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emancipação
Lourdes de Maria Leitão Nunes Rocha
Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
,1752'8d2 IHPLQLVWD6mREUHYtVVLPDVHLQLFLDLVUHÀH[}HVSRLV
nos limites deste texto de torna impossível apontar
$ SULPHLUD FRQGLomR SDUD PRGL¿FDU H DSURIXQGDU R FRQMXQWR GDV TXHVW}HV WHyULFDV H
a realidade consiste em conhecê-la.
SROtWLFDVTXHSHUSDVVDPHIXQGDPHQWDPDSURGXomR
(Eduardo Galeano).
do conhecimento e a prática do feminismo.
Compartilhando com o pensamento de
A proposição da mesa temática Movimento
YiULDV DXWRUDV HQWHQGR R IHPLQLVPR SUH¿UR
de Mulheres e feministas: experiências e
denominá-lo os feminismos), em sua diversidade
antecipações concretas na VII Jornada Internacional
de correntes e tendências, atuando em diferentes
GH3ROtWLFDV3~EOLFDVRSRUWXQL]DDUHÀH[mRFROHWLYD
HVSDoRVHIRUPDVTXHQmRVmRHVWDQTXHV([SUHVVR
VREUHDOJXQVGRVGHVD¿RVHLQTXLHWDo}HVGRWHPSR
neste primeiro momento a concepção majoritária
presente. Indiscutivelmente, as reivindicações por
GRFDPSRVRFLDOLVWDIHPLQLVWDHPTXHLQLFLHLPLQKD
GLUHLWRV HTXLGDGH H LJXDOGDGH EHP FRPR SHOD
militância.
implementação de políticas públicas, a relação com
&RQVLGHURR PRYLPHQWRV VRFLDOLV TXH
R(VWDGRHRVJRYHUQRVVmRH[HPSORVGHTXHVW}HV
defende um projeto político e o desenvolve por meio
VXUJLGDVQDVOXWDVIHPLQLVWDVGHVGHR¿QDOGRVDQRV
de ação de natureza também política, envolvendo
1970. Portanto, a minha participação nesta mesa
teoria e prática, alicerçada seticamente em valores
pGLItFLOWDUHIDQDPHGLGDHPTXHGHYRWUD]HUSDUD
e princípios (FERREIRA, 1999).
debate os vínculos, ou sua ausência, entre políticas
Percebo o feminismo como ideologia ou
públicas, feminismo, a perspectiva de gênero e a
GRXWULQD TXH ³>@ SUHFRQL]D D LJXDOGDGH HQWUH
luta pela emancipação.
RV VH[RV H D UHGH¿QLomR GR SDSHO GD PXOKHU QD
2 GHVD¿R FUHVFH GLDQWH GD FRQMXQWXUD
sociedade.” (SARDENBERG; COSTA, 2002, p.
nacional extremamente desfavorável para a
24). Dito de outro modo: defende a liberdade, a
JDUDQWLD GDV FRQTXLVWDV Mi HIHWLYDGDV H SDUD R
igualdade e combate a assimetria, a dominação e
reconhecimento de novos direitos. Falo do avanço
H[SORUDomR QDV UHODo}HV GH JrQHUR TXH DWLQJHP
do neoconservadorismo, dos fundamentalismos
VLJQL¿FDWLYDPHQWHDVPXOKHUHVHPVXDGLYHUVLGDGH
e do acirramento de preconceitos, discriminações
O feminismo se constitui também um
e violência contra segmentos ditos minoritários da
campo epistemológico, teórico e metodológico,
população brasileira. Quadro agravado pela crise
com diferentes tendências, em crítica ao campo
JOREDOTXHDWLQJHDVHFRQRPLDVFDSLWDOLVWDVHQmRp
FLHQWt¿FR VXDV LQVWLWXLo}HV H SUiWLFDV GH SURGXomR
mais simplesmente uma marola no Brasil.
do conhecimento gendradas, desvantajosas para as
Nos limites desta comunicação, não
mulheres e outras minorias.
pretendo aprofundar conceitos e nem adentrar nas
Narvaz e Koller (2006) registram como
polêmicas produzidas pelas diferentes perspectivas
principais linhas epistemológicas feministas
teóricas e políticas existentes no âmbito acadêmico
o empiricismo feminista, a teoria do ponto de
e dos movimentos sociais e feministas. Diante
vista feminista (feministstandpointtheory), o
da complexidade do tema e das inúmeras vias de
construcionista social, o feminismo pós-moderno
compreensão e atuação, elegi alguns pontos para
(pós-estruturalista e desconstrucionista) e a
suscitar a discussão.
HSLVWHPRORJLDIHPLQLVWDFRPEDVHQDItVLFDTXkQWLFD
Assim, reconhecendo a importância da
HDSHVTXLVDLU{QLFDsatiricalempiricism).
temática, proponho-me, inicialmente, apresentar
&DUYDOKRLGHQWL¿FDWUrVDERUGDJHQV
alguns aspectos do debate sobre o feminismo em
empirismo feminista, teoria do ponto de vista
suas variadas expressões. Em segundo lugar,
feminista e feminismo pós-modernista. Com base na
faço uma abordagem breve sobreas políticas para
Stanford Encyclopedia of Philosophy explica:
DV PXOKHUHV QR %UDVLO H RV GHVD¿RV QD OXWD SHOD
emancipação. Empirismo feminista: busca padrões
Não há certezas, pois me deparei com muitas de diferenciação de circunstâncias
interrogações e a convicção da permanente QDV TXDLV D VLWXDomR JHUD HUURV RX
QHFHVVLGDGHGHHVWXGDUSHVTXLVDUHPLOLWDU constitui um recurso para avançar
o conhecimento, propondo uma
concepção de objetividade constituída
)(0,1,6026 breves considerações e por relações críticas e cooperativas
provocações entre várias/os investigadoras/es
GLIHUHQFLDOPHQWH VLWXDGDVRV >@ 2
Não importa de onde vim, mais sim HPSLULVPR IHPLQLVWD FRQVLGHUD TXH D
DRQGHTXHURFKHJDU(GXDUGR*DOHDQR ciência não pode atingir conhecimento
objetivo sobre seres gendrados ou sobre
o mundo social gendrado sem incluir
Ao principiar as considerações sobre o tema DWLYDPHQWH SHVTXLVDGRUDV IHPLQLVWDV
em comento, julgo necessário explicitar concepções FRPRLJXDLVQRSURMHWRFLHQWt¿FRFROHWLYR
TXHDVRULHQWDPHRXVDULQVHULUQRGHEDWHIRUPXODo}HV (Helen Longino). (CARVALHO, 2012, p.
em construção sobre a atual fase do movimento 7-9).
Teoria do ponto de vista feminista SOXUDO QRV DVSHFWRV HP TXH VH FRPXQLFDP GH
(feministstandpointtheory): se insere no fundamentar a crítica feminista da ciência e a ciência
SDUDGLJPDGD7HRULD&UtWLFDDRLGHQWL¿FDU
feminista.
uma perspectiva social particular como
epistemicamente privilegiada – a de Reitero a imbricação entre perspectivas
grupos em desvantagem, oprimidos epistêmico-teóricas do feminismo, ideologia e
(ex: no marxismo, o ponto de vista do DWXDomR SROtWLFD 'HVWH SRQWR GH YLVWD Ki TXH
proletariado; a epistemologia feminista se ressaltar a relação com projetos societários
negra). Vale-se da consciência
GLUHFLRQDGRUHV GH RXWURV PRYLPHQWRV TXHVWmR
bifurcada, ser de fora e estar dentro, a
habilidade de ver tanto da perspectiva discutida por várias(os) autoras(os). Narvaz e Koller
GR GRPLQDGRU TXDQWR GD SHUVSHFWLYD (2006, p. 649), fundamentadas em Chrisler e Smith
do oprimido (W.E.B. DuBois, Sandra H7ROHGRFRPHQWDPTXH
Harding, Dorothy Smith, Patricia Hill
Collins). As intersecções do feminismo com
O estilo cognitivo feminino é os movimentos de luta de classes
considerado epistemicamente superior FRQ¿JXUDP GLIHUHQWHV PRYLPHQWRV
SRUTXH VXSHUD D GLFRWRPLD VXMHLWR feministas, entre eles: o radical (inclui-se
REMHWR H SRUTXH XPD pWLFD GR FXLGDGR DTXLRPRYLPHQWRGHPXOKHUHVQHJUDV
é superior a uma ética de dominação. o liberal, o socialista, o marxista e o
Assim, modos de conhecer motivados
DQDUTXLVWD
pelo cuidado da necessidade de todos
produzirá representações mais valiosas
GR TXH PRGRV GH FRQKHFHU PRWLYDGRV 3RU VXD YH] 6DI¿RWL FRQVWUXLX
pelo interesse de dominar, como XPD WD[LRQRPLD GHVVDV SRVLo}HV QR %UDVLO TXH
propõe Nancy Hartsock; produzirão são reveladas nos tipos de abordagens sobre as
representações do mundo focadas em
mulheres: a liberal-burguesa, a feminista radical, a
interesses humanos universais (e não
nos interesses das classes dominantes). marxista dogmática e a socialista feminista.
(CARVALHO, 2012, p. 4-5). ,PS}HVH QHVWDV UHÀH[}HV PHQFLRQDU DV
PDLVUHFHQWHVHLQVWLJDQWHVUHÀH[}HVHSURSRVLo}HV
Feminismo pós-modernista: rejeita de Marlise Matos: desde o inicio do milênio está em
argumentos de privilégio epistêmico,
FXUVRDTXDUWDRQGDSDUDRPRYLPHQWRIHPLQLVWDQR
enfatizando a contingência e
instabilidade das identidades dos %UDVLOHQD$PpULFD/DWLQDTXHFRQVWLWXLWDPEpPD
sujeitos cognoscentes e, portanto, suas possibilidade da construção de uma proposta teórica
representações. no campo crítico-emancipatório das diferenças1
Postulados: a realidade é (MATOS, 2014; MATOS; BRENO CYPRIANO,
discursivamente construída; ações e
2008). Tais proposições são uma demonstração
práticas são signos linguísticos, assim
como o próprio self; as tensões entre da vitalidade do feminismo, de sua importância,
LGHQWLGDGHV FRQÀLWDQWHV SRVVLELOLWDP diversidade, e, por isso mesmo, de explicitação de
SHUWXUEDU RV VLVWHPDV GLVFXUVLYRV TXH polêmicas.
nos constroem. Se o mundo não dita as O cenário de emergência da denominada
FDWHJRULDV TXH XVDPRV SDUD GHVFUHYr
TXDUWD RQGD p PRQWDGR D SDUWLU GH RFRUUrQFLDV
OR Ki LQ¿QLWDV PDQHLUDV GH GHVFUHYr
lo e, portanto, a escolha de uma dada econômicas, políticas e sociais ocorridas desde os
WHRULD QmR SRGH VHU MXVWL¿FDGD SHOR anos 1990. Neste contexto, Matos (2014) menciona
apelo à verdade ou realidade “objetiva”. a mudança na relação dos feminismos com o
O feminismo pós-modernista contesta (VWDGR D LQVWLWXFLRQDOL]DomR H SUR¿VVLRQDOL]DomR
a ideologia sexista de uma natureza ou
do movimento e surgimento de novas formas de
HVVrQFLD IHPLQLQD SRVWXODQGR TXH R
gênero é socialmente ou discursivamente RUJDQL]DomR DV FRQVHTXrQFLDV GD LPSOHPHQWDomR
construído (Maria Lugones, Elizabeth das políticas neoliberais, dentre elas a
Spelman, Jane Flax, Judith Butler); responsabilização das ONGs feministas por politicas
oferece uma crítica interna ao conceito sociais, mesmo reconhecendo o avanço
de “mulher” – feministas negras e
lésbicas contestaram a legitimidade do
>@ QD LQWURGXomR GRV WHPDV UHODWLYRV
ponto de vista de mulheres brancas,
ao gênero nas agendas nacional e
de classe média, heterossexuais; e
LQWHUQDFLRQDODRSDVVRTXHUHODWLYL]DUDP
propõe uma estratégia de mudança de
em parte sua função de criticar,
perspectiva para negociar a proliferação
pressionar e transformar esse mesmo
de teorias produzidas por mulheres
diversamente situadas. (CARVALHO, Estado. (MATOS, 2014, p. 7).
2012, p. 5-6, grifos da autora).
5HVVDOWD D DXWRUD DOJXPDV PRGL¿FDo}HV
Sem a pretensão de reforçar na década 2000. Cita o decréscimo da tensão
HQTXDGUDPHQWRV SHUFHER TXH RV GHVD¿RV GD sobre a institucionalização dos feminismos
contemporaneidade nos convidam ao diálogo crítico (fragilização dos grupos autônomos e por parte das
com as vertentes, estabelecendo a interlocução organizações institucionalizadas autocríticas de sua
atuação). Refere-se ainda ao nascimento de outros na agenda pública da maior representação política
movimentos: das mulheres são destacados por Matos (2014).
5HVVDOYR TXH QHVVH SHUtRGR SDVVDP D
Além disso, outros movimentos fazer parte do discurso, das reivindicações e ações
feministas emergiram pautados por forte do feminismo os conceitos: transversalidade de
crítica ao neoliberalismo, como a Marcha
Mundial das Mulheres6, revigorando gênero (gendermainstreaming), transversalização,
as pautas políticas dos feminismos na intersetorialidade, interseccionalidade. Tais
região e abrindo processos de aliança conceitos se constituem, sobretudo, estratégias
com outros movimentos sociais, a para a implementação de políticas públicas.
partir do resgate da ação feminista de A ressalva acima ganha mais sentido ao
rua, criativa e subversiva, no contexto
de emergência dos movimentos anti- H[SRU DV FDUDFWHUtVWLFDV GD TXDUWD RQGD DUURODGDV
globalização e da construção do Fórum por Matos (2014, p. 10-11, grifos da autora):
6RFLDO 0XQGLDO )60 &RPR D¿UPDP
Nobre e Trout (2008), o FSM transformou 1. O alargamento, adensamento e
o ambiente do debate e ação políticas e aprofundamento da concepção de
trouxe uma oportunidade de articulação GLUHLWRV KXPDQRV TXH WHP VH[R
de ambos os “lados” dos feminismos. gênero, cor, raça, sexualidade, idade,
(MATOS, 2014, p. 7, grifo da autora). geração, classe social etc. (pautado a
partir da luta feminista e das mulheres
e de outros movimentos e muito
Repercutiram nessa conjuntura os diferente da proposta liberal, abstrata
resultados negativos das políticas neoliberais e a e transcendental de dignidade humana
reação dos movimentos sociais e partidos políticos TXH RULHQWRX QR FRPHoR D SODWDIRUPD
progressistas fortalecidos eleitoralmente. Ambos internacional vinculada a estes direitos);
alimentaram a possibilidade da construção de $ DPSOLDomR H GLYHUVL¿FDomR GD
base das mobilizações sociais e
DOWHUQDWLYDV TXH DOLDVVHP FUHVFLPHQWR HFRQ{PLFR políticas, sobretudo dentro de um
democracia e justiça social. O foco mudou para o QRYR HQTXDGUDPHQWR RX PROGXUD
(VWDGRRDFHVVRDRVGLUHLWRVHjFLGDGDQLDLQÀXLQGR transnacional, global, além de uma
nas relações entre o Estado e a sociedade civil, bem PROGXUD UHVLJQL¿FDGD QDFLRQDOPHQWH2
como, na abordagem do feminismo do e para com o >@
3. O foco no “sidestreaming” feminista,
Estado. RXVHMDXPDSHUVSHFWLYDTXHUHIRUoDD
Mediante este contexto Matos (2014, p. 7, discriminação de gênero mas vai além
grifo da autora) defende sua posição a respeito da dela e valoriza igualmente o princípio
TXDUWDRQGDGRIHPLQLVPR da não-discriminação com base na
raça, etnia, geração, nacionalidade,
2IHPLQLVPRHPSDUWHVLJQL¿FDWLYDGRV classe ou religião. Trata-se do
países da região latino-americana na reconhecimento de “feminismos outros”,
atualidade não só foi transversalizado profundamente entrelaçados, e, por
– estendendo-se verticalmente (numa vezes controversamente emaranhados
arranjo mainstreaming) por meio com as lutas nacionais e globais para a
de diferentes níveis do governo, justiça social, sexual, geracional e racial.
atravessando a maior parte do >@
espectro político e engajando-se em 4. O foco no “mainstreaming” feminista,
uma variedade de arenas políticas aos RQGH JDQKDP YLVLELOLGDGH H GHVWDTXH
níveis nacionais e internacionais –, mas as novas formas de relação com o
também se estendeu horizontalmente, Estado e de suas muitas instituições e
ÀXLX KRUL]RQWDOPHQWH DR ORQJR GH XPD jTXHODV GLQkPLFDV YLQFXODGDV D HVWH
larga gama de classes sociais, de novo formato de teorização feminista,
RXWURVPRYLPHQWRVTXHVHPRELOL]DYDP destacando-se, por sua vez, o esforço
pela livre expressão de experiências no sentido da construção participativa
sexuais diversas e também no meio de ações transversais, interseccionais e
de comunidades étnico-raciais e rurais, intersetoriais de despatriarcalização das
bem como de múltiplos espaços sociais instituições estatais;
e culturais, inclusive em movimentos 5. Também se destaca a nova forma
sociais paralelos. Essa conformação teórica – transversal e interseccional
H[SUHVVD DTXLOR TXH HVWDPRV GH¿QLQGR – de compreensão dos fenômenos
de raça, gênero, sexualidade,
FRPR³TXDUWD´RQGDIHPLQLVWD classe e geração desdobram-se na
necessidade de se pensar em micro e
Nos países do Sul global, onde se inclui o macroestratégias de ação articuladas,
%UDVLOHVVDUHFHQWHFRQ¿JXUDomRVHUHYHODWDQWRQRV integradas, construídas em conjunto
PRYLPHQWRVTXDQWRQRVHVWXGRVHWHRULDVIHPLQLVWDV pelo Estado e pela sociedade civil a partir
de um novo feminismo interseccional,
A difusão do feminismo (feministsidestreaming transversal, multinodal, policêntrico
ÀX[R KRUL]RQWDO GR IHPLQLVPR UHDOL]DGD SRU (estatal e anti-estatal ao mesmo tempo
diferentes correntes, a exemplo, da acadêmica, despatriarcalizador e descolonizador);
negra, lésbica, masculina, entre outras, e a entrada 6. Uma renovada retomada e
j UHÀH[mR VREUH R IHPLQLVPR QR %UDVLO H VXD PDLRULD p IRUPDGD GH KRPHQV TXH
relevância como sujeito das políticas públicas para não reconhecem, como necessário à
democracia, se constituir, na prática dos
as mulheres nos marcos das denominadas segunda
poderes, a igualdade entre homens e
e terceira ondas (ou fases). mulheres. (BUARQUE, 2006, p. 19).
$ SDUWLU GR ¿QDO GRV DQRV IRUMDGR QD
resistência à ditadura militar e na luta pela democracia, Respaldando-me nos estudos e debates
RIHPLQLVPRVHIRUWDOHFHXGLYHUVL¿FRXTXHVWLRQRXH UHDOL]DGRVSHOR*UXSRGH3HVTXLVDH([WHQVmRVREUH
ampliou a noção de política e suas práticas, levou Relações de Gênero, Étnico-Raciais, Geracional,
SDUD D DUHQD S~EOLFD TXHVW}HV HQWmR FRQVLGHUDGDV 0XOKHUHV H )HPLQLVPRV *(5$086 GR TXDO VRX
secundárias e pessoais (afetividade, sexualidade, integrante, e principalmente no posicionamento
violência, reprodução, poder, dupla jornada de GD SURIHVVRUD 6LOYDQH 1DVFLPHQWR TXHVWLRQR DV
trabalho e outras), desvelou a desigualdade das terminologias feminismo de governo e feminismo
relações de gênero e exigiu respostas do Estado estatal. Em respeito à luta feminista, brevemente
ás demandas historicamente invisibilizadas. Nesse apontada acima, opto por denominar feminismo no
processo distingue-se a luta pela ampliação da governo (ou será feminismo no Estado?)
participação nos espaços de poder, representação e As reivindicações de democracia
controle social (PINTO, 2003). participativa, consubstanciada na criação e
$OJXPDVUHLYLQGLFDo}HVVmRFRQTXLVWDGDVH participação em conselhos de políticas e de direitos,
ecoarão no novo milênio nas lutas pela efetivação e particularmente, os conselhos de direitos da mulher;
permanências dos avanços, bem como para criação de elaboração e alterações nas medidas legislativas
de novos direitos e políticas públicas. Para atender o e normas jurídicas; pela efetivação de serviços e
escopo deste artigo detenho-me nos organismos de PXGDQoDV QD IRUPD H TXDOLGDGH GR DWHQGLPHQWR
políticas para as mulheres, denominados por Matos referentes às políticas de saúde, segurança,
(2014) de mecanismos institucionais de mulheres educação, trabalho, etc. constituíram/em bandeiras
(MIMs), destacando sua atuação na realização das de luta levantadas pelo feminismo nos últimos 50
conferências e planos de políticas para as mulheres. anos.
Conforme Matos (2014) este período (QWUH DV GHPDQGDV H FRQTXLVWDV PDLV
FDUDFWHUL]D D TXDUWD RQGD IHPLQLVWD LQLFLDGD HP recentes inclui-se a criação de organismos
HPTXHDUHODomRFRPR(VWDGRVHFRQFUHWL]D executivos de políticas para as mulheres. Sob
pela via da institucionalização estatal (feminismo várias denominações e vinculações nas estruturas
estatal): MIMs e planos nacionais de políticas para de governos municipais, estaduais e federal, essas
as mulheres. novas institucionalidades convivem com os limites e
'H IRUPD GLIHUHQFLDGD %XDUTXH obstáculos advindos do caráter classista, patriarcal,
D¿UPDTXHDSDUWLUGRVDQRVGHRIHPLQLVPR UDFLVWD KRPRIyELFROHVEy¿FR GR HVWDGR H GD
entra no terceiro período: Feminismo de Governo: sociedade brasileira. Em meio há muitos entraves,
conquista dos espaços de decisão. A autora observa: GL¿FXOGDGHV HVWUXWXUDLV H RUoDPHQWiULDV H WDQWDV
RXWUDVQmRVHSRGHGHVFRQVLGHUDUTXHKiDYDQoRV
1R %UDVLO HVSHFL¿FDPHQWH GXDV
iniciativas do movimento feminista Nesse contexto, sobressai-se a criação
constituem-se em divisores de águas, em 2003, no governo Lula, da Secretaria Especial
HQWUHDIDVHDQWHULRUHRSHUtRGRTXHVH de Políticas para as Mulheres da Presidência da
DEUH D SDUWLU GRV DQRV GH R TXDO República (SPM)3, com status de Ministério. Assim
estamos chamando de Feminismo de como os organismos estaduais e municipais,
Governo: de um lado, as propostas de
constituição de órgãos especializados sobretudo do primeiro escalão, a SPM trouxe
SDUD D SURPRomR GD HTLGDGH VLF GH PRGL¿FDo}HV QDV UHODo}HV FRP GHPDLV yUJmRV
JrQHUR FRP DXWRQRPLD ¿QDQFHLUD QR governamentais e na dinâmica da formulação,
interior do aparelho de Estado; e de coordenação, articulação e implementação de
outro, a retomada de investimentos políticas para as mulheres.
para a ampliação da participação das
mulheres na democracia representativa, O Decreto n. 8.030/2013, anexo I art. 1º,
a exemplo das Políticas de Cotas, por LQFLVR,,,GH¿QHFRPRXPDGDVVXDVFRPSHWrQFLDVR
sexo, para candidaturas ao Parlamento.
>@ R )HPLQLVPR GH *RYHUQR VH >@ SODQHMDPHQWR GD LQFRUSRUDomR GD
caracteriza pela luta das mulheres para perspectiva de gênero na ação do Poder
dividir com os homens os espaços de Executivo federal e demais esferas
poder. Esse fenômeno se revela tanto públicas, para a promoção da igualdade
pela busca feminista de criar estruturas e de gêneros. (BRASIL, 2013a).
ocupar cargos dentro dessas estruturas,
como, também, pela dependência &RPSHWrQFLD TXH UHPHWH D XWLOL]DomR
TXH DLQGD WHP D VREUHYLYrQFLD GHVVDV
estruturas e a indicação das mulheres
das estratégias de transversalização de gênero
para os seus cargos, de compromissos horizontal e vertical, e inserção da intersetorialidade,
SRQWXDLV GRV JRYHUQDQWHV TXH QD VXD interseccionalidade para a implementação
das políticas públicas para as mulheres, como D GH¿QLomR GRV VHXV SULQFtSLRV RULHQWDGRUHV
anteriormente comentado. igualdade na diversidade, autonomia das mulheres,
Pontuo nesse processo de construção a laicidade do Estado, universalidade, participação
relevância das Conferências Municipais, Estaduais e e solidariedade. Nos I e II PNPM estes princípios
Nacional de Políticas para as Mulheres (2004, 2007, IRUDP UHD¿UPDGRV H DVVLP QRPHDGRV LJXDOGDGH
GDVLJQL¿FDWLYDSDUWLFLSDomRGRVPRYLPHQWRV H UHVSHLWR j GLYHUVLGDGH HTXLGDGH DXWRQRPLD GDV
de mulheres e feministas na preparação e realização mulheres, laicidade do Estado, universalidade das
desses eventos e de materialização nos Planos políticas, justiça social, transparência dos atos
Nacionais (2004, 2008, 2013). públicos e da participação e controle social (BRASIL,
A I Conferência Nacional possui um 2004b, 2008).
VLPEROLVPRHVSHFLDODGH¿QLomRGD3ROtWLFD1DFLRQDO
para as Mulheres (natureza, princípios e diretrizes • Igualdade e respeito à diversidade –
da Política Nacional na perspectiva da igualdade e mulheres e homens são iguais em seus
direitos e sobre esteprincípio se apóiam
HTXLGDGHGHJrQHURFRQVLGHUDQGRDGLYHUVLGDGHGH DVSROtWLFDVGH(VWDGRTXHVHSURS}HP
raça e etnia e livre orientação sexual), matriz para a superar as desigualdades de gênero.
da elaboração do I Plano Nacional de Políticas para $ SURPRomR GD LJXDOGDGH UHTXHU
as Mulheres (I PNPM). Nas demais conferências os o respeito e atenção à diversidade
SULQFtSLRVHGLUHWUL]HVIRUDPUHD¿UPDGRVHRVHL[RV cultural, étnica, racial, inserção social,
de situação econômica e regional, assim
objetivos e ações avaliados, alterados e ampliados. como aos diferentes momentos da vida.
&RQWXGR FRQVFLHQWH TXH D IRUPXODomR GH Demanda o combate às desigualdades
políticas e programas é resultado da disputa entre de toda sorte, por meio de políticas
diferentes sujeitos, projetos políticos e perspectivas GH DomR D¿UPDWLYD H FRQVLGHUDomR
WHyULFDVEHPFRPRTXHGL¿FLOPHQWHVmRH[HFXWDGRV das experiências das mulheres
na formulação, implementação,
de acordo com seu desenho original e com as monitoramento e avaliação das políticas
estratégias traçadas por seus formuladores, a públicas.
política nacional para as mulheres necessita ainda • Eqüidade- o acesso de todas as
VHUREMHWRGHHVWXGRSHVTXLVDHDYDOLDomR pessoas aos direitos universais deve
Na impossibilidade de ser este texto uma ser garantido com ações decaráter
universal, mas também por ações
avaliação da política, para concluir, detenho-me na HVSHFt¿FDV H D¿UPDWLYDV YROWDGDV DRV
TXHVWmRDSROtWLFDQDFLRQDOHRVSODQRVGHSROtWLFDV grupos historicamente discriminados.
para as mulheres são estratégias feministas visando Tratar desigualmente os desiguais,
incorporar-se à luta pela emancipação humana EXVFDQGRVH D MXVWLoD VRFLDO UHTXHU
GR GRPtQLR GR FDSLWDO" 3HUJXQWD TXH VXVFLWD pleno reconhecimento das necessidades
próprias dos diferentes grupos de
controversas respostas. Tentarei fazer indicações de mulheres.
uma delas, embrionariamente em construção para • Autonomia das mulheres – deve
este debate. ser assegurado às mulheres o poder
A implementação de políticas públicas são de decisão sobre suas vidas e
FRQTXLVWDV QD OXWD SHOD LQVWDXUDomR GD LJXDOGDGH corpos, assim como as condições de
LQÀXHQFLDU RV DFRQWHFLPHQWRV HP VXD
jurídica, cidadania e democracia. Portanto, são comunidade e país, e de romper com
FRQTXLVWDV QR FDPSR GD HPDQFLSDomR SROtWLFD o legado histórico, com os ciclos e
TXH QDV VRFLHGDGHV FDSLWDOLVWDV QmR HOLPLQD DV espaços de dependência, exploração
desigualdades sociais e econômicas (TONET, 1844). H VXERUGLQDomR TXH FRQVWUDQJHP VXDV
Acrescento: e nas sociedades também patriarcais e vidas no plano pessoal, econômico,
político e social.
racistas não elimina as desigualdades de gênero e • Laicidade do Estado – as políticas
étnico-raciais. públicas de Estado devem ser
Marx (1843), em A Questão Judaica formuladas e implementadas demaneira
declarou: independente de princípios religiosos,
de forma a assegurar efetivamente os
1mR Ki G~YLGD TXH D HPDQFLSDomR direitos consagrados na Constituição
política representa um grande progresso. Federal e nos diversos instrumentos
Embora não seja a última etapa da LQWHUQDFLRQDLV DVVLQDGRV H UDWL¿FDGRV
emancipação humana em geral, ela se pelo Estado brasileiro, como medida
caracteriza como a derradeira etapa de proteção aos direitos humanos das
da emancipação humana dentro do mulheres e meninas.
FRQWH[WR GR PXQGR DWXDO e yEYLR TXH • Universalidade das políticas –
nos referimos à emancipação real, à as políticas devem ser cumpridas
emancipação prática. na sua integralidade e garantir
oacesso aos direitos sociais, políticos,
econômicos, culturais e ambientais
Nesse sentido, a Política Nacional para as para todas as mulheres. O princípio
Mulheres é um grande passo (BRASIL, 2004a). da universalidade deve ser traduzido
&LWR FRPR XPD GDV UHIHUrQFLDV SDUD WDO D¿UPDomR em políticas permanentes nas três
p R ¿R FRQGXWRU GR FDPSR FUtWLFR ______. ______. Secretaria de Políticas para as
emancipatório das diferenças, conforme Mulheres. Plano Nacional de Políticas para as
já proposto por mim em 2012. Fundado
em uma epistemologia crítica e da
0XOKHUHV. Brasília, DF, 2013b.
fronteira (Spivak,1988), aberta e na
fronteira tensa e disputada entre as ______. ______. ______. $QDLV GD &RQIHUrQFLD
ciências e as lutas sociais, esse novo Brasília, DF, 2004a. (Série Documentos).
campo foi por mim concebido a partir,
fundamentalmente de uma premissa
inaugural: o compromisso normativo ______. ______. ______. Plano Nacional de
de se atribuir o justo reconhecimento 3ROtWLFDVSDUDDV0XOKHUHV Brasília, DF: 2004b.
político e acadêmico aos grupos
subalternos, visando-se com isso ______. ______. ______. II Plano Nacional de
fortalecer seus processos dinâmicos
3ROtWLFDVSDUDDV0XOKHUHV Brasília, DF, 2008.
TXH YLVDP D HPDQFLSDomR7UDWDVH GH
uma “moldura teórica compreensiva,
inclusiva, mais justa e mais fortemente BUARQUE, C. Introdução ao Feminismo. In: VANIN,
democrática” (MATOS, 2012, p. 37). I. M. e GONÇALVES, T. (Organizadoras). Caderno
GH WH[WRV JrQHUR H WUDEDOKR Salvador: REDOR,
Acrescenta a autora: 2006.
$VVLP UHVXPLQGR D¿UPDULD TXH HVWH &$59$/+2 0 ( 3 GH 2¿FLQD (SLVWHPRORJLD
campo teria como seus principais
Feminista: notas. In: 17º ENCONTRO NCIONAL
pressupostos: o reforço das críticas
de coloniais sobre o enraizamento DA REDE FEMINISTA NORTE E NORDESTE DE
da colonialidade do poder/saber/ser ESTUDOS E PESQUISAS SOBRE A MULHER E
nas epistemologias de racionalidade RELAÇÕES DE GÊNERO, 17., 2012, João Pessoa.
ocidental hegemônica; o entendimento $QDLV João Pessoa: NIPAM/UFPB, 2012.
GH TXH WRGR FRQKHFLPHQWR p VHPSUH
parcial e depende do lugar da enunciação
GHTXHPIDODDGLIHUHQFLDomRHQWUHOXJDU FERREIRA, M. M. As “caetanas” vão à luta: a
epistêmico e lugar social (da perspectiva trajetória do Movimento Feminista no Maranhão
VRFLDO GH TXHP IDOD D YDORUL]DomR GD face às políticas públicas. 1999. 258 f. Dissertação
DOWHULGDGH HSLVWHPROyJLFD SDUD TXH (Mestrado em Políticas Públicas) - Programa de
o campo seja capaz de produzir um
tipo de conhecimento efetivamente Pós-Graduação em Políticas Públicas, Universidade
emancipatório, desenvolvendo novas Federal do Maranhão, São Luís, 1999.
linguagens comuns e promovendo muito
maior socialização do poder. Defendo, MARX, K.$4XHVWmR-XGDLFD>6OVQ@1mR
SRLVTXHpDSDUWLUGDVH[SHULrQFLDVGH
opressão e das perspectivas sociais de
paginado. Disponível em:<https://www.marxists.org/
JUXSRVVXEDOWHUQL]DGRVTXHSRGHUmRVHU SRUWXJXHVPDU[TXHVWDRMXGDLFDKWP! $FHVVR
construídas as nossas mais recentes em: 19 jun. 2015.
alternativas democráticas. Nesse
VHQWLGR DV GLIHUHQoDV GHVGH TXH MATOS, M. A Quarta onda feminista e o Campo
reivindicada(s), deve(m) funcionar como
princípio para empoderar e emancipar, crítico-emancipatório das diferenças no Brasil: entre a
e não mais para oprimir. (MATOS, 2014, destradicionalização social e o neoconservadorismo
p. 20) político. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS,
38., 2014, Caxambu. $QDLVCaxambu: ANPOCS,
Diante de tantas indagações, polêmicas, 2014.
discordâncias sobre como caminhar, não é possível
escrever uma conclusão. Para o feminismo ainda ______; CYPRIANO, B. Críticas feministas,
se fazem necessárias muitas lutas e construção de epistemologia e as teorias da justiça social: em
estratégias na direção da emancipação feminina e busca de uma teoria crítico-emancipatória de gênero.
humana. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 32., 2008,
Caxambu. $QDLV Caxambu: ANPOCS, 2008.
MÉSZÁROS, I. Para além do capital: rumo a uma
REFERÊNCIAS teoria da transição. São Paulo: Boitempo Editorial;
Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2002.
BRASIL. Presidência da República. Decreto nº
8.030, de 20 de junho de 2013. Aprova a Estrutura MIRANDA, M. L. B. (Re)inventar a resistência
Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos emancipatória: ética e política dos afetos no
em Comissão da Secretaria de Políticas para as serviço social. 2015. Projeto de Tese (Doutorado em
Mulheres da Presidência da República e remaneja Políticas Públicas) - Programa de Pós-Graduação
cargos em comissão. 'LiULR 2¿FLDO GD 8QLmR, em Políticas Públicas, Universidade Federal do
Brasília, DF, 2013a. Maranhão, São Luís, 2015.
NOTAS
1
Considerações sobre a proposta teórica no campo
crítico-emancipatório das diferenças serão realizadas
no item 3
2
Matos (2014) cita o exemplo da Marcha Mundial das
Mulheres (MMM), um movimento/rede de resistência
contra a pobreza e a violência, nascido em 1999 no
Canadá. A luta contra pobreza é mantida e ampliada
³>@ SDUD D OXWD SRU µXP RXWUR PXQGR¶ GHVLJQDGD GH
‘altermundialismo’), e por novos direitos humanos,
HP TXH VHMDP VXSHUDGRV RV OHJDGRV KLVWyULFRV
do patriarcalismo e do capitalismo, onde são os
movimentos de mulheres no campo/rurais e também