Você está na página 1de 31

As Cidades

e os Espaços Urbanos
Características do urbanismo moderno 573
O desenvolvimento das cidades modernas 575

Teorias do urbanismo 575


A escola de Chicago 575
O urbanismo e o ambiente criado 578

Tendências no desenvolvimento urbano ocidental 580


A suburbanização 581
A decadência dos centros das cidades 582
Conflito urbano 583
Renovação urbana 584

Urbanização no mundo em desenvolvimento 589


Desafios da urbanização no mundo em desenvolvimento 589
O futuro da urbanização no mundo em desenvolvimento 592

As cidades e a globalização 593


As cidades globais 593
A cidade e a periferia 594
A desigualdade e a cidade global 594

Governar as cidades na era global 595


Gerir o global 595
As cidades como agentes políticos, económicos e sociais 596

Conclusão: as cidades e a governação global 598


Sumário 598
Questões para reflexão 599
Leituras adicionais 600
Ligações à Internet 600
Capítulo 18: As Cidades e os Espaços Urbanos

As áreas residenciais que circundam Greenwich Vil- banco. Testemunhou o modo como o cumprimento
lage no coração de Nova Iorque atingem alguns dos da lei nova-iorquina atingia os homens do passeio
valores mais elevados em todos os Estados Unidos. através de campanhas de 'qualidade de vida 1 que
As casas mais próximas são vendidas acima do procuravam reduzir os sinais de desordem social. E m
milhão de dólares, enquanto os condomínios mais *Sidewalk\ Duneier descreve um quadro complexo
pequenos podem atingir o dobro daquele valor. de vidas marcadas pelo uso e pelo vício das drogas,
O rendimento médio dos agregados familiares na alcoolismo, senvabrigo, deficiências, iliteracia, sen-
região é superior a 65.000 dólares por ano. É um bair- tenças de prisão e racismo pernicioso. Também des-
ro conhecido pela riqueza das suas ofertas culturais, creve a poderosa comunidade que existe no passeio -
incluindo lojas de livros em segunda mão, cafés, os sistemas informais de auto-ajuda, suporte mútuo,
galerias de arte e teatros. Greenwich Village é, desde apoio e sobrevivência.
há muito, o 'bairro boémio* de Nova Iorque - o lar de O passeio de Greenwich Village é um microcosmo
gerações de intelectuais, artistas e escritores. Os seus dos fortes contrastes e desigualdades que caracteri-
habitantes pertencem predominantemente à classe zam as grandes cidades do mundo. A globalização e a
média alta, aos empregados do sector terciário e aos disseminação da tecnologia de informação estão a
estudantes. intensificar os processos de urbanização arrastando
Contudo, existe um outro lado de Greenwich Vil- grande número de pessoas para as cidades e aí con-
lage. As ruas do bairro agitam-se e murmuram com centrando a economia. Hoje, mais do que nunca, as
uma actividade que está longe da afluência acima cidades tornaram-se no cruzamento de desconcertante
descrita. Pedintes, traficantes de drogas, vendedores ordem de culturas, línguas e origens. U m a nova elite
de rua e sem-abrigo também fizeram de Greenwich internacional cruza continentes, ligando uma rede de
Village a sua residência. A o longo das últimas déca- 'cidades globais 1 . Nestas cidades globais, crescem
das, as pessoas das zonas de grande pobreza acharam sedes de multinacionais, sobre os bairros empobreci-
que o 'passeio 1 - a designação americana para 'pavi- dos; os super-ricos e os que não têm direitos civis são
mento' - pode oferecer oportunidades para se viver. 'utilizadores* das mesmas cidades, mas as suas reali-
A vibrante vida de rua, o fluxo constante de pedestres dades quotidianas não poderiam ser mais diferentes.
e a mistura da riqueza e da pobreza formam u m De quem são as cidades? Por um lado, existe a
mosaico caótico no qual os nova-iorquinos margina- cidade como uma 'zona de glamour u r b a n o ' - u m cir-
lizados se podem integrar. Segundo o sociólogo M i t * cuito estonteante de restaurantes e hotéis, edifícios de
chell Duneier, é um bairro que 'se oferece aos ricos e escritórios, aeroportos e teatros, frequentados pelos
aos sem-abrigo, aos doutorados e aos que não têm arquitectos e pelos administradores da nova econo-
escolarização, no mesmo passeio e ao mesmo tempo* mia global. C o m a disseminação da globalização,
(Duneier, 1999). esta população de 'utilizadores das cidades' conti»
Duneier estudou a vida dos passeios de Greenwich nuará a crescer na periferia do crescimento económi-
Village estudando a vida dos pobres, predominante- co cujas reivindicações à cidade são também legíti-
mente homens negros, que ali trabalham e vivem (ver mas, mas muitas vezes menos bem vindas. Os imi-
capítulo 2 0 , 'Métodos de Investigação em Sociolo- grantes, os pobres e os desfavorecidos são uma pre-
gia', p. 654). Durante um período de 5 anos observou sença crescente nos centros urbanos do mundo. Mais
- e participou - a vida económica informal dos pas- do que nunca, as grandes cidades do mundo albergam
seios. Trabalhou ao lado de vendedores de revistas e tanto grandes concentrações de poder e riqueza como
livros, os Varredores de rua* que encontram merca- desconcertantes situações de desigualdade e pobreza.
doria no lixo e que a vendem nas ruas, e ao lado A justaposição de vidas e meios de vida é crescente-
dos pedintes que pedem ao lado das caixas de multi- mente visível nas cidades em todo o mundo.
AS CIDADES E OS ESPAÇOS URBANOS 573

Neste capítulo investigaremos o processo de Características d o Urbanismo Moderno


urbanização que esteve na origem - e continua a
moldar - das cidades modernas. Discutiremos em Todas a sociedades industriais modernas são forte-
primeiro lugar o grande crescimento em número dos mente urbanizadas. As cidades mais povoadas dos
habitantes das cidades que teve lugar no último sécu- países industrializados chegam a atingir os vinte e
lo e consideraremos algumas das principais teorias do cinco milhões de habitantes e as conurbações urba-
urbanismo que se desenvolveram para compreender nas - conjuntos de cidades formando vastas áreas
este processo- E m seguida, passaremos a comparar construídas - podem ter muitos mais. A forma mais
diferentes padrões de urbanização no mundo, anali- extrema da estrutura urbana actual é representada
sando primeiro a urbanização do ocidente utilizando pelo que se designou como megalópolis, a "cidade
exemplos dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, das cidades". O termo teve origem na Grécia Antiga
para depois analisar a urbanização no mundo em para designar a cidade-estado planeada para ser a
desenvolvimento. De forma não surpreendente, a inveja de todas as civilizações, mas o seu uso corren-
globalização tem tido um impacto enorme nas cida- te tem pouca relação com esse sonho. Foi usado pela
des e teremos em consideração algumas das dimen- primeira vez nos tempos modernos para designar a
sões deste processo no final deste capítulo. faixa marítima do nordeste dos Estados Unidos, uma

I « >

• v.r «A
iX
ti

Megalópolrs, também conhecida como Nova Iorque


AS CIDADES E OS ESPAÇOS U R B A N O S 574

conurbaçào com cerca de 4 5 0 milhas desde o norte de rural do que os principais países europeus da época.
Boston ao sul de Washington D . C . Nesta região Menos de 10 por cento da população vivia e m comu-
vivem cerca de 4 0 milhões de pessoas, o que repre- nidades com mais de 2500 habitantes. Hoje, fazem-
senta uma densidade populacional de mais de 700 -no mais de três quartos dos americanos. Entre 1800
pessoas por milha quadrada. e 1900, a população de Nova Iorque saltou de 60 0 0 0
A Grã-Bretanha, a primeira sociedade a conhecer pessoas para 4.8 milhões!
a industrialização, foi também o primeiro país a pas- A urbanização no século X X é um processo glo-
sar da ruralidade para um estado predominantemente bal, para o qual os países em desenvolvimento são
urbano. E m 1800, bem menos de 20 por cento da cada vez mais arrastados (ver fig. 18.1). Antes de
população vivia em cidades ou vilas com mais de 1900, quase todo o crescimento urbano tinha lugar no
10 0 0 0 habitantes. Por volta de 1900, este valor tinha Ocidente. Houve uma certa expansão das cidades do
atingido os 7 4 por cento. E m Londres, a capital, Terceiro M u n d o nos cinquenta anos seguintes, mas o
viviam cerca de 1.1 milhões de pessoas em 1800 e, período principal do seu crescimento ocorreu nos
no início do século X X , a sua população tinha últimos cinquenta anos ou coisa parecida. Entre 1960
aumentado para mais de 7 milhões de habitantes. e 1992, o número de habitantes urbanos no mundo
Nessa altura, Londres era, de longe, a maior cidade aumentou cerca de 1.4 bilhões. Prevê-se que cresça
que alguma vez havia existido no mundo, um enorme cerca de mais um bilião nos próximos 15 anos.
centro industrial, comercial e financeiro no coração As populações urbanas estão a crescer a um ritmo
do império britânico, então ainda e m expansão. muito mais rápido do que a totalidade da população
A urbanização da maioria dos outros países euro- mundial: 39 por cento da população mundial vivia
peus e dos Estados Unidos efectuou-se um pouco em zonas urbanas em 1975; de acordo com estimati-
mais tarde - mas em certos casos, assim que come- vas das Nações Unidas, prevê-se que este número
çou, desenvolveu-se ainda mais rapidamente. E m seja de 50 por cento no ano 2000 e de 63 por cento
1800, os Estados Unidos eram uma sociedade mais em 2025. O Este e o Sul da Ásia contarão com cerca

m
ao
•^

m

MV ,t
•A

s
s
«
»

» «" T
m v v / y .. .

.V - A 9

: . * - * * . w ' : s * ,: / >. ' s;


• . , - X . ftÉW WhaWHUMfri • ? W % K
ftà

Flg. 18.1 Urbanização das regiões do mundo por graus de desenvolvimento, 1975-1995 e projecções para 2015.
Fontes-. NU, World Uffeanization prospecte. 1998; The UNESCO Courier, Junho de 1999.
AS CIDADES E OS ESPAÇOS URBANOS 575

de metade da população mundial em 2025 e, por essa vida urbana. Não constituiu surpresa o facto de os
altura, as populações urbanas da África e da América primeiros estudos sociológicos de relevo e das teorias
do Sul irão ultrapassar as da Europa. sobre as condições urbanas modernas terem surgido
em Chicago, uma cidade marcada por um extraordi-
nário grau de desenvolvimento e por desigualdades
O desenvolvimento das cidades modernas
muito pronunciadas, que viu a sua população crescer
A expansão das cidades é uma consequência do para mais de 2 milhões de habitantes em 1900, quan-
aumento da população, bem como da migração de pes- do era quase desabitada até aos anos 30 do século
soas das zonas rurais, aldeias e vilas. Esta migração XIX.
tinha frequentemente um carácter internacional, com
as pessoas das áreas rurais a mudarem-se para as cida-
des de outros países. A imigração de grande número de
Teorias do Urbanismo
europeus provenientes de zonas rurais pobres para os
Estados Unidos é o exemplo mais óbvio, mas a migra-
ção nacional para as cidades também se estendeu entre A Escola de C h i c a g o
países da própria Europa. Os camponeses e aldeãos
Alguns escritores ligados à Universidade de Chicago,
mudaram-se para as cidades (tal como hoje acontece
entre os anos 1920 e 1940, em especial Robert Park,
de forma maciça nos países em desenvolvimento)
Ernest Burgess e Louis Wirth, desenvolveram ideias
devido à falta de oportunidades nas zonas rurais e às
que foram durante muitos anos a principal base da
vantagens e atractivos aparentes das cidades, onde as
teoria e da pesquisa em Sociologia Urbana. Merecem
ruas eram 'pavimentadas a ouro' (empregos, riqueza,
atenção especial dois conceitos desenvolvidos pela
um leque amplo de bens e serviços). Desta forma, as
"Escola de Chicago'. U m é a chamada a b o r d a g e m
cidades tornaram-se centros onde se concentrava o
ecológica à análise urbana, o outro, a caracterização
poder industrial e financeiro e, por vezes, os empresá-
do urbanismo como um modo de vida, desenvolvido
rios criavam cidades novas a partir do nada.
por Wirth (Park, 1952; Wirth, 1938).
O desenvolvimento das cidades modernas teve um
impacto enorme não apenas nos hábitos e formas do A Ecologia Urbano
comportamento, como também nos padrões de pen- Ecologia é um termo oriundo da Física, é o estudo da
samento e dos sentimentos. Desde o início dos gran- adaptação de organismos vegetais e animais ao seu
des aglomerados urbanos, no século X V I I I , tem-se meio-ambiente. É este o sentido em que a 'ecologia'
verificado uma polarização das opiniões sobre os é utilizada no contexto de problemas de ambiente em
efeitos das cidades na vida social - o que ainda hoje geral, vide capítulo 19, Crescimento populacional e
acontece. Alguns encaravam as cidades como repre- crise ecológica'. Na natureza, os organismos tendem
sentantes da "virtude civilizada', a fonte do dinamis- a distribuir-se de forma sistemática pelo terreno de
mo e da criatividade cultural. Para estes autores, as forma a conseguir-se o equilíbrio entre diferentes
cidades maximizam as oportunidades de desenvolvi- espécies. A Escola de Chicago acreditava que a
mento cultural e económico e proporcionam uma implantação dos principais sítios urbanos e a distri-
existência confortável e agradável. Outros estigmati- buição de diferentes tipos de bairro nos mesmos
zaram a cidade como um inferno cheio de fumo e de podiam ser entendidos segundo princípios semelhan-
multidões agressivas e desconfiadas, carregada de tes. A s cidades não crescem ao acaso, mas de acordo
crimes, violência e corrupção. com as características do meio-ambiente. As grandes
A medida que as cidades cresciam em tamanho, áreas urbanas das sociedades modernas, por exem-
muitas pessoas ficavam horrorizadas ao ver que as plo, tendem a desenvolver-se ao longo dos leitos dos
desigualdades e a pobreza urbana se pareciam inten- rios, em planícies férteis ou na intersecção de rotas
sificar na mesma proporção. A extensão da pobreza comerciais ou de vias ferroviárias.
urbana e as grandes diferenças entre os bairros da Segundo Park, "assim que uma cidade se estabele-
cidade foram dos principais factores que estiveram na ce (...) torna-se, ao que parece, um grande mecanis-
origem dos primeiros estudos sociológicos sobre a mo de selecção que (...) escolhe infalivelmente de
AS CIDADES E OS ESPAÇOS U R B A N O S 576

entre toda a população os indivíduos mais bem pre- dos edifícios de habitação. Para lá destas ficam bair-
parados para viver numa determinada região ou ros antigos, que alojam trabalhadores manuais com
meio" (Park, 1952, p. 79). As cidades organizam-se empregos estáveis. U m pouco mais longe ficam os
em 'áreas naturais* por meio de processos de compe- subúrbios, onde tendem a residir os grupos com ren-
tição, invasão e sucessão * os quais têm lugar na dimentos mais elevados. Há processos de invasão e
ecologia biológica. Se repararmos na ecologia de um sucessão dentro dos segmentos dos círculos concên-
lago no seu estado natural, vemos que a competição tricos. Assim, à medida que se deterioram os edifícios
entre as várias espécies de peixes, insectos e outros na área central ou próximo do centro, os grupos étni-
organismos se faz de forma a alcançar um equilíbrio cos minoritários poderão começar a ocupá-los. Quan-
estável entre eles. Este equilíbrio é perturbado quan- do isto acontece, a população preexistente começa a
do há uma invasão' de novas espécies, que tentam mudar-se, precipitando uma deslocação em massa
fazer do lago o seu lar. Alguns dos organismos que para outros bairros ou subúrbios da cidade.
costumavam proliferar na área central do lago são Embora durante algum tempo a abordagem da
afastados para as margens, onde levam uma existên- ecologia u r b a n a tenha caído e m desgraça, foi mais
cia precária. A s espécies invasoras tomam o seu lugar tarde retomada e desenvolvida por vários autores, em
na parte central do lago. especial por Amos Hawley (Hawley, 1950, 1968).
Os padrões de localização, movimento e relocali- E m vez de concentrar a sua atenção na competição
zação nas cidades, de acordo com o ponto de vista por recursos escassos, tal como o tinham feito os seus
ecológico, assumem formas idênticas. Desenvolvem- antecessores, Hawley salienta a interdependência das
-se bairros diferentes a partir dos ajustamentos feitos diferentes áreas da cidade. A diferenciação - a espe-
pelos habitantes, à medida que lutam pela vida. U m a cialização dos grupos e dos papéis ocupacionais - é a
cidade pode ser representada como um mapa de áreas forma principal pela qual os seres humanos se adap-
com características sociais distintas e que contrastam tam ao seu meio ambiente. Os grupos dos quais mui-
entre si. Nas fases iniciais do crescimento das cidades tos outros dependem terão um papel dominante que
modernas, as indústrias congregam-se em locais ade- se reflecte frequentemente na sua posição geográfica
quados às matérias-primas de que necessitam, locais central. Os grupos económicos, por exemplo, como
próximos das linhas de abastecimento. A população os bancos e as companhias de seguros, fornecem ser-
reúne-se em volta destes locais de trabalho, que, à viços-chave para a comunidade e, por conseguinte,
medida que cresce a população da cidade, se tomam localizam-se normalmente nos centros das cidades.
cada vez mais diversificados. Os equipamentos urba- Hawley sublinha que as zonas que se desenvolvem
nos desenvolvem-se e estes locais tomam-se mais e m áreas urbanas surgem não só de relações de espa-
atractivos, havendo uma maior competição pela sua ço, mas também de tempo. O predomínio das activi-
aquisição. O valor da terra e os impostos sobre a pro- dades económicas, por exemplo, exprime-se não só
priedade aumentam, o que torna difícil para as famí- nos padrões de utilização do solo, como no ritmo das
lias continuar a viver na zona central, excepto em actividades quotidianas, sendo a hora de ponta um
condições de superlotação ou em habitações deca- bom exemplo disso. A ordenação do tempo no quoti-
dentes com rendas baixas. O centro fica dominado diano das pessoas reflecte a hierarquia dos bairros da
pelos negócios e por espaços de entretenimento, cidade.
enquanto os habitantes mais prósperos mudam para
A abordagem ecológica revelou-se importante
bairros novos na periferia da cidade. Este processo
tanto pela quantidade de investigação empírica que
segue as rotas dos transportes, pois estes minimizam
fomentou, como pelo seu valor como perspectiva teó-
o tempo gasto na deslocação para o trabalho. As áreas
rica. Houve muitos estudos globais sobre cidades e
espalhadas entre esses percursos desenvolvem-se
sobre bairros específicos, que foram estimulados pelo
mais lentamente.
pensamento ecológico, que se preocupava, por exem-
Podemos encarar as cidades como sendo formadas plo, com os processos de 'invasão* e de 'sucessão'
por círculos concêntricos, divididos em segmentos. acima mencionados. N o entanto, podem-lhe ser feitas
N o interior ficam as áreas centrais, que misturam a várias críticas com toda a justiça. A perspectiva eco-
prosperidade das grandes empresas com a decadência lógica tende a desvalorizar a importância da acção e
AS CIDADES E OS ESPAÇOS URBANOS 577

do planeamento consciente na organização da cidade, de pequenas comunidades. Nas áreas de imigrantes,


encarando o desenvolvimento urbano como um pro- por exemplo, encontram-se formas de relacionamen-
cesso 'natural 1 . Os modelos de organização espacial to tradicional entre as famílias, pois a maioria conhe-
elaborados por Park, Burgess e os seus colegas foram ce-se numa base pessoal. Não obstante, quanto mais
retirados da experiência americana; além de só se essas áreas são absorvidas pelos padrões da vida cita-
revelarem adequados a alguns tipos de cidades ame- dina, mais desapareceram estas características.
ricanas, são desadequados em relação às cidades da As ideias de Wirth gozaram, merecidamente, de
Europa, do Japão ou do Terceiro Mundo. vasta aprovação. O carácter impessoal de muitos con-
tactos diários nas cidades modernas é inegável - e,
O urbanismo como um modo de vida até certo ponto, o mesmo acontece com a vida social
A tese de Wirth sobre o urbanismo como modo de em geral nas sociedades modernas. A teoria de Wirth
vida preocupa-se menos com a diferenciação interna é importante, porque reconhece que o urbanismo não
das cidades do que com o urbanismo como forma de é apenas parte da sociedade, mas exprime e influen-
existência social Wirth observa: cia a natureza do sistema social mais global. Os
aspectos do modo de vida urbano são característicos
O grau em que podemos considerar o mundo contempo- da vida social das sociedades modernas no seu con-
râneo como 'urbano' não depende inteira ou exactamen- junto e não só das actividades dos habitantes das
te da proporção da população total que vive nas cidades. grandes cidades. Não obstante, as ideias de Wirth têm
A influência que as cidades exercem sobre a vida social limitações assinaláveis. Tal como a perspectiva eco-
humana é maior do que o rácio da população urbana lógica, com a qual tem muito em comum, a teoria de
indica, pois a cidade é não só o local de habitação e de Wirth baseia-se principalmente em observações fei-
trabalho do homem moderno, como constitui o centro tas em cidades americanas, mas que são generaliza-
de fomento e de controlo da vida económica, política e das ao urbanismo em toda a parte. O urbanismo não
cultural que levou as comunidades mais remotas do é a mesma coisa em todos os tempos e lugares. Como
mundo para a sua órbita e transformou num cosmos foi mencionado, por exemplo, as cidades antigas
lugares, pessoas e actividades diversas. (Wirth, 1938, eram, e m muitos aspectos, bastante diferentes das
p- 342) . cidades das sociedades modernas. A vida da maioria
das pessoas nas cidades antigas não era muito mais
anónima ou impessoal do que a das que vivem em
Nas cidades, salienta Wirth, um grande número de
comunidades rurais.
pessoas vivem muito próximas umas das outras, sem
se conhecerem pessoalmente - um contraste funda- Wirth também exagera o carácter impessoal das
mental com as pequenas aldeias tradicionais. A maior cidades modernas. As comunidades onde existem
parte dos contactos entre os habitantes da cidade são laços de amizade ou de parentesco são mais correntes
passageiros e parciais, e constituem meios para se nas colectividades urbanas modernas do que supôs.
atingirem objectivos, em vez de serem intrinseca- Everett Hughes, um colega de Wirth na Universidade
mente gratificantes. Os contactos com os empregados de Chicago, escreveu sobre ele o seguinte: 'Louis
de balcão das lojas, caixas de banco, viajantes ou costumava dizer todas essas coisas sobre o carácter
revisores dos transportes são encontros passageiros, impessoal das cidades - mas, no entanto, ele próprio
que valem não por si, mas pelo f i m que têm e m vista. vivia com um clã de parentes e amigos numa base
Dado a população das áreas urbanas tender a ter muito pessoal' (citado em Kasarda e Janowitz, 1974).
grande mobilidade, as relações pessoais são relativa- Os grupos, como aqueles a quem Herbert Gans
mente fracas. A s pessoas estão envolvidas e m activi- chama 'aldeãos urbanos*, são comuns nas cidades
dades e situações diferentes todos os dias - o 'ritmo modernas (Gans, 1962). Os seus 'aldeãos urbanos'
de vida* é mais acelerado do que nas áreas rurais. são os americanos de origem italiana que vivem num
A competição prevalece sobre a cooperação. Wirth bairro no centro de Boston. Estas áreas de 'etnia
aceita que a densidade da vida social nas cidades dá branca* estão provavelmente a tornar-se menos signi-
origem à formação de bairros com características dis- ficativas nas cidades americanas do que antigamente,
tintas, alguns dos quais preservam as características mas estão a ser substituídas por comunidades de
AS CIDADES E OS ESPAÇOS U R B A N O S 578

novos imigrantes que se estabelecem no centro das outras, por lhes faltarem aptidões para o convívio social
cidades. ou por não terem iniciativa. Não obstante, a verdade é
Mais importante ainda, os bairros que envolvem que, devido à diversidade dos estranhos - cada um é um
laços de parentesco próximo e laços pessoais pare- amigo potenciai - e à variedade dos estilos de vida e
cem ser criodos muitas vezes pela vida na cidade. interesses na cidade, as pessoas conseguem penetrar no
Não são apenas vestígios de um modo de vida ante- grupo. E . uma vez dentro d e um grupo ou organização,
rior que sobreviveu durante algum tempo na cidade. as possibilidades para expandir as suas relações muhi-
Claude Fisher formulou uma interpretação para p l i c a m - s e . C o m o resultado, tudo indica que as oportuni-
explicar porque é que o urbanismo em larga escala dades positivas das cidades parecem superar frequente-
tem tendência para promover subculturas diversas, mente as forças constrangedoras, permitindo que as pes-
em vez de aglutinar toda a gente numa massa anóni- soas desenvolvam e mantenham relacionamentos muito
ma. Segundo ele, os que vivem nas cidades podem satisfatórios. (Krupat, 1985, p. 36).
colaborar com outras pessoas de origens ou interesses
semelhantes para desenvolverem relações locais. As ideias de Wirth ainda mantêm uma certa vali-
A l é m disso, podem juntar-se a grupos religiosos, dade, mas à luz de contribuições posteriores percebe-
étnicos e políticos distintos e a outros grupos subcul- -se que é excessivamente generalizador. As cidades
turais. U m a cidade pequena ou vila não permite o modernas implicam frequentemente relações sociais
desenvolvimento de tal diversidade subcultural (Fis- impessoais e anónimas, mas são também fonte de
her, 1984). Aqueles que formam comunidades étnicas diversidade e, por vezes, de intimidade.
nas cidades, por exemplo, podiam conhecer-se pouco
ou nada nas suas terras de origem. Quando chegam,
são atraídos para áreas onde vivem outras pessoas O urbanismo e o ambiente criado
com origens linguísticas e culturais semelhantes, e
As teorias do urbanismo mais recentes salientam que
assim se formam novas estruturas subcomunitárias.
o urbanismo não é um processo autónomo e que deve
U m artista pode encontrar poucos artistas a quem se
ser analisado em conjunto com os principais padrões
associar numa aldeia ou vila, mas, numa grande cida-
da mudança política e económica. Os dois principais
de, pelo contrário, pode-se juntar a uma subcultura
autores sobre a análise urbana na actualidade, David
artística e intelectual significativa.
Harvey e Manuel Castells, foram fortemente influen-
U m a grande cidade é um 'mundo de estranhos', ciados por M a r x (Harvey, 1 9 7 3 , 1 9 8 2 , 1 9 8 5 ; Castells,
mas, no entanto, apoia e origina relações pessoais. 1977,1983).
Não se trata de um paradoxo. Temos de dividir a
Harvey: A restruturação do espaço
experiência urbana entre a esfera pública dos encon-
tros com estranhos e o mundo mais privado da famí- O Urbanismo, realça Harvey, é uma das características
lia, dos amigos e colegas de trabalho. Pode ser difícil do meio ambiente criado que a expansão do capita-
'conhecer pessoas' para alguém que acabe de chegar lismo industrial produziu. Nas sociedades tradicionais,
a uma grande cidade. M a s quem quer que vá viver a cidade e o campo eram claramente diferenciados. N o
para uma comunidade rural pequena, estabelecida, mundo moderno, a indústria toma pouco clara a divi-
sente que a simpatia dos habitantes é apenas uma são entre a cidade e o campo. A agricultura mecaniza-
forma de gentileza pública - e que pode levar anos a sse e é dirigida simplesmente de acordo com conside-
ser-se aceite" Isto não acontece nas cidades. Tal rações de preço e de lucro, tal como a actividade indus-
como Edward Krupat comentou: trial, e este processo reduz as diferenças nos modos de
vida social das populações urbanas e rurais.

O ovo urbano ... tem uma casca difícil de quebrar. Sem N o urbanismo moderno, salienta Harvey, o espaço
oportunidade ou ocasião para tomar a iniciativa, muitas é permanentemente reestruturado. O processo é
pessoas que se vêem todos os dias n o autocarro ou na determinado pelo local onde as grandes empresas
estação ferroviária, num café, ou nos corredores d o tra- decidem construir as suas fábricas, centros de inves-
balho nunca passam de 'estranhos familiares'. Algumas tigação e desenvolvimento e outros; pelo controlo
pessoas também permanecem totalmente afastadas das dos governos sobre os terrenos e a produção indus-
AS CIDADES E OS ESPAÇOS URBANOS 579

trial, e pelas actividades dos investidores privados cessos através dos quais as formas espaciais são cria-
que compram e vendem casas e propriedades. As das e transformadas. A disposição e as características
empresas, por exemplo, avaliam continuamente as arquitectónicas das cidades e dos arredores expri-
vantagens relativas de novas localizações, comparan- mem lutas e conflitos entre os diferentes grupos da
do-as com as existentes. À medida que a produção se sociedade. Por outras palavras, os ambientes urbanos
toma mais barata numa dada área do que noutra, ou representam manifestações simbólicas e espaciais de
que a empresa muda de um produto para outro, os forças sociais mais vastas, Os ananha-céus, por exem-
escritórios e as fábricas são encerrados num dado plo, podem ser construídos com objectivos lucrati-
local e abertos noutro. Nesse sentido, a uma dada vos, mas os edifícios gigantescos também 'simboli-
altura, quando estão em jogo lucros consideráveis, zam a força do dinheiro na cidade por meio da tecno-
pode existir uma grande actividade de construção de logia e da autoconfiança e são as catedrais do perío-
edifícios de escritórios no centro das grandes cidades. do de desenvolvimento do capitalismo empresarial*
U m a vez concluídos os edifícios, e 'reconstruída' e (Castells, 1983, p. 103).
modernizada a área central, os investidores vão em
Por contraste com os sociólogos da Escola de Chi-
busca de oportunidades para a construção especulati-
cago, Castells vê a cidade não só como uma localiza-
va de futuros edifícios noutros locais. Muitas vezes o
ção distinta - a área urbana mas como parte inte-
que é lucrativo num certo período não o é noutro,
gral de processos de consumo colectivo, o qual é por
quando se altera o clima financeiro.
sua vez, uma dimensão inerente ao capitalismo
As actividades dos compradores particulares de industrial. As casas, escolas, serviços de transportes e
habitações são fortemente influenciáveis pelos inves- complexos recreativos são formas pelas quais as pes-
timentos comerciais, bem como pelos juros dos soas 'consomem' os produtos da indústria moderna.
empréstimos e pelos impostos estipulados pelos O sistema fiscal influencia quem consegue comprar
governos centrais e locais. Após a segunda guerra ou alugar e onde, e quem constrói e onde. As grandes
mundial, por exemplo, deu-se uma enorme expansão empresas, bancos e companhias de seguros, que for-
dos subúrbios nas principais cidades dos Estados necem o capital para os projectos de construção
Unidos. Em parte, isto deveu-se à discriminação étni- detêm bastante poder sobre estes processos. Mas os
ca e à tendência da população branca para se deslocar organismos governamentais também afectam directa-
para longe dos centros das cidades. Contudo, argu- mente muitos aspectos da vida citadina, ao construí-
menta Harvey, isto só foi possível porque o Governo rem estradas e habitações públicas, ao projectarem
decidiu conceder benefícios fiscais aos compradores espaços verdes, etc. O aspecto físico das cidades é,
de casas e às empresas de construção, bem como pela portanto, um produto tanto das forças de mercado
concessão de créditos especiais por parte das organi- como do poder do governo.
zações financeiras. Estas medidas foram a base da
N o entanto, a natureza do ambiente criado não
construção e compra de edifícios para a habitação nas
resulta apenas das actividades dos ricos e poderosos.
periferias das cidades e promoveram, simultanea-
Castells sublinha a importância das lutas dos grupos
mente, a procura de produtos industriais como, por
desprivilegiados para alterarem as suas condições de
exemplo, os automóveis. Desde a década de 6 0 , o
vida. Os problemas urbanos estimulam múltiplos
crescimento e a prosperidade das cidades do sul da
movimentos sociais, que se preocupam com a melho-
Grã-Bretanha estão directamente relacionados com o
ria das condições habitacionais, protestam contra a
declínio das velhas indústrias no norte e a subse-
poluição atmosférica, defendem os parques e espaços
quente transferência do investimento para novas
verdes e combatem os projectos de construção que
oportunidades industriais.
alteram o meio ambiente de uma dada área. Castells
estudou, por exemplo, as actividades de grupos
Castells: urbanismo e movimentos sociais homossexuais de São Francisco, que conseguiram
Tal como Harvey, Castells salienta que a forma espa- reestruturar os bairros de acordo com os seus próprios
cial de uma sociedade está intimamente relacionada valores culturais - permitindo o crescimento de mui-
com os mecanismos gerais do seu desenvolvimento. tas organizações, clubes e bares de homossexuais - e
Para entender as cidades, temos de perceber os pro- adquirir uma posição proeminente na política local.
580 AS CIDADES E OS ESPAÇOS URBANOS

Castells e Harvey enfatizam o facto de as cidades Molocht estão de acordo com Harvey e Castells
serem, na sua quase totalidade, ambientes artificiais, quanto ao facto de as características gerais do desen-
construídos peias próprias pessoas. N e m mesmo a volvimento económico, que se estendem nacional e
maioria das zonas rurais escapa à influência da inter- internacionalmente, afectarem a vida urbana de
venção humana e da tecnologia moderna, pois a acti- forma bastante directa. M a s , em sua opinião, estes
vidade humana remodelou e reordenou o mundo da factores económicos de longo alcance são 'filtrados*
natureza. Os alimentos não são produzidos para os pela acção das organizações locais, incluindo as acti-
habitantes locais, mas para mercados nacionais e vidades económicas do bairro, dos bancos e dos orga-
internacionais e na agricultura mecanizada a terra é nismos governamentais, em conjunto com as activi-
rigorosamente subdividida, submetida a usos espe- dades dos compradores particulares de casas.
cializados e ordenada, de acordo com padrões físicos Os locais - terrenos e edifícios - são comprados e
que pouco têm a ver com as características naturais vendidos, de acordo com Logan e Molocht, exacta-
do meio ambiente. Aqueles que vivem em proprieda- mente como quaisquer outros produtos nas socieda-
des agrícolas e nas zonas rurais mais isoladas estão des modernas, mas os mercados que estruturam o
económica, política e culturalmente ligados à socie- ambiente das cidades são influenciados pela forma
dade mais ampla, por muito diferentes que sejam os como os diferentes grupos de pessoas desejam utilU
seus modos de comportamento em relação aos dos zar as propriedades que compram e vendem. Surgem
habitantes das cidades. muitas tensões e conflitos na sequência deste proces-
so - e estes são os factores principais da reestrutura-
Avaliação ção dos bairros citadinos.
Para Logan e Molocht, as grandes empresas finan-
A s visões de Harvey e Castells têm sido profusamen-
ceiras e comerciais nas cidades modernas tentam
te debatidas e o seu trabalho foi importante para a
intensificar constantemente o uso da terra e m áreas
reorientação da análise urbana. A o contrário da abor-
específicas. Quanto mais o podem fazer, maiores são
dagem ecológica, Harvey e Castells não colocaram a
as oportunidades de especulação e construção lucra-
ênfase nos processos espaciais 'naturais', mas na
tiva de novos edifícios. Estas empresas preocupam-se
forma como a terra e o ambiente criado são um refle-
pouco c o m os efeitos sociais e físicos das suas activi-
xo dos sistemas do podei social e económico. Trata-
dades num dado bairro - não têm e m consideração,
-se de uma mudança significativa. N ã o obstante, as
por exemplo, o facto de residências antigas e atraen-
ideias de Harvey e Castells são frequentemente apre-
tes serem demolidas para dar lugar a grandes edifí-
sentadas de forma bastante abstracta, e não estimula-
cios de escritórios. Os processos de crescimento
ram uma tão grande variedade de pesquisas como o
fomentados pelas grandes empresas envolvidas no
trabalho efectuado pela Escola de Chicago.
sector do imobiliário colidem frequentemente com os
D e certa forma, os pontos de vista apresentados interesses dos negócios locais e dos residentes que
por Harveys e Castells e pelos sociólogos da Escola podem tentar resistir. As pessoas organizam-se em
de Chicago complementam-se c o m utilidade e grupos locais para defenderem os seus interesses de
podem ser combinados de forma a dar uma imagem residentes. Tais associações podem defender o
global do processo urbano. D e facto, os contrastes aumento das áreas protegidas, impedir a construção
entre as áreas da cidade, descritos pela Ecologia de novos edifícios em zonas verdes ou em parques,
Urbana, existem, assim como o carácter impessoal, ou exercer pressão para serem publicadas leis de
próprio da vida nas cidades, em geral. N ã o obstante, arrendamento mais favoráveis.
estes contrastes são mais variáveis do que os mem-
bros da Escola de Chicago pensavam, e são determi-
nados, antes do mais, pelas influências sociais e
económicas analisadas por Harvey e Castells. John Tendências no desenvolvimento
Logan e Harvey Molocht sugeriram uma abordagem urbano Ocidental
que relaciona directamente as perspectivas de autores
como Harvey e Castells com certos aspectos da pers- Nesta secção iremos considerar alguns dos principais
pectiva ecológica (Logan e Molotch, 1987). Logan e padrões no desenvolvimento urbano ocidental no
581 A S CIDADES E OS ESPAÇOS URBANOS

pós-guerra, utilizando os exemplos da Grã-Bretanha


e dos Estados-Unidos. A atenção concentrar-se-á no
aparecimento dos subúrbios e no declínio dos centros
das cidades, no conflito urbano, nas crises financeiras
e nas estratégias destinadas à renovação urbana.

A suburbanização
Alguns convertidos à vida nas grandes cidades olha-
ram com desdém para a grande expansão dos subúr-
bios, com as suas vivendas semi-separadas e os jar-
dins bem arranjados cobrindo as zonas limítrofes das
cidades inglesas. Outros, como o poeta John Betje-
man, celebraram a excentricidade modesta da arqui-
tectura dos subúrbios e o impulso para combinar as
oportunidades de emprego da cidade como u m modo
de vida em termos práticos com a propriedade do
emprego e do cano e e m termos de valores como a
vida familiar tradicional.

Muitos subúrbios e m torno de Londres cresceram


entre as duas guerras e aglomeraram-se entre as
novas estradas e ligações efectuadas pelo metropoli-
tano que podiam trazer os habitantes dos subúrbios
até ao centro. Nos Estados Unidos, o processo da
suburbanização atingiu o seu apogeu nos anos 50 e
60. Durante esse período, as zonas centrais das cida-
des tiveram uma taxa de crescimento de 10 por cento,
enquanto a das áreas suburbanas foi de 48 por cento. Os habitantes dos subúrbios de Paris f a z e m as suas via-
A maioria do fluxo em direcção aos subúrbios envol- gens diárias de carro para dentro e para fora dos subúrbios.
veu famílias brancas. A imposição da integração
racial nas escolas pode ser visto como um factor
importante na decisão do abandono dos centros das
cidades. A mudança para os subúrbios foi uma opção na negra cresceu cerca de 34,4 por cento, os latinos
atractiva para as famílias que preferiam que os seus cerca de 69 3 por cento e os asiáticos 125,9 por cento.
filhos frequentassem escolas só para brancos. Ainda E m contrapartida, a população suburbana branca só
hoje, os subúrbios americanos continuam a ser pre- cresceu 9,2 por cento. Os membros das minorias étni-
dominantemente brancos. Os grupos minoritários cas mudaram-se para os subúrbios pelas mesmas
constituíam apenas 18 por cento do total da popula- razoes daqueles que antes os precederam: melhores
ção suburbana em 1990. Três em quatro afro-ameri- condições de habitabilidade, escolas e amenidades.
canos continuam a viver nos centros das cidades, em Tal como as pessoas que iniciaram o êxodo para os
comparação com um em cada quatro dos brancos. subúrbios nos anos 50 são, na sua maioria, trabalha-
A maioria dos residentes suburbanos negros vive em dores da classe média. De acordo com o Presidente
bairros de maioria negra em cidades-satélite da da Autoridade para a Habitação de Chicago, 4 a subur-
metrópole. banização já não está relacionada com factores de
raça, mas de classe. Ninguém quer ter por perto gente
Contudo, a dominação dos brancos nos subúrbios
pobre, por causa de todos os problemas que acompa-
está a desaparecer à medida que cada vez mais mem-
nham os pobres: escolas pobres, ruas inseguras, ban-
bros das minorias raciais e étnicas deixam o centro
dos' (citado e m D e W i t t , 1994).
das cidades. Entre 1980 e 1990 a população suburba-
582 AS CIDADES E OS ESPAÇOS URBANOS

do que em qualquer dos maiores centros urbanos dos


Na Grã-Bretanha, a deslocação da população resi-
dencial das áreas centrais da cidade para os subúrbios outros países do mundo industrializado. Edifícios de
e cidades-dormitôrio (aglomerados situados fora dos apartamentos decadentes e edifícios ocupados e
limites da cidade, habitados principalmente por pes- incendiados alternam com áreas desertas cobertas de
soas que nela trabalham) ou para as aldeias nos anos lixo.
7 0 e início dos anos 80 significou que a população da Na Grã-Bretanha, a decadência do centro das cida-
grande Londres baixou cerca de meio milhão naque- des foi menos marcada do que nos Estados Unidos.
le período. A o mesmo tempo, muitas cidades mais N o entanto, alguns centros urbanos, como, por exem-
pequenas cresceram rapidamente - por exemplo, plo, Liverpool, estão tão delapidados como alguns
Cambridge, Ipswich, Norwich, Oxford e Leicester. bairros das cidades americanas. U m a das razões para
Nas cidades industriais do Norte, a rápida perda da que tal acontecesse é que a crise financeira afectou
indústria também afectou os centros das cidades, muitos centros das cidades na Grã-Bretanha. A partir
enquanto a população dos subúrbios e das cidades de finais da década de 7 0 , as autoridades locais foram
mais pequenas - e a deslocação para sudeste - se fortemente pressionadas para limitar os seus orça-
expandiu novamente durante o boom económico do mentos e reduzir os serviços locais mesmo nas áreas
final dos anos 90. urbanas mais degradadas. As autoridades tocais que
excedessem os orçamentos estabelecidos pelo gover-
no nacional podiam ser penalizadas. Isto deu origem
A decadência dos centros das cidades a conflitos intensos entre o governo e uma série de
conselhos metropolitanos responsáveis por centros
A 'debandada para os subúrbios' teve consequências de cidade problemáticos quando não conseguiam
dramáticas na saúde e vitalidade tanto dos centros cumprir os níveis orçamentais estabelecidos. A intro-
urbanos britânicos, como americanos. A decadência dução da Poli Tax pelo governo da Mrs. Thatcher
dos centros urbanos que marcou todas as grandes afectou ainda mais as finanças das autarquias. Ape-
cidades americanas nas últimas décadas é uma con- sar da Poli Tax ter sido finalmente abandonada em
sequência directa do crescimento dos subúrbios. virtude da forte oposição, muitas autarquias urbanas
A deslocação dos grupos mais prósperos para fora ficaram com menos rendimentos e foram compeli-
das cidades implica uma perda de receitas provenien- das a fazer cortes em serviços tidos por todos como
tes dos impostos locais. Dado que os que permane- essenciais.
cem, ou os substituem, incluem muitos dos que
vivem na pobreza, há poucas hipóteses de substituir O relatório da Igreja de Inglaterra sobre 1985, Fé
essa fonte de rendimentos perdida. Se se aumentam na Cidade, descreve os centros citadinos e m termos
os impostos nos centros das cidades, os grupos mais sombrios: 'Paredes cinzentas, ruas cobertas de lixo,
prósperos e os negócios ainda terão uma maior ten- janelas entaipadas, escritos nas paredes, ruínas e
dência para se mudar para mais longe. escombros, são tristemente aspectos normais dos dis-
tritos e paróquias de que nos ocupamos - as habita-
Esta situação toma-se mais grave à medida que os
ções do centro são mais antigas do que as outras.
edifícios nos centros das cidades se deterioram mais
Perto de um quarto das casas inglesas foram cons-
do que os dos subúrbios, e que o índice de criminali-
truídas antes de 1919, mas a proporção nos centros
dade e a taxa do desemprego aumentam. Torna-se
urbanos situa-se entre os 40 e os 60 por cento 1 (Igre-
necessário, por conseguinte, aumentar as despesas
ja de Inglaterra, 1985, p. 18).
com a segurança social, as escolas e a manutenção
dos edifícios, a polícia e os bombeiros. Desenvolve- Paul Harrison, ao descrever Hackney, uma das
-se um ciclo de deterioração, no qual quanto mais os áreas administrativas mais pobres de Londres, retra-
subúrbios se expandem, maiores são os problemas tou uma atmosfera de desespero:
dos centros citadinos. E m muitas áreas urbanas ame-
ricanas, o efeito tem sido terrível - especialmente nas As forças policiais enfrentam a tarefa virtualmente
cidades mais antigas como Nova Iorque, Boston ou impossível de manter sob controlo a mistura explosiva
Washington. E m certos bairros destas cidades, a dete- que as dinâmicas da sociedade britânica criaram nos
rioração da propriedade é provavelmente mais grave centros urbanos. Esta mistura, aquecida pela recessão e
600 A S CIDADES E OS ESPAÇOS URBANOS

A morte d e um sonho: prédios das autarquias em Londres, construídos como c a s a s modernas


para o s habitantes, tornaram-se num fixo d e descontentamento e d e decadência urbana.

por um elevado nível d e desemprego, gera inevitavel-


pôem-se de tal forma que explodem sob a forma de
mente um número elevado de crimes. Este facto obriga
conflitos e tumultos urbanos abertos.
a polícia a estar mais presente e com maior número de
efectivos do que em áreas com outras características, o
que acarreta mais frequentemente contactos desagradá- Conflito urbano
veis com as pessoas, tidas como suspeitos potenciais, e
Numa era da globalização, movimento e rápida
cria mais oportunidades d e erro e abuso policial. (Harri-
mudança, as grandes cidades tomaram-se expressões
son, 1983, p . 3 6 9 )
concentradas e intensificadas dos problemas sociais
que afligem a sociedade como um todo. Frequente-
O resultado é um círculo vicioso. Os mais despro- mente, as falhas geológicas 'invisíveis' das cidades
vidos não só constituem as maiores vítimas do crime, deram lugar ao equivalente a tremores de terra
como têm de lidar com uma presença da polícia sociais. Tensões semelhantes sobem à superfície, por
muito maior. Por sua vez, um maior número deles vezes de forma violenta, sob a forma de tumultos,
dedica-se a actividades criminosas. E m áreas como pilhagens e destruição generalizada.
Hackney, avisou Harrison, está a emergir 'uma socie-
Foi o que aconteceu em Los Angeles, na Primave-
dade barricada de autodefesa', marcada também por
ra de 1992, quando eclodiram tumultos em vários
uma rápida erosão das liberdades civis'.
locais da cidade. Henry Cisneros, secretário do
Doenças sociais semelhantes afectam as grandes Departamento de Habitação e Desenvolvimento
cidades, tanto nos Estados Unidos como na Grá-Bre- Urbano, dirigiu-se à cidade para investigar em pri-
tanha: abuso de drogas, crime e delinquência, desem- meira mão o que estava a acontecer:
prego, sem-abrigo, intolerância racial e étnica, exclu-
são social, serviços públicos insuficientes, escolas
O que eu vi foi uma cidade com f u m o por todo o lado.
fracas e tensões entre o cumprimento da lei e os cida-
Cheirava a ferro e plástico queimados. O f u m o era tão
dãos. Por vezes, estas múltiplas desvantagens sobre-
denso que ofuscava as luzes de um helicóptero que por
584 AS CIDADES E OS ESPAÇOS URBANOS

ali sobrevoava. As sirenes disparavam com intervalos de particularmente desafiante porque exige acção simul-
poucos segundos, enquanto equipas de socorro munidas tânea em múltiplas frentes.
de extintores, protegidas pelos carros patrulha das auto- N o Reino Unido, por exemplo, foram introduzidos
-estradas da Califórnia - literalmente comboios de vinte um conjunto de esquemas nacionais - envolvendo,
veículos, os carros patrulha para protegerem os que por exemplo, programas de subsídios para a reabili-
combatiam o fogo - corriam de um fogo para outro ... tação de casas pelos seus proprietários ou incentivos
Naquela quinta-feira à noite, Los Angeles era o verda- de impostos para atrair os negócios - para reavivar as
deiro apocalipse urbano numa espécie de fumaça laran- fortunas dos centros das cidades. O programa do
ja, um assalto a todos os sentidos, pessoas de olhos Governo Conservador, Acção paro as Cidades, de
esbugalhados, tomadas de pânico somente com um som 1998, por exemplo, valorizava mais o papel do inves-
alto ao longe (Cisneros, 1993). timento privado e das forças do mercado para gerar
desenvolvimento do que a intervenção estatal. Toda-
Os conflitos urbanos também atingiram as cidades via, a resposta do capital privado revelou-se muito
britânicas - em Brixton, em Broadwater Farm em mais fraca do que o previsto.
Tottenham, a norte de Londres, onde u m polícia foi Os estudos realizados indicam que, para além do
assassinado, e m Oxford, Bristol e outras cidades. efeito propagandístico, dar incentivos e esperar que a
Que causas motivam estas tensões e as múltiplas iniciativa faça o resto, não é uma via eficiente para
carências a culminar e m formas abertas de conflito lidar com os problemas fundamentais da ordem
urbano? U m factor é certamente a pobreza; outro, é a social gerados pelos centros urbanos. H á um conjun-
divisão e o antagonismo étnico, em particular entre to tão grande de circunstâncias opressivas nos centros
brancos e negros; um terceiro é o crime; um quarto é das cidades, que a inversão dos processos de declínio
simplesmente a insegurança. Inseguranças e incerte- é, em qualquer caso, extraordinariamente difícil. As
zas emergem dos três primeiros factores, sejam os investigações sobre a decadência do centro das cida-
indivíduos afectados directamente ou não por eles. des, tal como o relatório Scarman sobre os tumultos
Tal como no Reino Unido, a pobreza nos Estados de Brixton, em 1981, chamou a atenção para o facto
Unidos expandiu-se nas duas últimas décadas. Na de não existir uma abordagem coordenada dos pro-
primeira metade dos anos 9 0 , a proporção da popula- blemas dos centros urbanos (Scarman, 1982). Sem o
ção a viver abaixo do limiar da pobreza é a maior aumento da despesa pública - que não é verosímil
desde há um quarto de século. E m particular quando num futuro próximo - as possibilidades de uma
origina subclasses privadas, a pobreza separa largos melhoria radical são, na verdade, diminutas (Macgre-
segmentos da população da sociedade mais lata; mui- g o r e Pimlott, 1991).
tos dos grupos mais pobres concentram-se nos cen-
tros das cidades que se estão a degradar. O elemento E m direcção ao Renascimento U r b a n o :
espacial para a exclusão social é claramente perceptí- o relatório da Urban Task Force
vel neste caso. A renovação urbana não é apenas a recuperação das
áreas dos centros da cidade, mas também o desenvol-
vimento sustentável das regiões em redor da cidade.
A s previsões do governo são as de que serão forma-
dos mais de 3.8 milhões de lares entre 1996 e 2021.
O trânsito automóvel deverá crescer 1/3 nas duas pró-
ximas décadas; j á a média de deslocações para os tra-
Renovação urbana
balhadores britânicos é 4 0 % mais elevada do que há
Que abordagem deveriam desenvolver os governos 20 anos atrás. U m e m cada quatro residentes acredita
locais, regionais e nacionais para enfrentar os com- que a sua área se degradou em anos recentes, enquan-
plexos problemas que afectam os centros das cida- to apenas um em dez sente que melhorou (Urban
des? Como pode ser controlada a rápida expansão Task Force, 1999).
dos subúrbios para prevenir a erosão das áreas verdes Confrontado com os desafios j á existentes em
e dos campos? U m a política de renovação u r b a n a é áreas urbanas e suburbanas, como com a promessa de
585 A S CIDADES E OS ESPAÇOS URBANOS

maior expansão nos próximos anos, o governo con- m Atingir a excelência na gestão das áreas locais -
verteu a Urban Task Force, sob a chefia do arquitec- U m renascimento urbano dependerá de uma forte
to e urbanista Lord Rogers, a fazer recomendações liderança política local e de uma participação
para melhorar a qualidade de vida nas zonas britâni- democrática alargada dos cidadãos. Os residentes
cas urbanas e rurais. N o relatório publicado em Junho deveriam ter um papel crescente nos processos de
de 1999, a Task Force desenhou mais de 100 reco- tomada de decisão.
mendações com a intenção de desenvolver u m • Desenvolver a regeneração - Deveria ser dado
"renascimento urbano" na Grã-Bretanha. 'Desde a maior poder às autoridades locais e responsabilida-
revolução industrial que perdemos a propriedade das de para identificarem recursos direccionados para a
nossas vilas e cidades, deixando que elas fossem regeneração de longo termo das áreas degradadas.
estragadas por um design pobre, dispersão económi- Os fundos públicos deveriam ser utilizados de modo
ca e polarização social', notou a Task Force. Segun- a atrair investimento privado através do mercado.
do os autores do relatório, o início do século X X i
apresenta três grandes oportunidades para a mudan-
O relatório da Urban Task Force enfatizou que a
ça. A revolução tecnológica produziu novas formas
renovação urbana não pode ser o produto apenas do
de tecnologia de informação e novos modos de trocar
esforço político. Pelo contrário, exige uma mudança
informação; a crescente ameaça ecológica despolo-
da cultura, competências, crenças e valores pelos
tou a necessidade de desenvolvimento sustentável; e
políticos, autoridades locais e cidadãos médios.
uma transformação social alargada pode ser sentida
A educação, o debate e a troca de informação serão
num aumento da esperança de vida e o significado
cruciais em trazer uma 'renovação urbana* (1999).
das escolhas de vida nas vidas profissionais e pes-
soais das pessoas. Gentrifícaçâo e i reciclagem urbanay
N o seu relatório, a Task Force enfatizou muitos A reciclagem urbana - a renovação de edifícios
temas-chave essenciais para a protecção contra a ero- antigos para novos usos - tomou-se bastante comum
são do campo e para a promoção de áreas urbanas nas grandes cidades. Esse processo faz parte, às
saudáveis e vibrantes. Sem os seguintes princípios vezes, de programas de planeamento, mas mais fre-
fundamentais, defendem os autores, existe um perigo quentemente é o resultado da gentriflcaçao - a reno-
real de que as cidades se fragmentem, de que as áreas vação de edifícios em bairros degradados para serem
rurais sejam engolidas e a poluição, o congestiona- utilizados por grupos com rendimentos mais eleva-
mento do trânsito e a degradação social se agravem. dos, ou para servirem para equipamentos dedicados a
servi-los, como lojas e restaurantes.
• Reciclagem da terra e dos edifícios - Sempre que A gentrificação dos centros das cidades teve lugar
possível, a construção de novas casas deveria ser nas principais cidades da Grã-Bretanha, Estados Uni-
feita em terras anteriormente urbanizadas, em vez dos e Canadá e parece continuar nos próximos anos.
de em locais verdes. O relatório assinalou que, U m a das razões é económica e demográfica. Os
actualmente, 1.3 milhões de edifícios residenciais jovens profissionais escolhem casar e iniciar as suas
e comerciais estavam vazios na Grã-Bretanha. famílias mais tarde na vida. Porque as suas carreiras
O governo está a projectar 6 0 % de novas casas exigem muitas vezes longas horas em edifícios de
antecipadas a serem construídas e m locais 'reci- escritórios no centro das cidades, a vida nos subúr-
clados' (ver abaixo). bios toma-se mais um inconveniente do que uma
9 Melhorar o ambiente urbano - As áreas urbanas vantagem. Os casais ricos sem filhos têm capacidade
existentes têm de ser mais atractivas para que as para pagar rendas elevadas em áreas centrais das
pessoas decidam viver, trabalhar e socializar cidades recuperadas e podem preferir construir esti-
nelas. As áreas urbanas deveriam ajudar a desen- los de vida em torno de opções culturais, culinárias e
volver um sentido de comunidade e de segurança de entretenimento de elevada qualidade aí disponí-
pública. Os bairros devem estar mais bem ligados veis. Os casais mais velhos cujos filhos deixaram a
entre si para encorajar as pessoas a andarem a pé casa também podem ser tentados a regressar ao cen-
ou de bicicleta ou de transportes públicos. tro das cidades pelas mesmas razões.
586 AS CIDADES E OS ESPAÇOS URBANOS

Docklands: renovação urbana ou desastre urbano?


O exemplo mais importante deste facto é represen- interesses dos residentes mais pobres. Entretanto,
tado pela renovação da área das Docas, em Lon- com a criação da Empresa de Desenvolvimento das
dres. Estaremos perante um caso único de sucesso Docas em 1981, a região tornou-se num elemento
em matéria de regeneração urbana, ou diante de um central da estratégia para encorajar a iniciativa priva-
desastre mais ou menos completo? Cada um destes da a desempenhar o papel principal no rejuvenesci-
pontos de vista tem os seus defensores, embora mento urbano, que já mencionámos.
todos concordem com o facto de o progresso do pro- Hoje em dia, a área é nítida e visivelmente dife»
cesso de rejuvenescimento das Docas ser menor do rente dos bairros empobrecidos que a ladeiam.
que o esperado pelos seus defensores, desde o Abundam os edifícios modernos, por vezes de uma
momento e m que a economia entrou em recessão. arquitectura aventurosa. Converteram-se armazéns
A área das Docas ocupa cerca de oito milhas qua- em apartamentos de luxo e construíram-se novos
dradas e meia (1.360 hectares) do território Leste de blocos. Ediftcou-se um grande complexo de escritó-
Londres junto ao Tamisa, que deixou de ter funções rios em Canary Wharf. Contudo, no meio do brilho,
económicas devido ao encerramento das Docas e há edifícios degradados e terrenos abandonados.
ao declínio industrial; Procíamou-se que este pro- O espaço destinado a escritórios continua frequen-
cesso representava l a maior área d e renovação imo- temente vazio, o mesmo acontecendo a algumas
biliária da Europa Ocidental' e 'a maior oportunidade das novas habitações que vieram a revelar-se inven-
desde o Fogo d e Londres'. dáveis aos preços estabelecidos. A zona das Docas
possui algumas das habitações mais pobres do
As Docas estão próximas do distrito financeiro da
país, mas as pessoas que aí vivem pouco beneficia-
City de Londres, mas também estão próximas das
ram da construção à sua votta. Ofereceu-se um bom
áreas pobres da classe trabalhadora no outro lado.
número de casas "acessíveis". Porém, só uma
A partir dos anos sessenta houve batalhas internas -
pequena proporção dos residentes locais, as queria
que prosseguem - acerca do futuro da área. Muitos
comprar ou podia fà2ê-lo. Uma história única de
habitantes ou vizinhos das Docas preferiam uma
sucesso na regeneração urbana ou um desastre
renovação levada a cabo através de projectos de
mais ou menos completo? Cada uma das visões tem
desenvolvimento da comunidade, que protegesse os

U m factor que promove a gentríficaçâo nos Esta- -se em distritos de negócios centrais. U m crescente
dos Unidos é a queda das taxas de criminalidade. número de empresas que se estão a expandir neste
Desde 1991, a incidência do crime violento caiu uma domínio escolhem implantar-se no centro das cidades
média de 3 4 % nas dez maiores cidades norte-ameri- em vez de nos subúrbios. Auto-estradas congestiona-
canas. Apesar da lei da 'tolerância zero* e das políti- das e longas horas de viagem tornaram-se um modo de
cas de ordem favorecidas por muitas cidades norte- vida para muitos habitantes dos subúrbios; existem
-americanas - de forma mais proeminente em Nova evidências que um crescente número de trabalhadores
Iorque - terem sido severamente criticadas por serem na nova economia pode escolher quebrar este padrão,
racistas, arbitrárias e muito duras, produziram indu- vivendo e trabalhando nos centros das cidades.
bitavelmente centros de cidades menos perigosos. E m Londres, as Docklands foram um notável
Finalmente, o perfil económico da nova economia exemplo de 'reciclagem urbana' (ver caixa). Nos
do conhecimento é muito favorável aos centros das Estados Unidos, os construtores compram armazéns
cidades. Muitas empresas envolvidas na tecnologia, industriais em cidades, de Milwaukee a Filadélfia, e
comunicações, publicidade e marketing, localizaram- convertem-nos em caros lofts residenciais e estúdios.
587 A S CIDADES E OS ESPAÇOS URBANOS

A criação de espaços públicos interessantes nos cen- das outras. Mas as cidades podem voltar as pessoas
tros urbanos degradados de Baltimore a Pittsburgh para o exterior, colocando-as em contacto com uma
foi anunciada como triunfo da renovação urbana. variedade de culturas e de modos de vida. Devería-
Contudo, é difícil conciliar a degradação que conti- mos tentar criar ruas que não se limitassem a ser
nua nos bairros a pouca distância destes centros revi- seguras mas que fossem também 'cheias de vida', de
talizados. um modo contrário ao que 'as artérias do tráfego,
Richard Senett, no seu livro acerca da história da apesar de todo o seu movimento de veículos o não
cidade, The Conscience of the Eye (1993), argumen- são9. A zona comercial suburbana com os seus pas-
ta contra projectos de desenvolvimento como os das seios e lojas uniformizados está tão distante da 'cida-
Docas e afirma que os urbanistas deveriam efectuar de humana' como a auto-estrada. Deveríamos inspi-
tentativas para preservar, o que designa como a 'cida- rar-nos nas áreas antigas das cidades, como as que se
de humana' ou para regressar à mesma. Os enormes encontram em muitos centros das cidades italianas,
edifícios impessoais em muitas cidades voltam as que são à escala humana e misturam a diversidade
pessoas para si mesmas tomando-as distantes umas com a elegância do seu desenho.
O ^ N A ^ Q t d) 9 A ^
A (D II) t A ri A W © ® • ®

in
o
cg
Ê
*
0)
Q>
e
.o
03

1w
I
1
• ai
g
^ <0
if> *
'5 Í
M
c ^
l $
& 1
5 3

« 2

«(í> w<S
c
<0
o
"8

(A S
l i
a> g

II
CJ

II
<
- * .
• . . .
£
AS CÍDAOES E OS ESPAÇOS URBANOS 589

Urbanizaçao no mundo cem maiores oportunidades de trabalho. A pobreza


em desenvolvimento rural impele muita gente a tentar a sua sorte na vida
da cidade. Podem ter a intenção de migrarem para a
A população urbana mundial poderia atingir os 2.5 cidade apenas por um curto período de tempo, que-
biliões de pessoas e m 2025. Segundo algumas esti- rendo regressar às suas aldeias depois de terem ganho
mativas, 4 milhões destes habitantes urbanos serão dinheiro suficiente. Alguns regressam, mas a maioria
residentes das cidades nos países em desenvolvimen- é forçada a ficar, tendo, por um ou outro motivo, per-
to. Como mostra o mapa das 'megacidades* (vide dido a sua posição nas suas comunidades de origem.
figura 18.2), a maioria das 36 cidades projectadas
para terem mais de 8 milhões de residentes e m 2015
Desafios da urbanização n o m u n d o
localizam-se nos países em desenvolvimento..
em desenvolvimento
Manuel Castells refere-se às megacidades como
uma das principais características da urbanização do
Implicações económicas
terceiro milénio (1996). Não se definem apenas pelo
seu tamanho - apesar de ser uma vasta aglomeração A medida que um número crescente de agricultores e
de pessoas - mas também pelo seu papel como pon- trabalhadores desqualificados imigra para os centros
tos de ligação entre populações humanas enormes e a urbanos, a economia formal luta, muitas vezes, para
economia global. As megacidades são bolsas concen- absorver este fluxo como força de trabalho. N a maio-
tradas de actividade através das quais fluem a políti- ria das cidades no mundo em desenvolvimento, é a
ca, os media, as comunicações, as finanças e a pro- economia informal que permite aos que não conse-
dução. Segundo Castells, as cidades funcionam como guem encontrar trabalho sobreviverem. D o trabalho
imanes para os países ou regiões em que estão locali- ocasional nas fábricas às actividades de comércio de
zadas. A s pessoas são aiTastadas para as grandes pequena escala, o sector informal não regulamentado
regiões urbanas por vários motivos; nas megacidades oferece oportunidades de ganhar a vida aos trabalha-
estão tanto aqueles que conseguem perfurar no siste- dores pobres e sem formação.
ma global, como os que não conseguem. Para além
As oportunidades geradas pela economia informal
de servirem x o m o nós na economia global as mega-
são uma importante ajuda para milhares de famílias a
cidades também se tornam em 'depositários de todos
sobreviverem e m condições urbanas, mas também
os segmentos da população que lutam para sobrevi-
têm aspectos problemáticos. A economia informal
v e r ' ( 1 9 9 6 : 404).
não tem impostos e não é regulada. Também é menos
Porque é que a taxa de crescimento urbano nas produtiva do que a economia formal. Os países onde
regiões menos desenvolvidas do mundo é muito mais a actividade económica se concentra neste sector
elevada do que em qualquer outro lugar? T ê m de ser falham na recolha das muito necessárias receitas
tomados e m conta dois factores em particular. E m através dos impostos. O baixo nível de produtividade
primeiro lugar, as taxas de crescimento populacional também afecta a economia em geral - o volume de
são maiores nos países em desenvolvimento do que P I B gerado pela actividade económica informal é
nas nações industrializadas (vide capítulo 19, 'Cres- muito mais baixo do que a percentagem da população
cimento populacional e crise ecológica*). O cresci- envolvida no sector.
mento urbano é estimulado pelas elevadas taxas de A O C D E estima que serão necessários m i l milhões
fertilidade entre as pessoas que já vivem nas cidades. de novos empregos até 2025 para sustentar os cresci-
E m segundo lugar, existe uma migração interna mento estimado da população das cidades do mundo
muito dessiminada das zonas rurais para as zonas em crescimento. É pouco provável que todos estes
urbanas - como no caso da megacidade em desen- empregos sejam criados na economia formal. Alguns
volvimento de Hong Kong - Guangdong acima men- analistas do desenvolvimento são da opinião de que
cionada. As pessoas são arrastadas para as cidades no deveria ser prestada atenção à formalização ou regu-
mundo e m desenvolvimento motivadas tanto porque lação da economia informal, onde muito do 'excesso'
os seus sistemas tradicionais de produção rural se da força de trabalho é provável que se concentre nos
desintegraram como porque as áreas urbanas ofere- próximos anos.
590 AS CIDADES E OS ESPAÇOS URBANOS

A construção de ume megacidade


Na Ásia, está a formar-se presentemente um dos Hong Kong é um dos pontos nodais que liga a
maiores aglomerados urbanos da história, numa China à economia global. Em segundo lugar, o
área de 50.000 quilómetros quadrados que vão de papel de Hong Kong como centro global, financeiro
Hong Kòng até à China, o Delta do Rio d a s Pérolas e de negócios, tem crescido à medida que a sua
d Macau (vide figura 18.3). Apesar de a região não economia se está a afastar da produção de bens
ter um nome formal ou estrutura administrativa, em para a produção de serviços. Por fim, entre a segun-
1995 já tinha atingido tima população de 50 milhões da metade dos anos 6 0 e dos anos 90, os empre-
de pessoas. Segundo Manuel Castells, perspectiva- sários de Hong Kong Iniciaram um processo dramá-
•se que venha a ser um dos centros industrias, de tico de industrialização no Delta do Rio das Pérolas.
negócios e culturais mais significativos do século. Mais de 6 milhões de pessoas trabalhavam em
20.000fábricas e em 10.000 empresas. O resultado
Castells aponta vários factores que se inter-rela-
destes processos sobrepostos foi o de uma 'explo-
cíonam para ajudar a explicar a emergência desta
são urbana sem precedentes 1 (Castells, 1996).
enorme conurbaçãa E m primeiro lugar, a China
está a passar por uma transformação económica e

r* " + ^ « - x i ' ' , < < * s <

7< " 4 i

' QOflPBhut:^ív.^i> vr * r
1 v
* • -• - " ^ frtffrti''-•' - ^ '-

•m

Figure 18.3 A megacidade de Hong Kong-Guar>gdong


Fontes: M.Castells, The Rise òf the Network Sodety, Blacfcwell, 1996. De J. Borja e M. Castells, Local and Global, Earthscan. 1997.
591 A S CIDADES E OS ESPAÇOS URBANOS

Os desafios do ambiente pavimentar as ruas e atribuir endereços postais.


Outros temem que os bairros de lata improvisados
A rápida expansão das áreas urbanas no mundo em sejam fundamentalmente inabitáveis e deveriam ser
desenvolvimento difere de forma dramática das cida- demolidos para darem lugar a habitação própria para
des no mundo industrializado. Apesar de todas as as famílias pobres.
cidades enfrentarem problemas ambientais, as dos O congestionamento e o sobrede sen volvi mento
países em desenvolvimento confrontam-se com ris- nos centros das cidades deu lugar a sérios problemas
cos particularmente severos. Poluição, falta de habi- ambientais em muitas áreas urbanas. A Cidade do
tação, saneamento inadequado e reservas de água México é disso um importante exemplo. Noventa e
pouco seguras são problemas crónicos para as cida- quatro por cento da Cidade do México consiste em
des nos países menos desenvolvidos. áreas construídas, com apenas 6 por cento de terra
O alojamento é um dos problemas mais agudos em náo construída. O número de 'espaços verdes' - par-
muitas áreas urbanas. A s cidades, como Calcutá e ques e espaços abertos de terra verde - é muito infe-
São Paulo, estão muito congestionadas; a taxa de imi- rior ao encontrado nas cidades norte-americanas ou
gração interna é muito elevada para a oferta de habi- europeias mais populosas. A poluição é o maior pro-
tação existente. Os imigrantes aglomeram-se e m blema, originada principalmente pelos carros, auto-
zonas ocupadas que proliferam como cogumelos nas carros e camiões que se amontoam nas ruas inade-
orlas das cidades. Nas áreas urbanas do Ocidente, os quadas das cidades, derivando o resto de poluentes
recém-chegados estabelecem-se normalmente perto industriais. Estima-se que viver na Cidade do M é x i -
dos centros das cidades, mas o inverso tende a acon- co é o equivalente a fumar 40 cigarros por dia. E m
tecer nos países e m desenvolvimento, onde os emi- Março de 1992 a poluição atingiu o maior nível.
grantes povoam o que tem sido designado como a Onde um nível de ozono de cerca de menos 100 pon-
'franja séptica' das áreas urbanas. Barracas feitas de tos foi considerado 'satisfatório* para a saúde, naque-
fibra de cânhamo e juta ou de cartão, montam-se na le mês o nível subiu para os 398 pontos. O governo
periferia das cidades, onde quer que haja um pouco teve que obrigar algumas fábricas a fechar durante
de espaço. algum tempo, as escolas fecharam e 40 por cento de
carros foram proibidos de circular na cidade.
E m São P^ulo, estima-se que houve uma quebra
de 5.4 milhões de casas habitáveis em 1996. Alguns
investigadores estimam que esta quebra se eleva aos Efeitos sociais
20 milhões, se a definição de 'casas habitáveis' for
interpretada de forma mais estrita. Desde 1980 o Muitas áreas urbanas nos países em desenvolvimento
défice crónico da habitação em São Paulo produziu estão sobrelotadas e sem reservas. A pobreza está dis-
uma onda de 'ocupações* não oficiais de edifícios seminada e os serviços sociais existentes não conse-
vazios. Grupos de famílias sem casa iniciaram 'ocu- guem ir ao encontro das necessidades de assistência
pações e m massa' em hotéis abandonados, escritórios médica, de aconselhamento do planeamento familiar,
e edifícios do governo. Muitas famílias acreditam educação e formação. O desequilíbrio da distribuição
que é melhor partilhar uma cozinha e uma casa de das faixas etárias nos países em desenvolvimento
banho com centenas de outras famílias do que viver ajuda às suas dificuldades económicas e sociais.
nas ruas ou nas favelas, em bairros de lata improvi-
Comparado com os países industrializados, um
sados às portas da cidade.
número muito maior da população no mundo em
Os governos urbanos e regionais nos países menos desenvolvimento tem idade inferior aos quinze anos.
desenvolvidos são muito pressionados para acompa- Uma população jovem necessita de apoios e de edu-
nharem a procura e m espiral de habitação. E m cida- cação e, durante este período, os jovens não são
des como São Paulo, as autoridades de habitação e os membros economicamente produtivos. Mas muitos
governos locais discordam sobre como enfrentar o países em desenvolvimento têm falta de recursos que
problema da habitação. Alguns argumentam que a lhes permitam fornecer uma educação universal.
estrada mais realizável é a de melhorar as condições Quando as suas famílias são pobres, muitas crianças
nas favelas - fornecer electricidade e água corrente, têm de trabalhar a tempo inteiro ou têm de tentar
592 AS CIDADES E OS ESPAÇOS URBANOS

A pobreza e a prosperidade que coexistem em cidades como o Rio de Janeiro são evidentes no ambiente construído e
nas construções improvisadas.

sobreviver nas ruas, mendigando o que poderem. abaixo de uma taxa de crescimento anua) de 6 3 por
Quando as crianças de rua crescem, muitas delas tor- cento nas últimas três décadas.
nam-se sem-abrigo ou desempregadas, ou ambas as
coisas.

O futuro da urbanização no m u n d o
em desenvolvimento

A o considerar o objectivo dos desafios que enfrentam E m segundo lugar, a globalização apresenta
as áreas urbanas nos países e m desenvolvimento, importantes oportunidades para as áreas urbanas nos
pode ser difícil perspectivar a mudança e o desenvol- países em desenvolvimento. C o m a integração eco-
vimento. A s condições de vida em muitas das maio- nómica, as cidades em torno do mundo podem entrar
res cidades do mundo parecem declinar mais nos pró- nos mercados internacionais, podem promover-se
ximos anos. Mas o quadro nâo é de todo negativo. como locais para o investimento e desenvolvimento e
E m primeiro lugar, apesar de, em muitos países, as podem criar ligações económicas através das frontei-
taxas de natalidade continuarem elevadas, têm uma ras dos Estados-Nação. A globalização apresenta uma
grande probabilidade de decrescerem nos próximos das aberturas mais dinâmicas para que os centros
anos à medida que a urbanização aumenta. Este facto, urbanos em crescimento se tornem e m importantes
por sua vez, concretizar-se-á num decréscimo gra- forças no desenvolvimento económico e na inovação.
dual na própria taxa de urbanização. N a África Oci- D e facto, muitas cidades no mundo em desenvolvi-
dental, por exemplo, a taxa de urbanização deveria mento j á se estão a juntar às listas das 'cidades glo-
decair para 4,2 por cento por ano por volta de 2 0 2 0 , bais* do mundo, como veremos brevemente.
593 A S CIDADES E OS ESPAÇOS URBANOS

As c i d a d e s e a globalização através dos quais ocorre a globalização (Sassen,


1998). O funcionamento da nova economia global
Nos tempos pré-modernos, as cidades eram entidades depende de um conjunto de localizações centrais com
autodelimitadas que se mantinham afastadas das infraestruturas de informação desenvolvidas e com
áreas predominantemente rurais em que se localiza- uma 'hiperconcentração* de serviços. É nestes locais
vam. Os sistemas rodoviários uniam, por vezes, as que o 'trabalho* da globalização é efectuado e dirigi-
áreas urbanas mais importantes, mas viajar era uma do. À medida que os negócios, a produção, a publici-
actividade característica de mercadores, soldados e dade e o marketing assumem uma escala global, exis-
outros que precisavam de atravessar distâncias com te uma enorme quantidade de actividade organizativa
alguma regularidade. A comunicação entre as cidades que tem de ser feita de modo a manter e a desenvol-
era limitada. N o início do século X X I , o quadro é ver estas redes globais.
muito diferente. A globalização teve um efeito pro- Saskia Sassen foi uma das principais contribuidoras
fundo nas cidades tornando-as mais interdependentes para o debate sobre as cidades e a globalização. Utili-
e encorajando a proliferação de ligações horizontais za o termo cidade global para se referir aos centros
entre as cidades através das fronteiras nacionais. N o urbanos que são a sede de grandes empresas transna-
presente, os laços físicos e virtuais entre as cidades cionais e de uma superabundante oferta de serviços
abundam e estão a emergir redes globais de cidades. financeiros, tecnológicos e de consultoria. E m A Cida-
Algumas pessoas previram que a globalização e as de Global (1991), Sassen baseia o seu trabalho no
novas tecnologias da comunicação poderão conduzir estudo de três destas cidades: Nova Iorque, Londres e
ao desaparecimento das cidades tal como as conhece- Tóquio. Em sua opinião, o desenvolvimento contem-
mos. Isto acontece, porque muitas das funções tradi- porâneo da economia mundial criou um novo papel
cionais das cidades podem agora ser desenvolvidas estratégico para as maiores cidades. A maioria destas
no ciber-espaço em vez de o serem nas densas e con- são, há muito, centros de comércio internacional, mas
gestionadas áreas urbanas. Por exemplo, os mercados têm actualmente quatro novos traços:
financeiros tornaram-se electrónicos, o comércio
eléctronico reduz a necessidade de tanto produtores 1 Transformaram-se em 'pontos de comando' - cen-
como consumidores se sediarem no centro das cida- tros de direcção e de decisão - da economia global.
des e as 'trocas electrónicas'permitem que um núme- 2 Estas cidades são os lugares-chave onde se encontram
ro crescente de empregados trabalhem a partir de as firmas financeiras e de serviços especializados, cuja
casa e m vez de num edifício de escritórios. influência sob o desenvolvimento económico se tor-
Contudo, até aí, estas previsões não se esgotaram. nou mais importante do que a produção fabril.
E m vez de conduzir ao desaparecimento das cidades, 3 São os principais centros de produção e inovação
a globalização está a transformá-las em centros vitais destas novas actividades em expansão recente.
na economia global. Os centros urbanos tornaram-se 4 São mercados onde os 'produtos' dos sectores finan-
fundamentais na coordenação dos fluxos de informa- ceiros e de serviços são comprados, vendidos ou
ção, na gestão das actividades de negócio e e m novos submetidos a quaisquer outras operações.
serviços e tecnologias inovadoras. Assistimos a uma
dispersão e concentração simultâneas de actividade Nova Iorque, Londres e Tóquio têm histórias
e poder num conjunto de cidades em torno do globo muito diferentes, mas podemos, no entanto, detectar
(Castells, 1996). mudanças comparáveis na sua natureza ao longo das
últimas duas ou três décadas. C o m a economia mun-
dial dos nossos dias, caracterizada por uma elevada
As cidades globais
dispersão, cidades como estas proporcionam o con-
O papel das cidades na nova ordem global tem atraí- trolo central de operações cruciais. Segundo Sassen,
do a atenção dos sociólogos. A globalização é muitas quanto mais globalizada se torna a vida económica,
vezes pensada e m termos de dualidade entre o nível tanto mais a gestão se concentra em poucos centros
nacional e o global. Contudo, são as maiores cidades de decisão. Todavia, as cidades globais, muito mais
do mundo que compreendem os principais circuitos do que meros lugares de coordenação, são contextos
594 AS CIDADES E OS ESPAÇOS URBANOS

de produção. O importante, neste caso, não é a pro- ma da concentração da indústria da moda italiana.
dução de bens materiais, mas a produção de serviços São Francisco é muito conhecida como um centro de
especializados exigidos pelas organizações económi- alta tecnologia pela sua proximidade de Silicon Val-
cas para administrar escritórios e fábricas dispersos ley. Contudo, na nova economia global, a relação
pelo mundo, e a produção de inovações financeiras, entre as cidades e as áreas circundantes está-se a
bem como os mercados. Os serviços e bens financei- transformar. As cidades nem sempre estão necessa-
ros são as 'coisas 1 que a cidade global faz. riamente no centro da economia regional. Pelo con-
As 'baixas 1 das cidades globais proporcionam trário, ao terem como função ligar os pontos de pro-
sítios concentrados, onde grupos inteiros de 'produ- dução, distribuição e finanças separados no globo,
tores1 podem trabalhar em interacção imediata e fre- afastam-se crescentemente das áreas circundantes
quentemente e m contacto pessoal entre si. N a cidade que são altamente periféricas a este processo de cres-
global, as firmas locais misturam-se com as organi- cimento económico.
zações nacionais e multinacionais, e m que se incluem U m bom exemplo é o da cidade de Nova Iorque,
muitas companhias estrangeiras. Deste modo, há em um centro urbano que surge como um gigante sobre
Nova Iorque escritórios de 350 bancos estrangeiros e o estado de Nova Iorque. As relações entre a city e o
de mais duas mil e quinhentas outras sociedades Estado são, na melhor das hipóteses, indiferentes, na
financeiras igualmente estrangeiras. U m empregado pior das hipóteses abertamente antagónicas. Os habi-
bancário e m cada quatro na cidade de Nova Iorque tantes do Estado de Nova Iorque são da opinião de
trabalha para um banco estrangeiro. As cidades glo- que a cidade absorve uma quantidade desproporcio-
bais competem umas com as outras, mas também nada de impostos e que os problemas que a assolam
constituem um sistema interdependente, parcialmen- tendem a dominar a agenda política do Estado.
te separado das nações em que se inserem.
Moscovo e as cidades periféricas da Rússia são
Outros autores, que seguiram o trabalho de Sas- um exemplo da deslocação entre uma cidade global
sen, notaram que, à medida que a globalização pro- emergente e o resto da nação como u m todo. Para a
gride, são cada vez mais as cidades que se juntam a grande maioria dos Russos que empobreceram desde
Nova Iorque, Londres e Tóquio na lista das 'cidades a queda do comunismo, a relativa prosperidade de
globais 1 . Castells descreveu a criação de uma hierar- Moscovo - a única "cidade verdadeiramente" global
quia das cidades mundiais * com lugares como Hong da Rússia - é motivo de ressentimento. Moscovo tor-
Kong, Singapura, Chicago, Francoforte, Los Ange- nou-se o elo principal entre a Rússia e a economia
les, M i l ã o , Zurique e Osaka a posicionarem-se como global na última década e a esmagadora maioria do
os centros principais de negócios e serviços financei- novo investimento na Rússia centralizou-se em Mos-
ros. Abaixo destas, estão a desenvolver-se como nós- covo, à custa das áreas periféricas. A medida que os
•chave na economia global um novo conjunto de elos horizontais entre as cidades globais assumem
'centros regionais*. Cidades como M a d r i d , São maior importância, o significado relativo dos elos
Paulo, Moscovo, Seul, Jakarta e Buenos Aires estão a entre a cidade e a região parecem diminuir.
tornar-se e m centros importantes para a actividade
entre os chamados 'mercados emergentes'.

A desigualdade e a cidade global

A cidade e a periferia A nova economia global é muito problemática de


muitas maneiras. E m mais lado algum isto pode ser
A globalização está a alterar a relação entre os gran- mais claro do que nas novas dinâmicas das desigual-
des centros urbanos e as regiões em que estes se loca- dades visíveis na cidade global. A justaposição entre
lizam. E m tempos, as cidades representavam as fun- o centro de negócios da cidade e as zonas centrais
dações das economias regionais, estavam envolvidas empobrecidas de muitas cidades globais deveriam ser
na economia do território que as rodeava e reflectiam vistas como fenómenos inter-relacionados, tal como
o seu perfil. D e certa forma ainda assim acontece. As nos lembram Sassen e outros. Os "sectores em cres-
cidades do norte de Itália reflectem a presença próxi- cimento" da nova economia - serviços financeiros.
595 A S CIDADES E OS ESPAÇOS URBANOS

marketing, alta tecnologia - retiram lucros muito avesso de forma sistemática - ou, antes, de fora para
maiores do que quaisquer outros encontrados nos dentro. Os espaços valorizados das novas mega-estrutu-
sectores tradicionais da economia. A medida que os ras e dos super centros comerciais concentram-se no
salários e as gratificações dos muito ricos continuam centro, as fachadas das ruas são desnudadas, a activida-
a subir, os salários dos empregados que limpam e de pública é seleccionada em compartimentos estrita-
vigiam os seus gabinetes estão a descer. Sassen argu- mente funcionais, e a circulação é internalizada em cor-
menta que estamos a testemunhar a "valorização" do redores sob a admiração da política privada (1990:226).
trabalho localizado na frente da nova economia glo-
bal, e a "desvalorização" do trabalho que se desenro- Segundo Davis, a vida torna-se "insuportável"
la por detrás do cenário (1998). para os residentes mais pobres e mais marginalizados
As disparidades na capacidade de produção de de Los Angeles. Os bancos nas paragens de autocar-
lucro são esperadas nas economias de mercado, mas ro têm a forma de barras para impedir que as pessoas
a grandeza destas disparidades na nova economia durmam neles; o número de casas de banho públicas
global tem tido um efeito negativo em muitos aspec- é menor do que em qualquer outra cidade da Améri-
tos do mundo social, da habitação ao mercado de tra- ca do Norte e, em muitos parques, foram instalados
balho. Os que trabalham na economia e nos serviços sistemas de aspersão para dissuadirem os sem-abrigo
globais usufruem salários elevados e as zonas em que de aí viverem. A polícia e urbanistas das cidades ten-
habitam são gentrificadas. A o mesmo tempo, os tra- taram conter a população dos sem-abrigo em certas
balhos de produção mais ortodoxos perdem-se e o regiões da cidade mas, ao trocarem e confiscarem
próprio processo de gentrificação cria um vasto con- periodicamente abrigos improvisados, criaram efecti-
junto de salários de baixo custo - em restaurantes, vamente uma população de "beduínos urbanos".
hotéis eboutiques. A habitação com preços acessíveis
é rara nas zonas gentri ficadas, forçando a expansão
de bairros de baixos rendimentos. Enquanto as zonas Governar a s cidades na era global
centrais de negócio são os recipientes de fluxos maci-
ços de investimento em imobiliário, desenvolvimen-
Tal como a globalização, a urbanização tem efeitos
to e telecomunicações, as zonas marginalizadas são
tanto criativos como destrutivos nas cidades. Por um
deixadas com poucos recursos.
lado, permite a concentração das pessoas, bens, ser-
Nas cidades globais, está a tomar forma uma geo- viços e oportunidades. M a s , ao mesmo tempo, frag-
grafia de "centralidade e marginalidade" - tal como menta e enfraquece a coerência dos locais, tradições
revelou o estudo de M i t c h Duneier sobre Greenwich e redes existentes. A par dos novos potenciais criados
Village de Nova Iorque. Paralelamente a uma afluên- pela centralização e pelo crescimento económico
cia resplandecente existe uma forte pobreza. Apesar estão os perigosos efeitos da marginalização. Não só
destes dois mundos coexistirem, o contacto habitual nos países em desenvolvimento, mas também nos
entre eles pode ser surpreendentemente mínimo. Tal industrializados, muitos habitantes operam na perife-
como notou M i k e Davis no seu estudo sobre Los ria, fora dos domínios do emprego formal, da lei e da
Angeles, houve um '"endurecimento consciente da cultura cívica (Borja e Castells, 1997).
cidade contra os pobres" (1990: 232). Os espaços
públicos acessíveis foram substituídos por comple-
xos fechados, bairros guardados pela vigilância elec-
Gerir o Global
trónica, e "cidadelas corporativas". Nas palavras de Apesar de a globalização estar a agravar muitos dos
Davis: desafios que afrontam as cidades em torno do mundo,
também tem dado espaço para que as cidades e os
Para reduzir o contacto com os intocáveis, o redesen- governos locais desempenhem um papel político
volvimento urbano converteu as outrora vitais estradas revitalizado. As cidades que se tornaram mais impor-
pedestres em esgotos e transformou os parques públicos tantes do que nunca como Estados-nação são cres-
em receptáculos temporários para os pobres e os sem- centemente incapazes de gerir as tendências globais.
-abrigo. A cidade Americana ... está a ser virada do Temas como o risco ecológico e a volatilidade dos
596 AS CIDADES E OS ESPAÇOS URBANOS

mercados financeiros operam a níveis muito acima maior flexibilidade e espaço de manobra do que as
dos do Estado-nação. Os países, mesmo os mais estmturas nacionais. Como aprendemos no capítulo
poderosos, são muito "pequenos" para conter estas 14 ("Governo e Políticas"), muitos cidadãos sentem
forças. Contudo, os estados-nação também conti- que os sistemas políticos não representam de forma
nuam a ser muito "grandes" para chegarem adequa- adequada os seus interesses e preocupações. E m
damente às necessidades encontradas nas áreas urba- casos em que o Estado-nação está muito distante para
nas cosmopolitas. Onde o Estado-nação é incapaz de representar interesses culturais e regionais específi-
agir efectivamente, os governos locais e das cidades cos, a cidade e as autoridades locais são fóruns mais
podem representar formas mais "ágeis de gerir o glo- acessíveis para a actividade política.
bal" (Borja e Castells, 1997).

As cidades como agentes políticos,


económicos e sociais
Nas cidades, um grande número de organizações, ins-
tituições e grupos cruzam caminhos. Negócios nacio-
Jordi Borja e Manuel Castells argumentam que nais e internacionais, investidores potenciais, corpos
existem três campos principais nos quais as autorida- governamentais, associações cívicas, grupos profis-
des locais podem agir efectivamente para gerir as sionais, sindicatos e outros encontram-se e formam
forças globais (1997). E m primeiro lugar, as cidades elos nas áreas urbanas. Estes elos podem conduzir a
contribuem para a produtividade económica e para a acções colectivas e conjuntas nas quais as cidades
concorrência ao gerir o 'habitat 1 local - as condições actuam como agentes sociais nas esferas políticas,
e serviços que formam a base social para a produtivi- económicas, culturais e nos media.
dade económica. A competitividade económica na Nos últimos anos, têm vindo a aumentar exemplos
nova economia depende de uma força de trabalho de cidades como actores económicos. N a Europa,
qualificada produtiva; para ser produtiva, esta força com o início da recessão nos anos 7 0 , as cidades uni-
de trabalho necessita de um forte sistema educacional ram-se para promoverem o investimento e gerarem
para as suas crianças, bons transportes públicos, habi- novas formas de emprego. O movimento das Euroci-
tação adequada e económica, aplicação da lei capaz, dades que, presentemente, inclui as cinquenta maio-
serviços de emergência efectivos e recursos culturais res cidades da Europa foi formado em 1989. As cida-
interessantes. des asiáticas, tal como Seul, Singapura e Bangueco-
E m segundo lugar, as cidades desenvolvem um que têm sido particularmente eficazes como actores
importante papel em assegurar a integração sociocul- económicos, reconhecendo a importância da veloci-
tural entre as várias populações multi-étnicas. A s dade da informação nos mercados internacionais e a
cidades globais trazem indivíduos de dezenas de paí- necessidade de estruturas produtivas e comerciais
ses, várias religiões e origens linguísticas e níveis flexíveis.
socioeconómicos diferentes. Se o intenso pluralismo Algumas cidades construíram planos de médio e
encontrado nas cidades cosmopolitas não for contra- longo prazo para enfrentar os complexos desafios
riado pelas forças da integração, poderão daí resultar com que se deparam. C o m estes planos, as autorida-
a fragmentação e a intolerância. E m particular nos des governativas locais, os grupos civis e os agentes
casos onde a eficácia dos estados-nação na promoção económicos privados, podem trabalhar em conjunto
da coesão social é comprometida por razões históri- para renovar a infraestrutura urbana, organizar um
cas, linguísticas ou outras, as cidades podem ser for- evento à escala mundial ou afastar o centro de traba-
ças positivas para a integração social. lho das empresas industriais para as empresas que se
E m terceiro lugar, as cidades são importantes for- baseiam no conhecimento/informação. Birmigham,
ças para a representação e gestão política. A s autori- Amsterdão, Lyon, Lisboa, Glasgow e Barcelona são
dades locais têm duas vantagens inerentes sobre o exemplos de cidades europeias que desenvolveram
Estado-nação em gerir os temas globais: gozam de planos de renovação urbanísticos com a ajuda de pla-
maior legitimidade junto de quem representam, e têm nos estratégicos.
597 A S CIDADES E OS ESPAÇOS URBANOS

O caso de Barcelona merece uma atenção particu- intenção de entregar os problemas de Londres ao pre-
lar. Lançado em 1988, o Plano Económico e Social sidente da Câmara municipal. Desde a abolição do
Estratégico de Barcelona, conjugou organizações Greater London Council pela Mrs Tatcher, a cidade
públicas e privadas sob uma visão partilhada e u m não tinha a sua administração local. Como parte da
plano de acção para transformar a cidade. O governo devolução do poder às autoridades regionais no
municipal de Barcelona e dez corpos adicionais Reino Unido, o conhecimento do governo de que as
(incluindo a câmara do comércio» a universidade, a necessidades especiais da capital de Inglaterra seriam
autoridade portuária da cidade e os sindicatos) estão geridas de forma mais eficaz através de um sistema
a fiscalizar a implementação dos três objectivos prin- de presidência da câmara.
cipais do plano: ligar Barcelona a uma rede de cida- Nos Estados Unidos, os presidentes das câmaras
des europeias melhorando a infraestrutura das comu- tomaram-se numa força económica e política em
nicações e dos transportes; melhorar a qualidade de décadas recentes. Os presidentes das câmaras norte-
vida dos habitantes de Barcelona; e tornar o sector -americanos foram, tradicionalmente, obrigados a
industriai e de serviços mais competitivo, ao mesmo trabalhar dentro dos parâmetros financeiros e políti-
tempo que promovem novos sectores económicos cos definidos pelo governo federal em Washington.
promissores. E m vez de introduzirem novas políticas nas suas pró-
U m dos pilares do plano de Barcelona 2000 teve prias cidades, os presidentes das câmaras tendiam
lugar e m 1992 quando a cidade recebeu os Jogos para lutar e proteger os programas de direito federal
Olímpicos. A realização dos Jogos Olímpicos e m e os grupos de interesse preocupados com questões
Barcelona permitiu a Barcelona "internacional izar- urbanas. Contudo, à medida que o alcance (objectivo)
-se"; os recursos e a visão da cidade estavam à vista dos problemas urbanos cresceu de forma mais inten-
para que fossem vistos por todo o mundo. N o caso de sa sob a liderança conservadora dos presidentes Rea-
Barcelona, organizar um evento à escala mundial foi gan e Bush, os presidentes das câmaras começaram a
crucial em duas frentes: valorizou o perfil da cidade juntar atenções para as necessidades específicas das
aos olhos do mundo e gerou entusiasmo adicional na grandes cidades. A Conferência de Presidentes de
própria cidade para concluir a transformação urbana Câmara juntou os presidentes das maiores cidades
(Borja e Castells, 1997). para promoverem temas como a execução da lei e a
necessidade de alianças entre o comércio e os gover-
O papel dos presidentes da câmara nos locais.

À medida que as cidades assumem uma nova impor- Os presidentes da Câmara, como Richar Daly em
tância no sistema global, o papel dos presidentes da Chicago e Dennis Archer em Detroit, lançaram refor-
câmara também está a mudar. Os presidentes da mas educativas ambiciosas para melhorar a qualida-
câmara das grandes cidades são capazes de dar uma de das escolas das cidades e para prevenir futuras
liderança personalizada que pode ser crucial na pro- "fugas para os subúrbios" de Nova Iorque. O presi-
moção das agendas urbanas e promover um perfil dente da câmara de Nova Iorque, Rudolph Giuliani,
internacional das cidades. Os presidentes da câmara produziu uma tempestade de controvérsia - mas
de Lisboa e Barcelona, por exemplo, estavam a ganhando o respeito de muitos - ao implementar
desenvolver esforços para elevar as suas cidades ao taxas de crime. A taxa de crime violento em Nova
nível dos maiores centros urbanos mundiais. D a Iorque decaiu muito durante os anos 90; rígidas polí-
mesma forma, os presidentes das câmaras das cida- ticas de "qualidade de vida" destinadas às populações
des mais pequenas podem ter um papel crucial e m dos sem-abrigo transformaram a face das atarefadas
fazer com que a cidade seja conhecida internacional- ruas de Nova Iorque. À medida que a violência rela-
mente e na atracção de novos investimentos econó- cionada com as armas disparou nas cidades norte-
micos. -americanas, mais de vinte presidentes de Câmara
abandonaram a sua confiança nas tentativas federais
N a Grã-Bretanha a importância crescente dos pre-
para aprovarem a legislação sobre o controlo de
sidentes das câmaras não passou despercebida.
armas e apresentaram queixa contra os seus produto-
Depois de terem chegado ao poder, e m 1997, o
res em nome das suas cidades.
governo do N o v o Partido Trabalhista anunciou a sua
598 AS CIDADES E OS ESPAÇOS URBANOS

Nos Estados Unidos e em outros países, os presi- estão incluídos no contexto maior da economia global >
dentes da Câmara gozam de uma crescente influência migração internacional, novos padrões de comércio e
como porta-vozes das suas cidades e regiões. Os pre- poder da tecnologia de informação.
sidentes da câmara são muitas vezes capazes de mol- Noutro ponto reparamos que as complexidades do
dar a agenda política para áreas que estão fora dos nosso mundo em mudança exigem novas formas de
limites das cidades, entrando em acordo com as governo democrático internacional. As redes das
comunidades da área metropolitana. Este tipo de cidades deveriam figurar de forma proeminente entre
alianças podem atrair investimento estrangeiro, por estes novos mecanismos. U m a estrutura como esta já
exemplo, ou contribuir para a organização de eventos existe - a Assembleia Mundial das Cidades e das
mundiais tornando estas cidades nas suas anfitriãs. Autoridades Locais é organizada em simultâneo com
a Conferência sobre Habitat das Nações Unidas. Cor-
pos como a Assembleia Mundial prometem permitir
Conclusão: a s cidades e a governação a integração gradual das organizações das cidades em
estruturas presentemente compostas por governos
global
nacionais.

A cooperação entre as cidades não se restringe ao nível O forte envolvimento das cidades tem o potencial
regional. Existe uma consciência crescente de que as de democratizar as relações internacionais; pode tam-
cidades podem e devem ter um papel significativo em bém torná-las mais eficientes. A medida que a popu-
definir assuntos internacionais políticos, económicos e lação urbana mundial continua a crescer, cada vez
sociais. Redes informais e formais de cidades estão a mais as políticas e as reformas terão de ser direccio-
emergir à medida que as forças da globalização apro- nadas para as populações que habitam em zonas
ximam zonas do mundo. Os problemas enfrentados urbanas. Os governos das cidades serão parceiros
pelas maiores cidades do mundo não são isolados; necessários e vitais nestes processos.

1 Nas sociedades tradicionais, só uma pequena minoria da população vivia em


áreas urbanas. Actualmente, nos países industrializados, 6 0 a 90 por cento da
s1
população vive em áreas urbanas. A urbanização também se está a desenvolver
>»' t'. rapidamente nas sociedades em desenvolvimento.
2 As primeiras abordagens da Sociologia Urbana foram dominadas pelo trabalho
da Escola de Chicago, cujos membros viam os processos urbanos em termos de
modelos ecológicos provenientes da biologia. Louis Wirth desenvolveu o con-
ceito do urbanismo como modo de vida, defendendo que a vida nas cidades ali-
menta a impessoalidade e a distância social. Estas abordagens foram contestadas,
mas nunca foram totalmente postas de lado. Os críticos sublinharam que a vida
nas cidades nem sempre é impessoal: nos bairros urbanos podem-se formar e
manter muitos laços pessoais de proximidade.
3 O trabalho mais recente de D a v i d Harvey e Manuel Castells relaciona as carac-
terísticas do urbanismo com a sociedade envolvente, em vez de tratar os proces-
sos urbanos como independentes. Os modos de vida que as pessoas desenvolvem
nas cidades, bem como o aspecto físico dos diferentes bairros, exprimem carac-
terísticas mais amplas do desenvolvimento do capitalismo industrial.
4 A expansão dos subúrbios e das cidades-dormitório tem contribuído para a deca-
dência dos centros urbanos. Os grupos mais prósperos e o comércio tendem a
mudar-se para longe do centro, a fim de poderem beneficiar de impostos locais
mais baixos. Desta forma, estabelece-se um ciclo de deterioração, no qual quan-
599 A S CIDADES E OS ESPAÇOS URBANOS

to mais se expandem os subúrbios, maiores são os problemas dos que vivem nos
centros das cidades. A reciclagem urbana - a remodelação de velhos edifícios para
lhes dar novos usos - tornou-se comum em muitas grandes cidades.
5 Estão a desenrolar-se nos países em desenvolvimento processos maciços de
desenvolvimento urbano. As cidades dessas sociedades diferem, em muitos
aspectos, das do Ocidente e são frequentemente dominadas pela construção
desordenada e ilegal de habitações clandestinas, onde as condições de vida são de
uma pobreza extrema. A economia informal é pronunciada em muitas cidades nos
países e m desenvolvimento. Muitas vezes os governos não conseguem responder
à procura crescente da população para a educação, saúde e planeamento familiar.
6 As cidades são fortemente influenciadas pela globalização. As cidades globais são
centros urbanos, tais como Nova Iorque, Londres e Hong Kong.que são a sede de
grandes corporações e são superabundantes em serviços financeiros, tecnológicos
e de consultoria. U m conjunto de cidades regionais, tais como Seul, Moscovo e
São Paulo, estão-se a desenvolver como nós-chave da economia global.
7 A medida que as cidades se tornam mais importantes na economia global, a sua
relação com as regiões periféricas altera-se. As cidades desligam-se da região e da
nação em que se localizam e as ligações horizontais com outras cidades assumem
grande significado. A s cidades globais caracterizam-se por grandes graus de desi-
gualdade. Coexistem grandes riquezas e pobreza abjecta lado a lado, mas o con-
tacto entre os dois mundos pode ser mínimo.
8 O papel das cidades como agentes políticos e económicos está a aumentar. Os
governos das cidades estão posicionados para gerir os efeitos de alguns assuntos
globais melhor do que os governos nacionais. A s cidades podem contribuir para
a produtividade económica e para a competitividade, promover a integração
social e cultural e servir como pontos de encontro acessíveis para a actividade
económica. Algumas cidades elaboram planos estratégicos para promoverem o
perfil da cidade ao acolherem um acontecimento mundial ou ao promoverem a
renovação urbana ou programas de desenvolvimento económico. Os presidentes
das Câmaras das cidades estão a tornar-se em importantes forças políticas na pro-
dução de agendas urbanas.
9 À medida que a globalização progride, é provável que aumente o papel das cida-
des na definição de questões internacionais. Isto sucede, porque muitos dos pro-
blemas que atingem as grandes cidades estão ligados a temas globais tais como a
integração económica, a migração, o comércio, a saúde pública e a tecnologia de
informação. Estão a emergir redes regionais e internacionais de cidades que pode-
rão envolver-se em formas de governação global correntemente compostas por
Estados-nação.

1 Porque é que Greenwich Village em Nova Iorque evoca tudo o que de melhor e
pior existe no espaço urbano?

2 Qual é a influência da Escola de Chicago no pensamento mais recente acerca da


vida urbana?

3 Porque é que os grupos entram e m conflito pelos recursos nas cidades?


600 AS CIDADES E OS ESPAÇOS URBANOS

4 Porque é que as tentativas de renovação urbana no Reino Unido não foram mais
bem sucedidas?

5 Deveriam as 'megacidades* do terceiro mundo deixar de urbanizarem virtude das


condições sociais opressivas que este processo cria?

6 Porque é que houve um recente entusiasmo pelo conceito de eleição dos Presi-
dentes das Câmaras?

John Caulfield e Linda Peake (coord.s), City Lives and City Forms: Criticai
Research and Canodian Urbanism (Toronto: University o f Toronto Press, 1996)
James Donald, Imagining the Modem City (Londres: Athlone, 1999)
Nan E i l i n , Postmodern Urbanism (Oxford: Blackwell, 1995)
Setha M. Low (coord.), Theorizing the City: The New Urban Anthropology Reader
( N e w Brunswick: Rutgers University Press, 1999)

William J. Mackey, Janet Fredericks e Mareei A. Fredericks, Urbanism and


Delinquency: Compromising the Agenda for Social Change (Lanham: University
Press of America, 1993)

Peter Marcuse e Ronal van Kempen (coord.s), Globalizing Cities: A New Spatial
Order? (Oxford: Blackwell, 2000)


London Research Center
w w w i o n d o n «research .gov .u k / L r c i n f h t m

OneWorld International Foundation - the city


w w w«one w o r Id «or g/guides/thecity

Sustainable architecture, building and culture


www.sustainableabc.com

University of Leicester, Centre for Urban History


http://wwwJe3c.uk/urbanhist/index Jitml

Urban Institute (Washington D C )


http://www.urban.org

Você também pode gostar