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INSTITUTO DE FILOSOFIA NOSSA SENHORA DAS

VITÓRIAS – IFNSV
___________________________________________

Projeto de Prática
Filósofo Pedro Lombardo

Disciplina: História da Filosofia Medieval


Docente: Profª Valéria dos Santos
Oliveira Feitosa Frota.
Curso: Bacharelado em Filosofia.
Discente: Caio César Sales Silva
RA 1083980

VITÓRIA DA CONQUISTA
2020
Projeto de Prática

1. Introdução

No século XVI os humanistas passaram chamar a Idade Média de Idade das


trevas. Afirmavam que havia ocorrido na Europa, um retrocesso artístico, intelectual,
filosófico e institucional, em relação à produção da Antiguidade Clássica. No entanto,
essa é uma perspectiva errônea, tendo em vista que nesse período constatamos
diversos fatos positivos, como: grande cuidado com a elaboração de um pensamento
rigoroso e bem fundamento; a presença de grandes autores como Santo Agostinho,
Tomas de Aquino, Boécio, Avicena, entre outros; a beleza das engenhosas catedrais,
grandes obras filosóficas, artísticas literárias e teológica, a consolidação das
universidades, enfim, não é um período de retrocesso, mas tem uma forte contribuição
para o pensamento ocidental.
Na Idade Média, devido ao predomínio do cristianismo é evidente um radical
enfrentamento entre duas correntes de pensamento, a saber, pensamento cristão e o
racionalismo de origem grega, fé e razão, onde a primeira tendo a fé e a revelação,
“característicos de um pensamento fundamentalmente teológico, onde as verdades
da revelação tem na crença o seu único fundamento e o segundo representa o
pensamento racional provocado pela filosofia”. (SANTOS, 2003, np)
Nesse período, profundamente marcado por um radicalismo dogmático,
veremos que de um lado “a fé cristã irá desdenhar dos postulados racionais filosóficos,
enquanto a filosofia ou a razão, irá resistir aos conteúdos salvíficos da mundividência
cristã de que, no fundo carecia”. (AMARAL APUD SANTOS,2003, p. 3)
O pensamento medieval é fortemente marcado pelas ideias cristãs. Os
primeiros filósofos cristãos, conhecido também como os Pais da Igreja, elaboraram os
fundamentos da dogmática cristã; sua filosofia confunde-se por completo com a
teologia. Na idade Média duas grandes escolas representam o desenvolvimento
filosófico: a Patrística e a Escolástica.
A Patrística é a reflexão empreendida pelos Padres da Igreja. Com o
crescimento da comunidade cristã surge a necessidade de uma base teórica e
doutrinal, dar razões a fé professada para que todos pudessem compreender a
revelação divina. Nesse processo, a Igreja não se furtou do diálogo com a razão e

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mesmo reconhecendo que o Cristianismo não é filosofia, deixou-se influenciar por ela
para a fundamentação da fé cristã. A figura mais notável da nascente filosofia cristã,
maior representante da patrística, foi o bispo de Hipona, Santo Agostinho, que exerceu
a influência mais forte sobre a ideologia medieval. Para Agostinho, a verdadeira
filosofia e a verdadeira religião são uma mesma coisa.
A Escolástica, desenvolvida a partir do século IX, é a filosofia cristã da Idade
Média que impera no ensino escolar e que depende totalmente da teologia. “A filosofia
é a serva da teologia; assim definia a igreja o lugar e o papel da filosofia. A tarefa
fundamental da escolástica foi fundamentar, defender e sistematizar, por meio dos
dogmas religiosos eternos” (SHCHEGLOV, 1945, np). O expoente mais notável da
escolástica é Tomas de Aquino, sistematizador de toda escola. O catolicismo
reconhece até hoje as doutrinas de Tomás como sua única filosofia verdadeira.
Entretanto, outros autores tiveram um papel importante na construção do
pensamento medieval, como Boécio, Pedro Abelardo, João Escoto Erígena, Anselmo
de Cantuária, entre outros. Em nosso projeto de prática queremos abordar a vida, obra
e pensamento de Pedro Lombardo, autor que faz parte do período da Escolástica.
Como todos os mestres da teologia de seu tempo, também escreveu discursos e
textos com comentários sobre as Escrituras.
Ele recorreu a uma documentação muito extensa, constituída principalmente a
partir do ensinamento dos Padres latinos, especialmente Santo Agostinho, e aberto a
contribuições de teólogos de seu tempo. Ademais, utilizou uma enciclopédia de
teologia grega, há pouco tempo conhecida no Ocidente: A fé ortodoxa, composta por
São João Damasceno. O grande mérito de Pedro Lombardo é o de haver organizado
todo o material, que tinha recolhido e selecionado com cuidado, de forma sistemática
e harmoniosa. (BENTO XVI, 2009, np).

2. Objetivo

A pesquisa tem como objetivo:

 Explorar e compreender o pensamento do filósofo escolástico Pedro Lombardo


e identificar sua contribuição para a filosofia cristã no debate entre a fé e a
razão.

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3. Metodologia

Para obter os resultados foi realizada uma pesquisa explicativa sobre filósofo
Pedro Lombardo, através do estudo de seu pensamento, partindo de uma revisão
bibliografia. A finalidade é identificar as correntes de pensamento do filósofo, para
verificar sua contribuição no debate entre fé e razão e consequentemente para a
filosofia ocidental.
Para a revisão bibliográfica será consultado os livros: a História da Filosofia,
escrito A. V. Shcheglo do Instituto de Filosofia da Academia de Ciência da URSS; O
homem e sua Salvação, da autoria de Bernard Sesboué; História da Filosofia de
Giovani Reale, entre outros que poderão surgir no processo de elaboração do projeto.
Além disso, utilizaremos artigos disponíveis na internet, uma vez que as informações
sobre o filósofo é bem escassa. É importante ressaltar que os dados bibliográficos das
obras e todo material utilizado estão descritos nas referências deste trabalho.
Como parte de análise do pensamento de Pedro Lombardo, aplicaremos uma
entrevista composta de oito perguntas, com a finalidade de explorar melhor suas
ideias. O questionário faz uso de temas debatidos por renomados pensadores na
história filosófica e além de temas ligados ao conhecimento teológico. Assim foram
escolhidos os seguintes temas: livre arbítrio, a alma, criação do mundo, concepção de
homem, intimidade com Deus, concepção de mal e sacramentos. Os ressaltados
obtidos serão contextualizados para que assim possamos identificar as contribuições
de Pedro Lombardo na formação do pensamento ocidental.

4. Entrevista

Entrevistador: - A sua obra Sentenças, forjou muitos opositores, porque não


concordam com seu uso na filosofia e não aceitava algumas das doutrinas exposto
por você, embora seja uma coleção de textos bíblicos, com passagens relevantes dos
Padres da Igreja e de muitos pensadores medievais em todo o campo da teologia
cristã. Portanto, qual a finalidade de reunir esse conteúdo em uma única obra, uma
vez que já está disponível para o acesso?

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Pedro Lombardo: Sempre tivemos os diversos escritos dos padres da Igreja, mas
com dificuldade de consulta por estarem todos separados. Então, em forma de
sentenças, reuni o pensamento de diversos autores em um único livro. O objetivo era
facilitar nos estudos de teologia na escola, para que os alunos não precisassem
consultar diversos livros. Para produzir essa compilação usei com fonte as Sagradas
Escrituras, os padres da Igreja como Santo Agostinho, Sto. Ambrósio, S. Isidoro de
Sevilha, S. Jerônimo, João Crisóstomo, João Damasceno, Orígenes, etc. Além de
escritos de autoridades como Beda, Alcuíno, Boécio, Rábano Mauro e
contemporâneos como Bernardo de Claraval, Pedro Abelardo, Hugo de S. Victor, Ivo
de Chartres, Anselmo de Laon e Graciano. Enfim, fiz uso da enciclopédia de teologia
grega. Portanto, fiz uma seleção de passagens das diversas obras, na tentativa de
reconciliá-los, onde elas pareciam defender pontos de vista diferentes e as organizei
em uma ordem sistemática com uma série de perguntas sucessivas.

Entrevistador: - Santo Agostinho afirma que para homem chegar até Deus era
necessário voltar-se para dentro de si e ali na intimidade da alma encontrar a Deus.
Diante do exposto, você acredita que o homem pode chegar até Deus?

PEDRO LOMBARDO: O homem pode elevar-se ao conhecimento de Deus partindo


das coisas criadas. Tudo o que vemos é mutável e tudo o que é mutável deve ter a
sua origem numa essência imutável. Todas as coisas corpos e espíritos, têm uma
determinada forma e espécie. Essa primeira espécie é Deus. A Imagem da Trindade
se reflete nas características das coisas: a unidade, a forma e a ordem, e consentem
ao homem a sua elevação para Ela. No entanto, nenhuma coisa criada pode dar-nos
um conhecimento adequado da Trindade. É preciso distinguir entre as coisas que
podemos conhecer antes de crer e aquelas que para serem conhecidas pressupõem
a fé. Entre os objetos de fé, alguns não podem ser conhecidos e compreendidos, se
não acreditarmos primeiramente neles; outros não podem ser criados se não forem
primeiramente, compreendidos, e estes últimos são, por via da fé, compreendidos
mais profundamente.

Entrevistador: - Para Sócrates, o homem é a sua própria alma. Aristóteles definia

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que o homem é um animal político. No entanto, o Cristianismo defende que o homem
é criado imagem e semelhança de Deus. Então, qual sua definição de homem?

Pedro Lombardo: O homem é imagem e semelhança de Deus segundo o espírito,


pelo qual ele se eleva acima dos seres irracionais. Primeiramente é importante fazer
uma diferença entre imagem e semelhança. A imagem se refere à memória, à
inteligência e à vontade, ou seja, aos poderes da alma; a semelhança, à inocência e
à justiça, conaturais ao espírito racional. A semelhança está, pois, em ligação com a
condição moral. De outro modo, no corpo se reflete também a imagem, uma vez que
ele é coerente com a alma racional em razão de sua figura ereta que lhe dá a
possibilidade de se voltar para o céu. Assim, por meio da alma que o homem recebe
de Deus ele pode ser considerado imagem e semelhança.

Entrevistador: - Platão afirmava que a alma é um ser que se move por si mesmo,
que já preexistia no mundo das ideias, acreditava na reencarnação e na transmigração
da alma. Além disso, afirmava que o corpo era o cárcere da alma. Como o Cristianismo
desenvolve sua teoria sobre a alma? Comunga com as ideias Platônicas?

Pedro Lombardo: O Cristianismo formula sua teoria com base na revelação divina.
O modelo segundo o qual foi criada a alma humana é toda a Trindade. O homem é a
criatura racional formada pela alma racional e pela carne. Ela é criada no corpo por
Deus na hora da infusão, e não é possível que ela preexista. Há um desejo natural na
alma de se unir ao corpo. A imortalidade da alma estar em relação com a condição da
imagem de Deus, que é reservada exclusivamente à alma, ou seja, a alma é um
espírito intelectual, racional, sempre vivo, sempre em movimento, capaz de boa ou de
má vontade. Ela deve governar o corpo. Não perde a condição de imagem, mesmo
após o pecado. Deus a uniu à carne, quando quis; quando quer, ele as separa uma
da outra. No entanto, no corpo se reflete também a imagem, uma vez que ele é
coerente com a alma racional em razão de sua figura ereta que lhe dá a possibilidade
de se voltar para o céu. Aqui se mostra a capacidade que tem Deus de se unir à
criatura de quem tantas coisas o separam. Se o espírito, excelentíssima criatura, pode
se abaixar à união com a carne, criatura ínfima, Deus pode se unir à criatura com um

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amor inefável. A alma no homem é manifestação do amor de Deus e o corpo tem seu
valor nesse amor.

Entrevistador: - No pensamento grego o mundo é eterno, sensível, inteligível sempre


existiu. No Cristianismo a justificativa é que a criação do mundo, do universo procede
de Deus? Por quê?

Pedro Lombardo: Eu trato da criação no livro II, da minha obra sentenças. Deus é o
autor, princípio de tudo; de sua vontade vem tudo o que existe, e as coisas vêm à
existência sem nenhuma mudança do autor delas. Criar é próprio somente de Deus,
e o faz a partir do nada. Deus cria para comunicar sua beatitude unicamente pela
bondade. A afirmação geral de Gn. 1,1, segundo a qual no início Deus criou o céu e à
terra, os céus são as criaturas angélicas, ao passo que à terra se refere à matéria dos
quatro elementos, confusa e informe. A partir dessa matéria informe, tem lugar a obra
dos seis dias, na qual Deus distinguiu as diversas criaturas. É preciso sobretudo
entender que o Pai cria com o Filho e o Espírito Santo, ou seja, que os três intervêm
na obra criadora.

Entrevistador: - O livre arbítrio é dos temas discutidos pelos filósofos ao longo dos
séculos. Segundo os estoicos, a liberdade é uma necessidade do ser humano, e
consiste na autodeterminação em consonância com o universo, ou seja, o ser humano
deve seguir as leis naturais do mundo em sintonia com o destino. Na concepção
aristotélica, a liberdade é o princípio para escolher entre alternativas possíveis,
realizando-se como decisão e ato voluntário. Santo Agostinho no que lhe concerne,
diz que o livre arbítrio é própria da vontade humana e não dá razão, o que contradiz a
sua posição acerca desse assunto. Poderia nos explicar porque essa diferença, já que
Ele é um dos autores mais citados em sua obra Sentenças?

Pedro Lombardo: Em relação ao livre arbítrio afirmo que ele pertence ao mesmo
tempo, à razão e à vontade. O livre arbítrio é livre em relação à vontade, que pode
escolher uma coisa ou outra, e é arbítrio em relação à razão, que nem sempre é
seguida no seu discernimento entre o bem e o mal. O livre arbítrio pressupõe, portanto,
a vontade e a razão e não pode pertencer aos animais que são privados de razão. A

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sua essência não está na capacidade de escolher entre o bem e o mal, mas antes na
capacidade de escolher, sem necessidade ou coação, o que a razão estabelece.

Entrevistador: - A problemática do mal é recorrente entre os diversos autores e


escolas filosóficas. O neoplatonismos, por exemplo, não acredita em um princípio
gerador do mal, mas sua existência ocorre pelo distanciamento do Uno. Santo
Agostinho define como Privação do Bem. Suas ideias comungam com alguns desses
pensamentos? O que é o mal na sua concepção?

Pedro Lombardo: Minha teoria tem proximidade com santo Agostinho. Podemos
dizer que para o homem o mal é duplo: o pecado e a pena do pecado. Ambos são
negatividade e privação do bem: o pecado é privação num sentido ativo, porque
corrompe o bem o priva dele o homem; a pena é privação em sentido passivo porque
é um efeito do pecado. Deus não é de forma alguma causa do mal: prevê
infalivelmente o mal, não como obra sua, mas como obra daqueles que o fazem e
suportam. Condição primeira para que o homem escolha o bem é a graça divina, que
é sempre gratuitamente concedida (grátis dada), independentemente dos méritos
humanos. Mas, enquanto a misericórdia divina é sempre um ato de graça, a
reprovação e a severidade de Deus perante o homem são atos de justiça,
determinados por aquilo que o homem mereceu.

Entrevistador: - Na obra Sentenças você trata sobre os sacramentos. Você faz a


seguinte definição: O sacramento, em sentido estrito, é um sinal da graça de Deus e
forma visível da graça invisível, de tal modo que leva à imagem e essência da causa.
O que isso implica? Qual o sentido de sacramento para a fé cristã?

Pedro Lombardo: É chamado Sacramento em sentido próprio aquilo que é sinal da


graça de Deus e forma visível da graça invisível, de tal modo que traz a sua imagem
e é a sua causa. Portanto, identificamos a essência dos Sacramentos: eles são causa
da graça, têm a capacidade de continuar realmente a vida divina. O elemento material
é a realidade sensível e visível, o formal são as palavras pronunciadas pelo ministro.
Ambos são essenciais para uma celebração completa e válida dos Sacramentos: a
matéria, a realidade com a qual o Senhor nos toca visivelmente, e a palavra que dá o

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significado espiritual. No Batismo, por exemplo, o elemento material é a água que se
derrama sobre a cabeça da criança e o elemento formal são as palavras: eu te batizo
em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Fica claro só que os Sacramentos
transmitem objetivamente a graça divina e que são sete: Batismo, Confirmação,
Eucaristia, Penitência, Unção dos Enfermos, Ordem e Matrimônio.

5. Análise dos resultados

A reflexão filosófica, presente na Idade Média, é marcada pelos debates entre


fé e razão. Diante da necessidade de compreender o conteúdo da revelação divina e
de modo a responder às objeções de seus adversários, encontramos no interior do
Cristianismo, o que podemos considerar uma filosofia cristã.
É importante ressaltar que o pensamento filosófico cristão difere da filosofia
grega. Ela é uma busca constante pela verdade plena. Já para a filosofia cristã a
verdade é a revelação divina, e agora era necessário compreendê-la, mesmo tendo
consciência de que a razão humana não pode dar conta de toda a grandiosidade do
objeto da revelação. O Cristianismo, enquanto religião, não deixa de ter presentes
alguns elementos que possibilitam pontos de contato com a filosofia.
É nesse contexto que Pedro Lombardo desenvolve sua reflexão filosófica-
teológica. Ele nasceu em Novara, na Itália, pertencente a uma família de condições
modestas. Primeiro estudou direito em Bolonha. Com a ajuda de Bernado de Claraval,
que enviou uma carta ao abade da Abadia de São Victor, foi então para Paris. Após
um tempo em Reims e Laon se instalou definitivamente em Paris, onde conviveu com
os cônegos de S. Victor e conheci Hugo de S. Victor cujos escritos influenciaram
minhas suas obras.
A partir de 1140 começou a ensinar na escola de Notre-Dame de Paris e foi
nomeado subdiácono em 1147. Neste mesmo ano foi convidado pelo Papa Eugênio
III para examinar, num consistório realizado em Paris, as teorias de Gilbert de la
Porrée, às quais me opôs, sublinhando novamente esta posição em 1148.
“Em 1156 foi consagrado arquidiácono, logo depois sacerdote e Bispo de Paris,
nomeado pelo Papa Eugênio III. Ele morreu nos dias 21 ou 22 de julho de 1160.
Deixou para trás alguns atos episcopais para ilustrar seu estilo ou objetivos

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administrativos”. (GHELLINCK, 1911, np). Seu túmulo estava na Igreja de São Marcelo
em Paris antes de ser destruído durante a Francesa.
Os escritos de Pedro Lombardo incluem Comentários aos Salmos, ao apóstolo
São Paulo e uma vasta coleção de Sermões. A sua renomada obra é as Sentenças,
onde reuniu a riqueza dos padres da Igreja sobre o conteúdo da fé Cristã. O escrito
original era uma seção de perguntas sucessivas, mas por volta do século XIII, foi feita
uma divisão chamada de Distinções, o que significou a organização da obra em
capítulos, estruturada da seguinte forma:

livro I: sobre Deus, a sua essência e os mistérios da Santíssima


Trindade em 210 capítulos; no livro II: A criação divina, o mundo, os
anjos e os homens em 269 capítulos; no livro III: Cristo, que veio ao
mundo para nos salvar dos pecados em 164 capítulos; e no livro IV:
os sacramentos para alcançar a graça divina e os Novicíssimos, morte
e lugares do Além, num total de 290 capítulos. (CATARINA, 2015, p.
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Seu propósito e metodologia, refletem as tendências intelectuais atuais na


época: “argumentos das autoridades da Igreja declarando doutrinas oficiais e dialética
explicando as doutrinas ou tentando reconciliar certas crenças com as autoridades”.
(GHELLINCK, 1911, np). Pedro evitou com sucesso os excessos dos dialéticos,
mantendo o uso da razão na compreensão da teologia.
As Sentenças, foi uma resposta à crescente sede de conhecimento entre
estudiosos medievais e apareceu numa época em que os conservadores defendiam
uma separação completa entre dogma e filosofia. Ele ordenou as doutrinas e teorias
tradicionais de um sistema e resumiu as controvérsias de seu tempo e as opiniões
sobre as diferentes questões. Além disso, com suas tentativas de resolver muitas
perguntas, ele criou curiosidade nos discípulos e levou os professores a comentar
sobre ele.
Sentenças é uma obra orgânica, e sistemática, que contém as verdades de fé,
consideradas reveladas pelo Cristianismo, expressa a centralidade do mistério de
Cristo, iluminou os cristãos da época para ter uma visão unitária da fé e auxiliou
diversos alunos em seus estudos acadêmicos.
Grandes teólogos como São Bernado, Tomas de Aquino, iniciaram seus
estudos acadêmicos comentando as Sentenças, e tomaram por base para sua

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reflexão e constituição de obras, no campo da filosofia e principalmente da teologia.
O livro de Lombardo foi utilizado pelas universidades até o século XVI. O Mestre das
sentenças não foi colocado na classe dos pais da Igreja, embora contemporâneo. É
reconhecido como teólogo dogmático escolástico, venerado como ilustre.
Constatamos que o pensamento de Pedro Lombardo marcou a reflexão
medieval. A partir da entrevista, é possível identificar as principais ideias do Mestre
das Sentenças. A obra dele, não e certamente, original, é muito mais uma compilação
das obras existentes em sua época. Entretanto, é evidente que o comentário de Pedro
lombardo “se impõe por seu grande equilíbrio e maturidade. Com efeito, ele reconhece
os direitos da razão, mas somente até um ponto em que submete a razão à fé. E esse
equilíbrio foi certamente um dos motivos do sucesso de suas obras”. (REALE, 1990,
p. 526-527).
Na perspectiva de Pedro Lombardo, ao ser indagado sobre a criação, ele segue
a tradição bíblica do Cristianismo. Para ele “Deus cria a partir do nada, e esse atributo
é somente de Deus. Ele é o autor, princípio de tudo; de sua vontade vem tudo o que
existe, e as coisas vêm à existência sem nenhuma mudança do autor delas”
(SESBOUÉ, 2003, p. 65). Seu contemporâneo Pedro Aberlado contradiz fortemente
sua tese da criação. Segundo ele, “o Espírito é a alma do mundo, que ele acredita ter
descoberto dos textos de Platão e que a Trindade o teria revelado. Essas ideias, foram
condenadas pelo Concílio de Sens” (SESBOUÉ, 2003, p. 64). Lombardo refuta as
ideias de Aberlado e segue linha de pensamento que reconhece na criação o começo
da Salvação. Para Ele era preciso sobretudo entender que o Pai cria com o Filho e o
Espírito Santo, ou seja, que os três intervêm na obra criadora, e não somente uma
das pessoas divinas.
O pensamento de Pedro Lombardo é determinante para fundamentar a teoria
da criação divina e fortalecer os princípios evangélicos que regem o pensamento
medieval em consonância com as Sagradas Escrituras. Encontramos, pois, uma
doutrina estável que com os séculos foi consolidada pela teologia.
Outro ponto que chama atenção no pensamento de Lombardo é como o
homem pode chegar até Deus. Para “ele a partir das coisas criadas é possível que o
homem chegue ao conhecimento de Deus, porque elas refletem a imagem da
Trindade reflete nas características das coisas” (ABAGNANO, 1969, np). Assim ele
reforça sua tese da criação e propõe que a experiência ela é o meio do homem eleva-

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se até Deus. Observando as coisas criadas é possível identificar que todas elas
são mutáveis, estão em constantes transformação e tem fim. Isso nos levar
a crer então, tudo que é mutável possui uma essência imutável, geradora de toda a
vida existente. Refletir sobre esse forma originaria é pensar em Deus, início e fim de
tudo, ser divino e imutável, senhor da vida. Dessa forma, homem chega até Deus.
No entanto, para o mestre das Sentenças nenhuma coisa criada pode dar-nos
um conhecimento adequado da Trindade. Por isso,

é preciso distinguir entre as coisas que podemos conhecer antes de


crer e aquelas que para serem conhecidas pressupõem a fé. Segundo
ele entre os objetos de fé, alguns não podem ser conhecidos e
compreendidos, se não acreditarmos primeiramente neles; outros não
podem ser cridos se não forem primeiramente, compreendidos, e
estes últimos são, por via da fé, compreendidos mais
profundamente.(ABAGNANO, 1969, np).

Pedro, parte da razão não para submeter o conteúdo da fé a uma confirmação,


mas para, através do encadeamento das razões necessárias, consegue exercer uma
reflexão racional, sem que isso implique ceder a qualquer espécie de racionalismo.
Seu trabalho intelectual constitui uma resposta bem mais madura que seus
contemporâneos.
Um aspecto que merece ser ressaltado no escrito é o seu modo de
compreender o mal. Pode parecer que Pedro Lombardo é fiel a Santo Agostinho, mas
tal fidelidade deve ser entendida de modo amplo, pois ele não expressa os conteúdos
da mesma forma do Bispo de Hipona. Segundo Lombardo.

para o homem o mal é duplo: o pecado e a pena do pecado. Ambos


são negatividade e privação do bem: o pecado é privação num sentido
ativo, porque corrompe o bem o priva dele o homem; a pena é privação
em sentido passivo porque é um efeito do pecado. Deus não é de
forma alguma causa do mal: prevê infalivelmente o mal, não como
obra sua, mas como obra daqueles que o fazem e suportam. Condição
primeira para que o homem escolha o bem é a graça divina, que é
sempre gratuitamente concedida (grátis dada), independentemente
dos méritos humanos. Mas, enquanto que a misericórdia divina é
sempre um ato de graça, a reprovação e a severidade de Deus perante
o homem são atos de justiça, determinados por aquilo que o homem
mereceu. (ABAGNANO, 1969, np).

Analisando a concepção de Pedro Lombardo fica claro que Deus não é o autor
do mal, mas o prevê pelas ações do homem, que faz suas escolhas de forma livre.
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Isso é um argumento novo no pensamento de Pedro Lombardo. Pecado e pena
refletem a privação do bem. Assim, ele segue a tradição agostiniana, no
reconhecimento da necessidade que o homem tem da graça divina para fazer bem
suas escolhas.
Pedro Lombardo não vê erro no legado da Patrística, mas isso não significa
que os Padres sempre tenham compreendido a complexidade de conteúdo em sua
totalidade. Ao tratar do livre arbítrio Pedro Lombardo foca em algo novo em sua
concepção. Ele afirma que o livre arbítrio pertence ao mesmo tempo, à razão e à
vontade. Agostinho atribuía o livre arbítrio somente a vontade, assim quando busca a
Deus, pratica boas ações e completamente dominado pela graça.
O Mestre das Sentenças considera que é intrínseca a relação entre vontade e
razão, para que o homem torne-se livre. Ambas desempenham uma função na
construção do livre arbítrio. Assim, “o livre em relação à vontade, está ligada a
capacidade escolha, e é arbítrio em relação à razão, que nem sempre é seguida no
seu discernimento entre o bem e o mal” (REALE, 1990, p.527). Portanto, a essência
não está na capacidade de escolher entre o bem e o mal, mas antes na capacidade
de escolher, sem necessidade ou coação, o que a razão estabelece.
No período escolástico a definição do ser homem não foi considerada um
problema filosófico isolado da questão teológica do homem. Na reflexão filosófica
grega, é clara essa distinção, pois estão em busca da verdade de todas as
coisas, aqui, no entanto, é conflitante o debate porque a essência do homem é
estudada na estrutura da salvação divina, assim a questão teológica tem primazia
sobre a filosófica.
A concepção antropológica de Pedro Lombardo é que está impressa no homem
a imagem e semelhança de Deus, pelo dom da potencialidade racional presente na
alma. Isso significa que a imagem de Deus do ser humano tem um caráter mais
ontológico. Inicialmente ele faz uma diferença entre imagem e semelhança.

A imagem se refere à memória, à inteligência e à vontade, ou seja, aos


poderes da alma; a semelhança, à inocência e à justiça, conaturais ao
espírito racional. A semelhança está, pois, em ligação com a condição
moral. De outro modo, no corpo se reflete também a imagem, uma vez
que ele é coerente com a alma racional em razão de sua figura ereta
que lhe dá a possibilidade de se voltar para o céu. (SESBOUÉ, 2003,
p. 113).

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Para Lombardo é por meio de sua alma, criada por Deus na hora da infusão,
que o homem pode ser considerado imagem e semelhança de Deus. A alma é um
espírito intelectual, racional, sempre vivo, sempre em movimento e deve governar o
corpo. Não perde a condição de imagem, mesmo após o pecado. Deus a uniu à carne,
quando quis; quando quer, ele as separa uma da outra. “Existe um desejo natural da
alma se unir ao corpo, por isso, [...] ele também é reflexo da imagem e semelhança
de Deus, [...] uma vez que em união com a alma racional lhe dá a possibilidade de
chegar”. (SESBOUÉ, 2003, p. 113) Para o Mestre das Sentenças tudo isso é
manifestação do amor de Deus.
A ideia de Lombardo é demonstrar que o ser humano, em razão de sua
inteligência e de sua vontade, tem naturalmente uma semelhança com Deus,
possuidor de uma singularidade. A semelhança sobrenatural se daria pela mediação
da graça e pela glorificação na visão beatífica. “A imagem natural, impressa na
criação, foi desfigurada pelo pecado, recriada em Cristo e, pela mediação dele,
chegará à sua plenitude na glorificação escatológica”. (OLIVEIRA, 2013, p.110).
Todas essas conclusões de Pedro Lombardo é embora tratando do homem em
dimensões que o constituem, configura uma aproximação da concepção bíblica do
homem que o define em totalidade. O viés reflexivo é a questão teológica, e vão
influenciar posteriormente os autores escolásticos em sua concepção antropológica.
Segundo o Papa Emérito Bento XVI (2009), entre as mais importantes
contribuições oferecidas por Pedro Lombardo para a história da teologia, é sobre os
Sacramentos.
Pedro Lombardo capta a essência dos sacramentos: são a causa da
graça e tem a capacidade de comunicar realmente a vida divina. Os
teólogos posteriores não abandonaram essa visão e utilizarão também
a distinção entre o material e o elemento formal, introduzido pelo
"Mestre das Sentenças", como era chamado Pedro Lombardo.
(BENTO XVI, 2009, np).

As conclusões de Pedro Lombardo são determinantes para fundamentar a


teologia sacramental no âmbito do Cristianismo. “Ele identifica a essência dos
Sacramentos: eles são causa da graça, têm a capacidade de continuar realmente a
vida divina” (BENTO XVI, 2009, np). O elemento material é a realidade sensível e visível,
o formal são as palavras pronunciadas pelo ministro. “Ambos são essenciais para uma
celebração completa e válida dos Sacramentos: a matéria, a realidade com a qual o
Senhor nos toca visivelmente, e a palavra que dá o significado espiritual”. (BENTO XVI,
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2009, np). Os autores posteriores não abandonou suas definições e reforçaram as
bases dos sacramentos a Igreja.
Durante a vida Pedro Lombardo foi frequentemente atacado pelas suas
ousadas reflexões e a maneira que metodologicamente organizou as obras dos
Santos Padres e outros autores medievais. Após sua morte ele foi altamente criticado
por Gautier de San Víctor e Joaquín de Fiore que até tentou condenar suas obras.
Mas, em 1215, no Quarto Conselho Lateranense1 as tentativas foram rejeitadas e até
o segundo cânone uma profissão de fé começa com as seguintes palavras: “Credimus
cum Petro [Lombardo]", ou seja, “cremos com Pedro Lombardo”. (ENCICLOPÉDIA
CATÓLICA, 1991, np).

6. Conclusão

A Idade Média, sob o olhar da modernidade não pode ser vista como um
período estéril, de obscuridade na história da humanidade. O debate entre fé e razão
forjaram fecundas reflexões e hoje podemos encontrar grandes expoentes do
pensamento Medieval. Neste projeto de prática analisamos a vida, obra e
pensamento de Pedro Lombardo, que construiu decisivamente para o
desenvolvimento do conhecimento filosófico e teológico neste período. Suas obras
marcaram os estudos nas universidades, principalmente as Sentenças, que é uma
coletânea organizada sistemática mente das obras dos Padres da Igreja e outros
autores medievais.
Pedro Lombardo foi capaz de instaurar algo novo, evidenciando fecundidade
de suas reflexões. A inovação está na maneira mais ampla, mais completa em que
situa o seu pensamento. Ele reafirma a tradição cristã de que é ontológica a criação
do homem a imagem e semelhança de Deus; afirma que Deus é o autor da criação;
amadurece a ideia de como o homem pode chegar até Deus pelos bens criados;

1
Quarto Conselho Lateranense - Reuniram no palácio de Latão, residência oficial do papa em Roma.
Sua importância esta, basicamente, em que marcaram os sucessivos estágios no surgimento do poder
papal* na igreja medieval. [...]O Quarto Concilio de Latão (1215) afirmou a primazia singular de Roma
sobre toda a cristandade, sendo geralmente considerado representante do ponto alto do poder papal
na Idade Média. Definiu também oficialmente o dogma da transubstanciação. Os concílios medievais
posteriores buscaram abordar temas similares, mas as circunstancias e os locais em que vieram a se
reunir indicam um desvanecimento do poder papal. (FERGUSON, 2009, p. 210-211)

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aprofunda a reflexão do livre arbítrio; consente que Deus não é autor do mal, mas
que é fruto das escolhas humanas e delineia os sacramentos da Igreja.
A inovação do Mestre das Sentenças não se restringe ao seu tempo e fortalece
à tradição do pensamento cristão que tem diante de si. Pedro Lombardo faz uso da
razão para perscrutar os conteúdos revelados. O exercício racional é um recurso
amplamente usado por ele para que os conteúdos da revelação divina sejam
compreendidos.
Constatamos que o modo como ele usa a razão permite aprofundar o
pensamento e lança bases para a filosofia cristã. O modo mais maduro e fecundo do
que seus contemporâneos, soube evitar posturas reducionistas, mostrando, em meio
ao debate sobre razão e fé, que, se for bem utilizada e, para isso é importante que
seja bem compreendida, a razão, além de não oferecer riscos à fé, concede a
satisfação de ver confirmados, tanto quanto possível, os fundamentos da filosofia
cristã.

7. Bibliografia:

BENTO XVI. Audiência Geral: Pedro lombardo. Disponível em <http://www.vatican.


va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2009/documents/hf_ben-xvi_aud_20091230.
html>. Acesso em: 22 de ABR. 2020.

BARREIRA, Catarina. Os livros das Sentenças de Pedro Lombardo na Biblioteca de


Alcobaça. Invenire – Revista de bens culturais da Igreja, Moscavide – Portugal, v.99,
p. 32-39, 2015.

FERGUSON, Sinclair B. Novo dicionário de teologia. Wright. São Paulo: Hagnos,


2009.

GHELLINCK, Joseph de. "Peter Lombard". A Enciclopédia Católica. Vol.


11. Nova Iorque: Robert Appleton Company, 1911. Disponível em <http://
www.newadvent.org/cathen/11768d.htm>. Acesso em: 25 ABR. 2020.

16
OLIVEIRA, Renato Alves. A Antropologia da Imagem de Deus: uma aproximação
bíblico-teológica. Interações: Cultura e Comunidade, vol. 8, núm. 13, JAN-JUN,
2013, pp. 87-115.

SESBOUÉ, Bernard SJ. O homem e sua salvação. São Paulo, Loyola, 2003.

REALE, Giovani. História da filosofia: Antiguidade e idade Média. São Paulo: Paulus,
1990. (Coleção Filosofia).

SANTOS, Damião Fernandes. Entre a fé e a razão. Disponível < https://domtotal.


com/noticia.php?notId=1181164>. Acesso em: 20 de ABR. 2020.

SHCHEGLOV, A. V. Instituto de Filosofia da Academia de Ciência da URSS. História


da Filosofia. Tradução David Medeiros Filho. Rio de Janeiro: Vitória, 1945.

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