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Afonso Henriques – nascido em 1109, filho do conde Henrique e de Dona Teresa, neto de
Afonso VI de Leão e primo direito de Afonso VII. Mantém uma relação amorosa com Elvira
Gualter, da qual nasceram duas filhas, Urraca e Teresa Gualter; e outra com Chamoa Gomes, de
quem terá dois filhos, Fernando e Pedro Afonso. Será reconhecido com rei de Portugal em 1143,
em Zamora.
Dona Teresa – filha de Afonso VI, casa com o conde Henrique, união que gerou três filhos:
Urraca Henriques, Sancha Henriques e Afonso Henriques. Depois de viúva, junta-se com Fernão
Peres de Trava, de quem tem duas filhas, Sancha e Teresa de Trava. Morre em 1130.
Conde Henrique – nascido na Borgonha, casa com Dona Teresa, de quem tem duas filhas e um
rapaz, Afonso Henriques. Morre em 1112, em Astorga, em circunstâncias estranhas.
Ermígio Moniz – irmão mais velho de Egas Moniz, será o primeiro mordomo de Afonso
Henriques quando este se torna titular do Condado Portucalense. Morre em 1135. É ficcionada a
existência de uma sua filha bastarda, chamada Raimunda.
Egas Moniz – sucede a seu irmão como mordomo do Condado Portucalense. Casado em
primeiras núpcias com Dórdia Viegas, de quem tem três filhos, casará pela segunda vez com
Teresa de Celanova, uma nobre galega.
Lourenço Viegas – filho de Egas Moniz e Dórdia Viegas, grande amigo de Afonso Henriques,
casado com Maria Gomes, irmã de Chamoa Gomes. É o narrador da história.
Chamoa Gomes – filha de Gomes Nunes e Elvira Peres de Trava, irmã de Maria Gomes e viúva
de Paio Soares, de quem tem três filhos, terá um quarto filho do seu primo Mem Rodrigues de
Tougues, e terá ainda dois filhos de Afonso Henriques, Fernando e Pedro Afonso.
Gomes Nunes – nobre portucalense, casado com Elvira Peres de Trava. Pai de Chamoa Gomes e
de Maria Gomes.
Elvira Peres de Trava – irmã de Fernão Peres de Trava, casada com Gomes Nunes, mãe de
Chamoa e de Maria Gomes.
Maria Gomes – filha de Gomes Nunes e Elvira Peres de Trava, irmã de Chamoa, casada com
Lourenço Viegas.
OUTROS PORTUCALENSES
Gonçalo de Sousa – filho de Soeiro Mendes de Sousa e grande amigo de Afonso Henriques,
será nomeado alferes antes da batalha de Ourique.
Elvira Gualter – amante de Afonso Henriques, de quem terá duas filhas, Urraca e Teresa
Gualter.
Peres Cativo – alferes das tropas portucalenses, é meio-irmão de Fernão Peres de Trava.
Paio Soares – primeiro marido de Chamoa Gomes, morre em 1129, depois da batalha de São
Mamede. Pai de Pêro Pais e de Ramiro.
Fernão Peres de Trava – nobre galego, amante de Dona Teresa, de quem terá duas filhas,
Sancha e Teresa. Inimigo de Afonso Henriques, é também tio de Chamoa Gomes.
Mem Rodrigues de Tougues – sobrinho de Fernão Peres de Trava e primo direito de Chamoa
Gomes, será pai de um filho desta.
RELIGIOSOS
João Peculiar – bispo do Porto, será depois nomeado arcebispo de Braga, tornando-se um dos
principais conselheiros de Afonso Henriques.
Bispo Bernardo – francês, bispo de Coimbra.
Antipapa Anacleto – Papa que provoca o cisma da Igreja Católica, lutando contra o Papa
legítimo, Inocêncio II.
MONARCAS HISPÂNICOS
Afonso VII – imperador de Leão, Castela e da Galiza, primo direito de Afonso Henriques, filho
de Dona Urraca e de Raimundo da Borgonha.
Afonso VI – imperador de Leão, pai de Dona Urraca e Dona Teresa, avô de Afonso Henriques e
de Afonso VII. Morre em 1109.
Zaida de Sevilha – provavelmente filha do rei de Sevilha Al-Mutamid, casa com Afonso VI e
converte-se ao cristianismo. É ficcionada a existência de uma filha sua, Zulmira, e de duas
netas, as princesas Zaida e Fátima.
MUÇULMANOS
PERSONAGENS FICTÍCIAS
Fátima – neta do último califa de Córdova, filha de Hixam de Hisn e de Zulmira.
Zulmira – neta do rei de Sevilha e filha de Zaida de Sevilha. Casou em primeiras núpcias com
Hixam de Hisn, de quem tem duas filhas, Fátima e Zaida. Casou em segundas núpcias com
Taxfin, governador de Córdova. Morre em 1129.
Sohba – irmã gémea de Hixam de Hisn, tia das princesas Fátima e Zaida.
Foi por minha exclusiva culpa que não conhecemos mais cedo os planos
do Trava contra o Condado Portucalense. Naquele Natal, eu e minha
mulher não fomos a Tui passar a quadra festiva com a família dela.
Maria Gomes andava indisposta há semanas e, convencido de que ela
esperava finalmente uma criança, recusei-me a viajar por temer os
solavancos da estrada e a travessia do rio Minho.
– Lourenço, não temais, sou resistente – contestou ela.
Mas a decisão estava tomada e, ao contrário do que fizéramos nos
últimos anos, ficámos em Guimarães, enquanto em Tui, como de
costume, Gomes Nunes e Elvira Peres de Trava, os pais de Maria e
Chamoa, aproveitaram a ocasião para reunirem os Trava.
Por lá apareceram Bermudo Peres de Trava e sua esposa Urraca
Henriques, irmã do nosso príncipe, bem como o inevitável Fernão Peres.
E, desta vez, compareceu também Mem Rodrigues de Tougues, filho de
outro irmão Trava e pai do quarto filho de Chamoa, nascido nesse verão.
Embora não vivessem como marido e mulher, pois minha cunhada
recusara juntar-se ao primo direito, o filho comum forçava a
aproximação entre os dois.
Da última vez que a havíamos visitado, Chamoa jurara-me que jamais
dividiria o leito com o Tougues, nem dele voltaria a procriar, por
continuar enamorada de Afonso Henriques. Porém, minha mulher, que
conhecia bem a mana, comentara na viagem de regresso:
– Chamoa não suporta os pés frios na cama... No Natal, unem-se.
Assim seria, embora não pelas razões previstas. Não foi por falta de
aquecimento pedestre que Chamoa se enfiou finalmente na cama com
Mem Tougues, mas sim por lealdade a Afonso Henriques, por mais
estranho que isso possa parecer.
Naquele Natal, os Trava pareciam em perda acentuada. Depois de
visitar as filhas em Lanhoso, Fernão Peres não mais voltara ao Condado
Portucalense. Seu irmão Bermudo, que organizara uma pífia revolta em
Seia, fora expulso definitivamente das terras regidas pelo príncipe de
Portugal. Quanto à mãe de Chamoa, passara a desconsiderar Afonso
Henriques por este ter expulso a filha de Guimarães, enquanto o seu
marido, Gomes Nunes, vivia dividido nas lealdades.
Obrigado a constantes malabarismos em defesa do seu interesse
último, a manutenção da posse do condado de Toronho, cuja capital era
a cidade de Tui, acredito que, no íntimo, aquele nobre portucalense
desejava juntar-se a nós, pois odiava Afonso VII tanto como no passado
abominara a mãe dele, Dona Urraca. Mas, sendo casado com uma Trava,
esse laço familiar sabotava a relação com Afonso Henriques.
O único motivo de alegria de Gomes Nunes eram os netos. Maria
ainda não lhos tinha dado, mas Chamoa já lhe proporcionara quatro
rapazes, três de Paio Soares e um de Mem Tougues, e a mera presença
dos petizes fazia aquele avô esquecer as agruras de Toronho. Paciente e
bonacheirão, gorducho e de movimentos lentos, Gomes Nunes nunca
fora um guerreiro e as suas atitudes receosas pareciam impostas pelas
limitações físicas do seu corpo. Há muito que tomara a sábia decisão de
se deixar levar pelos acontecimentos sem os contrariar, comportando-se
como uma cana embalada pelo vento. Se os Trava queriam guerrear
Afonso Henriques e este não se entendia com Chamoa, que podia ele
fazer?
Passava horas com o mais crescido dos filhos de Paio Soares, a quem
fora dado o nome de Pêro Pais. Com quase cinco anos, era um menino
esperto e de olho vivo, com um cabelo pejado de caracóis, como o seu
falecido pai, e um espírito deveras inquisidor. Foi esse insaciável desejo
de saber que o levou, ao escutar uma conversa entre os Trava durante a
tarde de Natal, a perguntar ao avô:
– O que é uma relíquia sagrada?
Gomes Nunes, sempre pronto a esclarecer o neto, dessa vez ficou
atrapalhado e sugeriu que ele fosse ter com a mãe, pois aqueles não
eram assuntos de criança. Arguto, o menino rumou ao quarto de Chamoa
e repetiu à mãe a pergunta. Alertada, a minha cunhada deduziu que
Fernão Peres continuava a conspirar contra Afonso Henriques e que ia
lançar-se para sul à procura do religioso artefacto.
Ao escutá-la, Pêro Pais exclamou, revoltado:
– Fernão Peres não pode roubar o nosso príncipe!
Apesar da tenra idade, Pêro Pais sabia que o pai, Paio Soares, estivera
do lado errado da guerra, em São Mamede. Fora Afonso Henriques
quem o atacara brutalmente, deixando-o tão combalido que a morte foi
uma inevitabilidade. Porém, nem isso beliscava a forte admiração do
rapaz pelo príncipe de Portugal.
É como eu, ama o Afonso.
Emocionada, a mãe abraçou-o com força e disse:
– Vosso pai admirava muito Afonso Henriques, mas jurou lealdade a
Dona Teresa. Não foi capaz de a trair e por isso morreu...
O filho, mais interessado no presente do que no passado, perguntou-
lhe de pronto:
– Que ides fazer?
Chamoa limitou-se a pedir ao menino que se mantivesse atento,
escutando as conversas dos outros Trava, mas no seu espírito germinava
já um plano assaz requintado. Depois de comida a ceia de Natal pela
família, aproximou-se discretamente de Mem Tougues e disse-lhe, em
voz ternurenta:
– Gostava de ter a vossa companhia esta noite.
O primo era aquele tipo de homem que acreditava piamente no que
ouvia. Magro como um espeto, de cara pálida e barba rala, vivia numa
permanente agitação calada, como se a revelação pública dos seus
pensamentos o torturasse, com medo das consequências. Talvez para
compensar tanta hesitação verbal, era exageradamente vaidoso e vestia-
se aprumado, com meias longas e saiotes curtos, esperando certamente
que a vistosa roupa ofuscasse a sua fraca personalidade.
Os olhos quase lhe saltaram das órbitas, pois não esperava tanta folga
da prima. Embora fosse apaixonado por Chamoa há anos, tinha-a
possuído uma única vez, no ano anterior, num campo próximo do
Mosteiro de Vairão. Fora o suficiente para lhe gerar um filho, mas nunca
mais ela o aceitara! E agora, de surpresa, convidava-o para dividir o
leito? O suscetível Mem Tougues logo ali prometeu dedicar-se para
sempre à sua amada.
Mal na sala se notou esta súbita junção, nasceram sorrisos, sobretudo
em Fernão Peres, por saber que finalmente Chamoa substituía Afonso
Henriques. Só um único par de olhos se atormentou. Pêro Pais não
entendeu as ternuras dadas pela mãe a Mem Tougues e Chamoa teve de
explicar-lhe, antes de o deitar, as suas intenções.
– Preciso de saber o que planeiam contra Afonso Henriques.
Pêro Pais desviou o olhar. Desapontado, resmungou:
– Não gosto do Mem Tougues!
Depois de um suspiro, a mãe garantiu-lhe:
– Nem eu, meu querido filho. Vou ter de beber muito vinho.
Quando regressou ao convívio dos adultos, Chamoa esvaziou de
seguida três vasos de tinto galego. Por isso, o seu espírito já estava solto
quando pegou na mão do primo e o conduziu para o quarto. Nas suas
costas, Fernão Peres de Trava inchou de contentamento. A notícia não
demoraria a chegar a Guimarães...
Já na cama, Chamoa pediu em silêncio a Deus que não engravidasse
pela quinta vez. Não estava em época frutuosa, mas era fértil como uma
coelha e temia que o corpo lhe pregasse uma partida. Despiu-se e venceu
a ligeira repugnância que o primo lhe provocava.
A causa é boa.
Perante o frenesim dele, que quis repetir a dose, chegou mesmo a
sentir prazer. Não havia volta a dar, gostava do sentimento animal que a
invadia, do descontrolo dos sentidos, da presença inebriante de um
macho em cima dela. Mas não era amor, nada que se parecesse com o
que sentira um ano antes com Afonso Henriques. Não era sequer o
sentimento de respeito, lealdade e companheirismo que devotara a seu
marido, Paio Soares.
Sou uma desvairada...
Terminado o rebuliço físico, passou ao objetivo essencial do exercício
e ficou a saber que Fernão Peres de Trava ia enviar uma companhia de
soldados galegos para as margens do rio Nabão, com o propósito de
encontrar a relíquia. O tio queria oferecê-la a Afonso VII, rei de Leão e
Castela, impedindo Afonso Henriques de lhe deitar as mãos.
Mais grave ainda, o Tougues revelou que entre os templários de Soure
havia um traidor, a soldo do Trava! O primo não sabia o nome de tal
indivíduo, mas a agitação interior de Chamoa foi imensa e imediata a
vontade de informar o seu adorado príncipe.
Na manhã seguinte, dirigiu-se a um pombal, levando pela mão o filho
Pêro Pais. Preparava-se para enviar uma mensagem, quando apareceu
Fernão Peres, que a questionou:
– Sobrinha Chamoa, a quem ides enviar um pombo?
Ela corou, atrapalhada, enquanto o Trava sentenciava:
– Trair a família é grave pecado.
A minha cunhada manteve-se calada, de mão dada com o menino. O
tio tinha fama de cruel, embora o seu aspeto nobre levasse ao engano. O
Trava era um homem bonito e alto, que transmitia segurança e solidez
de propósitos, mas escondidos dentro das suas dalmáticas roxas existiam
agravos antigos e desejos de vingança permanentes, bem como
ambições vastas a que só a sua torta, mas fulgurante inteligência,
permitia aspirar. Torcendo os lábios finos, o malicioso galego avisou-a
de que, se a lealdade familiar dela falhasse, medidas drásticas seriam
tomadas. Perverso como uma cobra, franziu a sua testa alta e terminou
com uma ameaça velada:
– Vossos filhos são tão jovens...
Atordoada de aflição, Chamoa sentiu-se gelar por dentro. Porém,
espantou-se ao ouvir a voz infantil de Pêro Pais, que ao seu lado
explicou, com um descaramento surpreendente:
– Minha mãe deseja saber se minha tia Maria está grávida.
A esperteza ágil do garoto susteve o Trava, que se limitou a informar
a sobrinha de que, a partir dessa data, seria vigiada por soldados. Mais
tarde, justificou perante a família a decisão com uma falsidade grotesca.
Contou que, em Tui, corria o rumor, obviamente inventado, de que
Afonso Henriques desejava raptar a rapariga galega.
Acreditando cegamente no tio, o aterrado Mem Tougues, tolo de
paixão, concordou com aquelas providências castradoras e Chamoa
passou a ser seguida, ficando impossibilitada de nos informar.
A grande guerra contra Portugal estava lentamente a iniciar-se, as
portas do Inferno iam abrir-se para nós, mas por minha culpa, minha tão
grande culpa, não fomos avisados a tempo...
II
Às Portas
do Inferno
1132
Soure, julho de 1132
Mais tarde, quando Mem a deixou em casa, sabia que por causa daquela
bela moura iria a Lisboa, a Córdova ou ao fim do mundo, se fosse
preciso, mas nunca esqueceria o seu estatuto menor. Podia tomá-la,
como um dia fizera a Zulmira, mas nunca seria mais do que um leal
amigo, pois, tal como a mãe, Zaida era uma princesa e as princesas não
casavam com almocreves.
Compostela, dezembro de 1132
No final da missa, Fernão Peres de Trava veio ter com ele. O alto e bem-
parecido galego continuava sombrio e Afonso VII concluiu que ele
nunca recuperara totalmente da morte da sua grande paixão, Dona
Teresa de Portugal, a mãe de Afonso Henriques.
– O meu homem de Soure já chegou. Trouxe-me isto...
O Trava entregou ao rei de Leão um bonito punhal, com uma pérola
no topo do cabo e a palavra Sellium gravada de lado. A sua companhia
de galegos morrera junto ao rio Nabão e a arma fora roubada pelo seu
fiel espião, que vivera vários anos integrado, em segredo, na Ordem do
Templo de Salomão, em Soure.
– E a relíquia? – perguntou Afonso VII.
O Trava abanou a cabeça, desconsolado. Os seus homens não tinham
encontrado o sagrado artefacto do conde Henrique.
– Não há maneira! – irritou-se Afonso VII.
Fora por não ter conseguido extrair ao conde Henrique o esconderijo
da famosa relíquia que Dona Urraca o mandara envenenar, coisa que
Afonso Henriques jamais esquecera.
– De quem era este punhal? – perguntou o monarca.
A arma pertencera ao já falecido Paio Soares, antigo alferes do conde
Henrique, que o acompanhara até ao esconderijo do tesouro.
– Paio Soares... – suspirou Afonso VII. – Minha mãe estimava-o, mas
ele nunca lhe revelou esse segredo.
Dito isto, o rei de Leão quis saber quais eram os próximos passos do
Trava. Desejava fortemente a relíquia, pois queria oferecê-la ao
Antipapa Anacleto, para que este o apoiasse no seu desejo de se coroar
imperador das Hispânias, sucedendo ao seu avô, Afonso VI.
– Enviarei o meu homem sozinho. Dará menos nas vistas. Mas antes
devíamos atacar Celmes! – propôs Fernão Peres.
Afonso VII refletiu em silêncio. As lutas mais ferozes contra Afonso I
de Aragão travavam-se sempre no verão, tal como as que o opunham aos
almorávidas. Talvez fosse possível cercar Celmes um pouco antes, no
final do próximo inverno. Porém, não podia dispensar demasiadas tropas
para essa aventura.
– Só há quinhentos portucalenses por lá, serão fáceis de derrotar –
garantiu Fernão Peres de Trava.
Afonso Henriques, perdido o Castelo de Celmes, certamente atacaria
Tui ou Límia em retaliação. Como o príncipe de Portugal não tinha
vastas tropas, teria de trazer as que se encontravam em Coimbra ou mais
a sul, no fossado liderado por Peres Cativo.
– Virão todos a correr! – exclamou o Trava.
Os seus ódios aos portucalenses não se resumiam a Afonso
Henriques, mas também a Gonçalo de Sousa, alcaide de Celmes, que o
humilhara na batalha de São Mamede, bem como a Peres Cativo, seu
meio-irmão, que o traíra na mesma refrega.
– Ides ajustar contas com eles – disse Afonso VII, a sorrir.
O Trava alegrou-se, mas pouco depois lembrou que tinham de ser
discretos na busca da relíquia, pois era sabido que o arcebispo Gelmires,
que estava nesse momento ainda no altar da catedral, à frente deles, era
um grande apreciador de relíquias sagradas, já tendo roubado várias aos
portucalenses, em Braga. Não podiam deixá-lo apoderar-se de mais
uma!
– Há pouco, temi que minha sobrinha tivesse vindo falar com ele...
O Trava resumiu ao rei a história de Chamoa Gomes, que, apesar de
ter já quatro filhos de dois homens, ainda amava o príncipe de Portugal e
tudo faria para o ajudar, incluindo tentar aliar-se ao arcebispo de
Compostela.
– Vou ter de vigiá-la – concluiu o Trava – Quando daqui saiu, ordenei
aos meus soldados que a acompanhassem de volta para Tui.
O rei de Leão franziu a testa e perguntou:
– Vossa sobrinha estava cá?
O Trava descreveu-lhe Chamoa e Afonso VII sentiu o coração a
trepidar. A belíssima rapariga que tanto o emocionara há pouco era a
sobrinha de Fernão Peres e paixão de Afonso Henriques! Alvoroçado,
quis conhecê-la, mas o Trava disse que a rapariga já partira para Tui.
Irritado, mas consciente de que não podia exagerar nos seus desejos, o
monarca leonês pediu então ao nobre galego que fizesse tudo para
impedir que Chamoa se juntasse a Afonso Henriques.
– Assim farei! – prometeu o Trava.
Agradado, Afonso VII estabeleceu as prioridades. Cercariam Celmes,
obteriam a relíquia da Terra Santa e manteriam Chamoa longe do
príncipe de Portugal. Mal conseguissem derrotar Afonso I de Aragão, o
monarca leonês poderia oferecer a relíquia a Anacleto e coroar-se
imperador das Hispânias!
– E, sendo Chamoa tão fértil, talvez me dê finalmente um filho! –
exclamou o primo de Afonso Henriques, deveras entusiasmado.
Tui, dezembro de 1132
– Já vos esperava.
O governador Ismar levantou-se ao ver Abu Zhakaria entrar no seu
salão privado, situado no primeiro andar do magnífico Azzahrat.
Construído dois séculos antes pelo mais célebre califa da Andaluzia, o
valoroso e sapiente Abd al Rahman III, aquele grandioso palácio
destinara-se a albergar o detentor do trono de Córdova e a sua família,
os seus infindáveis criados e o seu bem recheado harém. Mas, no
presente, servia apenas de residência exclusiva do wali da cidade,
embora permanecesse um esplendoroso edifício, onde se multiplicavam
os claustros, os minaretes, os jardins interiores, as piscinas e uma
quantidade incontável de quartos, salas e salões.
Se aquele monumento estava de pé, ornamentado e mobilado como se
lá morassem deuses e não pessoas, à família Benu Ummeya se devia,
concluiu Zhakaria. Mas, como era possível que quem tão bem governara
o califado de Córdova trezentos anos, quem construíra centenas de
mesquitas pela cidade, quem a tornara um local de fé visitado por
milhões de muçulmanos, tivesse caído em desgraça? O que acontecera
de tão profundo e corrupto para que as gentes se revoltassem contra
aqueles a quem tanto deviam?
Os livros antigos responsabilizavam os próprios Benu Ummeya, a
degradação inexorável do seu sangue, embora houvesse quem atribuísse
mais culpas ao hájibe Al-Mansor, o todo-poderoso ministro e usurpador
dos poderes da família, que pedira ajuda aos berberes africanos para
combater os cristãos e, de caminho, remetera um jovem califa a uma
posição secundária, condenando-o a vaguear pelos jardins do Azzahrat
como um tonto impotente.
Pouco importava agora: Hixam III, avô das princesas, fora o último
monarca que ali vivera, antes de ter renunciado ao trono, por se
considerar incapaz de pacificar a Andaluzia. Cem anos tinham passado e
nada de bom se aproveitava. O poder muçulmano fragmentara-se, o
califado cordovês estilhaçara-se em pequenos reinos, as primeiras taifas,
permitindo aos cristãos avançarem para sul, conquistando Toledo,
Coimbra e outras cidades. E anos depois, os almorávidas tinham
assentado arraiais, substituindo o califado de Córdova pelo de
Marraquexe, primeiramente liderado por Yusuf, pai do atual califa, Ali
Yusuf, que Zhakaria odiava.
Matava-o se pudesse...
Estaria prestes a dar-se a queda de Marraquexe, questionou-se
Zhakaria? A criada de Hisn afirmara que a instabilidade grassava na
Andaluzia, mas a ele afigurava-se-lhe impensável que o domínio de Ali
Yusuf estivesse em risco. O maldito berbere, que, por temer a
concorrência dos descendentes dos Benu Ummeya, condenara à morte
Taxfin e Zulmira, além de ter colocado a prémio a cabeça das princesas
Zaida e Fátima, era um homem poderoso, escudado nos seus
implacáveis guerreiros dos desertos africanos, cuja brutalidade assustava
os mais suaves árabes andaluzes.
Ismar, apesar de ser governador nomeado pelo califa, não era um
almorávida, nem um berbere, era descendente de sírios. Zhakaria
examinou aquele homem alto e entroncado, de traços perfeitos, com
uma barba meticulosamente desenhada, uma fina tira que acompanhava
os contornos do maxilar e do queixo. Era bonito, com uns olhos negros
brilhantes e um encanto físico que seduzia, e Zhakaria rapidamente
notou que ele era dotado de um carisma invulgar, pois falava com uma
segurança e uma calma imperiais, às quais acrescentava um sentido de
humor sofisticado, que usou para explicar a sua correspondência com a
velha criada de Hisn, feita através dos corvos negros.
– Não sei como ainda os consegue lançar, tem mais de duzentos anos
em cada braço!
Zhakaria primeiro riu-se, depois cumprimentou-o e por fim disse:
– Santarém está sem governador.
Para sua surpresa, o outro já sabia quase tudo o que se preparava para
contar. Recordava-se de Zhakaria e conhecia o propósito de resgatar as
princesas, até ali mal-sucedido, bem como as mortes de Taxfin e
Zulmira. Além disso, acrescentou misteriosamente:
– Sois amado pelo povo, em Santarém...
Abu informou-o de que estava sem fundos e sem o apoio dos notáveis
locais, que o consideravam um agitador de má fama, um provocador que
apenas por motivos de interesse individual desejava uma guerra
desnecessária com Afonso Henriques.
– São uns cobardolas – apreciou Ismar, encolhendo os ombros.
Existia muita gente assim espalhada pela Andaluzia árabe, declarou o
príncipe de Córdova. Gente que desistira de lutar, cansada por séculos
de combates, temendo ver mais sangue derramado, aterrorizada com a
possibilidade do regresso dos esquadrões da morte de Ali Yusuf.
– Sem mercenários, não as conseguirei salvar... – insistiu Zhakaria.
O governador fitou-o demoradamente, como se, por fazê-lo, pudesse
compreender melhor os seus remotos segredos. Curioso, perguntou:
– Porque o desejais fazer? Por amor a Fátima?
Abu Zhakaria, um guerreiro duro e implacável, tinha no coração um
ponto fraco e corou, pois regressava a um estado de vergonha infantil
sempre que falava na sua princesa.
Amo-a de mais...
Estar no Azzahrat gerara em Zhakaria uma nostalgia aguda, povoada
por recordações dos tempos ali passados, como principal ajudante
militar de Taxfin. Sobretudo, relembrara o olhar enamorado que um dia
lhe dirigira Fátima, uma menina de apenas nove anos, quando o viu a
primeira vez no jardim das camélias.
– É mesmo verdade o que dizem... – comentou Ismar ao vê-lo
ruborescer. – Não desejais honrarias? Fortuna? Um castelo?
O humilde cordovês suspirou, concedendo que a sua existência se
reduzira ao objetivo de resgatar as princesas, mas Ismar logo o
interrompeu, declarando que devia tentar perceber os sinais emitidos
pelos indígenas de Santarém.
– Sois respeitado pelas gentes, é importante.
Dito isto, o governador de Córdova expandiu a conversa, examinando
o estado da Andaluzia. A maior parte das taifas, como Sevilha,
Saragoça, Mértola ou Badajoz, não passava de meras kuras, embora
algumas ambicionassem ascender a emiratos.
– O tontinho que manda em Sevilha, por exemplo, obriga os súbditos
a chamarem-lhe emir! É um reles gato que tem a mania de que é leão.
Berbere e ambicioso, mas estúpido, é mais uma marioneta de Ali Yusuf
que se julga destinada a grandes voos!
Aos poucos, Zhakaria confirmou o que lhe dissera a criada: Ismar já
não admirava o califa, embora ainda se submetesse a ele. E, sobretudo,
odiava os berberes que governavam as restantes cidades andaluzas, que
dizia não servirem nem para lavar as escadas dos palácios! Aqueles
incompetentes walis tinham o futuro incerto, profetizou o governador,
sem o apoio militar de Ali Yusuf cairiam como folhas secas no outono.
A pressão que os cristãos continuavam a fazer, tanto Afonso VII, a partir
de Toledo, como Afonso I de Aragão, próximo de Saragoça, obrigara o
califa a enviar o próprio irmão, Temin, para comandar as forças
almorávidas.
– Não é grande chefe, mas o terror que os berberes inspiram ainda
cala muita gente – rematou Ismar.
Além disso, em África existiam já relevantes revoltas contra o
califado de Marraquexe. Nas montanhas e nos desertos, uma nova seita,
os almóadas, contestava os almorávidas. Com interpretações diferentes
do Corão e uma vontade enfurecida de recusar o jugo de Ali Yusuf, os
almóadas, que se intitulavam «unitários», eram uma infeção que
alastrava e contaminava os territórios antes pacificados e submissos do
califa berbere.
O atual líder espiritual e militar da nova seita, de seu nome Abdul-
Mumen, que sucedera ao fundador e primeiro profeta, Al-Mahdi, já
falecido, tivera a impensável ousadia de se declarar igualmente califa,
provocando um cisma no império dos almorávidas e de Ali Yusuf.
– Pressão a norte, dos cristãos; pressão a sul e a leste, dos almóadas; e
representantes palermas na Andaluzia! É o que tem Ali Yusuf.
Depois de praguejar, o wali de Córdova concluiu com nova previsão:
– Se não fosse Temin e a sua guarda sangrenta, o califado de
Marraquexe ruiria em poucos meses! Assim, vai demorar uns anos.
Perante tal desagradável cenário, Ismar defendeu que os muçulmanos
andaluzes tinham de tentar acelerar o lento apodrecimento do poder dos
almorávidas. Se conseguissem colocar gente de confiança como walis de
Sevilha e Saragoça, poderiam disputar o futuro.
– E Santarém também terá de cair para o nosso lado – murmurou
Ismar, olhando fixamente para o seu interlocutor.
– Qual a vossa sugestão? – perguntou Zhakaria, curioso.
Com um sorriso, Ismar levantou-se do seu cadeirão e, sentindo talvez
que ainda não chegara o momento das revelações, perguntou:
– Vamos comer?
Inesperadamente, lançou-se a declamar versos, na sua voz forte, mas
não por isso menos melodiosa:
Nessa noite, depois de prometer ao filho que não beberia vinho enquanto
estivesse em Coimbra, a curiosa Chamoa decidiu regressar à casa das
princesas, apesar dos avisos em contrário dados por sua irmã Maria.
Minha cunhada era tão deslumbrada consigo própria que se lhe
evaporava o bom senso depressa de mais...
Quando entrou na habitação das princesas, onde Fátima já não estava,
Mem e Zaida comiam um ensopado de pescada e esta última convidou
Chamoa a sentar-se, indo buscar um vaso à cozinha e servindo-lhe
vinho, que ela bebeu, esquecendo num ápice a promessa que fizera ao
filho.
São só uns golinhos...
Com um sorriso, Chamoa olhou a amiga e suspirou: a última vez que
haviam estado juntas fora à porta do Mosteiro de Vairão, antes de ela se
fechar em reclusão. Cinco anos tinham passado, tanto havia acontecido!
De rosto sério, disse:
– Chorei muito a morte de vossa mãe.
Para afastar pensamentos pesados, Zaida quis saber como ia o coração
de Chamoa, tendo esta mostrado a sua amarga desilusão. Uma tarde com
o seu primo Mem Tougues estragara-lhe a vida! O príncipe de Portugal
não lhe perdoara a desfeita, expulsando-a para Tui, onde dera à luz o
quarto filho. Por lá, Chamoa oferecera-se umas vezes ao Tougues, com
o único propósito de saber o que tramava o seu tio, Fernão Peres.
À terceira, já tinha nojo dele...
De cara desconfiada, Zaida torceu o nariz àqueles tortuosos
estratagemas, pois conhecia as fraquezas da amiga. Porém, esta jurou
que falava verdade e abriu-se-lhe um sorriso de orgulho no rosto,
quando disse que fora seu filho que a libertara, bem como a seu pai e a
Gonçalo.
– O que se passou na masmorra de Tui? – perguntou Zaida.
Chamoa pestanejou, agitada, mas logo se defendeu, declarando que o
tio os ameaçara de morte, se o ataque fosse bem-sucedido! Mas, no dia
seguinte, tirara-a do buraco e fechara-a num quarto.
Já esqueci, já esqueci!
Com um suspiro pesaroso, acrescentou:
– Coitado do Gonçalo. Tive muita pena dele.
Insatisfeita com aquelas explicações superficiais, pois Chamoa não
negara as ternuras com Gonçalo, Zaida recordou:
– O Mem só esteve uma vez com minha mãe e nunca se esqueceu...
Chamoa olhou-a com curiosidade e perguntou:
– Estais com ciúmes?
A princesa moura negou, afirmando que já não se sentia enamorada
de Gonçalo, o que levou Chamoa a espantar-se com tanta honestidade
em frente do almocreve. Então, Zaida disse:
– O Mem sabe. Tenho carinho pelo Gonçalo, mas já foi há três anos.
Divertida, esboçou uma careta e exclamou que os cristãos eram todos
muito ciumentos! Julgavam que, por as mulheres se darem uma vez,
seriam deles para sempre. Os mouros de Córdova estavam habituados a
ligações menos intensas, mulheres e homens eram mais soltos. A sua
avó, Zaida de Sevilha, fora vista pelo seu avô Ismael agarrada a um
núbio nua e numa piscina, mas o marido, embora desgostoso, aceitara o
desvario.
Reforçando a ideia da amiga, Chamoa contou que Elvira Gualter, que
tivera uma primeira filha do príncipe e já esperava a segunda, também se
mostrara desprovida de ciúmes. Não se importava que ela casasse com
Afonso Henriques, mas avisara-a de que o príncipe também era muito
ciumento, o que fez Zaida abanar a cabeça, concordando.
Imediatamente tensa, Chamoa perguntou:
– Afonso Henriques é vosso amigo?
Zaida não lhe respondeu diretamente e voltou a referir a avó, Zaida de
Sevilha, que, depois de enviuvar de Ismael, casara com o imperador
cristão, Afonso VI, o avô de Afonso Henriques. Com um sorriso
enigmático no rosto, admitiu que o príncipe e ela poderiam um dia reinar
na Andaluzia, o que levou Mem a suspirar e Chamoa a concluir que os
sonhos gloriosos de Zaida não o incluíam.
Com uma leve malícia, provocou a amiga:
– E o Mem?
Como a princesa nada disse, a minha cunhada insistiu, incomodada
com o que lhe parecia ser uma injustiça para o almocreve.
– Será apenas um dos muitos amantes da rainha de Córdova?
Abrindo os olhos, agora já disposta ao despique, Zaida ripostou:
– Vós é que sonhais ser rainha desde criança!
Chamoa agitou-se e bebeu mais um gole do seu vinho.
E vou ser, um dia!
Curiosa, Zaida perguntou-lhe:
– Estais certa de que Afonso Henriques vos vai perdoar?
Foi a vez de Chamoa se desanimar, dizendo ter pouca fé numa
reconciliação. Apesar do seu esforço para reconquistar o príncipe,
duvidava de que este esquecesse o passado turbulento dela.
Acha-me uma tola, como todos...
De repente, Zaida desatou a rir, como se tudo aquilo não passasse de
uma tonta brincadeira e exclamou, divertida:
– Olhai para nós! Duas parvas que sonham ser rainhas, desejosas de
casar com um príncipe que não nos quer!
Depois, com um inesperado desprezo, apontou para Mem.
– No final do dia, tudo o que nos resta é um almocreve!
Este baixou os olhos, atingido na sua condição menor, o que levou
Chamoa a desaprovar aquela segunda desconsideração da princesa.
– Quem me dera ter um homem tão leal!
Zaida encolheu os ombros e insistiu no enxovalho.
– Este sonso? Não há criadita em Coimbra, nem dama casada, que
não o tenha já provado! E o mesmo se passa em Santarém!
De súbito, parecia mesmo irritada com as permanentes infidelidades
do almocreve e largou uma inconfidência vernácula:
– É natural que o queiram, o pau dele parece o de um burro!
Perante aquela espetacular denúncia, Chamoa desatou à gargalhada e
o seu riso contagiou os outros, mas depois ela repreendeu a amiga:
– E mesmo assim sois má com ele?
Zaida riu-se, mas nada acrescentou. Então, olhando para Mem e
sorrindo-lhe, Chamoa exclamou:
– Se este fosse meu, dizia-lhe sempre: anda cá burrinho, vem à dona!
Coimbra, junho de 1134
Abu Zhakaria era um guerreiro exímio, mas esventrar mil pessoas era
uma proeza para além da imaginação bélica do cordovês.
Raimunda, a minha prima, era uma fanática, uma alma danada
consumida pelo rancor, mas o seu alvo era Afonso Henriques. Esfolar
cristãos, retirando-lhes as vísceras e deixando-os a apodrecer ao sol, era
uma vertigem assassina que ultrapassava a sua fantasia vingativa.
Não foi ela...
Quanto a Ismar, certamente que a glória de uma vitória contra os
cristãos lhe era saborosa, mas uma exibição de tamanha malevolência
extravasava os gostos épicos de um fino político.
Foi a minha amada...
A verdadeira promotora daquele vislumbre do Inferno na terra foi
Fátima. Vinte e um anos depois de ter sido presa em Coimbra e oito
anos depois de ter visto a mãe ser degolada à sua frente, a irmã de Zaida
viu naquela noite uma oportunidade para uma agressão histórica. Foi ela
quem convenceu Ismar a patrocinar as atrocidades.
E nós aceitámos...
A população local, onde não se contavam mais de quatrocentas almas,
e a guarnição de Leiria, formada por cerca de seiscentos homens, não
tiveram quaisquer hipóteses de se defender. Uma curta guarda avançada
de mouros escalou as muralhas em segredo e degolou as solitárias
sentinelas. Zhakaria foi dos primeiros a entrarem, pela porta sul,
enquanto Ramiro abria o portão leste, possibilitando que vagas de
soldados invadissem a almedina. Quando a trombeta cristã anunciou o
ataque, a cidade já estava perdida.
Paio Guterres, à frente de trezentos soldados, batalhou com os infiéis,
lutando corpo a corpo nas ruelas, mas depressa mandou recuar para a
alcáçova. Se lá tivesse chegado a tempo, talvez tivesse resistido durante
uns dias, mas a surpresa que Ismar lhe reservou aniquilou as esperanças
do alcaide.
De súbito, pelo portão leste que Ramiro abrira, entraram uma centena
de mastins negros. Os ferozes cães correram pelas ruas e atacaram, de
forma inesperada, os portucalenses. As colossais bestas, atiçadas pelos
gritos dos tratadores, atiraram-se aos soldados, ferrando-os nos braços,
nas pernas, no peito ou nas costas, enfiando os dentes pontiagudos nas
carnes dos pobres coitados, que guinchavam de dor. O sangue espirrava,
músculos e tendões eram rasgados e os homens tombavam, moribundos
ou feridos com gravidade, a brotarem golfadas de sangue, que excitavam
ainda mais os alucinados mastins.
Pobre alcaide...
Paio Guterres ainda tentou uma manobra desesperada, correndo pelas
ruelas da almedina à frente dos poucos homens que lhe restavam, mas
acabou cercado no pátio principal da cidade.
Por momentos, parecia que o combate tinha sido suspenso. Os
cristãos estavam prontos para se render quando surgiu um cavalo negro,
num dos cantos da praça, montado por Fátima. O Sultão, calmo e
poderoso, mirava os inimigos, como se medisse as suas forças. De
súbito, ouviu-se o grito veemente da mais velha das princesas.
– Matem os cristãos!
O próprio Abu Zhakaria, que a julgava amar, espantou-se quando
reparou naqueles olhos, brilhando de raiva mortal.
Quem é ela, afinal?
O berro da princesa excitou os soldados, que em brados chamaram
pelos Fiéis do Profeta. Surgiu então na rua principal de Leiria uma
companhia de cinquenta feddayin, todos vestidos de branco, apenas com
um cinto vermelho à cintura.
Iguais à Morte com Duas Pernas...
Ao vê-los, Zhakaria recordou o feddayin do califa Ali Yusuf que
matara Zulmira. Mas estes eram servos leais de Ismar e, com um uivo de
alegria, em cima do cavalo, Fátima saudou a chegada dos assassins.
– Matem os cristãos! – repetiu.
Ismar acedeu ao impulso bárbaro e deu as suas ordens. Depois da
brutalidade dos cães negros, chegou a vez da ferocidade inimitável dos
feddayins, que levantaram em simultâneo os seus alfanges e caíram
como animais esfomeados sobre os pobres portucalenses, que foram
decepados sem misericórdia, enquanto Fátima, em êxtase, dava voltas à
praça montada no Sultão!
Naquela noite, Zhakaria temeu que a princesa moura se tivesse
transformado numa bruxa sanguinária que se alimentava do sangue dos
inimigos, enquanto a via esfolar cristãos ainda vivos, ou pregá-los em
cruzes, sem piedade.
Ela é a Morte?
No meio da barafunda, Ismar deu ordens para ninguém matar o
primeiro ajudante de Paio Guterres, pois queria uma testemunha viva
daquele horror, para que o inimigo nele acreditasse. O desgraçado viu
tudo, até a morte daquele a quem chamavam Cipião Africano. A Paio
Guterres, rasgaram-lhe a barriga primeiro e, depois, cortaram-lhe a
língua, os dedos e as orelhas. Os feddayin esfolaram-no ainda vivo e
terminaram a impiedosa loucura enfiando-lhe uma lança pelo rabo,
rasgando-o por dentro até ele soltar o seu último suspiro.
De seguida, penduraram o corpo na torre de menagem e lançaram-lhe
fogo, e o cadáver do alcaide ardeu, para gáudio dos muçulmanos,
enquanto a macabra festança prosseguia, com os populares ainda vivos a
serem aniquilados no pátio. Fossem mulheres, velhos ou crianças, todos
foram rasgados ao meio pelos alfanges dos feddayin.
Assim morre Leiria...
Dias mais tarde, Ismar partiu com as suas tropas, regressando à cidade
que governava para instigar a revolução contra Ali Yusuf. Quanto à
minha prima, dirigiu-se a Santarém com Fátima e Abu Zhakaria. O
conhecimento do segredo sobre a sua descendência real moura, que meu
tio Ermígio Moniz confirmara no pergaminho que deixou a Afonso
Henriques antes de morrer, não era suficiente para extinguir o ódio de
Raimunda. A sua luta ia continuar.
Coimbra, maio de 1137
Nessa noite, não houve qualquer ceia, nem o imperador voltou a ver
Chamoa, pois Afonso Henriques, mal assinou o tratado, desmontou o
acampamento e rumámos para o Sul. Durante o cabisbaixo regresso da
nossa comitiva a Coimbra, mil questões me percorriam o espírito
inquieto. O misterioso terceiro homem, cuja identidade já conhecíamos,
iria finalmente revelar-nos o esconderijo da relíquia? E Ramiro fora ter
com o seu perigoso mentor ou correra a juntar-se a Raimunda e aos
muçulmanos? O antigo templário levava-nos alguns dias de avanço...
Um tesouro que tocou em Cristo, dissera o imperador. Algo que pode
mudar os destinos do mundo, dissera Sohba. Um rei vassalo do
imperador era uma coisa, um rei com uma relíquia dos tempos de Cristo
era outra. Talvez o imperador, e mesmo o Papa, o estivessem a
subestimar... Afonso Henriques já era um gigante e em breve seria rei,
mas com a relíquia da Terra Santa nas suas mãos podia também
transformar-se numa figura mitológica e extraordinária, abençoada por
Deus e bafejada pelo poder dos Seus milagres.
Tínhamos de descobrir o esconderijo da relíquia e voltar a Sellium,
mas, para que isso fosse possível, precisávamos de desmascarar o traidor
de Coimbra, o mesmo homem que fora, vinte e tal anos antes, esconder
o artefacto sagrado com o pai de Afonso Henriques!
Coimbra, junho de 1137
Para o almocreve Mem, que viera desde Santarém acorrentado nos pés,
o casamento de Ismar e Raimunda não passou de uma exibição
exagerada das ambições do primeiro, que acumulava agora o posto de
governador de Córdova, ainda nomeado pelo califa de Marraquexe, com
um novo título atribuído a si próprio, o de putativo emir da taifa
cordovesa.
Naquele turbulento ano, a Andaluzia dividira-se em pequenos reinos
mouros, tal como acontecera uma centena de anos antes, quando caíra o
velho califado de Córdova. Sem a cola agregadora do poder militar de
Ali Yusuf e do seu irmão Temin, vários territórios optaram pela
independência, agora que os exércitos almorávidas haviam partido para
África. Por mais que Ismar aspirasse a uni-los, havia divergências fortes
e desejos autónomos entre os novos tiranetes que regiam as taifas
andaluzas.
Muitos a mandar, tudo vão estragar...
Encostado num dos cantos de um grande salão do Azzahrat, sempre
com as grilhetas a incomodá-lo, o almocreve Mem deu-se conta de que o
novo mandante de Sevilha odiava o de Mérida, o de Valência
abominava o de Oreja, o de Badajoz não suportava ninguém e o de
Mértola nem sequer aparecera, pois tinha interpretações diferentes do
Islão. Aqueles nobres muçulmanos, que se revoltavam contra os
berberes de Marraquexe, não conseguiam entender-se.
Gente interesseira, não cai à primeira...
Obviamente, os novos emires e walis da Andaluzia foram convidados
para o casamento de Ismar e Raimunda e todos se banquetearam no
Azzahrat, acampando as suas comitivas em redor do palácio, deleitando-
se com o harém e rezando na grande mesquita de Córdova. Porém, as
negociações destinadas a erguer um califado naquela antiga capital
revelavam-se inconsequentes. Embora agradados com as ofertas
generosas de comidas, bebidas, mulheres e até mancebos, os novos
poderosos não reconheceram Ismar como rei supremo da Andaluzia.
Califa sem posto, a ninguém dá desgosto...
Mem não podia negar uma evidência: o príncipe cordovês tudo
tentou. Hábil político e dotado do maior exército andaluz, que só a
riqueza da sua família podia financiar, Ismar persuadiu e negociou com
os outros chefes mouros, mas no final de cada dia esbarrava sempre nas
recusas alheias. Inebriados com o novo poder individual, que exerciam
na taifa respetiva, os outros estavam dispostos a lutar contra os cristãos,
mas não admitiam substituir um califado de berberes por outro de
cordoveses, e não havia poesia moura, por mais bela que fosse, que lhes
alterasse a determinação.
Os novos reizinhos da Andaluzia haviam ascendido a honrarias com
as quais antes só sonhavam e, por isso, nenhum daqueles recém-
chegados, nenhum daqueles emires mesquinhos e de vistas curtas, queria
abrir mão das suas conquistas, e nem o argumento da ressurreição da
família Benu Ummeya ajudou Ismar, ao contrário do que o próprio, e até
Mem, havia pensado.
Os Benu Ummeya tinham reinado no califado de Córdova quase três
séculos, mas a derrocada desse maravilhoso e rico império andaluz fora
uma colossal tragédia cuja culpa repousava nos ombros da famosa
família. Os últimos califas, o pai e os vários tios-avôs de Hixam de Hisn,
haviam sido desastrados governantes, sem capacidade para impedir que
a destruição sangrenta alastrasse na Andaluzia. O regresso ao trono do
califado de duas raparigas, uma filha de Hixam de Hisn, chamada
Fátima, e outra neta de Sohba, chamada Raimunda, ainda por cima
também filha de um cristão, era visto como um retrocesso desagradável,
uma nostalgia fútil de uma época dourada que degenerara num banho de
sangue, facilitando a reconquista dos territórios hispânicos pelos
cristãos.
Família perdida, não é reconhecida...
Submetido a um regime desagradável de cativeiro e sem qualquer
hipótese de fuga, Mem notou igualmente que, frustradas e espantadas
com a rejeição generalizada a que eram votadas, Raimunda e Fátima
depressa perderam a paciência com os walis e emires, que consideravam
desprezíveis e um exemplo perfeito do quão corrompida estava a
Andaluzia sarracena.
Princesa zangada, festa estragada...
Discretamente, depois do casamento, Raimunda fechou-se nos seus
aposentos no Azzahrat, raivosa com os dois mundos em que vivia, o
cristão, que sempre a humilhara, e o mouro, que tão mal a recebia. Já
Fátima, acompanhada pelo fiel Abu Zhakaria, anunciou que tencionava
partir para a serra Morena, depois das festas terminadas, e esconder a
relíquia sagrada dos cristãos no mausoléu do Castelo de Hisn Abi
Cherif, até que um dia lhes fosse útil, uma vez que era claro que nenhum
dos limitados chefes sarracenos compreendia o potencial daquela arma
antiga e misteriosa.
No entanto, Zhakaria e Fátima não chegaram a partir, pois os planos
do imperador Afonso VII, que iria atacar Oreja, bem como o anunciado
fossado de Afonso Henriques no Oeste da Andaluzia, assustaram os
restantes chefes mouros, obrigando-os a chegarem finalmente a um
entendimento com o príncipe de Córdova.
Os exércitos das cidades de Valência, Múrcia, Almeria e Granada
correriam a enfrentar Afonso VII, logo que este atacasse Oreja;
enquanto as tropas das cidades de Santarém, Beja, Badajoz e Sevilha se
preparariam para suster os avanços militares do príncipe de Portugal,
também previstos para a primavera do ano seguinte.
No meio desses dois contingentes, capazes de se dirigirem para um
lado ou para o outro, conforme as necessidades das refregas, ficavam as
forças de Ismar, as mais valiosas e poderosas.
Aí vem a grande guerra, anunciai por toda a terra...
Mais uma vez encostado a um canto do salão, Mem ficou também a
saber que a única lacuna neste embrião de união andaluza era o
posicionamento da taifa de Mértola, cujo território se estendia até Silves.
O governador desse reino chamava-se Ibn Qasi e era um muçulmano
original e independente, um sufi com práticas religiosas diferentes das
dos restantes andaluzes e, ao mesmo tempo, um discreto admirador da
seita dos almóadas, que em África combatia o califa Ali Yusuf.
Apesar de convidado, Ibn Qasi não comparecera ao casamento de
Ismar e Raimunda, nem enviara qualquer emissário à reunião geral e por
isso representava um exemplo nefasto para Ismar, uma prova concreta e
desagradável da sua incapacidade de unir a Andaluzia. Contudo, e
apesar dessa falha, o príncipe de Córdova já decidira a sua estratégia.
Iria defender Oreja contra o ataque de Afonso VII, mas também preparar
uma emboscada a Afonso Henriques.
Almas tortuosas, ciladas impetuosas...
Intrigada, Fátima perguntou ao príncipe de Córdova:
– E como ides enganar Afonso Henriques?
Ismar iria propor entregar a relíquia sagrada em Hisn Abi Cherif,
encurralando de seguida os portucalenses.
– Teremos cinco exércitos à espera dele! – gritou Raimunda.
A lutar contra os portucalenses estariam mais de trinta mil sarracenos,
entre os quais se incluíam os feddayins, os assassinos vestidos de
branco.
– E as Fúrias do Corão? – perguntou Fátima.
Desde que chegara a Córdova, a princesa mais velha ignorara os
haréns e as mesquitas, fascinada com as cavaleiras que Ismar treinava
nos picadeiros do Azzahrat. Eram cerca de duzentas guerreiras,
amazonas bélicas capazes de brandir uma lança ou um alfange e que se
vestiam de negro para contrastar com os áureos feddayins. Montada no
Sultão, Fátima passara dias a admirar aquelas duras combatentes e Ismar
sugerira que ela integrasse o grupo.
Porém, ao lado do recente esposo, Raimunda enervou-se com o
protagonismo daquela prima, que agora era obrigada a estimar. Irritada,
exigiu a Ismar que fosse ela, e não Fátima, a liderar o bando de
valorosas mulheres!
– Claro, minha amada – respondeu-lhe Ismar, sempre a sorrir.
O príncipe cordovês jamais contrariava a mulher, concluiu Mem,
esfregando os tornozelos doridos pelas correntes.
Rei manipulado, sarilho encomendado...
Depois, Ismar sugeriu que Fátima, Abu Zhakaria e Raimunda o
seguissem. Naturalmente, o almocreve foi atrás deles, que, no fim de um
longo corredor, se dirigiram a um claustro, onde no centro Mem viu uma
piscina não de água, mas de mercúrio!
– O espelho do califado! – orgulhou-se Ismar.
Raimunda, Fátima e Zhakaria observaram, fascinados, aquele líquido
prateado e viram nele as suas imagens disformes, brilhando num efeito
bonito e misterioso. Com solenidade, Mem ouviu Ismar declarar que
aquele era o mais importante sinal da ressurreição de Córdova!
Abraçado à esposa, rematou:
– E seremos nós a reinar!
De seguida, olhou para Abu Zhakaria e acrescentou:
– Chegou a hora de desposardes a Fátima, em Hisn Abi Cherif!
Mem sentiu que aquela não era uma sugestão, mas sim uma ordem,
que estranhamente Abu Zhakaria parecia temer. O convívio com aquele
casal permitira ao almocreve perceber que Zhakaria não estava feliz.
Fátima não era a mulher doce e amável que ele imaginara, bem pelo
contrário. Porém, Abu não podia recusar aquele casamento, já não
controlava o seu destino.
No final desse mês, Abu Zhakaria casou em Hisn Abi Cherif com a sua
antes adorada Fátima, cuja difícil existência a transformara num
incontrolável monstro. Presentes e a assistirem ao enlace oficiado no
pátio por um imã de Córdova, além de Ismar e de Raimunda, só estavam
o almocreve e a velha criada do Castelo de Hisn.
A idosa mulher, que o almocreve conhecera anos antes, por esses dias
pouco mais fazia do que esperar a morte e manteve-se sempre sentada
num banco, pois já lhe faltavam as forças. Mem ficou o tempo todo ao
lado dela, preso pelas correntes nos pés, como se fosse um ladrão
perigoso que os outros exibiam.
No final da cerimónia, o almocreve ouviu a velha criada murmurar
uma lengalenga quase incompreensível. Sorriu levemente, a mulher
parecia delirar com febre, mas reconheceu alguns nomes.
– Os pulsos de Aqsa.
– O pescoço de Hixam.
– A cabeça de Zulmira.
– A garganta de Taxfin.
– O peito de Sohba.
– Benu Ummeya, só morte e tragédia!
Intrigado, à terceira vez que ouviu a repetição das frases, Mem
comentou em voz baixa que não sabia que Aqsa se matara. Então, a
idosa quase cega ficou hirta e murmurou:
– Fátima e Raimunda vão acabar mal.
Preocupado, Mem perguntou-lhe se Zaida poderia escapar ao macabro
destino da família, ao que a centenária mulher respondeu:
– Zaida de Sevilha casou-se com o avô de Afonso Henriques. – e,
com o sorriso confiante de quem tudo sabe, acrescentou: – A Zaida sai à
avó.
Coimbra, março de 1139
CONTINUA EM:
OS CONQUISTADORES DE LISBOA
Table of Contents
Ficha Técnica
I A Profecia da Normanda 1130 – 1131
Guimarães, novembro de 1130
Guimarães, dezembro de 1130
Lanhoso, dezembro de 1130
Coimbra, Páscoa de 1131
Coimbra, Páscoa de 1131
Tui, dezembro de 1131
II Às Portas do Inferno 1132
Soure, julho de 1132
Coimbra, julho de 1132
Coimbra, julho de 1132
Coimbra, julho de 1132
Coimbra, julho de 1132
Coimbra, agosto de 1132
Compostela, dezembro de 1132
Tui, dezembro de 1132
Tui, dezembro de 1132
Guimarães, dezembro de 1132
III Mentiras de Guerra 1133 – 1134
Serra Morena, perto de Córdova, fevereiro de 1133
Marraquexe, março de 1133
Celmes, abril de 1133
Tui, setembro de 1133
Lisboa, setembro de 1133
Lisboa, setembro de 1133
Soure, outubro de 1133
Coimbra, outubro de 1133
Coimbra, outubro de 1133
Tui, março de 1134
Tui, março de 1134
Tui, março de 1134
IV O Despertar dos Traidores 1134
Rio Lis, junho de 1134
Coimbra, junho de 1134
Coimbra, junho de 1134
Coimbra, junho de 1134
Coimbra, junho de 1134
Santarém, junho de 1134
Sellium, junho de 1134
Sellium, junho de 1134
Santarém, agosto de 1134
Guimarães, outubro de 1134
V Os Desejos do Imperador 1135 – 1137
Leão, maio de 1135
Guimarães, setembro de 1135
Tui, março de 1136
Coimbra, setembro de 1136
Coimbra, novembro de 1136
Toledo, dezembro de 1136
Cerneja, maio de 1137
VI A Relíquia Sagrada 1137
Leiria, maio de 1137
Leiria, maio de 1137
Coimbra, maio de 1137
Albergaria, junho de 1137
Tui, junho de 1137
Tui, junho de 1137
Coimbra, junho de 1137
Coimbra, julho de 1137
Sellium, julho de 1137
Soure, agosto de 1137
VII O Milagre de Ourique 1138 – 1139
Guimarães, outubro de 1138
Córdova, outubro de 1138
Coimbra, março de 1139
Colmenar de Oreja, maio de 1139
Andaluzia, junho de 1139
Serra Morena, próximo de Córdova, junho de 1139
Badajoz, julho de 1139
Ourique, julho de 1139
Ourique, 25 de julho de 1139
Beja, agosto de 1139
Coimbra, agosto de 1139
Guimarães, dezembro de 1139