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Notas sobre o tempo

ANGÙSTIA.
Pergunto e respondo, mas não a todas as questões que tenho. Mas a matriz da vida é
perguntar e responder. Àquilo que não consigo responder e que produz angústia,
suspendo a interrogação. Mas contínuo a viver segundo a matriz. Só que pergunto e
respondo a perguntas menos centrais. A vida é vivida em perguntas e respostas,
quando ajo e quando decido. Ponho-me a par de problemas, que surgem
permanentemente.
(o que são questões centrais?)
Se vejo os homens por um filtro, não consigo conceber o mundo fora de mim. Porque
aceito a cultura? A angústia de não poder ver em mim a realidade dos outros. A
realidade é a minha, e não consigo formular um mundo de que eu esteja ausente. Mas
sei que quando morrer o mundo há-de continuar para os que cá ficam, até mesmo
aqueles que vi nascer. A continuidade da cultura é um pressuposto que aceito, pois a
minha experiência assim o dita. A minha experiência diz-me que venho ao mundo
enquanto este decorre. Há algo a acontecer em que não posso desvendar o seu
princípio ou fim. Vim ao mundo e tanto eu como o mundo estamos a ser.
Se soubéssemos o princípio e o fim, responderíamos a certas questões que agora,
antes de as podermos responder estão em aberto.
A história mostra-nos cada vez mais complexos, mas isso não quer dizer que o
progresso seja linear. A cultura exerce pressão sobre o meu modo de compreender. A
cultura vai-se acumulando em mim, que pouco sabia quando nasci. Só era material
genético. Vou ficando culto ao longo da minha vida. Depois de nascido tem início o
meu período de aprendizagem e, aprendo até morrer. Este corte com a existência é
angustiante, de facto, confio na história, mas o futuro não me é acessível. Quando eu
morrer vou perder o espectáculo do futuro.
Assim, porque tenho indícios de que as coisas vão perdurar?
Porque sei que eu e os meus contemporâneos existem? Porque acabo eu antes de a
festa estar ao rubro?
Sou um grão de areia na existência do universo, mas faço parte dele. O futuro, a par
com o princípio de tudo são as minhas dúvidas mais prementes.

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O que faço eu neste mundo em mudança. Sou um apêndice da existência. Porque
participo nesta invenção incerta? Porque não obtenho respostas em vez de ser
informado sobre o que sou? Uma mera cópia mas ao mesmo tempo diferente. Sou
singular. Tenho a dor da vida e a frustração de não chegar a entender porque cá estou.
A minha condição é efémera como uma borboleta, só que esta não conhece as suas
limitações em forma de dúvidas.
Qual é a origem das dúvidas? Se não a experiência de estar no mundo e o que os
homens registam nos meios ao seu dispor?
A cultura dá-me uma visão alargada do que conheço.
Sei coisas do passado, e enquanto vivo, o que sei do passado vai crescendo. O futuro
ninguém conhece apesar das conjecturas. Sobre quase tudo se fazem conjecturas e
todas elas são aproximações que não acedem ao mistério remanescente.
A angústia de não conhecer fere-me como uma faca.
Sobre o que desconheço há perguntas que ficam por responder. Porque vivo eu pela
matriz pergunta/resposta?
As questões a que respondo são de outra natureza que não as centrais. Respondo a
perguntas secundárias, que são as que dizem respeito à minha natureza finita.
Por uma análise comparativa, sei o que os outros observaram durante o seu período
de existência neste mundo. Sei coisas sobre a vida finita, mesmo que múltiplas.
Experimento o que é a vida e a morte, e uns, mais profundos, conseguem conhecer o
curto período passado na terra. O que está para além da existência finita é o que está
registado sobre épocas passadas e conjecturado na cultura. As ciências a par das artes
descobrem cada vez mais coisas sobre o que é estar vivo.
Habituamo-nos a perguntar só aquelas coisas que conseguimos responder, mesmo que
sejam insignificâncias. O quotidiano envolve inúmeras questões, mesmo assim os
homens não sabem o que é existir com sorte ou de que modo ser afortunado por um
destino que não seja trágico. Cada homem tem em si uma tragédia que acaba com
morte ou loucura, ou uma terrível vingança. O homem procura compreender. Aquilo a
que não está preparado para responder, põe de parte, contentando-se com a matriz
pergunta/resposta, e aplica-a a assuntos mais fáceis e simples de decifrar. Os assuntos
complexos poderão eventualmente ser respondidos correctamente. As respostas
escasseiam. As perguntas sem resposta são ignoradas e substituídas por outras que ao

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serem respondidas, nos dão o alimento necessário para que se prossigam
questionando-se. É inconcebível que um homem não viva pondo questões ou
encontrando soluções. Somos máquinas que tiram prazer das respostas.
Se não houvesse perguntas com resposta o homem deixaria de se perguntar, vivendo
num limbo, local provisório, inocente e culpado, de mobilidade apática. É a capacidade
de se questionar através de uma linguagem complexa, que faz o que o homem é na
realidade. O mundo que conhecemos é-nos dado pela linguagem verbal, segundo o
estilo de cada um.

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