na terça-feira, mas sem dúvidas, o 3x3 num período muito curto,
com muito tempo para recuperar, parece ser o melhor para cumprir a
ativação do novelo metabólico implicado na manifestação de cada jogar e
consequentemente a recuperação dos jogadores, a todos os níveis, pois para
além da dita dimensão fisiológica, a complexidade relacional de 3x3 é
baixa, e o modo como se estruturam os contextos, sem exigências de
aquisição promove recuperação, a todos os níveis.
Deste modo, o 3x3 deve ser dominante (ainda que possa apresentar
diferentes variantes e propósitos implícitos) nesta unidade de treino.
Para os jogadores que jogaram, é um treino de recuperação no qual
eu busco ativar ou despertar especificamente este emaranhado
bioenergético que eles requisitam no jogo, no nosso jogar durante o
jogo, trata-se de despertá-lo durante um minuto –através de um
fractal do nosso jogar– para depois haver uma larga recuperação
entre exercícios, porque acredito que esta é a melhor maneira de
recuperar. Por exemplo, faço um 3x3 durante um minuto ou um
minuto e meio, que me permite este “ativar” e paro. Paro, isto é,
dou um intervalo seis ou sete vezes maior em relação ao tempo em
que estivemos jogando. Faço abdominais, alongamentos, bebemos
água, ou trotamos um pouco, e voltamos a fazer, um minuto ou um
minuto e meio, e voltamos a parar... Não acredito que através do
treino aeróbio referido pela lógica convencional se possa recuperar
a interação produzida por três fontes energéticas diferentes.
Resumindo, o que eu faço é o que diz a Periodização Tática.
(Tamarit, 2013a, p. 384)

Para Marisa Gomes (2013) a recuperação também se processa nestes


moldes, onde busca recuperar seus jogadores quase sempre com jogos
intermitentes, competitivos, de pouca duração, em que os jogadores estão
orientados para determinado propósito (sem pretensões aquisitivas de
maneira deliberada), seja com igualdade numérica ou com superioridade.
Frade sublinha que dentro desta unidade de treino, existem os objetivos
fundamentais –a recuperação do desempenho coletivo decorrente do último
jogo– e os objetivos complementares, que se constituem como
“recuperadores” dos fundamentais.
Como vimos, os objetivos fundamentais são levados a cabo através de
contextos que solicitam dominantemente a “gasolina” do jogar, e serão
atingidos através da operacionalização da lógica apresentada anteriormente.
No que diz respeito aos “recuperadores” e “complementares” dos
fundamentais (que na verdade, quando bem operacionalizados e geridos,
tornam-se fundamentais como complementares para a necessária
variabilidade e agilização das estruturas), a sua operacionalização poderá
ser feita através dos exercícios complementares A, ou seja, exercícios como
o ténis-fut, futevólei, “meínhos”, e outros que possam ser criados em função
do contexto da equipa e a criatividade do treinador para este dia,
respeitando dita lógica.
Nesse sentido, Marisa Gomes (2013) diz que no seu processo de treino as
redes do ténis-fut ou futevólei são posicionadas em diferentes alturas de
modo a promover a agilização das estruturas menos solicitadas em
competição.
Por exemplo, se a sua equipa joga fundamentalmente com a bola no chão
–ou foi obrigada pelo padrão de jogo do adversário a jogar pelo chão sem
muitas disputas de jogo aéreo, com deslocamentos curtos– realiza o
exercício com a rede mais alta, para que os jogadores solicitem diferentes
amplitudes de movimento, para não haver perda de agilização, uma vez que
toda a “especialização” acaba por fechar, travar. Os graus de liberdade, de
manifestação do corpo, por força da circulação da bola pelo chão estão
diminuídos em relação a máxima possibilidade do indivíduo. Portanto nas
trajetórias diferentes atenuaria a perda de agilidade.
Durante os períodos que intermeiam os tempos de “exercitação”, no que
diz respeito ao cumprimento dos objetivos fundamentais –situações ditas
“jogadas” (sugestão do 3x3) e dos exercícios complementares A-, podemos
aproveitar para realizar o que ao longo da semana será frequente, que é a
afinação do organismo através de alongamentos, alguns tipos específicos e
apropriados de abdominais61, dorso-lombares, que o professor Frade chama
de “afinar porcas e parafusos”, os chamados exercícios complementares B.
Naturalmente que o treino nas condições que apresentei aqui se enquadra
para jogadores que jogaram 45 minutos, ou mais, do jogo (ou menos,
depende do contexto e das circunstâncias). Os jogadores que não jogaram,
ou que jogaram pouco obviamente que necessitam de outro tipo de treino e
solicitações.
Para os jogadores que não jogaram, ou que participaram pouco do jogo,
devem-se criar contextos que solicitem esforços muito similares aos da
competição, ainda que saibamos que não serão iguais (não só a nível
emocional e de tudo o que envolve uma partida oficial), mas sempre
tentando aproximar o máximo possível – a todos os níveis: concentração,
desempenhos, complexidade, recuperação, espaço de jogo, número de
jogadores, etc., onde a dimensão aquisitiva seja dominante.
A operacionalização do treino para este grupo de jogadores deverá ser
feita com sensibilidade, afinal uma sessão nestes moldes promove um
desgaste significativo, pelo que devemos geri-la com cuidado, afinal este
grupo irá treinar juntamente com o grupo dos que jogaram o jogo anterior (e
que neste dia recuperou) durante todas as unidades de treino que se
avizinham (caso esta seja uma “semana cheia”).
Sinto a necessidade de referir, que os contextos de propensão que
apresentei nesta seção serviram apenas para dar sustentação às ideias
apresentadas. São contextos que surgem a partir de necessidades, que cada
processo e cada semana exige.
Na Periodização Tática, não existem “receitas prontas” no que diz
respeito à configuração dos exercícios, mas existem pilares que direcionam
o processo e sua morfodinâmica semanal. Como refere o professor Vítor
Frade, só se “controla” o processo se não o deixarmos descontrolar.
Portanto, o treinador deverá ter em conta tudo isso, e criar exercícios que
atendam às suas necessidades. Por isso a Periodização Tática é uma
metodologia e um fato feito à medida, embora algumas pessoas continuem
a querer comprar camisas tamanho “M” quando o corpo pede tamanho “S”,
ou até, em alguns casos, a roupa serve, mas a gola fica apertada, e, portanto,
desajustada.
Periodização Tática, um fato feito à medida.

Para finalizar, com relação à parcela da dimensão estratégica durante o


morfociclo padrão, Frade (2011) coloca que a preocupação estratégica deve
ser assimilada progressivamente durante o morfociclo, assim como já
explicitei, nunca em dominância, mas sempre em complementaridade à
tática.
No dia da subdinâmica recuperação ativa, já se pode alertar os jogadores
para os aspetos estratégicos do próximo adversário, ou se pode falar-se de
algumas coisas que se passaram no jogo anterior (Frade, 2011).
Se eu acho que a equipa que vou defrontar tem um ponto fraco que
eu quero também explorar, se calhar, e tendo em conta o modo
como eu entendo o morfociclo, a partir de terça-feira, que é o
primeiro dia de treino –mas de recuperação-, mesmo aí, eu posso já
estar a acentuar, nem que seja a alertar: “olha, eles jogam assim, a
gente, provavelmente não deve descurar esse aspeto” ou “eles
costumam sair de trás, mas saem normalmente pelo central ou pelo
lateral”. Vamos ter isso em consideração. Mas isso só entra no que
já está, no que é solido, no que é a organização. Pode constituir,
diariamente, dez por cento e nunca mais do que isso.
E todos os dias! Não é como se faz habitualmente, reservar para
sábado ou para sexta-feira, e aí é dominante. E às vezes acontece, o
que é que acontece quando a gente está a falar com alguém ao
telefone? “Não, vou dizer-lhe desta maneira ou daquela.”
Entretanto, ele diz outra coisa e nós já não sabemos o que é que
íamos a dizer. Portanto, a memória é uma coisa muito complicada e
complexa e é por isso que, a longo termo, é a maior responsável
pela habituação, pela adaptabilidade. É por isso que o hábito
adquirido na ação é o hábito que tem a ver com a tática, com a
cultura tática, com a organização intencionalizada, com a presença
dos princípios, que são critérios, são referenciais coletivos, são os
macro princípios. A estratégia é uma aposta e, normalmente,
quando a gente aposta demasiado na estratégia fica “lixado” com a
tática.
(Frade, 2011)

3.4.4.5 Quarta-feira (terceiro dia após a competição – primeiro dia


“aquisitivo62”): Dia “azul”.
Por estarmos no terceiro dia após a competição, a recuperação da equipa,
como um todo, ainda não ocorreu. Embora alguns jogadores já possam estar
recuperados do esforço da competição, a equipa na totalidade dos
indivíduos ainda não tem a plena capacidade de realizar um esforço em
condições semelhantes aos do jogo nas suas melhores condições de
funcionalidade e fluidez.
Por isso, este é o último treino da semana que contempla a recuperação
dos jogadores do esforço do último jogo, embora seja designado como
período aquisitivo63 (individualizante) no Morfociclo Padrão.

Na quarta-feira a parabiose do desempenho coletivo está quase no seu final. Por isso, neste
treino, na parte “fundamental” (1/4) da sessão, a aquisição deverá centrar-se em aspetos micro,
dominantemente sobre o indivíduo, promovendo uma parabiose a nível individual ao nível do
grau de tensão da contração muscular. (Frade, 2015).

Importa ter em consideração que apesar de mais recuperados (no que se


refere ao desempenho coletivo implicado na competição),
comparativamente com o dia anterior, a verdade é que a equipa, como
equipa, ainda não se encontra nas condições ideais.
Nesse sentido, e tendo como parâmetro a realidade competitiva a top,
Bangsbo (2002) explica que as reservas de glicogênio muscular –substrato
energético fundamental para jogar em “intensidades elevadas”-,
deplecionadas durante a competição, no terceiro dia pós-competição ainda
não estão totalmente reestabelecidas. Será apenas no quarto dia após o
último jogo que a recuperação completa se verificará.
Contudo, embora na quarta-feira a equipa como um todo ainda não esteja
em condições de realizar um esforço semelhante ao da competição, durante
um quarto desta sessão de treino, já poderá treinar e “adquirir” aspetos
relevantes ao jogar (em menor escala de complexidade), promovendo uma
parabiose a nível individual no que se refere ao grau de tensão da contração
muscular, levando à extensibilidade dinâmica máxima individualizante.
Esta unidade de treino será feita de modo a que não atrapalhem a
recuperação do jogo anterior –não hipotecando a parabiose coletiva– e que,
por sua vez, possibilitem adquirir conteúdos mais complexos no dia
seguinte.
Nesta unidade de treino o treinador leva em consideração um
aspeto considerado fundamental: a possibilidade dos jogadores
ainda não terem recuperado na totalidade, mental e fisicamente, do
jogo anterior. Como consequência direta desta incerteza, pois as
individualidades determinam ritmos diferentes de recuperação, o
treino de quarta-feira é o mais descontínuo do morfociclo, ou seja, é
aquele que compreende intervalos de recuperação mais frequentes,
e portanto mais fracionado.
(Gaiteiro, 2006, p. 165)

De modo a não hipotecar a recuperação dos jogadores e ao mesmo tempo


possibilitar “aquisição” de conteúdos relevantes ao jogar, neste dia as
incidências do treino não podem recair sobre a grande dimensão coletiva do
jogo uma vez que em termos de concentração é muito mais exigente porque
existem mais jogadores, uma maior necessidade de articulação entre eles,
mais espaço e, portanto, aproximam-se muito das exigências do jogo.
Desta forma, se neste dia o treinador incidir nos macro princípios do
jogar, acabará por impedir a recuperação completa dos jogadores, algo
decisivo para o rendimento do jogador e da equipa. Em consequência, os
jogadores ficam mais cansados para o treino do dia seguinte e impossibilita
a aquisição desejada tanto para quinta-feira como para este dia.
Em suma, a equipa e os jogadores não teriam condições de treinar com a
intensidade máxima relativa preconizada para cada sessão, dificultando e/ou
impedindo que a aquisição pretendida ocorresse. Ainda, não permitiria que
a devida recuperação relativa ao desempenho coletivo (parabiose coletiva)
se verificasse, além de impedir a maximização da tensão da contração
muscular individualizante (parabiose individual), algo fundamental nesta
sessão.
De modo a que isso não aconteça, fraciona-se o jogar numa dimensão
mais reduzida, e a “aquisição” (individualizante) será objeto de
preocupação durante um quarto da sessão, sendo os outros três quartos
preenchidos com exercícios complementares “recuperativos”.
Conforme salienta Reis (2016), como a equipa não solicita durante os
jogos, todos os jogadores da mesma maneira (uns desgastam-se mais,
outros menos, outros nem sequer entram em campo), dentre as
preocupações semanais da Periodização Tática não está somente a
recuperação relativa ao jogo anterior, mas igualmente a necessidade de
potencializar o plano individual de forma ajustada, sobre a parte final da
recuperação da parabiose coletiva do último jogo. Dito por outras palavras,
nesta metodologia de treino existe a necessidade de recuperar da fadiga
relativa aos desempenhos, para voltar a “desempenhar” ininterruptamente,
ao mesmo tempo em que se vai cuidando e potenciando a esfera coletiva e
individual.
Desta maneira, a parte fundamental e aquisitiva do treino de quarta-feira
incidirá sobre as partes, onde se pretende fundamentalmente um
crescimento individual de cada jogador, através da promoção de contextos
que incidam dominantemente na escala micro do jogar, propósitos de menor
complexidade, mas “sempre” na sua articulação com o todo, estabelecendo
permanentemente uma ponte para os macro e meso princípios do jogar,
criando, potenciando e incorporando subdinâmicas no jogar.
Portanto, durante este um quarto, o fundamental será garantir, ter a
certeza de provocar consequências aquisitivas (estruturais e funcionais)
individuais, principalmente sobre uma das faces das fibras rápidas e a sua
bioenergética, fundamentalmente através do treino de micro princípios de
forma dominantemente individual, num regime de dominância da tensão
máxima da contração muscular, isto é, levar o indivíduo à extensibilidade
dinâmica máxima individualizante. Em virtude desta configuração, a parte
fundamental desta unidade de treino assume a cor azul, representada pelas
pequenas listras.
Assim, de modo a promover um aumento considerável no nível da tensão
da contração muscular no indivíduo, e garantir a aquisição pretendida, no
que se refere à extensibilidade dinâmica máxima individualizante, devemos
realizar exercícios “não jogados”64, que propiciem o aparecimento do ciclo
alongamento-encurtamento65, fazendo com que a extensibilidade máxima da
perna, seguido de um encurtamento máximo e uma nova extensão máxima
aconteça, por exemplo.
Este padrão de stress mecânico deve estar presente nos exercícios
fundamentais, levando o músculo ao “limite”. O modo como esta lógica
será operacionalizada dependerá da criatividade de cada treinador (podendo
utilizar elementos como salto, agachamento, aceleração/sprint, dividida,
travagem, queda, remate, mudança de direção), porém a forma como o
músculo age e interatua deve assegurar o respeito por esse padrão de
maximização da tensão muscular, para que posteriormente toda a
reestruturação dos tecidos e espaços intercelulares e intracelulares se faça
contemplando a maximização do grau de tensão muscular.
A realização dos exercícios fundamentais deve ser em espaço reduzido,
com um número de jogadores e com tempos de “exercitação” igualmente
reduzidos, possibilitando a operacionalização desta lógica. Isto, nesta
sessão, é o fundamental, e chamaremos este tipo de exercícios de
“exercícios aquisitivos individualizantes” ou “exercícios fundamentais”.
Esta aquisição individualizante produzir-se-á através de algumas (não
muitas) repetições que levem a uma manifestação de extensibilidade
dinâmica máxima. Por isso, mais do que “simplesmente” gerar aumento da
tensão muscular, durante algumas vezes, o fundamental é assegurar que, o
que se faz e quando se faz, leve verdadeiramente ao máximo.
Na quarta-feira, aquilo que é fundamental, são aquelas repetições
onde o aquisitivo individual vai acontecer fazendo algo que para
ser levado a efeito implique num dado momento a extensibilidade
máxima na contração, uma vez que tais constrangimentos físicos,
ao serem traduzidos pelas células em instruções que modulam a sua
atividade, pela ação dos “interruptores Yap/Taz66” descritos pelas
investigações na área da mecanobiologia67 (Piccolo, 2015), terão
papel determinante naquilo que será a forma das células (e as
futuras gerações celulares) e a forma como estas se associam entre
si e com a matriz extra-celular, o que definirá a constituição e
configuração complexa dos órgãos.
(Reis, 2016)

Portanto, o alongamento, a extensibilidade máxima na contração e os


constrangimentos mecânicos nas células –que neste dia são levados a cabo
durante a parte fundamental da sessão de treino– na sua continuidade, além
de regular a sua atividade e função, fomentarão nos jogadores uma
especificidade concreta, através da adaptabilidade, da modelação, da
plasticidade e da correspondência dinâmica, relativa à ideia de jogo e ao
processo de treino.
Nesse sentido, o professor Vítor Frade afirma que conseguindo realizar
uma, duas, três máximas situações com estas, ou com algumas destas
características (respeitando o tempo de recuperação entre uma repetição e
outra) já seria suficiente para provocar evolução e aquisição
estrutural/funcional nas células, isto é, a concretização do “efeito retardado
do desempenho individualizante”.
Efeitos retardados dos desempenhos,
os individualizantes mais apressados
e menos amplos nos desenhos,
da configuração do colectivo
mas, entranhando parabiose
pela articulação do sentido
no respeito p’las doses,
da Especificidade
nas especificidades,
aquisição da eficaz qualidade
do a modelar em todas as idades,
a ideia de jogo
a somatizar...
o emergir do todo
que mais que a soma das partes
tem que estar,
e sem que disso te fartes...
aquando do treinar
e do jogar.
(Vítor Frade)

Portanto a incidência fundamental é no individual, devem-se criar


exercícios em que fundamentalmente o individual seja maximizado (Frade,
2014b), preferencialmente, como já disse, através de situações
dominantemente “não jogadas”, “assegurando” que o esforço dos jogadores
será mais “linear”, portanto mais “controlável” do que quando comparados
a situações “jogadas”, facilitando portanto a aquisição individual
pretendida, no que diz respeito à extensibilidade dinâmica máxima
individualizante.
Outro aspeto que vale a pena reforçar é que embora este dia preconize
exercícios que impliquem significativa velocidade de contração, curta
duração e tensão elevada como padrão de contração muscular, os principais
objetivos de cada exercício e da unidade de treino estão relacionados com a
forma de jogar, a um nível mais micro.
Essas contrações excêntricas aparecem como “um meio para”, um meio
para fazer o jogador, enquanto indivíduo, transcender e evoluir; um meio
para superar dificuldades relativas ao jogar, um meio para enraizar
determinados princípios de jogo. Não sendo de maneira alguma o “dia da
força”.
Mas é por isso que eu me revolto quando dizem o treino de tensão,
não é nada disso. Não é nada o dia da tensão, ele não é o dia da
tensão! Porque isso leva as pessoas a estarem preocupadas com a
tensão, e então fazem uma merda qualquer com tensão e já está.
Não! É o dia dos detalhes, dos «pequenos» princípios, das coisas
pequenas, dos planos mais micro. Sendo do ataque ou sendo da
defesa, mas com a garantia que há uma densidade significativa de
contrações excêntricas, portanto, há um aumento da tensão, mas em
pormenores, pormaiores do jogar! Tenho que estar preocupado,
para dar variabilidade ao treino em inventar e discorrer essas
situações de jogo, que são para o jogar que me interessa. Portanto
tenho duas coisas, tenho que inventar isso e tenho que saber que a
tensão está acrescida. Não é o dia da tensão, senão punha uma
merda qualquer ou faço uns skippings, não é nada disso, é
precisamente o contrário!
(Frade, 2013b, p. 90)

Esquema explicativo do treino de quarta-feira (terceiro dia após a competição),


no morfociclo padrão

(Durante um quarto fundamental) as situações que criamos são de


curta duração com longos períodos de recuperação. O sistema mais
envolvido é o da fosfocreatina mas tudo isto sujeito a uma intenção
(num nível mais micro) de «jogo», logo, estão todos os mecanismos
envolvidos mas de uma determinada forma, ou seja, resultante da
Especificidade que praticamos.
(Gomes, 2013, p. 338)

Como Marisa Gomes referiu, os exercícios fundamentais deste dia são


exercícios com muita intermitência, muitos intervalos, fazendo com que a
recuperação seja absoluta.
Assim, pretende-se que quando os jogadores voltarem a realizar o
exercício estejam o mais recuperados possível, para que o mecanismo
metabólico implicado, bem como o tipo de fibras implicadas voltem a
manifestar-se com a disponibilidade e da mesma forma que estavam
inicialmente. Ainda, importa garantir que o nível de concentração
permaneça elevado durante as repetições.
Conforme esclarece Jorge Maciel, este deverá ser o mais fracionado de
todos os treinos que compõem o morfociclo. Maciel expõe que de maneira a
assegurar a concretização de um jogar de qualidade, devemos reconhecer
que uma das escalas que o sustenta é o algoritmo bioenergético, conforme
coloca o professor Vítor Frade –algo que lhe dá o ritmo– e que este
depende também do devido fracionar da sessão.
Em virtude da configuração que esta unidade de treino pressupõe, a
densidade é baixa para média, com o tempo da sessão girando em torno de
90 minutos. No fundo, tratamos de assegurar que o exercício seja
desenvolvido em intensidade máxima relativa.
Isto é, tratamos que o mecanismo metabólico dominante seja o
anaeróbico alático (e o mesmo tipo de fibras) sempre, todos os dias.
O que não ocorre quando não damos o tempo suficiente de
recuperação. Porque se tu não recuperas o suficiente, não se produz
completamente a re-síntese de ATP e isso implica que quando
começas o exercício será outro mecanismo metabólico, neste caso o
anaeróbio lático, que terá predominância – sabendo que todos
interatuam em conjunto – contudo, nós queremos que a dominância
seja do metabolismo anaeróbio alático.
(Tamarit, 2013a, p. 389)

Maciel (2011c) reforça este pensamento e coloca que –se quisermos


adquirir e evidenciar um jogar de qualidade– os estímulos devem ser
curtos, solicitando predominantemente o metabolismo anaeróbio alático,
podendo entrar, pela duração dos estímulos, nas franjas abrangidas pelo
metabolismo anaeróbio lático, mas sem que haja prolongamento dos
desempenhos à custa desta via metabólica. Importa que a acidose
metabólica não se instale, trata-se, portanto de uma estimulação que
podendo socorrer-se do metabolismo lático, não deixa de ser um lático
residual.
Tal como coloca Reis (2016), se para haver aquisição é necessário que o
indivíduo se canse, importa que entre este tipo de repetições
individualizantes, feitas durante a parte fundamental, o jogador recupere.
Uma recuperação levada a efeito não só pelas pausas, mas também pela
estimulação dessa escala do “novelo bioenergético”, característica deste dia,
de maneira jogada.
Por isso, os outros três quartos da sessão de treino, serão preenchidos
com exercícios que visem a recuperação do desempenho coletivo (fadigado
em virtude do jogo anterior) e das estimulações tensionais máximas
promovidas durante o um quarto aquisitivo, os chamados complementares
A e B.
Por estarmos a contemplar e atuar dentro de uma esfera dominantemente
recuperativa, esta parte da unidade de treino assume a cor verde-claro68.
Efeitos retardados
p’la fadiga atravessados,
a ideia de jogo no parto
p’ra garantir bons resultados,
e do que é inteiro
nunca me farto
ao ter na recuperação,
o melhor parceiro
no transcender da interação.
(Vítor Frade)

Os exercícios complementares B, seguem a lógica do treino anterior.


Trata-se da afinação do organismo através de alongamentos, alguns tipos
específicos e apropriados de abdominais, dorso-lombares, que o professor
Frade chama de “afinar porcas e parafusos”. Lembrando que este tipo de
complemento será realizado em todas as sessões de treino que compõe o
morfociclo.
Já os exercícios complementares A, que igualmente têm como propósito
recuperar os jogadores das estimulações tensionais máximas promovidas
durante a parte fundamental da sessão, serão operacionalizados através de
“situações jogadas”, em configurações que impeçam a manifestação
dominante do que foi estimulado na parte fundamental.
Assim, treinaremos em configurações e com tempos de “exercitação” que
acelerem a recuperação do que foi feito anteriormente, assegurando que,
neste caso, a tensão máxima e a extensibilidade dinâmica máxima
individualizante da contração muscular não seja dominante nem
maximizada significativamente nos exercícios.
Devido ao facto da nossa preocupação nestes exercícios “jogados” estar
centrada na recuperação, levaremos os jogadores a vivenciarem contextos
com propensão ao que queremos treinar em termos de micro e meso
princípios de maneira implícita, isto é, “sem fazer apelo” à esfera
“consciente”, podendo ser feito –sempre garantindo a recuperação– de
forma grupal, setorial e até mesmo intersetorial, em regime “aquisitivo” em
interação assistida69.
Efeitos retardados
temporalizadamente manifestos,
p’la recuperação salvaguardados
nos morfociclos sem protestos
e aí, a morfogénese duma ideia
é a “marcação somática”
da coisa nossa e não da alheia
do modelado na prática.
Efeitos retardados
dos desempenhos
à recuperação associados
independentemente,
sempre...
do tamanho dos desenhos,
como espécie de assinatura
que neurobiologicamente
perdura,
e umbilicalmente...
marcando o corpo e a mente.
(Vítor Frade)

O facto dos exercícios serem jogados, confere-lhes um caráter mais


“aberto”, mais “imprevisível”, onde os jogadores intervém
significativamente menos do que quando comparados a situações “não
jogadas”, o que nos permite (em conjunto com a configuração adequada dos
contextos) assegurar a não-incidência dominante sobre o padrão solicitado
durante a parte fundamental, e portanto recuperar o que nos interessa.
Complementarmente
importantes
e necessariamente
presentes,
por isso relevantes
se não ausentes,
como aquisitivo
em interação assistida,
jogo como recuperação mas vivo
experenciado como se vive a vida
tacitamente assimilado
como se na rua...
com o futebol descomprometido
jogando com um mínimo cuidado,
a máxima inteligência não recua.
Recuperação a que obrigas
p’ra que recuperar consigas,
é na dose...
que o sentido da divina proporção,
separa o natural da pose
p’ro necessário desempenho,
e sem rasgar o desenho
assumir a maximização
no morfociclo padrão,
nos dias que não dos “macro”...
isto sempre terás em consideração
p’ra não entrares p’lo buraco.
(Frade, 2016, p. 879)

Importa também que os exercícios não sejam muito alargados em tempo


e espaço, uma vez que o grande propósito passa por recuperar ao que é
fundamental.
3.4.4.6 Quinta-feira (quarto dia após a competição – segundo dia
aquisitivo): Dia verde.
Na quinta-feira, por já haver passado quatro dias do jogo anterior e por
havermos treinado respeitando a lógica operacional e conceptual nos treinos
anteriores no morfociclo padrão, a equipa, como um todo, está
completamente recuperada e em condições de realizar um esforço
semelhante ao da competição.
Temporalmente este treino ocorre no dia que se encontra mais afastado da
competição anterior e da que se aproxima. Por estes motivos é o treino que
máxima exigência pressupõe. Neste dia treinaremos sobretudo os propósitos
macro e meso do jogar, aspetos de maior complexidade, portanto uma
maior dimensão aquisitiva.
Sabendo que nunca é demais reforçar, o leitor poderá estar a perguntar-se:
“treino de máxima exigência70, se faltam apenas três dias para a próxima
competição? Mas a equipa na totalidade não estará recuperada somente
quatro dias depois?”.
A este respeito, é importante esclarecer que um jogo de máxima
exigência não tem a mesma implicação que um treino de máxima exigência.
Porque, primeiramente não há o mesmo envolvimento em termos
psicológicos, emocionais (a todos os níveis), que tem o jogo, como
inclusivamente, o treino nós podemos “controlar” (parar, dar instruções,
gerir o que fazer, quanto fazer – fracionando-o), daí que o verde da
competição seja diferente do verde deste treino. Então o facto de serem três
dias não trará nenhum problema, desde que o treino seja bem gerido.
Por isso, na quinta-feira desenvolvemos fundamentalmente a grande
fração do jogar, as relações globais da equipa e/ou de alguns setores.
Treinam-se dominantemente os macro princípios e também as escalas
intermédias do jogar, ou seja, os meso princípios, estes consoante a
necessidade de acertos71. Como salienta Frade (2014b), o treino de quinta-
feira promove o ajustamento e a afinação da equipa em termos coletivos
através da promoção e monitorização dos referenciais coletivos a um nível
mais macro. É portanto um “diapasão”.
Ao contemplarmos predominantemente os macro princípios do jogar – os
pilares dos quatro momentos do jogar e a sua articulação, podendo ter em
conta algumas nuances estratégicas (segundo as características do próximo
adversário72), portanto, a dinâmica coletiva, treina-se numa configuração
muito semelhante à da competição, com espaços de
“exercitação”/propensão substancialmente maiores e mais alargados
comparativamente aos outros dias do morfociclo (ainda que não
necessariamente o campo inteiro), com um grande número de jogadores a
interagir (gerando um aumento substancial da complexidade relacional das
equipas).
Nesta unidade de treino treinaremos sob um regime de dominância da
duração da contração muscular (em densidade de intermitências do
“desempenho regular” 73) do padrão algorítmico do jogar, havendo um
alargamento do tempo de “exercitação” (sem deixar de respeitar as pausas,
alarga-se também o fracionamento destes tempos). Mais uma vez: não se
trata de modo algum do “dia da resistência”.
Pelo conjunto de características citadas acima, o professor Vítor Frade
costuma referir que esta unidade de treino deverá ser feita tendo como
dominância o padrão algorítmico do jogar, que no fundo, e usando um jogo
de palavras, se quer dizer algo que lhe dá o ritmo. E porque é importante
salientar isso? Porque fazer um treino com espaços maiores, com mais
interações, mais jogadores, por si só não nos garante nada. Terá de
necessariamente se reportar às necessidades aquisitivas circunstanciais que
o processo e o jogar exigem, tendo sensibilidade para não apenas saber em
que relações e interações macro ou meso incidir, mas ter sensibilidade e
inteligência para saber fracionar corretamente as dinâmicas de desempenho-
recuperação deste dia, de modo a que a dita vivência não conduza a um
acúmulo de fadiga para a própria unidade de treino, para o resto da semana,
e por consequência para o próximo jogo.
Portanto, assim como a quinta-feira não se trata do “dia da resistência”,
ela também não se trata do “dia do coletivo 11vs11”, do “dia dos macro
princípios” (genericamente falando), mas sim do que dá o ritmo para que o
jogar pretendido se manifeste em todas as suas dimensões.
Trata-se da mais contínua de todas as sessões de treino, ainda que dentro
da continuidade deve ser o mais descontínuo possível, onde o correto
fracionamento das dinâmicas de desempenho-recuperação motivará que o
treino se faça com intensidades máximas relativas permanentemente e que a
“exercitação” aconteça alicerçada no suporte bioenergético Especifico que
dá vida ao jogar.
Desta maneira permitiremos que a emergência e manifestação do verde
seja a melhor possível, isto é, daquele que desejamos que seja o nosso
verde.
Nesse sentido, uma coisa é fazer um exercício por trinta minutos
seguidos, e outra coisa é fazer o mesmo exercício em três vezes de dez
minutos, com intervalos criteriosos. Para a qualidade do desempenho, é
fundamental que a vivência dos propósitos aconteça na ausência de fadiga
acumulada, ainda mais na quinta-feira, dia que mais desgaste provoca nos
jogadores.
Tal como o professor Vítor Frade coloca, entre as repetições devemos
aproveitar para “afinar porcas e parafusos”.
O dia dos macro princípios e dos subprincípios é um dia com menos
intermitência, menos intervalos, mas eles continuam existindo,
continua havendo intervalos. Talvez neste dia faço um exercício que
são duas partes de 10 minutos, duas repetições de 10 minutos, e no
meio, podemos ter 4 ou 3 minutos de recuperação, são 4 minutos em
que os jogadores vão beber água, ou fazem alguns abdominais...
(Tamarit, 2013a, p. 400)

Nesta sessão de treino os estímulos em termos metabólicos são


muito semelhantes aos que se verificam em competição, devido aos
mais largos tempos de “exercitação” o organismo recorre em
função das circunstâncias às diferentes vias aeróbias implicadas na
manifestação de um jogar, devendo no entanto não se ignorar o que
foi dito anteriormente acerca da análise qualitativa dos
desempenhos dos jogadores de futebol. Tendo em consideração o
que foi referido anteriormente acerca da importância do repouso
para a aquisição de um jogar e para o proporcionar de condições
favoráveis para essa aquisição, sendo este treino o mais contínuo
dos treinos deverá, contudo, ser o mais descontinuo possível, para
que se observem momentos de estabilização das aprendizagens, de
reflexão e momentos de repouso aproveitados também para afinar
porcas e parafusos.
(Maciel, 2011c, p. 8)

Desta maneira, a densidade desta sessão é elevada (Maciel, 2011c).


Esquema explicativo do treino de quinta-feira (quarto dia após a competição),
no morfociclo padrão.

Em virtude da configuração apresentada, a quinta-feira assume a cor


verde, que resulta do azul (do dia anterior) com o amarelo (dos dias
posteriores) e dos aquisitivos no processo, de forma a evidenciar que este
nível de organização engloba o do dia anterior e o do dia seguinte, uma vez
que se refere à dimensão completa do jogar (Gomes, 2008), onde a
manifestação qualitativa deste verde também está dependente do que se fez
no dia anterior (azul) e no que faremos nos dias a seguir (amarelo e
amarelo-claro).
Como salientado anteriormente, este verde (mais escuro) é um verde
diferente e acontece sobre um verde diferente do da competição (que é
fluorescente), porque um treino não é igual a um jogo, ou seja, no treino nós
temos uma densidade maior e mais controlada do que pretendemos que seja
o nosso jogar (em virtude da modelação, do “controlo”, da criação de
contextos), levando a que ele se manifeste de forma verdadeiramente
efetiva, por isso é mais escuro que o da competição (uma vez que é mais
“concentrado”), que emerge como combinação, por conflito, com o verde
do adversário, daí que em competição, o nosso verde possa não se
manifestar com a vivacidade aspirada.
O tempo da sessão de treino gira em torno de 90 minutos.
É importante perceber que este é o regime que mais desgaste
pressupõe e, portanto, aquele que mais cansaço transporta para os
dias seguintes. Por um lado, pela complexidade decisional das
ações subjacentes ao vivenciar dos grandes princípios. Por outro,
pela duração dessas ações, na medida em que quanto maior é a
duração da contração, nesse registo, mais cansativa ela é, mesmo
que efetuada relativamente aquém da velocidade e/ou tensão
máximas.
(Oliveira et al., 2006, p. 117)

Tendo em conta que a configuração atribuída a esta sessão de treino se


aproxima muito das exigências verificadas em competição, ela provoca um
desgaste substancial nos jogadores e na equipa como um todo, e como
também não sabemos o que o jogo seguinte irá exigir não devemos
transportar este regime para os dois dias que antecedem o próximo jogo.
O que devemos fazer é cumprir a já referida necessidade de alternância
horizontal em especificidade, começando a preparar a recuperação da
equipa para que ela chegue ao jogo nas máximas condições possíveis para
competir.
3.4.4.7 Sexta-feira (dois dias antes da próxima competição – terceiro dia
“aquisitivo74”): Dia “amarelo”
Após os jogadores treinarem sob um regime de grande complexidade e
desgaste no treino anterior, chegamos à sexta-feira, isto é, estamos a
somente dois dias do próximo jogo. Nesse sentido, este treino é crítico pelo
desgaste implicado na vivência do jogar ao longo das sessões de treino
anteriores (especialmente a do dia anterior, que é a mais desgastante) e pela
proximidade relativamente ao jogo que se segue.
Portanto, estamos diante de um aparente paradoxo, porque este é o último
treino dito aquisitivo do morfociclo padrão e ao mesmo tempo, é o primeiro
treino de recuperação em função do jogo que se avizinha.
De modo a resolver este dilema aparente (e seguir potenciando o lado
individual), à semelhança de quarta-feira, durante ¼ da sessão, a aquisição
tem de incidir dominantemente sobre o individual, tendo a certeza de
provocar consequências aquisitivas (estruturais e funcionais) individuais,
mas, desta vez, através da promoção de contextos que privilegiem um
regime de dominância da velocidade máxima da contração muscular.
Por isso, no que diz respeito ao objetivo fundamental desta sessão, isto é,
garantir a aquisição pretendida no que se refere à máxima velocidade da
contração muscular individualizante, treina-se fundamentalmente sob um
regime de elevada velocidade da contração muscular, com tensão
significativa no início da ação –ainda que não depois– com pouca duração.
Ao nível do metabolismo, neste um quarto, o mecanismo anaeróbio alático
será o dominante.
Desta maneira, a parte aquisitiva-individualizante do treino de sexta-feira
incidirá na pequena fração do jogar, com as atenções voltadas para o
desenvolvimento de micro princípios75 do jogar; em ações e interações
dominantemente a nível individual.
Os espaços de “exercitação” devem ser adequados, ou seja, suficientemente
grandes/longos (em média 15 a 20 metros) para permitir e promover a
maximização da velocidade máxima da contração muscular, de
deslocamento.
As estimulações máximas propiciam a expressão de genes que
normalmente temos “adormecidos”, na atualidade em função do
rumo que tomou a evolução da nossa espécie em direção ao
sedentarismo e urbanização, como é exemplo o gene relativo à
proteína chamada “velocifina”, e assim levar à transcendência das
fibras ditas rápidas.
(Reis, 2016)

Para além de garantirmos a maximização da velocidade da contração


muscular, especialmente durante o um quarto aquisitivo, isto é, durante a
parte fundamental, devemos promover contextos em que os jogadores
sejam obrigados a decidir e a agir/intervir rapidamente, ainda que nesta
parte específica da sessão isso seja feito dominantemente “sem jogo” –
através de situações “não jogadas”-. Em virtude da configuração
apresentada, a parte fundamental do treino de sexta-feira assume a cor
amarela, representada pelas pequenas listras.
Depois, na sexta-feira, tendo em conta que se aborda uma escala do
«jogar» mais desgastante na quinta-feira, incidimos numa escala
micro, mais individualizada (no que se refere ao fundamental, isto é,
ao um quarto aquisitivo). Há uma alternância relativamente ao que
foi o dia anterior para que passados dois dias a equipa possa
competir nas melhores condições possíveis. Deste modo, realizamos
situações em que não há muito estorvo. Assim, desenvolvemos
intensidades máximas relativas (à máxima velocidade da contração
muscular) com muitas paragens.
(Gomes, 2013, p. 334)

Portanto, é necessário haver uma descontinuidade considerável, para que


haja recuperação, aquisição e para que os jogadores possam fazer os
exercícios em intensidade máxima relativa. Igualmente, importa assegurar
que a incidência constante na face “amarela” da estruturada rede metabólica
que sustenta o jogar se verifique, bem como que a maximização da
velocidade na contração muscular aconteça.
Ainda que a descontinuidade esteja muito presente nesta unidade, ela
deverá ser menor do que no treino de quarta-feira, porque na quarta os
jogadores estavam a recuperar do último jogo, enquanto que na sexta a
recuperação reporta-se à exigência dos treinos anteriores, ao tipo de
exigência do aquisitivo e ao próximo jogo, evitando desta maneira o
acentuar da fadiga.
Por isso esta unidade de treino é manifestamente descontínua. Os
contextos aquisitivos-individualizantes pressupõem ações muito “intensas”,
“curtas” e “limpas” no que diz respeito à locomoção, à execução motora,
que requerem tempo de descanso significativo, mas pela proximidade do
jogo seguinte, a densidade destas ações é reduzida.
Como não sabemos como será o jogo seguinte há a necessidade de se
salvaguardar, e, portanto o número de repetições, a densidade deste padrão
do esforçar tem de ser menor que na unidade de quarta-feira. O tempo total
fica em torno de 90 minutos. Reitero que embora a parte fundamental desta
sessão de treino preconize exercícios que tenham como base elevada
velocidade de contração como padrão da contração muscular, os principais
objetivos de cada exercício e da unidade de treino não podem deixar de
estar relacionados com a forma de jogar.
Esse padrão de contração aparece como “um meio para”, um meio para
fazer o jogador, enquanto indivíduo, transcender e evoluir; um meio para
superar dificuldades relativas ao jogar, um meio para concretizar e habituar
a determinados princípios de jogo. Não é de maneira alguma o “dia da
velocidade”.
Com vistas à necessidade da alternância horizontal em especificidade
acontecer, e o padrão de contração muscular dominante durante a parte
fundamental da sessão ser o de elevada velocidade da contração, é essencial
que os exercícios fundamentais permitam que as contrações musculares
sejam manifestadas de forma “limpa”, ou seja, devemos eliminar tudo o que
se possa constituir como ruído e estorvo, fazendo com que o jogador –após
percorrer em máxima velocidade uma distância de pelo menos 15 a 20
metros– intervenha num curto espaço de tempo, sem ter a necessidade de
parar, reajustar e reaferir o movimento, “pensando” demais para somente
então executar.
Em suma, durante a parte aquisitiva (individualizante) da sessão de
treino, devemos evitar o aparecimento de manifestações significativas do
ciclo alongamento-encurtamento, mais especificamente situações que
possam conter grande densidade de saltos, quedas, mudanças de direção,
travagens, enfim, o “estorvo” do jogar.
Retirando estas características desta parte da unidade de treino,
promovem-se condições de facilitação para o desenvolvimento da
velocidade das velocidades (de decisão, execução, do mecanismo contrátil)
no indivíduo.
Portanto na sexta-feira a incidência fundamental recai novamente sobre o
indivíduo, devem-se criar exercícios em que fundamentalmente a nível
individual se maximize a velocidade da contração muscular,
preferencialmente, como já disse, através de situações dominantemente
“não jogadas”, “assegurando” que o esforço dos jogadores será mais
“linear”, portanto mais “controlável” do que quando comparados às
situações “jogadas”, facilitando portanto a aquisição individual pretendida,
no que diz respeito à máxima velocidade da contração muscular
individualizante.
Para além de facilitar o aparecimento constante da velocidade de decisão,
execução e do mecanismo contrátil, a remoção de significativas
manifestações do ciclo alongamento-encurtamento, durante a parte
fundamental do treino, também tem a ver com o facto da grande solicitação
de acontecimentos promovida na quarta-feira. Se estes fossem transportados
para o treino de sexta, gerariam efeitos perniciosos, pois haveria pouco
tempo para recuperar, fazendo com que a equipa chegasse para o próximo
jogo com fadiga acumulada.
Se você passar o de quarta para sexta e o de sexta para quarta é
mais “intenso” o treino que solicita contrações excêntricas do que
um que solicita velocidade de contração no deslocamento, daí ainda
a lógica do morfociclo.
(Frade, 2013a, p. 424)

Ainda, durante a parte fundamental da sessão, isto é, o um quarto


aquisitivo individualizante, é importante que a maioria dos exercícios
criados façam apelo dominantemente ao córtex motor, àquilo que fazemos
com espontaneidade, àquilo que é hábito.
O professor Vítor Frade costuma dizer que “devemos chutar para sexta
todas as ações que tenham pouco estorvo”. Conforme salienta Maciel
(2011b), esta alusão ao “chutar” é intencional e sugere que a densidade de
exercícios que envolvam finalizações76 deverá ser, nesta parte fundamental
da sessão (1/4), maior do que no outros dias que compõe o morfociclo.
A neurobiologia considera em termos temporais que uma ação de
jogo fecunda-se em um terço de tempo de realização (onde os
exercícios aquisitivos deverão sobretudo apelar) e dois terços do
tempo total são despendidos a elaborar a resposta, ou seja,
dedicados a perceber e a decidir. Ser mais veloz, implica reduzir
estes tempos parcelares.
(Gaiteiro, 2006, p. 169)

Importante que não façamos confusões com a velocidade que esta


unidade de treino pressupõe com a “velocidade” entendida sob um ponto de
vista convencional. Embora algumas situações apelem a uma grande
velocidade da contração muscular e também do deslocamento, como disse,
o objetivo também passa por aperfeiçoar o tempo e qualidade das escolhas
(que deverão conter pouca ambiguidade), para que o gesto motor contextual
seja ao mesmo tempo eficiente e eficaz, de acordo com os princípios de
jogo da equipa.
Conforme já referi, se para haver aquisição importa que o indivíduo se
canse, importa que entre este tipo de repetições individualizantes, durante a
parte fundamental, o jogador recupere. Uma recuperação levada a efeito
não só pelas pausas, mas também pela estimulação dessa escala do “novelo
bioenergético” característica deste dia através de forma jogada (Reis, 2016).
Por isso, os outros três quartos da sessão de treino serão preenchidos com
exercícios que visem a recuperação das estimulações de velocidade
máximas promovidas durante o um quarto aquisitivo e a recuperação/pré-
disposição do desempenho coletivo para o próximo jogo77. Trata-se dos
exercícios complementares A, e complementares B.
Como já explicado, por estarmos a contemplar e a atuar dentro de uma
esfera dominantemente recuperativa, esta parte da unidade de treino assume
a cor verde claro. Os exercícios complementares A, serão operacionalizados
através de “situações jogadas”, em contextos que impeçam a manifestação
dominante do que foi estimulado na parte fundamental, não sendo muito
alargados em tempo e espaço, uma vez que o grande propósito passa por
recuperar o que é fundamental. Assim, treinaremos em configurações e com
tempos de “exercitação” que acelerem a recuperação do que foi feito
anteriormente, assegurando que, neste caso, a velocidade da contração
muscular não seja dominante nem maximizada significativamente nos
exercícios.
Assim como na parte complementar da quarta-feira, devido ao facto da
nossa preocupação nestes exercícios complementares (“jogados”) estar
centrada na recuperação, levaremos os jogadores a vivenciarem contextos
com propensão ao que queremos treinar em termos de micro e meso
princípios de maneira implícita, isto é, “sem fazer apelo” à esfera
“consciente”, podendo ser feito –sempre garantindo a recuperação– de
forma grupal, setorial e até mesmo intersetorial, em regime “aquisitivo” em
interação assistida.
Importa também referir que durante os vários momentos de pausa que a
sessão de sexta-feira pressupõe, devemos aproveitar para além de dar
intervenções e hidratar, seguir “afinando porcas e parafusos”, isto é,
promover a realização dos exercícios recuperativos complementares B, que
como já referi, tratam-se da afinação do organismo através de
alongamentos, alguns tipos específicos e apropriados de abdominais, dorso-
lombares.
Reforço que esta dinâmica deve ocorrer todos os dias, podendo aparecer
entre um exercício e outro, e algumas vezes dentro do próprio exercício.
Então é um dia com muitas intermitências, com muitas paragens.
Todos os dias, ou quase todos os dias, fazemos abdominais e
alongamentos, dorso-lombares. Nestas recuperações, numa pausa
fazem abdominais, noutra pausa vão tomar água, noutra alongam,
e depois voltamos a fazer abdominais, etc. Costumamos fazer assim,
até porque não nos interessa trabalhar todos os abdominais de
maneira seguida, não é o que buscamos. Então estas paragens são
fabulosas porque as aproveitamos para fazer estas coisas, não?
Porque são muito importantes na Periodização Tática, mesmo que
alguns não acreditem nisso, é absolutamente fundamental.
(Tamarit, 2013a, p. 395)

Esquema explicativo do treino de sexta-feira (dois dias antes da próxima competição), no


morfociclo padrão.

3.4.4.8 Sábado (um dia antes da próxima competição): Recuperação


direcionada para a competição
No sábado, como estamos a apenas um dia da próxima competição temos
de necessariamente contemplar a recuperação da equipa (de modo a que
tenhamos condições de competir no nosso máximo nível no dia seguinte) e
ao mesmo tempo pré-ativar os jogadores para o que será chamado a se
manifestar no domingo. Por isso, neste dia desenvolvemos a recuperação
direcionada para a competição.
Isso será feito através de contextos com baixa complexidade, por
períodos muito curtos, com larga recuperação e com “elevada” velocidade
de antecipação78. Incide-se em escalas do jogar consideradas relevantes,
mas sem dar ênfase ao lado aquisitivo, porque o intuito é evitar grandes
solicitações em termos de concentração e esforços, uma vez que haverá
jogo no dia seguinte.
Portanto, assim como verificamos, na terça-feira a dominância está
claramente no lado da recuperação e não no da aquisição. Em virtude desta
configuração, a cor que representa este dia é o amarelo-claro, resultante do
amarelo do dia anterior com o branco da folga, uma vez que existem
grandes preocupações com a recuperação dos jogadores (das sessões de
treino realizadas ao longo da semana) e o despertar/colocar o organismo em
estado de alerta para a competição que se segue.

Esquema explicativo do treino de sábado (um dia antes da próxima competição),


no morfociclo padrão.

Para Jorge Maciel (citado por. Tamarit, 2013b) os exercícios devem ter
duração reduzida e podem variar no número de jogadores implicados e nas
dimensões dos espaços de “exercitação”, consoante a escala de organização
da equipa (individual, setorial, intersetorial, coletiva) sobre a qual o
treinador deseja incidir em determinado exercício.
Portanto, os exercícios caracterizam-se pela não exigência aquisitiva,
pela necessidade de recuperar e pré-dispor os jogadores para a competição
sem que isso acarrete fadiga. Os contextos de propensão no sábado devem
apresentar situações que tenham um pouco de tudo o que o jogo tem, ainda
que seja numa escala menor e com o mínimo de fadiga implicada, portanto
devem ser realizados por períodos muito curtos, sem grande esforço e
muitas vezes sem oposição.
São exercícios onde se recria o jogo, tendo como pano de fundo o jogar e
a possibilidade de que o dito jogar se manifeste no dia seguinte, sendo que
o objetivo central deste dia, além da recuperação, passa por atuar sobre os
jogadores no sentido de ativar e deixar latentes alguns dos automatismos
relativos à dinâmica da equipa.
José Mourinho refere que neste treino realiza uma introdução (“sem”) à
competição, eliminando tudo o que representa um desgaste prejudicial para
o jogo do dia seguinte, reduzindo a complexidade dos exercícios, os
espaços de “exercitação” e aumentando os tempos de recuperação. Coloca
em evidência –sem pretensão aquisitiva– os princípios do seu jogar que
considera relevante em regime de contexto tático-estratégico, mas sem
grande complexidade e estorvo, tal como o mesmo salienta: “No sábado, se
o produto final estiver acabado, trabalho mais o lado estratégico, mas mais
“teórico”, quase sem competitividade. É um treino em regime de
recuperação, mas de introdução à competição” (Mourinho, citado por.
Gaiteiro, 2006, p. 170).
Deste modo o grande propósito passa por vivenciar estas situações de
modo a apenas revivê-las sem que isso gere desgaste e fadiga, uma vez que
haverá jogo no dia seguinte. Na véspera do jogo o que está treinado está e o
que não está, não será nesta sessão que iremos pretender adquirir qualquer
coisa. Quando muito, vivenciaremos uma situação ou outra de modo breve,
sem fadiga implicada, recuperando e direcionando a equipa para o próximo
confronto.
No sábado, desenvolvemos a “pré-disposição para o jogo”. Do
mesmo modo que há uma recuperação e que a recuperação tem o
objetivo de facilitar a capacidade de somatização do que
pretendemos, na pré-disposição procuramos fazer com que os
jogadores estejam nas máximas condições para jogar. Por isso, não
se pode fazer o que se fará no dia a seguir como alguns treinadores
gostam de fazer –que eu acho que é um mecanismo de defesa para
eles se sentirem mais seguros– “Eu quero que a equipa remate
então eu vou fazer remates para ver se a equipa está a rematar
bem”. Quando apenas está a dificultar a capacidade de realização
para o dia seguinte, a competição!
(Gomes, 2013, p. 335)

Por isso, as bolas paradas (que devem ser treinadas e distribuídas ao


longo dos vários dias do morfociclo) também poderão ser contempladas
neste dia, desde que atenda às particularidades desta unidade. Um treinador
ao negligenciar as características recuperativas que esta unidade de treino
exige, exagerando nas bolas paradas, poderá colocar em risco a capacidade
da equipa e jogadores competirem no máximo nível no dia seguinte.
Há uma tendência muito grande para nos dias que antecedem a
competição, nomeadamente sexta-feira e sábado, se dar grande
ênfase a aspetos de complexidade acrescida e em contextos
excessivamente jogados, com muito estorvo. Isto é para mim um
erro, porque pelo tipo de desempenho que tal exige, não permite
estar fresco no momento de competição. Penso que isto apenas não
é mais evidente, por se constituir como uma tendência geral e como
tal, motivar que a generalidade das equipas compita em igualdade
ao nível da não frescura. Tudo por não devido cumprimento da
alternância sugerida pelo morfociclo padrão.
(Maciel, 2011b, p. 16)

Portanto, neste dia deve-se ter muita sensibilidade naquilo que se faz
durante a sessão de treino, de modo a estar permanentemente a garantir a
recuperação, e a correta pré-ativação, para que a equipa como um todo
possa estar nas suas máximas condições para o jogo do dia seguinte, o que
motiva a que esta sessão de treino seja bastante descontínua, com muitos
intervalos e com densidade muito baixa.
Em suma, esta unidade de treino visa ativar sem cansar, para descansar.
“Procura-se dar uma configuração ao treino que permita criar nos
jogadores a ilusão que treinaram, mas na verdade nada de significativo
fizeram em termos de desgaste” (Maciel, 2011c, p. 8-9).
3.5 Morfociclo com jogos separados por 6 dias (domingo a sábado)
No quadro competitivo
de qualquer fenomenologia
assim assumida...
A do futebol não é excluída,
a concepção dos outros pode
não ter nada a ver contigo,
e ter mais ou menos um dia
entre jogos, se calhar melhor fode...
o que a recuperação devia ser
E assim, é só uma questão de tempo
p’ro processo se foder...
e não se ter sequer refletido
ser no ter “mais-dias”,
o não recuperar a contento
e depois de tudo ter fodido
crescem p’ra cegueira as miopias,
A empiria é fundamental
mas, se a miopia conceptual
for superada...
e com percursos
procurando recursos,
até noutra não habitual estrada.
(Frade, 2016 p. 851)

Assim como vimos, o morfociclo padrão reporta-se a uma lógica de


operacionalização baseada em jogos de domingo a domingo. Entretanto,
não raras vezes durante as competições as equipas poderão jogar duas
partidas num espaço temporal de seis dias, como por exemplo, domingo a
sábado, isto é, há um dia a menos para treinar.
Já sabemos que após um esforço, um jogo de máxima exigência, para que
a equipa, como um todo, consiga realizar outro esforço de máxima
exigência, na sua máxima disponibilidade a todos os níveis, sem atrapalhar
aquilo que é sua fluidez funcional, só o consegue fazer apenas quatro dias
depois. Ou seja, se jogou no domingo, apenas na quinta-feira estará em
condições de fazê-lo novamente.
Já evidenciei também que é na quinta-feira que se desenvolve a grande
fração do jogar, treinando-se dominantemente os macro princípios do
jogar, em configurações que se aproximam muito das da competição
formal. Esta é a unidade de treino, dentre todas as outras, que mais desgaste
e aquisição pressupõe. Cabe lembrar que isto acontece porque esta sessão
de treino está temporalmente mais afastada da competição anterior (quatro
dias) e da que se aproxima, onde ainda existem dois treinos (na sexta-feira e
no sábado) e mais algumas horas no domingo, o que garante tempo
suficiente para recuperar do esforço do treino de quinta-feira, permitindo
que a equipa esteja nas suas máximas condições para competir.
Entretanto, quando existem jogos de domingo a sábado não existem dois
treinos para recuperar do esforço de quinta-feira (grande fração do jogar),
mas apenas um! Por isso, sendo o treino da grande fração do jogar o mais
desgastante, e se o nosso objetivo é ter a equipa em plenas condições de
funcionalidade e fluidez para competir, tendo um dia a menos para treinar e
não sabendo o que o próximo jogo nos reserva, nós temos necessariamente
de nos salvaguardar, então o que se deve fazer nestas circunstâncias é retirar
o treino mais complexo, ou seja, o da grande fração do jogar.

Morfociclo com jogos separados por seis dias (domingo a sábado)

É tudo uma questão de prioridades! Porque aquilo que eu vou


querer é a equipa fresca! E se eu quero a equipa fresca, a tal ideia
de que eu preciso. Se eu treino com exigência máxima, se é
importante treinar porque é importante haver fadiga, mas é
importante haver fadiga para que depois haja recuperação e
reestruturação para um nível superior, eu tenho que atender à
questão da relação desempenho-recuperação. Se eu tenho menos
um dia para treinar eu tenho necessariamente que ponderar ainda
mais o que é que eu vou fazer em cada um dos dias, porque o jogo
seguinte está mais próximo, e ainda que eu reconheça que o treino
de quinta-feira, o dia em que nós treinamos os grandes princípios,
onde nós treinamos a matriz global, seja de facto um treino
importante, ele é também o mais cansativo. E se é o mais cansativo,
nós ao termos um dia a menos para treinar, temos de
necessariamente que o tirar.
(Amieiro & Maciel, 2011)

3.6 Morfociclo com três jogos na semana.


É fundamental perceber-se que quando a densidade competitiva é
grande, o mais relevante é recuperar e entender que em tais
circunstâncias menos é mais. Vocês no Brasil dizem que «muita
água mata a planta», e excesso de treino mata os jogadores e
consequentemente a equipa.
(Maciel, 2011b, p. 16)

Portanto o que nós temos que fazer nos dias em que intermeiam as
competições é recuperar! Porque se eles estão cansados nós temos é
que os recuperar!
(Gomes, 2013, p. 346)

Eu costumo dizer, embora possa parecer um paradoxo, que a este


nível de top, é mais importante a recuperação do que o treino.
Costuma-se dizer que é tão importante o treino como a
recuperação, mas é muito mais importante a recuperação do que o
treino, porque no jogar a top, tem que se jogar com um certo
dinamismo e com uma certa capacidade de concentração e em
várias frentes, costumo dizer que é preciso estar fresco e eu só estou
fresco se estou recuperado.
(Frade, 2010, p. 114)

Passarei agora a abordar uma realidade (que mais parece um dilema) em


que todas as equipas de top estão sujeitas e necessitam de geri-la da melhor
maneira possível: ter de competir nas máximas condições possíveis,
sempre, jogando três jogos por semana.
No Brasil, por exemplo, durante as competições nacionais (primeira,
segunda, terceira, quarta divisão) e estaduais as equipas passam boa parte
do ano competindo três vezes por semana, com o agravante de terem que
realizar grandes deslocações para jogar, despendendo muito tempo em
viagens, hotéis e aeroportos. Os jogos podem ocorrer em dias como:
domingo-quarta-domingo; domingo-quarta-sábado; sábado-terça-domingo;
domingo-quinta-domingo.
O que fazer nestas circunstâncias? Como e o que treinar, sabendo que
muito possivelmente o próximo jogo ocorrerá sem que a devida
recuperação da equipa, como um todo, tenha ocorrido? Penso só haver uma
resposta: o que se deve fazer é recuperar.
Maciel (2011b) expõe que é absolutamente imprescindível compreender
que quando a densidade competitiva é grande, o mais importante é
recuperar e entender que nestas circunstâncias quanto menos treinar em
termos aquisitivos (e aqui considerando o aquisitivo coletivo), melhor. Para
este treinador, treinar em excesso, ainda mais durante uma elevada
quantidade de jogos poderá “matar” a equipa e os jogadores.
Deste modo, o que se deve fazer é recuperar e preparar os jogadores para
as competições que se avizinham, para que estejam nas melhores condições
possíveis para competirem, sem fadiga acentuada; o que possivelmente
ocorrerá, caso não se respeite o processo de recuperação (já aqui
apresentado) e se incida no aspeto aquisitivo dominantemente.
Jorge Maciel explica que os momentos de competição são altamente
desgastantes, não só pelas implicações bioenergéticas diversas que
produzem, mas também por serem altamente aquisitivos:
Quando o tempo entre jogos encurta, não há que ter receio de “não
treinar”. Uma condição necessária para adquirir passa por criar
condições para adquirir, e isto torna-se possível se os jogadores
estiverem frescos. Deste modo, a grande preocupação passa por
acelerar a recuperação estimulando-os sem induzir fadiga, de modo
que com a maior brevidade possível eles estejam disponíveis. Se
acelero a recuperação para depois os voltar a fatigar em treino, o
que eu quero que aconteça, nos momentos em que quero que
aconteça, nos momentos de competição, não vai aparecer. A equipa
vai querer e não poder, será uma equipa zombie, com boas
intenções mas sem disponibilidade mental e motora para
concretizar a gestualidade que o jogar implica, ou pelo menos nos
timings que o jogo requisita.
(Maciel, 2011b, p. 16)

Daqui podemos compreender a extrema importância que o período dito


preparatório ou “pré-época”, assume para as equipas, principalmente as de
topo, no sentido da necessidade de –desde o primeiro dia– rentabilizar ao
máximo o tempo para tentar desenvolver e aprimorar a dinâmica do jogar o
mais rápido possível, e não menos importante: habituar a uma dinâmica de
esforço e recuperação que permita contemplar a realidade competitiva que
será vivenciada ao longo da época. Simplesmente não há tempo a perder.
A respeito da gestão da recuperação em períodos de grande densidade
competitiva, Maciel (2011b) aborda uma das suas experiências quando
estava a treinar na Líbia:
A nossa experiência na Líbia foi muito rica também por esta
problemática da recuperação. Para nós era um imperativo porque
quando chegamos, a equipa estava com bastantes jogos em atraso
relativamente às restantes, porque tinha estado a disputar até às
meias-finais eliminatórias da CAF Cup. O que motivou que a
densidade de jogos da nossa equipa fosse bastante grande, tendo
geralmente entre quatro a cinco dias entre jogos. Face a este cenário,
a nossa grande preocupação era decidir o que fazer para dar a
entender que treinávamos, mas que na verdade pouco fazíamos.
A prioridade passava por manter os jogadores motivados e
satisfeitos por virem ao treino, por acelerar a recuperação dando-
lhes estímulos que tinham a ver com o que queríamos, em termos de
pormenor, sem que lhes estivéssemos a induzir acréscimos de
fadiga. A verdade é que a nossa equipa, apesar de ser a que maior
densidade competitiva apresentava era também a mais fresca e isso
valeu-nos bastante. Penso que foi determinante esse tipo de
preocupação e as evidências eram claras. Por exemplo marcávamos
muitos golos a partir dos 70 minutos. As equipas adversárias
conseguiam aguentar uma intensidade boa durante algum tempo, e
aqui refiro-me, ao facto de serem capazes de concretizar o que
pretendiam, mas depois notava-se falta de frescura para manter tal
intensidade e acabavam por deixar de colocar os problemas que nos
colocavam enquanto frescas. Nós pelo contrário, conseguíamos
manter uma intensidade de jogo muito estável durante a totalidade
do jogo e como tal quando os outros baixavam por falta de frescura
nós superiorizávamo-nos, o que era evidente por conseguirmos mais
golos nos períodos finais e no facto de conseguirmos jogar
dominantemente no meio campo contrário. Foi uma experiência
muito rica também por isso. Claro, que aqui também se deve
considerar outros aspetos, como a conceção de jogo e a rotatividade,
mas fundamentalmente o aspeto mais decisivo decorria da forma de
treinar, “não treinando”.
Assim sendo, torna-se absolutamente imprescindível haver recuperação,
seja com folga ou com treino (de recuperação e recuperação direcionada à
competição) durante os dias que intermeiam as competições, onde devemos
seguir a lógica do morfociclo padrão, apenas adaptando-a as circunstâncias
temporais de cada situação e contexto.
Marisa Gomes (2013) clarifica que existem diferenças muito substanciais
no processo e no treino de recuperação, quando a equipa joga apenas duas
vezes por semana (domingo a domingo, por exemplo) do que quando joga
três vezes.
A treinadora portuguesa explica que se tratam de recuperações diferentes,
não apenas pelo lado fisiológico, mas também pelo lado da projeção
cerebral e da somatização dos jogadores, que se afiguram completamente
diferentes de quando se sabe que o próximo jogo será em três dias (quarta-
feira, por exemplo) do que quando será em apenas uma semana (no outro
domingo, por exemplo).
Este lado tem preocupações diferentes porque vamos encontrar
padrões de exigência completamente distintos num espaço de tempo
muito curto. Então, é frequente que as equipas percam os jogos no
fim-de-semana antes dos jogos da Liga dos Campeões. Os
treinadores queixam-se dizendo: “Já estão a pensar no jogo
seguinte!”. E isto resulta de quê? Do facto dos jogadores estarem a
processar as vivências da competição de Domingo e já estão a ser
referenciados alguns aspetos para o jogo da Liga dos Campeões. A
projeção não é para agora, é para daqui a quatro dias! O que é que
isso faz? Leva a que não haja uma espontaneidade nas interações
dos jogadores para sobredeterminar as circunstâncias do jogo.
Sabemos hoje que a área de estimulação ou de funcionalidade
cerebral para projetar uma coisa que vamos fazer logo ou amanhã
e para daqui a um mês são completamente diferentes.
Quando estamos a pensar numa coisa que vamos fazer sentimos
essa diferença. Imagine: uma viagem que vamos fazer daqui a um
mês.
O dia de hoje é “digerido” de maneira diferente do dia de amanhã.
E daí haver este lado da projeção, do enquadramento que tem que
ser gerido com muito cuidado. Por exemplo, não faria sentido –
tendo em conta aquilo que foi o jogo de domingo e que seria na
quarta-feira– um padrão de exigência diferente porque isso vai
fazer com que os jogadores tenham que “digerir” coisas que não
são habituais. É por isso que a «repetição sistemática» na
Periodização Tática é a presentificação semanal do morfociclo, isto
é, como a invariância matricial fundamental, ou seja, essencial.
(Gomes, 2013, p. 348)

Desta maneira e tendo em conta esta realidade, a preocupação no


“recuperar” num morfociclo de três jogos, terá, necessariamente de ser
“diferente” do morfociclo padrão. A lógica é a mesma, mas as
circunstâncias mudam, e, portanto, requerem outro tipo de planeamento e
intervenção, sem, contudo alhear-se do padrão que é recuperar.
A nossa preocupação de domingo é uma preocupação temporal
completamente diferente pois sei que tenho jogo quarta-feira. Nesta
situação tenho segunda-feira e terça-feira antes do próximo jogo.
Mesmo em termos de projeção daquilo que poderá ser o jogo na
quarta-feira não é a mesma coisa porque os jogadores ainda estão
ocupados, digamos assim, com aquilo que aconteceu no domingo,
porque o processo de somatização prolonga-se por vários dias.
Deste modo, a recuperação é dominante no que faço na segunda-
feira, é mais tendo em conta o desgaste de domingo já com nuances
do que vou fazer na quarta-feira. O que é diferente porque a minha
gestão espaço-temporal é diferente.
(Gomes, 2013, p. 347)

Isto porque, são “efeitos retardados do(s) desempenho(s)” diferentes.


Portanto, para a Periodização Tática, existe uma lógica que importa
perceber e respeitar nos momentos em que a densidade competitiva é
grande, onde a recuperação é uma necessidade.
Dentro desta realidade, a maneira como a equipa irá recuperar é o que
poderá variar, em termos de operacionalização –ainda que obedecendo a
mesma lógica-, ou seja, não há receitas, tudo dependerá do momento que a
equipa vive, da sensibilidade do treinador para perceber quando se deve dar
folga ou não; se deve marcar treino pela manhã ou pela tarde; se deve dar
dois dias de folga ou se não deve dar nenhum.
Em suma, a recuperação não é feita por receita, mas sim pelas
circunstâncias e o contexto que a equipa vive. Em termos ideais, a lógica
seria a de descansar no dia seguinte à competição, tendo os outros dias
preenchidos com recuperação ou recuperação direcionada à competição.
Entretanto, mesmo sendo o “ideal”, numa determinada altura e contexto
poderá não o ser, e o treinador deverá identificar isso.
Neste “morfociclo” com três jogos na semana, a recuperação é
diferente porque temos segunda e terça-feira para recuperar e a
quarta-feira é dominada/controlada por mim (no morfociclo
padrão)! E, portanto, nestes dois dias entre os jogos tem que ser
mesmo recuperação porque eles têm que estar capazes de competir
dois dias a seguir. É muito pouco tempo! Daí termos falado
anteriormente da sensibilidade do treinador para gerir isso. Para
além disso, é fundamental recuperar com sentido para decidir se os
jogadores vão ficar em casa, ou vão treinar, ou fazem meínhos ou
fazem futevólei, se treinam uma vez ou duas...é que tem que ser
mesmo muita sensibilidade do treinador!
(Gomes, 2013, p. 347)

Muita sensibilidade! Como dizer, por exemplo, no final de um jogo,


dizer: “Olha, tu, tu e tu, amanhã não vão treinar”. Há jogadores
que ficam desgastados e “só” precisam de não ir treinar! No
entanto, isto pode ter um efeito precisamente contrário pois um
jogador está em conflito com alguma coisa e não vai ao treino.
Pode entender como prêmio quando pretendemos que seja o
inverso. Agora, se ele quer ir treinar e nós não deixamos, isso tem
que ver com os efeitos que pretendemos para ele e para a equipa.
(Gomes, 2013, p. 332)

Um aspeto que talvez seja pertinente referir em relação à questão


colocada passa pelo conceder ou não folga no dia após o jogo.
Deve ser um aspeto ponderado e que depende também das
circunstâncias em que nos encontramos. Por norma, não
concederia folgas no dia após o jogo com o intuito de que o que vou
fazer em treino permita que eles estejam recuperados o mais
rapidamente possível. No entanto, há alturas em que devo ponderar
a possibilidade de haver folga. E sempre que possível devo-o fazer.
Se até a equipa técnica sente fadiga nestas alturas, imagine-se os
jogadores. O estado de saturação dos jogadores e equipa técnica
poder ser altamente pernicioso e corrosivo, leva ao mau treinar, ao
mau concretizar (jogadores e treinadores) e por conseguinte ao mau
estar. Quando a equipa entra num período de elevada densidade
competitiva, com várias semanas consecutivas a realizar mais que
um jogo, quando o padrão passa a ser esse e a rotina: treino,
viagem, estágio, jogo, viagem, treino, devemos ter o bom senso de
se possível conceder folga. Muitas vezes as pessoas dizem «os
jogadores ganham muito dinheiro, por isso têm é que trabalhar e
não ter folgas». Mas as pessoas que dizem isso não sabem o quanto
é saturante para um jogador fazer a rotina que referi, com a
agravante da pressão, das deslocações, esperas e estadias em hotéis
e aeroportos ser altamente saturante. Nestes contextos é muito
“saudável” para eles e mesmo para nós, equipa técnica, desligar de
tal realidade.
(Maciel, 2011b, p. 17)

Num morfociclo de Sábado a Sábado, aquilo que era a nossa


experiência e ainda no Futebol Clube do Porto acontecia com
regularidade, dávamos descanso no dia a seguir ao jogo e, por
vezes, dávamos dois dias. Portanto, por vezes, sentíamos que a
melhor forma de recuperar, sob o ponto de vista mental e isto já não
tem a ver com questões teóricas, tem a ver com aquilo que é a tua
sensibilidade para perceberes o que é a equipa e para perceberes o
que é a necessidade da equipa e a necessidade dos jogadores. Por
vezes atribuíamos dois dias porque sentíamos que os dois dias
permitiam aos jogadores recuperar mais facilmente sob o ponto de
vista mental e se recuperassem mais facilmente sob o ponto de vista
mental, recuperariam mais facilmente sob o ponto de vista
fisiológico. O estado de espírito é uma coisa importante porque o tu
sentires-te bem, teu estado emocional permite uma maior
recuperação global.
(Faria, 2007, p. XXV)

Tendo em conta o quão desgastante pode ser para um jogador disputar


muitos jogos em sequência, o jogador inglês Frank Lampard conta que
perante a grande densidade de jogos que vinha enfrentando, o treinador do
Chelsea (José Mourinho, na sua primeira passagem pelo clube) algumas
vezes lhe perguntava, se queria jogar no domingo ou preferia descansar.
Por exemplo, quando um treinador vê um determinado jogador
cansado. Uns dizem: “Ah, está cansado? Então, tens de treinar
cansado para jogar assim porque depois quando estiveres fresco
vais jogar ainda melhor!”. Outros são sensíveis e dizem: “estás
cansado. Vais descansar.”. São manifestações de pensamento
diferentes e opostas. Assim se apura a sensibilidade dos treinadores.
Portanto, a Periodização Tática necessita desta sensibilidade e
desta modelação. Daí dizer que esta conceção metodológica é
sobretudo uma prática. E não é só para quem o joga mas sobretudo
para quem o modela.
(Gomes, 2013, p. 316-317)

Como vimos, a Periodização Tática exige grande e apurada sensibilidade


do treinador (que por sua vez será maior na medida em que este melhor
compreender a Periodização Tática), não só para identificar quando alguns
jogadores e a equipa devem ou não treinar, mas também no momento de
definir como será feito o processo de recuperação, já que este está
claramente dependente do que as circunstâncias e o contexto exigem,
logicamente que suportado pela lógica do morfociclo padrão.
Quando Tamarit (2013a) foi questionado se, numa semana em que a sua
equipa jogasse num domingo-quarta-domingo, introduziria a dimensão
estratégica com alguma relevância no treino de segunda-feira (após haver
jogado no domingo e o próximo jogo ser na quarta), o treinador espanhol
ressaltou a importância do ajustamento às circunstâncias:
Depende das circunstâncias. Depende do como foi o jogo e de como
tu vês a tua equipa, tuas sensações e muitas coisas. No fim das
contas, isso é a sensibilidade do treinador.
(Tamarit, 2013a, p. 397)

Portanto, como podemos verificar, não existem regras fixas, mas sim uma
lógica que se adapta às circunstâncias, já que a modelação é algo que requer
a “divina proporção”.
Cada circunstância, como já referi, exige um determinado tipo de
intervenção, planeamento e bom senso, tal como Xavier exemplifica
quando refere que não é a mesma coisa jogar no domingo de manhã, do que
domingo à tarde ou à noite; se foi um jogo fácil ou se foi um jogo difícil; se
a equipa teve de viajar ou não; se o jogo foi num terreno perfeito, ou se
choveu e o campo não estava em boas condições.
“Ou seja, devemos sempre ter tudo em conta. Aí está outra vez o padrão
da complexidade” (Tamarit, 2013a).
“Se eu fosse treinadora de top não faria o treino de recuperação à mesma
hora e poderia decidir após o jogo, em função da emergência do que
pretendo. Depende da hora do jogo, daquilo que acontece” (Gomes, 2013,
p. 327).
Pelos depoimentos apresentados nesta seção, podemos comprovar que, de
facto, o modelo é tudo, mas não é um “tudo” qualquer. Quando nos
deparamos com uma semana de três jogos, os treinos que intermeiam as
competições devem conter dominantemente o que se preconiza nos treinos
de recuperação e recuperação direcionada para a competição, no morfociclo
padrão, onde a esfera aquisitiva não deverá ser a dominante.
Deve-se primar pela recuperação para que o grupo de jogadores e a
equipa como um todo possa competir permanentemente nas suas máximas
condições de desempenho, manifestando o seu jogar com regularidade e
qualidade.
A gestão da aquisição em meio a treinos de recuperação deverá ser feita
com extrema sensatez e muita sensibilidade, de modo a não hipotecar a
recuperação e as condições de funcionalidade e fluidez da equipa para a
próxima competição.
Deverá ser uma gestão muito cuidadosa, e poderá ser feita, na minha
opinião, dominantemente através de conversas, vídeos, que possam corrigir
erros inerentes ao jogo anterior, que valorizem os acertos, que projetem
informações relevantes ao próximo adversário (dimensão “estratégica”).
Os exercícios de campo para adquirir ocasionalmente poderão ocorrer,
mas deverão ser feitos em contextos de baixa complexidade, sem colocar
em cheque a recuperação dos jogadores e da equipa na sua totalidade e,
claro, sem ser dominante.
Pelos motivos que apresentei neste capítulo, fica claro que a gestão destes
dias deve ser feita com parcimónia, sensibilidade ao contexto e tendo como
dominância a recuperação como preocupação principal. Para fins didáticos,
coloco aqui dois exemplos de possíveis morfociclos para uma semana que
contenha três jogos:

Exemplo de como poderia ficar um morfociclo com jogos domingo-quarta-domingo.


Exemplo de como poderia ficar um morfociclo com jogos domingo-quarta-sábado.

3.7 A gestão do desempenho-recuperação dos jogadores que não


foram utilizados e/ou relacionados
Para finalizar a abordagem do morfociclo, um aspeto a reter é a condição
dos jogadores que no último jogo pouco atuaram, ou não atuaram, ou ainda,
que frequentemente não jogam.
Trata-se de uma gestão complexa e que deve ser feita com coerência e
sensibilidade, uma vez que se a relação desempenho-recuperação para os
jogadores que jogam com menor frequência no plantel não for contemplada,
os mesmos tenderão a ter decréscimos significativos na sua performance.
Por isso, devemos ter em mente algumas “estratégias” para que estes
jogadores não manifestem involução nos seus desempenhos e na sua
motivação. Maciel (2012b) refere algumas possibilidades para atenuar esta
problemática:
Entendo, por exemplo, que o recurso a jogos combinados para o dia
de folga (para a generalidade do plantel), implicando os jogadores
não convocados e ou não utilizados, se devidamente enquadrado
(nível de exigência considerável, enquadramento na lógica de
alternância semanal, formalidade nos procedimentos – pormenores
como a existência de árbitros e detalhes do género), se constitui
como um grande ganho. Na Líbia encontramos um plantel já
formado, pois começamos a treinar com a época já decorrer, e estes
jogos foram muito importantes.
Ainda que tivéssemos um plantel de qualidade, chegamos a ter mais
de 30 jogadores em treino, e por motivos diversos (fadiga, castigos,
selecções, lesões, casos disciplinares...) nos 10 jogos que
realizamos nunca repetimos um onze titular. Vencemos 8 jogos e
empatamos 2! Por norma a jogar como desejávamos. Claro que
para levar a efeito esta estratégia, por vezes os jogadores
(normalmente os convocados não utilizados) terão de abdicar da
folga, mas se lhes for colocada essa hipótese à priori e eles se
sentirem na continuidade que se trata de um estímulo relevante,
certamente não se importarão, serão inclusivamente eles próprios a
solicitar que tais jogos se realizem, por sentirem se constituir como
um estímulo aquisitivo relevante e por sentirem que o treinador
entende aquele momento como importante.
(Maciel, 2012b, p. 4)

Existem alguns campeonatos, como o argentino em que paralelo à


competição principal existe o campeonato de reservas. Quem não é
aproveitado pela equipa principal para o jogo do campeonato, tem a
oportunidade de jogar e ter esforços similares aos do grupo principal e no
mesmo dia, ainda que jogando pela equipa B.
Entretanto, não são todos os campeonatos que têm esta ferramenta, sendo
o Brasileirão um exemplo. Portanto devemos sempre estar na busca de
soluções, sendo uma possibilidade, conforme já propus durante a
abordagem da recuperação ativa no morfociclo padrão, dividir os jogadores
em dois grupos durante o treino de recuperação, um grupo dos que jogaram
e outro dos que não jogaram, ou pouco jogaram.
Idealmente falando, seria interessante que o treinador principal desse o
treino para o grupo dos que não atuaram, uma vez que constitui fator de
motivação e valorização destes jogadores. Deste modo, o treino dos “não
convocados” possibilitaria aos jogadores ter um nível de desgaste
significativo, o que, por conseguinte lhes permitiria atenuar um pouco os
efeitos de não haverem competido no jogo anterior.
Agora imaginem que no mesmo dia do jogo, o treino para não
convocados aconteceu, e três dos sete suplentes que estavam no banco,
jogaram um tempo relativamente considerável, de modo a que não
necessitassem de treinar de maneira aquisitiva, mas de recuperar. E o que
fazer com os quatro jogadores que ficaram no banco apenas assistindo ao
jogo? Submetê-los a uma estimulação logo após o jogo? Treiná-los em
separado no treino em que a totalidade do grupo recupera? Trata-se de uma
situação que deve ser considerada e gerida com sensibilidade e inteligência.
Para Tamarit (2013a), quando a densidade competitiva se acentua, onde
se compete num espaço de tempo muito curto, devem-se ter ainda mais
cuidados nesta gestão. Este treinador refere um exemplo da sua realidade,
onde naquela altura (Valência C.F. feminino), não tinha condições de treinar
as jogadoras que não eram convocadas.
O que acontecia nestas condições, é que durante os treinos de
recuperação o treinador tinha que pensar muito bem no que fazer com estas
jogadoras que não tiveram o estímulo da competição formal. Uma possível
estratégia no morfociclo padrão para estas jogadoras era a de treiná-las num
grupo separado das jogadoras que estavam a recuperar (tal como já
evidenciei), promovendo estímulos que se aproximassem ao máximo
possível dos da competição, a todos os níveis. Esta “estratégia”, como disse,
para Tamarit era frequente quando se competia de sete em sete dias, mas e
quando há uma nova competição em apenas dois ou três dias? O que fazer?
Claro que para as jogadoras que não jogaram no domingo não
poderia ser como seria numa terça-feira “normal”, porque é
possível que você necessite delas em dois dias, e por isso não pode
ser igual: complexidade dos exercícios muito baixa, a parte
estratégica vista de uma maneira mais teórica, tentar recuperá-las e
talvez até podes treinar algo tático, mas com pouca complexidade.
Como dissemos, procurar ativar esse padrão bioenergético da
nossa forma de jogar. Para mim estes dias são assim.
(Tamarit, 2013a, p. 398)

Quando questionado se admitiria treinar todos os dias durante uma


semana em que houvesse três jogos, Tamarit referiu as circunstâncias que o
seu contexto naquela época impunha: dá-se folga é para todas as jogadoras,
por não haver possibilidade de treinar um grupo reduzido (no caso, o das
jogadoras que não jogaram, ou pouco jogaram na última partida). Facto este
que o leva a equacionar esta gestão com muita sensibilidade e senso de
divina proporção.
Por exemplo: existem equipas que jogam sistematicamente
domingo, quarta-feira e domingo, e é lógico que tais equipas devem
ter folgas, é fundamental. Agora, nós uma semana que, talvez, só
essa semana possamos ter estes três jogos, lá está, depende das
circunstâncias, mas poderia ser importante treinar todos os dias.
Sobretudo porque, olha só, agora mesmo na realidade em que estou
trabalhando, se eu dou folga é folga para todas as jogadoras.
Pense comigo: jogadoras que não jogaram no domingo e que na
segunda-feira têm dia de descanso. Ainda por cima, no sábado não
treinaram, terça-feira fazem recuperação com ativação, quarta-
feira não jogam, ou jogam 15 minutos, quinta feira recuperação
com ativação, sábado descansam porque nós não temos campo,
domingo não jogam... segunda-feira voltamos a descansar. Para as
jogadoras que não jogaram é uma semana praticamente perdida.
(Tamarit, 2013a, p. 399)

Em virtude das diferentes realidades, desafios e distintas possibilidades


para solucionar os problemas apresentados neste capítulo, percebemos uma
vez mais, que o treinador e sua equipa técnica deverão ser inteligentes e
terão de ter muita sensibilidade, de modo a que possam tomar as melhores
decisões para a equipa.
Esta gestão micromacro num processo de treino implica a
operacionalização adequada dos princípios metodológicos, a
articulação de sentido entre estes e a matriz conceptual do jogar e a
coerência necessária relativamente a esta. Mas, não menos
importante implica muito sentido da divina proporção, que
conforme refere o professor Vítor Frade, uns têm e outros não, daí
que a gestão de um plantel possa ser um problema, mas também
uma solução. Não esqueçamos que “a morte do organismo implica
a do órgão, mas o mais vulgar é a morte do órgão implicar a morte
do organismo – (Laborit, 1971)”.
(Maciel, 2012b, p. 5)

3.8 A Periodização Tática justificada pelas neurociências.


3.8.1 O derrubar do mito de que para se tomar boas decisões e realizar bons
julgamentos, necessitamos fazer um apelo única e exclusivamente à razão,
evitando as emoções.
Fui advertido, desde muito cedo, de que decisões sensatas provêm
de uma cabeça fria e de que emoções e razão se misturam tanto
quanto a água e o azeite. Cresci habituado a aceitar que os
mecanismos da razão existiam numa região separada da mente
onde as emoções não estavam autorizadas a penetrar e, quando
pensava no cérebro subjacente a essa mente, assumia a existência
de sistemas neurológicos diferentes para a razão e para a emoção.
Essa era então uma perspectiva largamente difundida acerca da
relação entre razão e emoção, tanto em termos mentais como em
termos neurológicos.
(Damásio, 1996, p. 11)

Nós já ouvimos inúmeras vezes de diferentes pessoas que para se tomar


decisões ajustadas devemos ter “cabeça fria” e apelarmos à razão, evitando
o uso das emoções.
Contudo, segundo os contributos da neurociência esta crença não tem
fundamentação científica. Segundo Damásio (1996), a qualidade das
tomadas de decisões não depende exclusivamente dos processos ditos
“racionais”, afastando a razão da emoção tal como comumente se
imaginava, pelo contrário, a ausência de emoção pode destruir a
racionalidade79.

3.8.1.1 As emoções (e os sentimentos) como protagonistas na


indução da razão, das melhores decisões e da aprendizagem de um
jogar
Uma boa aprendizagem não evita as emoções, abraça-as.
(Jensen, 2002 citado por. Fernandes, 2003)

A emoção é qualquer coisa que está antes, digamos assim, que às


vezes é até descabida e descontrolada. E a sentimentalidade é,
digamos, a roupagem que eu consigo –o casaco que eu consigo pôr
na emoção– que são os princípios de jogo, os critérios, depois de
vivenciados como posturas (verso imposturas), identitários,
mecanismos não-mecánicos como hábitos adquiridos na ação
(treinabilidade), espontâneos, fluídos, robustos, como ordem
subjacente à..., isto é, uma organização intencionalizada, ou seja, a
dimensão tática!
(Frade, 2013a, p. 438)

As emoções não são um luxo, muito pelo contrário. O nosso corpo utiliza
frequentemente reações corporais provenientes do nosso estado emotivo
para nos auxiliar a tomar determinadas decisões que nos sejam favoráveis
num dado instante. Gaiteiro (2006) ressalta que as emoções não só nos
ajudam a tomar decisões, como também nos colocam em movimento,
referindo que etimologicamente a palavra “emoção” provém do verbo
emovere que significa “movimento para fora”.
Podemos começar a definir a emoção como sendo:
Programas de ações complexos e em grande medida automatizados,
engendrados pela evolução. As ações são complementadas por um
programa cognitivo que inclui certas ideias e modos de cognição,
mas o mundo das emoções é sobretudo feito de ações executadas no
nosso corpo, desde expressões faciais e posturas até mudanças nas
vísceras e meio interno.
Damásio (2011, p. 142)

Nesse sentido, podemos dizer que a função biológica das emoções é


dupla. Uma é a produção de uma reação específica à situação indutora, que
pode ser, para um animal, correr ou lutar ferozmente contra o inimigo ou
iniciar um comportamento prazeroso. A outra função biológica das
emoções é a regulação do estado interno do organismo para que possa estar
preparado para uma reação, o que neste caso pode ser aumentar o fluxo
sanguíneo dos membros inferiores para condicionar um maior aporte de
glicose e oxigênio no caso de uma fuga do feroz inimigo (Zambiasi, 2012).
Em suma, para certos tipos de estímulo claramente perigosos ou valiosos,
seja no meio interno ou externo, a evolução reservou uma reação
condizente na forma de emoção.
António Damásio adiciona (1996) que as emoções são um conjunto de
alterações no estado do corpo associadas a certas imagens mentais80 que
ativaram um sistema cerebral específico. Deste modo, percebemos a
influência que as emoções exercem sobre as tomadas de decisão do
organismo.
Sabemos que praticamente todas as partes do corpo –cada músculo,
articulação ou órgão interno– podem enviar sinais para o cérebro através
dos nervos periféricos.
A libertação de substâncias químicas provenientes da atividade corporal,
que alcançam o sistema nervoso por meio da corrente sanguínea
determinando o seu funcionamento é um exemplo disso. Outro exemplo
reside no facto de também o sistema nervoso central ter o poder de
condicionar o funcionamento do corpo-propriamente-dito por meio de
libertação e envios de substâncias, impulsos e sinais elétricos.
Para além da viagem neural do seu estado emocional até ao cérebro, o
organismo também faz uma viagem química paralela. As hormonas e os
peptídeos libertados no corpo durante a emoção alcançam o cérebro por via
sanguínea e penetram nele ativamente. Não só pode o cérebro construir,
nalguns dos seus sistemas, uma imagem neural múltipla da paisagem do
corpo, como a construção dessa imagem pode ser também influenciada
diretamente pelo corpo. Não é apenas um conjunto de sinais neurais que
confere ao organismo o seu caráter num dado momento, mas também um
conjunto de sinais químicos que alteram o modo como os sinais neurais são
processados (Nava, 2003, citado por. Maciel, 2011a).
Quando afirmo que o corpo e o cérebro formam um organismo
indissociável, não estou exagerando. De facto, estou simplificando
demais. Considere que o cérebro recebe sinais não apenas do corpo
mas, em alguns de seus setores, de partes de sua própria estrutura,
as quais recebem sinais do corpo! O organismo constituído pela
parceria cérebro-corpo interage com o ambiente como um conjunto,
não sendo a interação só do corpo ou só do cérebro. Porém,
organismos complexos como os nossos fazem mais do que interagir,
fazem mais do que gerar respostas externas espontâneas ou
reativas, que no seu conjunto são conhecidas como comportamento.
Eles geram também respostas internas, algumas das quais
constituem imagens (visuais, auditivas, somatossensoriais) que
postulei como sendo a base para a mente.
(Damásio, 1996, p. 114)

Importa ressalvar que existem vários tipos de emoções, sendo


classificadas em primárias e secundárias. Tal classificação é de fundamental
importância, uma vez que as emoções primárias, ou inatas, suportam
determinadas lesões cerebrais que as emoções secundárias não suportam.
A menção da palavra emoção em geral traz à mente uma das assim
chamadas emoções primárias ou universais: alegria, tristeza, medo,
raiva, surpresa ou repugnância. As emoções primárias facilitam a
discussão do problema, mas é importante notar que existem muitos
outros comportamentos aos quais se pôs o rótulo “emoção”. Eles
incluem as chamadas emoções secundárias ou sociais, como
embaraço, ciúme, culpa ou orgulho, e também o que denomino
emoções de fundo, como bem-estar ou mal-estar, calma ou tensão.
O rótulo “emoção” também foi aplicado a impulsos e motivações e
a estados de dor ou prazer.
(Damásio, 2000, p. 74)

As emoções primárias (ou iniciais, inatas, pré-organizadas) dependem da


rede de circuitos do sistema límbico, sendo a amígdala e o cíngulo anterior
as personagens principais. Essas emoções, que são: dor, fome, frio, sono,
raiva, medo, alegria, tristeza, surpresa ou repugnância não necessitam de
uma experiência prévia para se manifestarem.
Se, por um lado, as emoções primárias não necessitam de experiências
prévias para se manifestarem, as emoções secundárias necessitam e essa é a
diferença fundamental da classificação dessas emoções. As emoções
secundárias são aquelas desenvolvidas ao longo da vida, resultante de
imagens mentais criadas a partir de experiências prévias, como por
exemplo, as emoções sentidas na perda de um familiar; no reencontro de
um grande amigo, após longo período sem se verem.
Damásio (1996) aponta que num nível não consciente, redes do córtex
pré-frontal81, reagem automática e involuntariamente aos sinais resultantes
do processo de imagens, ou seja, até mesmo sem ter consciência o
indivíduo utiliza imagens criadas em experiências anteriores.
Os achados deste neurocientista mostram que as emoções secundárias
não só auxiliam os organismos a tomarem decisões, como estão diretamente
relacionadas aos processos de aprendizagem, tal como evidenciarei em
breve. Zambiasi (2012) explica que o que faz as emoções serem
determinantes para o nosso organismo são as reações que elas trazem para
os nossos corpos e a percepção consciente que temos sobre todas essas
informações corporais obtidas desse estado somático. Da mesma maneira
que as emoções manipulam o nosso estado orgânico, as emoções também
induzem uma série de reações que o nosso plano consciente percebe na
forma de sentimentos.
Se uma emoção é um conjunto das alterações no estado do corpo
associadas a certas imagens mentais que ativaram um sistema
cerebral específico, a essência do sentir de uma emoção é a
experiência dessas alterações em justaposição com as imagens
mentais que iniciaram o ciclo.
(Damásio, 1996, p. 175)

Podemos referir-nos aos sentimentos como as percepções compostas


daquilo que ocorre no nosso corpo e na nossa mente quando uma emoção
está em curso. No que diz respeito ao corpo, os sentimentos são imagens de
ações, e não ações propriamente ditas; o mundo dos sentimentos é feito de
percepções executadas em mapas cerebrais (Damásio, 2011, p. 142).
Ou seja, os sentimentos são representações cerebrais resultantes de
emoções, sendo um produto de emoções em justaposição com imagens
obtidas de vivências anteriores. O nosso organismo torna-o consciente
somente quando tem clara a situação de que tudo está a acontecer com o
nosso corpo.
Por outras palavras, os sentimentos são a roupagem, o casaco que
colocamos nas emoções, resultantes da interpretação daquilo que acontece.
A emotividade é a biologia daquilo que vamos fazendo, é a biologia da
nossa informação e os sentimentos são a história que damos ao que
acontece (Gomes, 2013).
As emoções permitem-nos criar um sistema de navegação
automática que nos ajuda nas tomadas de decisão. Somos
constantemente confrontados, na nossa vida, com situações em que,
perante um problema, tomamos uma decisão que tem
consequências. Ora, tanto a situação que leva à decisão como as
suas consequências são vividas com um acompanhamento
emocional. Se escolhermos algo que tenha más consequências,
vamos sentir-nos mal, vamos sofrer, vamos ficar zangados, vamos
ter emoções negativas. Se as consequências são boas, vamos sentir
a alegria e o prazer que advêm dessa decisão. Ou seja, há sempre
uma relação emocional. Quando somos confrontados com uma
situação semelhante àquelas já vividas, a maquinaria cerebral dá-
nos, muito rapidamente, o sinal das emoções ligadas àquele tipo de
situação.
(Oliveira et al., 2006, p. 205)

Exemplificando para a nossa área de interesse, o futebol e o treino,


imaginem que a ideia de jogo do treinador, concretamente no momento
ofensivo passa, dentre outras coisas, por ter permanentemente a bola em seu
poder, circulando-a com paciência e por todas as zonas do terreno, de modo
a encontrar espaços na defesa adversária para criar situações de finalização
e marcar golos, e para isso quer que a sua equipa realize uma abertura
posicional, tanto em largura como em profundidade, para criar mais espaços
para jogarem, promovendo, portanto, uma facilitação na circulação da bola.
Neste contexto, o treinador deseja desenvolver a sua ideia de jogo, em
termos de meso princípios e micro princípios, objetivando treinar
principalmente a manutenção da posse da bola, dando aos jogadores a
noção da necessidade de uma ocupação racional dos espaços, abrindo o
campo tanto em largura como em profundidade, para que consigam manter
a bola consigo.
Exercício82 de 6x3 configurado para o desenvolvimento de meso princípios
e micro princípios da referida ideia de jogo

Para isso, dentro do espaço de jogo existe uma equipa de seis jogadores
(pretos) que estão permanentemente com a posse de bola, contra três que
não a têm (brancos). Se a equipa preta conseguir trocar dez passes em
sequência marca um ponto. Já a equipa de branco pontuará a cada
recuperação de bola.
Nesta situação, tal como está ilustrada, os jogadores de preto vão criando
condições de facilitação para circularem a bola, através do seu jogo
posicional. Nota-se que há uma abertura posicional, com apoios perto e
longe da bola, o que facilita que a bola fique com os pretos.
Nestas circunstâncias, se o treinador intervier positivamente, em relação a
esta intenção, possivelmente criará uma sentimentalidade e uma
emotividade positiva, inerente a esta intenção.
Possivelmente os jogadores sentirão que ao “abrirem o campo” dum
determinado modo e, portanto, ao jogarem de acordo com a ideia de jogo o
sucesso estará mais perto, porque em experiências prévias, este mesmo
desempenho, o condizente com a ideia de jogo, lhes levou a atingir o
sucesso (lembremos da importância do princípio metodológico das
propensões). Isto é reforçado pela intervenção do treinador, daí a
importância da dimensão fractal e da articulação de sentido em todos os
contextos de “exercitação”, porque as intenções prévias devem ser treinadas
em várias escalas de organização do jogar, para que se assemelhem ao
máximo possível das situações encontradas em competição, e para que,
como já vimos, haja e permita que a aquisição emerja de um determinado
jogar capaz de dar respostas ao padrão de problemas colocados pela
competição.
O sistema de produção do prazer permite avaliar desempenhos. “É como
se o cérebro dissesse: – Isto foi bom; vamos recordá-lo e repeti-lo”
(Fernandes, 2003, p. 13).
Exercício de 6x3 configurado para o desenvolvimento de meso princípios
e micro princípios da referida ideia de jogo

Tomando como exemplo o mesmo exercício, entretanto nesta situação os


jogadores não realizam uma abertura posicional. Note-se que neste caso os
pretos têm muito menos possibilidade de manter a posse da bola por mais
tempo, porque ao não ocuparem racionalmente o espaço de jogo
tendencialmente terão menos tempo e espaço para jogar e menos linhas de
passe seguras, logo, estarão submetidos constantemente à pressão
adversária, aumentando consideravelmente as possibilidades de perderem a
bola, e, portanto de não atingirem os objetivos do exercício.
Neste contexto, os jogadores sentirão no Corpo as consequências
negativas deste desempenho, sendo que esta emotividade e
sentimentalidade negativa poderá ser acentuada pela intervenção do
treinador, no sentido de questionar, criticar, corrigir e guiar-lhes à direção
pretendida (ideia de jogo), para que, baseado nesta experiência prévia, em
situações futuras, os jogadores possam decidir da maneira mais eficaz.
Neste caso fazendo o campo ficar grande, através da abertura posicional de
alguns jogadores, em largura e profundidade, sem contudo negligenciar a
necessidade de possuir apoios próximos em torno da bola.
Deste modo, como já disse em capítulos anteriores, entendo que um dos
papéis do treinador é guiar os seus jogadores, emocionando-os tanto de
maneira positiva como negativa, e não me refiro somente ao momento em
que o exercício está a decorrer, mas fundamentalmente antes, através da
contemplação do princípio metodológico das propensões.
Imaginemos o seguinte exercício:
Exercício de (três apoios) + 3 x 3 + (três apoios) configurado para o desenvolvimento de meso
princípios e micro princípios da referida ideia de jogo

Aqui jogam duas equipas compostas por seis jogadores, mas que estão
subdivididas em três jogadores que ficam somente no apoio (área exterior
ao quadrado) e três que jogam dentro do quadrado. Joga-se três minutos
(exemplo) e após este período trocam-se as funções das equipas (os que
estavam no apoio vão jogar dentro, e vice-versa).
Supondo que o treinador pretende incidir nas escalas meso e micro da
organização defensiva e ofensiva, bem como a sua articulação: a intenção
do treinador durante esta “exercitação” será transmitir aos jogadores, não
apenas por palavras, mas pela configuração do contexto os benefícios de
fazer campo pequeno e pressionar como uma unidade coletiva (quando
estiverem sem a bola), e conservar a posse da bola quando estiverem com
ela, através de um jogo de passes que saiba “dar tempo ao tempo” e ao
espaço, ou seja, que saiba lidar e gerir as diferentes velocidades do jogo de
modo a obter a eficácia constantemente.
Desta maneira, o exercício assenta no seguinte pressuposto: imaginando
que a bola inicia no quadrado superior, como demonstra a imagem, o
objetivo dos brancos é conservar a posse de bola pelo maior período de
tempo possível. A cada 10 passes completos a equipa que tem posse de bola
marca um ponto.
Os pretos, nesta situação, devem pressionar os brancos de modo a roubar-
lhes a posse da bola. Quando conseguirem, deverão fazer um passe ao outro
quadrado, onde estão os seus apoios.

Instante em que se produz a recuperação de bola e os pretos conseguem enviá-la


ao seu quadrado

No momento em que o fazem, os pretos e brancos que estavam a jogar


dentro do quadrado, vão rapidamente ao outro quadrado jogar (os apoios do
branco permanecem). Desta vez, serão os pretos que terão superioridade
com os seus apoios, realizando uma situação de 6 pretos contra 3 brancos.

Após se produzir a transição, os jogadores passam a jogar no outro quadrado

Vamos supor que na situação exemplificada, os pretos tiveram relativa


dificuldade para roubar a bola aos brancos, porque pressionavam os brancos
de maneira desconjunta e descoordenada. Isto é, enquanto que um ou dois
jogadores pressionavam o portador da bola e o espaço circundante, o outro
não atuava em conjunto, ocasionando muitas vezes incapacidade para
conseguir roubar a bola.
Para além de os brancos estarem em vantagem, porque hipoteticamente
trocaram muitos passes, os pretos tiveram um desgaste superior, correram
atrás da bola com empenho, mas como não atuaram como uma unidade,
estes esforços foram muitas vezes infrutíferos. Portanto, correram à toa na
maior parte do tempo, até que finalmente conseguiram roubar a bola e a
lançaram para o seu quadrado, passando a jogar com superioridade
numérica.
Durante este período (o de estar em superioridade), os brancos terão a
oportunidade de se recuperarem do elevado desgaste promovido pelo
esforço de pressionar, sendo este “recuperar” conseguido através do levar a
efeito a ideia de jogo do treinador, de, dentre outras coisas, circular a bola
pacientemente sem arriscar passes desnecessariamente, mantendo-a em seus
domínios (manutenção da posse). E de modo a facilitar-lhes as interações e
intencionalidades pretendidas, o contexto oferece-lhes superioridade
numérica.
Entretanto, se os brancos logo após terem retirado a bola do quadrado
adversário, lançando-a e indo para o quadrado em que estão os seus apoios,
em alta velocidade, e em seguida não conseguirem levar a efeito as
interações pretendidas, possivelmente terminarão por perder a bola, tendo
que não apenas correr até o outro quadrado rapidamente, como terão de
mais uma vez tentar roubar a posse da bola. Imagine se isso acontecer com
frequência. Estes jogadores estarão completamente estafados ao término
da(s) “exercitação(ões)”.
Quero ilustrar com este exemplo que o treinador poderá acentuar ou
inibir desempenhos conforme configura o exercício e também conforme
intervém no mesmo. Conforme já aludi, o treinador tem o poder potencial
de modelar e guiar os jogadores até as interações pretendidas. Nos
momentos em que as interações estão a ocorrer, ou nos momentos de pausa
entre uma repetição e outra, o treinador poderá através do discurso fazer
com que os jogadores entendam –de maneira consciente– que as interações
que estão a ter (intenções em ato) não se coadunam com as pretendidas
(intenções prévias), e mais do que isso, ao se repetirem várias vezes os
levarão ao insucesso com frequência.
Deste modo o treinador poderá imbuir os jogadores de emoções e
sentimentos negativos, associando as suas (más) interações (as que vão
contra as intenções prévias pretendidas) a este tipo de emotividade e
sentimentalidade, não apenas com as suas palavras, mas também pela
vivência continuada dos jogadores aos contextos de propensão. Pelo
contrário, quando as interações pretendidas ocorrem, o treinador, no nosso
entendimento, deverá intervir, e em boa parte das vezes, intervir de maneira
positiva, para que estas interações sejam reforçadas e incorporadas pelos
jogadores.
É a consciência que permite que os sentimentos sejam conhecidos,
promovendo o impacto interno da emoção, deixando que ela permeie o
processo de pensamento através do sentimento (Fernandes, 2003). Aí mais
uma vez sentimos a importância da modelação.
Vale a pena salientar que as intervenções dadas durante os exercícios não
devem ser no sentido de “faz isso, faz aquilo”, porque isso é mecanizar o
que na sua essência é imprevisível e dependente das circunstâncias.
Imagina: o defesa não acertou na bola quando queria que ele saísse
a jogar, isto é, recebesse a bola, a dominasse e a pusesse a jogar,
mas bateu-a! Nesta situação ganho mais em dizer: “tentar ficar
com a bola mas vamos lá! Temos de conseguir ficar com a bola!”,
do que lhe dizer: “Domina a bola e passa”. Porque isso vai
condicionar a decisão seguinte, e na decisão seguinte, ele pode
precisar de tirar e vai tentar fazer o que eu lhe disse. Ou seja, está
preso ao que lhe disse e não joga em função das circunstâncias.
(Gomes, 2013, p. 368-369)

Deste modo o que se pretende não é mecanizar, restringindo e ordenando


os jogadores a tomarem soluções fechadas e estereotipadas sem levar em
conta a realidade, mas sim, guiar-lhes e “abrir-lhes a consciência” para que,
sempre que possível, ajustem as suas ações e interações à ideia de jogo da
equipa e às circunstâncias.
Nesse sentido o treino assume fundamental relevância neste
desenvolvimento, uma vez que é muito mais “controlável” por parte do
treinador do que um jogo.
A promoção de emotividade e sentimentalidade não deverá ocorrer somente
com meio a exercícios, mas durante todo o processo e deverão ser
dominantemente positivas.
Eu acredito que a liderança é muito importante e isto está
intimamente relacionado com as emoções e os sentimentos, porque
as emoções e os sentimentos durante o treino são importantíssimas,
mas também o são fora do treino, em diferentes áreas, no balneário,
na sala de conferências para a imprensa.
(Tamarit, 2013a, p. 408)
Esta gestão e criação das emotividades coletivas são absolutamente
fundamentais para a condução e o sucesso do processo.
3.8.2 A importância da positividade durante o processo.
Tal como referi, o treinador deve gerir e promover emoções e sentimentos
durante todo o processo, de acordo com os seus interesses. Esta gestão e
criação são aspetos fundamentais, onde penso que o treinador deverá
dominantemente criar uma atmosfera de positividade em torno da equipa e
da ideia de jogo.
Creio ser importante, na maioria das vezes, promover um ambiente
saudável com predomínio das emoções e sentimentos positivos, que gerem
prazer e satisfação aos intervenientes do processo, não apenas para motivar
crença na ideia (o que se alcança também, e principalmente, ganhando
jogos), mas também para que o ambiente promova a aprendizagem.
Ambientes imbuídos de desprazer e emoções negativas prejudicam os
processos de aprendizagem, e sendo o treino um processo de ensino-
aprendizagem de um jogar, o desprazer deverá ser dominantemente evitado.
Devemos na medida do possível fazer com que cada jogador tenha orgulho
e paixão pela construção do jogar, que sinta que realmente faz parte do
processo e que aquela ideia coletiva também é a sua ideia. Isso faz com que
todos se impliquem de corpo e alma no que pretendemos. Sabemos que
jogadores desmotivados rendem menos.
Sabemos que tudo o que seja positivo leva-nos a ganhar uma
sentimentalidade coletiva que estimula o querer estar sempre juntos
e um entranhar mais forte. E por quê? Porque a emotividade é
positiva! Então, tudo o que seja competitivo promove um maior
prazer em ganhar que os leva a crescer sempre nestas situações. O
prazer reforça o que queremos por isso é que o modelo é
fundamental para sabermos para onde queremos ir. Assim, vamos
ter que gerir nosso processo e intervir dizendo: “Aconteceu isto
mas deveria ter acontecido isto!”. Devemos crescer a tentar fazer o
que queremos! Orientar porque senão caímos num estado de
insatisfação permanente porque devia ter rematado de primeira,
mas não rematou, tentou cortar a bola… o que é difícil porque
existe sempre outras possibilidades. Mas no reforço positivo do que
queremos é importante dar segurança e valorizar o que vamos
conquistando.
(Gomes, 2013, p. 369)

Esta treinadora conta um exemplo de um treinador (na época Marisa era


coordenadora técnica) que era muito sincero com aquilo que via, o que na
opinião de Gomes era prejudicial para ele e para o processo:
No Foz tenho um treinador que é demasiado sincero com aquilo que
vê e, portanto, ganha muito pouco com isso pois acontece um bom
golo e ele diz: “Bom golo”. No entanto, quando sofremos um golo
valoriza mais e diz: “Não devíamos ter feito isso, devíamos ter
metido o pé à bola”. Ou seja, isto é uma sentimentalidade que não é
positiva. E nunca há um sentimento pleno de quem vivenciou o
processo. Nunca há uma satisfação na mesma proporção da
insatisfação! No entanto, há situações em que com um treinador que
às vezes tem uma ideia mais limitada mas fica satisfeito com o que
acontece. Esta emotividade positiva é muito importante para nós
gostarmos de alguma coisa.
Na envolvência das pessoas, só o conseguimos com coisas muito
boas porque normalmente só temos sucesso estando envolvidos, por
isso é que se fala que a produtividade das pessoas que não gostam
do que fazem é muito menor. Claro! Por exemplo, ir a um sítio onde
sabemos que há um desprazer, nestes lugares não se aprende nada!
(Gomes, 2013, p. 369)

Estudos recentes da neurociência dizem que quanto mais as pessoas


sorriem, a tendência é serem cada vez mais felizes, melhorando todo o
estado corporal, uma vez que as emoções são contagiosas. Por exemplo, se
existe muita felicidade numa casa e alguém se incorpora nesta residência,
possivelmente acabará por sentir-se mais feliz, porque existe esta
transmissão de emoções de uma pessoa para a outra (Iacoboni, 2010).
Marisa reforça este lado da projeção positiva, quando coloca que não é a
mesma coisa dizer a um jogador: “Não falhes o golo!” do que dizer “Marca
um golo!”. “A projeção é sempre positiva na segunda expressão e daí que
saber gerir isto se torna fundamental”.
Conforme referi há pouco, a crença dos jogadores na ideia e no processo
é fundamental para o seu bom desenvolvimento. Nesse sentido, as emoções
e os sentimentos que o treinador pode promover no seio da equipa, poderá
conduzi-la à direção pretendida.
O treinador que ganhou quando precisava de ganhar, mesmo não
jogando bem, quando chega perto dos jogadores e diz: “Ok,
ganhamos mas não jogamos bem”. É diferente de dizer assim:
“Ganhamos e isso é que era importante!”. Esta mensagem reforça
muito mais a crença e o espírito de envolvência da equipa. O modo
como se faz isso dá uma tonalidade diferente às circunstâncias. E
isso os treinadores têm ou não têm. Não há um livro ou manual em
que se encontram estas coisas porque temos que fazê-lo no «aqui e
agora».
(Gomes, 2013, p. 370)

O que a neurociência chama de “neurónios-espelho” é capaz de explicar


esses fenómenos com clareza. Os neurónios-espelho, quando ativados,
permitem que uma pessoa, que esteja parada – e a observar outra pessoa
que esteja a falar, a cantar, a executar qualquer outra ação, permite-a ter as
mesmas sensações, emoções que o executante, isto é, permite haver uma
empatia nas emoções.
É por isso que os chamamos de neurónios espelho, porque é como
se o macaco que vê o outro macaco a fazer alguma coisa, estivesse
a contemplar sua própria ação refletida num espelho. Portanto,
realmente tornámos-nos espelho dos demais mediante este
mecanismo espetacular tão simples. E porque é importante? Porque
por detrás de cada ação que realizamos, quando eu seguro um livro,
ou você a caneta, existe uma intenção subjacente, um estado mental
por trás da ação. Portanto, mediante este espelho das ações dos
demais, podemos acessar à sua mente, ao estado mental que os
conduziu a atuar.
(Iacoboni, 2010, p. 39)

Quando uma pessoa fala, mesmo que a outra esteja quieta, as mesmas
áreas do cérebro desta pessoa que apenas assiste à outra falar, também são
ativadas (as áreas da fala). São várias as regiões do cérebro que contém os
neurónios-espelho, sendo que estas se conectam e se comunicam com os
centros cerebrais das emoções, o sistema límbico.
E, em segundo lugar, a atividade neste sistema está correlacionada
com a quantidade de empatia. Existem estudos que demonstram que
as crianças que imitam ou observam as expressões faciais
apresentam atividade nestas áreas, logicamente, e quanto mais
ativas são estas ditas regiões, mais empatia têm as crianças.
Portanto, existe um vínculo muito estreito entre a atividade nestas
regiões cerebrais e a tendência a ter empatia. Basicamente,
funciona da seguinte maneira: eu te vejo sorrir e os meus neurónios
espelho simulam, criam uma espécie de imitação interna no meu
cérebro do sorriso do teu rosto, e rapidamente enviam estes sinais
ao sistema límbico e posso sentir o que tu sentes.
(Iacoboni, 2010, p. 42)

Nesse sentido, a empatia do treinador com o grupo de jogadores é um


importante aspeto para a aquisição do jogar e para o sucesso do processo.
Atualmente as neurociências dizem-nos claramente que tudo o que seja
positivo, sejam projeções, interpretações, gestão daquilo que se vai fazer é
sempre muito melhor.
Em decorrência dos neurónios-espelho, a noção de livre arbítrio “tal e
qual” tenderia a ficar comprometida, uma vez que o que nós vemos e
vivenciamos pode determinar a maneira como nos comportamos:
De certo modo, esta e outras descobertas da neurociência sugerem
que nossa noção de livre arbítrio é em certos casos demasiado
otimista. Não temos tanto livre arbítrio como pensávamos! Não
obstante, sigo a pensar que pelo menos um pouco nós temos, porque
me parece que possuímos mecanismos de controlo no cérebro. Por
exemplo, porque é que eu não te imito a todo instante? Posso evitar
isso, posso controlar isso. Então, ainda que eu acredite que haja
influências sobre a conduta humana e ainda que saibamos, por
exemplo, que a violência nos meios de comunicação realmente está
a provocar uma conduta imitativa, e ainda que me pareça que os
neurónios espelho participam nisso, no final das contas nós
podemos controlar, portanto ainda existe esperança para o livre
arbítrio: não somos robots que fazemos só o que observamos!
Existe certo grau de controlo. Apesar de tudo, em última instância,
tudo isso significa que o livre arbítrio não é completo. O que vemos,
experimentamos determina a maneira como nós comportamos-nos.
(Iacoboni, 2010, p. 40-42)

O mesmo sucede com a vivência sistemática de um jogar promovida pela


Periodização Tática, uma vez que influencia os jogadores a terem
determinadas intencionalidades. Isso é garantido através da repetição
sistemática do morfociclo padrão, não só pelos contextos de propensão
vivenciados, mas também porque se criam condições para adquirir, através
da gestão do esforço e da recuperação ao longo das unidades de treino.
Os neurónios-espelho são fundamentais na aprendizagem, uma vez que
levam as pessoas a imitarem umas às outras, mas não imitam apenas gestos
motores “tal e qual”, senão, na medida do possível, intencionalidades,
desempenhos! Daí a importância de que em todos os treinos, a dimensão
fractal do jogar esteja presente, em maior ou menor escala, mas deverá
reportar-se sempre ao jogar, às intenções prévias pretendidas.
A ativação dos neurónios-espelhos permite criar uma empatia através das
emoções, o que garante que a aquisição da ideia de jogo aconteça mais
facilmente, desde que bem operacionalizada. Ainda, os jogadores devem
estar implicados no processo de Corpo e alma, uma vez que, tal como
costuma referir o professor Vítor Frade: “Não há princípios (de jogo) sem
pessoas”.
Para mim, não restam dúvidas de que a gestão das emoções e sentimentos
durante todo o processo de construção e aprendizagem de um jogar, bem
como a gestão da equipa, se faz fundamental.
Sobre o peso das emoções na aprendizagem, Jensen (2002 citado por.
Fernandes, 2003) coloca que o cérebro é hiperestimulado quando estão
presentes emoções fortes, sendo que estas recebem um tratamento
preferencial no sistema de memória do nosso cérebro. Lembramos-nos,
portanto, do que está mais carregado emocionalmente, porque todos os
acontecimentos emocionais estão sujeitos a um processamento preferencial.
Este autor esclarece (2002, citado por. Maciel, 2011a) que “embora
durante muito tempo entendida como parasitária em relação à
aprendizagem, o papel das emoções nos processos de ensino aprendizagem
é determinante”. Logo, para Jensen, uma boa aprendizagem não evita as
emoções, abraça-as.
Ainda, as emoções conduzem o trio formado por atenção, significado e
memória, aspetos fundamentais para a apreensão de uma mensagem e de
um jogar.
O treinador não pode ignorar nem desperdiçar este aspeto
emocional na implementação das suas ideias de jogo, no sentido de
potenciar a interiorização e a empatia do jogador com a mensagem
que pretende transmitir, já que, na memória dos homens, os
sentimentos sempre tiveram mais força que as ideias.
(Lobo, 2002, citado por. Fernandes, 2003, p. 14)

De facto, as emoções desempenham um papel vital no que se refere às


nossas ideias de recompensa e punição, dor e prazer, conquista e derrota.
São as emoções que temos que nortearão as nossas decisões, uma vez que o
nosso organismo necessita de uma regulação que permita a sobrevivência e
um estado de busca constante de situações prazerosas e a fuga de situações
que gerem o desprazer e o insucesso.
Segundo Damásio, a ausência de estímulos emocionais não retira a
possibilidade de um indivíduo raciocinar, já que este é capaz de considerar
inúmeras opções para a resolução de um problema. Na hora de decidir, não
toma, contudo, partido por nenhuma, tornando esse esforço infrutífero,
sendo que “a finalidade do raciocínio é a decisão”. Logo, “a tomada de
decisões com base nas emoções não é a exceção, é a regra” (Jensen, 2002,
p. 121 citado por. Fernandes, 2003, p. 21).
Através dos estudos de Damásio (1996), foi possível compreender como
as emoções e os sentimentos agem nos processos de aprendizado e tomadas
de decisão, conferindo-lhes, portanto, não um papel de figurantes, mas de
protagonistas.
As pesquisas realizadas neste âmbito levaram Damásio a formular a
hipótese do marcador-somático, um mecanismo engendrado pela natureza
humana, que a partir das emoções secundárias e dos sentimentos auxiliam
nos processos de aprendizagem e promoção de eficazes tomadas de decisão.
3.8.3 Mais do que marcadores somáticos, marcadores de um jogar
somatizado!
Se tudo começa no teatro do corpo, no calor da ação, a grande
preocupação do treinar só pode ser uma: dar, tanto quanto possível,
oportunidades ao corpo de...
(Oliveira et al., 2006, p. 209)

Tal como reforcei no ponto anterior, as emoções têm um papel chave no


auxílio da tomada de decisão, pois em situações desfavoráveis e/ou
perigosas para nós, as emoções podem atuar como um sinal de alarme,
sugerindo cuidados nas nossas escolhas. O que não ocorre em situações que
possivelmente sejam benéficas para os organismos, quando as emoções
atuam como um sinal de incentivo à tomada de decisão.
No que se refere à sua hipótese, Damásio esclarece que como as emoções
agem no plano do corpo-propriamente-dito, “marcando-lhe” uma imagem,
batizou-a como a hipótese do “marcador-somático”:
Como a sensação é corporal, atribuí ao fenómeno o termo técnico
de estado somático (em grego, soma quer dizer corpo); e, porque o
estado “marca” uma imagem, chamo-lhe marcador. Repare mais
uma vez que uso somático na acepção mais genérica (aquilo que
pertence ao corpo) e incluo tanto as sensações viscerais como as
não viscerais quando me refiro aos marcadores somáticos.
(Damásio, 1996, p. 205)

Assim como já referi, as emoções utilizadas nas tomadas de decisão


auxiliadas pelos marcadores somáticos são as emoções secundárias, visto
que nestes casos a decisão a ser tomada resulta da justaposição das imagens
geradas em cenários anteriores semelhantes às vivenciadas no momento em
que o jogador está por decidir, provavelmente criados pelo cérebro durante
o processo de educação e socialização, isto quer dizer que as emoções e
sentimentos gerados no momento auxiliarão no processo de escolhas que o
jogador terá.
Em suma, os marcadores somáticos são um caso especial do uso de
sentimentos gerados a partir de emoções secundárias. Essas
emoções e sentimentos foram ligados, pela aprendizagem, a
resultados futuros previstos de determinados cenários. Quando um
marcador-somático negativo é justaposto a um determinado
resultado futuro, a combinação funciona como uma campainha de
alarme. Quando, ao contrário, é justaposto um marcador somático
positivo, o resultado é um incentivo.
(Damásio, 1996, p. 205)
Esta é a essência da hipótese do marcador-somático. Contudo, para
obtermos uma visão integral desta hipótese, devemos ter em conta de que,
por vezes, os marcadores somáticos funcionam de forma velada, ou seja,
sem surgir na consciência, e podem utilizar o circuito emocional que
Damásio chama de “como se83”.
Os marcadores somáticos são, portanto, adquiridos por meio da
experiência, sob o controlo de um sistema interno de preferências e
sob a influência de um conjunto externo de circunstâncias que
incluem não só entidades e fenómenos com os quais o organismo
tem de interagir, mas também convenções sociais e regras éticas.
(Damásio, 1996, p. 211)

Portanto, é evidente que o processo de treino assume um papel capital, no


sentido de possibilitar que os jogadores e a equipa como um todo possam
decidir em função da ideia de jogo, durante praticamente todos os noventa
minutos. Sabemos que quando modelamos uma equipa de futebol, em
treino e competição, desenvolvendo uma maneira de jogar específica,
estamos a modelar 25 (ou mais) jogadores, que passaram por diversas
experiências nas suas carreiras, ganhando e perdendo campeonatos com as
mais diferentes ideias de jogo, e que, com certeza cada uma destas
individualidades têm suas preferências internas no que diz respeito a como
se deve jogar futebol. Algo que na minha opinião, reforça o papel do treino
que a Periodização Tática os faz vivenciar, uma vez que tem em conta que
nem todos os jogadores são iguais, e por isso, através da sujeição dos
mesmos à repetição sistemática do morfociclo padrão, tenta colocá-los no
mesmo comprimento de onda, fazendo-lhes partilhar da mesma cultura, da
mesma ideia, do mesmo código de significância – Especificidade (as
convenções sociais e regras éticas referidas por Damásio), para que perante
uma determinada situação, terminem por pensar em função da mesma coisa
ao mesmo tempo.
A equipa que eu desejo é aquela em que, num determinado momento
perante uma determinada situação, todos os jogadores pensam em
função da mesma coisa ao mesmo tempo. Isso é que é jogar como
equipa. Isso é que é ter organização de jogo.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al., 2006, p. 121)
O treino, assim como a intervenção do treinador, não devem ser
emocionalmente neutros, procurando despertar deste modo nos
jogadores sentimentos que vivenciados num contexto de
Especificidade, permitam marcar esse jogar, isto é, Somatizar ou
“mapear” esse jogar.
(Maciel, 2011a, p. 460)

Atenção para o que diz Damásio a respeito dos marcadores somáticos:


Os marcadores somáticos não tomam decisões por nós. Ajudam o
processo de decisão dando destaque a algumas opções, tanto
adversas como favoráveis, e eliminando-as rapidamente da análise
subsequente. Você pode imaginá-los como um sistema de
qualificação automática de previsões, que atua, quer queira ou não,
para avaliar os cenários extremamente diversos do futuro que estão
diante de si.
(Damásio, 1996, p. 206)

Detalhando esta questão, imaginem que um central renomado está


habituado a jogar permanentemente em jogo direto, tendo atingindo o
sucesso e um status profissional a jogar desta maneira, jogando a bola
diretamente para algum avançado a disputar ou lançando-a na profundidade
da defesa adversária. O jogo direto é a sua preferência interna e referência
do seu “jogar bem” ou, pelo menos, a sua referência de como vencer.
Ora bem, se este jogador conquistou vários campeonatos jogando desta
forma, a procurar o jogo direto em primeira fase de construção, em
detrimento de uma circulação da bola mais paciente e predominantemente
“pelo chão”, ao ser modelado numa nova equipa, com outra ideia de jogo (a
recém-citada, por exemplo), terá que necessariamente se adaptar a esta
realidade. Esta adaptação terá de necessariamente ocorrer, como já disse,
através da modelação do jogar, do processo de treino e tudo o que envolve,
o modelo de jogo.
Face a isto, a aquisição de determinadas interações intencionalizadas por
parte dos jogadores passa sobretudo pela “exercitação”, para haver a
qualificação emotiva das escolhas, o que vai potenciar determinadas
decisões e eliminar outras. Mas isso exige a concretização das interações
intencionalizadas, ou seja, dos princípios de jogo, que por sua vez será
potencializada pela forma que o treinador configura o exercício.
No calor da ação, onde os jogadores são obrigados a decidir rapidamente
e muitas vezes de maneira subconsciente, as escolhas geralmente são feitas
sob o controlo de um sistema interno de preferências e sob a influência de
um conjunto externo de circunstâncias.
Portanto, o treinador deverá, mais do que fazer os jogadores vivenciarem
e apreenderem a sua ideia de jogo –através do treino– como deverá fazer
com que os jogadores tenham essa ideia como a sua ideia, convencê-los de
que essa maneira de jogar é a que mais lhes trará benefícios, alterando,
portanto, as suas preferências internas, convergindo-as com o jogar que se
pretende apresentar em competição.
Para que isso se transforme em realidade e crença, o treinador tem uma
ferramenta extremamente valiosa: o princípio metodológico das
propensões, uma vez que ele permite, através da configuração dada ao
exercício, modelar determinadas circunstâncias externas, que melhor
potenciem o nosso jogar. “O objetivo é que os jogadores percebam e
acreditem na ideia de jogo, é fazerem algo por crença própria. Por
sentirem que é a melhor forma de o fazerem e não porque alguém lhes disse
«vamos fazer assim»”, refere José Mourinho (citado por. Oliveira et al.,
2006).

Quando chegamos a uma equipa cada jogador tem a sua própria ideia de jogo. O que a
Periodização Tática trata de fazer, desde o início do processo, através da vivência sistemática do
morfociclo padrão, é modelar e aproximar tais ideias a um referencial comum, uma matriz, isto
é, às ideias de jogo pretendidas pelo treinador, transformando-as numa só. Imagem adaptada de
Tamarit (2013c)
Nesse sentido, a ideia de jogo deverá adaptar-se às capacidades dos
jogadores, pois se isso não acontecer o insucesso terá grandes
possibilidades de ocorrer, e nós sabemos bem que o insucesso e a falta de
resultados no futebol (tanto em treino e como em competição), na maioria
das vezes resulta em descrença generalizada na capacidade do treinador.
Lembrando o que refere Damásio (1996, p. 211) a este respeito: “O sistema
interno de preferências encontra-se inerentemente predisposto a evitar a
dor e procurar o prazer”.
No caso dos marcadores somáticos as escolhas que os jogadores realizam
são auxiliadas por um conjunto interno de preferências, sendo estas
provenientes das experiências anteriores que o indivíduo vivenciou durante
sua vida, ou seja, perante um cenário em que se deve optar por uma
alternativa dentre as várias possíveis, os jogadores recorrem às imagens e
emoções para que possam fazer um “comparativo” com o que estão a viver
no “aqui e agora” e assim realizar uma escolha que será benéfica para o
organismo, já que em situação semelhante, no passado, o jogador vivenciou
algo que gerou imagens e emoções que estão a ser utilizadas agora.
Os marcadores somáticos são, então, segundo Damásio, um caso especial
do uso de sentimentos criados a partir de emoções secundárias. Essas
emoções e sentimentos, que originam marcadores somáticos, são
associados, por via da aprendizagem, da vivência de experiências, aos
resultados, às consequências, de determinadas ações ou situações e
condicionarão as tomadas de decisão futuras em cenários semelhantes.
É através dos marcadores somáticos que existe o registo emocional das
decisões, ou seja, os efeitos da decisão provocam determinadas emoções
que podem ser positivas ou negativas e que serão associadas à decisão que a
originou.
Desta forma, quando nos confrontamos com uma situação semelhante, a
memória vai ajudar o cérebro associando a decisão ao respectivo estado
emocional, que pode ser positivo ou negativo. Face a isto somos
direcionados a repetir decisões e experiências que motivaram os estados
positivos e a evitar o que se associa aos estados negativos. Procura-se
otimizar as decisões futuras em função do passado, regulando as escolhas
para o que nos levou ao sucesso.
Deste modo, fazendo a ponte com a Periodização Tática, facilmente se
percebe que com a vivência sistemática e hierarquizada dos princípios de
jogo –através da manifestação continuada do morfociclo padrão– esta
metodologia de treino não só procura criar imagens mentais –“gravar” no
corpo experiências relativas ao jogar que se pretende– como também
associar-lhes emoções e sentimentos que facilitem as tomadas de decisão
durante a competição e treino. Ou seja, utilizar essa ferramenta do cérebro
que são os marcadores somáticos.
A criação de marcadores somáticos, através da vivenciação de um
determinado jogar, ou seja, dos princípios de jogo que o sustentam,
imbuída de carga emocional e respectiva sentimentalidade
possibilita que aquando do surgimento de situações e contextos
semelhantes, a tomada de decisão seja mais célere por diminuição
da quantidade de informação a descodificar, permitindo-nos deste
modo antecipar, ou pelo menos viver o jogo de forma antecipada
relativamente aos adversários.
(Maciel, 2011a, p. 460)

Aqui parece-nos possível dizer que talvez o sentimento possa ser


uma «ideia» do corpo quando o organismo, como um todo, reage
emocionalmente durante a vivenciação hierarquizada de uma certa
forma de jogar. Provavelmente, podemos falar de uma espécie de
especificidade de sentimentos, entendidos como «mapas cerebrais»
que representam as reações ao processo e os seus resultados. Se
assim for, estes serão tanto mais significativos quanto mais o
processo promover o seu aparecimento, o mesmo é dizer, quanto
mais se treinar em especificidade.
(Oliveira et al., 2006, p. 208-209)

A Periodização Tática, quando bem operacionalizada proporciona não


apenas o surgimento de mecanismos que auxiliam nas escolhas durante a
competição e treino, bem como reduzem o tempo das mesmas, através do
processo de habituação.
3.8.4 A criação de hábitos como pressuposto para um bom jogar
Somos o que repetidamente fazemos. A excelência, portanto não é
um feito, mas um hábito.
Aristóteles
O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê
Nem ver quando se pensa.
Fernando Pessoa (1974, citado por. Sousa, 2009, p. 5)

Há quem p’ra jogar


não deva pensar, sempre...
O corpo fá-lo por si, sem falhar
ligado ao cérebro não-consciente.
Frade (2014a, p. 76)

Para Rui Faria (2006) o objetivo do processo será sempre o mesmo:


tornar cerebral (e também corporal!) a dinâmica de interações
intencionalizadas que é organização, que é filosofia, que é emoção. Criar
intenções e hábitos nos jogadores. Devemos tornar subconsciente e
consciente um conjunto de princípios de forma a manifestar naturalmente
uma forma de jogar.
Diz McCrone (2002) que a finalidade do cérebro é otimizar
comportamentos – manipular com destreza as necessidades do corpo contra
as ameaças e as possibilidades do momento. Embora muitas pessoas
acreditem que o cérebro e o sistema nervoso trabalham à velocidade da luz
não é isso o que verificamos. O neurocientista francês Changeux (2002
citado por. Campos, 2008) coloca que o sistema nervoso de todos os
organismos vivos, incluindo o homem, propaga os sinais elétricos a uma
velocidade bem menor do que a da luz.
Isso significa que os sinais neuronais não exploram as ondas
eletromagnéticas que provêm das forças fundamentais do mundo físico,
sendo que esta limitação física é uma herança que nos foi legada através da
evolução das espécies. Para que um indivíduo elabore uma resposta mental,
em plena consciência, demora cerca de meio segundo até que toda a
hierarquia de processamento cerebral tenha feito o seu trabalho.
No jogo de futebol, onde os jogadores devem tomar decisões (acertadas)
no calor do momento, e onde praticamente quase não há tempo para pensar,
de facto, para uma deliberação consciente, apenas 500 milésimos de
segundo é muito pouco tempo.
Experiências laboratoriais mostram quanto tempo o cérebro leva
para integrar novas informações. Quando se pede às pessoas que
apertem um botão assim que uma luz pisca, elas levam 200
milésimos de segundo, 1/5 de segundo. Cerca de 120 milésimos de
segundo são necessários para registar o facto de que a luz piscou e
outros 80 para fazer o dedo mover-se. Esse tempo é necessário para
uma simples tarefa que não exige pensamento. Para qualquer outra
que requer atenção, como fazer malabarismo, o atraso da resposta
fica próximo do meio segundo.
(McCrone, 2002, p. 42-43)

Se para fazer malabarismo o atraso da resposta fica próximo do meio


segundo, imagine para o futebol, onde, na maioria dos casos, não há
qualquer hipótese de parar para comparar todas as opções disponíveis pois
há que decidir e atuar com rapidez e eficácia quase instantâneas.
Sabemos que para se ter sucesso nesta modalidade a precisão decisória e
de execução é absolutamente necessária, e apesar de ser uma tarefa muito
complicada, muitos jogadores de futebol demonstram uma impressionante
capacidade de fazer escolhas e executá-las com grande precisão e num
curtíssimo espaço de tempo. Nas várias circunstâncias que o jogo lhes vai
apresentando, conseguem arranjar soluções eficazes, ainda que estando
submetidos a uma grande pressão circunstancial (por parte dos adversários,
timings dos colegas, espaço onde a ação decorre, resultado e tempo de
jogo).
Quando assistimos a um jogo e deparamo-nos com grandes jogadas,
executadas numa fração de segundo, muitas vezes perguntamo-nos: como é
que ele fez isso? Tão rapidamente? Esta pergunta não só foi feita como foi
levada a cabo por alguns neurocientistas em experimentos. Eles queriam
saber se desportistas em geral eram seres humanos diferentes dos outros no
que se refere à velocidade com que os seus Corpos respondem aos
estímulos.
McCrone (2002) refere que ao submeter tenistas profissionais a testes de
tempo de reação, que não incluem as suas atividades, foram considerados
lentos. Quer isto dizer que os seus cérebros não funcionam mais rápido, não
conseguem ver o que está a acontecer nem um pouco mais rápido do que a
generalidade das pessoas, e isso inclui eu e você. E mais: creio que se ao
invés de tenistas, fossem jogadores de futebol o resultado seria o mesmo.
Então como isso é possível? Como é que muitos jogadores apresentam
capacidade de reação muito mais rápida do que outros, quando realizam as
suas atividades específicas?
Sabemos que durante um jogo de futebol quase sempre os jogadores têm
de tomar e executar decisões num curtíssimo espaço de tempo de maneira
eficaz. O problema é que as mensagens nervosas não parecem deslocar-se
com rapidez suficiente para tal. Como é possível? A resposta para essa
pergunta está no hábito84 e na antecipação. Eles podem ajudar o cérebro a
derrotar o tempo.
Em suma, o cérebro pode ser lento, mas não é bobo. Cérebros
simplificam o problema da sua lentidão através de atalhos de
processamento, criando pontes entre as lacunas, gastando assim, o menor
tempo possível:
Criar pontes entre centenas de áreas corticais exige trabalho. Mas
o cérebro pode criar atalhos nessa resposta e reagir fora dos
padrões, cortando o tempo de processamento de 500 milésimos de
segundo para “apenas” 200. Existem estruturas cerebrais inferiores
especializadas nesse trabalho. Um agrupamento de centros
nervosos, os gânglios basais, abriga-se dentro dos hemisférios
cerebrais, observando silenciosamente os padrões de atenção e a
tomada de decisões que se forma na lâmina cortical acima. Em
vigilância, os gânglios basais começam a ver quais padrões
sensoriais produzem mais tarde determinada resposta. Eles poderão
fazer, literalmente, um curto-circuito para a produção daquele
estado de saída. Assim que o tipo certo de sensação começar a
chegar, os gânglios basais poderão disparar a mesma resposta de
maneira imediata, sem pensar. A tarefa será feita como se o cérebro
superior tivesse ponderado cuidadosamente a sua resposta.
(McCrone, 2002, p. 43-44)

Esse é um truque inteligente para poupar tempo, que funciona quando o


cérebro experimenta a mesma situação em ocasiões suficientes para
conseguir uma conexão na forma de hábito, explica o autor. Por exemplo,
pensemos na aprendizagem de um condutor de automóvel: inicialmente
durante as aulas práticas da escola de condução, e até mesmo durante as
primeiras voltas já com a primeira carta de condução em mãos, o recém-
condutor perde muito tempo e despende muita energia para se concentrar
em vários detalhes, que numa fase inicial são extremamente relevantes, tal
como olhar para a alavanca para trocar de velocidade, controlar
cuidadosamente a relação do pedal de aceleração com a embraiagem,
concentrar-se para não se esquecer de ligar os piscas, etc.
Para Baars (1998, citado por. McCrone, 2002) quase todas as nossas
ações são mais bem-feitas quando as fazemos de forma inconsciente. Na
primeira vez estamos inseguros, atrapalhados e atentos a demasiados
detalhes. Com o passar do tempo e especialmente com muitas e muitas
horas de prática, o condutor de tanto repetir os movimentos –conduzindo-,
cria atalhos cerebrais que lhe permitem executar estas ações não mais
necessitando da plena consciência, economizando energia e permitindo-lhe
direcionar a atenção para aspetos mais complexos como, por exemplo, a
relação do seu carro com o trânsito.
A automatização realizada através da prática e de processos
subconscientes é mesmo tão incrível que é possível conduzir o carro ao
mesmo tempo em que se conversa longamente com o passageiro ao lado
sobre o que irão fazer no fim de semana, enquanto o subconsciente
desempenha todas as manobras complexas que permitem que o condutor
dirija pela cidade.
A “mente consciente” fica tão ocupada com a conversa que somente
depois de uns cinco minutos o condutor percebe que nem prestou atenção
ao que estava a fazer. Sabe que está do lado certo da via e que está a seguir
o tráfego normalmente. Se olhar pelo retrovisor, verá que não atropelou
peões nem destruiu os postes no caminho. A sua “mente subconsciente” fê-
lo sair-se tão bem neste trajeto, embora ele não tenha prestado atenção ao
seu comportamento ao longo de todo aquele percurso. A sua mente
subconsciente aparentemente desempenhou bem a tarefa de dirigir,
exatamente como foi ensinada na escola de condução (Lipton, 2007), e isso
é fruto da habitu(ação), onde o hábito se adquire na ação, através de uma
determinada relação mente-hábito.
O robustecimento dos hábitos se efetua quanto mais vezes uma experiência
é repetida, ou seja, é a repetição que torna mais densa a conectividade
neural.
Saindo do campo da aprendizagem da condução de veículos e indo para a
nossa área de interesse, o futebol e a aprendizagem de um jogar, quando
vivenciamos uma mesma, ou parecida situação repetidas vezes, os gânglios
basais conseguem identificar os padrões sensoriais que produziram uma
determinada resposta para as situações que o indivíduo experimentou. Desta
maneira, ao vivenciar situação semelhante, o cérebro poderá literalmente
fazer um curto-circuito para a produção daquele estado de saída, permitindo
ao indivíduo que responda com maior velocidade e não necessite da plena
consciência para fazê-lo.
É como uma pessoa que ganha um computador novo e que de tanto
utilizá-lo passa a digitar sem necessitar de ver o teclado (mas no começo
necessitava de vê-lo, e se estava habituado a outro computador, com outro
teclado, muito provavelmente levou tempo e errou várias vezes a digitação).
Assim que o tipo certo de sensação começar a chegar, os gânglios
basais poderão disparar a mesma resposta de maneira imediata,
sem pensar. A tarefa será feita como se o cérebro superior tivesse
ponderado cuidadosamente a sua resposta.
(McCrone, 2002, p. 43-44)

Deste modo, os jogadores que treinam segundo a Periodização Tática


vivenciam contextos e situações relativas ao jogar pretendido repetidas
vezes, em diferentes escalas de organização, dando-lhes possibilidade para
que o Corpo possa executar a resposta necessária para a consecução da
finalidade de maneira quase imediata, “sem pensar” como refere McCrone.
Entretanto embora seja uma resposta mais rápida e “sem pensar”, tal
resposta será feita como se o cérebro superior tivesse ponderado
cuidadosamente a sua resposta.
A vivência e experienciação em situações similares, que desenvolvem as
ações e interações intencionais do jogar, repetidas vezes, é promovida pelo
princípio metodológico das propensões, devidamente articulado com os
demais, e possibilita que os jogadores em competição reajam de maneira
mais rápida e nem por isso ineficaz (pelo contrário).
Esta repetição sistemática dos princípios de jogo, devidamente suportada
pela lógica do morfociclo padrão é fundamental:
As primeiras conexões feitas num circuito neural são reforçadas
cada vez que a mesma sequência é seguida, até que os caminhos se
tornam tão fortes que passam a ser o percurso automático – e um
novo circuito é instalado ‒.
(Goleman, 2006, p. 231, citado por. Maciel, 2011a, p. 449-450)

Não sei se por exemplo o lateral direito ao receber a bola vai jogar
no extremo ou vai jogar no central porque isso é que é
variabilidade, é o aqui e agora, a decisão do jogador. Mas está
sobre-condicionada àquilo que desejamos, portanto, nós queremos
ter a posse de bola e o pivot está a ser marcado, ele não vai
arriscar um passe para o pivot e então vai jogar para o central. E
está sobre-condicionado a quê? Ao querermos jogar em segurança
para mantermos a posse de bola. Não sei o que vai acontecer no
aqui e agora mas sei que a minha equipa vai ter determinadas
interações pelo que construo no processo de treino.
(Gomes, 2007 citado por. Campos, 2008, p. 36)

Neste caso, a construção do processo de treino de Marisa Gomes faz os


jogadores vivenciarem diversas vezes situações semelhantes ao que se
pretende em termos de ações e interações intencionalizadas, e, portanto,
sobrecondicionados pela ideia de jogo, optam na maioria das vezes por
aproximarem as suas ações e decisões ao jogar pretendido. No caso da
autora a manter a posse da bola, em detrimento de arriscar perdê-la,
sobretudo no primeiro terço do campo através de passes de risco; desta
maneira os jogadores são orientados para os princípios de relacionamento
que geram um jogar concreto, com uma lógica e não com jogadas
mecanizadas que não consideram as circunstâncias.
O hábito permite que o jogador deixe de despender a sua atenção para
aspetos mais elementares e direcione o seu foco a aspetos mais dinâmicos,
como a gestão do aqui e agora, o como levar a efeito a ideia num
determinado momento do jogo, perante determinadas circunstâncias, tal
como o exemplo referido por Marisa Gomes.
Rui Faria, ex-adjunto de Mourinho (citado por. Maciel, 2011a), refere a
importância da habituação e afirma que esta só é adquirida através da ação,
através de uma (sobre)determinada relação mente-hábito: “nos treinos
insistimos muito na habituação.
O treino cria o hábito e depois, no jogo, em vez de o ato ser pensado, este
surge de forma subconsciente e natural”.
Para Malson (1988, citado por. Maciel, 2011a) parece consensual
considerar que a aquisição de hábitos, tanto a nível motor como mental,
requisita a repetição para que a estrutura ou o esquema se instale
definitivamente. A maioria das ações e decisões que tomamos, embora
pareçam conscientes e instantâneas, são resultado de processos
subconscientes que ocorrem no cérebro, uma vez que este se prepara para
executar os movimentos muito antes de sentir conscientemente vontade de
o fazer. “Para que se consiga direcionar esses movimentos é necessário
experenciá-los antecipadamente, transformando-os em hábitos” (Guilherme
Oliveira, 2004, p. 163).
Um pianista profissional, por exemplo, quando dá um concerto, as suas
ações são essencialmente automáticas, não sendo nem precedidas nem
acompanhadas de intenções e deliberações conscientes específicas. Sendo
assim podemos pensar que o pianista não age livremente? É aí que
negligenciamos todo o seu trabalho meticuloso de preparação, as horas
infindáveis que ele passou para ter estes automatismos. Por aqui, tanto no
piano como no futebol, vemos que o treino é fundamental, mesmo daquilo
que fazemos de maneira automática e aparentemente inconsciente (Campos,
2008).
Experiência de Passingham. Adaptado de Lent (2010)

A figura acima ilustra o ensaio de Passingham (1994 citado por. Lent,


2010), onde o indivíduo deveria, em primeiro lugar descobrir uma
sequência correta de movimentos no piano e depois de descobertos, deveria
repeti-los.
Durante a monitoração cerebral evidenciada pela figura acima, pode-se
perceber claramente que quando estamos a aprender um movimento, é
exigida uma grande atividade mental. Na medida em que aprendemos este
movimento, ele se torna menos cognitivo e mais associativo, exigindo uma
menor atividade mental, como fica claro pela redução das áreas em
atividade mostradas na figura.
Esta aprendizagem motora resulta na geração dos chamados
engramas motores, que são verdadeiros padrões de movimento
armazenados no córtex cerebral e que podem ser recrutados
quando o sujeito se vê na iminência de realizar um movimento já
aprendido. Isso explica porque conseguimos realizar alguns
movimentos com bastante automatismo depois de os aprendermos,
em contraste com a grande concentração que estes movimentos nos
exigiam enquanto os estávamos a aprender.
É importante notar também que, durante a fase de aprendizagem do
movimento, ou seja, enquanto o indivíduo estava a tentar descobrir
a sequência correta de movimentos, pode-se notar uma atividade
importante do cerebelo. Tendo em vista que esta importante área do
encéfalo está relacionada com a coordenação de movimentos mais
complexos, fica claro que durante esta fase de aprendizagem o
movimento torna-se um desafio a ser superado e, devido a ser
encarado com dificuldade, resulta no acionamento desta importante
região encefálica, o que não ocorre após a correta aprendizagem da
sequência de movimentos, em que o cerebelo não apresenta mais
atividade na monitoração por ressonância magnética funcional.
(Vaz, 2010)

Diferentemente de decisões triviais, decisões complexas envolvem um


conjunto maior de dimensões interdependentes. Quando estas não estão
habituadas (automatizadas), dispende-se muito esforço, o que acaba por
conduzir a um estado de fadiga.
Quando falamos de habituação, diversos estudos concluíram que
em tarefas demasiado complexas, quando na tentativa de
automatizá-las, maior é a “ativação cerebral”, especificamente nas
áreas do córtex parietal, córtex pré-motor e o cerebelo. Quando
acontece a automatização, a atividade cortical diminui. As conexões
subcorticais com os gânglios da base (e o tálamo) são as que
controlam a execução, de maneira que esta já não necessita de um
controlo consciente (Correa, 2007).
(Casarin & Greboggy, 2012b)

Portanto, pode-se dizer que o hábito só é possível de ser adquirido na


ação (no caso do futebol na interação), através de uma (sobre)determinada
relação mente-hábito, onde o cérebro consegue economizar energia,
atenuando a fadiga, criando mecanismos que permitem dar a resposta num
tempo consideravelmente menor do que quando o processamento é feito de
maneira consciente.
Conforme disse anteriormente, os jogadores de futebol que fazem
escolhas precisas em frações de segundo, quando submetidos a testes de
reação em outro contexto (fora do futebol), muito provavelmente serão
como qualquer outro sujeito: os seus cérebros possivelmente não funcionam
mais rápido e tendencialmente não conseguem ver o que está a acontecer
nem um pouco mais rápido que o restante de nós.
Esta constatação científica é extremamente relevante (ainda que feita com
jogadores de ténis), porque valida uma vez mais os benefícios da
Especificidade promovida pela vivência de processos de treino segundo a
lógica da Periodização Tática. Recordemos uma vez mais que os efeitos da
adaptação têm uma relação direta com os estímulos que a provocam.
Portanto, é imprescindível que o processo de treino seja Específico, não
só para criar marcadores somáticos relativos a um jogar, mas para tornar as
intenções85 prévias86 (ideia de jogo), que são conscientes, em intenções em
ato87, que na grande maioria das vezes manifestam-se no domínio
dominantemente subconsciente, de maneira a otimizar e qualificar os
processos decisionais, convergindo-os para o jogar da equipa.
O objetivo do processo será sempre o mesmo: tornar cerebral e corporal a
dinâmica de interações intencionalizadas que é organização, filosofia,
emoção; criar intenções e hábitos; desenvolver concomitantemente um
saber fazer com um saber sobre esse saber fazer, de forma a manifestar
naturalmente uma forma de jogar.
Baseando-se nos conhecimentos de Changeux (2002), Campos (2008)
recorda que o treino cria pré-representações que possibilitam aumentar a
velocidade dos acontecimentos, fazendo-os depender de algo já
previamente definido (a ideia de jogo) e não somente da solução que o
cérebro teria que encontrar e realizar para cada momento do jogo. Ou seja,
possibilita criar pontes entre as lacunas de processamento cerebral,
diminuindo, portanto, a sua latência, através da ativação de processos
subconscientes que poderão ser adquiridos (interiorizados/somatizados)
através do treino (específico), possibilitando assim que os jogadores e a
equipa consigam orientar as suas decisões baseando-se pelos padrões do
jogar, economizando tempo e esforço.
Assim como aludi exaustivamente neste livro, para interiorizar
intenções/padrões de interação, colocando-os no plano do subconsciente (e
posteriormente no plano consciente), a comunicação não substitui de forma
alguma as (inter)ações, pois é através dela(s) que se criam os hábitos que
desejamos implementar.
Portanto, apenas a identificação verbal com os princípios de jogo, não é
suficiente. Recordemos o que diz o professor Frade (2013a, p. 410/414): “o
jogar não é da esfera das palavras, do discurso. Não é matéria de
pregação, é matéria de ação”.
A este respeito, muitos treinadores querem transmitir a ideia de jogo (a
intenção prévia) através do discurso e não raras vezes costumam dizer: “Ah,
os jogadores sabem exatamente o que fazer! Eu já lhes disse muitas vezes”.
No jogo, em qualquer ação, o primeiro problema que se coloca ao
jogador é sempre de natureza tática: “o que faço aqui e agora?”, mas o
problema está exatamente aqui: esta pergunta “o que faço aqui e agora?”
em jogo é uma pergunta não consciente, cuja resposta ela é também
dominantemente não consciente.
Enquanto algumas intenções resultam de uma deliberação consciente
anterior à ação, outras nascem no calor da ação sem que sejam sempre
premeditadas. Ou seja, devem distinguir-se dois tipos de intenções: as
intenções prévias, conscientes, e as intenções em ato, na maioria das vezes
não consciente.
Com relação a este tema, Amieiro & Maciel (2011) convidam-nos a
imaginar a seguinte situação: imagine que você, leitor, vai se deslocar de
carro, de um ponto a outro da cidade, por uma via rápida e a grande
velocidade. Antes de você sair, nós damos-lhe a ordem de que, se por acaso,
algum cão aparecer no meio da rua, ao invés de usares o travão pisando no
pedal, utilizarás o travão de mão. Você, leitor, consente com esta intenção
prévia e afirma que quando avistar o cão a cruzar a avenida irá travar
puxando o travão de mão.
Entretanto, ao conduzir a grande velocidade e ao deparar-se com o cão,
repentinamente, será que no calor da ação, neste contexto carregado de
emoção, onde é obrigado a decidir de maneira muito rápida, utilizará o
travão de mão para travar? Muitíssimo provavelmente recorrerá ao pedal
para parar o carro.
Isto porque no calor da ação, quando somos forçados a tomar decisões
rapidamente, quando a emoção se apodera de nós, nós não temos acesso
consciente, nem às perguntas, nem às respostas, simplesmente fazemos em
função de hábitos adquiridos, neste caso, a utilização do travão por pedal
foi infinitamente maior do que o travão de mão ao longo da vida do
condutor.
Assim ocorre também no jogo de futebol! Em contextos não lineares, no
calor da ação, quando a emoção se apodera de nós, nós não temos acesso
consciente, nem às perguntas nem às respostas, simplesmente fazemos e
fazemos em função de hábitos adquiridos.
A acção
num contexto de incerteza,
não vai lá com pregação
disso tenho eu a certeza!
(Frade, 2014a, p. 104)

Por isso, desde o início do processo, devemos treinar sempre em


especificidade, levando os jogadores a vivenciarem constantemente os
padrões de interações pretendidas, para que os mesmos possam deixar seus
hábitos antigos para trás e adquirir novos hábitos.
Esta aquisição de novos hábitos, como já referi não acontece da noite
para o dia, necessita de tempo e muito treino. Isto porque o que queremos
não é apenas que os jogadores incorporem a nossa ideia conscientemente,
mas também, e principalmente, de maneira subconsciente.
Penso que o treinador deverá ter muita paciência e discernimento na
condução do processo. É muito comum que os jogadores, por mais que já
possuam um conhecimento consciente dos padrões de resposta que
pretendemos, não consigam ter a consistência e a regularidade desejada
durante a competição e acabem por manifestar padrões de resposta antigos
(assim como no exemplo do cão), sobretudo quando começam a perder a
concentração e/ou em situações de stress, pressão e fadiga.
Mara Vieira (citada por. Tamarit, 2013b) explica que já nos primeiros
dias de convivência com a sua equipa, fez algumas apresentações para as
suas jogadoras mostrando a ideia de jogo pretendida, ou parte dela, seja por
imagens, vídeos, e foi possível perceber que as jogadoras conscientemente
compreendiam o que deveriam fazer em campo, mas quando treinavam ou
jogavam tinham uma grande tendência a regressar aos hábitos antigos, ou
seja, padrões de respostas diferentes das que a treinadora idealizava.
Numa fase inicial a tendência de voltar aos hábitos antigos é enorme. Isso
é facilmente verificável quando no início do trabalho, em treinos e também
em jogos (oficiais ou não), a partir do momento em que os jogadores ficam
cansados (“física” e “mentalmente”), há uma tendência natural a voltar ao
que é habitual, o que muitas vezes significa padrões de resposta diferentes
dos que pretendemos. O treinador deve entender este processo, intervindo
quando necessário.
Isso pode motivar com que nos primeiros amigáveis e/ou “jogos-treino”,
o treinador leve a campo a equipa por um período mais curto que o habitual,
trocando os jogadores; bem como durante os treinos, parando o exercício
quando padrões que não queremos treinar estejam a acontecer. Um
treinador sem sensibilidade para detectar isso e/ou que não intervém, na sua
continuidade passará a “treinar erros”, ao invés de treinar a sua ideia de
jogo. De facto o maior “problema” está no subconsciente, nos padrões de
resposta adquiridos pela experiência.
Por exemplo, um central que está acostumado a dar pontapés para frente
para “não se complicar” (ainda que tenha alguma opção de passe viável)
perante a mínima pressão que recebe do adversário. Por mais que
conscientemente o jogador entenda, quando ele começa a perder a
concentração, e/ou nos momentos de maior pressão, stress competitivo, que
é quando o nosso subconsciente nos conduz dominantemente, existirá uma
forte tendência no jogador passar a responder como sempre fez, neste caso
hipotético a livrar-se da bola.
É por isso, que cansado
Com o bom padrão enraizado,
É muito menor o pecado
Ao querer jogar fatigado!
(Vítor Frade, s/d)

Não é um modelo no papel


é p’los corpos um modelo,
nada tem com folhas de excel
é bem diferente o apelo.
É modelo porque somatizado
habituação adquirida na acção,
se assim não for contemplado
modelo de jogo mais que ficção,
é alienação,
por mais apologia
à “malhação” no dia-a-dia.
(Frade, 2014a, p. 41-42)

“Se eu quero que o avançado X jogue bem aberto, sendo que por toda a
sua carreira jogava mais fechado, nos primeiros 15 minutos do jogo ele
ficará colado na linha, mas depois irá jogar mais fechado porque foi o que
sempre fez”. Com estas palavras Tamarit (2013d) alerta para a necessidade
de criar hábitos durante todos os treinos, uma vez que 90% das escolhas que
tomamos são feitas através do subconsciente, ou seja, estão adquiridas.
Por isso, se não treinamos os padrões desejados de maneira a habituar os
jogadores, por mais que possamos dizer, ou até mesmo gritar, não irá
adiantar, eles não terão capacidade para desempenhar o que se pretende
com consistência e regularidade durante o jogo.
Costa (2012) explica que numa situação de medo ou de “stress” crónico,
há uma hipertrofia das zonas cerebrais ligadas aos hábitos e uma hipotrofia
das zonas ligadas à ação por objetivos (intenção prévia). Ou seja, há uma
tendência em tomar decisões de rotina (o que estamos habituados a fazer).
Este é mais um dos motivos que justifica que o treino seja feito em
especificidade e em função da Especificidade (nosso referencial macro
padronizável), levando jogadores e equipa a criarem hábitos e
automatismos relativos à ideia de jogo, nas suas diferentes escalas, de modo
a que possam dar uma resposta otimizada, conseguindo sobredeterminar os
acontecimentos que vão emergindo nos diferentes lances do jogo, isto é, no
“aqui e agora”.
Assim, trataremos de vivenciar a “mesma coisa” todos os treinos, ainda
que não da mesma maneira, isto é, os exercícios do treino reportar-se-ão à
ideia de jogo, porém serão concretizados com variabilidade, e ao mesmo
tempo com pouca ambiguidade, de diferentes maneiras, em diferentes
escalas, tal como já aludido ao longo do livro. Como costuma dizer Vítor
Frade, devemos estabelecer uma rotina, sem cair na rotina.
Eu utilizo normalmente dois conceitos: o entendimento de jogo e até
mais apropriadamente o entendimento do jogar, porque é aquele
que eu pretendo, mas o entendimento de jogo genérico também é
cultura e já é importante. E muitas vezes o conhecimento genérico
que eles têm do jogo pode ser um empecilho para o entendimento de
jogo ou do jogar que pretendo. Agora isso, o facto de entenderem
não os leva a fazer melhor mas que ajuda, ajuda, porque de facto
muitos dos nossos comportamentos, contrariamente ao que a gente
pensa são da esfera do não consciente. Mas fruto de quê?! Duma
habituação! Ora se eles estão habituados a outra lógica é
fundamental que ela se desmonte. Mas em função de quê?! Da
assimilação da lógica que a gente quer, e quando passa para hábito
então é que ela é espontânea. O hábito é uma intenção adquirida na
ação, digamos assim. É agindo que se leva a isso. Até
neurocientificamente ou neurobiologicamente não é a mesma coisa,
eu até costumo dizer que só o ato intencional é educativo.
(Frade, 2013b, p. 97/98)

Portanto, se os indivíduos vêm de fora e o jogo que têm na cabeça,


na cabeça e nas unhas dos pés, no consciente e no subconsciente…
se os jogadores não forem burros não é muito difícil o «novo» jogo
estar no consciente, mas isto só não chega, é o corpo todo que joga,
com uma dimensão afetiva e emocional incorporada e essas têm a
ver com os hábitos adquiridos, têm a ver com aquilo que ainda não
foi alterado! Isto requer tempo. Mesmo a nível de top tendo vinte e
pouco anos, salvo raríssimas exceções, eles devem ter jogado
futebol toda a vida e devem ter quilómetros e quilómetros de futebol
nas pernas.
(Frade, 2013b, p. 112)

Tal como Cruyff (1986, citado por. Sousa, 2009) sublinhava: no futebol
não deves estar somente disponível para aprender, deves estar disponível
também para desaprender.
É importante que se perceba que neste tipo de contextos, aquilo que
vai acontecer a seguir é imprevisível, nós não dominamos
completamente, é aleatório, é imprevisível. Nestas circunstâncias,
acrescidas da emotividade e do stress relativo à competição, que
acresce a este problema, existem estes conflitos: “aquilo que eu
quero fazer e aquilo que na situação eu vou fazer”, bem como
“aquilo que faço e que é contrário ao que deveria querer fazer”.
(Amieiro & Maciel, 2011)

Nestes casos a escolha vai tender muito mais para o que o jogador está
habituado a fazer. E o que nós queremos em treino é aproximar as intenções
em ato das intenções prévias, e isso só há um modo de fazer: é sempre
treinar aspetos inerentes à nossa ideia de jogo88, tendo como suporte o
respeito sistemático pelo morfociclo padrão.
No primeiro contacto
com a ideia de jogo
dá-se uma apreensão de facto
mas não no corpo todo,
só a identifica a cabeça
dos jogadores
aí, como juízos de valor
mais ou menos esclarecedores,
intenção prévia qual motor...
portanto,
p’ra que na somatização se teça
é necessário, entretanto,
experenciá-la na temporalidade
p’ra que marcada somaticamente
pela superaprendizagem
fique em cada um
a equipa como especificidade
e sem equívoco nenhum
ao longo da viagem...
como hábito adquirido na interacção,
habituação padronizada
e na temporalidade modelada
manifestável não-conscientemente
é da equipa a identidade,
da qualidade a identificação,
do que é a intenção prévia antecedente,
a redundância...
que pela diacronicidade
o estar pronta mas não acabada
é na estética a elegância
que colhe da variabilidade
o emergir do não querer-se terminada,
cujo algoritmo...
como algo que lhe dá o ritmo,
está nos morfociclos padrão
dinamizados
e experenciados,
sem qualquer contradição.
(Frade, 2016, p. 881)

Este processo de transformação de hábitos também contempla a


metodologia de treino utilizada durante o processo. Por isso, vale uma vez
mais ressaltar que o “café-com-leite” é extremamente importante, uma vez
que não apenas conscientemente, mas principalmente no nível
subconsciente os jogadores têm quilómetros de futebol no Corpo todo.
Para além de o subconsciente ter um papel decisivo nas nossas escolhas,
ele também exerce forte influência na nossa maneira de sentir e também de
ver a vida. Se o leitor tiver boa memória, talvez agora poderá compreender
de maneira mais clara a nossa preocupação, no início deste livro com a
gestão da dimensão estratégica durante a competição.
Recordem que não se deve incidir na estratégia se a equipa ainda não
adquiriu uma identidade, hábitos, padrões de resposta pretendidos tanto na
esfera consciente como subconsciente. Corre-se o risco de criar uma grande
confusão nos jogadores, abrindo a possibilidade de que não consigam
identificar claramente o nosso jogar, atrapalhando sua funcionalidade, o tal
jogar palhaço ao invés do camaleão.
3.8.4.1 O hábito e a economia neurobiológica
Sendo o hábito um saber fazer que se adquire na (inter)ação, treinar em
especificidade e em função da Especificidade, tendo na repetição
sistemática o suporte da viabilidade da aquisição dos princípios de jogo é o
que permite promover o aparecimento de intenções em ato em
conformidade com as intenções prévias, o que inevitavelmente resulta em
aumento de qualidade decisional e em economia neurobiológica (Oliveira et
al., 2006).
Estes últimos autores explicam que o jogar89, como qualquer outra ideia
de jogo que se paute por uma organização coletiva elaborada, e a sua
operacionalização pela concentração que exigem, pressupõe grande
desgaste “mental-emocional” e, nesta medida, elevada fadiga. Todavia, o
treinar em especificidade leva a que as exigências de concentração
implícitas de uma determinada forma de jogar passem a ser menores.
E porquê? Porque o hábito resulta em economia neurobiológica.
Como a esfera fundamental do saber fazer é do domínio não consciente e
o hábito é um saber fazer que se adquire na (inter)ação, o treinar –a
aprendizagem pela repetição– é um processo de construção do jogador em
que o saber adquirido é dominantemente património do não consciente. Se
assim for, o hábito leva a que a solicitação mais complexa da tríade córtex-
corpo-ação seja mais salvaguardada, diminuindo significativamente o
esforço neurobiológico.
A automatização assume deste modo, grandes vantagens para as ações
dos jogadores, visto que além de lhes permitir gerir problemas de grandeza
e complexidade superiores, permite-lhes também aceder a níveis de
criatividade mais elevados, por se tornarem capazes de criar soluções de
ordem de complexidade mais elevada, para os problemas que o jogo vai
colocando.
Além disso, o facto de o hábito permitir uma libertação ao nível da
atenção necessária, é de especial relevância, para a gestão da fadiga dos
jogadores. Como consequência da aquisição de hábitos relativos a um
jogar, observa-se a economia do sistema nervoso central (Carvalhal, 2002).
A este respeito António Damásio é bastante claro:
O facto de podermos dispensar um exame consciente nalgumas
tarefas automatiza uma parte considerável do nosso comportamento
e liberta-nos em termos de atenção e de tempo para planear e
executar outras tarefas mais complexas e para criar soluções para
problemas novos.
(Damásio, 2000 citado por. Oliveira et al., p. 214)

A automatização também tem grande valor nos desempenhos


motores tecnicamente complexos. Uma parte da técnica de um
virtuoso músico pode permanecer inconsciente, permitindo que este
se concentre nos aspetos mais elevados da conceção de uma
determinada peça e possa assim orientar a atuação de forma a
exprimir certas ideias. O mesmo se aplica a um atleta.
(Damásio, 2000 citado por. Oliveira et al., p. 214 – 215)

Atenção para as palavras de Mourinho, nos dois excertos que se seguem:


“Gosto que a minha equipa seja uma equipa com posse de bola, que a
faça circular, que tenha muito bom jogo posicional e que os jogadores
saibam claramente como se posicionam” (citado por. Oliveira et al., 2006,
p. 194).
Quero uma alta circulação de bola e, para que isso aconteça, tem
que existir um bom jogo posicional, isto é, todos os jogadores têm
de saber que em determinada posição há um jogador, que sob o
ponto de vista geométrico há algo construído no terreno de jogo que
lhes permite antecipar a ação.
(Mourinho, citado por. Oliveira et al., 2006, p. 193-194)

A este respeito, depois de haver repetição suficiente e necessária para que


as intenções e interações sejam marcadas como hábitos, criam-se condições
para se começar a antecipar. Isto porque tais intenções e interações passam
a ser cada vez mais normais para os jogadores, tornando-se automáticas, o
que permite haver mais atenção para o detalhe, como a posição do
adversário, para os aspetos micro como a forma como vão fintar o rival ou
receber, passar determinada bola; e para a escolha de um dos futuros
possíveis contidos potencialmente na ambiguidade de cada “aqui e agora”.
No fundo, com a vivência sistemática do processo, equipa e jogadores
adquirem a capacidade de reconhecer, dentro das diferentes situações do
aqui e agora, um determinado padrão configuracional que subjaz a possível
exatidão da precisão.
Portanto, fica evidente a importância da aquisição de hábitos referentes a
um jogar, não só para que esse padrão de jogo se manifeste com
regularidade em competição, mas também para que a atenção dos jogadores
passe apenas a ser necessária relativamente às nuances particulares de cada
situação, o mesmo é dizer, à gestão do instante do aqui e agora. Isso
resultará em economia de esforço e na maior disponibilidade dos jogadores
para encontrarem e criarem soluções de modo a sobredeterminar as
circunstâncias.
Também se faz necessário referir que em termos neurobiológicos, na
execução de qualquer ação de jogo, apenas um terço do tempo de realização
é despendido na execução propriamente dita. Os outros dois terços do
tempo total têm a ver com a discriminação contextual e com a identificação
do que fazer.
Daqui sobressai a importância da familiarização com os
“acontecimentos”, isto é, com o jogo e, mais do que isso, com a
nossa forma de jogar. Porque, quanto maior for a identificação com
o que se quer, mais fácil é a discriminação, melhor se identifica
aquilo que vai acontecer, mais facilmente um número significativo
de jogadores pensa em função da mesma Intenção ao mesmo tempo.
(Oliveira et al., 2006, p. 121)

Talvez por isso o ex-treinador do Barcelona, Tito Vilanova, após as lesões


de Puyol, Piqué e Abidal, decidiu improvisar Adriano, um lateral-esquerdo
como central (naquela altura levava três épocas com o clube catalão), em
detrimento do suplente natural para esta posição, naquela época o recém
chegado Alex Song para enfrentar o Real Madrid.
Atente-se para as palavras do treinador, reproduzidas pelo portal
eletrónico globoesporte.com no dia 8 de outubro de 2012, ao justificar a
“surpreendente” escolha: “Song conhece os conceitos, mas ainda leva
tempo para executá-los”.
Outro exemplo é o do treinador campeão do mundo pelo Corinthians e
atual treinador da seleção brasileira, Tite. Ele recebeu a seguinte pergunta
de um jornalista do Lance!Net, em julho de 2013: “Você nunca escondeu
que gosta de táticas. Ela ganha jogos decisivos como o de terça?”
– Com o entrosamento ao longo do tempo, contribui para ganhar. Não a
tática específica, mas como ela funciona. Não é mágica: ‘Olha, vou colocar
o 1-3-5-2 para ganhar na quarta-feira’. Eu não acredito nisso. Você tem a
organização tática pronta, faz ajustes. Se mudar a mecânica (não-
mecânica) da equipa, perde o jogo sem pensar. A velocidade do jogo não
permite você olhar, pensar, trocar... Tem de ser um processo todo
automático.
Portanto, o objetivo de tornar cerebral e corporal a dinâmica de
interações intencionalizadas que é organização, filosofia, emoção; criar
intenções e hábitos; desenvolver concomitantemente um saber fazer com
um saber sobre esse saber fazer, de forma a manifestar naturalmente uma
forma de jogar, como vimos se faz fundamental, onde a Periodização Tática
afigura-se claramente como uma facilitadora para que isso aconteça.
Em suma, para aqueles treinadores que desejam que sua equipa manifeste
regularmente em competição elevados desempenhos (em qualquer idade e
realidade competitiva), a Periodização Tática é claramente uma
metodologia viável e desejável de ser operacionalizada.
25 Morfociclo: Conceito que será abordado com maior profundidade posteriormente.
26 Corpo: “A palavra Corpo será escrita com a primeira letra em maiúscula, para evidenciar a
noção de um Corpo íntegro, ou seja, como um todo, composto pelo corpo-propriamente-dito, cérebro
e mente, e as relações entre estas partes” (Maciel, 2011a, p. 148). “Quando afirmo que o corpo e o
cérebro formam um organismo indissociável, não estou exagerando. De facto, estou simplificando
demais” (Damásio, 1996, citado por. Zambiasi, 2012).
2727 Sistema de jogo: Na linguagem futebolística este termo é comumente associado à configuração
geométrica posicional dos jogadores no terreno de jogo, uma organização rígida e sem
funcionalidade. Tendo por base o que já vimos ao longo deste livro o termo “estrutura de jogo” será o
que talvez melhor se ajusta ao que na realidade se pretende definir (e que por norma se define) como
“sistema de jogo”.
28 As características do grupo de jogadores (atendendo às singularidades de cada um) que o treinador
tem à disposição, na minha opinião, será um dos aspetos que influenciará diretamente na formulação
e na manifestação da ideia de jogo do treinador. Não é o mesmo ter Toni Kroos e Luka Modrić para a
posição de médio-centro do que ter Luiz Gustavo e Paulinho. Devido as suas características e
interações com o restante da equipa, Kroos e Modrić podem proporcionar determinadas
circunstancias e dinâmicas enquanto Luiz Gustavo e Paulinho outras. Nesse sentido, a supradimensão
tática é condicionadora e ao mesmo tempo condicionada, ao nível das escalas menores, pelas outras
dimensões e deve ser coerente com o conjunto de características que o plantel oferece, no sentido de
fazer com que a manifestação da ideia de jogo do treinador por parte dos jogadores seja viável.
29 Princípios de Jogo: “São padrões de intencionalidade relativos ao jogar que sustentam os
critérios expressos pelas várias escalas da equipa (individual, setorial, intersetorial, coletivo), e que
ao se manifestarem com regularidade lhe conferem identidade e funcionalidade nos vários momentos
do jogo. São, portanto, ideais de interação (cooperante e conflitante) que acontecem em termos
probabilísticos” (Maciel, 2011b, p. 11). Deste modo, os princípios de jogo são padrões com
variabilidade intrínseca, que devem assumir plasticidade e potenciar a diversidade, sendo por isso
simultaneamente includentes e excludentes, são abertos tendo necessariamente que ser fechados,
seletivamente abertos e fechados (Maciel, 2014). Por isso é que falamos de princípios e não de fins,
isto, é, dão espaço para que a criatividade dos jogadores se manifeste constantemente, permitindo que
os mesmos interpretem as circunstâncias e ajam “livremente”. Coloco livremente entre aspas porque
embora os jogadores sejam livres para agir e utilizar sua criatividade e qualidade para dar respostas
eficazes perante aos acontecimentos no “aqui e agora”, eles fazem-no sobrecondicionados pela
matriz, que é a ideia de jogo.
Os macro princípios referem-se aos contornos gerais da identidade da equipa; São os balizadores da
modelação, “são os referenciais coletivos que implicam a equipa toda. Daí que depois os outros
estejam todos “sub”. Mais “sub” ao nível da dimensão meso, e mais “sub-sub” ao nível da
dimensão micro” (Frade, 2013a, p. 413).
Desta forma, os meso princípios (ou subprincípios) são as partes intermédias que suportam e
corporizam a identidade macro da equipa (Maciel, 2011b).
Os micro princípios (ou subprincípios dos subprincípios), por sua vez, são os aspetos mais micro,
aspetos de pormenor que à priori são desconhecidos, uma vez que surgem pela dinâmica do processo
e emergem sobredeterminados pelos níveis de maior complexidade, ainda que sem perda de
identidade ou singularidade. Por outras palavras, conferem imprevisibilidade à previsibilidade e
surgem em função das dinâmicas dos macro princípios e meso princípios.
30 Padrão: De acordo com Gomes (2013), o padrão significa algo que existe sempre, mas comporta
uma variabilidade que não compromete a finalidade e permite a possibilidade de ajustamento, o que
vai ao encontro da nossa perspectiva sobre o que deve ser o jogar de uma equipa. Esta, deve
evidenciar padrões de funcionamento, entendidos desde este ponto de vista.
31 Sistematização da Ideia de Jogo: Tal como nos recorda Xavier Tamarit, é fundamental que o
treinador reflita sobre o jogar que pretende criar e o estruture de forma lógica e coerente, sem,
contudo, desmontá-lo (desarticulando), devido ao caráter complexo e não-linear do processo.
32 Praxiológica: A práxis (ação e, sobretudo, ação ordenada – no caso do futebol diríamos
coordenada – para um certo fim) que se quer levar a efeito tem uma lógica, que é deliberada, é
condizente com o condicionalismo da ideia que queremos colocar, com a ideia de jogo.
33 Café com leite: O professor Vítor Frade engendra esta metáfora para “salientar que sendo a nossa
pretensão colocar os jogadores a beberem leite (representa a Periodização Tática), sem que a
motivação deles vá nesse sentido, porque querem e estão habituados a café (metodologia
convencional), a passagem do café definitivamente para o leite deve fazer-se de forma gradual. Isto
é, sabendo que o leite tem pouca aceitação, fruto da habituação e da crença generalizada
relativamente ao café, o treinador sente necessidade de atender a isso sem deixar de ter a pretensão
de os habituar ao leite, mas ao mesmo tempo tendo a sensibilidade para que a passagem não se faça
de forma conflituosa pela não habituação. No entanto, importa realçar que esse desmame, essa
passagem do café para o leite, deve fazer-se já tendo em consideração a lógica metodológica que
pretendo implementar, ainda que por vezes com conteúdos marcadamente mais ligados com o café
do que com o leite. Ou seja, a lógica metodológica deve obedecer aos pilares do leite, o modo como
a levo a efeito, disfarçadamente, é que pode contemplar conteúdos mais analíticos. Conteúdos que
devo saber misturar com o leite, mas lá está, sem misturar a lógica metodológica, e que devem ser
irrelevantes ao nível da adaptabilidade que poderão induzir nos jogadores, para que não se
constitua como estorvo àquilo que considero essencial. É uma gestão difícil de facto, mas
necessária” (Maciel, 2011b, p. 50-51).
34 Ideia de Jogo / Jogar Específica(o): Usarei o termo Específica, com “E” maiúsculo, de modo a
diferenciar a Especificidade relativa a um jogar (ou a uma ideia) de determinada equipa da
especificidade relativa à modalidade.
35 Contexto de Propensão versus Contexto de Exercitação: Ainda que habitualmente no futebol
falemos a respeito de “contextos de exercitação”, “exercícios de treino”, a nomenclatura que mais se
aproxima do que quero dizer é contexto de propensão ou propensionalidade, uma vez que o contexto
de treino criado se remete a uma(s) determinada(s) propensão(ões), relacionadas à ideia de jogo e à
lógica do dia do Morfociclo em que se está e do que se pretende treinar. Quero com isso evidenciar a
Especificidade relativa ao processo, diferentemente de uma “exercitação” genérica, em termos de
ideia de jogo e de uma lógica metodológica. Por isso abordaremos o tema utilizando
propensão/propensionalidade, ou, quando muito, “exercitação”, entre aspas.
36 Imperativo Categórico: Termo criado pelo filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804). O
professor Savater (2010) conta que para além da sua teoria do conhecimento, Kant centrou os seus
estudos na doutrina da moral humana, dedicando-se a estudar a moral humana e em procurar qual
seria o cerne da mesma. Savater coloca que a moral está relacionada com a ação, com a atividade, e
explica que nós não somos donos de todas as consequências provenientes de nossas ações, ou seja,
não podemos prever com exatidão o que nossa ação irá gerar. “Constantemente fazemos coisas cujos
resultados são opostos, ou pelo menos diferentes do que havíamos buscado. Então isso poderia de
certa forma inibir-nos enquanto seres humanos, ou seja, “Porque vou tentar realizar tal coisa, se os
resultados de tal ação poderão ser diferentes dos que idealizei?”. Para Kant, o que é
verdadeiramente moral em cada um de nós é a boa vontade. A única coisa que um ser humano não
pode renunciar é a de ter boa vontade. Se eu agir com boa vontade, sejam quais forem as
consequências dos meus atos, ninguém poderá me reprovar moralmente. Entretanto, no que se
baseia a boa vontade moral? Toda a moral está formada por imperativos, ou seja, por ordens,
mandamentos. “Deves fazer isso, deves fazer aquilo, deves evitar isso, não podes fazer aquilo, etc.”
Estes imperativos estão presentes diariamente nas nossas vidas. Constantemente nós damos ordens a
nós mesmos, tendo em conta algum projeto, algum objetivo que possuímos. Por exemplo: “Se eu
quero apanhar um avião que descola muito cedo do aeroporto, terei de me levantar cedo”. Então
este imperativo é “tenho que acordar cedo, se eu quiser embarcar no avião”, porque se eu não
quiser não há necessidade de acordar cedo. O verdadeiramente moral, portanto, seriam imperativos
que não estivessem condicionados por nada, mas que porque somos seres humanos, que a nossa
condição humana condicionasse, obrigasse a determinados imperativos. E então, este imperativo
que todos deveríamos assumir, por sermos humanos, quer dizer, por sermos racionais, Kant
expressa-o de várias formas, mas o conjunto, o cerne da questão, é que cada um de nós aja de
acordo com uma máxima que desejamos que se converta em lei universal para todos, isto é, que se
eu vou agir de um determinado modo “tomara que todo mundo, submetidos a estas mesmas
condições, ajam da mesma maneira que eu irei agir”” (Savater, 2010). É por isso que a
Especificidade é um imperativo categórico, isto é, um supraprincípio, pois baliza e orienta a direção
de todo o processo. Deverá ser uma lei universal (concretização interativa da ideia de jogo – criando
um sentir comum a todos os jogadores, uma intencionalidade/moralidade partilhada – e dos
princípios metodológicos), que condiciona e obriga o seu cumprimento por parte dos envolvidos em
todos os momentos do dito processo. Afigura-se como algo absolutamente imprescindível e
necessário.
37 Neurónio: Unidade básica do sistema nervoso, o neurónio é uma das células formadoras deste
sistema, sendo fundamental na condução e armazenamento de informações do sistema nervoso.
Também possui função de captação de estímulos do meio ambiente (sensoriais ou aferentes), função
de envio de estímulos para a periferia (motor ou eferente) e de comunicação com outro neurónio
(interneurónio) (Vaz, 2010). O ser humano possui aproximadamente 100 bilhões de neurónios –
células nervosas cerebrais. “Cada um desses neurónios pode fazer entre mil e várias centenas de
milhares de sinapses. Uma sinapse é a junção entre dois neurónios. Logo, o nosso cérebro é capaz de
produzir cerca de 1.000 triliões de conexões. Todas essas conexões são significativas e cada uma
delas tem a sua própria história e o seu próprio objetivo” (McCrone, 2002, p. 6). É possível
classificar os neurónios em quatro tipos: (1) unipolar, apresentando apenas um axónio; (2) pseudo-
unipolar, com um axónio único e corpo celular adjacente ao axónio; (3) bipolar, com dois axónios; e
(4) multipolar, que possui diversos dendritos e terminações nervosas periféricas (Vaz, 2010).
38 Células da Glia: “É um dos maiores tipos de células nervosas. O outro é o neurónio. As células da
glia ultrapassam em número os neurónios numa escala de 10 para 1 e são também conhecidas como
interneurónios. Transportam nutrientes, permitem a recuperação rápida das outras células nervosas
e podem formar a sua própria rede de comunicações. Glia é a abreviatura de “neuroglia” (Jensen,
2002 citado por. Tamarit, 2013b, p. 127).
39 Propriocepção: Capacidade de perceber, discriminar a posição das partes do corpo no espaço e nas
mudanças de posição (Vaz, 2010). “Também denominada como cinestesia, é o termo utilizado para
nomear a capacidade em reconhecer a localização espacial do corpo, a sua posição e orientação, a
força exercida pelos músculos e a posição de cada parte do corpo em relação às demais, sem utilizar
a visão. Este tipo específico de percepção permite a manutenção do equilíbrio postural e a
realização de diversas atividades práticas. Resulta da interação das fibras musculares que
trabalham para manter o corpo na sua base de sustentação, de informações táteis e do sistema
vestibular, localizado no ouvido interno” (Wikipédia). “É a aferência dada ao sistema nervoso
central (SNC) pelos diversos tipos de recetores sensoriais presentes em várias estruturas. Trata-se do
input sensorial dos recetores dos fusos musculares, tendões e articulações para discriminar a
posição e o movimento articular, inclusive a direção, a amplitude e a velocidade, bem como a tensão
relativa aos tendões” (Martimbianco et al., 2008, p. 1). Alguns achados na literatura sugerem que os
recetores musculares (fusos musculares e o órgão tendinoso de Golgi) e os recetores presentes na
cápsula, ligamentos e meniscos são os principais responsáveis pela propriocepção (Aquino et al.,
2004).
40 Mecanorecetores: “Recetores especializados que se encontram nas mais diversas estruturas do
corpo (pele, músculos, tendões, ligamentos, cápsulas articulares, e muito possivelmente também nos
ossos) e têm a finalidade de enviar permanentemente para o sistema nervoso informações acerca dos
estados do corpo a cada instante. O fuso neuromuscular e os órgãos tendinosos de golgi (OTG) são
recetores musculares, havendo ainda recetores articulares como os corpúsculos de Pacini, os
corpúsculos de Meissner (ambos de adaptação rápida), os corpúsculos de Ruffini e os recetores de
Merckel (ambos de adaptação lenta). Importa também salientar a existência de recetores cutâneos
ao nível das diferentes camadas da pele, nomeadamente os corpúsculos de Meissner e os
corpúsculos de Paccini” (Tamarit, 2013a, p. 123). Fornecem ao SNC as informações sobre o estado
mecânico muscular (Vaz, 2010).
41 Co-contratividade: “Mecanismo de contração muscular em que mais que um músculo recebe
mensagem de inervação no sentido de se contrair, mas no qual a excitação é mais intensa para os
agonistas que para os antagonistas. Uma coordenação contrátil que implica de forma determinante
o papel dos mecanorecetores, e não menos, a sua devida aculturação” (Tamarit, 2013b, p, 124). De
acordo com Johansson et al. (1991, citados por. Aquino et al., 2004) o mecanismo de co-contração
(em conjunto com a contribuição dos mecanorrecetores periféricos, para o ajuste contínuo e dinâmico
da mesma) contribui decisivamente para a estabilidade articular, uma vez que este mecanismo
aumenta a robustez muscular e consequentemente leva a um ganho de estabilidade (Cholewicki,
Panjabi & Khachatryan, 1997, citados por. Aquino et al., 2004).
Ainda, Aquino (2004) coloca que algumas descobertas na literatura trazem para discussão o conceito
de robustez (Duan, Allen & Sun, 1997; He et al., 1988; Kovanen, Suominen & Heikkinen, 1984;
Markolf, Graff-Radford & Amstutz, 1978), que hoje, parece ser o que mais se aproxima do conceito
de estabilidade articular (Richardson, 1999). O mecanismo de co-contração, através do sistema fuso-
muscular-gama pode ser usado pelo indivíduo para ajustar a robustez articular (Johansson, Sjölander
& Sojka, 1990). Nesse contexto, o organismo estaria sempre preparado para lidar com perturbações
externas, uma vez que a robustez pode ser ajustada continuamente. Além disso, esse mecanismo
apresenta flexibilidade suficiente para lidar com a grande variabilidade de demanda de estabilidade
articular existente nos diferentes tipos de tarefa. Essa variabilidade tem considerável valor adaptativo,
já que permite aos indivíduos experimentar situações diferentes de instabilidade e agir
apropriadamente de acordo com o contexto ambiental (Reed, 1982, citado por. Aquino, 2004).
42 Plasticidade: Propriedade do sistema nervoso em se adaptar em função da experiência,
envolvimento e estímulos repetidos (Gomes, 2016). Para um maior aprofundamento sobre o tema,
recomenda-se a leitura das obras de Catherine Malabou, autora que defende a existência de uma
quarta plasticidade neuronal, uma vez que o sujeito é “programado” geneticamente para se
“desprogramar”, para se reconfigurar e se adaptar, em função do envolvimento, dos hábitos e da
educação (Gomes, 2016). Segundo Billat (2016) o desempenho é 90% fruto do aquisitivo,
desvalorizando a genética, em detrimento daquilo que se pratica. Assim, Gomes (2016) refere que
neste mesmo entendimento, percebemos que o processo de treino e competição tem um papel
fundamental para se concretizar a ideia de jogo, na criação de uma adaptabilidade a todos os níveis.
Desta maneira, treinar o jogar (operacionalizar a ideia de jogo) de maneira coerente e sistematizada,
nos leva a uma adaptabilidade concreta e específica, a uma quarta plasticidade neuronal.
43 Podemos relacionar a medicina preventiva com o princípio metodológico das propensões, que de
antemão –através da sua configuração contextual– tenta antecipar e potencializar a manifestação de
determinadas circunstâncias muito mais vezes do que outras quaisqueres, sendo uma espécie de
vacina, em que o “agressor” (padronizado) é dado a conhecer para que o organismo reaja para o
superar. Imagine que durante uma semana de treinos, o treinador enfatize alguns aspetos da sua
organização defensiva (criando contextos que permitam o aparecimento dominante destes), onde
pretende que os jogadores realizem uma marcação zonal e pressionante, com movimentos
sincronizados.
Dentro da ideia do treinador, quando um médio sai para pressionar o portador da bola, os jogadores
de trás devem fazer o mesmo movimento, atacando o espaço que foi deixado pelo médio que saiu,
encurtando e realizando coberturas. Durante o jogo, os jogadores conseguiram desempenhar com
qualidade até determinado período, depois, com o cansaço e a fadiga, e ainda por não terem essas
ações e interações incorporadas/habituadas acabaram por não conseguir trabalhar como uma unidade,
deixando espaços entre-linhas que o adversário conseguiu aproveitar. Portanto, sempre tendo em
conta que a competição é algo aberto e não controlável pelos treinadores em vários aspetos, muitas
vezes os exercícios também são concebidos e criados a partir de uma necessidade de momento, isto é,
durante a próxima semana de treinos o treinador poderá incidir novamente sobre estes aspetos, o que
neste caso poderíamos também interpretar – além da medicina preventiva – como curativa (as duas
devem andar juntas), uma vez que os meso e micro princípios (aspetos de pormenor) devem estar
sempre a ser considerados, diagnosticados e potencializados de maneira qualitativa, de modo que não
hipotequem a saúde geral do sistema, os macro princípios.
44 Não esqueçamos, contudo, os opositores (vermelhos) que deverão igualmente jogar em função do
que se pretende.
45 Descoberta Guiada: Método que pretende levar o jogador a descobrir por ele próprio o caminho
concreto em cada exercício e em cada situação, sob a orientação e as pistas do líder. No entanto, o
caminho já está previamente traçado, face à configuração inicial que o treinador cria no exercício
(propensões). O que se pretende é, então, que sejam os jogadores, por eles, a descobrir que caminho é
esse, a senti-lo, e assim com ideias e sugestões, a empenharem-se na realização desse trajeto. É desta
forma que todos participam, todos são responsáveis e todos são responsabilizados. O jogador aprende
por ele mesmo, aprende o que descobriu, o que sentiu, aquilo por que passou (Lourenço, 2006).
46 Fadiga: Utilizarei a palavra Fadiga com a primeira letra em maiúsculo, para evidenciar a noção de
que a Fadiga não pode ser separada em central (mental) e fisiológica. Trata-se de uma noção íntegra
que não pode ser separada, pois ambas caminham juntas e se inter-relacionam. De salientar também
que o adquirir e o Fadigar estão intimamente relacionados, “só há treino se há fadiga” (Frade, 2013a).
Para que haja aquisição há a necessidade imperativa de haver Desgaste, daí que a sua gestão deva ser
feita com muita coerência e sensibilidade. Gomes (2013) dá-nos uma definição bastante clara sobre a
noção de cansaço (Fadiga, Desgaste) quando refere que quando um jogador está cansado não está
cansado só “biologicamente”. Um jogador pode estar cansado quando as circunstâncias estão a
acontecer e ele não tem capacidade para intervir sobre elas como normalmente o faz. Portanto, o
cansaço muitas das vezes pode manifestar-se no jogador que normalmente antecipa e que passa a não
antecipar.
47 Desgaste: idem ao anterior, entretanto refiro-me à noção de Desgaste.
48 Ciclo de auto renovação da matéria viva: Esta postulação será abordada com maior profundidade
posteriormente.
49 Contrações Musculares: Ao longo do livro e a título de ilustração e didática caracterizarei os tipos
de contrações musculares por bolinhas coloridas, que correspondem à dominância das mesmas:
velocidade ( ), tensão ( ) e duração ( ). O amarelo (velocidade) e o azul (tensão), são cores
primárias que juntas dão o verde (duração), isto é, a duração não existe por si só, ela emerge da
relação deste azul e deste amarelo, e quanto melhor for esta mistura, esta relação, melhor o verde irá
emergir. Este “verde” reporta-se à densidade e maior frequência de ocorrência do padrão de
contração implicado na concretização do jogar.
50 “Período Preparatório”: Refiro período “preparatório” entre aspas porque “na Periodização Tática
o período preparatório não é preparatório de nada, esse período que antecede o quadro competitivo
oficial, não é preparatório de nada porque o período competitivo é também preparatório, porque
está sempre com essa preocupação de preparar” (Frade, 2010, p. 103). Nunca é demais reforçar que
esta permanente preocupação de preparar se faz através do respeito pelo Morfociclo desde a primeira
semana de treinos.
51 Alta intensidade: Neste caso, assim como aponta Maciel (2011b), o termo “alta intensidade” em
terminologia convencional está conotado com as capacidades anaeróbias, o que não significa
necessariamente o mesmo com a Periodização Tática.
52 Baixa intensidade: Este termo, em terminologia convencional está conotado às capacidades
aeróbias (Maciel, 2011b), o que não significa necessariamente o mesmo com a Periodização Tática.
53 Vias metabólicas: De acordo com Santos (citado por. Tamarit, 2013b, p.120), “devemos ter em
consideração que os sistemas metabólicos são geralmente classificados em três tipos: a) Sistema
anaeróbico alático ou sistema dos fosfagênios (ATP e fosfocreatina – CP) recorre às fontes
imediatas de fornecimento de energia, sendo também as mais potentes (maior aporte energético por
unidade de tempo) encontrando-se associada dominantemente a desempenhos de elevada
intensidade metabólica e de curta duração. b) Sistema anaeróbico lático ou sistema glicolitíco ou
glicólise, recorre aos hidratos de carbono como substrato energético, sendo a produção de energia
resultante do desdobramento do glicogênio (forma de armazenamento dos hidratos de carbono nas
células) em ácido lático (daí lático), num processo designado de glicólise que ocorre ao nível do
citosol “sem” intervenção direta do oxigênio (neste processo em específico), daí “anaeróbico”.
Importante referir que embora “não haja” intervenção direta neste processo específico, por parte do
oxigênio, ele é fundamental para a boa funcionalidade deste mecanismo, tanto à priori, como à
posteriori (reestabelecimento das reservas energéticas, remoção de metabólitos, etc.) – para um
entendimento mais aprofundado, recomenda-se a leitura integral de Billat (2013). Em termos
energéticos é mais eficiente que os fosfagênios, pois fornece maior quantidade de energia em termos
absolutos, mas é menos potente, pois requer mais tempo para o fazer. Encontra-se dominantemente
implicado em desempenho de elevada intensidade, mas não máxima, e com uma duração
relativamente considerável (ainda que curta). Apesar de ser capaz de grande produção de energia
tem como grande consequência a acentuação da acidose metabólica devido à acumulação de ácido
lático o qual é contraproducente quando se deseja alcançar desempenhos de qualidade. c) Sistema
oxidativo ou aeróbio, processo metabólico que decorre a nível mitocondrial (nas mitocôndrias)
responsável pela produção de energia celular tendo como interveniente o oxigênio (daí aeróbio)
através da oxidação mitocondrial da glicose (derivado armazenado resultante dos hidratos de
carbono), dos lipídeos (ácidos gordos) e inclusive dos aminoácidos (proteínas). Trata-se do sistema
metabólico menos potente, mas simultaneamente o de maior capacidade absoluta, encontrando-se
por isso bastante associado a desempenhos de duração mais prolongada”.
Importa realçar que embora seja importante caracterizar “cada um” dos diferentes tipos de vias
metabólicas separadamente, nenhum destes sistemas funciona de forma isolada e em linearidade.
Todos estão implicados e inter-relacionados, funcionando e interatuando conjuntamente, em não-
linearidade, independentemente do tipo de desempenho requisitar preponderantemente mais um do
que outro ou outros, verifica-se sempre a sua implicação concomitante ainda que em graus de
implicação diversos.
54 Carro de Fórmula 1: Ao comparar um jogador e uma equipa a um carro de Fórmula 1, o professor
Frade evidencia a necessidade de se perspectivar uma equipa e jogadores com um alto potencial de
“combustão”, capazes de terem alta intensidade nas ações (não está associado necessariamente a
fazer as coisas rápido e muito menos com pressa, mas sim levar a efeito a ação desejada e ajustada às
circunstâncias, que pode ser concretizada de forma muito variável: com aceleração; de forma lenta;
em desaceleração; em elevada velocidade; no ar; no chão; parado; mudando de velocidade); um carro
preparado para realizar com grande potência os circuitos mais sinuosos, na sua imensa variabilidade
de trajetórias, ritmos e velocidade. Isso só se torna possível se tivermos a capacidade de fornecer ao
Fórmula 1 o tipo de combustível adequado (o com maior octanagem).
No nosso entender este “combustível” é o sistema dos fosfagênios e, embora saibamos que as vias
energéticas funcionam em concomitância, ao reabastecer o “tanque” deve-se evitar misturar os
combustíveis (Frade, 2013b).

Quadro comparativo entre a potência, capacidade e fator limitativo das diferentes vias energéticas. Fica fácil visualizar que a
via dos fosfagênios (anaeróbia alática) é a mais potente, mas também a que se esgota mais rapidamente, daí a necessidade de
incidir nesta via, de modo a otimizá-la, para que o jogador seja capaz de utilizá-la mais eficazmente e de maneira continuada,
promovendo a sua auto conversão permanente, sem perda de desempenho e esgotamento rápido das suas reservas. Ainda,
com a contemplação e correta manipulação do binómio-dilema desempenho/recuperação durante os treinos, propiciaremos
uma melhora no VO2 máximo, um indicador que contribui decisivamente para o desempenho otimizado do jogador, dada a
sua implicação direta ou mais indireta, mas determinante nos diferentes sistemas metabólicos.
Entretanto tal como o professor ressalta (2013a), não basta ter um carro de fórmula 1 com o depósito
de combustível cheio da melhor gasolina, “afinado” e preparado para qualquer tipo de circuito, se
não houver um piloto que saiba conduzi-lo. Se assim o for, o carro fica na garagem, não tem
utilidade. Portanto, há que se contemplar nos treinos a imperativa necessidade do propósito a ser
levado a efeito (macro princípios, meso princípios e micro princípios de jogo), que também é da
esfera do muscular, com participação bem presente do cérebro.
55 É importante esclarecer que morte e/ou destruição de funções celulares poderá ocorrer em
diferentes níveis de estimulação e não necessariamente significa sempre algo negativo. Por exemplo,
todos os dias, bilhões de células em nosso corpo desgastam-se e precisam de ser substituídas.
Algumas vezes a morte de algumas células implica em regeneração e superação do organismo no
sentido de estar preparado para responder de maneira otimizada a novas estimulações (como vimos,
se trata de um dos grandes objetivos do treino). O que Langlade & Langlade (1977) querem dizer é
que com estimulações extremas as funções celulares têm os seus níveis de funcionalidade
completamente comprometidos num sentido negativo, afastando do organismo a possibilidade de
regeneração e superação num curto prazo.
56 Resiliência Metabólica: A resiliência é um conceito adaptado da física dos materiais e da
psicologia, que se reporta à capacidade de recuperar de eventos traumáticos; capacidade revelada
pelos sujeitos, de se restabelecerem após situações adversas, superando o seu estado inicial, sem que
tal implique a perda de um funcionamento normativo (Maciel, 2011c). Em ecologia, resiliência é a
capacidade de um sistema restabelecer seu equilíbrio após este ter sido rompido por um distúrbio, ou
seja, a sua capacidade de recuperação (Wikipédia). Desta maneira transporto este conceito para os
fenómenos descritos no ciclo de auto renovação da matéria viva.
57 Fracionamento do jogar no morfociclo padrão: A tonalidade verde da competição resulta da
junção das cores desenvolvidas ao longo da semana para expressar o fracionamento do jogar. Este
jogar é um todo fracionado em partes (sem empobrecimento e perda de articulação) que se
desenvolvem ao longo da semana, com nuances diferentes em cada dia para salvaguardar a qualidade
evolutiva do processo (pela relação desempenho-recuperação), e então, a cor deste jogar resulta
dessas nuances. Deste modo, este verde resulta do branco (primeiro dia após a competição) com o
verde-claro (segundo dia após a competição), com o “azul” (terceiro dia após a competição), com o
verde mais escuro (quarto dia após a competição), com o “amarelo” (dois dias antes da próxima
competição), com o amarelo-claro (um dia antes da próxima competição). Assim, fraciona-se o jogar
(todo=verde) em níveis de organização que se constituem nas partes representadas por: branco +
verde-claro + “azul” + verde-escuro + “amarelo” + amarelo-claro = verde. A figura abaixo demonstra
esta “equação”.

Fracionamento do jogar (sem empobrecimento e perda de articulação) em diferentes níveis de


organização, durante o Morfociclo Padrão, de modo a salvaguardar a qualidade evolutiva do
processo
58 Folga no 1º dia após competição: Importa aqui referir que na Periodização Tática não há receitas,
há sim um guia, um padrão e a sensibilidade do treinador perante as diferentes circunstâncias que vão
emergindo durante o processo. Na grande maioria das vezes, o primeiro dia após a competição é
destinado à folga total dos jogadores, no Morfociclo Padrão.
59 Densidade: Tal como sugere Maciel (2011c) utilizarei o termo densidade para referir a relação
proporcional entre o tempo de “exercitação” e o respectivo repouso, tendo em vista o tempo de
intervenção do jogador no exercício (e não os tempos absolutos).
60 Problema dos Três Corpos: Malone & Tanner (2008) referem que através da matemática
newtoniana acreditava-se ser possível determinar a posição de qualquer corpo. Nesta conceção o
comportamento de dois corpos era possível ser previsto através de equações matemáticas com grande
precisão. Demonstrou-se matematicamente que quando dois objetos começavam a movimentar-se
com órbitas quase idênticas, a diferença entre elas nunca mudaria, então era possível determinar a
órbita de um corpo, sabendo a órbita do outro. Malone & Tanner (2008) contam que, em 1889, o
matemático francês, Henri Poincaré, descobriu que ao se adicionar um terceiro corpo à relação,
(naquela época) não havia como prever órbitas, pois o conjunto de ligações ou de articulações
promovido pelo terceiro corpo tenderia para o infindável, sendo impossível de determinar o seu
comportamento através da matemática (naquela época). “Em alguns casos, não importa o quanto os
caminhos sejam similares no início, se houver qualquer diferença, um deles pode seguir um caminho
diferente e totalmente inesperado e imprevisível. Poincaré lamentou que a previsão se tornara
imprevisível. Ele viu algo a comportar-se de uma maneira que ele não esperava, e percebeu que
tinha a ver com as condições iniciais e com o que hoje chamamos de suscetibilidade às condições
iniciais e é isso que é inesperado, se houver uma modificação, por mais ínfima que seja, poderá ter
uma enorme diferença no resultado final” (Malone & Tanner, 2008).
Capra (2006, citado por. Maciel, 2011a) ao referir-se sobre Poincaré afirma que este, com o intuito de
analisar as características qualitativas dos complexos problemas dinâmicos, socorreu-se dos
fundamentos da matemática da complexidade. “Aplicando o seu método topológico a um problema
dos três corpos ligeiramente simplificado, Poincaré foi capaz de determinar a forma geral das suas
trajetórias e verificou que era de uma complexidade assustadora” (Capra, 1996, p. 110, citado por.
Maciel, 2011a, p. 221-222).
Nas palavras do próprio Poincaré: “Tendo concluído, que quando se procura “representar a figura
formada por essas duas curvas e a sua infinidade de intercepções, essas interações formam uma
espécie de rede, de teia ou de malha infinitamente apertada; nenhuma das suas curvas pode jamais
cruzar consigo mesma, mas deve dobrar de volta sobre si mesma de uma maneira bastante complexa
a fim de cruzar infinitas vezes os elos da teia. Fica-se perplexo diante da complexidade dessa figura,
que nem mesmo eu tento desenhar”.
“Sempre que há mais do que três variáveis a capacidade que elas têm de se implicar e condicionar a
evolução das outras é muito grande. Quando aparece o terceiro elemento, esse terceiro introduz o
caos no sistema” (Cunha e Silva, citado por. Maciel, 2011a, p. 222).
61 Exercícios abdominais: Recomenda-se a realização de exercícios específicos e apropriados para o
fortalecimento da musculatura abdominal, pois conforme explica Vítor Frade “habitualmente a
hiperlordose lombar, defeito postural que se caracteriza pela curvatura lombar excessiva, é o
resultado do desenvolvimento exagerado do psoas e do ilíaco, associado ao facto de serem
anormalmente encurtados (Rasch & Burke, 1977). Estes músculos são muito solicitados, já no dia-a-
dia (inclusive no jogo de futebol), quando andamos, corremos, subimos escadas, o que faz com que
sejam muito potentes. Com o intuito de evitar a hiperextensão da coluna lombar através da ação do
psoas é necessário que haja a contração da musculatura abdominal. Por este motivo, e devido ao
facto de, na maior parte dos casos, a força do iliopsoas ser maior do que a dos abdominais,
aconselha-se que o desenvolvimento do iliopsoas seja evitado e de que se promova o fortalecimento
da musculatura abdominal, com o objetivo de alcançar um melhor equilíbrio entre os dois grupos
musculares (Rasch & Burke, 1977; Kendall & McCreary, 1986). Por isto, nos exercícios abdominais,
devemos minimizar ao máximo a ação dos flexores do quadril (Rasch & Burke, 1977; Kendall &
McCreary, 1986; Donovan, McNamara & Gianoli, 1988)”.
62 Estamos a falar de um aquisitivo com “a” minúsculo, uma vez que nos referimos a um aquisitivo
individualizante.
63 Dita aquisição será centrada essencialmente no indivíduo, através de estímulos e contextos que
promovam o efeito retardado tensional do desempenho individualizante.
64 Exercícios não jogados: Por situações “não jogadas” queremos dizer os contextos em que a
competição existe, mas não como em jogo, aproximando-se mais de algo “analítico”, “fechado”.
Situações de confronto direto (ou não) e sem necessariamente estarem presentes os diferentes
momentos do jogo de maneira contínua.
65 Ciclo Alongamento-Encurtamento (CAE): O CAE pode ser definido como a acumulação de
energia potencial elástica durante as ações musculares excêntricas, a qual é libertada na fase
concêntrica subsequente na forma de energia cinética (Farley, 1997). Trata-se de um mecanismo
fisiológico cuja função é aumentar a eficiência mecânica e, em consequência, o desempenho motor
de um gesto atlético. O CAE ocorre quando as ações musculares excêntricas são seguidas
imediatamente por uma explosiva ação antagónica. Há um rápido alongamento da musculatura
seguido de uma rápida ação concêntrica. Um exemplo de manifestação do CAE é uma aceleração,
seguida de uma travagem e uma mudança de direção imediata. De acordo com Pinto (2011), o CAE
tem três fases: (1) excêntrica: há uma pré-ativação dos músculos agonistas do movimento. (2)
amortecimento: fase de transição entre as fases excêntrica e concêntrica, em que os fusos musculares
e todas as células são vigorosamente alongados. (3) concêntrica: há um incremento significativo no
fluxo neural decorrente do CAE, com maior produção de força.
66 Proteínas YAP/TAZ: Para maior entendimento da atuação e da funcionalidade destas proteínas nas
células, recomenda-se a leitura dos estudos de Piccolo (2014) e (2015).
67 Mecanobiologia: Mecano (deriva de mecânica) bios (significa vida) e logia (significa estudo). A
mecanobiologia é uma ciência multidisciplinar que estuda a maneira que as células interpretam e
reagem perante às forças mecânicas (Piccolo, 2014).
68 Em função da contemplação e da operacionalização de uma lógica recuperativa, os três quartos
recuperativos desta unidade de treino assumem a coloração verde claro, tal como no dia anterior. É
importante ressaltar que esta cor nos remete à lógica e dominância recuperativa e não propriamente
na maneira com que isso é concretizado. Por exemplo, no dia anterior a recuperação se concretiza de
uma maneira diferente do que nesta unidade de treino, ainda que a lógica e o propósito seja o mesmo.
69 Aquisitivo em “interação assistida”: Trata-se da consolidação dos processos aquisitivos do jogar
por via da atuação (interdependente e assistida) dos exercícios complementares (recuperadores).
70 Embora saibamos que todos os treinos aquisitivos (Aquisitivo, com A maiúsculo – “verde” e
aquisitivos com a minúsculo – “azul” e “amarelo”) são feitos em intensidade máxima relativa, na
quinta-feira, em virtude da configuração e do padrão de incidências recair dominantemente sobre a
dimensão macro do jogar, promovendo adaptações e solicitações (tanto ao nível da aquisição como
do desempenho) mais profundas que em qualquer outro dia da semana. Este é considerado o treino de
máxima, ou maior exigência em relação aos outros treinos aquisitivos do morfociclo.
71 Na quinta-feira haverá a tendência em incidirmos principalmente nos macro princípios (daí que
esta sessão possa ser subdivida em duas unidades diárias), porém se o momento exigir um
refinamento e uma incidência maior nos meso princípios (em detrimento dos macro), de modo a criar
aquisição e gerar repercussões mais a nível setorial e intersetorial não há problema algum.
72 Já vimos o quão fundamental é primeiro termos uma identidade consolidada, para então depois
incidirmos em aspetos estratégicos. E sempre como um aspeto acessório, nunca como dominante.
73 O que se entende por “duração” não é o prolongamento da contração, mas sim o aumento da
densidade do padrão das contrações musculares que suportam o nosso jogar, daí que Vítor Frade
coloque que é uma duração de intermitências do “desempenho regular” da equipa, isto é, a
manifestação da ideia de jogo e de tudo o que dá vida a dito jogar. Como vemos, este pensamento
distancia-se completamente de uma unidade de treino que leve a um aumento temporal da contração,
da ativação dominante das fibras lentas e da “resistência”.
74 Assim como na quarta-feira, trata-se de um aquisitivo com “a” minúsculo, uma vez que nos
referimos a um aquisitivo individualizante.
75 Importa reforçar que durante a parte fundamental, como na quarta-feira, treinam-se os propósitos
de menor complexidade, mas “sempre” na sua articulação com o todo, estabelecendo
permanentemente uma ponte para os macro e meso princípios do jogar, criando, potenciando e
incorporando subdinâmicas no jogar. Estes, tal como na quarta-feira serão igualmente beneficiados
indiretamente pelos exercícios complementares, que acabam por ser “aquisitivos em interação
assistida”.
76 Lembrando que as ditas situações de finalização deverão ser precedidas de deslocamentos que
capacitam a maximização da velocidade da contração muscular, onde o enfoque aquisitivo é dado ao
jogador sem a bola, com significativa descontinuidade, proporcionando que os desempenhos se
manifestem de forma breve.
77 Relembrando que por estarmos a contemplar e a atuar dentro de uma esfera dominantemente
recuperativa, esta parte da unidade de treino, tal como na quarta feira, também assume a coloração
verde claro.
78 Velocidade de “antecipação”: De acordo com Vítor Frade, está relacionada à densidade da
complexidade do jogo, da antecipação e “previsão” do cenário futuro, “sem” desgaste significativo,
implicado na vivência das “exercitações”. Trata-se, portanto, de uma configuração que leva a uma
sobre estimulação conjunta dos neurónios espelho, hipocampo, córtex parietal, córtex pré-frontal,
sem desgaste significativo na variabilidade de solicitação do córtex motor.
79 Para maior e melhor compreensão dos mecanismos decisionais, recomenda-se a leitura integral
das obras do neurocientista António Damásio.
80 Imagens Mentais: De acordo com Damásio (1996) em larga medida o pensamento é feito por
imagens. Este autor (2000, citado por. Oliveira et al., 2006, p. 210) explica que “pelo termo imagens
quero significar padrões mentais com uma estrutura construída com a moeda corrente de cada uma
das modalidades sensoriais: visual, auditiva, olfativa, e somatossensorial. A palavra imagem não se
refere apenas às imagens «visuais», e não se refere apenas a objetos estáticos. Imagens de todas as
modalidades «ilustram» processos e entidades de todos os géneros, tanto concretos como abstratos.
As imagens também «ilustram» as propriedades físicas de diversas entidades e as relações espaciais
e temporais entre essas entidades, algumas vezes de forma esboçada, outras não, assim como as suas
ações. Resumindo, o processo a que chamamos mente, quando as imagens mentais se tornam nossas
devido à consciência, é um fluxo contínuo de imagens, muitas das quais se revelam logicamente
interligadas”.
81 Córtex pré-frontal: O córtex pré-frontal está relacionado com o planeamento de comportamentos e
pensamentos complexos, a expressão da personalidade, tomadas de decisões, modulação de
comportamento social (DeYoung et al., 2010; Yang & Raine, 2009) e é responsável pela atenção
(Pantano, 2009). Miller, Freedman & Wallys (2002) colocam que a capacidade para orientar o
comportamento através de conceitos e princípios de orientação adquiridos através de experiências
vivenciadas é um fator determinante para lidar eficazmente com o mundo complexo que vivemos e
para nos adaptarmos fácil e eficazmente a novas situações. Nesse sentido, o córtex pré-fontal
desempenha um papel central na aquisição e representação desta informação, estando por trás das
nossas representações internas das “regras do jogo”, isto é, padrões sociais de comportamento e
julgamento social. Traumas nesta região cerebral normalmente fazem com que uma pessoa fique
presa obstinadamente a estratégias que não funcionam, ou que não consigam desenvolver uma
sequência de ações correta. A função psicológica mais importante do córtex pré-frontal, é a
executiva, que segundo Chan et al. (2008) e Monsell, (2003) se relaciona a habilidades para
diferenciar pensamentos conflitantes, determinar o que é bom e mau, melhor e pior, igual e diferente,
consequências futuras de atividades correntes, trabalho em relação a uma meta definida, previsão de
factos, expectativas baseadas em ações, e controlo social.
82 Exemplos de exercícios: Durante este capítulo utilizarei alguns exercícios apenas para ilustrar
determinadas ideias, são, portanto, apresentados somente a nível exemplificativo. Devemos ter em
conta, conforme já referi, o enquadramento com a lógica da alternância preconizada pelo morfociclo,
isto é, na nossa operacionalização diária devemos respeitar o padrão de desempenho e recuperação
do dia em questão. Ainda que todos os exercícios criados pelo treinador possam ser, todos,
potencialmente bons, a verdade é que nesta lógica de treino, serão potencialmente bons os que sejam
realizados de maneira a respeitar o enquadramento da lógica do morfociclo padrão nos diferentes dias
da semana, garantindo que o que a equipa possa manifestar regularmente nos momentos de
competição elevados desempenhos.
83 Mecanismo “como se”: “Em inúmeros momentos o cérebro aprende a forjar uma imagem
simulada de um estado "emocional" do corpo sem ter de a reconstituir no corpo propriamente dito”
(Damásio, 1996, p. 186). Nestas situações, é "como se" estivéssemos a ter emoção no corpo-
propriamente-dito, embora se trate de "um sentimento apenas dentro do cérebro".
84 Hábito: Para McCrone (2002, p. 67) “o hábito é uma ação mental aprendida que pode ser
realizada sem pensamento nem supervisão consciente. Também chamado de padrão de ação fixa ou
automatismo”. Damásio (2000, citado por. Oliveira et al., 2006) acrescenta que o hábito ou
automatismo resulta de conhecimentos, isto é, imagens mentais, que foram criadas através de
experiências, algumas conscientes e outras não conscientes, que ficaram gravadas nas memórias, e
que serão utilizados para decidir e reagir rapidamente perante determinada situação.
85 Intenções: Para Jacob & Lafargue (2005, citado por. Gaiteiro, 2006) uma intenção é uma
representação muito especial pois representa apenas o que é possível; implica obrigatoriamente o
agente na preparação da ação; pode ser, muitas vezes, não consciente.
86 Intenções Prévias: A intenção prévia é caracterizada quando o sujeito forma conscientemente o
projeto antes de efetuar uma ação, isto é, existe uma deliberação consciente previamente à ação
(Gaiteiro, 2006). “As intenções prévias têm a ver com o critério, com o que deve sobredeterminar a
interação, portanto têm a ver precisamente com o plano intencional, têm, portanto a ver com a
representatividade daquilo que eu faço, é a dimensão simbólica que me leva a agir de determinado
modo” (Maciel, 2011b, p. 47).
87 Intenções em Ato: Também conhecidas como intenções em ação, as intenções em ato nascem no
calor da ação sem que sejam necessariamente premeditadas, sendo inclusive, na maioria das vezes
não-conscientes (Oliveira et al., 2006). Maciel (2011b) reforça precisamente isso ao explanar que as
intenções em ato têm a ver com o plano da concretização, é o que se manifesta no fazer.
88 Já disse, mas não custa ressalvar que as unidades de treino centradas dominantemente na
aquisição da ideia de jogo, não serão conduzidas por tele ponto, isto é, por “legenda”, por cartilha
(faz isso, faz aquilo), mecanizando e restringindo as escolhas do jogador ao nível do pormenor, do
detalhe. Alguns treinadores querem controlar tudo, inclusive o aspeto mais micro, mais ínfimo em
cada situação do jogo.
Isso, com alguma frequência, faz com que os jogadores fiquem demasiadamente e excessivamente
presos ao que o treinador diz, vivendo numa esfera muito mais “consciente”, “perdendo” o lado
intuitivo, a criatividade e com isso a possibilidade de resolução dos problemas. Em resumo, acabam
por mecanizarem-se, tornando-se robots, perdendo a sua identidade e real potencialidade.
Conforme ressalta o professor Frade, a criatividade não tem hora marcada, assim, num cenário ideal,
a decisão do jogador no “caos” de cada instante do “aqui e agora”, deverá emergir de maneira
criativa e autónoma, mas tendo como pano de fundo e sendo balizada pelas macro referências do
jogar, conferidas e adquiridas pela vivência sistemática do morfociclo padrão, emergindo de maneira
sobre condicionada a um “comando exterior ao sistema regulado”, fazendo com que o caos seja de
facto determinístico.
89 Importa recordar que o jogar contempla duas dimensões. Uma, inserida e idealizada dentro de um
plano conceptual, no plano das ideias e das conjeturas, ou seja, a ideia de jogo em si. A outra
dimensão, relaciona-se fundamentalmente com a modelação e concretização da mesma, é, como
coloca Vítor Frade: Mais do que “modelo de jogo” somatizado na equipa! É concreto aquando do
acontecer em “competição”, isto é, em jogo.
PERIODIZAÇÃO TÁTICA <
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