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Passeios Culturais
João de Camargo
“Aos vinte e três de maio de mil oitocentos e cinquenta e oito nesta Matriz de
Sarapuí, batizei, e pus os santos óleos a João, nascido a dezesseis deste mês e ano,
filho de pai incógnito e de Francisca, solteira, escrava de Luís de Camargo Barros.
Padrinhos: José de Camargo Barros, solteiro, filho de José de Camargo Pontes, e
Gertrudes de Arruda Leite, solteira, filha de Antonio de Almeida Barros, freguesa
de Sorocaba e os demais desta” 1.
Acompanhava seus senhores nas festas tradicionais de Sarapuí: “aprendeu a rezar nas
cruzes de estrada (...), Festas de São João, de Santo Antônio, Festa do Divino (...) e mais
as festividades negras, as congadas de São Benedito, as catiras de São Gonçalo, o
fandango, o cateretê, o cururu improvisado nas madrugadas.” 2
Logo após a Abolição dos Escravos, veio para Sorocaba, trabalhando na casa de Manoel
Lopes Monteiro e do Dr. Cosme, engenheiro alemão da Fábrica de Ferro do Ipanema. 3
Foi também empregado e cozinheiro da família de Inácio Pereira da Rocha, na Rua da
Ponte4.
1
CAMPOS, Carlos de. João de Camargo: O Nascimento de uma Religião de Sorocaba, São Paulo, 1999,
p.99.
2
IDEM, p. 106-7.
3
IDEM, p. 138.
4
Rua da Ponte, atual Rua XV de Novembro.
2
governo de Floriano Peixoto. João de Camargo não chegou a entrar em combate, visto os
federalistas de Gumercindo terem sido derrotados antes de atravessarem o Paraná.
Casou-se com Escolástica do Espírito Santo, em Pilar do Sul. Vieram para Sorocaba, mas,
devido à epidemia de febre amarela, mudaram-se para Salto de Pirapora, onde
trabalharam na lavoura. Após cinco anos, o casamento se desfez. Escolástica seguiu para
o Paraná e João de Camargo retornou a Sorocaba, que começava a se reerguer após o
surto da Febre Amarela de 1897.
3
Foi em 1906, quando trabalhava na olaria de Elias Monteiro, que João de Camargo teve a
sua primeira visão, junto à capela do menino Alfredinho5. Ali, segundo relatos, numa
noite de forte tempestade, recebeu orientação espiritual de Nossa Senhora Aparecida, do
falecido Monsenhor João Soares do Amaral e do menino Alfredinho para construir uma
capela, auxiliar aos muitos necessitados que surgiriam, que parasse de beber e confiasse.
Sofreu perseguições por curandeirismo e charlatanismo. Foi preso dezoito vezes, sua
Igreja fechada em várias ocasiões e processado em 1913. Para diminuir essas perseguições,
João de Camargo criou uma associação visando regularizar seu trabalho e evitar novos
5
Pequena capela que ficava na atual Avenida Barão de Tatuí, em frente à Rua João de Camargo.
4
problemas. Surge a Associação Espírita e Beneficente Capela do Senhor do Bonfim,
registrada juridicamente em 1921.
Cartas chegavam de todo o Brasil e do exterior pedindo auxílio. Conta a tradição que a
Capela de João de Camargo recebia mais correspondência que a Companhia Nacional de
Estamparia, empresa de Severino Pereira da Silva. Chegou a ter quatro secretárias para
responder as corrrespondências.6
Próximo à Capela foi erguido pelo próprio João um conjunto de casas servindo de
hospedagem àqueles que vinham de longe. Instituiu-se a Escola Mista da Água
Vermelha, mantida pela Associação, tendo como professora a Sra. Ondina Campolim 8.
6
CASTRO, Sônia. O Solitário da Água Vermelha. Sorocaba, 1995, p. 17.
7
CAMPOS, p. 222.
8
Jornal Cruzeiro do Sul de 23 de setembro de 1973.
5
O ex-escravizado atendia a todos. As portas da Capela jamais se fecharam a quem quer
que fosse. Recomendava chás e orações, distribuía pequenas guias – pedaços de papéis
com inscrições manuscritas e, posteriormente impressas por carimbos e gráficas, mas,
acima de tudo, recomendava fé, que todos acreditassem em Deus, não perdessem a
esperança, confiassem. Dizia sempre que não era ele, mas Deus e a fé de cada um que
curava.
Seu corpo foi velado na Capela por ele construída. A notícia correu rápida pela cidade e
região. Todos queriam se despedir do guia, amigo e conselheiro. O cortejo fúnebre
6
percorreu as ruas da Capela ao Cemitério da Saudade. À sua passagem, ia aumentando o
número de acompanhantes, chegando a mais de seis mil pessoas.
Foi sepultado de modo simples como viveu. Em 1948, o Sr. João Pensa fez construir no
Cemitério a Capela que abriga os restos mortais de João de Camargo, aberta à visitação
todas as segundas-feiras e em datas especiais9
A Igreja
Construída em 1907, foi ampliada em 1910 e nos anos seguintes. O conjunto é formado
pela Capela principal com seus altares laterais, arco cruzeiro e altar mor, Sala Lateral, onde
são preservados instrumentos da Corporação Musical São Luís e parte da mobília
pertencente ao Monsenhor João Soares, adquirida por João de Camargo. Seguindo à Sala
Lateral, tem-se acesso à outra maior onde funcionou a Escola Mista. Hoje abriga pequeno
auditório para as reuniões da Associação.
9
A Capela também permanece aberta nos dias de 16 de maio e 28 de setembro – data do nascimento e morte de
João de Camargo e no dia 2 de novembro – Finados.
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Ao fundo da Capela principal, encontra-se a Sala do Bom Conselho do Bispado Amaral,
abrigando imagens e fotos de personalidades sorocabanas como de Dr. Braguinha10,
Inácio Pereira da Rocha, Monsenhor João Soares, e outras. Em seguida a esta, outra sala
preserva um presépio permanente e a importante imagem do Bom Jesus da Água
Vermelha em um pequeno oratório.
Todas as salas são interligadas por pequenos e estreitos corredores internos que
facilitavam a circulação de João de Camargo em suas atividades.
O quarto que pertenceu a João de Camargo, com sua cama, guarda roupa, objetos,
sapatos e vestes continuam preservado. É aberto para visitação no último domingo de
cada mês.
10
Dr. José Marques Ferreira Braga, advogado sorocabano, morto em 1911.
8
Anexos:
Figura importante no amparo aos doentes e necessitados durante os dois surtos de febre
amarela de Sorocaba (1897 e 1900). Angariava recursos, visitava e confortava enfermos e
familiares, improvisou postos de saneamento e amparo às vítimas nas igrejas,
desdobrando-se de tal forma em suas funções que veio a contrair a doença, falecendo em
1900. É considerado o “Mártir da Febre Amarela”.
9
A Cruz do Menino Alfredinho
O menino Alfredinho, filho do português conhecido como José Boava, deveria ter entre
seus 8 a 13 anos e trabalhava numa padaria na atual Rua Barão do Rio Branco, aí pelo ano
de 1859.
Segundo a tradição, ao levar o cavalo para o pasto, nas imediações da atual Rua Barão de
Tatuí, o animal se assustou, disparando em corrida pelo caminho de terra e pedra. O
menino caiu, ficando preso nas rédeas. Foi arrastado até as proximidades de uma porteira
fechada, quando o cavalo parou.
Alfredinho morreu e seu corpo permaneceu preso ao animal, sendo encontrado mais
tarde pelo negro escravo Firmino André, que retornava do trabalho nas terras do Quiló11.
As águas do ribeirão próximo ficaram tingidas pelo sangue do menino.
11
Quiló – atual Avenida Antonio Carlos Comitre, no Campolim.
10
Alfredinho, tornando-se local de veneração. Posteriormente, uma pequena Capela foi
erguida em memória ao menino, próxima à esquina da atual Avenida Barão de Tatuí com
Rua João de Camargo. Com o tempo, desapareceu.
Agradecimentos Especiais
Bibliografia
Sorocaba, 2022
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