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As idiossincrasias da vida cristã e a difícil realização da


experiência evangélica
RENATO NUNES BITTENCOURT*
66 

Resumo
O artigo aborda o grande descompasso ético entre a teoria e a prática
na experiência religiosa do devoto cristão tradicional, muitas vezes
incapaz de aplicar rigorosamente os preceitos evangélicos propostos
por Jesus de Nazaré por justamente não vivenciar em seu âmago a
intensidade dessa doutrina plena de beatitude e amor. Desse modo,
argumentamos que a essência do modo de ser crístico raramente se
realiza em nossa conjuntura civilizacional, não obstante bilhões de
indivíduos se denominarem como cristãos.
Palavras-chave: Cristianismo; Beatitude; Hipocrisia; Estado;
Ressentimento.

                                                            

*
RENATO NUNES BITTENCOURT é Doutor em Filosofia pelo PPGF-UFRJ; Professor do
Curso de Especialização em Pesquisa de Mercado e Opinião Pública-UERJ, da Faculdade CCAA e da
Faculdade Duque de Caxias-UNIESP.
 

67 
Introdução algumas passagens bíblicas e das
contribuições de pensadores
Determinadas épocas do ano estimulam
fundamentais que refletiram sobre a
a reflexão sobre os valores
consciência moderna e suas
predominantes que fundamentam nossa
idiossincrasias sociais, veremos o
estruturação social, de maneiro que
quanto a grande massa de sectários
possamos assim produzir um
cristãos vive afastada efetivamente das
diagnóstico cultural sobre nossa época e
prédicas evangélicas originárias.
nosso modo de viver. O Natal, data que
no mundo cristão celebra
simbolicamente o nascimento de Jesus
A questão do valor da vida
de Nazaré, é uma delas. O Natal, que
originalmente afirma a esperança de Muitos cristãos defendem de maneira
renovação da vida a cada ano que se talvez automática o valor da vida como
inicia, se afastou dos seus propósitos uma categoria intocável, de modo que
sagrados ao se tornar acima de tudo refutam a prática do aborto e da
uma efeméride capitalista de defesa do eutanásia, não importando em quais
consumismo e dos seus efeitos circunstâncias as mesmas são
deletérios nas relações humanas. Se o realizadas. Nesse contexto, nada mais
Natal se tornou um dispositivo fetichista fazem do que adotar uma perspectiva
de consumo, o que teríamos a dizer extensiva da vida, pautada na mera
sobre a estrutura axiológica cristã que quantificação do tempo, e não na sua
sustenta hegemonicamente nossa ordem qualidade. Há ocasiões em que o aborto
civilizacional? deve ser praticado sem qualquer aflição
moral por parte da mãe (em caso de
A doutrina evangélica de Jesus de estupro ou risco de morte para a
Nazaré, se porventura fosse aplicada progenitora), assim como em casos de
rigorosamente pelos fieis cristãos que degradação absoluta da vida do enfermo
tanto se pavoneiam como tais perante o em estado terminal ou irreversível, a
mundo, certamente promoveria um eutanásia seria uma saída para o término
melhoramento da condição humana em do tormento moral desse grande mal-
sua organização social e uma maneira estar existencial. O que podemos
mais amorosa de se relacionar não afirmar categoricamente é que cada caso
apenas com o próximo, mas com o merece ser analisado em sua máxima
próprio meio ambiente. Todavia, entre singularidade, evitando-se a expressão
teoria e prática existe uma cisão “nunca”: “nunca farei isso”, “nunca
fundamental, e diversas contradições aceitarei isso”. Contudo, se muitos
marcam o que chamamos usualmente de cristãos condenam peremptoriamente o
“vida cristã”. A partir da exegese de
 

aborto ou a eutanásia, muitos cristãos, um projeto social de coerção moral


quando acometidos de indignação exemplar mediante a ameaça da
inflamada contra um crime que gera extinção da vida individual, mas tão
grande comoção social, não hesitam em somente em se exercer a vingança
defender a execução do delinquente soberana chancelada pelo poder estatal.
pelo braço punidor do Estado, clamando No mesmo erro incorrem os falsos
pela pena de morte, ou mesmo cristãos que defendem a repressão
legitimando moralmente as ações brutal das forças policiais contra os
repressivas das forças policiais na sua criminosos, postulando o infame
luta contra o banditismo. Curiosamente discurso de que “bandido bom é
muitos parlamentares das bancadas bandido morto”. A disposição ética de 68 
religiosas são peremptórios em rechaçar esperança de renovação moral do
qualquer avanço significativo no debate infrator da lei civil vai para o esgoto
sobre a legitimidade da eutanásia e do toda vez que um pretenso cristão deixa
aborto, mas não hesitam em defender a a peçonha do ímpeto de vingança
pena de morte baseados em obscuras predominar sobre todo apelo de
passagens veterotestamentárias que não misericórdia e de perdão.
fazem mais sentido em nossa realidade
atual. É o espírito de vingança que se
manifesta nas palavras do devoto cristão
A defesa da pena de morte, em qualquer
quando este, impactado pelos
circunstância, viola os preceitos básicos
acontecimentos sociais mais terríveis ou
dos Evangelhos, fundamentados na
quando ofendido diretamente pela
aplicação do perdão e da misericórdia
agressão do criminoso, eleva sua voz no
em todas as ocasiões. Por conseguinte, a
clamor pela execução capital, pois seu
apologia da pena de morte representa
ressentimento embota toda sua
uma disposição incompatível com a
capacidade de discernimento. Para onde
beatitude crística; entretanto, no
se esvaiu o sentido sublime do perdão
primeiro momento de crise muitos
crístico? Cabe ressaltar que o termo
sectários cristãos parecem deixar de
“ressentimento” significa, no seu
lado a aplicação da doutrina evangélica
sentido original, o ato de se sentir
em prol da consecução dos seus ímpetos
novamente um dado afeto, motivado por
reacionários de violência contra os seus
uma impressão externa registrada na
desagravos. Além disso, se postularmos
mente do ser humano, estado que traz à
a existência de vida espiritual para além
superfície de consciência e nas
da matéria, a aplicação da pena de
disposições emotivas dessa pessoa,
morte talvez se torne um prejuízo para a
portanto, a intensidade dos afetos
evolução moral do condenado, pois
sentidos outrora relembrados pela
este, caso se arrependa dos seus delitos,
memória, incapaz de esquecer tais
fica impossibilitado de continuar sua
acontecimentos. O indivíduo ressentido
trajetória de retificação interior rumo ao
não consegue digerir suas experiências
caminho do bem. Ora, se este sujeito
desagradáveis, chafurdando-se assim
corrigiu suas falhas de caráter e se
nas recordações turbulentas que
tornou uma pessoa moralmente melhor,
atazanam seu ânimo, buscando assim
mudando assim sua conduta prática, não
responsáveis por seu mal-estar
faz mais sentido nenhum que lhe seja
psicofisiológico para que possa
aplicada a pena capital. Desse modo,
satisfazer seu ímpeto de reparação.
fica nítido que o objetivo da pena de
Conforme argumenta Nietzsche,
morte não consiste em se estabelecer
 

Os sofredores são todos modo incondicional? Quem consegue


horrivelmente dispostos e amar um inimigo? Quem é capaz de
inventivos, em matéria de pretextos perdoar verdadeiramente uma ofensa,
para seus afetos dolorosos; eles sem vir a se afetar pelos efeitos
fruem a própria desconfiança, a depressivos do ressentimento? Na teoria
cisma com baixezas e aparentes
prejuízos, eles revolvem as vísceras
muitos devotos são cordeiros de paz,
de seu passado e seu presente, atrás mas na primeira oportunidade em que
de histórias escuras e questionáveis, deveriam evidenciar a força moral de
em que possam regalar-se em uma sua fé, sucumbem ao ódio e aos atos de
suspeita torturante, e intoxicar-se de violência. O evangélico dispositivo do
seu próprio veneno de maldade – perdão multiplicado por “setenta vezes 69 
eles rasgam as mais antigas feridas, sete” (Mt, 18, 22) é uma realidade
eles sangram de cicatrizes há muito distante dos corações dos devotos
curadas, eles transformam em rancorosos.
malfeitores o amigo, a mulher, o
filho e quem mais lhes for próximo Situação talvez pior ainda seja a
(NIETZSCHE, 1999, p. 117) daqueles cristãos que ousam julgar no
Interpretado no âmbito da moralidade lugar de Deus, condenando por
religiosa, o ressentimento denota a antecipação ao fogo do Inferno pessoas
incapacidade humana de suprimir os que cometeram crimes terríveis ou
seus afetos reativos diante da figura do ações ignominiosas que ofendem
outro e uma disposição moralista de violentamente a opinião pública.
culpabilidade, decorrendo daí a má Espinosa, em uma belíssima
consciência. explanação, afirma que
A piedade, ó Deus imortal, e a
Religião consistem em mistérios
A dificuldade de perdoar absurdos e são os que condenam
absolutamente a razão, os que têm
Muitos cristãos apresentam grande aversão e rejeitam o entendimento
dificuldade de perdoar as dívidas e as como coisa corrompida por
ofensas dos seus interlocutores, apesar natureza, são esses, suprema
da suma importância que a doutrina iniquidade, que passam por possuir
evangélica concede ao perdão na a luz divina. Certamente que, se
configuração prática da vida crística. eles tivessem uma centelha que
Perdoar não é uma ação simples e exige fosse da luz divina, não andariam
grande força psicológica da parte tão cheios de soberba idiota e
daquele que realiza tal gesto aprenderiam a honrar a Deus e
distinguir-se-iam dos outros pelo
magnânimo para com seu ofensor.
amor, da mesma forma que agora se
Usualmente, em situações demasiado distinguem pelo ódio. Nem
intrincadas, cristãos dizem que somente perseguiriam com tanta
Deus pode perdoar, pois o coração animosidade os que não partilham
humano é falho e limitado, logo, de suas opiniões; pelo contrário,
incapaz de efetivar esse processo de sentiriam piedades deles (se é, de
libertação interior. O cristão que não fato, a salvação alheia e não a
desenvolve a capacidade de perdoar própria fortuna que os preocupa).
vive imerso no veneno do Além disso, se realmente tivessem
ressentimento, disposição psicológica alguma luz divina, ela ver-se-ia pela
contrária ao espírito evangélico. Quem sua doutrina (ESPINOSA, 2003, p.
10).
realmente ama ao seu “próximo” de
 

Esse talvez seja o mais blasfemo pecado povo, queriam era fazer-se admirar
cometido pelos cristãos, pois esses e censurar publicamente os
sujeitos, desprovidos de onisciência, dissidentes, não ensinando senão
ousam proferir juízos que somente coisas novas e insólitas para
caberiam a Deus, fonte de misericórdia deixarem o vulgo maravilhado. Daí
surgirem grandes contendas, invejas
e de amor que certamente não age e ódio, que nem o correr do tempo
movido por parâmetros tacanhos de foi capaz de apagar (ESPINOSA,
avaliação. Vejamos outras sublimes 2003, p. 9)
colocações de Espinosa:
Sob uma perspectiva escatológica,
Inúmeras vezes fiquei espantado talvez sejam esses cristãos imputados 70 
por ver homens que se orgulham como puros e perfeitos que seriam os
por professar a Religião cristã, ou primeiros condenados ao fogo infernal,
seja, o amor, a alegria, a paz, a pois eles se julgam superiores aos
continência e a lealdade para com demais por conta de sua pretensa pureza
todos, combaterem-se com tal espiritual, considerando todo o resto do
ferocidade e manifestarem mundo a escória por excelência que
cotidianamente uns para com os merece toda sorte de sofrimentos.
outros um ódio tão exacerbado que Segundo Nietzsche
se torna mais fácil reconhecer a sua
fé por estes do que por aqueles - Não nos devemos deixar enganar:
sentimentos. De fato, há muito que “Não julguem” [Mateus, 7,1] dizem
as coisas chegaram a um ponto tal eles, mas mandam ao inferno tudo o
que é quase impossível saber se que lhes fica no caminho. Fazendo
alguém é cristão, turco, judeu ou com que Deus julgue, eles próprios
pagão, a não ser pelo seu vestuário, julgam; glorificando a Deus,
pelo culto que pratica, por glorificam a si mesmos;
frequentar esta ou aquela igreja, ou promovendo as virtudes de que são
finalmente porque perfilha esta ou capazes – mais ainda, de que têm
aquela opinião e costuma jurar necessidade para ficar no topo -,
pelas palavras deste ou daquele dão a si mesmos a grande aparência
mestre. Quanto ao resto, todos de pelejar pela virtude, de lutar pelo
levam a mesma vida. Procurando predomínio da virtude
então a causa desse mal, conclui (NIETZSCHE, 2007, p. 52)
que ele se deve, sem sombra de
dúvidas, a considerarem-se os A elaboração da ideia da existência do
cargos da Igreja como títulos de Inferno como local de expiação da
nobreza, os seus ofícios como postulada iniquidade seria uma das mais
benefícios, e consistir a Religião, grotescas criações do espírito de
para o vulgo, em cumular de honras ressentimento contra a divergência,
os pastores. Com efeito, assim que contra todo tipo de ação que vai de
começou na Igreja esse abuso, se encontro aos interesses e valores
apoderou dos piores homens um teológicos instituídos dogmaticamente
enorme desejo de exercer os pela estrutura dominante dos sacerdotes.
sagrados ofícios; logo o amor de É a partir de tal perspectiva que
propagar a divina Religião se
transformou em sórdida avareza e
Nietzsche ironiza o fato de Dante
ambição, de tal maneira que o Alighieri ter colocado no portal do
próprio templo degenerou em “Inferno” de sua Divina Comédia a
teatro, onde não mais se veneravam inscrição “Também a mim criou o
doutores da Igreja, mas oradores eterno amor” [DANTE ALIGHIERI,
que, em vez de quererem instruir o “Inferno”, III, vs. 5-6], quando na
 

verdade seria mais justificado dizer usualmente sucumbe ao pecado da


“também a mim criou o eterno ódio” soberba e do orgulho espiritual,
(NIETZSCHE, 2007, p. 40). quebrando assim sua caminhada rumo
ao núcleo divino; tanto pior, o seu
Os pretensos cristãos jamais poderiam
afastamento radical em relação ao
se sentir felizes no “Céu” se não
pecado lhe retira o senso de superação,
tivessem a plena certeza de que os seus
pois somente ao vivenciar a dor da
“inimigos” estavam sofrendo uma
corrupção ele pode compreender
punição conveniente no Inferno,
efetivamente o que é o nada. Por isso a
esperança vingativa que nada mais é
conversão do pecador é mais
que um venenoso sentimento 71 
interessante do ponto de vista
anticristão; a beatitude do devoto
soteriológico do que a vida pacata do
ressentido é negativa, pois nasce do
fiel, muitas vezes automatizado por uma
reconhecimento do sofrimento do outro,
rotina cega, desprovida de flutuações
do pecador.
existenciais. Deus, sendo onipotente,
O sujeito imbuído da disposição pode perdoar os pecados mais
evangélica não julga o outro que erra, horrendos, e sendo ainda expressão
mas antes se esforça para ajudá-lo de máxima do amor, não poderia agir de
todas as formas a sair do seu estado de outra maneira, pois o amor cobre uma
declínio. Podemos inclusive afirmar que multidão de pecados (1 Pd, 4,8). O
o sujeito que peca está mais próximo da amor, sentimento transfigurador da
essência divina do que o puro, pois este, existência, acolhe todas as coisas e
pretenso imaculado, julga prescindir da reveste-as de dignidade. A práxis
Graça Divina para se manter incólume crística não estabelece distinções entre
no caminho da Salvação e assim acaba Bem e Mal, pois compreende a
por sucumbir perante sua própria experiência da vida como uma relação
arrogante autossuficiência. Espinosa monista do homem para com Deus em
afirma que sua mediação com a natureza. Desse
A verdadeira felicidade e beatitude modo, o amor se torna uma disposição
do indivíduo consiste unicamente fundamental que reveste todos os atos
na fruição do bem e não, como é daquele que vivencia a beatitude crística
evidente, na glória de ser o único a em seu âmago, divinizando todas as
fruir quando os outros dele coisas. Para Kierkegaard,
carecem; quem se julga mais feliz
só porque é o único que está bem, O amor cobre a multidão dos
ou porque é mais feliz e mais pecados. Pois ele não os descobre;
afortunado que os outros, ignora a porém o não descobrir o que no
verdadeira felicidade e a beatitude. entanto deve estar aí, na medida em
Porque a alegria que assim se que se deixa descobrir, é cobrir [...]
experimenta, a menos que seja Pelo perdão, o amor cobre a
infantil, não pode resultar de outra multidão dos pecados
coisa que não seja a inveja e a má (KIERKEGAARD, 2005, p. 331)
vontade (ESPINOSA, 2003, p. 50).
Quanto mais o homem peca, mais ele
Quem reconhece o pecado incrustrado glorifica a Deus, pois maior será sua
no âmago desenvolve a consciência de obra de remissão da culpa humana.
seu próprio falibilismo, e assim atua no Logo, a grandiosidade de Deus é
mundo de maneira sensata, moderada, proporcional ao pecado da condição
desprovido de maiores certezas. O humana. Lembremo-nos da narrativa
cristão autoproclamado puro evangélica acerca da mulher que unge
 

os pés de Jesus com óleo e enxuga-os Não julgueis que vim trazer paz a
com seus cabelos e o Nazareno diz que Terra; não vim trazer-lhe paz, mas
seus numerosos pecados lhe são espada; porque vim separar o
perdoados porque ele demonstrou muito homem contra seu pai, e a filha
amor (Lc, 7, 47). contra sua mãe, e a nora contra sua
sogra; e os inimigos do homem
Um Deus que não pode perdoar os serão os seus mesmos domésticos
pecados mais ignominiosos não é um (Mt, 10, 34-36).
ser divino pleno. Nesse contexto,
podemos afirmar que Deus não ama o A vivência crística desperta no
pecador e odeia o pecado, em verdade indivíduo a capacidade de se emancipar 72 
Deus ama o pecado do pecador, pois dos seus valores mais tradicionais,
somente assim o homem pode abrindo-se ao novo, ao desconhecido,
estabelecer a conexão imanente com sua ao insólito, de modo que seus
essência sagrada mediante a consciência preconceitos são eliminados de sua
de seu afastamento da plenitude divina. consciência. Se a família de sangue
Esse é o grande paradoxo da impede a libertação existencial do
experiência do pecado, pois ao mesmo indivíduo imerso na beatitude
tempo em que o pecador supostamente evangélica, a sua família espiritual, em
se distancia do âmago divino ao plena sintonia com suas aspirações
transgredir os mandamentos sagrados, existenciais, lhe promoverá a
ele também afirma assim sua própria emancipação.
singularidade existencial e sua
autonomia, tornando-se, ainda, O discurso reacionário usualmente
merecedor da misericórdia divina que defende uma concepção de família
tudo absolve em seu infinito amor. pautada numa pretensa ordem natural,
como se esta fosse a única possível ou a
única aceitável, excluindo todas as
Família demais de sua categorização. Nesse
contexto, a verdadeira família seria a
Muitos cristãos, desprovidos de senso
biparental, heterossexual, na qual a
histórico, desconhecem que a família é perpetuação da espécie humana se torna
uma construção social, de modo que os
o fim maior. Diversos grupamentos
laços familiares não são estruturas religiosos incrustrados na política
atemporais, mas configurações afetivas defendem ferrenhamente os princípios
que se modificam no decorrer das eras a moralistas dessa organização familiar
partir de critérios materiais e nas suas atividades parlamentares,
simbólicos. O próprio Cristianismo inclusive fazendo dessa questão sua
originário rompe com a noção de grande plataforma eleitoreira, não
família baseada nos laços de sangue, obstante a laicidade do Estado
criando uma noção comunal de republicano, incompatível com esses
associação de pessoas imbuídas de um ranços teológicos arcaicos. A vivência
espírito agregador, a vida crística, para crística originária não nega o valor da
além das diferenciações parentais. Jesus composição familiar, apenas nos faz
de Nazaré em diversos momentos de perceber que de nada adianta vivermos
sua doutrina evangélica evidencia a enclausurados na dimensão fechada da
incompatibilidade de sua práxis com os família como se esta fosse o grande
parâmetros judaicos das configurações refúgio para os males cotidianos da
familiares:
sociedade, desprovidos, assim, de
 

comunicação autêntica com os demais casamento assim como a apologia de


membros do entorno. sua estrutura biparental. O filisteu
religioso não sabe que onde existe
A verdadeira vida comunal crística amor, Deus aí está.
abole as barreiras parentais, ampliando
assim os laços de cooperação que
envolve os sujeitos imbuídos de um
Política
senso espiritual de amor, de amizade, de
tolerância, de paz. Por conseguinte, de A práxis crística originária realiza-se na
nada adianta preservar a estrutura própria imanência e nos permite ver que
biparental da organização familiar se o Reino dos Céus não está para além do 73 
porventura ela não é regida pelo amor e mundo físico, da Terra, mas se encontra
seus efeitos criadores na prática imediatamente unido a ela. É por isso
cotidiana. Em nome de um formalismo que, de acordo com os Evangelhos,
moralista, quantas famílias Jesus teria afirmado que o “Reino de
escamotearam os seus problemas Deus está dentro de nós” (Lc 17, 21).
estruturais para que dessem mostra Contudo, isso não significa que o Reino
pública de sua suposta harmonia de Deus se realizará concretamente,
interna, passando-se assim como o como um Estado instaurado
modelo ideal de família, quando em publicamente e que se constituirá
verdade a infidelidade e a desarmonia politicamente como tal. As bases
reinam nessa relação? Aliás, muitos originais da doutrina evangélica
matrimônios pretensamente erigidos sob evidenciavam um distanciamento em
a égide da moral cristã foram relação ao mundo das articulações
estabelecidos por relações de políticas, e em diversas circunstâncias
conveniência financeira ou política, Jesus de Nazaré deu mostras de que seu
sendo o amor autêntico escamoteado projeto messiânico não se concretizaria
para segundo plano. Conforme Engels, através de um Estado Divino na Terra,
Se somente o casamento baseado
tal como em seu diálogo com Pôncio
no amor é moral, só pode ser moral Pilatos “Meu reino não é deste mundo.
o casamento em que o amor Se meu reino fosse desse mundo, meus
persiste. Mas a duração do acesso súditos teriam combatido para que eu
de amor sexual individual é muito não fosse entregue aos judeus. Mas meu
diversa segundo os indivíduos, reino não é daqui” (Jo, 18, 36).
particularmente entre os homens.
Em razão disso, quando o afeto Todavia, mediante a difusão da
desaparece ou é substituído por um mensagem crística pelo mundo antigo e
novo mais apaixonado, a separação sua assimilação pela administração
será um benefício tanto para ambas imperial romana, os valores cristãos,
as partes como para a sociedade após tortuoso período de perseguição e
(ENGELS, 2012, p. 81). rechaço, foram acoplados naquela
estrutura política, legitimando-a
Mesmo a sociedade atual, mais liberal e
moralmente e ideologicamente. Nessas
flexível em seus vínculos, ainda
condições, surgiu assim o dito Estado
apresenta resquícios desses modelos
Cristão, uma contradição categórica,
matrimoniais arranjados por interesses
pois a doutrina crística é incompatível
alheios ao espírito amoroso,
com a estrutura normativa de todo
circunstância que evidencia o quão
organismo civilizacional. Tolstói se
hipócrita e contrária aos paradigmas da
indaga acerca dessa questão:
vida é a defesa da insolubilidade do
 

Cristo pedia realmente a seus pois o uso de toda força militar já se


discípulos que aceitassem os configura como uma negação do
preceitos do Sermão da Montanha? modelo de vida crístico. A grande
Então pode ou não o cristão violação cometida contra a axiologia
participar da justiça, seja como juiz, evangélica ocorre quando esta se pauta
seja como acusador, o que se
constitui numa apelação à força?
a um mero sustentáculo ideológico e
Pode ele ou não, permanecer moral de um sistema civilizatório que se
cristão, participar da administração, fundamenta pela violência e pelos
isto é, usar da força contra seus instrumentos coercitivos, notadamente
semelhantes? E enfim, pergunta anticristãos.
mais importante, a que, com o 74 
serviço militar obrigatório, interessa O advento da Modernidade conduziu a
hoje a todos: pode o cristão, um processo de secularização de toda
contrariamente à indicação tão estrutura política do mundo cristão,
precisa de Cristo, servir o exército e havendo uma significativa separação
assim cometer homicídio ou entre o poder teológico e o poder
preparar-se para tal? (TOLSTÓI, estatal. No caso da República Brasileira,
1994, p. 56).
a laicidade do Estado é uma das suas
A partir de um viés radical, pode-se características formais fundamentais, ao
dizer que o estabelecimento estatal é menos a partir de uma perspectiva
fonte de todo “mal”, pois as suas bases teórica, pois em verdade percebemos
se fundamentam na opressão humana; cada vez mais dificuldade de
por conseguinte, a aspiração pela separarmos a dimensão religiosa da
instauração de um “reino divino” na esfera política, pois sua agenda, que
vida humana não pode depender das deveria se libertar definitivamente dos
estruturas materiais e extensivas do preconceitos morais do discurso
poder vulgar, pois um Estado somente teológico reacionário, continuamente se
sobrevive politicamente quando se submete ao mesmo, como forma de
utiliza de parâmetros normativos na sua agradar aos líderes das mais diversas e
constituição, mesmo que os seus heteróclitas seitas cristãs, em nome do
propósitos sociais proporcionem a consenso que satisfaz os interesses
ampliação da qualidade de vida dos seus particulares das bancadas
cidadãos. Nessas circunstâncias, não fundamentalistas incrustradas nos
existe no mundo nenhum Estado que de poderes executivos, legislativos e
fato seja “cristão”, pois entre ambos há judiciários. Aproveitemos as colocações
uma incompatibilidade natural. Tolstói extemporâneas de Nietzsche:
argumenta que “o Cristianismo, em seu
verdadeiro significado, destrói o Estado. Para onde foi o último sentimento
de decência, de respeito de si
Isso foi assim compreendido desde o
mesmo, se até os nossos estadistas,
início e por isso Cristo foi Crucificado” homens bastante desembaraçados e
(TOLSTÓI, 1994, p. 221). perfeitamente anticristãos nos atos,
Um Estado que porventura venha a ainda se denominam cristãos e
recebem a comunhão?... Um jovem
propor a justiça, a ordem e a paz como príncipe, à frente do seu regimento,
seus atributos políticos fundamentais magnífico como expressão do
pode convenientemente se aproveitar de egoísmo e da soberba de seu povo –
alguns conceitos cristãos e agregá-los mas, sem nenhum pudor,
em seu modus operandi, ainda que se confessando-se cristão!... A quem o
crie assim um grande híbrido estatal, cristianismo nega, então? O que
 

chama de “mundo”? ser soldado, satanização do dinheiro, mas sim o seu


juiz, patriota; defender-se; zelar por usufruto egoísta, desprovido assim de
sua honra; querer sua vontade; ser qualquer consideração caritativa em
orgulhoso... Toda prática de todo relação aos menos logrados
momento, todo instinto, toda economicamente. O poder financeiro
valoração que se torna ato é
anticristã atualmente: que aborto de
continuamente desumaniza o seu
falsidade deve ser o homem detentor, que passa a ver os outros como
moderno, se apesar de tudo não se meras coisas ou animais cujas vidas
envergonha de ainda chamar-se orbitam em torno dos seus interesses.
cristão! (NIETZSCHE, 2007, p. Por isso Jesus de Nazaré disse que é
45). mais fácil um camelo passar pelo 75 
buraco de uma agulha do que um rico
Por conseguinte, quantas questões de
entrar no Reino dos Céus, pois o
interesse nacional foram silenciadas
homem provido de posses materiais,
para que não se desagrade os líderes
incapaz de se desapegar dos mesmos,
conservadores das seitas cristãs
chafurda na dimensão reificada da vida,
infiltradas em nossas estruturas políticas
sendo incapaz de qualquer conexão com
e a grande massa de devotos que acata
a esfera divina. Sabemos que as
piamente os discursos obscurantistas
instituições eclesiásticas hipocritamente
desses ideólogos religiosos, marcos
condenavam o lucro nas relações
infelizes de nossa degradação cultural?
comerciais, todavia elas mesmas
Para que a nação brasileira prospere no
prosperaram mediante a espoliação
progresso amplo e irrestrito não basta
cotidiana dos mais pobres, que
que a corrupção seja erradicada de sua
acreditavam piamente nessa associação
estrutura política, mas também que as
diabólica entre lucro e pecado. Tolstói
determinações religiosas enfim deixem
argumenta: “Você olha o mendigo
de interferir na agenda política dos
como refugo da sociedade, enquanto o
grandes temas de interesse nacional.
homem rico é que deveria ser olhado
Conforme argumenta D. H Lawrence,
assim. É o rico que oprime você e o
O Estado não pode ser cristão. arrasta aos tribunais” (TOLSTÓI, 2011,
Todo Estado é poder. Não há como p. 49).
não sê-lo. Todo Estado têm de
proteger suas fronteiras e sua O espírito protestante resgata o valor do
propriedade. Se não o faz, ele trai dinheiro como um sinal da Graça
todos os seus cidadãos individuais Divina, criando assim o discurso da
(LAWRENCE, 1990, p. 118) Teologia da Prosperidade, como se
Contudo, o Estado não hesita em porventura o homem abençoado por
agradar ao clero para que suas ações Deus obtivesse a riqueza financeira pela
ignominiosas adquiram legitimidade concessão divina como distinção
moral perante a massa devota. A evidente de sua pureza espiritual
estrutura eclesiástica se vendeu aos perante os pecadores condenados à
imperativos governamentais. penúria material e espiritual. Max
Weber apresenta com precisão esse
Dinheiro espírito plutocrático:
Um tema sempre polêmico para os Acima de tudo, este é o summum
adeptos da moral cristã reside na bonum [sumo bem] dessa “ética”:
legitimidade do dinheiro como o ganhar dinheiro, no mais rigoroso
regulador econômico da vida material. resguardo de todo gozo imediato do
A doutrina evangélica não pressupõe a dinheiro ganho, algo tão
 

simplesmente despido de todos os religiosidade normativa para adestrarem


pontos de vista eudemonistas os trabalhadores aos seus objetivos nem
[referente a busca pela felicidade um pouco altruístas. Conforme a
interior] ou mesmo hedonistas e interpretação weberiana,
pensado não exclusivamente como
fim em si mesmo, que, em A riqueza é reprovável
comparação com a “felicidade” do precisamente e somente como
indivíduo ou sua “utilidade”, tentação de abandonar-se ao ócio, à
aparece em todo caso como preguiça e ao pecaminoso gozo da
inteiramente transcendente e vida, e a ambição de riqueza
simplesmente irracional (WEBER, somente o é quando o que se
2004, p. 46). pretende é poder viver mais tarde 76 
sem preocupação e prazerosamente.
Conforme a interpretação weberiana, o Quando porém ela advém enquanto
esforço laboral do fiel protestante desempenho do dever vocacional,
fundamentar-se-ia apenas na disposição ela é não só moralmente lícita, mas
para o acúmulo do dinheiro, jamais para até mesmo um mandamento
o seu usufruto material imediato. (WEBER, 2004, p. 148).
Apesar de toda racionalidade técnica
Como o sujeito dedicará seu tempo
que regula o sistema produtivo
disponível para a contemplação divina
capitalista, suas bases valorativas se
se porventura grande parte de seu dia é
fundamentam na moralidade cristã em
dedicado ao exaustivo regime laboral?
sua versão puritana; por outras palavras,
A moral puritana pressupõe que o
seria talvez impossível o sistema
dispêndio de tempo consumido em prol
capitalista, não obstante a estruturação
do trabalho é mais conveniente aos
científica de sua superfície, se sustentar
propósitos divinos do que o tempo
ideologicamente se porventura o
utilizado para as práticas ritualísticas, os
espírito da renúncia ao gozo próprio do
cerimoniais, as orações. Tempo é
protestantismo tradicional não servisse
dinheiro, conforme a grande divisa
de fundamento para a manutenção desse
puritana/capitalista. Nessas condições,
sistema que despersonaliza o sujeito.
encontramos no espírito puritano o
Abordando ainda outros elementos da
substrato moral para a formação do
ética protestante, Max Weber salienta:
capitalismo, de modo que este de forma
“Com certeza não para fins de
alguma é incompatível com essa
concupiscência da carne e do pecado,
adaptação do sistema cristão ao ideário
mas sim para Deus, é permitido
produtivo moderno. Para Walter
trabalhar para ficar rico” (WEBER,
Benjamin,
2004, p. 148). Ora, qual o sentido de
acumular capital pelo capital, sem a sua O capitalismo presumivelmente é o
utilização para o conforto material primeiro caso de culto não
pessoal, familiar ou social? Como expiatório, mas culpabilizador.
“Deus” se beneficiaria dessa abnegação Nesse aspecto, tal sistema religioso
moral do trabalhador em relação aos é decorrente de um movimento
frutos do seu trabalho? Talvez não seja monstruoso. Uma monstruosa
consciência de culpa que não sabe
“Deus” o maior beneficiário da moral como expiar lança mão do culto,
de renúncia ao gozo, mas os não para expiar essa culpa, mas
oportunistas capitalistas, os para torná-la universal, para
empresários, os patrões, os detentores martelá-la na consciência e, por fim
dos meios de produção que se utilizam e acima de tudo, envolver o próprio
dos subterfúgios moralistas da Deus nessa culpa, para que ele se
 

interesse pela expiação justamente um dos maiores


(BENJAMIN, 2013, p. 22). instrumentos de divisão social entre os
A distorção dessa ética protestante na indivíduos, reforçando mais uma vez o
realidade cultural moderna como grande disparate do Estado Plutocrático
capitalismo religioso, e o imenso poder que se aproveita da tradição moral cristã
de captação de divisas que os pastores para conquistar legitimidade. Ao invés
de rapina exercem sobre os seus fiéis, de “Deus seja louvado”, incompatível
não é de todo estranho, pois a com a laicidade da configuração
legitimação do acúmulo incondicional republicana do Estado, caberia a
em nome de Deus é a negação espiritual afirmação do próprio dinheiro como
instrumento de louvor, circunstância 77 
do mesmo. Walter Benjamin argumenta
que que se revelaria menos chocante
axiologicamente.
No Ocidente, o capitalismo se
desenvolveu como parasita do
Cristianismo – o que, precisa ser Considerações finais
demonstrado não só com base no
calvinismo, mas também com base A prática de bons costumes e a
em todas as demais tendências consolidação de uma vida moralmente
cristãs ortodoxas -, de tal forma correta independe da fé em Deus, pois
que, no final das contas, sua história podemos encontrar pessoas de conduta
é essencialmente a história do seu exemplar no âmbito social que não
parasita, ou seja, do capitalismo professam qualquer credo religioso,
(BENJAMIN, 2013, p. 23).
enquanto outras pessoas que
Se outrora os clérigos cristãos vendiam pretensamente são fiéis aos
indulgências para pobres tolos crédulos mandamentos divinos que não seguem a
e cargos eclesiásticos para pessoas rigor as mesmas e realizam ações
proeminentes, atualmente raposas moralmente reprováveis na vida pública
travestidas de pastores de almas vendem ou privada. Talvez o que ocorra seja que
bênçãos mágicas aos fiéis dispostos a as pessoas com disposições morais
pagar por elas. Basta lembrarmos que excelentes, pelo fato de acreditarem em
poucos pastores aplicam o montante dos Deus, reforcem as suas disposições
dízimos em obras sociais; em geral essa virtuosas pessoais justamente pelo
classe de rapinadores investe em sua sentimento de adequação entre suas
própria qualidade de vida, na aquisição ações e os mandamentos divinos que
de mansões, de automóveis de luxo, pressupõe a prática do bem.
dentre outros fetiches de consumo
Encontramos cotidianamente casos
contrários ao verdadeiro espírito
exemplares de pessoas que aplicam a
crístico. Esses bens materiais são
ética cristã em suas ações, exercendo a
moralmente legitimados como pretensos
caridade e a justiça nas suas relações
frutos da dádiva divina que outorga seus
sociais. Todavia, é imprescindível que
prêmios àqueles que são dotados de fé;
os fiéis cristãos sejam ainda mais
em verdade nada mais são do que
rigorosos na aplicação dos
produtos espoliados de uma massa
ensinamentos cristãos em suas vidas,
ignorante e pobre de espírito que vive
pois, não obstante a formação cristã de
perpetuamente em estado de alienação
nossa sociedade, ainda vigora o ódio, o
de consciência.
egoísmo, a cobiça, a inveja, dentre
Grandes nações divinizam de forma outros afetos reativos que estabelecem o
blasfema o dinheiro em suas cédulas, afastamento entre as pessoas. Muitos
 

que se proclamam cristãos e que dão nome de Deus em sua boca, mas que em
testemunho público de sua fé, inclusive seu âmago porta todas as iniquidades
através de grandiloquentes tons imagináveis.
orgulhosos, não deixam de recorrer a
subterfúgios desonestos para que
obtenham vantagens pessoais, o que Referências
viola o senso de justiça e de verdade da BENJAMIN, Walter. “O capitalismo como
doutrina evangélica primordial. Mesmo religião”. In: O capitalismo como religião.
na dimensão educacional percebemos Trad. de Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo,
2013, p. 21-25.
essa hipocrisia reinante nas vidas dos
que usam a máscara cristã para que BÍBLIA DE JERUSALÉM. Direção Editorial 78 
possam prosperar academicamente, de Paulo Bazaglia. São Paulo: Paulus, 2002.
utilizando-se de colas e outros artifícios DANTE ALIGHIERI. A Divina Comédia.
intelectualmente claudicantes nessa Trad. de Ítalo Eugênio Mauro. São Paulo: Ed.
paulatina miséria intelectual. 34, 1998.
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da
A aplicação da ética cristã deve ser propriedade privada e do Estado. Trad. de
incondicional e um exercício constante Ciro Moranza. São Paulo: Lafonte, 2012.
de virtude, pois, caso contrário, corre o ESPINOSA, Baruch. Tratado Teológico-
risco de se tornar apenas uma palavra Político. Trad. de Diogo Pires Aurélio. São
esvaziada de sentido que, nos momentos Paulo: Martins Fontes, 2003.
mais importantes, não é exercida KIERKEGAARD, Soren A. As obras do
fielmente. Se a civilização cristã Amor: algumas considerações cristãs em forma
adotasse rigidamente as prédicas de discursos. Trad. de Álvaro L. M. Valls.
evangélicas, a paz e o amor reinariam Petrópolis: Vozes, 2005.
entre os povos e as violências mais LAWRENCE, D. H. Apocalipse / O Homem
cruéis seriam progressivamente que morreu. Trad. de Paulo Henrique Brito.
São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
eliminadas da ordem social.
NIETZSCHE, Friedrich. O Anticristo:
A sociedade da era técnica se maldição ao Cristianismo / Ditirambos de
emancipou das amarras morais das Dionísio. Trad. de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia das Letras, 2007.
instituições eclesiásticas, mas de modo
algum ela perdeu a necessidade de uma __________. Genealogia da Moral: uma
busca espiritual para preencher o vazio polêmica. Trad. de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia das Letras, 1999.
da sua existência, e o projeto burguês da
felicidade definitiva conquistada na WEBER, Max. A ética protestante e o
Terra mediante o usufruto dos bens “espírito” do capitalismo. Trad. de José
Marcos Mariani de Macedo. São Paulo:
materiais se revelou um fracasso, Companhia das Letras, 2004.
enquanto a axiologia crística originária
perpetua continuamente a sua TOLSTÓI, Liev. Minha Religião. Trad. de
Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: A Girafa,
pertinência, para além de qualquer 2011.
dogma ou sectarismo. Porém, enquanto
perdurarem as intenções e as atitudes ________. O Reino de Deus está em vós. Trad.
de Celina Portocarrero. Rio de Janeiro: Ed. Rosa
incompatíveis desses falsos cristãos, dos Tempos, 1994.
pouco avanço ético obteremos em
nossas relações sociais, de modo que
um ateu virtuoso é muito mais útil para Recebido em 2014-11-28
o estabelecimento do bem comum do Publicado em 2012-12-10
que um cristão hipócrita, que traz o

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