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neurociência por Marco Callegaro

imagens: Fernando Frazão/Agência Brasil


Quanto treino faz um
campeão olímpico?
Uma crença bastante difundida é que treinamento
repetitivo de uma habilidade levaria à perfeição

“A
prática leva à perfeição”, conjunto de publicações em conside- receberam medalha de ouro olímpica
diz a sabedoria popu- ração, procurou lançar luz nessa ques- e aqueles que não se destacaram. A
lar, em um ditado que tão. O estudo focou na relação entre o prática deliberada explicou apenas 1%
expressa a crença, am- treinamento e a performance esporti- da variação no desempenho dos atle-
plamente difundida, de que treinar va, e chegou a algumas conclusões im- tas de elite.
uma habilidade é a chave da melho- portantes. Um dos achados do estudo Outra questão investigada foi a
ra contínua do desempenho. Parece apontou que a relação entre a prática idade de início da prática no esporte.
muito intuitivo e evidente que prati- deliberada e o desempenho esportivo A crença mais difundida a respeito, e
car e praticar melhora a performance, existe, mas não de maneira tão vigo- compartilhada por pais e treinadores,
e que, portanto, um desempenho de rosa como se pensava anteriormente. é de que um alto desempenho esporti-
alto nível se origina de um treinamen- A prática pode não contribuir para vo depende de começar cedo a prática
to rigoroso. Acredita-se que depende- melhorar a performance quando se de um esporte. Os pesquisadores com-
ria de treinamento obsessivo para um trata de altos níveis de desempenho pararam a idade de início na prática
atleta atingir o nível de ganhar uma em um esporte, por exemplo. Dentro esportiva em se tratando de atletas de
medalha olímpica. dessa análise, não fez diferença signi- alto desempenho e aqueles com bai-
Um estudo de meta-análise, um f icativa o número de horas de prática xo rendimento e não encontraram ne-
tipo de investigação que leva todo um deliberada acumulada em atletas que nhuma diferença signif icativa.

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roberto carlos/fotos públicas

Segundo os resultados, o desempe- No entanto, pesquisa mostra que mesmo


nho de alto nível em um esporte não
uma prática obsessiva melhora apenas
depende tanto da prática com era es-
perado. Certamente existem fatores 1% o desempenho de atletas de elite
genéticos envolvidos. Outros fatores
excetuando o treinamento podem con- mente no desempenho esportivo. f inanceiro e de tempo na prática esco-
tar, como a experiência em competi- Existem fatores de habilidades cog- lhida, e considerar o desejo do atleta
ções e atividades lúdicas. Curiosamen- nitivas que aumentam o desempenho em participar de outras formas de ex-
te, participar de múltiplos esportes nos esportes, como inteligência geral, periências, como outras modalidades
antes de se especializar em uma única a capacidade da memória de trabalho, esportivas, por exemplo.
modalidade pode prever positivamen- a habilidade de controlar a atenção, Outra implicação desse estudo é
te o bom desempenho naquele esporte, velocidade de percepção e psicomo- que a mania dos pais de estimularem
aumentando a coordenação e melho- tora, por exemplo. precocemente os filhos, colocando-os
rando habilidades motoras essenciais. Estudos como esse revelam toda demasiadamente cedo na prática de es-
De fato, especializar-se mais tarde uma gama de variáveis que inf luen- portes, pode ser contraprodutiva. Nem
em um esporte pode reduzir lesões e ciam o desempenho esportivo e po- a prática exagerada nem iniciar muito
estresse psicológico que acompanham dem contribuir para um melhor dire- cedo em um esporte podem ajudar a
o treinamento precoce, e assim contri- cionamento de esforços. Com esses melhorar o desempenho esportivo, e os
buir para que o atleta atinja e mante- conhecimentos, podemos pesar de pais e treinadores devem levar em con-
nha altos níveis de desempenho. forma mais elaborada o investimento sideração essas informações.
Fora a prática deliberada, existem
Para saber mais:
vários traços psicológicos que contam Macnamara, B. N.; Moreau, D.; Hambrick, D. Z. The relationship between deliberate practice
na avaliação do desempenho esporti- and performance in sports: a meta-analysis. Perspectives on Psychological Science, n. 11, p. 333-
vo. A conf iança em si mesmo faz di- 350, maio 2016. doi:10.1177/1745691616635591
ferença. A predisposição para experi-
Marco Callegaro é psicólogo, mestre em Neurociências e Comportamento,
mentar ansiedade de desempenho, a diretor do Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (ICTC) e do Instituto
aversão para consequências negativas Paranaense de Terapia Cognitiva (IPTC). Autor do livro premiado O Novo
e a sensibilidade para recompensas Inconsciente: Como a Terapia Cognitiva e as Neurociências Revolucionaram o
Modelo do Processamento Mental (Artmed, 2011).
também inf luenciam signif icativa-

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