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THEODOR WIESENGRUND ADORNO ( 1903-1969)

Rita Amélia Teixeira Vilela1

Foi um dos grandes pensadores sociais do século XX, conhecido como integrante fundador
da chamada Escola de Frankfurt.Theodor Adorno não é um teórico da educação e não tem uma obra
na qual desenvolve uma proposta de educação e muito menos uma teoria de educação, como
usualmente tem sido atribuída a ele: “Educação para a Emancipação”. Ele também não discutiu o
conceito de emancipação com finalidade pedagógica. A libertação do sujeito do processo de
dominação da consciência, operada nas relações sociais e culturais da sociedade capitalista,
continua, portanto, sendo o corpo teórico principal para entender posições de Adorno a respeito da
educação e do sistema de ensino do seu tempo. Portanto, é no conjunto da sua obra, onde
encontramos suas formulações fundamentais para entendimento do homem na sociedade bem como
a critica à ordem social que massifica as relações sociais que devemos buscar apreender o
arcabouço teórico de análise e de crítica à educação, formuladas por ele. A obra social de Theodor
Adorno está edificada a partir do seu esforço para entender e explicar os processos de (de)formação
do homem na sociedade do seu tempo. É nessa perspectiva que ele denuncia o processo histórico de
produção da educação como relação social de dominação e nos confessa que acredita no potencial
da educação na formação de sujeitos capazes de resistência ao processo de dominação.

Theodor Adorno no seu tempo

Nasceu em 11 de setembro de 1903, em Frankfurt, onde o pai, continuava os negócios do


patriarca da família Wiesengrund que se mudara para Frankfurt em 1867, transferindo para a grande
cidade, sede política e em franco processo de modernização, uma conceituada firma de comércio de
vinhos, fundada em 1822, na pequena cidade de Dettelbach, na região hoje integrada ao Estado da
Baviera. A historia da família Wiesengrund está associada à historia dos judeus alemães. A mudança
para Frankfurt representou, para a família, a fuga das experiências preconceituosas e de perseguição
a judeus, mais explícitas em cidades pequenas, e a possibilidade de prosperar sob o anonimato
possível da grande cidade. A mãe de Adorno não era judia. Foi uma mulher culta e refinada, tocava
piano e era cantora lírica, assim como sua irmã que viveu com a família e, mais do que tia, foi uma
grande amiga de Adorno. Essa particularidade da família de Theodor Adorno, oferece elementos para
compreensão do seu processo de socialização familiar que, segundo seus historiadores, foi
fundamental para sua vida acadêmica e na sua orientação política. Fazer parte de uma comunidade
de judeus bem sucedidos, mas, não ortodoxos, sob o clima de tolerância, de liberdade intelectual e de
grande valor aos estudos e ao cultivo do conhecimento e das artes, especialmente música, como
também a procura de uma trajetória favorável de escolarização no ramo nobre do sistema de ensino
alemão daquele tempo, foram ingredientes fundamentais na preparação do grande pensador no qual

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Professora do Programa de Pós educação da PUC Minas – Doutora em Educação pela Universidade de Frankfurt/M.

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Adorno se transformaria. Theodor cursou a Escola Secundária no ramo ginasial, que na tradição do
sistema de ensino, e como tal consolidado na República de Weimar, priorizava a formação intelectual,
cultural e científica. Na Universidade, Adorno estudou e se formou em Sociologia, Filosofia e
Artes/música2. Aos 21 anos, em 1924, tornou-se Doutor em Filosofia e, aos 28 anos, em 1931
tornou-se professor Catedrático de Filosofia, assumindo a cadeira de um dos mais renomados
professores da Universidade de Frankfurt, Hans Cornelius, aposentado no ano anterior.
Mas fora esse contexto familiar favorável ao desenvolvimento de uma personalidade
intelectualizada e aberta para o mundo, Adorno viveu um tempo social de grandes mudanças. Nasceu
e chegou à adolescência sob o Segundo Império Alemão, sob comando de Bismark. Esse tempo
demarcou um período de efetivo imperialismo da Alemanha, com franca expansão econômica,
industrial e comercial, conquista de colônias na África e na Ásia, ameaça à hegemonia britânica. Se o
povo usufruiu as conquistas materiais desse tempo, com nível de vida antes nunca alcançado, o clima
social era conturbado: dissidências no movimento operário, lutas partidárias, resistência à política
imperialista com rebeliões políticas e populares. Adorno viveu a Primeira Grande Guerra como
adolescente, viveu as conseqüências desastrosas da derrota: as lutas políticas e sociais, inclusive os
acontecimentos violentos em torno da Revolução Socialista que não vingou e marcou a historia do
socialismo na Alemanha com a morte sangrenta de seus maiores líderes, viveu a formação da
República de Weimar e sua luta para fazer prevalecer o espírito democrático. Esses foram, segundo
os historiadores de Adorno, ingredientes na formação da sua maturidade precoce. Muito cedo ele se
posicionou pela defesa da democracia e demonstrou interesse e habilidade para aperfeiçoar sua
capacidade para compreender e dialogar com os acontecimentos do seu tempo. Seu engajamento no
grupo de cientistas sociais para a criação do Instituto para a Pesquisa Social foi conseqüência dessa
situação. Ressalte-se também sua precocidade nessa empreitada, pois, em 1924, quando já estava,
de fato, integrado ao grupo fundador do Instituto, tinha apenas 21 anos e era o cientista mais jovem.
Seus dois grandes amigos e mentores na construção da Teoria Crítica, através dos quais ele
ingressou no grupo, foram Max Horkheimer, então com vinte e nove anos, e Walter Benjamin, com
trinta e dois anos. Cientista reconhecido e professor da Universidade de Frankfurt vivenciou a
derrocada econômica e as drásticas condições de vida no Pós-Guerra, acompanhadas da formação e
da consolidação do partido nacionalista que culminou com a ascensão de Hitler ao poder em 1933.
Como judeu, neste mesmo ano, teve suspensa a autorização de professor em Frankfurt. Para fugir
da perseguição dos nazistas, foi para Londres em 1934 e, em 1941, para Los Angeles, onde
permaneceu até 1949. Nos Estados Unidos juntou-se a Horkheimer e outros colaboradores do
Instituto de Pesquisa Social, que eles reergueram em Los Angeles. Em 1949 ele retornou a Frankfurt
e em 1950 foi reintegrado como docente e pesquisador na Universidade Frankfurt , no Departamento
de Sociologia, onde lecionou até sua morte em 1969. Concomitante ao trabalho de professor
universitário, foi diretor do Instituto para a Pesquisa Social entre 1953 e1956. Junto com Horkeimer e
outros colaboradores que também voltaram do exílio tentaram reerguer o Instituto no seu local de
origem e retomar os trabalhos.

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Fazia parte da tradição universitária estudos concomitantes em três disciplinas numa área, no caso de Adorno, na área
Ciências Sociais e Humanas.

2
A Teoria Crítica e o Instituto para Pesquisa Social

O termo Teoria Crítica indica a corrente de pensamento produzida pelo grupo de intelectuais,
pesquisadores, atuantes no Instituto para a Pesquisa Social de Frankfurt, na Alemanha, no final do
primeiro quartel do século XX. A Teoria Crítica é referida, também, como Escola de Frankfurt. O
Instituto para a Pesquisa Social (ISF)3 foi criado por um grupo de intelectuais, de orientação teórica e
ideológica marxista, mas não ortodoxos e comprometidos com um projeto de defesa acadêmica do
marxismo, numa época conturbada de apropriações e de revisionismo da teoria de Marx no cenário
político social e no movimento operário alemão4.
A orientação teórica do Instituto, fundamentalmente associada à tendência marxista e a uma
concepção de pesquisa social comprometida com a mudança da sociedade, ficou evidente no
discurso do seu primeiro dirigente ao informar os temas a serem acolhidos para pesquisas e debates.
A história do movimento operário, os movimentos sociais de vanguarda e o estudo sistemático de
novas tendências teóricas para explicação das relações do homem com a sociedade (a psicanálise
como um bom exemplo) foram anunciados como temas prioritários. Da mesma forma, a abertura para
a pluralidade de contribuições teóricas e também ideológicas, representadas no corpo de
pesquisadores do ISF, anunciava o tom do trabalho almejado pelo grupo que o criava. Como
fundadores e integrantes do que se considera a primeira geração da Escola de Frankfurt, são
arrolados, além do seu primeiro diretor, Carl Grünberg, de Felix Weil, de cuja família abastada o
grupo recebeu os provimentos suficientes para fundar e manter o Instituto, os seguintes cientistas
sociais: Max Horkheimer, Theodor Adorno, Leo Loewenthal, Walter Benjamin, Friedrich Pollock, Erich
Fromm e Herbert Marcuse.
Atualmente, a nomenclatura Teoria Crítica refere-se ao o conjunto sistemático de posições
teórico-científicas, produzidas pelo grupo originário do ISF e, mais notavelmente, por Adorno e
Horkheimer: a fundamentação dialética da problemática teoria e prática para investigar e analisar as
relações sociais; uma postura interdisciplinar para o desenvolvimento da atividade científica, voltada
para desvendar a lógica da sociedade burguesa industrial; ciência social engajada, isto é, não neutra
e com compromisso claro de produzir almejar a mudança da ordem social considerada não
razoável.A crítica social é, portanto, centro do projeto epistemológico da Teoria Crítica
A Teoria Crítica, ou a Escola de Frankfurt, recebeu as mais diversas interpretações filosóficas
e foi aplicada por várias áreas e diversos segmentos das Ciências Sociais e Humanas. Hoje não
existe apenas uma vasta reedição de trabalhos dos expoentes do grupo de 1920-1930, mas ainda
uma variada publicação de trabalhos interpretativos dessa obra, elucidativos e críticos de seus
fundamentos e posições.

3
Sigla em alemão do Instituto.
4
Considero de muita importância o conhecimento do contexto social, político e acadêmico da Alemanha pós Primeira Grande
Guerra para se poder compreender a fundação do Instituto de Pesquisa Social, bem como o conhecimento da gênese da
Teoria Crítica. Como existe no país suficiente literatura a respeito desses aspectos, o texto, aqui apresentado, não vai
contemplar essa discussão. Recomenda-se a leitura das seguintes obras: ZUIN, Antonio Álvares Soares, PUCCI, Bruno e
OLIVEIRA, Newton Ramos. Adorno – o poder educativo do pensamento crítico. Petrópolis, Vozes, 2000, bem como
WIGGERSHAUS, Rolf. A Escola de Frankfurt. São Paulo: Difel, 2002.

3
Adorno é co-fundador do ISF e integrante da Primeira Geração da Teoria Crítica. Portanto, sua
obra identifica-se com os aspectos conceituais desse grupo. Assim, os fundamentos da epistemologia
adorniana são:
 A demarcação de uma filosofia social para entender a história social do homem, analisando o
“esclarecimento” como tempo social (O Iluminismo) e como dimensão da sociedade humana;
 Núcleo marxiano para analisar a sociedade capitalista e o homem na relação com a
sociedade concreta, considerando as determinações de ordem econômica (relações de
produção) e a cultura da sociedade capitalista, nesta a tendência predominante da submissão
do indivíduo ao processo de homogeneização. A cultura da sociedade capitalista impõe o
mecanismo de construção da heteronomia, fazendo o homem ser igual ao todo e perder a
capacidade de subjetividade e de autonomia. A sociedade capitalista prioriza a adaptação ao
coletivo, favorece a imitação por adesão, sem reflexão. No lugar da percepção e ação
autônomas toma lugar a sujeição dos indivíduos à ordem estabelecida.
 A heurística dialética como referência de análise, permitindo reconhecer a ambigüidade
constante na realidade em mutação e a necessidade de criticar enxergando ou buscando
uma outra possibilidade.
 A psicanálise como ciência emergente que oferece um contraponto ao determinismo
econômico da doutrina marxista. A psicanálise mostra a possibilidade de desenvolvimento da
autoconsciência como resistência à coisificação e à massificação, favorece para o indivíduo a
busca interior da autodeterminação pelo exercício de tomada de consciência da sua própria
condição no mundo.
 O diálogo com o diferente, com o destoante. No desafio de entender o tempo social no
contexto da Alemanha, em plena ascensão do nacionalismo exacerbado que conduziria ao
nazismo, fica evidente a negação ao etnocentrismo, ao entendimento da tolerância como
condição de criar formas de relações sociais plurais, solidárias e justas.
 Pesquisa social engajada. A ciência só tem sentido se estiver a serviço da mudança do status
quo. Assim, a teoria e a prática estão na mesma perspectiva de compromisso com um juízo
social-existencial: resistir e mudar o estabelecido.
 Crença na democracia representativa, como práxis que gera condições para o crescimento
emancipado dos homens nas suas próprias contradições, pois exige o exercício da auto-
reflexão para possibilitar a tomada de decisões.

Além desses aspectos que situam Adorno na Teoria Crítica, seu empreendimento pessoal revela
um diálogo com as teorias filosóficas alemãs e com os críticos sociais do seu tempo. De um lado é
evidente um apoio irrestrito à concepção Kantiana de que o homem deve fazer uso deliberado da
razão para agir sobre o seu destino, de outro lado o diálogo com Nietzsche, que denuncia a
incapacidade da civilização ocidental para a realização dos ideais libertadores do Iluminismo . No
plano metodológico Adorno desenvolve a análise sociológica hermenêutica na tradição da sociologia
histórica de Dilthey, pensador decisivo na sociologia alemã que influenciou Simmel e Weber e os
demais pensadores sociais do ISF em Frankfurt.

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A crítica social de Adorno e sua crítica à Educação

Do conjunto da obra de Adorno voltada para a análise do processo social podemos


destacar como essenciais: A Dialética do Esclarecimento (junto com Horkheimer), A Teoria Estética,
A dialética Negativa, a Minima Moralia, os estudos sobre a Indústria Cultural. A abordagem de temas
e questões da educação está presente em todas elas, mas, para compreender suas críticas ao
sistema de ensino e à escola, bem como sua compreensão do valor da educação na criação das
condições para superação dos processos de dominação estabelecidos, queremos reforçar a
importância dos estudos sobre a Indústria Cultural.

A Indústria Cultural

O primeiro estudo sobre os efeitos da Indústria Cultural foi escrito por Adorno e Horkheimer
como capítulo da Dialética do Esclarecimento, quando anunciaram que, diferente do que outros
teóricos estavam produzindo, sua pretensão era maior do apenas discutir os produtos da indústria da
cultura, colocados como mercadoria popular para a massa da população, tais como o cinema, os
programas de TV e de radio, tendências de música e de moda, a maquinaria do lazer e
entretenimento. O que pretenderam foi desvendar e explicar o processo de dominação da
consciência, decorrente da mercantilização dos bens culturais, processo que Adorno rotula
posteriormente de Halbildung / Semiformação. Com esse termo ele procura conceituar o resultado
desse processo que é o indivíduo incapaz de viver toda e qualquer experiência da vida social de
modo autônomo, análise que se constitui ponto focal na sua obra posterior: desvendar o mecanismo
em que a Indústria Cultural, materializada em seus produtos, operava na destruição da autonomia
como a capacidade de pensamento e de ação esclarecida, tornava-se mecanismo de subjugação
das pessoas ao poder estabelecido.
Nesse texto (“Theorie der Halbbildung” / Teoria da Semiformação), editado em 1959, Adorno
recoloca sua denúncia que há um processo real na sociedade capitalista que produz o alheamento do
homem das suas condições reais de vida social. Nessa discussão está a chave para entender a
crítica adorniana dirigida à educação: a crise da educação é a crise da formação cultural da
sociedade capitalista, uma formação na qual o homem é alienado, mesmo que tenha sido educado
(escolarizado/instruído). A educação vigente é uma semiformação, na medida em que, na sociedade
industrial capitalista, o indivíduo foi destruído e só prevalece à massa, o coletivo, o tudo igual. O
indivíduo de Adorno, sob o império da Indústria Cultural, perdeu o que há de essencial no humano: a
capacidade de subjetivação e, por isso, perdeu também a capacidade de solidariedade, de respeito,
perdeu sua autonomia, sua capacidade de pensar e agir por conta própria. Para o teórico, foi essa
alienação que tornou possível o nazismo, o holocausto e os campos de concentração. Esse processo
operado pela Indústria Cultural fabrica sujeitos alienados, incapazes de uma relação subjetiva e
crítica com sua realidade, ela aumenta o potencial de adesão sem consciência. Assim, se reproduz
na vida social o aparente como o válido, o falso como verdadeiro.

5
Ao discutir a “semiformação” sob o império da Indústria Cultural, Adorno desenvolve uma
análise sociológica do sistema de ensino. Ao enfatizar o avanço da “semiformação”, ocupando todos
os espaços educativos da sociedade, ele deslinda a ideologia do sistema ensino e denuncia graves
problemas pedagógicos. Segundo ele, o aumento das oportunidades educacionais não resultou em
melhor formação para o povo porque, ao terem sido agraciados com o direito à escola a eles foi dada
a impressão de tratamento de igualdade. Entretanto, o que ocorre na educação equivocada e
ideológica que recebem é a deformação da sua consciência, pois “Tudo aquilo que possibilitaria uma
reflexão sobre a vida social é descartado no processo educacional” (Adorno, 1979: 119). Ao enfatizar
o avanço da “semiformação”, ocupando todos os espaços educativos da sociedade, ele deslinda a
ideologia do sistema ensino e denuncia graves problemas pedagógicos.
A escola como agente da semiformação retira de circulação aquilo que sempre foi a
aspiração do projeto filosófico-pedagógico da sociedade: a formação social e intelectual plena do
indivíduo, ou seja, a Bildung 5, promovendo para todas as camadas sociais a experiência de
alienação e não a consciência da complexidade da vida social. Os meios de comunicação de massa,
cada vez mais subordinados ao capital, participam, com seus produtos, do processo de produção da
alienação das consciências: de um lado, as edições de bolso que tornam públicas as obras de
grandes pensadores, da filosofia e da literatura, mas que, do outro lado, contribuem para que seja
dispensada a verdadeira compreensão da obra. O que a Indústria Cultural consegue propagar, em
suas formas mercantilizadas e banalizadas de divulgação dessas obras, é uma conduta que aponta
que basta ter a obra, que é suficiente a superficialidade da sua leitura, nada mais. Assim, basta
conhecer o nome de autores e títulos de algumas obras, reproduzir delas algumas frases de efeito,
para poder ser considerado alguém com grande sabedoria.
Segundo Adorno, a escola assumiu essa banalização do conhecimento como inovação
pedagógica. Nela, e para os seus professores, não é mais preciso ler as obras literárias, mas, apenas
alguns trechos para responder a questões pontuais em exercícios pedagógicos, e cujas respostas já
são pré-definidas em esquemas para orientação das aulas e da avaliação. Este barateamento ou
banalização do conhecimento filosófico e literário aplica-se, da mesma forma, às obras científicas, de
todas as áreas do conhecimento. Para ele, a semiformação está afinada com uma nova cultura do
valor da educação, ela própria é essa nova cultura, ela nega aos indivíduos o acesso aos bens
culturais verdadeiros, entre eles a verdadeira educação (Bildung), ela se reduz a repassar
conhecimentos fragmentados e fungíveis. O trabalho pedagógico está somente orientado para
conseguir aprovação em exames e um diploma, este tem valor de moeda nas relações sociais
mercantilizadas.
Portanto, para Adorno, a educação afasta-se de seu valor essencial que seria o domínio do
conhecimento, a verdadeira instrução, o verdadeiro esclarecimento (afasta-se da Bildung), este é
substituído pela mercadoria distribuída pelos mecanismos e instrumentos da Indústria Cultural. Isso
faz da própria escola um elemento controlado pela Indústria Cultural, que estaria colocando à sua
disposição mercadoria “pedagógica” adequada aos seus fins, a própria semiformação. Operando
5
Adorno refere-se ao projeto educacional desde o iluminismo: a aspiração para formar o indivíduo culto, com posse de
conhecimentos científicos, de humanidades e artes, preparado para a vida na democracia. Na História da Educação alemã, o
conceito de Bildung é muito particular, sendo assim de difícil tradução. A Bildung encarna a aspiração da educação plena do
sujeito e assim foi pensada por Adorno como dimensão a ser alcançada por todo cidadão

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para expropriar a capacidade do sujeito de pensar por conta própria, na escola são fortalecidas as
práticas pedagógicas que anulam a possibilidade de desenvolvimento da auto-reflexão, de
autonomia, de subjetivação. Assim, pode-se reiterar que a crítica de Adorno à escola de massa é que
ela instala e cultua a massificação, e seu resultado é a deformação da consciência.
Mas, coerente com a perspectiva fundada na Teoria Crítica, na epistemologia de Adorno
encontramos, também, argumentação para negar a semiformação como algo estabelecido, sem
esperanças de superação. Mesmo quando, na avaliação do teórico, a possibilidade de realização do
Homem está completamente limitada e condicionada pelo alastramento da semiformação sob o
controle da Indústria Cultural, ele admite e aspira a uma transformação das relações sociais através
do processo educativo. Na suas obra fica evidente que ele sinaliza ou defende um projeto social de
libertação do homem da opressão e nessa perspectiva, sendo crítico da educação, ele também
reconhece nela a possibilidade de ser instrumento para fazer o homem se libertar da massificação e
das condições sociais de dominação. Nesse texto chave dedicado à análise da semiformação e da
Indústria Cultural ele aponta que a educação deve ser uma arma de resistência contra a força da
Indústria Cultural, na medida em que forme uma consciência crítica e reflexiva, capaz de permitir aos
indivíduos desvendar as contradições da vida social e capacitá-los para o exercício de resistência da
cultura verdadeiramente humana contra a cultura banalizada da e pela Indústria Cultural. Mas Adorno
não desenvolve uma obra para propor uma teoria da educação e uma proposta pedagógica para a
ação da escola. Portanto, faz-se necessário explicar a veiculação de uma Teoria da Educação para a
emancipação que tem sido atribuída a ele.

Theodor Adorno e a Educação: uma teoria da educação ou apenas a sinalização de uma outra
perspectiva: educação para a não dominação ?

A libertação do sujeito do processo de dominação da consciência, operada pelos mecanismos


da Indústria Cultural, continua, portanto, sendo o corpo teórico principal para entender posições de
Adorno a respeito da educação e do sistema de ensino do seu tempo. Além da lúcida análise sobre
educação, presente nos textos que debatem a Indústria Cultural, como já demonstrado, há alguns
textos seus que podem ser abordados como “escritos sobre educação”, mas não foram textos
escritos por ele com esta finalidade. Os textos foram editados a partir de palestras e debates nos
quais ele apresentou posições pessoais acerca de questões da educação na sociedade alemã nos
anos 1950-60.
Alguns destes textos foram reunidos numa coletânea organizada por Gerd Kadelbach,
publicada em 1970, após a morte de Adorno, com a finalidade, segundo o próprio editor, de oferece
aos estudiosos da Teoria Crítica aspectos do debate, talvez melhor do embate empreendido por
Theodor Adorno com questões diretamente relacionadas com a função do sistema educacional e da
escola (Kadelbach, 1970). Adorno sequer pôde opinar sobre a compilação desses textos em forma de
livro, assim como, também, não teve como discutir o título da obra, tomado pelo organizador do título
de um dos textos, que registra o último debate radiofônico de Adorno, gravado nos estúdios da rádio

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de Hessen duas semanas antes de sua morte e levado ao ar apenas em agosto (Adorno morreu em
julho de 1969).
Esse livro tem sido tomado como um texto organizado por Adorno para apresentar sua teoria
de educação. Nos anos 1970 isso foi bastante discutido na Alemanha, inclusive com embate entre os
adeptos de uma “educação para a emancipação”, que foi atribuída a Adorno, e cientistas sociais que
assinalavam ser errada essa interpretação, pois o que temos em Adorno é uma teoria social que
deslinda a função do sistema de ensino como comprometido com o processo de dominação e não
uma teoria de ação pedagógica. Os textos dessa coletânea apresentam, portanto , não mais do que
alguns elementos para se entender a propriedade da teoria social construída por Adorno para
entender a escola no contexto da sociedade capitalista e para se perceber o compromisso do teórico
com a construção outra sociedade, processo no qual caberia à Educação, segundo ele, uma tarefa
social importante.
O equívoco na atribuição de uma teoria de Educação para a emancipação formulada por
Adorno, pode ser justificado na expressão final de Kadelbach no prefácio do livro, ao afirmar que
creditava a Adorno “um evidente empenho para defender e propagar uma educação política, o que
para ele significava uma educação para a emancipação ( Mündigkeit)” ( Kadelbach, 1970,p.09) 6. A
interpretação dada por Kadelbach revela uma tentativa de situar Adorno como teórico capaz de
sustentar o debate educacional crítico na Alemanha num momento de debate do seu sistema
educacional, de grande iniciativa para reformas e, sobretudo, de engajamento político dos
professores. Na busca de teóricos que pudessem dar razão e identidade a esse movimento, cientistas
neo-marxistas foram encontrados e, entre eles, Theodor Adorno. Foi nesse contexto que o livro foi a
público com um equivoco de edição. No lugar de ser publicado como de autoria de Kadelbach, como
organizador de uma obra com textos escolhidos de Adorno, o livro é publicado como sendo de autoria
do próprio Adorno, o que orientou a leitura do mesmo como sua obra sobre educação.
Entretanto, não se pode afirmar mais, além de que, nesses textos, está revelada a defesa do
teórico para que a escola trabalhe como opção pedagógica e política, para favorecer o
desenvolvimento da humanização do homem, de modo a capacitá-lo para a auto-reflexão e para ser
capaz de agir sobre as condições de opressão, posicionando-se contra elas e libertando-se delas,
posição que ele revela através de um diálogo, de fato pontual, com o tema Educação e com
educadores7.
Para entender o Theodor Adorno desse conjunto de textos, parece-nos fundamental
esclarecer o termo alemão, utilizado por ele, para indicar seu pensamento sobre a escola e a
Educação, porque o vocábulo português, “emancipação”, não revela o sentido pleno tomado pelo
teórico. Ao escolher a palavra, Adorno procurou, com ela, revelar a essência do seu pensamento: a
educação e o processo social de dominação apresentam uma mesma raiz. "Mund" significa boca.
“Mündigkeit” significa a capacidade de falar pela própria boca, falar por si mesmo, mas, para essa

6
Conforme a tradução brasileira: LEO MAAR, Wolfgang. Theodor Adorno. Educação para a Emancipação. Paz e Terra, 1995.
Há problemas evidentes com a tradução do termo Mündigkeit para emancipação. Ele parece um desses vocábulos que
merecem ser mantidos na língua de origem pois não existe uma palavra correspondente em português. Refere-se a um
conceito e, como tal, precisa ser explicado

7
Na obra organizada por Kadelbach os textos são, na verdade, transcrições de palestras e de debates com educadores: com
Becker, com o próprio Kadelbach.

8
condição, o sujeito precisa ser capaz de pensar por si mesmo. Entretanto, o processo social de
dominação retirou do homem a capacidade de pensar por conta própria, retirou dele a capacidade de
autonomia das suas ações, de falar e de agir por si mesmo. Esse processo social tornou o homem
“tutelado”, no sentido também tomado de outra palavra alemã, de mesma raiz: Mündel, refere-se ao
sujeito que precisa de tutela, é um indivíduo sem capacidade de autonomia, ele precisa de alguém
para conduzi-lo. Assim, a Educação para a “Mündigkeit”8, pensada por Adorno, seria a Educação para
promover a capacidade do sujeito para libertar-se dessa condição de tutela, para torná-lo Mündig.
Adorno busca esse sentido em Kant, conforme registrado no texto 9 de mesmo nome:

A exigência de “Mündigkeit”10 parece óbvia numa democracia. Para deixar


isso claro, eu gostaria de referir-me ao início de um pequeno ensaio de Kant
que traz o seguinte título: “Resposta à pergunta; O que é esclarecimento”.
Neste ensaio, ele define o que seria a menoridade ou necessidade de tutela
e, com isso, define, também, o que seria a “Mündigkeit”, ao afirmar que não
se pode culpar o homem desse estado de menoridade porque ele não
resulta da falta de entendimento e de conhecimento, mas, sim, da sua
predisposição e de sua falta de coragem, o que determina que suas ações
precisem ser guiadas por outrem. Assim, esclarecimento é a libertação do
homem da sua menoridade, do seu estado de tutela (ADORNO, 1970,
p.133).

Nessa evidente identificação com Kant (1724-1804), para Adorno, esclarecimento é a


capacidade de, sem medo, poder ser diferente. Pressupõe a coragem e a aptidão de cada um se
servir de seu próprio esclarecimento, de dispensar ou superar seu estado de tutela, posição assumida
pelo frankfurteano desde a Dialética do Esclarecimento.
As posições de Adorno nesse conjunto de textos revelam sua coerência ente o cidadão e o
cientista político, que permite compreender porque ele via no sistema de ensino naquele tempo, não
apenas a crítica da escola que propagava os mecanismos de dominação na sociedade capitalista,
mas, também sua postura orientada pela Teoria Crítica, que o levava a apostar na esperança da
mudança possível. A perspectiva sociológica de seu pensamento obrigava que ele, dialeticamente,
também considerasse a escola como a instituição social ainda capaz de formar o homem não
dominado, pleno de autonomia de pensar e agir em todas as instâncias da vida social, um homem
capaz de resistir ao processo de massificação e de adaptação cega à ordem estabelecida.
A possibilidade de anunciar a possibilidade de outra educação estava, para Adorno,
dialeticamente associada à crítica da educação vigente, à sua incapacidade formativa. Criticar e ver a
possibilidade de outro modo, esse era, de fato, o projeto pessoal de Adorno, ou seu compromisso
8

?
Sobre o conceito, cabe ainda outra observação. A tradução do título da coletânea alemã, de Erziehung zur Mündigkeit para
Educação para a Emancipação, está correta do ponto de vista da correspondência entre os dois vocábulos, o alemão e o
português. Entretanto, do ponto de vista semântico, o uso apropriado por Adorno não teve a mesma conotação do vocábulo na
língua e na cultura brasileira, o que compromete a discussão desse aspecto na obra de Adorno, reforçando o equívoco
referido no próprio contexto de publicação da obra. Parece-me mais adequado usar a expressão “educação para a não
dominação”, ou “educação para a autonomia”, ou até mesmo assumir o termo alemão devido à particularidade da intenção de
Adorno ao escolher o vocábulo no texto de mesmo nome. Parece-me, também, mais correto, modificar a forma de referência
da obra, registrando como autor do livro o editor, Kadelbach e não Adorno. t

9
Editado por Kadelbach do debate radiofônico com o educador Helmut Becker.

10
Mantenho o vocábulo Mündigkeit, em alemão, para enfatizar a dificuldade ou mesmo impropriedade para tradução do termo.

9
político para com a educação: politicamente, como cidadão da Alemanha de seu tempo, estar
comprometido no desvendamento da lógica da dominação cultural na sociedade, também, na escola
e através dela. Os textos da coletânea são emblemáticos dessa dimensão da análise social
politicamente comprometida, de Theodor Adorno, e a conseqüente sinalização da possibilidade de
que se pode fazer diferente, que se pode realizar outra educação e, dessa forma, devem ser lidos.
Na perspectiva de uma educação crítica e capaz de fomentar o processo de resistência à
dominação e à massificação, segundo Adorno, a categoria de experiência está fortemente ligada ao
seu objetivo educacional, ela é condição para se promover o desenvolvimento da subjetividade, da
autonomia, condições que foram perdidas no processo social de dominação. No seu diálogo com a
educação, com o sistema de ensino e com as questões educacionais, destacadas por ele naquele
tempo, estão dimensões bastante atuais. O desafio de Adorno para que a educação deva ser capaz
de criar as bases para a construção de uma sociedade livre da barbárie, continua condição atual para
se criar e manter um mundo no qual se possa viver com justiça e dignidade. Afinal, para Adorno, se o
mundo visto por ele como danificado era conseqüência da falta de capacidade do homem para resistir
ao processo de dominação, que alienava e massificava, desenvolver a capacidade de resistência era
o antídoto – pensar por conta própria e não se curvar aos ditames da massificação são duas
premissas que podem ser tomadas como lições para a pedagogia contemporânea.

Bibliografia:

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