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Sumário

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................................... 3
A Igreja versus o Mundo .................................................................................................................................... 5
Modernismo .................................................................................................................................................................. 7
Pós-modernismo............................................................................................................................................................ 7
Pós-modernismo e Igreja ............................................................................................................................................... 8
Tolerância Intolerante ................................................................................................................................................... 9
A verdade da Palavra de Deus ..................................................................................................................................... 10
QUE É COSMOVISÃO? ...................................................................................................................................... 14
Por que as cosmovisões são importantes?.................................................................................................................. 14
Quantas cosmovisões existem? ................................................................................................................................... 15
Em que diferem as cosmovisões?................................................................................................................................ 15
Em que acreditam os ateístas? .................................................................................................................................... 16
Em que acreditam os panteístas? ................................................................................................................................ 16
Em que acreditam os teístas? ...................................................................................................................................... 17
Que é confusão de cosmovisões?................................................................................................................................ 18
Como formular as perguntas certas? .......................................................................................................................... 22
A NATUREZA DE UMA COSMOVISÃO CRISTÃ .................................................................................................. 24
Filosofia Verdadeira Versus Falsa ................................................................................................................................ 24
Pressuposições Bíblicas ............................................................................................................................................... 26
Filosofia e Sabedoria .................................................................................................................................................... 28
CRISTIANISMO E OS ELEMENTOS BÁSICOS DE FILOSOFIA .............................................................................. 29
Os Elementos Básicos de uma Cosmovisão ................................................................................................................. 29
Epistemologia .............................................................................................................................................................. 29
Epistemologia Cristã .................................................................................................................................................... 34
Metafísica .................................................................................................................................................................... 35
Ética ............................................................................................................................................................................. 36
Política ......................................................................................................................................................................... 38
O MANDATO CULTURAL .................................................................................................................................. 41
A SOBERANIA DAS ESFERAS ............................................................................................................................. 47
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................................. 50
INTRODUÇÃO

Todo mundo tem uma cosmovisão. Uma cosmovisão é uma série de crenças, um sistema de
pensamentos, sobre as questões mais importantes da vida. A cosmovisão de uma pessoa é sua filosofia.
“Cosmovisão” e “filosofia” são virtualmente palavras sinônimas. Grandes pensadores tais como Platão,
Aristóteles, Agostinho e Tomás de Aquino, cada um deles tinha um sistema de crença com respeito à filosofia,
que foi escrito numa forma sistemática. Cada sistema expressou a cosmovisão do filósofo particular. Mas
mesmo que elas possam não perceber, todas pessoas (adultas) necessária e inescapavelmente têm uma
cosmovisão, um sistema filosófico de pensamento. A cosmovisão delas pode não ser escrita, ou sistematizada
como as dos quatro pensadores mencionados acima, mas elas têm uma cosmovisão apesar de tudo.
Cosmovisão, visão de mundo, mundividência, é um conjunto ordenado de valores, crenças, impressões,
sentimentos e concepções de natureza intuitiva, anteriores à reflexão, a respeito da época ou do mundo em que
se vive. Em outros termos, é a orientação cognitiva fundamental de um indivíduo, de uma coletividade ou de
toda uma sociedade, num dado espaço-tempo e cultura, a respeito de tudo o que existe - sua gênese, sua
natureza, suas propriedades. Uma visão de mundo pode incluir a filosofia natural, postulados fundamentais,
existenciais e normativos, ou temas, valores, emoções e ética.
Entendemos que a cosmovisão cristã, é a única cosmovisão ou filosofia confiável. O fim principal do
homem é glorificar a Deus (1Co 10.31; Rm 11.36), e gozá-lo para sempre (Sl 73.25-28). Sendo assim, estamos
obrigados a adotar uma filosofia que honre a Deus. Precisamos, como o apóstolo Paulo declarar, de uma
filosofia que esteja de “acordo com Cristo” (Cl 2.8). Temos uma filosofia cristã, que é baseada no axioma da
revelação divina: a Palavra de Deus.
Visão de mundo cristão, ou cosmovisão cristã refere-se ao conjunto das distinções filosóficas e
religiosas que caracterizam o Cristianismo em relação a questões como a natureza da verdade, a existência do
homem, o sentido do universo e da vida, os problemas da sociedade, dentre outros.
A forma como nós enxergamos o nosso mundo define como nós vamos nos relacionar com ele, como
vamos viver, usar nosso tempo, nossos talentos e habilidades, as escolhas que vamos fazer. Tudo isso é
definido por nossa cosmovisão, pela forma como nós percebemos a realidade.
Por isso que é tão importante nós refletirmos sobre isso. Nem sempre nós estamos cientes de que nossas
escolhas não são feitas pelas circunstâncias, elas são feitas a partir da forma como nós enxergamos nossa vida.
Quando a gente para pra pensar sobre uma cosmovisão cristã, nós estamos falando sobre a forma de ver o
mundo sob Cosmovisão cristã é enxergar o mundo com os olhos de Cristo, perceber a realidade não a partir
de uma filosofia niilista, não a partir de uma perspectiva espiritualista, mas perceber o mundo a partir dos
olhos de Cristo.

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Como você enxerga o mundo? Como você observa a natureza, a sociedade, as pessoas, o seu trabalho,
os seus estudos, o seu lazer?
Estudar cosmovisão é algo muito importante. A verdadeira cosmovisão ela nos é dada a partir do
próprio ensino de Jesus, dos apóstolos, profetas nas Escrituras. Estude mais sobre cosmovisão cristã, vamos
pensar mais sobre essa realidade porque isso vai nos ajudar a olhar para a nossa vida de uma forma diferente,
a perceber que há um sentido, um propósito, uma missão, uma vocação. E que nós podemos experimentar a
vontade de Deus, que é boa perfeita e agradável. Tudo isso é importante porque quando nós olhamos para
ensino de Cristo nós descobrimos que podemos perceber a realidade com olhos totalmente diferentes, uma
ótica cristã.
O movimento evangélico da atualidade não está mais unido como era no passado. Alguns que se
denominam evangélicos andam insistindo abertamente que a fé só em Jesus não é o único caminho para o céu.
Eles agora estão convencidos que os povos de todas as crenças estarão no céu. Outros simplesmente estão
acovardados, constrangidos ou hesitantes em afirmar a exclusividade do evangelho numa época em que o
exclusivismo, pluralismo e tolerância são tidos pelo mundo secular como virtudes supremas. Eles pensam que
seria um tremendo fora cultural declarar que o Cristianismo é a única verdade e que todas as outras crenças
são erradas. Aparentemente o maior medo que o movimento evangélico tem hoje em dia é de ser visto como
posicionado em desarmonia com o mundo.
Por que se deu essa dramática mudança?
Por que o movimento evangélico abandonou aquilo que outrora aceitava como verdade? Eu creio que
é porque, em sua busca desesperada pelo relevante e atual (na moda), os líderes da Igreja na verdade não
conseguiram ver para onde se encaminha o mundo contemporâneo e por quê.
Nós não estamos mais vivendo no mundo moderno. Este é o mundo pós-moderno. E o pós-modernismo
é tão hostil à verdade do Cristianismo quanto o foi o modernismo — talvez mais ainda. As questões filosóficas
são diferentes, mas a hostilidade do mundo para com a verdade das Escrituras não diminuiu nem um pouco.
Este não é o momento de se fazer amizade com o mundo. E certamente não é tempo de render-se aos
gritos do mundo por pluralismo e inclusivismo. A menos que recuperemos nossa convicção de que Cristo é o
único caminho para o céu, o movimento evangélico se tornará cada vez mais fraco e irrelevante.
É irônico que tantos que estão demolindo a exclusividade de Cristo, assim fazem porque acreditam que
isso é uma barreira à “relevância”. Na verdade, o Cristianismo não é relevante de modo algum se ele for apenas
um dos muitos caminhos para Deus. A relevância do evangelho tem sido sempre sua exclusividade absoluta,
sumariada na verdade que só Cristo fez a expiação pelo pecado e, portanto, só Cristo pode fazer a reconciliação
com Deus daqueles que creem somente nele.
A Igreja primitiva pregou a Cristo crucificado, sabendo que a mensagem era uma pedra de tropeço para
os judeus religiosos e loucura para os gregos filósofos (1Co 1.23). Nós precisamos recuperar essa ousadia
apostólica. Nós precisamos lembrar que pecadores não são ganhos através de relações públicas bem

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engendradas, mas o evangelho — uma mensagem inerentemente exclusiva — é o poder de Deus para a
salvação.
Justamente esta estreiteza coloca o Cristianismo à parte de qualquer outra cosmovisão. Afinal de
contas, o ponto central do sermão melhor conhecido de Jesus foi declarar que a estrada para a destruição é
larga e bem viajada, enquanto que a estrada da vida é tão estreita que poucos a encontram (Mt 7.14). Nossa
obrigação como embaixadores de Deus é justamente apontar a estrada tão estreita. Cristo é, ele mesmo, o único
caminho para Deus, e obscurecer o fato é, na realidade, negar Cristo e desacreditar o evangelho em si.
Devemos resistir à tendência de sermos absorvidos nas modas e modismos do pensamento humano.
Nós precisamos enfatizar, não diminuir, o que torna o Cristianismo único. E para fazer isso de modo eficaz
nós precisamos ter uma melhor compreensão de como o pensamento do mundo está ameaçando a sã doutrina
na Igreja. Devemos ser capazes de apontar exatamente onde a estrada estreita se afasta da estrada larga.

“Ninguém se engane a si mesmo: se alguém dentre vós se tem por sábio neste século, faça-se estulto
para se tornar sábio. Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus; porquanto está escrito:
Ele apanha os sábios na própria astúcia deles” (1Co 3.18-19).
“Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim.”
(Jo 14.6)

A Igreja versus o Mundo

“Irmãos, não vos maravilheis se o mundo vos odeia.” (1Jo 3.13)


Por que os evangélicos tentam tão desesperadamente cortejar o favor do mundo? As Igrejas planejam
seus cultos de adoração para servir aos “sem-Igreja”. Os produtores cristãos imitam a coqueluche mundana do
momento em termos de música e entretenimento. Os pregadores se sentem aterrorizados de que a ofensa do
evangelho possa fazer alguém se voltar contra eles; então deliberadamente omitem partes da mensagem que o
mundo pode não se agradar.
O movimento evangélico parece ter sido sabotado por legiões de falsos especialistas mundanos que
estão empenhados em tentar fazer o melhor que podem para convencer o mundo de que a Igreja pode ser tão
inclusiva, pluralista e de mente aberta quanto a mais politicamente correta pessoa mundana.
A busca pela aprovação do mundo é nada mais, nada menos que adultério espiritual. Na verdade, isto
é precisamente a imagem que o apóstolo Tiago usou para descrevê-la. Ele escreveu, “Infiéis: adúlteros e
adúlteras”, não compreendeis que a amizade do mundo é inimiga de Deus? Aquele, pois, que quiser ser amigo
do mundo constitui-se inimigo de Deus” (Tg 4.4).

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Existe e sempre existiu uma incompatibilidade fundamental, irreconciliável entre a Igreja e o mundo.
A fé genuína em Cristo implica numa negação de todo valor mundano. A verdade bíblica contradiz todas as
religiões do mundo.
Jesus disse a seus discípulos, “Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou
a mim. Se vós fosseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo
contrário, dele vos escolhei, por isso, o mundo vos odeia” (Jo 15.18,19).
Observe que o nosso Senhor considerou como certo que o mundo desprezaria a Igreja. Longe de ensinar
a seus discípulos a que tentassem ganhar o favor do mundo, reinventando o evangelho para se adequar às suas
preferências, Jesus expressamente advertiu que a busca pelas aclamações mundanas é uma característica dos
falsos profetas: “Ai de vós, quando todos vos louvarem. Porque assim procederam seus pais com os falsos
profetas” (Lc 626).
Ele foi mais longe, “Não pode o mundo odiar-vos, mas a mim me odeia, porque eu dou testemunho a
seu respeito de que as suas obras são más” (Jo 7.7). Em outras palavras, o desprezo do mundo pelo
Cristianismo deriva de motivos morais, não intelectuais: “O julgamento é este: que a luz veio ao mundo, e os
homens amaram mais as trevas do que a luz; porque as suas obras eram más. Pois todo aquele que pratica o
mal aborrece a luz e não se chega para a luz, a fim de não serem arguidas as suas obras” (Jo 3.19,20). É por
esta razão que, não importa quão dramaticamente a opinião do mundo possa vir a variar, a verdade cristã não
será jamais popular ao mundo.
Contudo, virtualmente em toda época da história da Igreja, tem havido gente na Igreja que está
convencida de que a melhor maneira de ganhar o mundo é satisfazer os seus gostos. Tal tipo de abordagem
tem sempre sido em detrimento da mensagem do evangelho. As únicas vezes que Igreja causou impacto
significativo sobre o mundo foi quando o povo de Deus permaneceu firme, se recusou a compactuar e
ousadamente proclamou a verdade apesar da hostilidade do mundo. Quando os cristãos se desviam da tarefa
de confrontar os enganos do mundo com as impopulares verdades bíblicas, a Igreja invariavelmente perde sua
influência e impotente se mescla ao mundo. Tanto as Escrituras quanto a história atestam esse fato.
E a mensagem cristã simplesmente não pode ser torcida para se conformar com a instabilidade da
opinião do mundo. A verdade bíblica é fixa e constante, não sujeita a mudança ou adaptação. A opinião do
mundo, por outro lado, está sempre em fluxo constante. Os vários modismos e filosofias mudam radicalmente
e regularmente de geração para geração.
Ao que tudo indica, o mundo não abraçará por muito tempo qualquer das ideologias que estão
atualmente em voga. Se a história servir como indicador, quando nossos netos se tomarem adultos a opinião
do mundo terá sido dominada por um sistema completamente novo de crenças e um conjunto de valores
totalmente diferente. A geração de amanhã renunciará a todas os modismos e filosofias de hoje, mas urna coisa
permanecerá imutável: até que o Senhor mesmo volte, seja qual for a ideologia que ganhe popularidade no
mundo, ela será tão hostil às verdades bíblicas corno o foram todas as precedentes

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Modernismo
Pense no que aconteceu no século passado, por exemplo. Cem anos atrás a Igreja estava ameaçada pelo
modernismo. Modernismo era urna cosmovisão baseada na noção de que somente a ciência podia explicar a
realidade. O modernista, com efeito, começou com a pressuposição de que nada sobrenatural é real.
Deveria ter ficado instantaneamente óbvio que o modernismo e o Cristianismo eram incompatíveis no
nível mais básico. Se nada sobrenatural era real, então grande parte da Bíblia seria falsa e sem autoridade; a
encarnação de Cristo seria um mito (anulando a autoridade de Cristo também); e todos os elementos
sobrenaturais do Cristianismo, incluindo o próprio Deus, teriam de ser totalmente redefinidos em termos
naturalistas. O modernismo foi anticristão até à sua medula.
Não obstante, a Igreja visível no começo do século 20 ficou cheia de gente que estava convencida de
que modernismo e Cristianismo podiam e deviam ser conciliados. Eles insistiam que se a Igreja não
acompanhasse o passo dos tempos, abraçando o modernismo, o Cristianismo não sobreviveria ao século 20.
A Igreja se tornaria paulatinamente irrelevante para o povo moderno, eles diziam, e logo desapareceria. Assim
sendo, eles inventaram um “evangelho social” desprovido do verdadeiro evangelho da salvação.
Naturalmente, o Cristianismo bíblico sobreviveu o século 20 muito bem, obrigado. Nos lugares onde
os cristãos permaneceram comprometidos com a verdade e autoridade das Escrituras, a Igreja floresceu, mas,
ironicamente, aquelas Igrejas e denominações que abraçaram o modernismo foram as que se tornaram pouco
a pouco irrelevantes e desapareceram antes do fim do século. Muitos edifícios de pedra, grandiosos, mas quase
vazios, dão testemunho da fatalidade da conformação com o modernismo.

Pós-modernismo
O modernismo é agora considerado como um modo de pensar do passado. A cosmovisão dominante
tanto no círculo secular quanto no acadêmico atualmente é chamada de pós-modernismo. Os pós-modernistas
têm repudiado a confiança absoluta dos modernistas na ciência como único caminho para a verdade. Na
realidade os pós-modernistas perderam completamente o interesse pela “verdade”, insistindo que não existe
tal coisa como verdade absoluta ou universal.
O modernismo era de fato insustentável com a fé cristã e precisava ser abandonado, mas o pós-
modernismo é um passo trágico na direção errada. Ao contrário do modernismo, que estava ainda preocupado
com a possibilidade de convicções básicas, crenças e ideologias serem objetivamente verdadeiras ou falsas, o
pós-modernismo simplesmente nega que qualquer verdade possa ser objetivamente conhecida.
Para o pós-modernista a realidade é o que o indivíduo imagina que seja. Isso significa que o que é
“verdadeiro” é determinado subjetivamente por cada um, e não existe tal coisa como a chamada verdade
objetiva, com autoridade que governa ou se aplica universalmente a toda humanidade. O pós-modernista
acredita naturalmente que não faz sentido debater se a opinião A é superior à opinião B. No final de contas, se
a realidade é meramente uma invenção da mente humana a perspectiva de verdade de uma pessoa é afinal tão
boa quanto a de outra.

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Tendo desistido de conhecer a verdade objetiva, o pós-modernista se ocupa em lugar disso, com a
busca para “entender” o ponto de vista da outra pessoa. Então as palavras “verdade” e “compreensão” tomam
significados radicalmente novos. Ironicamente, “compreensão” requer que primeiro de tudo desacreditemos
na possibilidade de conhecer qualquer verdade afinal. E “verdade” se torna nada mais do que uma opinião
pessoal, geralmente melhor guardada para si mesmo.
Essa é uma exigência essencial, não negociável que o pós-modernismo faz a todo mundo: nós não
devemos pensar que conhecemos qualquer verdade objetiva. Os pós-modernistas frequentemente sugerem que
toda opinião deveria receber igual respeito. E, portanto, numa visão superficial, o pós-modernismo parece
movido por uma preocupação pela mente aberta para se chegar à harmonia e tolerância. Tudo soa muito
caridoso e altruísta, mas o que realmente sublinha o sistema de crenças pós-modernistas é uma intolerância
total por toda cosmovisão que faça alegações de qualquer verdade universal, particularmente o Cristianismo
bíblico.
Em outras palavras, o pós-modernismo começa com uma pressuposição que é irreconciliável com a
verdade objetiva, divinamente revelada nas Escrituras. Da mesma forma que o modernismo, o pós-
modernismo é fundamental e diametralmente oposto ao evangelho de Jesus Cristo.

Pós-modernismo e Igreja
Não obstante, a Igreja atualmente está cheia de gente que advoga ideias pós-modernistas. Alguns deles
fazem isso consciente e deliberadamente, mas a maioria o faz sem querer. Tendo embebido em demasia do
espírito dos tempos, eles estão simplesmente regurgitando opiniões do mundo. O movimento evangélico como
um todo, ainda se recuperando de sua longa batalha contra o modernismo, não está preparado para um
adversário novo e diferente. Muitos cristãos, portanto, não reconheceram ainda o perigo extremo colocado
pelo pensamento pós-modernista.
A influência pós-modernista claramente já infecta a Igreja. Os evangélicos estão baixando o tom da
sua mensagem para que as rígidas alegações de verdades do evangelho não soem tão desagradáveis aos
ouvidos pós-modernos. Muitos evitam fazer afirmações inequívocas de que a Bíblia é verdadeira e todos os
outros sistemas religiosos do mundo são falsos. Alguns que se intitulam cristãos foram ainda mais longe,
determinadamente negando a exclusividade de Cristo e abertamente questionando sua alegação de ser ele o
único caminho para Deus.
A mensagem bíblica é clara. Jesus disse, “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao
Pai senão por mim” (Jo 14.6). O apóstolo Pedro proclamou a uma audiência hostil, “... não há salvação em
nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa
que sejamos salvos” (At 4.12). O apóstolo João escreveu, “quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia,
se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus” (Jo 3.36).
Repetidas vezes as Escrituras enfatizam que Jesus Cristo é a única esperança de salvação para o mundo. “...
há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem” (1Tm 2.5). Somente Cristo

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pode expiar pecados e, portanto, somente Cristo pode dar salvação. “... o testemunho é este: que Deus nos deu
a vida eterna; e esta vida está no seu Filho. Aquele que tem o Filho tem a vida; aquele que não tem o Filho
de Deus não tem a vida” (1Jo 5.11,12).
Essas verdades são contrárias à doutrina central do pós-modernismo. Elas fazem alegações de verdade
exclusivas, universais, declarando ser Cristo o único caminho para o céu e errôneos todos os outros sistemas
de crença. Isto é o que as Escrituras ensinam. É o que a Igreja verdadeira tem proclamado ao longo de toda
sua história. É a mensagem do Cristianismo. E simplesmente não pode ser ajustado para acomodar as
sensibilidades pós-modernas. Em vez disso, muitos cristãos simplesmente vão passando por cima das
alegações exclusivas de Cristo, debaixo de um silêncio constrangedor. Pior ainda, alguns na Igreja — incluindo
alguns dos mais conhecidos líderes evangélicos — começaram a sugerir que talvez o povo possa ser salvo fora
do conhecimento de Cristo.
Os cristãos não podem ceder ao pós-modernismo sem sacrificar a essência da nossa fé. A alegação da
Bíblia de que Cristo é o único caminho da salvação está certamente em desarmonia com a noção pós-moderna
de “tolerância”, mas é, no final de contas, exatamente o que a Bíblia claramente ensina. E a Bíblia, não a
opinião pós-moderna, é a autoridade suprema para o cristão. Somente a Bíblia deve determinar o que nós
cremos e proclamar isso ao mundo. Nós não podemos abrir mão disso, não importa quanto o mundo pós-
modernista reclame que nossas crenças fazem de nós pessoas “intolerantes”.

Tolerância Intolerante
A veneração da tolerância pelo pós-modernista é uma característica óbvia, mas essa versão da
“tolerância” é, na verdade, uma distorção perigosa da verdadeira virtude. Aliás, tolerância nunca é mencionada
na Bíblia como uma virtude, exceto no sentido de paciência, longanimidade e mansidão (ver Ef 4.2). De fato,
a noção contemporânea de tolerância é um conceito pateticamente fraco comparado ao amor que as Escrituras
ordenam aos cristãos que mostrem aos seus inimigos. Jesus disse, “amai os vossos inimigos, fazei o bem aos
que vos odeiam; bendizei aos que vos maldizem, orai pelos que vos caluniam” (Lc 6.27,28; confira os
versículos 29-36).
Quando nossos avós falaram de tolerância como uma virtude, eles tinham isso em mente. A palavra
então significava respeitar as pessoas e tratá-las com bondade mesmo quando acreditamos que elas estão
erradas, mas a noção pós moderna de tolerância significa que nós nunca devemos considerar a opinião de
ninguém como errada. A tolerância bíblica é para as pessoas; a tolerância pós-moderna é para ideias.
Aceitar toda crença como igualmente válida dificilmente é uma virtude real, mas é praticamente o
único tipo de virtude que o pós-modernismo conhece. As virtudes tradicionais (incluindo humildade, domínio
próprio e castidade) são abertamente zombadas e até mesmo consideradas como transgressões, no mundo do
pós-modernismo.
Previsivelmente a beatificação da tolerância pós-moderna tem tido seus efeitos desastrosos sobre a
verdadeira virtude em nossa sociedade. Nestes tempos de tolerância, o que era proibido passou a ser

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encorajado. O que era tido como imoral é agora festejado. Infidelidade marital e divórcio foram normalizados.
Impureza é o lugar comum. Aborto, homossexualidade e perversões morais de todos os tipos são aclamados
por grandes grupos e entusiasticamente promovidos pela mídia popular. A noção pós-moderna de tolerância
está sistematicamente virando virtude genuína na cabeça deles.
Uma exceção notável àquela regra se destaca claramente: os pós-modernistas aceitam a intolerância se
for contra aqueles que alegam conhecer a verdade, particularmente os cristãos bíblicos. De fato, aqueles que
se proclamam os advogados líderes de tolerância atualmente são frequentemente os oponentes mais declarados
do Cristianismo evangélico.
Basta dar uma olhada na Internet, por exemplo, e veja o que está sendo dito pelos auto estilizados
campeões de tolerância religiosa. O que você vai encontrar é uma grande quantidade de intolerância pelo
Cristianismo bíblico.
Por que isso? Por que o Cristianismo bíblico autêntico depara com tal feroz oposição de pessoas que
pensam ser modelos de tolerância? É porque as alegações de verdade das Escrituras e particularmente as
alegações de Jesus de ser o único caminho para Deus — são diametralmente opostos às pressuposições
fundamentais da mente pós-moderna. A mensagem cristã representa um golpe fatal à cosmovisão pós-
modernista.
Mas se os cristãos se deixam enganar ou são intimidados a suavizar as alegações diretas de Cristo e a
alargar o caminho estreito, a Igreja não fará qualquer progresso contra o pós-modernismo. Nós precisamos
recuperar a distinção do evangelho. Precisamos reconquistar nossa confiança no poder da verdade de Deus. E
nós precisamos proclamar com ousadia que Cristo é a única verdadeira esperança para o povo deste mundo.
Isso pode não ser o que o povo quer ouvir neste tempo pseudo-tolerante do pós-modernismo, mas é
verdade assim mesmo. E precisamente porque é verdade e o evangelho de Cristo é a única esperança para um
mundo perdido é que é ainda mais urgente levantarmos acima de todas as vozes de confusão no mundo e dizer
desta forma.

A verdade da Palavra de Deus


“A tua palavra é a verdade”. (Jo 17 .17)
O Cristianismo autêntico começa com a premissa de que existe uma fonte de verdade fora de nós.
Especificamente a Palavra de Deus é verdade (Sl 19.151; Jo 17.17). Ela é objetivamente verdade — quer dizer,
ela é verdade quer fale subjetivamente a um dado indivíduo ou não; é verdade independente de como alguém
se sente sobre ela; é verdade para todos universalmente e sem exceções; é absolutamente verdade.
Isso, é claro, contradiz a pressuposição básica que governa o pensamento da maioria das pessoas
atualmente. A filosofia pós-moderna diz que não existe tal coisa como verdade absoluta ou, se houver, será
impossível de ser conhecida. Segundo o pós-modernismo, verdade nada mais é do que uma criação da mente
humana; as pessoas determinam sua própria realidade; e, portanto, ninguém tem a verdade. Acima de tudo, o
pós-modernista está convencido de que nenhuma religião é superior a outra. Nós não devemos pensar que

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nossas crenças são necessariamente válidas para mais ninguém. Nem tampouco qualquer posição teológica
será, em tempo algum, tida como certa ou errada. O que eu acredito é válido para mim; e seja lá o que for que
você crê é igualmente válido para você. E desta forma nós podemos aceitar a religião um do outro, mesmo se
nossas crenças totalmente contradizem uma a outra. Esse é o credo do pós-modernista.
Podemos não nos dar conta de quão profundamente esse tipo de pensamento penetrou na consciência
contemporânea, mas ele já tomou conta do mundo acadêmico e secular. Dois meses após o dia 11 de setembro
de 2001, do dia que ocorreu o ataque terrorista ao World Trade Center [Centro Mundial de Comércio] e ao
Pentágono, o ex-presidente dos Estados Unidos da América, EUA, Bill Clinton, proferiu um discurso na
Universidade de Georgetown, no qual ele sugeriu que o senso “arrogante de justiça” dos norte-americanos era
em parte responsável por ter feito a nação um alvo do terrorismo.
Aparentemente, para Clinton, toda a confusão poderia ter sido evitada se todas as pessoas de ambos os
lados tivessem simplesmente se dado conta de que não existe tal coisa como uma verdade absoluta ou universal
e que, portanto, nenhuma ideologia merece briga. “Ninguém tem a verdade”, disse ele aos estudantes. “Vocês
estão numa universidade que basicamente crê que ninguém nunca tem a verdade toda. Nós somos incapazes
de alguma vez ter a verdade completa. Os terroristas, sugeriu Clinton, estão sendo brutais e intolerantes apenas
porque acreditam serem donos da verdade, enquanto que as atitudes mais tolerantes de nossa sociedade são
enraizadas na compreensão de que a verdade absoluta é impossível de ser conhecida. Eles acreditam tê-la, mas
nós, porque acreditamos que ninguém pode ser dono de toda a verdade, nós pensamos que todos são
importantes.”
Essas observações praticamente resumem a atitude da sociedade atualmente. O ceticismo foi
entronizado e consagrado, enquanto que a fé confiante foi banida e exorcizada. A única coisa de que podemos
estar certos é que nós não podemos estar certos de coisa alguma. Ter convicções fortes sobre qualquer coisa
(outra que não seja nossa própria inabilidade de descobrir a verdade), é tido como inerentemente intolerante
até mesmo perverso. Além disso, de acordo com o modo de pensar pós-moderno, pouco adianta tentar
combater as falsas ideias com as verdadeiras. Afinal de contas, eles dizem se alegarmos que temos a verdade,
nós nos tornamos exatamente tão maus quanto os terroristas. Então, em vez disso, a inteligência pós-moderna
está fazendo o que pode para tirar de todo mundo a noção arcaica de que verdade absoluta e objetiva é passível
de ser conhecida de alguma forma.
Este ponto de vista está moldando o mundo em que vivemos. Multidões literalmente e de todo coração
acreditam que podem construir sua própria realidade e definir sua própria verdade. Explica também porque as
pessoas de hoje em dia são mais voltadas para si mesmas e mais narcisistas do que praticamente as de qualquer
outra geração na história.
O ex-presidente Clinton estava sugerindo que é arrogância alguém pensar que conhece a verdade
absoluta, mas arrogância de fato é aquela da pessoa que pensa que pode inventar sua própria verdade para a
ocasião.

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Quando tudo depende de sua definição de o que é — quando os indivíduos podem reimaginar e
reinterpretar tudo subjetivamente de modo que cada pessoa determina o que é certo a seus próprios olhos — a
civilização encontra-se em sérias dificuldades. Essa é a direção na qual caminha nossa sociedade. Tendo
acatado a noção de que verdade absoluta é impossível de ser conhecida, as pessoas se dispõem a aceitar quase
qualquer coisa em lugar da verdade.
Mesmo na Igreja tem havido uma erosão séria de confiança na verdade objetiva das Escrituras.
Dogmatismo sobre qualquer ponto da doutrina é geralmente considerado fora de moda; incerteza e abertura a
múltiplos pontos de vista é o estilo próprio entre os pregadores e professores nestes dias. Os movimentos de
massa mais populares no meio evangélico atual são ecumênicos em sua confiança, insistindo para que
coloquemos de lado a doutrina por amor à harmonia. Tais tendências refletem uma capitulação diante da ideia
pós-moderna de que verdade absoluta é impossível de ser conhecida e, portanto, ela não importa muito, afinal
de contas.
O desprezo do pós-modernismo pela verdade objetiva está se infiltrando na Igreja de formas sutis,
também. É só participar de um típico encontro evangélico para estudo da Bíblia no lar e você verá que, com
grande probabilidade, será convidado a compartilhar sua opinião sobre “o que este versículo significa para
mim,” como se a mensagem das Escrituras fosse diferente para cada indivíduo. É raro o professor estar
preocupado com o que as Escrituras significam para Deus.
Se realmente cremos que as Escrituras são a Palavra de Deus, por que nós hesitamos em dizer que ela
tem um significado objetivo; é absolutamente verdade; e todas as outras interpretações são falsas? Os
evangélicos sempre acreditaram que as Escrituras são claras — seu significado essencial é evidente de
imediato. Não é um segredo ou um mistério para ser solucionado. A Bíblia é a revelação de Deus para nós. É
uma revelação da verdade; não é um enigma. E em todos os assuntos essenciais ela fala com perfeita clareza.
Certamente que nas Escrituras “... há certas coisas difíceis de entender, que os ignorantes e instáveis
deturpam ... para a própria destruição deles” (2Pe 3.16). Existem também muitos assuntos de importância
secundária sobre os quais nós não precisamos discutir muito. Em tais assuntos indiferentes a regra é clara:
“Cada um tenha opinião bem definida em sua própria mente” (Rm 14.5), mas a mensagem principal das
Escrituras e a mensagem do evangelho em particular é clara e sem ambiguidade. Não “provém de particular
elucidação,” e seu significado não está sujeito a preferências individuais. “Porque nunca jamais qualquer
profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens santos falaram da parte de Deus, movidos pelo
Espírito Santo” (2Pe 1.20,21).
Repetidas vezes a Escritura faz esse tipo de alegação sobre si mesma: “Toda a Escritura é inspirada
por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que
o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm3.16,17). Em outras
palavras, a Escritura não apenas é inspirada por Deus, mas é também suficiente para nos equipar totalmente
com toda a verdade espiritual de que precisamos. É mais segura do que os nossos próprios sentidos (2Pe 1.19).
Ela “permanece eternamente” (1Pe 1.25). É garantida até cada til e i (Mt 5.18). É imutável e “permanece

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eternamente” (Is 40.8). Jesus mesmo disse, “Passará o céu e a terra, porém as minhas palavras não passarão”
(Mt 24.35).
O Cristianismo autêntico sempre sustentou que as Escrituras são a verdade absoluta, objetiva. É tão
verdade para uma pessoa quanto o é para outra, independente da opinião seja lá de quem for sobre ela. Ela tem
um significado verdadeiro que se aplica a todo mundo. É a Palavra de Deus para a humanidade e seu verdadeiro
significado é determinado por Deus; não é alguma coisa que possa ser formatada para encaixar nas preferências
de ouvintes individuais.
As Escrituras são absolutamente verdadeiras, quer afetem você e eu, quer não. As Escrituras seriam
verdadeiras mesmo que não existíssemos. De nenhuma maneira a verdade das Escrituras é decidida pela
experiência de alguém. Se ela nos afeta ou não subjetivamente nada tem a ver com seu significado de fato ou
veracidade. A mensagem das Escrituras não é maleável. Não é singular para cada pessoa. Não é determinada
pela experiência pessoal ou opinião pessoal.
Isso significa um forte golpe para um grande segmento dos que professam o Cristianismo atualmente.
Multidões estão procurando ouvir a voz de Deus em suas cabeças ou buscando algum tipo de epifania intuitiva
na qual a verdade lhe será revelada subjetivamente, mas a única verdade final e absoluta para o cristão — a
verdade que supera todas as opiniões particulares, sentimentos pessoais e experiências subjetivas é a verdade
objetiva de Deus como revelada nas Escrituras quando corretamente interpretada.
A verdade bíblica é objetiva. É verdadeira em si mesma. É verdadeira se sentimos ou deixamos de
sentir que é verdadeira. É verdadeira se foi ou não validada pela experiência de alguém. É verdadeira porque
Deus disse que é verdadeira. É verdadeira por completo e é verdadeira até o menor til ou i. O Salmo 119. 160
diz, “As tuas palavras são em tudo verdade desde o princípio, e cada um dos teus justos juízos dura para
sempre” (Sl 119.160).
Esse é exatamente o ponto de partida e o alicerce necessário para uma cosmovisão cristã verdadeira.
Abra mão do fundamento da verdade bíblica e seja qual for o sistema de crença que reste não vale a pena ser
chamado cristão, mesmo se ele retiver vestígios do simbolismo e da terminologia cristãos.
Muitos que se intitulam cristãos atualmente estão precisamente nessa situação. Eles usam linguagem e
simbolismo cristãos, mas a fonte real da autoridade deles é algo além das Escrituras. Alguns simplesmente
vivem pelo que sentem e moldam suas crenças segundo suas preferências pessoais. Outros alegam que Deus
lhes fala diretamente por meio de vozes, impressões fortes, ou sentimentos vagos que eles interpretam como
revelações diretas do Espírito Santo. Outros ainda pensam que as Escrituras são escritos improvisados que eles
podem modificar ou interpretar da maneira que desejarem. De qualquer modo, a vida e crença deles são
comandadas pelas suas preferências pessoais. As crenças deles não são realmente diferentes daquelas dos
seguidores da Nova Era que acreditam que a verdade é encontrada dentro deles mesmos.
Mas o Cristianismo histórico é baseado na revelação objetiva das Escrituras. Essa é a razão pela qual
nossa primeira palavra-chave para descrever a cosmovisão cristã é objetividade. Nossa fé está firmada na

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convicção de que Deus falou e a sua Palavra é a verdade objetiva. O que ele nos deu é absoluto e inabalável.
É a verdade pelas quais todas as outras alegações de verdade são medidas.
Veracidade: “Agora, pois, Ó SENHOR Deus, tu mesmo és Deus, e as tuas palavras são verdade, e tens
prometido a teu servo este bem.” (2Sm 7.28)
Autoridade: “Maravilhavam-se da sua doutrina, porque os ensinava como quem tem autoridade e não
como os escribas.” (Mc 1.22)

QUE É COSMOVISÃO?

A cosmovisão é análoga à lente intelectual através da qual as pessoas veem a realidade e que a cor da
lente é um fato fortemente determinante que contribui para o que elas creem acerca do mundo. Além disso,
cosmovisão é um sistema filosófico que procura explicar como os fatos da realidade se relacionam e se ajustam
um ao outro. Uma vez reunidos os componentes da lente, ela focalizará o plano geral da realidade que dá a
estrutura na qual as partes menores da vida se harmonizam. Em outras palavras, a cosmovisão dá forma ou
colore o modo que pensamos e fornece a condição interpretativa para entender e explicar os fatos de nossa
experiência.
Ainda mais importante que entender o que é uma cosmovisão, e mais crítico, é compreender as
consequências lógicas associadas a viver de acordo com as convicções que uma determinada cosmovisão
sustenta como verdadeira. Essa reflexão nos leva a nossa próxima pergunta.

Por que as cosmovisões são importantes?


Uma vez que nossas ideias influenciam nossas emoções, reações e conduta, é particularmente
importante para nós conhecer aquilo em que cremos e por quê. Pense no tipo de consequências históricas que
advêm direta e logicamente de uma cosmovisão — as crenças ou convicções. Um homem, Adolf Hitler, apelou
para o povo de seu país a fim de obter apoio para avançar na realização lógica da cosmovisão deles. Disse:
O mais forte deve dominar, não se igualar ao mais fraco, o que significaria o sacrifício de sua própria
natureza superior. Somente o indivíduo que é fraco de nascimento pode entender este princípio como cruel.
E, se faz isso, é meramente porque é de natureza mais fraca e de mente mais obtusa, pois se essa lei não
direcionasse o processo de evolução, o desenvolvimento superior da vida orgânica não seria concebível de
forma alguma [...] Se a Natureza não deseja que os indivíduos mais fracos se igualem aos mais fortes, deseja
ainda menos que uma raça superior se misture com uma inferior, porque nesse caso todos os seus esforços,
ao longo de centenas de milhares de anos, para estabelecer um estágio evolutivo mais alto do ser, podem-se
traduzir em inutilidade.1

1
Mein Kampf, 161-162.

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Hitler referia-se a essa solução da natureza como “totalmente lógica”. De fato, era tão lógica para os
nazistas que eles construíram campos de concentração para levar a cabo suas convicções acerca da raça
humana. Auschwitz era um desses campos de concentração onde os preceitos teóricos foram aplicados ao
mundo real. Se estivéssemos visitando Auschwitz hoje, poderíamos andar nos corredores de alguns edifícios
onde veríamos o impacto inimaginável que uma cosmovisão pode causar (e de fato causou) sobre todo o
mundo. A maioria dos visitantes não está preparada e fica chocada ao ver as fotos de mulheres grávidas e de
criancinhas que foram torturadas até a morte por oficiais nazistas. Lembrando os cinquenta anos da libertação
de Auschwitz, a revista Newsweek publicou como matéria de capa uma entrevista com o general Vasily
Petrenko, o único comandante sobrevivente das quatro divisões do Exército Vermelho, que cercou e libertou
Auschwitz:
Petrenko era um veterano endurecido de uma das piores batalhas da guerra. “Eu havia visto muita
gente morta”, Petrenko diz. “Havia visto muitas pessoas penduradas e muitas queimadas. Mas ainda não
estava preparado para Auschwitz.” O que o espantou sobremaneira foram as crianças, algumas ainda em
idade tenra, que foram deixadas para trás na fuga rápida. Essas crianças eram os sobreviventes dos
experimentos médicos perpetrados pelo dr. Josef Mengele, médico do campo, e os filhos dos prisioneiros
políticos poloneses recolhidos após a malfadada revolta em Varsóvia.2
A citação de Mein kampf (Minha vida), bem como este breve excerto do Newsweek, deve ser um
lembrete de que as cosmovisões levam a conclusões e consequências. As convicções fortes de homens como
Hitler e Mengele mostram que a maneira de ver o mundo (cosmovisão) pode mudar a face deste mundo.
Entender o que as diferentes cosmovisões ensinam e a consequência lógica de cada uma é crucial. Por isso,
pretendemos tratar de alguns pontos centrais das cosmovisões a fim de averiguar-lhes as convicções e constatar
quais têm credibilidade. Mas há muitos outros modos de ver a realidade. Parece que pode haver tantas
cosmovisões quantas pessoas há no mundo. Assim, antes de ir aos princípios principais das cosmovisões que
discutiremos, vamos identificar quais deles pretendemos examinar.

Quantas cosmovisões existem?


Podemos colocar a existência das seguintes cosmovisões: teísmo, ateísmo, panteísmo, panenteísmo,
deísmo, politeísmo, e o deísmo limitado. Sabemos que todas essas cosmovisões se difundiram em nossa cultura
e existem, de uma forma ou de outra, em praticamente todas as faculdades seculares ou campus universitários
do Brasil e de muitas do restante do mundo. Vamos investigar somente as três cosmovisões mais influentes
em nossa cultura ocidental: ateísmo, panteísmo e teísmo.

Em que diferem as cosmovisões?


A discordância mais fundamental entre as cosmovisões baseia-se na existência e na natureza de Deus.
A ideia de Deus tem guiado ou enganado mais vidas, mudado mais a história, inspirado mais músicas e poesias

2
‫־‬Jerry Adler, The last days of Auschwitz, Newsweek, 16/1/995, p. 47.

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e filosofias que qualquer outra coisa, real ou imaginada. Tem feito mais diferença na vida humana neste
planeta, tanto individual como coletivamente, do que nada jamais fez.
Para obter algum entendimento das diferenças principais existentes entre o ateísmo, o panteísmo e o
teísmo, precisamos apenas definir cada cosmovisão e arrolar suas doutrinas principais. O motivo dessa
comparação é demonstrar a natureza logicamente impossível das declarações essenciais de verdade que cada
cosmovisão tem a respeito de Deus, da realidade, da humanidade, do mal e da ética. Recomenda-se algum
estudo adicional de cada cosmovisão, mas os princípios aqui expostos vão servir para o nosso propósito.

Em que acreditam os ateístas?


O ateísmo acredita que não existe Deus nenhum, seja no próprio universo, seja além dele. O universo
ou cosmos é tudo o que existe ou existirá, ele é auto-sustentável. Entre os mais famosos ateus estão Karl Marx,
Friedrich Nietzsche, Sigmund Freud e Jean-Paul Sartre. Seus escritos tiveram tremenda influência sobre o
mundo. Esses homens expressaram suas ideias de modos diferentes, mas todos sustentaram a convicção básica
de que Deus não existe. Entre os principais ensinos do ateísmo estão os seguintes:
• DEUS — Não existe. Existe somente o universo.
• UNIVERSO — É eterno; ou casualmente veio a ser.
• HUMANIDADE (origem) — Evoluímos, somos compostos de moléculas e não somos imortais.
• HUMANIDADE (destino) — Não temos nenhum destino eterno e seremos aniquilados.
• MAL (origem) — É real, causado pela ignorância humana.
• MAL (destino) — Pode ser derrotado pelo homem por meio da educação.
• ÉTICA (base) — É criada pela humanidade e fundamentada na própria humanidade.
• ÉTICA (natureza) — É relativa, determinada pela situação.

Em que acreditam os panteístas?


Outra visão de mundo importante é a crença de que Deus é o universo. Essa visão se chama panteísmo,
manifesta-se na forma popular como Movimento Nova Era. Para o panteísta não há criador além do universo,
criador e criação são dois modos diferentes de enxergar a mesma realidade, e em última análise existe apenas
uma realidade, não muitas realidades diferentes. Deus permeia todas as coisas e se encontra em todas elas.
Nada existe à parte de Deus: Deus é o mundo e o mundo é Deus; Deus é o universo e o universo é Deus. Há
diferentes tipos de panteísmo, representados por certas correntes do hinduísmo, do budismo zen e da Nova
Era. As ideias desses grupos diferem a respeito de como Deus e o mundo se identificam, mas todos creem que
Deus e o mundo são um. Entre os principais ensinos do panteísmo estão:
• DEUS — É um, infinito, normalmente impessoal; ele é o universo.
• UNIVERSO — É uma ilusão, uma manifestação de Deus, o único que é real.
• HUMANIDADE (origem) — O verdadeiro eu (atmã) do homem é Deus (Brahman).
• HUMANIDADE (destino) — Nosso destino é determinado pelos ciclos da vida, o carma.

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• MAL (origem) — É uma ilusão causada pelos erros da mente.
• MAL (destino) — Será reabsorvido por Deus.
• ÉTICA (base) — Os princípios éticos se baseiam em manifestações inferiores de Deus.
• ÉTICA (natureza) — Os princípios éticos são relativos, transcendem a ilusão do bem e do mal.

Em que acreditam os teístas?


O teísmo ensina que há somente um Ser infinito e pessoal, que está além deste universo físico finito.
Os teístas creem que os atributos do Deus da Bíblia podem ser parcialmente conhecidos por meio da natureza,
do mesmo modo que os atributos de um artista podem ser reconhecidos em sua pintura. A Bíblia informa-nos
que Deus plantou com raízes profundas no coração e na mente de todo ser humano um conhecimento indelével
de alguns de seus atributos, conhecimento este claramente perceptível na observação da natureza:
“Pois o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Pois desde
a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos
claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis.”
(Rm 1.19-20).
A luta pela verdade concentra-se no que Deus revelou a todas as pessoas a respeito de si próprio. De
acordo com o teísmo bíblico, esse versículo deixa claro que Deus vai considerar cada indivíduo, sem levar em
conta sua cultura ou sociedade, responsável pelo que revelou de si por intermédio da natureza. Os primeiros
dois capítulos da Carta aos Romanos nos ajudam a entender exatamente o que Deus revelou claramente: ele é
a fonte de poder eterno e infinito que causou e sustém a existência do universo e sua divina natureza é a base
para a ética. Entretanto, Deus também diz que essa verdade tem sido suprimida pela má condição moral dos
indivíduos, não por causa da ignorância intelectual.
Por sua vez, o teísmo é a cosmovisão que sustenta a crença de que o mundo é mais do que apenas o
universo físico (ateísmo). Ao mesmo tempo, os teístas não aceitam a ideia de que Deus é o mundo (panteísmo).
Creem na existência de Deus e veem sua existência como o componente essencial da cosmovisão teísta. Os
teístas estão convencidos de que o universo teve uma Causa Primeira sobrenatural infinitamente poderosa e
inteligente, um Deus infinito que está além do universo e nele se manifesta. Esse Deus é o Deus pessoal,
separado do mundo, que criou o universo e o sustém. Os teístas creem que Deus pode agir no universo de
maneira sobrenatural. As religiões tradicionais, judaísmo, islamismo e cristianismo, representam o teísmo.
Entre seus principais funda- mentos estão:
• DEUS — É um só, pessoal, moral, infinito em todos os seus atributos.
• UNIVERSO — É finito, criado pelo Deus infinito.
• HUMANIDADE (origem) — Somos imortais, criados e sustentados por Deus.
• HUMANIDADE (destino) — Por escolha seremos eternamente separados de Deus ou viveremos
eternamente com ele.
• MAL (origem) — É a privação ou imperfeição causada pela escolha.

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• MAL (destino) — Será finalmente derrotado por Deus.
• ÉTICA (base) — Os princípios éticos se baseiam na natureza de Deus.
• ÉTICA (natureza) — Os princípios éticos são absolutos, objetivos e prescritivos.

Que é confusão de cosmovisões?


Nosso juízo de certas questões da vida depende de como vemos o mundo. Nossa cosmovisão influencia
nossas conclusões por causa das suposições que fazemos quando a formulamos. Por exemplo, os ateístas, que
decidiram que a macro evolução é responsável pela vida que observamos no universo, baseiam sua teoria em
suposições puramente naturalistas feitas dentro da cosmovisão ateísta. Consequentemente, concluíram eles
que não existe Deus algum. Ao mesmo tempo, os teístas podem olhar as mesmas evidências e mostrarem que
a única resposta para a existência de vida inteligente no universo observável é a ação de uma Causa Primeira
(Deus) inteligente. Os mesmos fatos do universo são disponíveis para o ateu e para o teísta, todavia, as suas
conclusões são inconciliáveis. Essas respostas incompatíveis resultam do que chamamos confusão de
cosmovisões. Uma vez que nossos juízos a respeito da vida são influenciados por nossa cosmovisão, e as
diferentes cosmovisões chegam essencialmente a respostas diferentes às mesmas questões, que caminho
tomaremos daqui para frente?
Sugerimos lançar um olhar mais próximo na estrutura da lente intelectual (cosmovisão) empregada
para interpretar os dados sob investigação e adquirir algum conhecimento de como se constitui essa lente.
Entender as hipóteses que constituem a estrutura principal das cosmovisões é um aspecto essencial para
aprender a transmitir nossas convicções a várias cosmovisões sem interpretá-las erroneamente através de lentes
de outras cores. Portanto, esta lente é o ponto de partida para a busca do terreno comum: os princípios
empregados na formulação de toda e qualquer cosmovisão. À primeira vista, as cosmovisões apresentadas
acima parecem não compartilhar muitos atributos. Todavia, como as lentes, elas são feitas de superfície curva
de vidro e cada uma tem um ponto focal. Por essa razão, somos capazes de encontrar algumas hipóteses
comuns sobre as quais construir uma discussão lógica antes de argumentar a respeito de qual interpretação das
evidências é a correta. O que queremos dizer é que um bom modo de dialogar com as cosmovisões é fazer as
perguntas corretas.
Por que é tão importante fazer perguntas?
Há muitas boas razões para fazer perguntas sinceras num diálogo. Uma delas é que a pergunta sincera
permite ao outro perceber que estamos genuinamente interessados na opinião dele. Lembre-se de que a meta
final da apologética (dar razões da nossa fé) é confirmar e defender nossas convicções gentilmente, na
esperança de que Deus leve os indivíduos a um relacionamento com ele por intermédio de Jesus Cristo. Apenas
vomitar respostas ou desafiar antipaticamente as pessoas com a fé cristã não vai ajudar a construir nenhum
relacionamento com aqueles que precisam conhecer a Deus. Portanto, é essencial reconhecer que uma pergunta
devidamente colocada, feita em atitude de amor e preocupação, pode ser muito mais eficaz do que apenas
tentar provar um ponto e vencer uma discussão.

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Já se disse com razão que alguém pode ganhar uma discussão, mas perder o oponente nesse processo.
Fazer o tipo certo de perguntas pode ajudar a desarmar um diálogo potencialmente explosivo e transformá-lo
numa discussão eficaz. Quando se está emocionalmente envolvido numa questão, fica cada vez mais difícil
seguir um argumento lógico. A confusão pode ficar tão grande que o resultado é normalmente uma discussão
que “produz mais calor que luz”. Nossa tarefa principal é fugir do aspecto emocional do diálogo e procurar
estabelecer uma base comum para haver comunicação útil. A sala de aula é simplesmente o tipo de lugar onde
as emoções podem fugir ao controle, de modo que vamos usar essa arena para observar o que pode acontecer
quando um professor ou um colega de classe questiona o cristianismo.
Imagine-se como aluno de uma faculdade cujo professor de biologia sabe que você crê que Deus criou
o universo. Um dia ele decide pedir-lhe que justifique sua posição perante a classe e pergunte: “Como você
consegue acreditar na Bíblia se ela contradiz tudo o que conhecemos como científico? Por exemplo, a ciência
demonstrou que é impossível ocorrer milagres. Apesar disso você prefere crer nos milagres registrados na
Bíblia a acreditar na ciência. Por quê?”. O que você responderia a esse professor? Quase todos nós fomos
ensinados a responder a perguntas com respostas. Entretanto, esta nem sempre é a abordagem mais sábia. Pode
acontecer que a pergunta do seu professor de biologia precise ser mais bem entendida. O filósofo Peter Kreeft
diz:
“Não há nada mais sem sentido que a resposta a uma pergunta não plenamente entendida, ou não
totalmente exposta. Somos impacientes demais com perguntas e, por isso, muito superficiais na apreciação
das respostas.”3
Em vez de dar uma resposta imediata à pergunta do professor, talvez seja mais sábio esclarecer a
posição dele primeiro, fazendo uma pergunta para ele. Mas a sua pergunta tem de ser muito boa, senão poderá
ver-se envolvido numa conversa emocionalmente carregada. Por essa razão, queremos apresentar um método
que o vai ajudar a fazer os tipos certos de perguntas em circunstâncias difíceis. São perguntas planejadas para
neutralizar uma discussão potencialmente carregada de emoção.
Antes de tudo, devemos ter em mente que nem toda pergunta é feita com sinceridade. Porém, devemos
procurar responder ao que parece uma pergunta insincera da maneira mais amável e verdadeira. Podemos não
vencer o proponente da pergunta, mas podemos influenciar os que estão em torno esperando a nossa resposta.
É altamente improvável, por exemplo, que um professor diante de uma classe seja convencido da verdade do
cristianismo nessa situação.
Contudo, Deus pode usar essa situação para influenciar a mente de outros alunos. O princípio essencial
que queremos ensinar acerca de fazer o tipo certo de pergunta diz respeito à mudança do foco da discussão de
uma questão particular para um princípio geral da verdade que subjaz ao assunto em questão. Consideramos
isso a chave mestra para desbloquear o diálogo. Uma vez de posse dessa chave, devemos ser capazes de abrir
a mente de nossos ouvintes com a mudança de uma simples pergunta. Sugerimos o emprego deste método em
todas as situações em que for possível.

3
Making sense out of suffering, p. 27.

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Contudo, o sucesso dele depende não de fazer apenas algumas perguntas, mas de fazer as perguntas
corretas. Mais uma vez imagine-se na aula de biologia que mencionamos antes. Agora, em vez de responder
ao professor com uma resposta, vejamos o que acontece se você lhe responder com a pergunta certa.
Seu professor perguntou-lhe: “Como você consegue acreditar na Bíblia se ela contradiz tudo o que
conhecemos da ciência? Por exemplo, a ciência demonstrou que é impossível ocorrer milagres. Apesar disso
você prefere crer nos milagres registrados na Bíblia a acreditar na ciência. Por quê?”. Vamos supor que a esta
altura do semestre você já descobriu que seu professor é um naturalista — crê que fora da natureza não existe
nada. Como você espera que ele venha a crer na Palavra de Deus se Deus não existe? Da mesma maneira,
como pode um naturalista acreditar em milagres, ou atos de Deus, se não há Deus nenhum que possa agir?
Dizer-lhe os motivos por que você crê que a Bíblia é verdadeira — porque ela é a Palavra de Deus — pode
servir apenas para isolá-lo dele e do resto da classe. Aonde você pode ir daqui para frente?
A esta altura não existe solo comum entre o seu professor e você. Por isso, é hora de fazer a pergunta
correta para mudar a discussão desse assunto específico (a credibilidade da Bíblia e dos milagres) para um
princípio geral de verdade por detrás dele. Isso exporá a suposição escondida na pergunta do seu professor.
Para fazer isso, você precisa pensar em que o seu professor, como naturalista, crê e encontrar um meio de lhe
fazer uma pergunta que ponha vocês dois num território compartilhado.
Visto que a lógica é uma área fundamental, em que há base comum, sugerimos que você utilize um
dos primeiros princípios da lógica, como a “lei da não-contradição” (LNC), por exemplo, para formular a
pergunta certa. O professor fez uma afirmação muito confiante e crucial quando disse: “Milagres são
impossíveis”. Você pode observar, contudo, que ele nunca lhe deu uma definição de milagre. Logo, para
começar certifique-se de que você e seu professor concordam na definição dos termos importantes que vocês
vão empregar. Peça-lhe para definir o que quer dizer com milagre. Muito provavelmente ele responderá algo
como isto: “Milagre é um acontecimento na natureza causado por algo que está fora dela”. Uma vez que crê
que não existe nada além da natureza, ele é forçado a concluir que os milagres são impossíveis.
Você acabou de detectar a suposição dele: ele crê que não existe nada fora da natureza e que a ciência
demonstrou isso. Além do mais, como naturalista, ele acredita que a ciência se preocupa apenas com a natureza
e, por isso, está restrita às causas naturais dos eventos da natureza. Seu professor, portanto, definiu a não
existência de milagres, mas não com o emprego do método científico, mas com uma hipótese filosófica. Como
pode a ciência provar que algo não existe fora da natureza se, segundo seu professor, a ciência não pode
ir além da natureza? Há alguma coisa errada aí! Seu professor está aplicando a disciplina acadêmica errada
a essa questão sobre milagres. C. S. Lewis explicou como a ciência não pode provar a falsidade do miraculoso:
“[O] método científico meramente mostra (o que ninguém que eu conheça jamais negou) que se os
milagres de fato ocorreram, a ciência, como ciência, não pode provar, nem negar, a ocorrência deles. Aquilo
em que não se pode confiar para recorrer não é assunto para a ciência: é por isso que a História não é
considerada ciência. Não se pode constatar o que Napoleão fez na batalha de Austerlitz pedindo-lhe que
venha e realize outra vez a batalha num laboratório com os mesmos combatentes, no mesmo campo de

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batalha, com as mesmas condições climáticas e na mesma época. É preciso ir aos registros. Com efeito, não
provamos que a ciência exclui os milagres: provamos apenas que a questão dos milagres, como inúmeras
outras, exclui o tratamento laboratorial.”4
Seu professor não somente foi não-científico quando afirmou que milagres são impossíveis, mas
também cometeu uma falácia lógica chamada: assumir veracidade para não discutir. Comete-se essa falácia
quando se discute num círculo. Lewis assinalou que se alguém afirma que é impossível ocorrer milagres, esse
alguém precisa ter conhecimento de que todos os relatos de milagres são falsos. Todavia, o único jeito de saber
se todos os relatos de milagres são falsos é saber de antemão que jamais ocorreu nenhum milagre de fato,
porque isso é impossível.5 A única saída a esse raciocínio circular é estar aberto à possibilidade de que os
milagres ocorreram de fato. Pensando nisso, você também pode considerar a possibilidade de pedir a seu
professor que defina o termo natural, embora ele não tenha utilizado essa palavra na pergunta que lhe fez.
Vamos aplicar a definição de Lewis e ver aonde ela nos leva.
“Se o “natural” significa aquilo que pode ser enquadrado numa classe, obedece a uma norma, pode
ter paralelo, pode ser explicado por referência a outros eventos, então a própria natureza como um todo não
é natural. Se milagre significa aquilo que simplesmente precisa ser aceito, a realidade irrespondível que não
dá explicação de si, mas simplesmente existe, então o universo é um grande milagre.”6
A única coisa que o seu professor crê que existe é o universo, e então, por definição, vem a ser o maior
milagre de todos. Não estamos querendo dizer que ele vai concordar com você. Estamos demonstrando como
lidar com esse tipo de problema. Pedir esclarecimento leva a pergunta original do seu professor de volta a um
princípio comum em que você pode conseguir construir pontes da verdade para a visão de mundo cristã. Você
pode partilhar com seu professor que se ele concorda com a definição exposta sobre milagre e natural, vocês
têm uma convicção comum. De fato, mais tarde você pode justificar como a Bíblia está em harmonia com o
método científico, porque ela é coerente com o princípio da causalidade. Em Gênesis 1.1, a Bíblia declara que
Deus é a Causa não-causada do universo finito.
Esperamos que esse roteiro que acabamos de propor tenha ajudado a demonstrar quanto pode ser útil
para orientar a direção de uma discussão fazer o tipo certo de pergunta. Nosso objetivo é transferir o ônus da
prova de nós para os que nos questionam. Pedindo esclarecimento e usando a Lei da não Contradição, podemos
pedir aos nossos indagadores que definam seus termos, o que por sua vez pode obrigá-los a refletir sobre suas
suposições. Conforme se assinalou acima, procurar a definição dos termos milagre e natural e sondar até que
as suposições fossem expostas mostrou que esse professor ou raciocinava em círculo, ou aceitava o maior de
todos os milagres — o universo. Esse método e esse processo de raciocínio podem ou não influenciar um
professor de faculdade, mas pode por certo fazer diferença no modo que os outros ouvintes vão perceber aquilo
em que cremos. Pode ser uma ferramenta muito poderosa, mas não espere ser capaz de dominá-la num período

4
Deus no banco dos réus, p. 134.
5
Milagres, p. 96.
6
Deus no banco dos réus, p. 36.

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curto de tempo, vai ser necessário prática e perspicácia para usá-la eficazmente em situações da vida real. De
novo, o sucesso dele depende não meramente de fazer perguntas quaisquer, mas de fazer as perguntas certas.

Como formular as perguntas certas?


Fazer as perguntas certas depende de nossa capacidade de conhecer e utilizar com propriedade os
preceitos gerais (os primeiros princípios) relacionados ao problema específico que se está discutindo. Lembre-
se de que quando as crenças se tornam convicções, o aspecto pessoal introduz um diálogo em que as emoções
podem-se aprofundar muito. A pergunta correta pode trazer a conversa de volta à base comum, um primeiro
princípio, sobre a qual há mais probabilidade de ocorrer uma discussão sadia. Com isso em mente, estamos
chamando as perguntas corretas de perguntas de princípio.
Uma pergunta de princípio pode catapultar uma conversa do nível emocional e subjetivo para o nível
racional e objetivo. Questionar princípios em vez de crenças pessoais a fim de comprometer as pessoas com
conceitos, e não com convicções faz diferença. Lembre-se: nosso primeiro objetivo é trabalhar a partir de
suposições compartilhadas. Devemos nos esforçar para encontrar o princípio primeiro relacionado à questão
em pauta. Vamos procurar ilustrar o que queremos dizer empregando essa técnica a uma questão conhecida a
respeito da capacidade de Deus criar uma pedra maior do que ele possa carregar.
Volte novamente a sua escola imaginária. Agora você vai encontrar um aluno chamado Pedro que está
irritado porque não se conforma com sua crença aparentemente absurda em Deus. Ele mal pode esperar a
oportunidade de o constranger na frente de outros alunos interessados em ouvir mais a respeito de sua fé. Um
dia, enquanto almoça com alguns daqueles alunos receptivos, Pedro decide sentar-se à sua mesa e dizer:

— Você se importa se eu lhe fizer algumas perguntas?


Você reage dizendo que as perguntas dele são bem-vindas.
Pedro então pergunta:
— Jesus não disse em Mateus 19.26 que “para Deus todas as coisas são possíveis?”
— Sim — você responde.
Pedro continua — Você acredita que Deus é todo-poderoso e pode fazer tudo?
Novamente sua resposta é positiva.
Pedro imagina que o tão esperado momento está chegando e, com um risinho sarcástico, pergunta:
— Certo. Deus pode criar uma rocha tão grande que ele próprio não possa levantá-la?

Você avalia a pergunta por um instante e pensa com você: “Se eu responder ‘sim’, estarei admitindo
que Deus é poderoso bastante para criar a pedra, mas não o suficiente para movê-la! Porém, se disser ‘não’,
estarei admitindo que Deus não é todo-poderoso, porque não pode criar uma pedra de tal magnitude”. Parece
que qualquer uma das respostas vai forçá-lo a violar a Lei da não Contradição e contradizer sua concepção de
Deus, definida como um Ser todo-poderoso. Parece também que Pedro está usando os primeiros princípios

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para desacreditar você e sua concepção de Deus. É verdade que Pedro está falando corretamente do poder de
Deus, mas estaria ele empregando os primeiros princípios corretamente?
Antes de examinarmos as perguntas de Pedro, lembre-se de que agora não é hora de apelar para a
ignorância dizendo a Pedro que ele está querendo usar o raciocínio humano e que há coisas que não podemos
compreender a respeito de Deus. Nem tampouco deve dizer que de algum modo Deus está isento dessa questão.
Isto apenas daria a Pedro mais combustível emocional para pensar em outros assuntos escolhidos para levantar
com você e atingir o objetivo dele de desacreditar sua fé na frente dos outros colegas. Em vez disso, você deve
concentrar-se nessa questão e pensar numa pergunta sobre princípio que desvie a conversa de uma base
emocional instável para um solo conceituai firme.
Vamos retomar a pergunta de Pedro e aplicar a ela o que aprendemos com o uso correto da Lei da Não
Contradição. Pedro quer que Deus crie uma pedra tão grande que o próprio Deus não a possa erguer. O que
Pedro na verdade está pedindo para Deus fazer? Para saber, precisamos definir e esclarecer o emprego das
palavras de Pedro. A primeira pergunta que vem à mente é: “De que tamanho é a pedra que Pedro quer que
Deus crie?”. Bem, Pedro quer que Deus crie uma pedra tão grande que seria impossível ao próprio Deus movê-
la. Ora, que tamanho uma pedra poderia ter para que Deus não fosse capaz de movê-la? Qual é a maior entidade
física que existe? Obviamente, a maior entidade física é o universo, e independentemente de quanto se
expanda, o universo será sempre limitado, uma realidade física finita — uma realidade que Deus pode
“carregar”. Mesmo se Deus criasse uma pedra do tamanho de um universo em expansão constante, Deus ainda
seria capaz de erguê-la e controlá-la. A única opção lógica é Deus criar algo que exceda o seu poder de carregar
e de controlar. Mas, uma vez que o poder de Deus é infinito, ele teria de criar uma rocha de proporções
infinitas! Esta é a chave: Pedro quer que Deus crie uma pedra, e uma pedra é um objeto físico, finito. Como
pode Deus criar um objeto que é finito por natureza e dar a ele um tamanho infinito? Há alguma coisa
terrivelmente errada na pergunta de Pedro. Então vamos aplicar corretamente a Lei da não Contradição para
analisá-la.
É lógica e concretamente impossível criar uma coisa finita fisicamente e fazer que ela seja infinitamente
grande! Por definição, uma coisa infinita, não-criada não tem limites, e uma coisa finita, criada tem.
Consequentemente, Pedro acabou de perguntar se Deus pode criar uma pedra infinitamente finita, isto é, uma
pedra que tem limites e, ao mesmo tempo e no mesmo sentido, não tem limites. A pergunta dele, portanto,
viola a Lei da não Contradição e vem a ser absurda. Pedro achava que estava fazendo uma pergunta muito
importante, que poria o cristão num grande dilema. Em vez disso, ele apenas conseguiu mostrar a própria
incapacidade de pensar com clareza.
Agora que temos entendimento claro da pergunta de Pedro, é só uma questão de formular uma pergunta
de princípio a fim de que o erro dele se revele. Que tal esta: “Pedro, qual é o tamanho da pedra que você quer
que Deus crie? Se você me disser o tamanho dela, eu lhe direi se ele pode criá-la”. Bem, podemos continuar
perguntando até que as respostas se aproximem do tamanho do universo e finalmente introduzam a ideia da
infinitude. Uma vez que Pedro chegue ao ponto em que comece a enxergar o que está realmente pedindo para

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Deus fazer — criar uma pedra infinita —, é necessário mostrar-lhe que está pedindo que Deus faça algo
logicamente irrelevante e impossível. Deus não pode criar uma pedra infinitamente finita assim como não
pode criar um círculo quadrado. Ambos são exemplos de impossibilidades intrínsecas. Comentando sobre a
impossibilidade intrínseca e um Deus todo-poderoso, C. S. Lewis disse:
“É impossível [o intrinsecamente impossível] em todas as condições e em todos os mundos e para
todos os agentes. “Todos os agentes” aqui incluem o próprio Deus. Sua onipotência significa poder para
fazer tudo o que é intrinsecamente possível, não para fazer o intrinsecamente impossível. Pode- se atribuir
milagres a ele, mas não, absurdos.”7
Nem toda pergunta que se faz é automaticamente significativa apenas por ser uma pergunta. A pergunta
pode parecer significativa, mas devemos testá-la com os primeiros princípios para verificar se é válida. Seja
cuidadoso, portanto, não apressado demais, para responder às perguntas. Você pode ficar completamente
enrolado ao tentar encontrar uma resposta irrefutável à pergunta que não possui relevância lógica. Lembre-se
do que disse Peter Kreeft: “Não há nada mais sem sentido que a resposta a uma pergunta não plenamente
entendida”. Faremos bem em prestar atenção nesta advertência e utilizar o nosso entendimento dos primeiros
princípios antes de dar nossa resposta.

A NATUREZA DE UMA COSMOVISÃO CRISTÃ

Filosofia Verdadeira Versus Falsa


Em Colossenses 2.8, o apóstolo Paulo escreve: “Tende cuidado para que ninguém vos faça presa sua,
por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo e não
segundo Cristo”. Nesse versículo, o apóstolo adverte seus leitores contra ser levado cativo por falsas filosofias.
Antes, ele diz que eles deveriam adotar uma filosofia “segundo Cristo”. Esse versículo não ensina, como
alguns têm dito, que a própria filosofia é indigna do estudo cristão. De fato, o versículo ensina precisamente o
oposto. Ele é um imperativo para a busca da disciplina. Para se guardar contra ser cativo por uma filosofia
“segundo a tradição dos homens”, a pessoa deve ter uma consciência de tal filosofia errônea. E mais
importante, ele deve ter um conhecimento daquela que é verdadeira. Muitos cristãos não estão cientes desse
fato. Portanto, eles têm negligenciado o estudo da filosofia em geral. Tristemente, essas pessoas são aquelas
que mais provavelmente serão cativas pelas falsas filosofias deste mundo.
Nenhuma sociedade pode sobreviver, nenhuma civilização pode funcionar, sem algum sistema
unificador de pensamento. O que faz de uma sociedade um sistema unificado? Certo tipo de cola que é
encontrado num sistema unificado de pensamento, o qual chamamos de cosmovisão. O fato da questão é que
pensamentos moldam sociedades. Cosmovisões, ou filosofias, são importantes. Os cristãos, portanto, precisam
estudar filosofia para compreender o mundo em que vive e suas cosmovisões.

7
O Problema do sofrimento, p. 28.

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Porque muitos elementos de uma cosmovisão são filosóficos na natureza, os cristãos precisam se tomar
mais conscientes da importância da filosofia. Embora a filosofia e a religião [isto é, teologia] frequentemente
usem linguagem diferente e frequentemente [de maneira errônea] cheguem em conclusões diferentes, elas
tratam com as mesmas questões, as quais incluem questões sobre o que existe (metafísica), como os humanos
devem viver (ética), e como os seres humanos conhecem (epistemologia). Filosofia é importante! Ela é
importante porque a cosmovisão cristã tem uma conexão intrínseca com a filosofia e com o mundo de ideias.
Ela é importante porque a filosofia está relacionada de uma maneira criticamente importante com a vida,
cultura e religião. E ela é importante porque os sistemas que se opõem ao Cristianismo usam os métodos e
argumentos filosóficos.
Colossenses 2.8 nos ensina que há duas cosmovisões filosóficas radicalmente diferentes: a cristã e a
não-cristã. Não há terreno neutro. O filósofo não-cristão está comprometido com uma total independência do
Deus da Escritura. Assim, ele vê Deus, o homem e o mundo de um ponto de vista não-bíblico.
O filósofo cristão, por outro lado, está comprometido com uma dependência absoluta de Deus e de sua
Palavra. Ele filosofa sobre Deus e sua criação de uma perspectiva totalmente diferente. Ele vê Cristo, a Palavra
de Deus encarnada, como central para toda a verdade. Nele, escreve Paulo, “todos os tesouros da sabedoria e
do conhecimento estão ocultos” (Colossenses 2.3). Uma filosofia bíblica, portanto, deve estar “arraigada e
edificada” em Cristo (Colossenses 2.7). O filósofo cristão deve analisar todas as coisas por meio da revelação
infalível de Deus, procurando “levar cativo todo pensamento à obediência de Cristo” (2 Coríntios 10.5).
A Bíblia está repleta de ensinos filosóficos. O livro de Eclesiastes é um exemplo primário. O pregador
(1.1), o autor do livro, nos apresenta duas cosmovisões distintas e opostas. Ele pode assim o fazer, pois ele
esteve pessoalmente envolvido em ambas. Ele escreve como um homem velho olhando para trás em sua vida,
e admoesta seus leitores a prestarem atenção à sua instrução (12.lss). Por um lado, ele vê as questões da vida
de um ponto de vista do homem que é está debaixo do sol (1.3,9; 2.11). Esse é um homem não regenerado,
que somente tem uma consciência de Deus e sua criação por meio da revelação geral, uma revelação que ele
suprime.
Por outro lado, o pregador apresenta a cosmovisão apropriado do homem regenerado, que faz uso da
revelação especial. Esse homem conhece a Deus como Salvador, e possui a verdadeira sabedoria (Provérbios
1.7; .10). Sem essa sabedoria, diz o pregador, todas as coisas na vida são tolas (2.25-26). Sua conclusão é dada
em 12.13-14: uma cosmovisão apropriada deve começar com o temor de Deus: “De tudo o que se tem ouvido,
a suma é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo homem. Porque Deus
há de trazer a juízo todas as obras, até as que estão escondidas, quer sejam boas, quer sejam más”. Destituído
disso, o homem está destinado à futilidade filosófica, um “correr atrás do vento” (Eclesiastes 4.4).
A mensagem do pregador é clara: filosofia correta é Cristianismo correto. Sem uma filosofia
biblicamente baseada, o esforço filosófico é inútil. A cosmovisão cristã, baseada na Palavra de Deus somente,
não é apenas uma boa filosofia, é a melhor filosofia, ela é a única filosofia que é consistente consigo mesma e
que responde as questões da vida e trata com os problemas da vida e nós dá as respostas.

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Qual, então, é a natureza da filosofia cristã? É uma filosofia que é “segundo Cristo”. Ela procura estudar
a arena filosófica inteira por meio da Palavra de Cristo. Ela reconhece que somente o Deus trino da Escritura
é sábio: Pai (Romanos 16.27), Filho (1 Coríntios 1.24,30), e Espírito Santo (Isaías 11.2). E a filosofia cristã
genuína entende que somente a Palavra de Deus pode tomar uma pessoa sábia (Salmo 19.7).
O verdadeiro filósofo cristão, usando a Escritura como seu ponto de partida, crê em Jesus Cristo e se
compromete a ir além disso, à uma visão de Deus, da criação, do homem, do pecado, da história e de todas as
atividades culturais da raça humana, e nessa visão ele encontra a interpretação correta e o poder motivador
para pensar os pensamentos de Deus e fazer a sua vontade segundo ele.

Pressuposições Bíblicas
Todas as cosmovisões ou filosofias (como vimos, essas palavras são usadas como sinônimos virtuais)
têm pressuposições, que são fundacionais. Numa cosmovisão cristã logicamente consistente, a primeira e
absolutamente essencial pressuposição é que a Bíblia somente é a Palavra de Deus, e ela tem um monopólio
sistemático sobre a verdade. Esse é o ponto de partida axiomático8.
Nas palavras do apóstolo Paulo: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a
repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e
perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Timóteo 3.16-17). Todo o conselho de Deus concernente a
todas as coisas necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente
declarado na Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela. À Escritura nada se acrescentará em
tempo algum, nem por novas revelações do Espírito, nem por tradições dos homens.
A palavra da qual o termo “filosofia” (philosophia) é derivado significa “o amor pela sabedoria”. A
Escritura nos ensina que somente Deus é sábio (Romanos 16.27; 1Timóteo 1.17). O Espírito Santo é “o
Espírito de sabedoria” (Isaías 11.2). E Jesus Cristo, o Filósofo Mestre, é a própria Sabedoria (Provérbios 8.22-
36; João 1.1-3,14; 1Coríntios 1.24,30). Nele “todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos”
(Colossenses 2.3). E Cristo nos deu esses tesouros em sua Palavra, que é uma parte de sua mente (1Coríntios
2.16). Portanto, se alguém há de ser um filósofo cristão (um amante da sabedoria), ele deve ir até a Palavra de
Deus. É nela que uma pessoa aprende “o temor do Senhor [que] é o princípio da sabedoria” (Provérbios 9.10).
A Bíblia reivindica ser a Palavra de Deus infalível e inerrante (2Timóteo 3.16-17; 2Pedro 1.20-21), e
o Espírito Santo produz essa crença nas mentes (1Coríntios 2.6-16). A autoridade da Escritura Sagrada, razão
pela qual deve ser crida e obedecida, depende somente de Deus (que é a própria verdade) que é o seu autor;
tem, portanto, de ser recebida, porque é a palavra de Deus. Além do mais, nossa plena persuasão e certeza da
sua infalível verdade e divina autoridade provém da operação interna do Espírito Santo, que pela palavra e
com a palavra testifica em nossos corações. Simplesmente não há maior autoridade que a Palavra de Deus.

8
Na lógica tradicional, um axioma ou postulado é uma sentença ou proposição que não é provada ou demonstrada e é considerada
como óbvia ou como um consenso inicial necessário para a construção ou aceitação de uma teoria. Por essa razão, é aceito como
verdade e serve como ponto inicial para dedução de outras verdades.

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Como o autor de Hebreus reivindica: “Visto que [Deus] não tinha ninguém superior por quem jurar, jurou
por si mesmo” (6.13).
Segundo, a partir do axioma da Escritura, aprendemos, , que há só um Deus, o Deus vivo e verdadeiro
e há três pessoas na Divindade: o Pai, o Filho e o Espírito Santo, e estas três são um Deus, da mesma substância
[essência], iguais em poder e glória (veja Deuteronômio 6.4; Mateus 28.19). Também aprendemos que esse
Deus trino é autoexistente e independente, possuindo todas as perfeições. Deus é espírito, infinito, eterno e
imutável em seu ser, sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade e verdade. Além do mais, Deus é tanto
transcendente (distinto de sua criação) como imanente (onipresente em sua criação) (Isaías 57.15; Jeremias
23.23-24). Nele todas as coisas “vivem, movem e têm [sua] existência” (Atos 17.28).
Terceiro, as Escrituras nos ensinam que Deus, em seu eterno decreto, soberanamente pré-ordenou todas
as coisas que aconteceriam (Efésios 1.11). Além do mais, ele executa seus propósitos soberanos através das
obras da criação (Apocalipse 4.11) e da providência (Daniel 4.35). Não somente Deus criou todas as coisas ex
nihilo (a partir de nenhuma substância pré-existente), incluindo o homem, mas ele soberanamente preserva,
sustenta e governo tudo da sua criação, trazendo todas as coisas para o seu fim apontado. O teísmo cristão
deve ser visto como uma filosofia única da história que vê toda a diversidade de processos e eventos que
acontecem no mundo de Deus como não mais, e não menos, do que o desenrolar do seu grande plano pré-
ordenado para as suas criaturas e sua Igreja.
Quarto, Deus criou o homem à sua própria imagem, tanto metafísica como eticamente (Gênesis 1.26-
28). O homem é uma “alma vivente” que consiste de um elemento físico (corpo) e um não-físico (espírito,
alma ou mente) (Gênesis 2.7).
De acordo com o Cristianismo bíblico, o homem é um ser espiritual, racional, moral e imortal, criado
com um conhecimento inato e proposicional, incluindo o conhecimento de Deus, para ter um relacionamento
espiritual com o seu Criador. Aqui ele difere de todo o resto da criação. Depois de haver feito as outras
criaturas, Deus criou o homem, macho e fêmea, com almas racionais e imortais, e dotou-as de inteligência,
retidão e perfeita santidade, segundo a sua própria imagem, tendo a lei de Deus escrita em seus corações. Esse
conhecimento inato, é entendido como o sensus divinitatis, ou o sendo da divindade, que está gravada na alma
de todos os homens. Esse conhecimento é uma verdade proposicional e inerradicável, e deixa todos os homens
sem escusa.
Os teólogos se referem a esse conhecimento inato como “revelação geral”. É geral tanto em audiência
(o mundo todo) como em conteúdo (teologia ampla), enquanto a revelação especial (as comunicações verbais
da Escritura), por outro lado, é específica em audiência (aqueles que leem a Bíblia) e detalhada em conteúdo.
A revelação geral, como observado, revela Deus como Criador, deixando assim os homens sem escusa
(Romanos 1.18-21; 2.14-15). Mas ela não revela Cristo como o único Redentor. Esse último é encontrado
somente nas Escrituras (Romanos 1.16- 17; 10.17).
Ainda que a luz da natureza e as obras da criação e da providência de tal modo manifestem a bondade,
a sabedoria e o poder de Deus, que os homens ficam inescusáveis, contudo não são suficientes para dar aquele

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conhecimento de Deus e da sua vontade necessário para a salvação; por isso foi o Senhor servido, em diversos
tempos e diferentes modos, revelar-se e declarar à sua Igreja aquela sua vontade; e depois, para melhor
preservação e propagação da verdade, para o mais seguro estabelecimento e conforto da Igreja contra a
corrupção da came e malícia de Satanás e do mundo, foi igualmente servido fazê-la escrever toda. Isto toma
indispensável a Escritura Sagrada, tendo cessado aqueles antigos modos de revelar Deus a sua vontade ao seu
povo.
Quando propriamente estudada, a revelação geral e especial estão em perfeita harmonia. Mas a criação
sempre deve ser estudada à luz da revelação especial. A Bíblia somente tem um monopólio sobre a verdade.
Como claramente ensinado em Provérbios 8, um entendimento devido da criação só pode ser derivado de um
estudo da Escritura. Isso não significa que devemos evitar um estudo da criação. Antes, somos compelidos
pela revelação especial a interagir com ela (por exemplo, investigação científica e histórica), como visto no
mandato de domínio de Gênesis 1.26-28. Mas somente a Escritura, não o estudo da ciência ou da história, nos
dá a verdade.
Isso nos traz para a nossa quinta consideração. Devido à Queda do homem, o pecado afetou o cosmos
inteiro (Gênesis 3; Romanos 8.18-23). O homem e o universo estão num estado de anormalidade. Os efeitos
da Queda têm impedido grandemente a capacidade do homem de filosofar. Metafisicamente falando, o homem
ainda é a imagem de Deus, embora a imagem esteja desfigurada. Ele ainda é um ser espiritual, racional, moral
e imortal (Gênesis 9.6; Tiago 3.9). O homem caído está num estado de “depravação”, incapaz de fazer algo
que agrade a Deus (Romanos 3.9-18; 8.7-8). A imagem ética é restaurada somente através da obra salvífica na
cruz de Jesus Cristo (Efésios 4.24; Colossenses 3.10). Para filosofar propriamente, o homem deve ser
regenerado (João 3.3-8). Até que ele não nasça de novo, o homem não pode ver o reino de Deus, ou, aliás, não
pode ver nada corretamente.

Filosofia e Sabedoria
Como notado, a Bíblia ensina que a verdadeira sabedoria começa com “o temor do Senhor” (Provérbios
9.10). Assim, uma pessoa que não conhece salvificamente o “Senhor” Jesus Cristo, que é a sabedoria
encarnada (1 Coríntios 1.24,30; Colossenses 2.3), não pode ser “sábio” no sentido bíblico (confirme com João
14.6). A Bíblia descreve tal indivíduo como um “tolo”. O “tolo” é uma pessoa que odeia o conhecimento
(Provérbios 1.22), é infantil em seu pensamento, pronta para crer em qualquer coisa (Provérbios 14.15), e
confiar em si mesmo (Provérbios 28.26), antes do que em Deus (Salmos 14.1). Ele diz “no seu coração: Não
há Deus” (Salmos 14.1). O tolo pode ser um indivíduo altamente educado, uma pessoa que é bem versada na
disciplina da filosofia; todavia, ele é um tolo, pois ele rejeita o Deus da Escritura, e a Bíblia como a única fonte
de sabedoria (Mateus 7.26-27). Por conseguinte, ele “procura a sabedoria e não a encontra”, pois ele sempre
está procurando no lugar errado (Provérbios 14.6).
O apóstolo Paulo descreve a natureza dessa tolice, da filosofia secular, em Romanos 1.18- 25. O não-
cristão suprime o conhecimento de Deus que ele possui, ele rejeita a Palavra de Deus como o único padrão de

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verdade, e atribui tudo da criação a outra coisa que não o Deus da Escritura (versículos 18-21). Diz o apóstolo,
tais tolos se tomaram “fúteis em seus pensamentos”, “seu coração insensato se obscureceu” (versículo 21);
“dizendo-se sábios, tomaram-se loucos” (versículo 22). E como filósofos falsos, eles escolheram “adorar e
servir a criatura em lugar do Criador” (versículo 25). O filósofo cristão, por outro lado, é um homem sábio.
Ele constrói seu sistema filosófico sobre a Rocha de Cristo e sua Palavra (Mateus 7.24-25). Ele vê todas as
coisas (isto é, filosofa) por meio dos “espetáculos” da Escritura. Dessa forma, o filósofo cristão não é apenas
um homo spiritualis (“homem espiritual”), ele é também um homo sapiens (“homem possuidor de sabedoria”).

CRISTIANISMO E OS ELEMENTOS BÁSICOS DE FILOSOFIA

Os Elementos Básicos de uma Cosmovisão

Como temos visto, uma cosmovisão ou filosofia é uma série de crenças concernentes às questões mais
importantes da vida. Portanto, qualquer cosmovisão bem modelada deve ser capaz de tratar adequadamente
com os quais elementos ou princípios mais básicos da filosofia: epistemologia, metafísica, ética e política.
Primeiro, epistemologia é aquele ramo da filosofia que está preocupado com a teoria do conhecimento.
Como conhecemos o que conhecemos? Qual é o padrão da verdade? A verdade é relativa? O conhecimento
sobre Deus é possível? Deus pode revelar coisas aos seres humanos? se sim, como?
Segundo, metafísica tem a ver com a teoria da realidade. Por que as coisas são como elas são? Por que
há algo, ao invés de nada? Como pode haver unidade no meio da diversidade no universo? O mundo é uma
criação? É um fato bruto? Há propósito no universo?
Terceiro, a ética se preocupa com como alguém deve viver. É o estudo dos pensamentos, palavras e
feitos certos e errados. Qual é o padrão para a ética? Há uma lei absoluta à qual todo homem deve se
conformar? Há uma razão lógica para perguntamos o porquê alguém “deve” fazer isso ou aquilo? A
moralidade é relativa para com indivíduos, culturas ou períodos históricos? Ou a moralidade transcende essas
fronteiras?
Quarto, política é aquele ramo da filosofia que tem a ver com a teoria de governo. Que tipo de governo
é o correto? O governo deve ser limitado? Os cidadãos têm um direito à propriedade privada? Qual é a função
do magistrado civil?

Epistemologia

Epistemologia é o componente chave de qualquer sistema teológico ou filosófico. Metafísica, ética e


teoria política podem ser estabelecidas somente sobre uma base epistemológica. Sem um padrão, uma base
para crença (epistemologia), uma pessoa não pode saber o que uma verdadeira teoria da realidade é; nem ela

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pode saber como devemos determinar o que é certo e o que é errado; nem pode saber qual é a teoria política
apropriada. Uma base epistemológica é sempre primária.
Embora a questão de como podemos conhecer a Deus é uma pergunta fundamental na filosofia da
religião, por detrás dela descansa, na filosofia geral, a questão última: Como podemos conhecer alguma coisa?
Se não podemos falar inteligivelmente sobre Deus, podemos falar inteligivelmente sobre moralidade, sobre
nossas próprias ideias, sobre arte, política — poderíamos sequer falar sobre ciência? Como podemos saber
alguma coisa? A resposta para essa pergunta, tecnicamente chamada de teoria da epistemologia, controla todas
as questões subjetivas que reivindicam ser inteligíveis ou cognitivas.
Na história da filosofia, tem havido três principais teorias não-cristãos de conhecimento: racionalismo
(puro), empirismo e irracionalismo.
PRIMEIRO, o racionalismo puro afirma que a razão, a parte da revelação ou experiência sensorial,
fornece a fonte primária, ou a única, da verdade. Os sentidos não são confiáveis, e o nosso conhecimento a
priori (o conhecimento que temos antes de qualquer observação ou experiência) deve ser aplicado à nossa
experiência para que nossa experiência possa ser feita inteligível.
Na epistemologia bíblica (que pode ser chamada de racionalismo cristão, ou escrituralismo), o
conhecimento vem através da razão, à medida que uma pessoa estuda as proposições reveladas da Escritura.
No racionalismo puro, por outro lado, o conhecimento vem da razão somente. A razão humana, sem nenhuma
ajuda, se toma o padrão último pelo qual todas as crenças são julgadas. Até mesmo a revelação deve ser julgada
pela razão. Uma falsa suposição feita aqui pelo racionalista é que o homem, a parte da revelação, é capaz de
chegar a um verdadeiro conhecimento de pelo menos algumas coisas, incluindo o conhecimento de Deus.
Há diversos erros fundamentais no sistema racionalista de pensamento. Primeiro, homens caídos
podem e erram em seu raciocínio. A possibilidade de erros formais em lógica é um exemplo. Segundo, há a
questão do ponto de partida. Onde alguém começa no racionalismo puro? Platão, Descartes, Leibniz e Spinoza,
todos dos quais foram classificados como racionalistas, tinham diferentes pontos de partida. Platão começou
com suas Ideias eternas, Descartes com a impossibilidade de duvidar de todas as coisas (seu cogito ergo sum
– penso logo existo), Leibniz com seu sistema de mônadas, e Spinoza, que era um panteísta, com seu Deus
sive Natura (“Deus, isto é, natureza”). Parece que os racionalistas não concordam sobre um ponto de partida,
um axioma sobre o qual o sistema deles deve ser baseado.
SEGUNDO, o empirismo mantém que todo conhecimento origina nos sentidos. De acordo com o
empirismo, a experiência ordinária a partir de nossos sentidos físicos produz conhecimento. No empirismo, o
método científico de investigação é enfatizado. Certamente, é alegado, os numerosos triunfos da ciência na
era moderna demonstram a verdade do método empírico. A ciência, certamente, é baseada na observação, e a
observação repetida.
Numa epistemologia empírica consistente, a mente é considerada como sendo uma tabula rasa no
nascimento. Ela não tem nenhuma estrutura inata, formas, ou ideias. Portanto, todo conhecimento vem através
dos sentidos.

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Enquanto os racionalistas procedem pela dedução, empiristas usam o raciocínio indutivo também.
Alguém coleta suas experiências e observações e traça inferências e conclusões delas. O conhecimento
empírico é a posteriori, isto é, ele vem depois e através da experiência. Uma pessoa deve ser capaz de cheirar,
provar, sentir, ouvir ou ver algo para que ela possa conhecê-lo. Uma vez que algo é experimentado (ou
“sentido”), então a mente, que é uma tábua branca antes da experiência, de alguma forma relembra, imagina,
combina, transpõe, categoriza e formula a experiência sensorial em conhecimento.
Os problemas filosóficos com o empirismo são muitos, alguns dos quais serão expostos aqui. Primeiro,
todos os argumentos indutivos9 são falácias lógicas formais. No estudo indutivo, cada argumento começa com
premissas particulares e termina com conclusões universais. A dificuldade é que não é possível coletar
experiências suficientes sobre nenhum assunto para alcançar uma conclusão universal. Simplesmente porque
o sistema depende da coleção de experiências para suas conclusões, ele nunca pode estar certo de que alguma
nova experiência ou observação não mudará suas conclusões anteriores. Assim, ele nunca pode ser
absolutamente conclusivo. Por exemplo, alguém pode observar 1000 corvos e perceber todos como sendo
pretos. Mas quando o corvo número 1001 se toma um albino, a conclusão anterior sobre corvos sendo pretos
deve ser revisada.
Então também, juntamente com essa linha de pensamento, tenha em mente quão frequentemente os
cientistas revisam e derrubam suas conclusões anteriores. O fato é que a ciência nunca pode nos dar a verdade
absoluta em tudo; ela trata em grande parte somente com teorias, não absolutos. Foi Einsten quem disse: “Nós
[cientistas] não sabemos nada sobre ela [natureza], de forma alguma. Nosso conhecimento é apenas o
conhecimento do colegial. Nós conheceremos um pouco mais do que conhecemos agora. Mas a natureza real
das coisas — essa nós nunca conheceremos”.10 E o filósofo Karl Popper escreveu: “Na ciência não há
conhecimento no sentido que Platão e Aristóteles usaram a palavra, no sentido que implica finalização; na
ciência nunca temos razão suficiente para crer que alcançamos a verdade”.11
Segundo, os sentidos podem e frequentemente (talvez sempre) nos enganar. Ninguém pode ter a mesma
experiência duas vezes. O antigo filósofo Heráclito fala disso em seu famoso ditado: “Não é possível banhar-
se rio duas vezes no mesmo rio”. Coisas finitas continuamente mudam, assim como a água no rio continua a
fluir. Em tal sistema, a verificação, que é a inferência de uma conclusão por consequência boa e necessária,
não é possível. De fato, o axioma básico do empirismo — que teorias, ideias e proposições devem ser
verificadas ou refutadas pela observação sensorial — não pode ele mesmo ser verificado ou refutado pela
observação sensorial. Assim, o empirismo descansa sobre uma autocontradição e, portanto, um falso ponto de
partida.

9
Um argumento indutivo é aquele no qual se parte de experiências sobre fatos particulares e se infere daí conclusões gerais.
Quando dizemos que todos os homens que nascerem irão morrer porque até hoje ninguém deixou de morrer estamos usando um
argumento indutivo. Tais argumentos se baseiam na experiência passada para sustentar uma conclusão.
10
Citado em Gordon H. Clark, First Corinthians (Trinity Foundation, 1991), 128.
11
Citado em John W. Robbins, “An Introduction to Gordon H. Clark,” Parte 2, TheTrinity Review (Agosto, 1993).

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Terceiro, como temos visto, os empiristas mantém que todos os homens nascem com uma mente
branca. Mas isso não é possível. Uma consciência que não é consciente de nada é uma contradição de termos.
Aqui também o empirismo é autocontraditório.
Quarto, as verdades da matemática não podem ser derivadas a partir dos sentidos; as leis da lógica não
podem ser abstraídas ou obtidas a partir da sensação; nem podem os sentidos nos dar ideias tais como “igual”,
“paralelo” ou “justificação”. Essas nunca são encontradas na experiência sensorial. Jamais duas coisas que
experimentamos são perfeitamente iguais, paralelas ou justas. Antes, essas são abstrações que não têm nada a
ver com nossos sentidos.
Essas dificuldades categóricas com o empirismo são insuperáveis. O empirismo não pode nos dizer
como os sentidos somente podem nos dar concepções. Se o “conhecedor” já não está equipado com elementos
conceituais ou ideias (isto é, conhecimento inato), como ele pode conceitualizar o objeto sentido? Embora o
racionalismo, com seu conceito de ideias universais, nos dê uma explicação para categorias e similaridades, o
empirismo não tem explanação para elas. Sem essas, o discurso racional não é possível.
Quinto, assim como o racionalismo puro, o solipsismo é inescapável numa epistemologia empírica. As
sensações de alguém são apenas isso: as sensações de uma pessoa. Ninguém mais pode experiência-las. Mas
se esse é o caso, ninguém pode estar certo de que há um mundo externo. Qualquer evidência que possa ser
oferecida é apenas uma experiência subjetiva.
Finalmente, em ética, se assumirmos que o empirismo (na melhor das hipóteses) pode nos dizer o que
é, ele nunca pode nos dizer o que deve ser. O “deve” nunca pode ser derivado do “é”. Observações empíricas
nunca podem nos dar princípios morais. Um princípio moral pode ser somente uma proibição ou mandamento
divinamente revelado. Mesmo no Jardim do Éden, antes da Queda, o homem era dependente da revelação
proposicional de Deus para o conhecimento. Pela observação somente ele não poderia ter determinado seu
dever diante de Deus. Após a Queda, certamente, o problema foi agravado pelo pecado e corrupção. Em
1Coríntios 2.9-10, o apóstolo Paulo distingue entre filosóficas construídas sobre racionalismo puro e
empirismo, e revelação proposicional da parte de Deus: “Mas, como está escrito: Nem olhos viram, nem
ouvidos ouviram [empirismo], nem jamais penetrou em coração [mente] humano [racionalismo puro] o que
Deus tem preparado para aqueles que o amam. Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito”. Qual foi a conclusão
de Paulo? Simplesmente essa: nem o racionalimo puro nem o empirismo podem produzir conhecimento.
Antes, manteve o apóstolo, a revelação proposiconal12 é o sine qua non do conhecimento.
TERCEIRO, o irracionalismo, promovido por homens tais como Soren Kierkegaard, (numa extensão
menor) Immanuel Kant, Friedrich Schleiermacher, e teólogos neo-ortodoxos, é uma forma de ceticismo. Ele
é antirracional e anti-intelectual. A verdade real, dizem os céticos, nunca pode ser obtida. As tentativas dos
racionais de explicar o mundo nos deixam em desespero. A realidade não pode ser comunicada

12
Por revelação proposicional entende-se que a auto revelarão de Deus também foi feita através de palavras e palavras sugerem
informações. Deus através de palavras humanas se comunica e se dá a conhecer ao homem. Para ser mais claro Deus comunicou
informações sobre ele mesmo.

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proposicionalmente; ela deve ser adquirida “pessoal e apaixonadamente” (Kierkegaard). A verdade é
subjetiva. Embora o homem nunca possa saber se há um deus que dá propósito e significado para a vida, ele
deve todavia dar um “salto de fé” (Kierkegaard). Ele deve viver a vida como se existisse um deus, um ser
superior, um universo com sentido, pois não o fazer seria pior (Kant).
O irracionalismo se manifesta nos círculos teológicos na neo-ortodoxia de Karl Barth e Emil Brunner.
Para esses homens, a lógica deve ser desdenhada. A lógica deve ser restringida para permitir a fé. Afinal, é
alegado, a lógica de Deus é diferente da “mera lógica humana”, de forma que podemos encontrar a verdade
somente no meio de paradoxos e contradições. Nessa “teologia do paradoxo”, Deus podo até mesmo nos
ensinar através de falsas declarações.
Tristemente, o irracionalismo tem afetado também a Igreja ortodoxa. A grande maioria daqueles dentro
dos círculos cristãos têm sido vítimas do movimento anti-razão, anti-intelectual e anti-lógico. Nesse momento,
não há maior ameaça diante da verdadeira Igreja de Cristo do que o irracionalismo que controla toda a nossa
cultura. Estamos vivendo, “na era do irracionalismo”. Não obstantes os muitos adversários filosóficos que a
Igreja cristão tem que enfrentar, não obstantes as muitas ideias falsas que competem por supremacia, não há
ideia tão perigosa como aquelas de que não conhecemos e não podemos conhecer a verdade.
O problema com o irracionalismo é que quando alguém divorcia a lógica da epistemologia, ele é
deixado com nada. O ceticismo é auto-contraditório, pois ele afirma com certeza que nada pode ser conhecido
com certeza. O teísmo cristão por outro lado, mantém que Deus “é a própria verdade”: Pai (Salmo 31.5), Filho
(João 14.6) e Espírito Santo (1João 5.6), e que a verdade é proposicional e lógica. A lei da contradição é um
teste negativo para a verdade. A razão diz que uma contradição é sempre um sinal de erro. Declarações
contraditórias não podem ser ambas verdadeiras (1 Coríntios 14.33; 1Timóteo 6.20). A lei da contradição (ou
não-contradição) declara que A (que pode ser qualquer proposição ou objeto) não pode ser tanto B como não-
B ao mesmo tempo e no mesmo sentido.
De fato, a Bíblia nos ensina que Jesus Cristo é a Lógica (Logos) de Deus (João 1.1). Ele é a Razão,
Sabedoria e Verdade encarnada (1Coríntios 1.24,30; Colossenses 2.3; João 14.6). As leis da lógica não foram
criadas por Deus ou pelo homem; elas são a forma de Deus pensar. E visto que as Escrituras são uma expressão
da mente de Deus (1Coríntios 2.16), elas são os pensamentos lógicos de Deus. A Bíblia expressa a mente de
Deus numa forma logicamente coerente para a humanidade.
O homem, como o portador da imagem de Deus (Gênesis 1.26-28), possui inerentemente a lógica como
parte da imagem. O homem é o “sopro de Deus” (Gênesis 2.7; Jó 33.4), pois o Espírito de Deus soprou no
homem seu espírito. Contrário então ao aparentemente piedoso absurdo dos irracionalistas, a Escritura nos
ensina que não há tal coisa como “mera lógica humana”. Lemos em João 1.9 que Cristo, como o Logos
(Lógica) de Deus é “a verdadeira Luz que dá luz a todo homem”. Esse sendo o caso, é evidente que a lógica
de Deus e a lógica do homem são a mesma lógica.
Devemos entender, então, que raciocinar logicamente é raciocinar de acordo com a Escritura (Romanos
12.20), que é ela mesma uma revelação dos pensamentos lógicos de Deus. O homem redimido deve aprender

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progressivamente a pensar os pensamentos de Deus (2Coríntios 10.5). A lógica é fixa, universal, necessária e
insubstituível. A irracionalidade contradiz o ensino bíblico do princípio ao fim. O Deus de Abraão, Isaque e
Jacó não é insano. Deus é um ser racional.

Epistemologia Cristã

Como já estudamos, o ponto de partida da epistemologia cristã é a revelação preposicional dos 66


livros do Antigo e Novo Testamento. Se vamos evitar as falácias do racionalismo puro, as ciladas do
empirismo, e o ceticismo do irracionalismo, precisamos de uma fonte de verdade autoritativa. E essa fonte é a
revelação preposicional do Deus da Escritura, que “é a própria verdade”. Passagens da Escritura tais como Jó
11.7-9, Provérbios 20.24, Eclesiastes 3.11; 7.27-28; 8.10,17, Mateus 16.17, 1Coríntios 2.9-10, apenas para
citar algumas, tomam claro que a parte da revelação divina, o homem não pode verdadeiramente conhecer a
Deus ou sua criação.
Não pode ser inadequado observar que a epistemologia se tomou a questão mais profundamente
perturbante confrontado a mente moderna, simplesmente porque a filosofia moderna rejeitou a solução bíblica
e tem procurado respostas de várias outras fontes, todas das quais têm levado à conclusão desesperadora de
que o homem simplesmente não pode conhecer a realidade e que não há nenhuma verdade última que possa
ser conhecida.
O ponto de partida para a filosofia cristã é a Palavra de Deus. Esse é o axioma: a Bíblia somente é a
Palavra de Deus, e ela tem um monopólio sistemática sobre a verdade. A Bíblia reivindica ser a Palavra de
Deus, e o Espírito Santo produz essa crença nas mentes dos eleitos de Deus. A Bíblia deve ser recebida
(simplesmente) porque ela é a Palavra de Deus, e embora ela própria abundantemente manifeste ser a Palavra
de Deus, nossa plena persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade provém da operação
interna do Espírito Santo, que pela palavra e com a palavra testifica em nossos corações. Algumas vezes isso
é referido como “dogmatismo”, “pressuposicionalismo bíblico”, “racionalismo cristão” ou “escrituralismo”.
Com muita frequência, todos os críticos dizem que tal pressuposicionalismo nada mais é do que uma
questão circular; ela é um raciocínio circular; ela assume o que deve ser provado. Alguém não pode assumir
que a Bíblia é a Palavra de Deus, simplesmente porque a Bíblia reivindica ser a Palavra de Deus. Primeiro, é
alegado, uma pessoa deve provar que a Bíblia é de fato a Palavra de Deus.
Há muitas reivindicações e requerentes falsos. Mas não pode ser racionalmente negado que a Bíblia
reivindica ser a Palavra de Deus inerrante e infalível (2Timóteo 3.16-17; 2Pedro 1.20-21). E isso é significante.
É uma reivindicação que poucos escritos fazem. Portanto, visto que a Bíblia faz tal reivindicação, explícita e
predominantemente, é razoável crer no testemunho da própria Bíblia. Simplesmente, de acordo com a
Escritura, não há maior autoridade do que a Palavra auto autenticadora de Deus. Novamente, para citar o autor
de Hebreus: “porque ele [Deus] não podia jurar por ninguém maior, jurou por si mesmo” (6.13).

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Além disso, na epistemologia cristã, não há dicotomia entre a fé (revelação) e a razão (lógica). As duas
andam de mãos dadas, pois é Cristo o Logos quem revela a verdade. O Cristianismo é racional. De fato, a fé
cristã é totalmente dependente da persuasão da razão (pensamento coerente) para a sua proclamação e
entendimento. Deus se comunica conosco numa forma coerente em sua Palavra por meios de declarações
racionais e proposicionais. A revelação pode chegar somente a uma pessoa racional.
Há uma distinção filosófica importante entre “conhecimento” e “opinião”. Há uma diferença entre o
que “sabemos” e o que “opinamos”. Conhecimento não é somente possuir ideias ou pensamentos; é possuir
ideias ou pensamentos verdadeiros. O conhecimento é o conhecimento da verdade. Ele justifica a crença
verdadeira.
Opiniões, por outro lado, podem ser verdadeiras ou falsas. A ciência natural é uma opinião; a
arqueologia é uma opinião; a história é uma opinião. Aqui não há nenhuma justificativa para a crença
verdadeira. Opinar algo não é conhecê-lo, embora a opinião possa ser verdadeira. Um aluno pode supor a
resposta correta para uma questão aritmética, mas a menos que ele possa mostrar como alcançar a resposta,
ele não pode dizer que a conhece.
Na visão bíblica, uma proposição é verdadeira porque Deus pensa que ela é verdadeira. E visto que
Deus é onisciente (conhecendo todas as coisas), se o homem há de conhecer a verdade, ele deve conhecer o
que está na mente de Deus. A mesma verdade que existe na mente do homem existe primeiro na mente de
Deus. Na teoria da verdade coerente, a mente e o objeto conhecimento são partes de um sistema, um sistema
no qual todas as partes estão em perfeito acordo, pois elas são encontradas na mente de Deus.

Metafísica

Metafísica (do grego antigo μετα (meta) = depois de, além de tudo; e Φυσις [physis] = natureza ou
física). Como visto, metafísica tem a ver com a teoria da realidade; não apenas o físico, mas também o que
transcende o físico. Objetos físicos podem aparecer para os sentidos de várias formas, mas o metafísico está
preocupado com o que o objetivo verdadeiramente é. Metafísica é o estudo das questões últimas.
Agostinho continuou para ensinar que Jesus Cristo, o eterno Logos de Deus, é aquele que nos dá uma
coerência entre o infinito e o finito, o Criador e a criação. Em outras palavras, é Cristo quem revela a solução
para o problema do um e dos muitos. A parte de um entendimento apropriado da teologia do Logos (isto é,
Cristo como a eterna Palavra que veio para revelar a verdade de Deus ao homem), não há solução real.
Drasticamente diferentes das visões não-cristãs de metafísica, a Escritura ensina que todas as coisas
existem como elas são porque o Deus trino da Escritura é o Criador e Sustentador de todas as coisas. Pela sua
muito sábia providência, segundo a sua infalível presciência e o livre e imutável conselho da sua própria
vontade, Deus, o grande Criador de todas as coisas, para o louvor da glória da sua sabedoria, poder, justiça,
bondade e misericórdia, sustenta, dirige, dispõe e governa todas as suas criaturas, todas as ações e todas as
coisas, desde a maior até a menor.

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Porque Deus é o Criador há algo ao invés de nada. E porque Deus é o Criador e Sustentador do universo,
o mundo não é um fato bruto, nem uma máquina sem propósito. Há ordem, significado e propósito no universo
porque ele é a obra proposital do Artesão Mestre. E essa ordem, significado e propósito são encontradas no
pacto eu Deus estabeleceu com sua criação (Gênesis 1; 2.15-17; 3.15; 9.9-17; Jeremias 33.19-26). É “nele
[que] vivemos, nos movemos e temos nossa existência” (Atos 17.28).

Ética

Embora as pessoas algumas vezes considerem “ética” e “moral” como sendo virtudes sinônimas,
tecnicamente, há uma diferença entre as duas. Ética é uma disciplina normativa, que procura prescrever
obrigações para a humanidade. Ela tem a ver com o que uma pessoa “deve” fazer. Ética é uma questão de
autoridade. Moral, por outro lado, descreve o comportamento padrão de indivíduos e sociedades, isto é, o que
as pessoas fazem. A ética de alguém deve determinar sua moral.
A ética cristã depende da revelação. O Cristianismo mantém que há somente um padrão ético para a
humanidade. A lei moral de Deus obriga para sempre a todos a prestar-lhe obediência, tanto as pessoas
justificadas como as outras. E o pecado é apropriadamente definido, como qualquer falta de conformidade
com a lei de Deus, ou qualquer transgressão dessa lei. Se não houvesse nenhuma lei de Deus, então não haveria
nenhum pecado. Nossa conduta moral, então, deve ser guiada pelo padrão ético da Palavra de Deus. Boas
obras são somente aquelas que Deus ordena em sua santa palavra, não as que, sem autoridade dela, são
aconselhadas pelos homens movidos de um zelo cego ou sob qualquer outro pretexto de boa intenção. Atrás
da validade da lei moral de Deus, está, certamente, a autoridade do Deus que nos dá a lei. O prólogo dos Dez
Mandamentos é: “Eu sou o Senhor”. Teologia, e não ética, é primária. A distinção entre certo e errado é
inteiramente dependente dos mandamentos de Deus, pois ele é “o Senhor”. O sistema cristão de ética é baseado
na própria natureza de Deus. “Sereis santos, porque eu [Deus] sou santo” (Levítico 11.44; 1Pedro 1.16).
Como Paulo aponta nos primeiros dois capítulos de sua epístola aos Romanos, o homem tem suprimido
o conhecimento inato de Deus e sua Palavra, que ele sabe ser verdadeira, e suplantando-a com os seus próprios
falsos sistemas.
Já temos observado que o homem foi criado à imagem de Deus. A Queda, contudo, deixou o homem
eticamente num estado de depravação. O homem não-regenerado é agora incapaz de fazer algo que agrade a
Deus (Romanos 3.9-18; 8.7-8). Seu padrão ético é autônomo; ele não tem nenhum ponto de referência eterno.
O homem não-cristão está entre a foice e o martelo: ele está buscando construir um sistema ético sem uma
autoridade divina e eterna por detrás dele. Nas palavras de Cristo, o homem caído está edificado sobre a areia
(Mateus 7.26- 27).
As Escrituras são claras sobre esse assunto. Há um elo bíblico entre as cosmovisões não-cristãs e a
prática daqueles que aderem a ela. Salmo 14 declara o assunto claramente. É “o tolo quem diz no seu coração
[que] não há Deus”. E, como o salmista continua para dizer, é por causa dessa negação de Deus que eles “têm-

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se corrompido, fazem-se abomináveis em suas obras, não há ninguém que faça o bem” . Paulo ensina a mesma
coisa em Romanos 3. Nos versículo 10-17, ele nos dá um catálogo dos pecados que infectam o não-
regenerado. Então no versículo 18, ele resume a denúncia dizendo que “não há temor de Deus diante de seus
olhos”. Isto é, quando o homem rejeita o Deus da Escritura, isso leva a “obras abomináveis”.
Há muitos sistemas éticos não-cristãos. Talvez as duas que têm tido o maior impacto (negativo) sobre
o Cristianismo são o legalismo é o antinomianismo, ambas das quais são o que Jesus se referiu como “o
caminho espaçoso que conduz a perdição” (Mateus 7.13-14).
O legalismo, em sua forma mais consistente, reivindica que o guardar a lei, por si próprio, é o salvador
tanto do homem como da sociedade. Ele se preocupa com a conformidade externa a um padrão de lei, um
padrão que é sempre, de uma forma ou de outra, uma lei criada pelo homem. Como Paulo escreve, os homens,
“procurando estabelecer a sua própria justiça, não se sujeitaram à justiça de Deus” (Romanos 10.3). Essa
forma de legalismo foi adotada pelos fariseus dos dias de Jesus (Mateus 15.1-9; 23.1-39). Esse é também o
erro do Pelagianismo. Igualmente falso e perigoso é o ensino semi-pelagiano da Igreja Católica Romana, de
que a justificação é uma mistura de graça e obras. Pelágio foi um monge britânico do quarto século que
propagou esse sistema de legalismo. Seus ensinos foram firmemente combatidos por Agostinho.
Algumas vezes, numa forma menos consistente, o legalismo chega na forma de listas não-bíblicas de
“faça” e “não faça”. Outras vezes ela é encontrada na mera tradição. Mas ela é sempre humanista na origem.
A lei de homem é posta em oposição à lei de Deus.
O legalismo implica, juntamente com a afirmação de Protágoras, que “o homem é a medida” de todas
as coisas. Mas se o homem é a medida de todas as coisas, então o que um homem crê é tão verdadeiro quanto
o que qualquer outro homem creia. Ambos seriam capazes de reivindicar estar certo. Assim, se alguém deles
crê que o outro esteja errado, então o segundo homem está necessariamente errado. E se o segundo homem
crê que o primeiro está errado, então o primeiro está necessariamente errado. Por conseguinte, ambos estão
certos e errados ao mesmo tempo, o que é uma contradição. Jesus fala contra o legalismo em Mateus 15 e
Marcos 7. E Paulo o condena no livro de Gálatas.
O Antinomianismo (“anti-lei”) toma diversas formas: libertinismo, espiritualismo gnóstico e situação
ética. O libertinismo, de uma forma ou de outra, nega que a lei moral de Deus é obrigatória para a humanidade
hoje. Tristemente, ela tem encontrado seu caminho na (pseudo) Igreja.
“Porque o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça”.
Essa, contudo, é uma declaração errônea e um entendimento incorreto do versículo. Embora os verdadeiros
crentes não estejam debaixo da lei como pacto de obras, para serem por ela justificados ou condenados,
contudo, ela lhes serve de grande proveito, como aos outros; manifestando-lhes, como regra de vida, a vontade
de Deus, e o dever que eles têm, ela os dirige e os obriga a andar segundo a retidão. Isto é, em Romanos 6.14,
o apóstolo Paulo não nega que os cristãos, ou “os justificados”, estejam obrigados a obedecer a lei de Deus;
antes, ele ensina que que eles não estão debaixo da lei como uma maldição (confirme Gálatas 3.10-13). Além

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disso, ele deixa isso claro numa passagem anterior na mesma epístola, onde ele escreve: “Anulamos, pois, a
lei pela fé? De maneira nenhuma! Antes, estabelecemos a lei” (Romanos 3.31).
O espiritualismo gnóstico, frequentemente encontrado em algumas Igrejas carismáticas e pentecostais,
bem como nas ordens monásticas, eleva os sentidos e experiência místicas acima da lei de Deus. Aqueles que
“possuem” tais experiências reivindicam uma fonte ou forma de conhecimento superior. Os mandamentos da
Escritura devem ser postos de lado, quando tais experiências ocorrem. O Espírito de Deus, dizem os gnósticos,
guia-os a parte (sem a necessidade) da revelação bíblica.
De acordo com a Escritura, contudo, o Espírito Santo não é antinomiano. Ele é “o Espírito da verdade”,
que guia a Igreja “em toda verdade” (João 16.13). Mas ele assim o faz por meio da Escritura, não a parte dela
(João 16.13-15; 1Coríntios 2.10-16). É a Escritura, escreve Paulo, não as experiências místicas, que equipa
perfeitamente a Igreja “para toda boa obra” (2Timóteo 3.16-17). Além do mais, escreve Salomão: “O que
confia no seu próprio coração [sentimentos] é insensato” (Provérbios 28.26).
A situação ética, ou a “nova moralidade”, é uma construção que nega que haja quaisquer verdades
absolutas. Antes, “a lei do amor” deve ditar a ética de alguém em cada situação específica. Isto é, o amor
sempre “triunfa” sobre a lei, e toma a ação correta.
Como observador, na situação ética, o único absoluto, se ele pode ser assim chamado, é “a lei do amor”.
Mas essa é uma “lei” definida por concepções distorcidas, não pela Palavra de Deus. Enquanto o “amor”, de
um ponto de vista bíblico, é objetivo em natureza — definido por Jesus como “guardar os meus mandamentos”
(João 14.15), e por Paulo como “o cumprimento da lei [de Deus]” (Romanos 13.10) — para os que disporcem
a ética cristã, ele é meramente pessoal e subjetivo. A “situação” dita; não há norma, nenhum padrão absoluto
pelo qual todos devem ser julgados. A situação ética tem mais em comum com altruísmo vago em contradição
com a ética cristã, onde o amor é manifesto numa vida de obediência à lei de Deus: “E o amor é este: que
andemos segundo os seus [de Deus] mandamentos” (2 João 6).
Todos os sistemas éticos não-cristãos são falíveis. Eles não têm nenhum padrão eterno sobre o qual
permanecer. Tendo rejeitado a revelação divina, esses sistemas não fornecem nenhum grau certo para
quaisquer leis morais (Mateus 7.26-27). O pregador de Eclesiastes sumariza a obrigação ética do homem
quando ele escreve: “De tudo o que se tem ouvido, o fim é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos;
porque este é o dever de todo homem. Porque Deus há de trazer a juízo toda obra e até tudo o que está
encoberto, quer seja bom, quer seja mau” (12:13-14).

Política

A cosmovisão cristã sustenta que há três instituições bíblicas principais ordenadas por Deus: a família,
a Igreja e o magistrado civil (ou Estado). As instituições existem, assim como todas as coisas, para glorificar
a Deus (7 Coríntios 10.31). Elas são separadas para funcionar de acordo com uma autoridade, e não como a
autoridade. Todas as três devem ser governadas pela Escritura. A família é a instituição bíblica primária. Ela

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foi a primeira estabelecida (Gênesis 1-2), e, num sentido, as outras duas instituições estão fundamentas sobre
a família.
A segunda instituição bíblica é a Igreja. Teólogos distinguem entre a Igreja visível e invisível. A
primeira, consta de todos aqueles que pelo mundo inteiro professam a verdadeira religião, juntamente com
seus filhos. A Igreja invisível, por outro lado, compreende os verdadeiros santos de todos os tempos, mesmo
aqueles que ainda não nasceram. A Igreja Católica ou Universal, que é invisível, consta do número total dos
eleitos que já foram, dos que agora são e dos que ainda serão reunidos em um só corpo sob Cristo, seu cabeça;
ela é a esposa, o corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todas as coisas.
A terceira instituição bíblica, que é o nosso presente foco, é o magistrado civil. A diferença entre essa
instituição e as outras duas é que ela é, nas palavras de Agostinho, um “mal necessário”. Isto é, o magistrado
civil foi feito necessário devido à Queda do homem e o propósito principal do Estado é punir os malfeitores
(Romanos 13.1-7; 1Pedro 2.13-17). E para esse propósito o Estado é “ministro de Deus” (Romanos 13.4,6).
Deus, o Senhor Supremo e Rei de todo o mundo, para a sua glória e para o bem público, constituiu sobre o
povo magistrados civis que lhe são sujeitos, e a este fim, os armou com o poder da espada para defesa e
incentivo dos bons e castigo dos malfeitores.
Dois erros principais têm se desenvolvido na história da relação Igreja-estado: o papalismo e o
erastianismo. O primeiro afirma que a Igreja (a saber, o papa) governa tanto a Igreja como o estado. O último
mantém que ambas as instituições estão sob a liderança do magistrado civil.
A visão bíblica evita ambos os erros, e ensina que a Igreja e o estado são instituições ordenadas por
Deus separadas, sob a lei de Deus. Novamente, elas são separadas para funcionar de acordo com uma
autoridade, e não como a autoridade.
Em Provérbios 14.34, lemos: “A justiça exalta as nações, mas o pecado é o opróbrio dos povos”. O
que constitui a justiça que exalta uma nação? Com a justiça é definida? Primeiro, o Deus trino é justo: “Justiça
e juízo são a base do seu [de Deus] trono” (Salmo 97.2). E, escreve o salmista, assim é a Palavra de Deus: “A
justiça dos teus testemunhos é eterna.... pois todos os teus mandamentos são justiça” (Salmo 119.144,172). O
apóstolo Paulo, em concordância com o Antigo Testamento, escreve: A lei de Deus é “santa, justa e boa”
(Romanos 7.12).
Parece, então, que de acordo com a Bíblia, uma nação é considerada justa quando ela procura honrar o
Deus da Escritura aplicando seu justo padrão (isto é, sua Palavra) a todas facetas dos interesses da nação. A
lei de Deus é uma perfeita regra de justiça, que obriga para sempre a todos a prestar-lhe obediência, tanto as
pessoas justificadas como as outras [para incluir nações].
Há pelo menos sete valores básicos que são essências para uma nação ser considerada justa:
Primeiro: Um Reconhecimento da Soberania de Deus. A soberania de Deus é universal. “O SENHOR
tem estabelecido o seu trono nos céus, e o seu reino domina sobre tudo” (Salmo 103.19); “Mas o nosso Deus
está nos céus e faz tudo o que lhe apraz” (Salmo 115.3). Pela sua muito sábia providência, segundo a sua
infalível presciência e o livre e imutável conselho da sua própria vontade, Deus, o grande Criador de todas as

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coisas, para o louvor da glória da sua sabedoria, poder, justiça, bondade e misericórdia, sustenta, dirige, dispõe
e governa todas as suas criaturas, todas as ações e todas as coisas, desde a maior até a menor.
Com respeito às questões nacionais, o reconhecimento da soberania de Deus significa que Deus, não
o estado, sociedade, raça, ou Igreja é a fonte de segurança. Diz o salmista: “É melhor confiar no SENHOR do
que confiar no homem. E melhor confiar no SENHOR do que confiar nos príncipes [magistrados]” (118.8-9);
“Vão é o socorro do homem. Em Deus faremos proezas; porque ele é que pisará os nossos inimigos” (60.11-
12). Quando o povo de uma nação olha para o magistrado civil, ou para a Igreja, antes do que para Deus, para
satisfazer suas necessidades, eles têm negado a soberania de Deus.
Segundo: Governo Limitado. O fato de Deus ser soberano precisa limitar o poder e a autoridade de
todas as instituições humanas. Em Romanos 13 e 1Pedro 2, lemos que a autoridade do magistrado é limitada
àquela de defesa e justiça. Deus, o Senhor Supremo e Rei de todo o mundo, para a sua glória e para o bem
público, constituiu sobre o povo magistrados civis que lhe são sujeitos, e a este fim, os armou com o poder da
espada para defesa e incentivo dos bons e castigo dos malfeitores.
Terceiro: A Primazia do Indivíduo. A Reforma enfatizou esse princípio. A primazia do indivíduo de
forma alguma nega que Deus desde a eternidade entrou num pacto com seu povo, que é a Igreja de Jesus
Cristo, e é uma comunhão de santos. Mas Deus cumpre seu pacto historicamente através da salvação de santos
individuais. Todo homem, mulher e criança é individualmente responsável diante de Deus. Nem linhagem
nem cidadania nacional salva alguém: “Mas a todos quantos o [Cristo] receberam deu-lhes o poder de serem
feitos filhos de Deus: aos que criem no seu nome, os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da came,
nem da vontade do varão, mas de Deus” (João 1.12-13).
As várias liberdades e proteções individuais que os cidadãos de uma nação devem desfrutar, são
derivadas dessa doutrina: liberdade da religião, liberdade da imprensa, liberdade de expressão, e assim por
diante. Também derivada dessa doutrina é a responsabilidade individual dentro da sociedade. Nenhuma pessoa
saudável deve viver de “esmola do governo”. O Estado cristão não deveria se envolver diretamente no bem-
estar. Nas palavras de Paulo: “Se alguém não quiser trabalhar, não coma também” (2Tessalonicenses 3.10).
Quarto: O Direito de Propriedade Privada. Dois dos Dez Mandamentos, pelo menos implicitamente,
ensinam o direito de propriedade privada: “Não furtarás... [e] não cobiçarás” (Êxodo 20.15,17). Se todas as
propriedades fossem sustentadas em comum, o roubo e a cobiça não seriam possíveis. Também, em Mateus
20 Jesus ensina a parábola dos trabalhadores na vinha, na qual ele conclui que é justo para um homem fazer o
que ele quiser com as suas possessões (versículo 15). Então há o ensino bíblico sobre a vinha de Nabote em
1Reis 21, ondemos somos ensinados que o magistrado civil está proibido de expropriar a propriedade privada.
Essa consideração toma as leis de “domínio eminente” para “projetos públicos” nada mais do que intrusões
ímpias.
Quinto: O Trabalho Ético. Esse princípio está fundamentado no quarto mandamento: “Seis dias
trabalharás e farás toda a tua obra” (Êxodo 20:9). O trabalho duro não é uma maldição da Queda. Mesmo
antes da Queda, Adão foi ordenado a “lavrar e guardar” o Jardim do Éden (Gênesis 2.15). Em Provérbios

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14.23 lemos que “em todo trabalho há proveito”. O homem deve trabalhar para viver. O que Max Weber
chama de trabalho ético protestante é um conjunto de virtudes econômicas: honestidade, pontualidade,
diligência, obediência ao quarto mandamento — ‘seis dias trabalharás’, obediência ao oitavo mandamento —
‘não furtarás’, e obediência ao décimo mandamento — ‘não cobiçarás’. Um reconhecimento da significância
do trabalho produtivo origina-se da Bíblia e da Reforma.
O trabalho ético também inclui um entendimento apropriado do princípio sabático. O homem deve
trabalhar seis dias por semanas, mas ele deve perceber que “o sétimo dia é o sábado do SENHOR, teu Deus;
não farás nenhuma obra, nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu
animal, nem o teu estrangeiro que está dentro das tuas portas. Porque em seis dias fez o SENHOR os céus e
a terra, o mar e tudo que neles há e ao sétimo dia descansou; portanto, abençoou o SENHOR o dia do sábado
e o santificou” (Êxodo 20.10-11). Como cristãos, não estamos debaixo da Lei de guardar o dia semanal do
sábado, Jesus é nosso descanso; nos apropriamos deste descanso (Jesus) e reconhecemos o princípio bíblico
do descanso sabático tirando um dia qualquer para descanso e adoração a Deus.
Interessantemente, Isaías 33:22 foi um versículo importante no estabelecimento dos Estados Unidos
da América. Delineados esse versículo estão os três ramos de governo: judicial, legislativo e executivo:
“Porque o SENHOR é o nosso Juiz [judicial]; o SENHOR é o nosso Legislador [legislativo]; o SENHOR é o
nosso Rei [executivo]; ele nos salvará”.

O Cristianismo é um sistema filosófico completo que é fundamentado sobre o ponto de partida


axiomático da Bíblia como a Palavra de Deus. Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas
necessárias para a glória dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na Escritura
ou pode ser lógica e claramente deduzido dela. À Escritura nada se acrescentará em tempo algum, nem por
novas revelações do Espírito, nem por tradições dos homens.
Nesse sistema, cada uma das partes que temos estudado — epistemologia, metafísica, ética e política
— é importante. E as ideias encontradas nelas são todas arranjadas num sistema lógico, com cada parte
reforçando mutuamente as outras. Se o aluno está preocupado em seguir dos ditames da Escritura, tendo sua
mente sendo transformada pelos ensinos da Escritura (Romanos 12.1-2), e levando todo pensamento cativo à
obediência de Cristo (2 Coríntios 10.5), então ele deve aprender a pensar como o próprio Logos de Deus pensa:
lógica e sistematicamente. Isso feito, o aluno aprenderá a única filosofia viável, uma filosofia “de acordo com
Cristo” (Colossenses 2.8), que é fundamentada sobre a Palavra de Deus.

O MANDATO CULTURAL

Quando Deus determinou criar a raça humana, ele estabeleceu alguns propósitos e parâmetros para um
bom relacionamento entre criador e criatura. Esses propósitos e parâmetros são descritos pela Bíblia e por

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nossa teologia na forma de uma aliança. Deus fez uma aliança com a criatura e estabeleceu pelo menos três
diferentes mandatos para a humanidade: o mandato espiritual (seu relacionamento com o Criador), o mandato
social (seu relacionamento em família) e o mandato cultural (seu relacionamento com a sociedade). Não é
surpresa de ninguém que quebramos os três! O homem negou seu Criador, desobedecendo suas ordens,
quebrou os seus elos familiares com mentiras, acusações e esquivando-se de suas responsabilidades (Adão e
Eva - marido e esposa - Caim e Abel - irmãos) e desenvolveu o mandato cultural da pior forma possível
(poligamia, assassinato, brutalidade, etc.). Verifique Gênesis 4.17-23. Coisas boas aconteceram, mas as ruins
prevaleceram:
“Caim teve relações com sua mulher, e ela engravidou e deu à luz Enoque. Depois Caim fundou uma
cidade, à qual deu o nome do seu filho Enoque.
A Enoque nasceu-lhe Irade, Irade gerou a Meujael, Meujael a Metusael, e Metusael a Lameque.
Lameque tomou duas mulheres: uma chamava-se Ada e a outra, Zilá.
Ada deu à luz Jabal, que foi o pai daqueles que moram em tendas e criam rebanhos.
O nome do irmão dele era Jubal, que foi o pai de todos os que tocam harpa e flauta.
Zilá também deu à luz um filho, Tubalcaim, que fabricava todo tipo de ferramentas de bronze e de
ferro. Tubalcaim teve uma irmã chamada Naamá.
Disse Lameque às suas mulheres: "Ada e Zilá, ouçam-me; mulheres de Lameque, escutem minhas
palavras: Eu matei um homem porque me feriu, e um menino, porque me machucou.”

Vamos dar ênfase na quebra do terceiro mandato – o cultural. Como os cristãos podem e devem
relacionar-se com o que tem acontecido no nosso mundo? Quais devem ser os nossos limites e a nossa
influência na cultura em que vivemos? O que de fato tem acontecido com os cristãos na modernidade?
É fundamental que, antes de mais nada, o cristão conheça a sua cidadania: “Eles continuam no mundo...
Eles não são do mundo...” (João 17.11,16). Nós somos cidadãos dos céus, mas as nossas passagens para lá
ainda não chegaram, e enquanto estamos aqui temos muito o que fazer, sem, no entanto, esquecermos que
somos de lá. O problema é que além de sermos muitos parecidos com o pessoal do lado de cá, muitas vezes
nos deixamos influenciar com os erros do mundo, desobedecendo o mandato cultural.
Observando o que acontece nos Estados Unidos, de onde as missões que nos trouxeram o evangelho
saíram, pode-se observar como as coisas estão se deteriorando rapidamente, e mais rápido ainda, chegando
aqui. Ao contrário do nosso Brasil, os Estados Unidos nasceram de ideais religiosos, recebendo forte influência
da Palavra de Deus. Hoje é proibido falar em Deus nas escolas públicas (professores que por ventura o façam
correm o risco de ser demitidos); o mesmo povo que luta por salvar as baleias (o que se deve fazer), luta pela
legalização do aborto e igualdade para os homossexuais (algo semelhante acontecendo no Brasil). Onde
chegamos!? Ora, estes são apenas exemplos dos extremos. Muitas coisas bem pequeninas tem influenciado
comunidades inteiras de cristãos (estou falando de verdadeiros cristãos e não dos que apenas se chamam
assim), e essas pequenas influências vão se tornando imensos tropeços. Não estamos defendendo nenhum

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isolacionismo cristão (a história já comprovou que os monastérios não funcionam). Isto é errado. Mas que os
cristãos precisam conhecer melhor o terreno em que estão pisando.
Como esta influência nos assalta? Já que nos livramos dos perigos de imperadores malucos como Nero
e de ameaças terríveis como o Coliseu, como livrar-nos da má influência cultural? Não é livrar-se da cultura,
mas do que é podre nela. O grande problema que temos ao enfrentar a chamada “cultura popular” é que na
verdade somos moldados por ela, não só naquilo que pensamos e sentimos, mas na forma como pensamos e
sentimos. Como isso aconteceu?
Primeiro, filosoficamente. O fato é que os “grandes filósofos” conseguiram destruir toda a base para
que o homem continue crendo em verdades absolutas. Tudo é relativo tudo é meia-verdade (não meia-mentira).
Nos meios sociais a ideia de “contar uma mentirinha de vez em quando” é muito comum, afinal, foi por uma
boa causa, não é mesmo? A cultura moderna apresenta uma boa oportunidade para muitos aproveitarem e
serem “meio-cristãos” (precisamos urgentemente de uma teologia da meia-salvação, se é que já não
inventaram). Portanto, nosso primeiro grande problema diante da cultura popular é a relativização da verdade.
Em segundo lugar, a cultura popular especializou-se em oferecer-nos gratificação instantânea. Nós,
cristãos modernos, estamos mergulhados na nossa cultura sem perceber o que de mal ela pode nos fazer. Faça
um autoteste de QCP (Quociente de Cultura Popular).
A cultura popular não só se especializou em gratificação imediata como também em moldar a mente
daquele a quem gratifica. Ela lhe diz o que é bom e você perde o direito de pensar e analisar o que é realmente
bom e agrada a Deus.
A cultura da gratificação instantânea invadiu a igreja! Esta foi a última arma do inimigo para destruir
os filhos de Deus, e tem funcionado bem. Já há algum tempo temos as igrejas instantâneas, os crentes
instantâneos, as curas instantâneas, líderes instantâneos, tudo instantâneo. Nada pode esperar, e tudo tem que
ser como eu quero. As consequências são óbvias: não só a igreja tem que ser como eu a quero, com todo o tipo
de gratificação instantânea que a cultura popular oferece, mas o Deus desta igreja tem que ser também moldado
à imagem e semelhança da minha cultura. Não é de se admirar que o nosso povo ande tão confuso.
Não espere entender tudo instantaneamente. As respostas a estes problemas todos não aparecem
instantaneamente, mas somente quando observamos as palavras de Paulo em Romanos 12.2: “E não vos
conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis
qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”.
Já se perguntou o motivo pelo qual o trabalho existe. Provavelmente encontrou a resposta de que o
homem precisa trabalhar para obter seu sustento. Mas quem instituiu isto? Teria sido a ganância do coração
humano? Ou algum líder religioso ou político?
Ao contrário do que é comumente pensado, o trabalho não passou a existir no mundo em decorrência
da queda da humanidade em pecado, através de Adão e Eva. A ordem para que o homem trabalhasse veio do
próprio Deus, quando estabeleceu um pacto/aliança com sua criatura amada, criada à Sua imagem e
semelhança.

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O mandato espiritual envolve a expressão em forma de resposta da humanidade ao relacionamento que
Deus estabelecera entre si próprio e os portadores da sua imagem. A cada sétimo dia, esta comunhão deveria
ser expressa da maneira mais completa e rica possível. O mandato social pôde ser dado porque Deus criou a
humanidade como macho e fêmea. Deus ordenou a união do homem e mulher como uma só carne, a
fecundidade, multiplicação e o enchimento da terra.
O mandato cultural envolve a vice-gerência do homem sobre o cosmos. Era para o homem desenvolver
e manter tudo aquilo que havia sido criado por Deus. Através deste mandato, Deus colocou a humanidade em
um relacionamento singular com a criação, para dominar e sujeitar (Gn 1.28), guardar e cultivar (Gn 2.17).
No decorrer do livro de Gênesis, percebe-se o surgimento e o desenvolvimento de diversas profissões.
Abel foi pastor de ovelhas, Caim foi lavrador (Gn 4.2). Jabal foi o pai dos que habitam em tendas e possuem
gado (Gn 4.20); Jubal foi o pai de todos os que tocam harpa e flauta (Gn 4.21); Tubalcaim foi artífice de todo
instrumento cortante, de bronze e de ferro (Gn 4.22).
É justamente a existência de um mandato cultural no pacto da criação que justifica o trabalho e o
envolvimento do cristão em áreas como: política, educação, artes, lazer, tecnologia, indústria, e quaisquer
outras áreas. No entanto, devemos entender que onde quer que os vice gerentes agem, devem agir em nome
do Criador, revestidos de sua autoridade, fazendo a sua vontade.
“Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor e não para homens, cientes de
que recebereis do Senhor a recompensa da herança. A Cristo, o Senhor, é que estais servindo” (Cl 3. 23,24).
Desde o primeiro encontro de Lausanne, em 1974, missiólogos operam a partir da noção de que uma
distinção importante deve ser feita entre missão e evangelização, porém, é preciso manter a profunda relação
entre ambas e a prioridade da evangelização. Nesse caso, a missão deveria ser entendida de forma mais
abrangente, relacionando-se à própria “Missão de Deus” (Missio Dei) que envolve a glorificação de Deus no
mundo.
A glorificação de Deus é o testemunho sobre quem Ele é e Sua revelação na criação, nas Escrituras e
Sua obra redentora. Tudo que o cristão faz que expressa os atributos, o caráter e a natureza de Deus está
associado à missão do próprio Criador. Logo, a Missão cristã abrange o envolvimento intencional do discípulo
de Cristo em exibir a glória de Deus em suas habilidades técnicas, intelectuais, morais, culturais e,
principalmente, evangelizadoras. Claro que isso exigiria uma profunda compreensão de como Cristo – que é
“Senhor sobre tudo” – afeta os diversos papéis sociais que um discípulo Seu pode exercer no mundo.
Por outro lado, a fidelidade do cristão ao Mandato Cultural, ou seja, à ordem divina para operar na
cultura – “cultivar o jardim” (Gn 2.15) – não pode entrar em conflito com a Grande Comissão (Mt 28.19).
Pelo contrário: deve cooperar com ela. Jesus disse claramente no Sermão do Monte que ser “luz do mundo”
significa que os homens veriam as nossas obras e glorificariam a Deus por isso (Mt 5.16). Abraham Kuyper,
referindo-se ao testemunho da Igreja, dizia: “Aqui está uma cidade edificada sobre o monte, a qual cada
homem pode ver a distância. Aqui está um sal santo que penetra em todas as direções reprimindo toda
corrupção. E mesmo aquele que ainda não assimila a luz superior ou talvez feche os olhos para ela é

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admoestado com igual ênfase e em todas as coisas a dar glória ao nome do Senhor.” Essa graça que redunda
em obras vem sendo, desde sempre, uma grande plataforma para legitimar a pregação e o discipulado
evangélico.
Dentre outras razões, nossa salvação também se destina a nos tornar pessoas frutíferas ou operosas.
Jesus disse que quem permanece Nele “dá muitos frutos[…], pois sem Ele nada podemos fazer” (Mt 15.5). Na
mesma direção, o apóstolo Paulo enfatiza que, mesmo a salvação sendo pela graça e não pelas obras, ela é
para boas obras (Ef 2.8-10). Era justamente essa conexão entre a vocação para “fazer algo” a partir de uma
vida salva pela graça que fazia com que cristãos de Jerusalém “contassem com a simpatia de todo o povo” (At
2.47). Essa graça que redunda em obras vem sendo, desde sempre, uma grande plataforma para legitimar a
pregação e o discipulado evangélico. Portanto, a fidelidade ao Mandato Cultural legitima a obediência à
Grande Comissão.
Em tempos de crise econômica mundial, a Igreja Global está sendo ainda mais desafiada a mudar
algumas ênfases em seus modelos missiológicos. Sem desprezar o missionário clássico, sabemos que há uma
necessidade profunda da presença cristã no mundo associada a competências profissionais ou culturais. Em
um mundo onde se valoriza cada vez mais o capital intelectual, cristãos deveriam fazer projetos de carreira
cuja formação profissional auxiliaria comunidades ou locais no mundo. Assim viabilizaria a penetração do
Evangelho em contextos impenetráveis para um missionário clássico. Já se fala de “quarta onda missionária”,
em que missionários são encorajados a integrar a missão evangelizadora com uma profissão.
Por outro lado, não é que tais profissões serviriam apenas como uma manobra estratégica para
comunicar o Evangelho. Lembre-se: o sucesso da Grande Comissão nesse caso depende de uma fidelidade
autêntica ao Mandato Cultural. Não é simplesmente ser um profissional para que o Evangelho seja
oportunizado. Para exemplificar, um pedagogo cristão com conhecimentos avançados no campo educacional
a serviço de uma ONG internacional poderia desenvolver projetos educacionais inovadores em regiões com
altos índices de analfabetismo. À medida que se relaciona com pessoas, instituições, comunidades e agentes
políticos, ele dá testemunho de Deus e do Evangelho.
Imagine como um comerciante cristão com conhecimentos mercadológicos adequados poderia fazer
uma prospecção em determinada comunidade percebendo demandas comerciais e sociais. Paralelamente ele
poderia abrir um empreendimento que beneficie a comunidade, criando postos de trabalho e superando
cenários de subdesenvolvimento. A partir de sua “presença fiel”, entende que se relaciona com a participação
cristã ativa na vida cultural e pública, evitando dois extremos: o triunfalismo e tampouco o isolamento, a
relevância socioeconômica de sua atuação, sua visão de mundo e seu testemunho cristão legitimam a pregação
do Evangelho, que deve ocorrer de forma orgânica e relacional em vários níveis.
Considere o que vai acontecer quando todos nós começarmos a olhar para nossas profissões e os
campos de especialidade não meramente como meios de lucro nem como projetos de carreira em nosso
contexto, mas como plataformas para proclamar o Evangelho.

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É encorajador e inspirador pensar que o Espírito Santo pode estar conduzindo sua Igreja a adotar uma
postura adequada diante dos desafios de seu tempo. Considere o que vai acontecer quando todos nós
começarmos a olhar para nossas profissões e os campos de especialidade não meramente como meios de lucro
nem como projetos de carreira em nosso contexto, mas como plataformas para proclamar o Evangelho.
Considere o que acontece quando a igreja não apenas enviar missionários tradicionais ao redor do mundo, mas
homens e mulheres de negócios, professores e estudantes, doutores e políticos, engenheiros e técnicos que vão
viver o Evangelho em contextos em que um missionário tradicional nunca poderia ir.
A noção de missionários bivocacionais, pode ser mais bem trabalhada quando se explora a relação
entre “missão” e “evangelização” e, particularmente, entre Mandato Cultural e Grande Comissão. Enfim, é
importante mencionar que cristãos não trabalham para evangelizar; eles evangelizam uma vez que trabalham
e trabalham à medida que evangelizam. Fidelidade e excelência profissional cristã tornam-se verdadeiras
“plataformas” para a proclamação do que Cristo de fato realizou em Sua vida, morte, ressurreição e ascensão
e vai consumar em sua vinda.
Geralmente se refere a Gênesis 1:28 como o Mandato Cultural: “E Deus lhes disse: Sede fecundos e
multiplicai e enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo
animal que se move sobre a terra.”
Não há nada em particular de grande importância aqui; o texto bíblico está simplesmente afirmando
que, como portadores da imagem de Deus, moldamos o mundo que nos rodeia e o adaptamos a uma diversidade
de usos. Nos últimos anos, uma série de livros foram publicados por cristãos, precisamente sobre esse tema.
Se os cristãos não aproveitarem o momento e agir sobre a comissão cultural, logo não haverá qualquer
cultura para salvar. Quando, porém, fazemos o nosso dever, podemos mudar o mundo. Olhe para cristãos
como William Wilberforce, que passou a maior parte de sua vida lutando – e vencendo – a guerra contra a
escravidão na Grã-Bretanha, e provocando uma grande renovação cultural no país.
Temos uma propensão dada por Deus “para fazer algo mais do que nos foi dado.” Trata-se de coisas
bastante básicas. Aqueles que acreditam que o mandato cultural foi substituído pela Grande Comissão só
precisam olhar em volta: nós, seres humanos, fazemos cultura de modo intencional ou não e sempre iremos
fazer, pois Deus nos criou para isto. Você não tem que ser um guerreiro da cultura para reconhecer esta
realidade da vida.
Claro, não se pode escapar do fato de que nossas atividades criadoras de cultura são afetadas por nossa
natureza pecaminosa. Esta é a implicação de Gênesis 4.19-22. Para se ter certeza, não há nada de
intrinsecamente errado em moldarmos a cultura. No entanto, também não podemos escapar da mancha do
pecado em todos os nossos empreendimentos. Além disso, deve ser feita uma distinção entre fazer cultura
obediente e fazer cultura desobediente, o que corresponde à distinção de Santo Agostinho entre a Cidade de
Deus e a Cidade deste mundo. A fabricação de uma cultura corretamente orientada obedece às normas que
Deus nos deu para a vida em seu mundo: social, econômica, estética, ética, política e outras normas.

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“Ensinando-os a observar tudo o que vos tenho ordenado.” A evangelização requer que anunciemos,
não somente a graça salvadora de Deus, mas também as normas que Deus pretende que os que estão em Cristo
vivam. De modo algum, meros seres humanos irão redimir a cultura engajando-se em atividade criativa. Isto
é presunçoso. Somente Deus, em Cristo, redime sua criação caída. Somos, no máximo, agentes do seu reino,
manifestando a sua graça salvadora em tudo que fazemos – incluindo a formação da cultura.

A SOBERANIA DAS ESFERAS

Afinal, o que é Soberania das Esferas? O interesse redespertado pela teologia reformada (isso não
implica que não reformados, ou pentecostais não possam se aproveitar desse tema) tem trazido esse termo e
conceitos à tona, junto com “cosmovisão”, “neocalvinismo” e vários outros. Soberania das Esferas é uma
expressão encontrada na obra do filósofo holandês Herman Dooyeweerd (1894-1977). Seu tratado, extenso e
muito técnico, não disponível em português, é chamado “Uma Nova Crítica do Pensamento Teórico” (A New
Critique of Theoretical Thought, em 4 espessos volumes, tradução do original holandês publicada
originalmente em inglês por H. J. Paris, em 1957).
O pensamento expresso por Dooyeweerd é complexo, mas, simplificadamente, podemos dizer que ele
os construiu sobre os conceitos já apresentados anteriormente por João Calvino (1509-1564) e, com bastante
intensidade, na terminologia e escritos de Abraão Kuyper (1837-1920). Em resumo, ele ensina que cada
instituição criada por Deus (a família, a escola, o estado), possui uma área específica de autoridade e regência,
ou seja, são esferas bem delimitadas e específicas.
Isso não significa que tais esferas sejam autônomas. Ainda que independentes, cada uma deve
responder a Deus, o doador desta autoridade. A soberania de cada uma quer dizer que elas não devem usurpar
ou interferir na autoridade da outra esfera. Cada uma dessas esferas, autoridades em si, é responsável por sua
missão e pelas suas ações, na providência divina, perante Deus.
Por exemplo, no caso de uma escola cristã, ela deve entender que não usurpa a autoridade da família,
nem da igreja. Muito menos substitui essas outras esferas, mas deve trabalhar conjuntamente, em colaboração
e respeito. A esfera da escola, e nisso ela tem autoridade, é ministrar conhecimento, sendo responsável, perante
Deus, de transmitir esse conhecimento reconhecendo o Criador em todas as áreas do saber.
Outro exemplo, ao estado não cabe legislar moralidade, mas sim, trabalhar com base em princípios
universais (que procedem de Deus), reprimindo as atividades criminosas, protegendo os indivíduos de uma
sociedade – essa é a sua esfera legítima. No momento em que se intromete na esfera da família, ou da igreja
(postulando o que é certo ou errado), ultrapassa a sua “soberania”. O estado não tem poder ilimitado, mas deve
se reger sob uma estrutura específica, que emana da Graça Comum, derramada por Deus sobre todos os
homens.

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Essa ação abrangente da Graça Comum de Deus, além de possibilitar a existência da sociedade, é que
restringe, também, o pecado na humanidade e faz com que cultura de mérito e qualidade possa surgir nos mais
diversos lugares e situações.
Em português temos o excelente livro de Dooyeweerd, No Crepúsculo do Pensamento Ocidental,
traduzido e publicado pela editora HAGNOS, em 2010, e a Edições Vida Nova publicou em 2014, Estado e
soberania: escritos sobre cristianismo e político, do mesmo autor. Esses livros também podem servir para
uma introdução ao pensamento desse grande filósofo cristão, que nos demonstra como a doutrina cristã é para
ser testemunhada, vivenciada e experimentada em todas as áreas de nossa vida – incluindo o intelecto.
Para a Teologia Bíblica, o Trino Deus é o único Rei Justíssimo, totalmente Soberano, Supremo, Eterno,
Poderoso, Criador e completamente suficiente em si mesmo. Ele não depende da sua criação para
absolutamente nada; tem misericórdia de quem ele quer e se compadece de quem quer se compadecer; possui
o total domínio sobre toda a sua criação, nos mínimos e mais “escapáveis” detalhes.
Segundo as Escrituras, em sua criação, de forma soberana e livre, Deus cria esferas independentes,
igualitárias e soberanas entre si, ou seja, em que uma não depende da outra para existir ou se manter, e não há
nenhum tipo de hierarquia entre elas. Todas possuem o mesmo nível de importância.
Por isso, chamamos esse quadro de “Soberania das Esferas”. As principais esferas criadas por Deus
nesse contexto seriam a Família, a Igreja, o Trabalho, a Educação, as Artes e o Estado. Portanto, Família é
uma esfera independente do Estado e do Trabalho, por exemplo, e não depende delas para existir. Assim como
a Educação (Escola) é uma esfera separada e igual às demais esferas, a Igreja ou as Artes (Entretenimento) da
mesma forma.
Cada esfera é criada e sustentada por Deus, e todas funcionam perfeitamente e em harmonia segundo
o plano redentor do Criador. Cada uma delas tem o seu papel. Elas são legitimadas pelo próprio Soberano
Deus, de forma que há limites bem específicos entre elas, para que nenhuma “engula” as outras e assuma as
suas “funcionalidades”.
Essa belíssima visão bíblica da sociedade, formulada pelos teólogos europeus dos séculos XVI e XVII,
influenciou a política e a sociedade em todo o mundo. O reflexo disso é muito claro em toda a Europa e nos
EUA, principalmente. Essa é a visão bíblica que redime a sociedade e que delineou o desenvolvimento político
e social na maior parte do mundo.

Mas, por que isso é importante?


Hoje, no Brasil, por meio do idealismo de esquerda que se espalhou por todas as esferas acima citadas,
o Estado quer se tornar soberano, criador, sustentador e legislador de todas as outras esferas. Nesse contexto,
Deus é destronado pelo Estado, que assume o seu papel, tornando todas elas submissas de forma irrevogável
a ele. Além disso, as esferas deixam de ser independentes, e passam a se hierarquizar em uma estrutura de
níveis de relevância social, de acordo com as necessidades do “Deus-Estado”.

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Se este cenário se perpetuar, veremos em nossa pátria aquilo que está ocorrendo hoje em todos os
países comunistas, na Venezuela e em Cuba, e que ocorreu também na Rússia de Stalin, no nacional-socialismo
de Hitler ou na China de Mao Tse Tung: uma sociedade ateísta, com todas as demais esferas sociais sufocadas
e à beira da morte. O cristianismo massacrado e o que restar será propriedade do Estado. Aliás, tudo será
propriedade do “Deus-Estado”: trabalho, educação, artes/entretenimento, família e igreja.
Em prol dessa visão “marxista”, apenas no século XX foram mortas quase 100 milhões de pessoas. E
se associarmos a esse número o nacional-socialismo de Hitler, um movimento também de esquerda (por sua
ideologia), teremos um total de aproximadamente 120 milhões de pessoas mortas, além de sociedades inteiras
desmoronadas e em escombros de moralidade.

O que ansiamos?
Nós, como cristãos, devemos lutar para que essa visão bíblica seja estabelecida e praticada em nosso país (uma
vez que nunca foi). Somos contra QUALQUER TIPO DE TOTALITARISMO, seja ele de esquerda ou de
direita. Como cristãos, entendemos que o Deus Trino Soberano Justíssimo criou esferas independentes e
harmônicas entre si, que devem coexistir de forma complementar umas às outras, sem que nenhuma avance o
território da outra, para que assim estabeleçamos uma sociedade baseada em uma cosmovisão bíblica, que
glorifique o Deus que a criou.

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BIBLIOGRAFIA

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WAYNE GRUDEM , BARRY ASMUS. Economia e política na cosmovisão cristã, contribuições para
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INSTITUTO DE EDUCAÇÃO TEOLÓGICA BEREANA 50

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