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O´MALLEY, Pat. Risk and responsability.

In: BARRY, Andrew; OSBORNE; Thomas;


ROSE, Nikolas (Ed.). In: Foucault and political reason: liberalism, neo-liberalism and
rationalities of government. Chicago: The University of Chicago Press, 1996. P. 189-
207.

Capítulo 9
Risco e responsabilidade

Pat O’Malley

A sociedade de risco

Por pouco a propriedade definidora da concepção de Foucault de força disciplinadora


não é a de que ela funciona através e sobre o indivíduo e constitui -o como objeto do
conhecimento. Nas disciplinas, a técnica central é a da normalização no sentido
específico de criação ou especificação de uma norma geral segundo a qual a unicidade
individual possa ser reconhecida, caracterizada e então padronizada. A normalização no
sentido disciplinar implica, portanto, a “correção” do indivíduo e o desenvolvimento de
um conhecimento das causas do desvio e da normalização. Nas estratégias de regulação,
a rejeição do enfoque no indivíduo e na causação indicava, portanto, não meramente um
redirecionamento de determinadas políticas, mas um verdadeiro desvio da tecnologia
disciplinar do poder em si.1 Na área do crime e do controle do crime, por exemplo, tal
desenvolvimento foi encontrado em programas e políticas baseadas na regulação de
comportamentos e suas conseqüências ― em que pressupostos “atuariais” (Cohen 1985)
ou de segurança (Reichman...) são postos em jogo. Assim, Stan Cohen (1985) observa
que a concepção de uma sociedade com controle da mente conjeturada no 1984 de
Orwell é equivocada, pois, embora continuem a ser desenvolvidos elementos
foucaultianos centrais tais como a vigilância, há pouco ou nenhum interesse em tais
indivíduos. Na prevenção aos crimes situacionais, uma das técnicas de controle do
crime que crescem mais rapidamente, a preocupação é com os aspectos espaciais e
temporais do crime examinados mais em termos das oportunidades de crime do que nas
suas origens causais ou biográficas:

O que está sendo monitorado é o comportamento (ou os correspondentes


fisiológicos da emoção e do comportamento). Ninguém está interessado nos
pensamentos íntimos ... “o jogo acabou” para todas as políticas dirigidas ao
criminoso enquanto indivíduo, quer em termos de detecção (repreensão e p.
190 punição), quer em termos de causação (descoberta de encadeamentos
motivacionais ou causais) ... Hoje se fala em aspectos “espaciais” e
“temporais” do crime, em sistemas, seqüências comportamentais, ecologia,
espaço sustentável ... tornar o alvo do crime mais difícil. (Cohen 1985: 146-
8)

O crime cada vez mais passa a ser entendido não como uma questão de patologias
pessoais e sociais carentes de correção, mas como um conjunto de riscos, mais ou
menos inevitáveis, mas previsíveis e controláveis em termos totais. A prevenção e a
disseminação do risco (e.g. seguro) tornam-se mais centrais do que a detecção e a
correção (Reichman 1986).
Apesar tais escritores estarem primordialmente preocupados com a compreensão
do controle do crime, há considerável literatura que identifica isto como meramente
uma caso de deslocamento das técnicas disciplinares através do atuarialismo, através de
um amplo espectro de posições sociais (e.g. Ewald...). Entre estas interpretações
destaca-se uma visão de que tais técnicas atuariais ou de segurança de poder estão
deslocando a disciplina devido a sua elevada eficiência na regulação das populações.
Nas páginas seguintes, esta posição será tomada criticamente, e desenvolveu-se uma
posição alternativa em que o atuarialismo é visto como tecnologia que varia
grandemente em sua natureza e em sua articulação com outras tecnologias, dependendo
de sua conexão com programas políticos específicos. Por sua vez, no lugar de uma
expansão inevitável de poder atuarial para a criação de uma “sociedade do risco” e o
concomitante deslocamento das disciplinas e da soberania (como tendem a alegar os
teóricos atuariais), será sugerido que a relativa notoriedade e os papéis desempenhados
pelas diferentes tecnologias sociais dependem mais da racionalidade política
preponderante em qualquer ambiente social.
Uma das elaborações mais claras e desenvolvidas para dar conta da ascensão do
atuarialismo como tecnologia social é apresentada por Jonathan Simon (1987, 1988).
Seguindo os passos de Donzelot (1979) e Ewald (1986), Simon considera tal seguro
baseado no risco ou tais técnicas atuariais como dominantes uma vez que funcionam no
sentido de intensificar a efetividade do poder. Em seu ponto de vista, o movimento da
normalização (fechamento da lacuna entre a distribuição e a norma) à acomodação
(respostas às variações nas distribuições) “aumenta a eficiência do poder pois a troca de
pessoas é difícil e cara.” (Simon 1988: 733, veja também Cohen 1985). Tal eficiência
aumentada é vista como oriunda do fato de as técnicas atuariais serem mais sutis em seu
funcionamento, conseqüentemente com menor probabilidade de gerarem resistência, e
assim requererem menos gastos de recursos políticos. Na interpretação de Simon, tal
sutileza origina-se de p. 191 três características básicas das técnicas atuariais. Em
primeiro lugar, diferente das disciplinas, elas manipulam o ambiente ou os efeitos dos
comportamentos problema, em vez de tentar corrigir os indivíduos que estejam
equivocados. Em segundo lugar, têm efeito sobre categorias originárias da análise de
risco que não precisam imbricar com as categorias da experiência cotidiana e que desse
modo têm menor probabilidade de ser reconhecidas e resistidas. Em terceiro lugar,
agem in situ em vez de através de separação ou exclusão dos casos desviantes, e,
enquanto subproduto, elas têm menor necessidade de ser coercivas.
Em relatos afins, as tecnologias atuariais diminuem a resistência ao controle
social porque ― como no exemplo da segurança ― elas são vistas como provedoras de
segurança controlando os riscos à saúde, emprego, legalidade, etc. Através do uso de
processos de segurança tais como a disseminação do risco {risk-spreading}, assim elas
parecem agir técnica em vez de moralmente. Além disso, por sua preocupação “técnica”
em controlar os efeitos das categorias alvejadas/almejadas de ação ou evento, em vez de
uma preocupação política ou moral com as falhas ou causas, a prática atuarial

resulta na desdramatização dos conflitos sociais ao omitir a questão de


assumir a responsabilidade pela raiz dos “males sociais” e deslocar a
discussão para a diferenciação das opções técnicas ... necessário à otimização
do emprego, salários, compensações, etc. (Donzelot ...)

O atuarialismo aparece, então, sobretudo, como incorporativo em vez de exclusivista,


melhorativo em vez de coercivo, estatístico e técnico em vez de moral e
individualizado, tolerante de variação em vez de rigidamente normalizador, velado em
vez de manifesto, etc.
Essas interpretações das tecnologias atuariais ressoam intensamente com um
número de outros relatos que se tornaram influentes, notadamente o da “dispersão do
controle social” (e.g. Cohen 1979, Abel 1982). Apesar de existirem as principais
diferenças entre essas interpretações (por exemplo sobre a integração do todo no
“sistema” de controle, em oposição a uma disposição fragmentada de agências
reguladoras), em cada uma pode-se argumentar tenha sido desenvolvida uma forma
mais eficiente de poder ― eficiente em termos de um cálculo de custo -benefício político
e econômico. De modo correspondente, em tais relatos, há também uma forte tendência
para uma visão totalizante da regulação. Em grande parte, por sua maior eficiência, o
poder atuarial é encontra-se permeado virtualmente em todos os campos sociais,
substituindo “a cidade punidora” (Cohen 1979) pela “sociedade de risco” (Simon...) ou
a “ordem pós-disciplinar” (Castel 1991).
p. 192
Esses relatos sugerem que as tecnologias de poder podem ser classificadas
hierarquicamente em termos de eficiência e inclusive que entre as tecnologias há uma
espécie de seleção natural em que apenas os mais eficientes sobrevivem. Apesar de suas
alegações quanto a uma linhagem foucaultiana, tais interpretações chocam-se com a
insistência de Foucault na natureza fragmentária das relações sociais que atravessam o
tempo e o espaço. Além disso, colidem com o fato de Foucault (1984) reconhecer a
disciplina e a regulação como “dois pólos de desenvolvimento ligados por um grupo
intermediário inteiro de relações”, caracterizado por “imbricações, interações e ecos”
(Foucault 1984: 149). Desse modo, em vez de haver uma redundância implícita, forma-
se uma interação dinâmica:

Precisamos conseqüentemente ver as coisas não em termos de substituição de


uma sociedade de soberania por uma sociedade disciplinar e a subseqüente
substituição de uma sociedade disciplinar por outra governamental; na
realidade temos um triangulo: soberania-disciplina-governo, que tem como
seu alvo primário a população e como seu mecanismo básico aparatos de
segurança (Foucault 1979: 19)2

Tais casos não implicam qualquer hierarquia de eficiência nem a competição entre
formas de poder, embora se possa esperar que tais formas colidam assim como
combinem. A implicação clara não é o mapeamento do desdobrar de uma evolução, mas
a compreensão da dinâmica de tais relações triangulares e das condições que afetam os
papéis desempenhados pelos diversos elementos das combinações específicas. Com
respeito à natureza e ao impacto das técnicas atuariais, precisamos, portanto, pensar
suas relações com a soberania e as formas disciplinares, em termos das articulações e
alianças, colonizações e traduções, resistências e cumplicidades entre elas, em vez de
nos termos de seu desenvolvimento unilinear.

Do poder aos programas políticos

Com o propósito de evitar as dificuldades ligadas à criação do Poder enquanto novo


sujeito, motor ou lógica da história, Donzelot (1979) sugere que seja reconceituado em
termos das tecnologias, programas políticos e estratégias. Nesta conceituação, as
tecnologias, das quais são exemplos o panóptico e a segurança, emergem como “formas
locais e múltiplas, entrelaçadoras, coerentes ou contraditórias de ativação e gerência da
população” (Donzelot 1979). As tecnologias, embora p. 193 tenham sua própria
dinâmica, desenvolvem-se, no entanto, primordialmente em termos de seu papel na
relação com programas políticos específicos. Os programas políticos focalizam o fazer
algo a respeito de um “objeto praticável”, por exemplo a redução dos níveis de
desemprego, as taxas de crimes ou os jovens sem lar. São receitas “de intervenção
corretiva ... [e] redirecionamento. Tais programas, por sua vez, são formados nos termos
das estratégias mais abstratas ― “fórmulas de governo, teorias que explicam a realidade
apenas na medida em que possibilitem a implementação de um programa” (Donzelot
1979: 77). Dão exemplos disso o keynesianismo e o liberalismo laissez-faire.
Afastando-se da posição superficial de Donzelot, pode-se argumentar que as
tecnologias não apenas ocorrem em conseqüência de uma lógica de poder, mas são
desenvolvidas com propósitos bem específicos (Miller...) 3. Subseqüentemente, podem
ser generalizadas para outros propósitos e áreas. O planejamento institucional do
controle do risco, por exemplo, desenvolveu-se inicialmente em relação à segurança e
foi adaptado desigualmente a diferentes propósitos em relação à formação de programas
tais como o welfarismo. Entretanto, a contínua difusão das tecnologias não é de forma
alguma garantida. O apelo das tecnologias pode basear-se numa variedade de critérios
outros que as percepções de efetividade e até estas estão sujeitas a flutuações não tão
facilmente explicadas em qualquer narrativa determinista ― como sugere a contínua
oscilação entre a institucionalização e desinstitucionalização das tendências no campo
das políticas de saúde mental (Scull...).
O que influencia na disseminação das tecnologias mais provavelmente seja sua
adequabilidade a determinados fins e, em larga medida, isto tem a ver com lutas
políticas que estabelecem programas da agenda social. Isto sugere que a história das
tecnologias disciplinares ou atuariais em áreas específicas, tais como o controle da saúde,
políticas de emprego ou o controle do crime, não deve ser compreendida como
transgressão gradual de uma tecnologia mais eficiente de poder, mas a implementação
irregular, parcial e negociada de um programa políticos e a conseqüente instalação
(igualmente parcial) das devidas técnicas sociais. O desenvolvimento do welfarismo dos
benefícios públicos pode, dessa forma, ser compreendido como resultado de lutas entre
programas políticos, informados por “estratégias” mais amplas como o keynesianismo
que, em cada caso nacional, toma diferentes formas moldadas pelas condições locais e
pelos resultados das lutas e das negociações.
Este modo familiar de pensar sobre as tecnologias de poder leva a uma
compreensão mais abertamente política dos desenvolvimentos até aqui revisados. p.
194 Além disso, há conseqüências mais importantes para uma compreensão das
técnicas baseadas no risco. Estas podem ser inicialmente baseadas com relação a três
principais questões ― a amoralidade da tecnologia atuarial, sua eficiência e sua
articulação com outras tecnologias sociais.

Moralidade, risco e o mercado livre

Na análise que Simon, Ewald e outros revisaram acima, está claro que eles identificam
as práticas do welfarismo e o estado intervencionista como exemplos de atuarialismo
enquanto técnica contemporânea de governo. Uma vez que no dia-a-dia tais técnicas
funcionam de modo burocrático e em categorias em vez de individualmente, argumenta-
se que o povo as considera como algo que funciona de modo amoral. Como já foi visto,
esta característica amoral ou técnica é interpretada como fonte de eficiência, uma vez
que enfraquece a oposição. Entretanto, em poucos estados industriais ocidentais da
atualidade, pode-se pensar que o welfarismo “atuarial” seja publicamente compreendido
como composto por programas amorais e apolíticos. Uma construção igualmente
disponível de tais programas vê-os como resultantes de lutas morais e políticas, que
ainda continuam sendo o objeto de importantes conflitos. O estabelecimento de
compensações para trabalhadores, de imposto de renda classificado em categorias e de
esquemas variados de seguridade social como auxílio desemprego, esquemas de saúde
pública e auxílio legal normalmente foram alcançados em consideráveis batalhas
políticas. Até sua formação nos discurso de atuarialismo foi decidida pela luta nos
termos político-morais com relação, por exemplo, à construção atuarialista para as
salvaguardas específicas da segurança social contra a assumida tibieza moral da classe
trabalhadora (Cuneo 1986). Como deve estar claro nos tempos atuais, a conservação das
seguridades sociais ainda é uma questão de penoso conflito moral, notadamente em face
do neoliberalismo e do racionalismo econômico. Certamente na visão estratégica do
neoliberalismo, tal oposição toma a forma de cruzada moral contra a serpentina do
Welfare StateA que suga a energia e o esforço dos indivíduos (Gamble 1988). Além
disso, a propaganda moral que leva adiante essa luta é a de que o mercado ― o mercado
que reinstaura o indivíduo moralmente responsável e o coloca contra a coletivização e a
dependência social considerada inerente às técnicas socializadas de gerência do risco.
Isto não é negar que em muitos casos tais técnicas funcionem invisível e
amoralmente, como argumentam Simon e seus colegas. Em vez disso, é negar que elas
possam ser reduzidas a técnicas meramente instrumentais p. 195 de controle das
massas, cujo sucesso pode ser atribuído em grande parte a certas características
intrínsecas ou efeitos automáticos. Eu argumentaria que tais questões sempre são
problemáticas. Enquanto objetos de luta política, as técnicas atuariais não são apenas
questões visivelmente político-morais, mas hoje suas aplicações socializadas (i.e. as
seguridades sociais do welfarismo) estão em conseqüência de intervenções claramente
morais.
Simon interpreta este último movimento em termos de uma reestruturação
atuarial do welfarismo, uma vez que “o acesso aos benefícios públicos é cada vez mais
distribuído através de métodos de avaliação dos riscos” (Simon 1987: 78). Em vista da
enorme retração do welfare dos benefícios públicos e estratégias afins que têm ocorrido
nos regimes economicamente racionalistas de muitos estados ocidentais, essa alegação
parece uma tentativa bem determinada de recuperar uma tese de seguridade hegemônica
socializada que é imposta a tais escritores pela identificação do atuarialismo com o
welfarismo. É evidente que as “metas baseadas no risco são cada vez mais um traço do
welfarismo. O desempregado de curto prazo, por exemplo, pode ser incluído na
categoria “treinamento” ou “transferência”, enquanto o indivíduo que está

A
O Estado de Bem Estar Social.
1
O uso do termo “tecnologia” em termos gerais refere-se a qualquer conjunto de práticas sociais
destinado a manipular o mundo sociofísico segundo rotinas identificáveis. As três principais formas
identificadas por Foucault são a soberana, a disciplinar e a de segurança. “Técnicas” referem-se aqui às
formas distintas de aplicação ou aos componentes distintos de tecnologias. Por exemplo, a prisão e a
escola, o exame e o registro de caso podem ser tomados como técnicas da tecnologia disciplinar.
2
Para Foucault, foram combinações específicas de técnicas disciplinares e reguladoras que deram origem
às “quatro grandes linhas de ataque” da política moderna do sexo (1984: 146). Assim, com o controle de
natalidade e a psiquiatrização das perversões, “a intervenção era reguladora por natureza, mas tinha de se
basear nas disciplinas e restrições individuais”. Por outro lado, a sexualização das crianças e a
“histerização” das mulheres baseavam-se nas exigências de regulação (e.g. o bem-estar coletivo) para
obter-se resultados no nível da disciplina.
3
Não se trata de uma sugestão de que elas sejam simplesmente construídas de novo. Muitas podem passar
a existir mais ou menos acidentalmente e serem, então, refinadas; outras são geradas a partir da reunião de
elementos díspares doutras tecnologias, etc. O processo imaginado é aquele em que os elementos são
reunidos pragmaticamente, e o motivo de darem certo é que seguem objetivos atuais viáveis. A lógica do
crescimento não é, portanto, de eficiência absoluta, mas de adequação pragmática.
desempregado de longo prazo pode ser excluído do beneficio ou incluído no baixo
índice do beneficio. Entretanto, em se reparando nos ambientes políticos neoliberais
desses processos técnicos, fica bem claro que os discursos atuariais não estão sendo
usados como simples meios de redistribuição dos benefícios, mas primordialmente
como técnica de desvalorização do welfare e forma de justificação da retração acima
citada. Certamente é diferente teorizar as tecnologias atuariais em termos de sua
ascendência através da necessária centralidade da “hegemonia do welfare” (Simon
1987) ou da “sociedade de segurança” (Gordon 1991).

Eficiência: governança e relações de mercado

Pode o poder ser mais ou menos eficiente, como acima se assume nas leituras dos
relatos foucaultianos? Num recente ensaio, Miller & Rose (1990) destacam que uma das
peculiaridades dos discursos da governamentalidade é de que eles são eternamente
otimistas assumindo

que um domínio ou uma sociedade poderia ser administrada melhor ou com


mais eficiência ... [e conseqüentemente] a “falha” de uma política ou conjunto
de políticas sempre está vinculada a tentativas de desvio ou proposta de
programas que funcionaria melhor. (Miller...)

p. 196
Tal otimismo pode parecer desse modo ser importante característica da governamentalidade,
mas como tal deve ser nitidamente distinguida da idéia de que a governamentalidade
(ou qualquer outra manifestação de “poder”) possa objetivamente se aperfeiçoar. Em
vez disso, os programas incorporam discursos de sucesso e falha como parte de seu
caráter político.

O imperativo da avaliação necessita ser visto como principal componente das


formas de pensamento político em discussão: como as autoridades e
administradores fazem julgamentos, as conclusões tiradas dos mesmos, as
retificações propostas por eles e o ímpeto de que a “falha” leva à
disseminação de outros programas de governo. (Miller...)

Deste ponto de vista, a eficiência não é tanto uma propriedade universal abstrata quanto
alegação política expressa em termos da realização de objetivos políticos bem
específicos. Assim, historicamente os argumentos de muitos dos que propõem o
estabelecimento de tais técnicas de controle do risco como seguridade social eram de
que elas aumentariam a eficiência das nações ao aumentarem a produtividade da classe
trabalhadora e ao reduzirem os conflitos gerados pelo desemprego, pobreza e outras
vicissitudes criadas pelas relações de mercado. Tais argumentos prefiguram os de
Simon, Ewald e outros. Entretanto, nenhum dos casos é representação factual do que é
ou foi o welfarismo. É sim uma recolocação de um argumento político inicialmente a
favor e mais recentemente (pela crítica da esquerda) contra o welfarismo (e.g. Gough
1984).
Novamente, na arena política, tais pressupostos da eficiência do welfare são
desafiados pela oposição neoliberal. Para os neoliberais, os desenvolvimentos atuariais
socializados sugaram a eficiência da população. A devida eficiência seria alcançada
apenas pela restauração das relações do mercado livre e pela reafirmação da iniciativa
individual e do empreendedorismo4. As seguridades sociais de todos os tipos e todos os
demais artifícios que tenham removido o estímulo propiciado pela necessidade de se
defenderem sozinhos em plena competição precisam ser substituídos por planos
privados.
Isto não implica que o neoliberalismo oponha-se ao atuarialismo, pois aceita que
os indivíduos devam controlar os riscos. Implica, por outro lado, que eles devam ser
prudentes em vez de confiarem nas seguridades socializadas. Devem se proteger contra
as vicissitudes da doença, desemprego, idade e perdas ou danos acidentais tomando
providências particulares quando lhes melhor convier ― inclusive os seguros privados
que eles p. 197 possam usar. Desse modo, as técnicas de controle dos riscos certamente
desempenham um papel vital, mas este não é o atuarialismo socializado de Donzelot,
Simon, Ewald e outros. Melhor compreendido como prudencialismo {prudentialism},
trata-se de uma tecnologia de governança que retira a principal concepção de regulação
dos indivíduos através do controle coletivo dos riscos e devolve ao indivíduo a
responsabilidade pelo controle do risco. Isto é defendido como “eficiente”, uma vez que
os indivíduos seriam levados ao maior esforço e empreendimento pela necessidade de
protegerem-se das circunstâncias adversas ― e quanto mais empreendedores eles forem
mais condições terão para construir sua rede de segurança.

Relações de mercado, risco e soberania residual

O enfoque de Simon num modelo evolutivo de poder e sua eficiência significa que,
embora a força da soberania seja reconhecida, ela parece uma anomalia
tecnologicamente irracional ― um retrocesso cuja sobrevivência é explicada apenas nos
termos da resistência de reações morais a métodos instrumentais mais eficientes de
controle. Assim, “o esforço do estado em punir os indivíduos da subclasse que cometem
crimes é um dos últimos traços de um comprometimento de ter um contato com eles”
(Simon 1987: 82). O enfoque de tais abordagens no presumido efeito politicamente
pacificador do atuarialismo parece fechar os olhos de tais teóricos para outras possíveis
relações entre a seguridade social e as racionalidades políticas. Em tais modelos não há
reconhecimento da crescente gravidade e alcance das disposições da soberania que têm
acompanhado as mudanças na distribuição do welfare. Uma vez que os níveis de
encarceramento hoje excedem àqueles conservados por gerações, e como os
fundamentos lógicos do encarceramento cada vez tendem mais para o punitivo e menos
para o correcional (especialmente em filosofias ressurgentes do “recebimento da
punição merecida” [“just deserts”] e da “verdade nas sentenças” [“truth in sentencing”]
é insatisfatório ver as formas atuariais de poder como controle eficiente da população, e
outras formas (de disciplina e soberania) como “remanescentes” ou “persistentes” em
face da maré de poder atuarial.
A atenção ao traço político deixa claro que o fundamento político explícito
vincula o punitivo e o atuarial num sistema viável e socialmente dinâmico. Este
argumento pode ser seguido, mais claramente, em relação à justiça penal. A
preocupação do neoliberalismo com os indivíduos racionais, responsáveis e livres levou
a uma forte rejeição dos programas correcionais e terapêuticos da justiça penas e das
preocupações keynesianas orientadas para o welfare com vínculos entre o crime, a
privação social e a justiça social. Predominantemente, o crime, assim como a
4
Gamble (1988: 40-41) comenta sobre os pontos de vista econômicos de Friedman praticamente no
mesmo tom que este capítulo adota diante das asserções da eficiência absoluta no controle do crime.
Observando que as soluções de mercado são invariavelmente mais eficientes do que as soluções
governamentais, Gamble salienta que a crença de que as proposições econômicas podem ser
comprovadamente verdadeiras faz parte da estratégia política usada para desacreditar o keynesianismo ―
em vez de ser um verdadeiro fundamento de tal descrédito.
dependência do welfare, é compreendido nos p. 198 termos do agente da escolha
racional, que pensa em termos de custos e benefícios ― considerando os prováveis
ganhos e os prováveis custos ou riscos, e só depois os atos. Compreende-se que a ofensa
criminal ocorre quando os benefícios do crime perceptivelmente superam as perdas
(veja National Crime...). Os agentes de crimes com escolha racional como os sujeitos
legais abstratos explorados por Pashukanis... parecem ser agentes livres e, portanto,
voluntários, livres para agir de forma perfeitamente racional e egoísta. São livres para
cometer o crime ou agir na lei. Em contraste, as ações dos criminosos do welfarismo
keynesiano e suas criminologias afins foram determinadas por causas sociais e
psicológicas e, como Foucault (1977: 252) deixou claro, o pensar nos termos das causas
reduz a atribuição da responsabilidade individual. A eliminação da causa do discurso do
crime obviamente restaura a responsabilidade e isto tem seus efeitos nas sanções legais.
Se os indivíduos têm escolhas racionais e são responsáveis por suas ações, a intervenção
terapêutica torna-se equivocada (pois não há nada de “errado” com eles) ou uma
interferência injustificada semelhante à lavagem cerebral (Van den Haag 1976). No
discurso neoliberal, o corolário lógico dos criminosos, que são individualmente
responsáveis por suas ações, é política da sentença punitiva ou da “punição merecida”.
Confrontados pelo claro custo punitivo de ter cometido o crime ― purificados pela
idéia de que a sanção será de alguma forma suavizada pela terapia ou pela reciclagem
― os criminosos potenciais terão maior probabilidade de vir para o lado da
conformidade.
Reunindo estes pontos, o atuarialismo, portanto, precisa ser compreendido no
seu devido lugar como tecnologia aferida de diferentes formas para tipos específicos de
programas políticos. Enquanto o modelo de Simon constrói uma “luta entre o risco e a
soberania”, as políticas do neoliberalismo não apresentam conflito dessa natureza. Tanto
o atuarialismo privatizado quanto a punitividade são consistentes com uma
racionalidade de governo no indivíduo responsável e racional que tem domínio sobre
sua própria vida e arca com as conseqüências de decisões tomadas com liberdade. A
identificação equivocada do atuarialismo unicamente com a seguridade social
keynesiana torna inteligível o ponto de vista da “sociedade de risco” de que as
tecnologias punitivas e atuariais são mais ou menos incompatíveis. Entretanto, na visão
neoliberal dos indivíduos responsáveis e racionais, as duas tecnologias estão
sistematicamente relacionadas uma com a outra ― embora as contradições inerentes à
amálgama precisem ser cuidadosamente administradas. Em conseqüência disso, não há
qualquer expansão inevitável do campo social no balanço do atuarialismo nem qualquer
movimento inexorável na direção de uma sociedade de risco.

p. 199
O prudencialismo

As últimas décadas ou mais têm presenciado a transformação parcial de um atuarialismo


socializado noutro privatizado (prudencialismo) em virtude de intervenções políticas
que promoveram o crescente jogo das forças de mercado. Mais especificamente, isto
envolve três mudanças inteiramente relacionadas entre si: a retração das técnicas
socializadas baseadas no risco de controlarem os riscos que confrontassem as massas;
sua progressiva substituição através do aumento das técnicas privatizadas baseadas no
risco; e a articulação deste processo com a disposição estratégica dos corretivos da
soberania e das intervenções disciplinares que facilitam, sublinham e reforçam os
movimentos no sentido do governo através da responsabilidade individual.
Apesar de esses processos terem sido delineados acima em relação ao controle
do crime, eles se tornaram característicos de diversas outras áreas do governo. Na área
da saúde, por exemplo, o fornecimento dos serviços médicos públicos ou subsidiados é
reduzido, a quantidade e o alcance dos serviços proporcionados pelo Estado são
restringidos, as condições de acesso a tais serviços são mais rigorosas e tornam-se cada
vez menos atrativas (e.g. longas listas de espera para cirurgias). A confiança na
medicina pública é sustada, por exemplo, pelo aumento das contribuições ou pela
sugestão de que seja imoral para a classe média confiar na medicina pública, apesar das
contribuições através dos salários. Paralelamente, há promoções de planos de saúde e
serviços médicos privados, pois tanto o setor público quanto o privado enfatizam o
fundamento moral e racional para a preferência pelo setor médico privado. O interesse
pessoal (racional e responsável) dos consumidores consiste, desse modo, no fim da
dependência dos serviços de saúde públicos por meio de uma manipulação material e
moral do ambiente do serviço.5 Ao mesmo tempo, é promovida toda a forma de regimes
e rotinas com respeito ao cuidado do corpo. Não importando se fornecido
comercialmente (programas de perda de peso, centros para manter a forma) ou
financiado pelo Estado (endosso público de dietas de baixo teor de gordura e campanhas
contra o fumo), foi promovido um regime disciplinar do corpo, fundamentado no
pressuposto de que os sujeitos optem em participar num programa de autopromoção da
saúde e da manutenção da forma.
Ao longo deste espectro de desenvolvimentos duas imagens intimamente
relacionadas são recorrentes ― as do indivíduo (moralmente) responsável e do
indivíduo (calculadamente) racional. O indivíduo racional desejará ser responsável por
ele mesmo, pois (mesmo que através de alguma manipulação neoliberal do ambiente)
isto produzirá as formas mais tangíveis, prazerosas e efetivas de p. 200 de proteção
contra os riscos. Igualmente, o indivíduo responsável tomará medidas racionais para
evitar e manter-se distante dos riscos, a fim de ser independente e não um peso para os
outros. Guiado pelas informações atuariais sobre os riscos (e.g. do fumo e do câncer do
coração; câncer dos intestinos e dieta, etc.) e a existência dos serviços relevantes e dos
especialistas (e.g. custos relativos e benefícios da medicina pública e privada), o
indivíduo racional e responsável tomará medidas prudentes de controle dos riscos.
Segundo tais estratégias prudentes, o egoísmo é, então, articulado com o atuarialismo
para ter o controle diário do risco. Isto é sustentado por uma responsabilidade moral ou
consigo mesmo ― ou, como denominou Greco (1993), um “compromisso com o bem-
estar”:

Cada indivíduo adquire a sua capacidade de prevenir-se vis-à-vis o evento de


sua doença ... Se a regulação do estilo de vida, a modificação dos hábitos de
risco e a transformação das atitudes não saudáveis provam ser inviáveis
através da absoluta força de vontade, isto constitui pelo menos em parte uma
falha do ego no cuidado de si mesmo ― uma forma de irracionalidade, ou
simplesmente falta de habilidade. (Grego 1993: 361)

5
A exceção óbvia e parcial é a proposta (nem realizada) para um programa de saúde pública durante a
gestão Clinton de 1993. Entretanto, será prontamente reconhecido que, naquele contexto, o processo de
redução da medicina pública e a promoção da responsabilidade do setor privado haviam sido
implementados bem antes. As reformas de Clinton relacionam-se especificamente com outra geração de
problemas políticos. Tais mudanças sublinham um ponto geral deste capítulo de que a política é muito
mais importante do que se sugere num enfoque nos efeitos alegadamente “determinados” das tecnologias
sociais e, de fato, que os efeitos em si constituem mais uma questão de negociação do que conseqüência
natural.
O que vale para os riscos à saúde também vale para o crime. A prevenção e o controle
dos riscos ora se torna responsabilidade da vítima. Este ponto de vista não é de forma
alguma um construto de reflexão acadêmica, mas permeia o pensamento quanto à
prevenção do crime em todos os níveis. Primeiro e mais notavelmente, é ressuscitada a
visão liberal inicial da força policial enquanto extensão da cidadania, mas com nova
ênfase nas conseqüências desastrosas da diminuição da responsabilidade do público:

A prevenção do crime e a descoberta e punição dos transgressores, a proteção


da vida e da propriedade e a preservação da tranqüilidade pública são
responsabilidades diretas dos cidadãos comuns. A polícia recebe certas
funções de assistir ao público na tarefa do último, mas simplesmente não
podem ser deixadas para a polícia. É nocivo tanto à polícia quanto à saúde
social pública a tentativa de passar à polícia as obrigações ligadas à
prevenção do crime e a manutenção da tranqüilidade pública. Estes são
deveres e obrigações do público, auxiliado pela polícia e não a polícia
ocasionalmente auxiliada por alguns cidadãos com espírito público. (Avery
1981: 3, ver também Hall 1986)

p. 201
Em níveis políticos mais amplos, argumentos semelhantes são apresentados em termos
ainda mais pungentes. Respondendo às notícias de que os índices de crimes na Grã-
Bretanha haviam atingido níveis records, a então primeira-ministra Margaret Thatcher
“atribuiu uma grande porção dos crimes à falta de cuidado das vítimas. ‘Temos que
tomar o cuidado de nós mesmos não facilitarmos para os criminosos’, ela disse” (Age 28
set. 1990). Assim como em relação à obrigação de estar bem, não muda apenas a
responsabilidade pelo controle do crime-risco, mas correlativamente o sujeito racional
encarrega-se da capacidade de ser hábil e conhecedor dos riscos do crime e da
prevenção ao crime.
Assim como na área da saúde, as agências estatais e privadas assumem o papel
de esclarecedores. As informações são sobre taxas locais de crime, sobre como
reconhecer pessoas suspeitas, como tornar o próprio lar e o que há dentro dele seguros,
como reconhecer e evitar situações de alto risco, sobre os valores dos seguros ou os
preços da propriedade, etc. (O’Malley 1991). Tal educação, em vez de ser a perpetuação
do centralismo estatal, constitui medidas para se atingir a verdadeira autonomia e abrir
os olhos do público para a irracionalidade da irresponsabilidade:

A apatia geral do público quanto à autoproteção é fruto principalmente da


ignorância dos meios de proteção e da percepção de que alguém ― “o
Governo” ou companhias de seguros ― arcam com a maior parte do custo
dos roubos e do vandalismo. A comunidade começa a perceber, no entanto,
que os índices de crimes estão aumentando apesar do aumento das punições,
que o sistema judicial já não consegue dar conta e que é o indivíduo que dá
alento ao crime através do aumento dos tributos para as forças policiais e
mais prisões e prêmios de seguros mais altos. (Geason & Wilson 1989: 9)

Neste processo, a seguridade torna-se a responsabilidade dos indivíduos privados, que


através da busca pelo interesse próprio e libertados da debilitante confiança no Estado,
participarão da criação de uma nova ordem. A expressão emergente “trabalhando juntos
contra o crime” e “parcerias com a polícia” (conceitos comuns aos discursos das
polícias dos EUA, Austrália, Canadá e Reino Unido) sinalizam para a mudança nas
relações de expertise entre a polícia e o público. O modelo do welfare de dependência
dos profissionais do Estado é modificado para outro de construção de uma nação de
indivíduos empreendedores. Mais que isso, o sujeito prudente investirá recursos no
aperfeiçoamento pessoal e da segurança da propriedade ― a ser visto na tendência para
o uso doméstico das agências de segurança privadas, a p. 202 aquisição de dispositivos
de seguro e segurança (não apenas versões sofisticadas das fechaduras e venezianas
tradicionais, mas alarmes e luzes de alta tecnologia sensíveis ao movimento, etc.). A
confiança no Estado, mesmo para a proteção contra o crime, não deve ser estimulada.
Em vez de ter um nível uniforme de segurança propiciada pelo estado, os
indivíduos hábeis e autoconfiantes podem ora lidar com seus semelhantes na
“comunidade” (certamente o sucessor voluntarista e empreendedor do “socialmente”
desacreditado), fazem acordos com “sua” polícia para terem os serviços que precisam e
adquirem o níveis de segurança comodificada que eles julgarem apropriados às
necessidades específicas.
Os proprietários deveriam proteger suas propriedades contra roubo e aprender e
implementar as práticas de segurança da casa contra invasores. Os sujeitos prudentes
deveriam optar pela aposentadoria por limite de idade em vez de confiar nas pensões
estatais no momento de cuidar de sua idade mais avançada. Os indivíduos deveriam
tomar medidas ativas de cuidado do corpo, adquirir e usar conhecimento, produtos e
práticas de minimização dos riscos à saúde. O desempregado deveria reciclar-se e
adquirir habilidades de maior demanda para ser mais valorizado no mercado. O sujeito
de risco prudente deve ser responsável, racional e conhecedor. Confiar no Estado para
tratar dos efeitos danosos de riscos conhecidos, calculáveis e individualmente
administráveis parece ineficaz e censurável.

Conclusões

Tecnologias sociais como o atuarialismo sem dúvida têm suas próprias dinâmicas de
desenvolvimento, mas tais não são nem perfeitamente autônomas nem têm efeitos
intrínsecos que resultem automaticamente de sua natureza. Em vez disso, o sentido do
desenvolvimento, a forma pela qual são postas em ação em políticas específicas, seu
escopo vis-à-vis o doutras tecnologias, e a natureza de seu impacto social são bem
maleáveis e moldados pela natureza dos programas em que estão inseridos. É bem
inteligível que as técnicas baseadas no risco possam estar aliadas a programas políticos
de natureza socializada, através de sua construção discursiva nos termos do risco
compartilhado e dos elementos coletivos das técnicas de segurança (Gordon 1991: 40).
De modo oposto, fica igualmente claro que o controle do risco pode ser articulado com
um programa político liberal individualizante ou neoliberal através da construção
discursiva nos termos dos atores da escolha racional.
Não é a intenção, portanto, argumentar que esteja emergindo uma nova ordem
― que a “sociedade do risco” esteja substituindo a “sociedade disciplinar” ou que a
“sociedade prudencial” p. 203 esteja substituindo a “sociedade do welfare”. Entretanto,
o controle do risco sem dúvida tem se tornado uma tecnologia social muito mais
importante do que era um século atrás. Conformemente, é importante compreender sua
natureza e seu papel como uma tecnologia de governo. No neoliberalismo (ou mais
amplamente, como diria Nikolas Rose, “liberalismo avançado”), tenho argumentado que
as tecnologias atuariais parecem primordialmente na forma específica aqui descrita
como prudencialismo e que, como tais, elas incorporam e aderem a elementos doutras
tecnologias sociais inclusive a punitiva e a disciplinar. O prudencialismo, portanto, não
envolve apenas uma privatização do controle do risco. O controle do risco através do
prudencialismo envolve mudanças em diversas relações governamentais, ainda mais se
os sujeitos forem refundidos em racionais, responsáveis, conhecedores e previdentes, no
comando dos principais aspectos de suas vidas. A constituição do sujeito liberal como
ativo e diretor de si próprio está ligada a uma mudança nas relações com as autoridades
e os profissionais. O welfarismo implica uma subordinação do “cliente” ao servidor
profissional que tem conhecimento superior e status e que é empoderado pelo Estado
superior ou pela posição social superior. O sujeito prudencial, ao contrário, efetua
“parcerias” com as autoridades públicas (e.g. a polícia) ou torna-se “freguês” ― literal
ou figurativamente, dependendo do grau de mercantilização do serviço.
Não apenas a natureza do sujeito e das tecnologias mudam na passagem do
welfarismo ao prudencialismo, pois esta transformação está por si só intricadamente
ligada a uma mudança na concepção de risco, com freqüência negligenciada por aqueles
que vêem o controle do risco como desproblematicamente ajustado à segurança. Os
críticos neoliberais (e.g. Aharoni 1981) talvez tenham captado o nó da questão quando
depreciam o Welfare State descrevendo-o como “sociedade sem riscos”. Isto é, para o
welfarismo keynesiano, o risco é considerado como problema, produto de patologia ou
incompletitude. A maioria dos riscos, de uma ou de outra forma, é considerada como
patologia e o governo dirigido cientificamente deve no fim (ou idealmente) eliminá-la
ou neutralizar seus efeitos. O desemprego e a pobreza parecem ser frutos de falhas do
capitalismo de mercado; o crime é fruto de patologias pessoais ou de falhas na
distribuição dos recursos sociais e das oportunidades; a saúde precária é de forma
significativa atribuída a desigualdades sociais na distribuição dos alimentos, da
educação, das condições de vida e do cuidado da saúde. A engenharia social pode e
deve ser direcionada à correção desses problemas e eliminar os riscos gerados, não
apenas pelas adversidades pessoais por eles causados, e as sistemáticas deficiências que
se pensam tenham sido causadas, mas também pelo seu potencial de criação inquietação
social (Gough 1984).
p. 204
As abordagens liberais contemporâneas de governo adotam um ponto de vista
um tanto diferente. Em primeiro lugar, como argumenta Aharoni, o risco de forma
alguma deve ser compreendido como indicativo de um mundo mal governado. Em vez
disso, o risco é uma fonte ou condição de oportunidade, uma possibilidade de
empreendimento e criação de riqueza e, portanto, parte inevitável e inestimável de
ambiente progressista. Sem o risco, a riqueza não seria criada, a inovação seria anulada,
os indivíduos perderiam o estímulo à ação e uma condição crucial para a geração da
responsabilidade. Nesta visão, os esforços dos engenheiros sociais em eliminarem o
risco têm contribuído imensamente para os mal-estares da sociedade contemporânea.
Isto não é dizer que todos os riscos sejam concebidos dessa forma. Está claro que o
neoliberalismo considerava muitos riscos específicos como riscos que possam e devam
ser prevenidos ou minimizados. Mas isto é bem diferente para a visão da engenharia
social de uma sociedade da segurança universal, “sociedade sem riscos”, em que o risco
como tal deveria, idealmente, ser eliminado. Para o neoliberalismo sempre é necessário
perguntar “Que risco?” antes de decidir se é necessária uma resposta constritiva ou
sustentadora.
Por esta razão, é preciso considerável prudência para tornar o controle do risco
uma responsabilidade da governança neoliberal. Por um lado, isto é, como já foi muito
argumentado, porque os indivíduos deveriam assumir a responsabilidade pelo controle
dos riscos, como parte de sua existência racional e responsável. Por outro lado, é porque
a definição de muitos riscos como significativos ou insignificantes também precisa,
idealmente, ser devolvida ao indivíduo. Na medida em que os sujeitos neoliberais
confrontarem os riscos sem a interferência do Estado e dos engenheiros sociais (embora,
é claro, munidos do aconselhamento e informações de especialistas como a polícia e os
profissionais da medicina), aí sim serão levados a agirem em nome de seu próprio
interesse. Os riscos que receberem a sua atenção serão os que eles identificarem como
problemas significativos. As técnicas de controle do risco por eles mantidas ― por
esforço e advocacia pessoais ou por aquisição no mercado ― serão as consideradas por
eles como as melhores. E podemos ter certeza da eficiência deste processo, pois o
sucesso das medidas tomadas será avaliado nos termos do cálculo custo–benefício dos
indivíduos que puseram seus próprios recursos e sua própria segurança na roda.6 O
prudencialismo, desse modo, incorpora uma técnica chave de condução de uma das
problemáticas centrais da governamentalidade liberal ― a definição dos mínimos
parâmetros da atividade do Estado em consistência com uma nação ordeira, próspera e
pacífica.

6
Pode-se argumentar que muitos riscos importantes do dia-a-dia não poderiam ser abandonados a tal
processo. O controle do crime seria um destes, especialmente com relação à polícia. Mas, como também
já vimos, há aqui um considerável escopo para o crescimento do papel a ser desempenhado pelas
estratégias prudenciais. Além das formas discutidas neste capítulo, deve ser considerado que, na medida
em que a provisão de expertise vá para os modelos de “parceria” ou do “freguês”, também a determinação
das prioridades e das práticas de controle do risco de crime sejam determinados pelos indivíduos que
compõem a “comunidade local”. Estas pessoas dirigem as atividades policiais e pessoalmente sustentam
os custos e os benefícios de suas estratégias preferidas de controle do risco. Como está testemunham a
Grã-Bretanha, mesmo um regime que investe pesadamente nas políticas da lei e da ordem ainda é capaz
de submeter a polícia a tais práticas neoliberais (McLaughlen & Muncie 1993).

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