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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS ESTRATÉGICOS

Marcos Valle Machado da Silva

Os atentados de 11 de setembro de 2001 e o despontar da persuasão


neoconservadora no governo George W. Bush

Niterói
2011
Marcos Valle Machado da Silva

Os atentados de 11 de setembro de 2001 e o despontar da persuasão neoconservadora no


governo George W. Bush

Dissertação apresentada, como requisito parcial


para obtenção do título de Mestre, ao Programa de
Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Defesa
e Segurança (PPGEST) da Universidade Federal
Fluminense (UFF), como requisito parcial para
obtenção do Título de Mestre em Estudos
Estratégicos.

Orientador: Prof. Dr. Marcial A. Garcia Suarez

Niterói
2011
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

S586 Silva, Marcos Valle Machado da.


Os atentados de 11 de setembro de 2001 e o despontar da
persuasão neoconservadora no governo George W. Bush /
Marcos Valle Machado da Silva. – 2011.
153 f.; il.
Orientador: Marcial A. Garcia Suarez.
Dissertação (Mestrado em Estudos Estratégicos) –
Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas
e Filosofia, Departamento de Ciência Política, 2011.
Bibliografia: f. 137-144.
1. Estados Unidos; política e governo. 2. Poder militar.
3. Política externa. 4. Bush, George Walker, 1946- . I. Suarez,
Marcial A. Garcia. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto
de Ciências Humanas e Filosofia. III. Título.
Marcos Valle Machado da Silva

Os atentados de 11 de setembro de 2001 e o despontar da persuasão neoconservadora no


governo George W. Bush

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para obtenção do título de Mestre, ao
Programa de Pós-Graduação em Estudos
Estratégicos da Defesa e Segurança
(PPGEST) da Universidade Federal
Fluminense (UFF), como requisito parcial
para obtenção do Título de Mestre em
Estudos Estratégicos.

Aprovada em 05 de setembro de 2011.

Banca Examinadora:

_________________________________________________
Prof. Dr. Marcial A. Garcia Suarez (Orientador)
Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Defesa e Segurança
(PPGEST) da UFF

_________________________________________________
Prof. Dr. Renato Petrocchi
Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Defesa e Segurança
(PPGEST) da UFF

_________________________________________________
Prof. Dr. Mauricio Santoro Rocha
Centro de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas

Niterói
2011
DEDICATÓRIA

Para
Handerson da Silva,
meu pai.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha família pelo apoio inconteste, particularmente à Eliane que


incentivou a execução do presente trabalho e compreendeu, de maneira terna, os muitos
momentos em que nosso tempo de lazer foi substituído pelas atividades de pesquisa e
elaboração desta dissertação.
Ao Prof. Dr. Marcial A. Garcia Suarez, meu orientador, agradeço pelas observações
seguras e inteligentes, bem como pelo incentivo ao trabalho de pesquisa e desenvolvimento da
dissertação.
Ao professor Vágner Camilo Alves, Coordenador do PPGEST e ao Contra-Almirante
Reginaldo Gomes Garcia dos Reis, Chefe do Departamento de Ensino da Escola de Guerra
Naval, agradeço pelas palavras de incentivo, proferidas na "hora certa", que contribuíram de
forma inconteste para o êxito dessa primeira etapa acadêmica.
Aos professores do PPGEST externo o meu muito obrigado pelos conhecimentos
transmitidos e, principalmente, pela exemplo de dedicação.
Aos amigos e amigas, mestrandos com quem trilhei essa jornada acadêmica, agradeço
pelo muito que aprendi com todos.
Não poderia deixar de agradecer a dona Graça dos Reis Gonçalves, Chefe da
Secretaria do PPGEST, pelo auxílio nas questões administrativas que surgiram ao longo dos
dois anos do mestrado.
Finalmente, e acima de tudo, agradeço a Deus por todas as bênçãos em minha vida,
esta em especial.
RESUMO

SILVA, Marcos Valle Machado da. Os atentados de 11 de setembro de 2001 e o despontar da


persuasão neoconservadora no governo George W. Bush. 2011. 153 f. Dissertação (Mestrado
em Estudos Estratégicos da Defesa e Segurança) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011.

O Objetivo Geral deste trabalho consiste em analisar se após os atentados de 11 de


setembro de 2001, a administração George W. Bush reorientou a política externa dos EUA
para o emprego do Poder Militar, de forma preemptiva e unilateral, em consonância com o
pensamento neoconservador. Para consecução deste objetivo, a dissertação está estruturada
em três eixos: identificar a gênese e a essência do pensamento neoconservador; analisar e
avaliar o peso do pensamento neoconservador no núcleo central de decisão da política externa
do governo Bush, após os atentados de 11 de setembro de 2001; e analisar a penetração do
pensamento neoconservador nos documentos normativos estratégicos de maior relevância da
Administração George W. Bush, isto é, a National Security Strategy (NSS) 2002 e 2006. Cada
um desses eixos corresponde a um capítulo da dissertação. Assim, o primeiro deles visa
identificar a gênese do pensamento neocon e evidenciar seus pontos centrais, com destaque
para aqueles concernentes às questões de política externa. O segundo capítulo busca avaliar
em “se” e em que grau o pensamento neocon esteve presente na administração George W.
Bush, tomando por base analítica, à luz da Teoria de Unidades de Decisão, três decisões da
Administração Bush: a declaração da “Guerra contra o Terror”, a Guerra no Afeganistão e a
Guerra no Iraque. Já o Capítulo 3 corresponde a analise do conteúdo da NSS 2002 e da NSS
2006, quanto à convergência com os pontos centrais do pensamento neoconservador,
principalmente no que tange à “ação militar preemptiva”. O trabalho é finalizado com as
considerações finais acerca da “Guerra contra o Terror” e da reestruturação da política externa
da administração George W. Bush para um crescente unilateralismo, calcado no emprego da
força militar e normatizado pela possibilidade da “ação militar preemptiva”, em consonância
com os pontos centrais do chamado pensamento neoconservador, após os atentados de 11 de
setembro de 2001.

Palavras-Chave: Ação Militar Preemptiva. Administração George W. Bush. “Guerra contra o


Terror”. National Security Strategy (NSS) 2002 e 2006. Pensamento Neoconservador. Política
Externa dos EUA.
ABSTRACT

The aim of this work is to analyze whether after the attacks of September 11, 2001, the
George W. Bush administration reoriented U.S. foreign policy for the employment of military
power, so preemptive and unilateral, in line with neoconservative thinking. To achieve this
objective, the dissertation is structured in three main axis: identifying the origin and essence
of neoconservative thought, analyze and evaluate the weight of neoconservative thought on
the central core of foreign policy decision of the Bush administration after the attacks of
September 11; and analyze the penetration of neo-conservative thinking in the most relevant
strategic regulatory documents of George W. Bush administration, that is, the National
Security Strategy (NSS) 2002 and 2006. Each of these axes corresponds to a chapter of the
dissertation. Thus, the first one is to identify the genesis of neocon thinking and highlight its
key points, especially those pertaining to foreign policy issues. The second chapter seeks to
assess "if" and to what degree the neocon thought was present in the administration George
W. Bush, using as analytical base, according to the Theory of Decision Units, three decisions
of the Bush administration: the declaration of the "War on Terror", the war in Afghanistan
and the war in Iraq. Chapter 3 analyzes the content of the NSS and the NSS 2002, 2006,
regarding the convergence of the central points of neoconservative thought, especially
regarding the "preemptive military action." The job ends with concluding remarks about the
"War on Terror" and the restructuring of the George W. Bush administration’s foreign policy
to a growing unilateralism, rooted in the use of military force and regulated by the possibility
of "preemptive military action", in line with the central points of neoconservative thinking,
after the attacks of September 11, 2001.

Keywords: George W. Bush Administration. Preemptive Military Action. National Security


Strategy (NSS) 2002 e 2006. Neoconservative Thinking. United States Foreign Policy. "War
on Terror".
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 - Síntese dos pontos centrais do pensamento neoconservador


estadunidense ............................................................................................. 33

Gráfico 1 - Identificação política da população estadunidense 1992- 2011 ................. 41

Quadro 2 - Síntese dos pontos centrais do pensamento neoconservador


estadunidense acerca da política externa ................................................... 48

Figura 1 - Relações entre os componentes do Modelo de Unidades de Decisão ........ 57

Quadro 3 - Composição do NSC durante o período 2001-2003 ................................... 65

Figura 2 - Aplicação do Modelo teórico selecionado para análise da Decisão de


desencadear a “Guerra contra o Terror” .......................…………………. 73

Quadro 4 - Composição do NSC na reunião de 15 de setembro de 2001 ..................... 76

Figura 3 - Aplicação do Modelo teórico selecionado para análise da Decisão de


desencadear a Guerra no Afeganistão ........................................................ 79

Quadro 5 - Signatários da Carta ao presidente Clinton em 1998 e com cargos na


administração Bush em 2001 ..................................................................... 84

Figura 4 - Preferências Reveladas na decisão da Guerra no Iraque ............................ 93

Figura 5 - Aplicação do Modelo teórico selecionado para análise da Decisão de


desencadear a Guerra no Iraque ...................................………………….. 96

Quadro 6 - Correlação entre os motivos da Guerra no Iraque e os Pontos Centrais do


Pensamento Neoconservador ..................................................................... 100

Quadro 7 - Convergência das ações estratégicas contidas na NSS 2002 com os


Pontos Centrais do Pensamento Neoconservador....................................... 111

Quadro 8 - Convergência das ações estratégicas contidas na NSS 2006 com os


Pontos Centrais do Pensamento Neoconservador ...................................... 125
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABM Anti-Ballistic Missile (Míssil Anti-Balístico)


ADM Armas de Destruição em Massa
CENTCOM United States Central Command
AEI American Enterprise Institute
CPD Committee on the Present Danger
DPG Defense Planning Guide
EOP Executive Office of the President (Escritório Executivo do Presidente)
NSC National Security Council (Conselho de Segurança Nacional)
NSS National Security Strategy
ONU Organização das Nações Unidas
OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte
PNAC Project for a New America Century
RDPC República Democrática Popular da Coréia
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................... 11
1 O NEOCONSERVADORISMO NOS EUA ....................................................... 16
1.1 A Gênese do Neoconservadorismo nos EUA ...................................................... 17
1.1.1 O Tradicionalismo .................................................................................................. 22
1.1.2 O Libertarianismo ................................................................................................... 22
1.1.3 O Neoconservadorismo .......................................................................................... 24
1.2 Pontos Centrais do Pensamento Neoconservador ............................................. 28
1.3 Política Externa e o Pensamento Neoconservador ............................................ 34
1.4 A Administração George W. Bush e o Neoconservadorismo ........................... 49
2 O PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO EM POLÍTICA EXTERNA
NOS EUA .............................................................................................................. 54
2.1 Margareth Hermann e o Modelo das Unidades de Decisão ............................. 56
2.1.1 Iniciando o Processo – o Reconhecimento de um Problema e a Ocasião para a
Decisão ................................................................................................................... 57
2.1.2 A Unidade de Decisão dominante .......................................................................... 58
2.1.2.1 Determinando a Unidade de Decisão Dominante em uma Ocasião para a
Decisão ................................................................................................................... 58
2.1.3 Condições Estruturais que Favorecem a Ação do Líder Predominante ................. 59
2.1.4 Condições Estruturais que Favorecem a Ação de um Grupo Único ...................... 59
2.1.5 Condições Estruturais que Favorecem a Ação da Coalizão de Agentes
Autônomos ............................................................................................................. 60
2.1.6 Determinando a Unidade de Decisão Dominante .................................................. 61
2.1.7 Resultados do Processo de Decisão ........................................................................ 61
2.2 A Estrutura Formal do Governo dos EUA ........................................................ 63
2.3 Identificando a Unidade de Decisão Dominante, em Política Externa, no
Primeiro Mandato de George W. Bush .............................................................. 66
2.4 Analisando a Coesão dos Vulcans e o Tipo de Resultado do Processo
Decisório ................................................................................................................ 68
2.5 A Ocasião para a Decisão: Os atentados de 11 de setembro de 2001 .............. 71
2.6 A decisão de invadir o Afeganistão e derrubar o Regime Talibã .................... 75
2.6.1 Analisando os pontos de contato da decisão da Guerra no Afeganistão com o
pensamento neoconservador ................................................................................... 79

2.7 A decisão de invadir o Iraque e derrubar Saddam Hussein ............................. 82


2.7.1 Analisando os pontos de contato da decisão da Guerra no Iraque com o
pensamento neoconservador ................................................................................... 98
3 A ESTRATÉGIA DE SEGURANÇA NACIONAL (2002 E 2006) E O
PENSAMENTO NEOCONSERVADOR .......................................................... 101
3.1 A NSS 2002 ........................................................................................................... 103
3.2 A NSS 2006 ........................................................................................................... 113
4 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 127
REFERÊNCIAS ................................................................................................... 137
APÊNDICE A - Síntese Biográfica dos principais personagens mencionados .... 145
APÊNDICE B - Importações de Petróleo dos EUA: 2000 - 2009 ........................ 153
11

INTRODUÇÃO

Estudos acerca da política externa dos Estados Unidos da América (EUA) têm
despontado na área acadêmica brasileira, principalmente após os atentados de 11 de setembro
de 2001. A administração George W. Bush é objeto de estudo de várias teses, dissertações,
monografias, ensaios e artigos de acadêmicos brasileiros. A maioria das análises resulta em
conclusões depreciativas acerca da política externa dos dois mandatos daquele presidente,
usualmente percebida como “capturada” por expoentes do chamado neoconservadorismo
estadunidense, supostamente presentes nos escalões decisórios mais elevados do executivo
dos EUA, nos dois mandatos do presidente George W. Bush. Nesse sentido, duas das marcas
da política externa da administração George W. Bush, a “Guerra contra o Terror” e a
possibilidade da “ação militar preemptiva1” são, muitas vezes, identificadas como fatores
causais de uma crescente percepção de insegurança e instabilidade no sistema internacional.
Neste contexto, passada uma década desde os atentados de 11 de setembro de 2001, esta
dissertação é uma contribuição adicional ao estudo da política externa dos EUA e tem como
Objeto de Estudo, as relações entre o pensamento neoconservador (neocon) estadunidense e a
"ação militar preemptiva", no contexto da chamada "Guerra contra o Terror". A moldura
temporal abrange o período compreendido entre 2001 a 2008, isto é, os dois mandatos do
presidente George W. Bush.
Como forma de contextualizar os antecedentes do Objeto de Estudo supracitado, é
pertinente recordar que o início da década de 1990 marcou a ascensão dos EUA como a única
superpotência do globo. O colapso da União Soviética, a coalizão montada contra o Iraque e a
fácil vitória militar contra esse país, bem como o crescimento da economia estadunidense,
proporcionaram a percepção de que os EUA se mostravam insuperáveis no aspecto militar,
econômico e cultural. Essa sensação de invencibilidade e invulnerabilidade refletia-se na
postura de muitos dos formuladores da política externa estadunidense que, gradativamente,
passaram a atuar sem levar em conta outros atores do sistema internacional.
Há que se considerar que, mesmo durante os dois mandatos do presidente Clinton, o
Congresso e vários expoentes da política externa dos EUA, já apontavam para uma postura
estratégica que tendia ao unilateralismo, pautado pela defesa dos interesses imediatos da
superpotência norte-americana. Neste contexto, os EUA deram as costas para diversos e
significativos acordos, normas e fóruns de negociação internacional. Esse processo é hoje
1
Uma ação militar iniciada em decorrência de uma evidência incontroversa de que um ataque inimigo é iminente
(USA, 2010, Department of Defense. Dictionary of Military and Associated Terms. JP 1-02, p. 369).
12

facilmente percebido ao vermos que, no período compreendido entre 1997 e 2000, o governo
estadunidense se recusou a assinar importantes tratados internacionais2. Com a eleição de
George W. Bush para presidente dos EUA, essas posições ganharam ímpeto. Um exemplo
disso foi o Protocolo de Kyoto, assinado pelo Presidente Bill Clinton em 1997 e retirado,
definitivamente, pelo presidente George W. Bush, da pauta de futuro encaminhamento ao
Senado, em março de 2001. Outro exemplo foi a decisão unilateral de retirar-se do Tratado de
Mísseis Antibalísticos3 (Antiballistic Missile Treaty – ABM), em dezembro de 2001, assinado
com a então URSS e que vigorava desde 1972.
Entretanto, a sensação de invulnerabilidade estadunidense foi abruptamente cortada no
dia 11 de setembro de 2001. Nesta data, quatro aeronaves comerciais foram seqüestradas por
terroristas da rede al-Qaeda, sendo que duas delas foram jogadas contra as torres gêmeas do
World Trade Center, e uma contra o Pentágono. A quarta aeronave, o Vôo 93 da United
Airlines, caiu em uma área rural na Pensilvânia, em decorrência da reação dos passageiros
contra os terroristas impedindo, assim, que um quarto alvo fosse atingido. Essas ações
simultâneas paralisaram, ainda que momentaneamente, a superpotência norte-americana. No
entanto, a resposta veio rapidamente e na forma de uma declaração de “Guerra contra o
Terror”, anunciada pelo presidente George W. Bush, no seu discurso no Congresso, na sessão
conjunta do dia 20 de setembro de 2001:

No dia 11 de setembro de 2001, os inimigos da liberdade cometeram um ato de


Guerra contra o nosso país. [...] Nossa Guerra contra o terror começa com a al
Qaeda, mas não termina aí. Não terminará até que cada grupo terrorista de alcance
global seja encontrado, parado e derrotado. [...] Deste dia em diante, qualquer nação
que continue a apoiar ou abrigar o terrorismo, será considerada, pelos Estados
Unidos, como um regime hostil. [...]4 (Tradução nossa).

2
Como exemplos podemos citar que, em dezembro de 1997, o governo estadunidense rejeitou o Tratado sobre a
Proibição de Minas Terrestres, bem como em julho de 1998, rejeitou a participação dos EUA no Tribunal
Penal Internacional. O artigo de Richard Du Boff, publicado pelo Centre for Research on Globalization,
apresenta 21 tratados e acordos multilaterais rejeitados pelos EUA, até dezembro de 2001 (DU BOFF, 2001).
3
Em maio de 1972 foi assinado, com a URSS, o Tratado sobre Mísseis Anti-Balísticos (Anti-Ballistic Missile -
ABM) que limitava os sistemas de defesa antimíssil a duas áreas de lançamento, com um número máximo de
100 mísseis interceptadores para cada uma das duas superpotências. Posteriormente, em 1974, uma revisão
deste tratado limitou ainda mais a defesa estratégica antimísseis, permitindo apenas uma área de lançamento
para cada lado. O objetivo do Tratado ABM era, em essência, proibir o desenvolvimento em larga escala de
mísseis estratégicos antimísseis, de modo que a Destruição Mútua Assegurada, continuasse a ser uma premissa
nos cálculos de segurança das duas superpotências (GRAHAM, 2004, p. 90-91).
4
“On September the 11th, enemies of freedom committed an act of war against our country. […] Our war on
terror begins with al Qaeda, but it does not end there. It will not end until every terrorist group of global
reach has been found, stopped and defeated. […] From this day forward, any nation that continues to harbor
or support terrorism will be regarded by the United States as a hostile regime” (USA. Homeland Security
Department. Speeches and Statements. Address to a Joint Session of Congress and the American People
<http://www.dhs.gov/xnews/speeches/speech_0016.shtm>).
13

Nesse contexto, é pertinente questionar se dentro do processo de formulação e tomada


de decisão de política externa do governo George W. Bush existia uma visão de mundo,
compartilhada, pelos atores que participaram desse processo, e se este núcleo de ideias
compartilhadas estaria em consonância com o chamado “pensamento neoconservador”
(neocon), tal qual apontam os críticos da administração Bush. Se essa visão de mundo
compartilhada existia, cabe também questionarmos quais foram seus reflexos sobre a política
externa estadunidense, à luz de um modelo teórico que lide com esse contexto e proporcione
um poder explanatório forte o suficiente para analisarmos o processo de formulação e tomada
de decisão de política externa do governo George W. Bush, após os atentados de 11 de
setembro de 2001. É importante relembrar que o presidente em pauta, montou sua equipe de
governo, no âmbito da formulação e decisão da política externa, com integrantes que, em sua
maioria, haviam exercido funções nos Departamento de Estado e Defesa, durante os governos
Ronald Reagan e George H. W. Bush (o vice-presidente Richard Cheney, o Secretário de
Defesa Donald Runsfeld, o Secretário de Estado Collin Powell, bem como Paul Wolfowitz e
Richard Perle, entre vários outros assessores do segundo escalão do executivo). Como
veremos ao longo deste trabalho, alguns desses personagens são apontados, pelos críticos do
governo George W. Bush, como expoentes do pensamento neocon.
O que pretendemos contextualizar nessa Introdução ao presente trabalho é que,
naquele momento de unipolaridade do sistema internacional, bem como de ímpeto de
posições unilateralistas por parte de expressivos segmentos relacionados com a formulação e
execução da política externa dos EUA, ocorreram os atentados de 11 de setembro de 2001,
que cortaram, abruptamente, a percepção de invulnerabilidade da superpotência estadunidense
e conduziram a uma nova postura no que tange às decisões de política externa, por parte da
administração George W. Bush. Nesse contexto, um Questionamento Central nos pareceu
pertinente: A “Guerra contra o Terror” reflete a reorientação da política externa dos EUA para
o emprego preventivo do seu Poder Militar, em consonância com o denominado pensamento
neoconservador?
A partir dessa Questão-Chave, outras Questões Correlatas foram formuladas: Que
postura estratégica reflete a expressão “Guerra contra o Terror”? Essa postura foi elaborada
somente após os atentados de 11 de setembro de 2001, ou já se encontrava subjacente entre
um segmento expressivo de formuladores da política externa estadunidense? Ela reflete os
pontos centrais do chamado pensamento neocon? Quais são esses pontos centrais? Quais seus
principais expoentes? O círculo decisório da política externa dos EUA foi ocupado por
indivíduos que se identificavam com o pensamento neocon? Se isso ocorreu, qual o impacto
14

que teve sobre a formulação dessa política externa? Se não ocorreu, existe um modelo teórico
que explique esse processo de formulação e decisão da política externa dos EUA, em
consonância com um núcleo central de ideias, que após o 11 de setembro de 2001, poderia ser
percebido como próximo ao neoconservadorismo?
As questões supracitadas motivaram a elaboração da presente dissertação, cujo Objeto
de Estudo (OE), conforme exposto no início da presente Introdução, consiste nas relações
entre o pensamento neoconservador estadunidense e a "ação militar preemptiva", no contexto
da chamada "Guerra contra o Terror". A moldura temporal abrange o período compreendido
entre 2001 a 2008, isto é, os dois mandatos do presidente George W. Bush.
Assim sendo, o Objetivo Geral deste trabalho consiste em analisar se após os atentados
de 11 de setembro de 2001, a administração George W. Bush reorientou a política externa dos
EUA para o emprego do Poder Militar, de forma preemptiva e unilateral, em consonância
com o pensamento neoconservador.
Para a consecução do Objetivo Geral supracitado o trabalho foi estruturado em torno
de três Objetivos Específicos a seguir apresentados:
a) Identificar a gênese do pensamento neoconservador, seus pontos centrais, assim
como seus principais expoentes e seu alcance na Administração George W. Bush.
b) Analisar o processo de decisório da política externa do governo George W. Bush, à
luz da Teoria de Unidades de Decisão5, a fim de identificar qual o lócus decisório e quais os
atores participantes desse processo, bem como qual o peso da coesão de ideias, isto é, do
pensamento neoconservador, sobre os resultados desse processo, no governo George. W.
Bush, após os atentados de 11 de setembro de 2001.
c) Analisar se a Estratégia de Segurança Nacional dos EUA (National Security
Strategy – NSS), lançada em 2002 e a subseqüente NSS, divulgada em 2006, são consonantes
com os pontos centrais do pensamento neoconservador, principalmente no que tange à “ação
militar preemptiva”.
Os Objetivos Específicos supracitados são explorados ao longo dos três capítulos da
presente dissertação. Assim, o Capítulo 1, corresponde ao esforço de pesquisa para
alcançarmos o primeiro Objetivo Específico apresentado, isto é, identificar a gênese do
pensamento neocon; seus pontos centrais, com destaque para aqueles concernentes às
questões de política externa; e seu alcance na Administração George W. Bush.

5
Tal como apresentada por Margareth H. Hermann, em How Decision Units Shape Foreign Policy (Vide
Referências Bibliográficas) (Nota do autor).
15

O Capítulo 2 está correlacionado com o segundo Objetivo Específico apresentado, ou


seja, analisar o processo decisório da política externa do governo George W. Bush, à luz de
um modelo teórico já consolidado, de modo a evidenciar seu lócus decisório e o peso das
ideias, bem como o grau de coesão em relação a essas ideias, no caso, os pontos centrais do
pensamento neoconservador, no processo supracitado. Deste modo, o capítulo em pauta
permitirá avaliar em “se” e em que grau o pensamento neocon esteve presente na
administração George W. Bush, tomando por base analítica, à luz do modelo teórico
selecionado (Teoria de Unidades de Decisão), três decisões da Administração Bush: a
declaração da “Guerra contra o Terror”, a Guerra no Afeganistão e a Guerra no Iraque. Assim,
o Capítulo 2 congrega a análise e avaliação do peso do pensamento neoconservador, bem
como do seu grau de coesão no núcleo central de formulação e decisão da política externa do
governo Bush, após os atentados de 11 de setembro de 2001.
Já o Capítulo 3 corresponde à consecução do terceiro Objetivo Específico, isto é,
analisar se a NSS 2002 e 2006 têm seus respectivos conteúdos normativos, acerca da política
externa, consonantes com os pontos centrais do pensamento neoconservador, principalmente
no que tange à “ação militar preemptiva”. Para tanto, foi efetuada uma comparação entre as
ações estratégicas prescritas nestes dois documentos, com os pontos centrais do pensamento
neocon, evidenciados no primeiro capítulo desta dissertação.
O trabalho é finalizado com a constatação de que a “Guerra contra o Terror”, um dos
alicerces da Estratégia de Segurança Nacional da administração George W. Bush, após os
atentados de 11 de setembro de 2001, foi uma metáfora6 empregada por aquele governo, que
catalisou a coesão nacional e, posteriormente, permitiu a reestruturação da política externa
estadunidense com base no unilateralismo, calcado no emprego da força militar e normatizado
pela possibilidade da “ação militar preemptiva”, em consonância com os pontos centrais do
chamado pensamento neoconservador, mesmo sem expoentes deste sistema ideacional no
primeiro escalão da administração George W. Bush. Essa reestruturação foi exposta de forma
normativa no documento estratégico de mais alto nível do governo estadunidense, isto é, a
National Security Strategy (2002 e 2006).

6
Cabe aqui observar o sentido do termo metáfora como sendo o emprego de uma palavra em um sentido
figurado, o que permite que se transfiram atributos de um conjunto de circunstâncias para outro, a fim de que
se possa expressar uma percepção da realidade. Entendida desse modo, a metáfora de uma “Guerra contra o
Terror” expressava tanto a intenção do governo Bush de confrontar e derrotar aqueles que perpetraram os
ataques de 11 de setembro, quanto os sentimentos da nação agredida (Nota do autor).
16

1 O NEOCONSERVADORISMO NOS EUA

O Objetivo do presente capítulo é analisar e evidenciar os pontos centrais do chamado


pensamento neoconservador estadunidense, destacando aqueles afetos às questões de política
externa e em que momento esses pontos mostraram-se coerentes com a realidade que se
apresentava aos decisores da política externa dos EUA, bem como seu alcance na
administração George W. Bush. Foge ao propósito do presente trabalho detalhar as origens e
as raízes históricas do neoconservadorismo, tema já explorado em trabalhos acadêmicos
brasileiros de qualidade7. Assim sendo, nosso corte temporal será aquele em que o termo
neoconservadorismo começa a ser utilizado, nos EUA, para definir um conjunto de ideias
específico, bem como a ter indivíduos definido-se como neoconservadores, isto é, o período
que se inicia na década de 1970.
Naquela década, dois eventos singulares marcaram os EUA, um de caráter interno e
outro externo. Internamente, a sociedade estadunidense vivia um período de turbulência
decorrente do movimento denominado contracultura, caracterizado, em linhas gerais, pela
crítica aos valores "americanos" e à Guerra do Vietnã. Externamente, a détente era a palavra
de ordem e o governo Nixon buscava reduzir a tensão e o clima de confronto com a URSS. Os
dois eventos marcam o despertar de um corpo de ideias reativas a esses dois fatores e que, ao
longo das décadas seguintes foi ampliado, sistematizado e dotado de coerência, de modo que
chegou ao início do século XXI como um conjunto de ideias que guarda pontos de tangência
com os principais paradigmas das relações internacionais – o realismo e o liberalismo -, bem
como com o pensamento político liberal e conservador. Conforme será exposto no presente
capítulo, essa característica faz com que o pensamento neoconservador tenha uma aceitação,
ao menos de parte de seus pontos centrais, por um segmento expressivo da sociedade
estadunidense. Porém, seu conjunto central de proposições, observado como um todo,
desponta como algo único no pensamento político estadunidense sem, no entanto, poder ser
considerado um corpo teórico no sentido estrito da palavra. Frisamos a expressão “seu
conjunto central de proposições”, haja vista que existem, conforme será analisado e
evidenciado nesse trabalho, variações entre as posições específicas dos que se intitulam
neoconservadores. No entanto, existe um núcleo central de pontos em comum que são o cerne
do chamado pensamento neoconservador e que serão evidenciados no presente capítulo.

7
Notadamente o livro O pensamento neoconservador em política externa nos Estados Unidos, de autoria de
Carlos Augusto Poggio Teixeira, publicado pela UNESP, em 2010 (Vide Referências Bibliográficas) (Nota do
autor).
17

1.1 A Gênese do Neoconservadorismo nos EUA

O neoconservadorismo tornou-se a palavra central em relação à administração Bush,


após os atentados de 11 de setembro e, mais ainda, depois da invasão do Iraque em 2003.
Mas, no consiste esse chamado neoconservadorismo estadunidense? Como e no que esse
neoconservadorismo se distingue do denominado pensamento conservador? Qual a sua
influência sobre o a sociedade e governo dos EUA?
Irving Kristol8, o fundador das revistas The National Interest e The Public Interest,
dois dos principais veículos na mídia impressa para divulgação do pensamento neocon, e
sobre as quais falaremos ainda nesse capítulo, é considerado como o “avô dos
neoconservadores” por ter difundido as ideias associadas ao termo com o qual ele e outros
foram, inicialmente, denominados de forma pejorativa. Kristol também é o autor de
Neoconservatism: The autobiography of an Idea9 (1999), obra que sistematiza o chamado
pensamento neoconservador em diversos aspectos da vida política, econômica e cultural da
sociedade estadunidense. Esse ícone do neoconservadorismo inicia seu artigo The
Neoconservative Persuasion (Kristol, 2004, p. 33), com a seguinte indagação: “O que
exatamente é o neoconservadorismo?10” (Tradução nossa). Kristol responde a essa questão
apontando que: “[...] desde sua origem entre intelectuais liberais desiludidos, nos anos 1970, o
que nós chamamos de neoconservadorismo tem sido uma daquelas tendências intelectuais
ocultas que emergem apenas intermitentemente11” (Ibid., p. 33) (Tradução nossa).
Deixando claro que não se trata de um “movimento”, Kristol situa o
neoconservadorismo como “[...] a ‘persuasão’, que se manifesta por certo tempo, mas
irregularmente, e cujo significado só percebemos claramente em retrospecto12” (Ibid., p. 33)
(Tradução nossa).

8
O Apêndice A apresenta uma síntese biográfica de Irving Kristol e de outros expoentes do pensamento
neoconservador citados no presente trabalho, bem como de alguns personagens históricos, não
necessariamente ligados ao neoconservadorismo, mas também citados ao longo desta dissertação (Nota do
autor).
9
Vide Referências bibliográficas (Nota do autor).
10
“What exactly is neoconservatism?” (KRISTOL, 2004, p. 33).
11
“[...] ever since its origin among disillusioned liberal intellectuals in the 1970s, what we call neoconservatism
has been one of those intellectual undercurrents that surface only intermittently” (Ibid., p.33).
12
“[…] a ‘persuasion’ that manifests itself over time, but erratically, and one whose meaning we clearly glimpse
only in retrospect” (Ibid., p. 33).
18

Jeane Kirkpatrick13, em seu artigo Neoconservatism as a Response to the Counter-


Culture (2004, p. 235), diz que se sentiu intrigada quando, em 1972, foi chamada pela
primeira vez de neoconservadora: “A designação 'neoconservadora' me intrigou. Eu nunca
tinha pensado em mim como uma conservadora em qualquer questão. O que é um
neoconservador?14” A partir de conversas com Irving Kristol, Jeane Kirkpatrick diz que se
convenceu de que um neoconservador é uma pessoa com um passado liberal, sendo essa a
principal distinção entre um conservador e um neoconservador. Ela amplia sua visão acerca
do neoconservador da seguinte forma: “[...] o neoconservadorismo nasceu de uma reação à
contracultura que dominou a política americana através dos anos sessenta e setenta15” (Ibid.,
p. 235) (tradução nossa).
A contracultura foi mais do que o movimento contra Guerra do Vietnã, constituindo
uma ampla rejeição às tradicionais atitudes, valores e objetivos “americanos”. A contracultura
criticava e repudiava praticamente todos os aspectos da vida e cultura estadunidense. O
movimento propagou-se nas cidades, campi universitários e redações de inúmeros periódicos
dos EUA, desafiando as crenças básicas “americanas” e questionando o papel conferido ao
poder dos EUA. Kirkpatrick aponta que na primeira metade da década de 1970, a
contracultura tinha progressivamente radicalizado a vida intelectual dos EUA. Na mídia, nas
universidades, nas demonstrações e debates públicos, um grande número de estadunidenses
partiu para a crítica contundente ao American way of life. No contexto da Guerra do Vietnã e
da Guerra Fria, o inimigo passava a ser a própria sociedade estadunidense e seus valores
(Ibid., p. 235-236; 239).

Enquanto os Estados Unidos foram percebidos como uma sociedade virtuosa, as


políticas que fortaleciam o poder Americano eram também vistas como virtuosas. A
moralidade e o poder Americano estão ligados de maneira indissolúvel. Mas, com os
EUA definidos como uma sociedade essencialmente imoral, valorizar ou fortalecer o
poder foram percebidos como algo imoral. A moralidade, agora, requer a
transformação da nossa sociedade vista como falida, e não o fortalecimento do seu
poder16 (KIRKPATRICK, 2004, p. 236) (Tradução nossa).

13
Vide Apêndice A, para síntese biográfica correspondente (Nota do autor).
14
“The ‘neoconservative’ designation puzzled me. I had never thought of myself as a conservative of any kind.
What is a neoconservative?” (KIRKPATRICK, 2004, p. 235).
15
“[…] the neoconservative was born from a reaction to the counter-culture that dominated American politics
through the sixties and seventies” (Ibid., p. 235).
16
“As long as the United States was perceived as a virtuous society, policies that enhanced American Power
were also seen as virtuous. Morality and American Power were indissolubly linked in the traditional
conception. But with the U.S. defined as an essentially immoral society, valuing and/or enhancing power were
perceived as immoral. Morality now required transforming our deeply flawed society, not enhancing its
power” (Ibid., p. 236).
19

Segundo Kirkpatrick (2004, p. 239), toda representação de autoridade – pais, policiais,


presidente, juízes, governadores – eram atacados com veemência. Nas principais
universidades dos EUA – Columbia, Berkeley, Harvard, Kent State, etc. – os fundamentos do
liberalismo e da democracia eram repudiados, e seus defensores atacados. Desse modo, o
aspecto central do movimento era menos a rejeição da Guerra do Vietnã do que a rejeição aos
EUA. O argumento central não era o de que a guerra era desnecessária, mas sim que o país
era “imoral – uma sociedade doente – culpada de racismo, materialismo, imperialismo e
assassinato de pessoas do Terceiro Mundo no Vietnã” (Ibid., p. 239).
No entanto, muitos liberais ligados ao Partido Democrata acreditavam que, embora
imperfeita, a sociedade “americana” era uma sociedade de sucesso, capaz de prover liberdade
e um padrão de vida decente à maioria de seus cidadãos. Para esses estadunidenses, sem
dúvida sua sociedade poderia ser melhorada, mas antes ela devia ser preservada (Ibid., p.
240).
Nas primárias do partido democrata para as eleições presidenciais de 1972, uma parte
dos democratas que estava descontente com esse discurso negativista, apoiou o pré-candidato
Henry “Scoop” Jackson, que criticava o engajamento americano no Vietnã, mas ressaltava
que isso não podia se transformar em uma postura complacente ou derrotista frente a URSS.
Entre os democratas que o apoiavam estavam, por exemplo, Irving Kristol, Jeane Kirkpatrick,
Richard Perle e Elliot Abrams. O concorrente de Jackson era o senador George McGovern17,
cujas principais propostas eram: a retirada imediata das forças militares dos EUA que estavam
no Vietnã, o anúncio da indiferença à expansão do comunismo no sudeste asiático, dentro de
um contexto revisionista que colocava os EUA como o principal responsável pela Guerra Fria
(Ibid., p. 240).
Foi nessa época que um intelectual de esquerda, Michael Harrington, lança um rótulo
sobre aqueles democratas que apoiavam Henry “Scoop” Jackson: “vocês não são mais gente
de esquerda, vocês são neoconservadores” (FRACHON; VERNET, 2006, p. 42). Essa,
segundo Irving Kristol, foi a origem do termo neoconservador que, naquele contexto, tinha o
sentido de “renegados” e inicialmente causou surpresa e rejeição, mas depois foi aceito como
uma marca que distinguia uma nova corrente do pensamento político estadunidense
(KRISTOL, 1999, p. 33).
Outro fator relevante no entendimento da emersão do pensamento neoconservador foi
decorrente da política externa do governo Nixon, ou seja, a détente com a URSS. Os mesmos

17
George McGovern foi escolhido pelo partido democrata para disputar as eleições presidenciais com o
candidato do partido republicano Richard Nixon, sendo por este derrotado (Nota do autor).
20

liberais que se opunham aos excessos da contracultura também criticavam essa postura
estratégica, defendendo uma atitude de enfrentamento dos regimes comunistas, o que os
colocava numa posição de distanciamento da administração Nixon, mas não do Partido
Republicano. A abordagem voltada para confrontar o comunismo e a expansão soviética
ganhou eco no Think Tank denominado Committee on the Present Danger18 (CPD),
originalmente criado em 1950 para construir um consenso nacional em prol da Política de
Contenção do presidente Truman. Na década de 1970, no contexto de oposição à détente, um
CPD renovado voltou a emergir, tendo como missão construir uma política afirmativa
destinada a promover a segurança dos Estados Unidos e seus aliados, bem como alertar para o
risco inerente de "apaziguar" o totalitarismo. Em outras palavras, prescreviam a adoção de
uma postura mais forte contra a URSS, caso os EUA desejassem vencer a chamada Guerra
Fria.
Nesse contexto, os intelectuais liberais, então ligados ou simpatizantes do partido
democrata que assumiram um posicionamento crítico sobre os rumos da política interna e
externa dos EUA, notadamente opondo-se à contracultura e a détente, receberam e, ao longo
do tempo, aceitaram a alcunha de neoconservadores. Uma parte desse grupo estava
essencialmente voltada para as questões, domésticas, isto é, a política interna, entre eles
destacavam-se: Irving Kristol, Daniel Patrick Moynihan, James Q. Wilson e Nathan Glazer19.
A outra parte desses “dissidentes” tinha como foco a política externa, particularmente o
aparente declínio da posição dos EUA frente à URSS, dentro do contexto da derrota no
Vietnã. Nesse grupo encontravam-se Jeane Kirkpatrick, Norman Podhoretz e Eugene V.
Rostow20 (MURAVICHIK, 2004, p. 244).
Essa pode ser considerada a primeira geração de neoconservadores nos EUA e alguns
periódicos tornaram-se os veículos de disseminação das ideias desses “liberais desiludidos”.

18
O Committee on the Present Danger (CPD) é uma organização que se define com não-partidária, tendo como
meta presente, o fortalecimento da decisão estadunidense de confrontar o desafio atual do terrorismo e as
ideologias que o promovem. Atualmente, o CPD retorna para confrontar uma nova ameaça: o islamismo
militante e o terrorismo que ele propaga. Em 2010, o CPD possuía entre seus membros mais de cem ex-
funcionários da Casa Branca, embaixadores, acadêmicos, escritores e vários peritos em política externa, sendo
co-presidido pelo ex-secretário de Estado George Shultz e pelo ex-diretor da Agência Central de Inteligência
(CIA) James Woolsey (Committee on the Present Danger. Mission.
<http://www.committeeonthepresentdanger.org/index.php?option=com_content&view=article&id=50&Itemid
=54>).
19
Vide Apêndice A para consultar a síntese biográfica desses expoentes da primeira geração de
neoconservadores estadunidenses (Nota do autor).
20
O mesmo da nota anterior(Nota do autor).
21

Assim, as revistas Commentary21, The Public Interest22 e The National Interest23, as duas
últimas criadas por Irving Kristol, converteram-se nos principais veículos de expressão para o
pensamento desses intelectuais (AYERBE, 2006, p. 80).
Outra abordagem acerca das origens do pensamento neoconservador é apresentada por
Adam Wolfson24 (2004, p. 216) que argumenta que os contornos básicos do
neoconservadorismo emergiram no contexto de seus dois principais rivais conservadores: o
libertarianismo25 e tradicionalismo. Essas três abordagens conservadoras – o libertarianismo,
o tradicionalismo e o neoconservadorismo – começaram a tomar a forma pela qual são hoje
conhecidas logo após a Segunda Guerra Mundial. No entanto, cada uma delas tem raízes
históricas e filosóficas que serão sumarizadas nas seções seguintes. De um modo geral, o
tradicionalismo tem suas raízes em Edmund Burke; o libertarianismo em Adam Smith e mais
recentemente em Frederich Hayek; e o neoconservadorismo em Alexis de Tocqueville
(WOLFSON, 2004, p 216). Assim, Wolfson descreve os principais segmentos constituintes
de cada uma dessas abordagens conservadoras:

Aqueles de nós que lamentamos muito da vida moderna americana e encontramos


consolo em antigos caminhos herdados se apegarão ao tradicionalismo. Outros, que
celebram a liberdade e novas tecnologias, vão guinar para o libertarianismo. Aqueles
que vêem na modernidade princípios admiráveis, mas também as tendências
preocupantes, a sua persuasão será o neoconservadorismo26 (WOLFSON, 2004, p.
217) (Tradução nossa).

21
Publicada pela primeira vez em 1945, a Commentary tornou-se, na década de 1970, um dos principais veículos
de propagação do pensamento neoconservador. Os artigos publicados abordam questões acerca da fé na
democracia e nos valores democráticos num mundo ameaçado por ideologias totalitárias; a segurança do
Ocidente e dos EUA; Israel e os EUA; e preservação da cultura “americana” em meio ao colapso dos valores
morais (COMMENTARY. About Us. <http://www.commentarymagazine.com/about/>).
22
Irving Kristol, juntamente com Daniel Bell, fundou a Public Interest em 1965. Até o ano do seu encerramento
– 2005 – a revista foi uma importante plataforma para o pensamento neoconservador nos temas afetos às
questões sociais e política interna (RIGHT WEB. Irving Kristol. <http://www.rightweb.irc-
online.org/profile/Kristol_Irving>).
23
Irving Kristol fundou a National Interest em 1985 tendo como linha editorial os interesses dos EUA nas
questões internacionais. A equipe editorial da National Interest congrega escritores alinhados tanto como o
neoconservadorismo quanto com o realismo, já que desde 2001, a revista foi adquirida pelo Nixon Center.
Entre seus editores alinhados com a visão realista das Relações Internacionais estão, por exemplo, Henry
Kissinger, John J. Mearsheimer e Graham Allison (RIGHT WEB. National Interest.
<http://www.rightweb.irc-online.org/profile/National_Interest>).
24
Vide Apêndice A, para síntese biográfica correspondente (Nota do autor).
25
Termo utilizado pelo autor para traduzir o original em inglês libertarianism (Nota do autor).
26
“Those of us who regret much of modern American life and find solace in old, inherited ways will cling to
traditionalism. Others, who celebrate the new freedoms and new technologies, will turn to libertarianism. As
for those who see in modernity admirable principles but also worrisome tendencies, their persuasion will be
neoconservatism” (WOLFSON, 2004, p. 217).
22

1.1.1 O Tradicionalismo

No período seguinte a Segunda Guerra Mundial, vários pensadores dedicaram-se a


resgatar o tradicional conservadorismo de Edmund Burke para a vida pública estadunidense.
Eles se tornaram conhecidos como “novos conservadores”, sendo o mais proeminente deles
Russel Kirk, que em 1953 publicou o best-seller The Conservative Mind. O típico
conservador “americano” no período anterior à Segunda Guerra mundial era, de fato, o liberal
do século XIX – um crente no laissez-faire, no desenvolvimento científico e no progresso de
maneira ampla. A renovação do pensamento de Burke, da qual Kirk participou na década de
1950, conferiu ao conservadorismo uma nova voz, qual seja: a de que já não seria o partido
dos grandes negócios ou um apologista da sociedade burguesa. Para os novos conservadores o
problema da modernidade era a voracidade por lucros a qualquer custo (WOLFSON, 2004, p
217).
O desejo de parar, refletir, reconsiderar e talvez voltar atrás permanece vivo dentro dos
círculos conservadores do tradicionalismo, podendo ser percebido na defesa da família, na
valorização das virtudes e na sensibilidade religiosa. Além disso, na visão tradicionalista o
governo federal usurpou as prerrogativas das localidades. Assim, esse segmento do
conservadorismo olha para o passado, quase melancolicamente, em busca de uma “América”
de pequenas cidades com suas comunidades fechadas (Ibid., p 218).

1.1.2 O Libertarianismo

Para Wolfson (2004, p. 220), em contraste com os tradicionalistas, os libertarianistas


estão absolutamente a vontade no mundo atual. Orientam-se por John Locke, Adam Smith,
Stuart Mill, bem como por alguns pensadores sociais do século XX como Friedrich Hayek. O
espírito do libertarianismo é progressista e tem como proposta central expandir ainda mais a
liberdade de escolha individual e econômica, opondo-se a quase todos os tipos de regulações
sejam elas econômicas ou morais.
Nesse sentido, discute-se se o libertarianismo é, de fato, uma variante do pensamento
conservador. Para Wolfson (2004, p 220), na verdade é, pois busca conservar e ampliar as
liberdades individuais frente ao Estado, em consonância com, por exemplo,com o pensamento
23

de Locke27 e Stuart Mill28, e desde a década de 1950 tem sido um importante corpo de ideias
abraçadas pela direita estadunidense, tanto no partido republicano, quanto pelos
conservadores em geral
É pertinente observar que, aparentemente, há uma confusão entre os termos
conservadorismo libertarianista e os princípios liberais. Assim é pertinente recordar a que
“existe um liberalismo econômico que pretende dar ao mercado o maior espaço possível” e
existe, também, “um liberalismo político que insiste na igualdade de direitos, em uma
extensão tão ampla quanto possível das liberdades e também nos limites à intervenção do
Estado” (BOUDON apud AYERBE, 2006, p. 122). O libertarianismo busca conservar a
ambos, sendo, portanto incluído por Wolfson, como uma das correntes do pensamento
conservador estadunidense29.
Nesse sentido, em nenhuma outra questão a influência do libertarianismo é mais
perceptível do que na oposição conservadora ao “Big Government” e ao ceticismo com
relação ao moderno Estado de Bem-Estar Social. Tendo como referência o pensamento de
Friedrich Hayek, particularmente seu best-seller da década de 1940 - O Caminho da
Servidão30 -, esse segmento defende o progresso e as liberdades, tanto econômicas como
individuais. São contra a regulação do mercado e, conforme mencionado, desconfiam do
Welfare State e do Big Government, pois numa visão singular da obra de Hayek receiam que o

27
John Locke (1632-1704) produziu uma notável contribuição ao pensamento político, principalmente com sua
obra, hoje um clássico, da Ciência Política, Segundo Tratado sobre o Governo: um ensaio relativo sobre à
verdadeira origem, extensão e objetivo do governo civil. Nele Locke, sintetiza os limites do poder do Estado
perante o direito à vida, à liberdade e à propriedade. Assim, as instituições executivas do governo deveriam ser
regidas pela lei e que o consentimento é a base da obrigação política (LOCKE, 1979).
28
John Stuart Mill (1806-1873) é bastante conhecido por aprimorar o utilitarismo de Jeremy Bentham. No
entanto, sua obra de maior repercussão é o ensaio Sobre a Liberdade, uma apologia do individualismo liberal.
Na defesa dessa liberdade Mill deixa claro que nenhum indivíduo ou governo tem o direito de cercear a
palavra, a publicação de ideias, ou a conduta de outro indivíduo, exceto quando necessário evitar que isso
venha a causar dano a outra pessoa. Mill aborda ainda em seus ensaios a defesa do sufrágio universal e do
governo representativo, onde as minorias fossem também representadas (ADAMS; DYSON, 2006, p. 115-
119).
29
De modo geral, existe certa incoerência no uso dos termos liberal e conservador. Convém recordar, por
exemplo, que nos EUA, durante a Guerra Fria, os liberais foram associados à complacência ou simpatia para
com o socialismo e os conservadores associados ao anticomunismo. Mas, durante o esfacelamento do
comunismo no Leste europeu, no fim da década de 1980 e início de 1990, os defensores do comunismo foram
chamados de conservadores, ao passo que os pró-capitalistas foram denominados liberais (JOHNSON, 1997,
p. 51). Esse deslizamento no sentido dos termos ao longo do tempo e de lugar para lugar, gera essa aparente
confusão, cabendo essas observações complementares no presente trabalho (Nota do autor).
30
No original, The Road to Serfdom, foi escrito em 1944, como uma crítica ao totalitarismo nazista e soviético,
mas também à crescente popularidade do planejamento econômico e do socialismo no Ocidente. No Prefácio
das edições de 1956 e 1976, Hayek argumenta que a expansão do Welfare State nos EUA e na Europa
Ocidental poderia levar a uma redução da liberdade individual, em função da intervenção e regulação
crescente do Estado na vida econômica e civil da sociedade (WOLFSON, 2004, P. 221).
24

Estado que proporciona esse Bem-Estar transforme-se em um Estado hipertrofiado. No que


tange à política externa, não são isolacionistas, nem tampouco intervencionistas sistemáticos,
uma vez que identificam uma possível conjunção das operações militares no exterior, com o
consequente aumento das despesas militares, e a necessidade de um maior orçamento Estatal,
o que poderia implicar num crescimento do papel do Estado que, no limite, poderia restringir
as liberdades individuais (FRACHON; VERNET, 2006, p. 72).
No entanto, é a crítica libertarianista mais analítica e politicamente orientada que
domina os Think Tanks como o Cato Institute31, The American Enterprise Institute32 e The
Heritage Foundation33. Suas preocupações com a eficiência econômica e a liberdade
individual predominam em seus estudos e, nessa produção intelectual repousa a força das
ideias dessa corrente, aparentemente progressista, mas de fato ligada, em sentido amplo, ao
conservadorismo estadunidense (WOLFSON, 2004, p 221).

1.1.3 O Neoconservadorismo

A breve síntese do tradicionalismo e do libertarianismo permite observar que as duas


linhas de pensamento fazem oposição a regulação e aos gastos do governo, mas, além disso,
as duas abordagens compartilham pouco em comum. Os tradicionalistas acreditam que a
cultura ou a história é o fator primário nas relações humanas. Já para os libertarianistas esse
fator é a economia. Da discordância dessas duas abordagens surge o neoconservadorismo, que

31
O Instituto Cato é uma organização de pesquisa de políticas públicas - um Think Tank - dedicado aos
princípios da liberdade individual, governo limitado, mercados livres e a paz. Seus acadêmicos e analistas
conduzem pesquisas independentes, não partidárias, acerca de várias questões políticas relacionadas aos
pricípios supracitados (CATO INSTITUTE. About Cato. <http://www.cato.org/about.php>).
32
O AEI tem sua origem no American Enterprise Association (AEA), um pequeno grupo de empresários de New
York reunido em 1938 e que, no auge da Segunda Guerra Mundial, em 1943, decidiu abrir uma associação
para defender a rápida desmobilização econômica do pós-guerra e, mais genericamente, para melhorar a
compreensão do Congresso sobre as consequências econômicas das suas ações. Isso foi decorrente, dos
debates no Congresso, acerca da manutenção permanente do controle de preços e da produção, do período de
guerra, de forma a evitar que outra depressão no período de paz. Posteriormente, a Associação evoluiu para
Instituto, originando o American Enterprise Institute. Na década de 1970, alguns dos intelectuais democratas,
desiludidos com os rumos do partido, tais como, Irving Kristol, Jeane Kirkpatrick e Michael Novak,
ingressaram nas fileiras acadêmicas do AEI (AMERICAN ENTERPRISE INSTITUTE. History of AEI.
<http://www.aei.org/history>).
Atualmente, o Instituto congrega alguns dos expoentes do pensamento neocon, tais como: John R. Bolton,
Richard Perle e Paul Wolfowitz, (AMERICAN ENTERPRISE INSTITUTE. Scholars.
<http://www.aei.org/scholars>).
33
Fundada em 1973, a Heritage Foundation é um Think Tank, “cuja missão é formular e promover políticas
públicas conservadoras baseadas nos princípios da livre empresa, governo limitado, liberdade individual,
valores tradicionais americanos e uma forte defesa nacional” (THE HERITAGE FOUNDATION. About.
<http://www.heritage.org/About>).
25

vê na política em geral e na política democrática em particular, o fator chave das relações


humanas. A nostalgia do tradicionalismo pelo passado pré-iluminista e pré-industrial é
ausente no neoconservadorismo. O que não significa dizer que os neocons são proponentes de
um mercado totalmente desregulado ou que não apreciem a herança moral e espiritual
“americana”. A crítica neoconservadora ao projeto “neo-Burkeano” dos tradicionalistas é de
que esse projeto tem poucas chances de prosperar, pois um núcleo central de ideias que busca
resgatar o passado, ou a “tradição” para guiar as relações sociais ou para frear as mudanças e
inovações terá uma aceitação reduzida na sociedade estadunidense (WOLFSON, 2004, p 222-
223).
Para Kristol, o neoconservadorismo é a primeira variante do conservadorismo
estadunidense no século passado, que mantém suas origens nas raízes “americanas”. Desse
modo, Kristol argumenta que o neoconservadorismo é “esperançoso, não lúgubre,
progressista, não nostálgico, e seu tom geral é alegre, não triste ou dispéptico”34. Seus heróis
do século XX são Theodore Roosevelt, Franklin Delano Roosevelt e Ronald Reagan
(KRISTOL, 2004, p. 34). Assim, os neocons sentem-se mais a vontade nos EUA de hoje que
os tradicionais conservadores estadunidenses. Porém, a percepção entre os neocons de
constante declínio da cultura democrática, “afundando em um novo nível de vulgaridade” faz
com que guardem pontos de unidade de pensamento com os conservadores tradicionais – mas
não com os “conservadores libertarianistas” que, segundo Kristol, são conservadores em
questões econômicas, mas que se esqueceram da cultura “americana”. Assim, o desfecho das
interações entre as três abordagens conservadoras foi uma inesperada aliança entre os neocons
e os tradicionalistas religiosos (Ibid., p. 35).
É pertinente analisar quais os pontos em comum do pensamento neocon com o
fundamentalismo cristão estadunidense possibilitaram um campo de entendimento mútuo. A
percepção de que a “América” foi fundada sobre uma “ideia” é um desses pontos em comum.
No entanto, os neocons encontram essa “ideia” na Declaração de Independência de 1776. Já
os fundamentalistas cristãos encontram essa ideia no cristianismo. Por outro lado, os dois
segmentos compartilham valores: a preservação da família, a luta contra a vulgaridade e a
pornografia na cultura “americana”, a importância de uma educação de qualidade e o repúdio
ao relativismo cultural e moral (FRACHON; VERNET, 2006, p. 74-75). Esses valores
compartilhados têm como conseqüência a formação de uma “aliança” tácita entre os
fundamentalistas cristãos e os neocons, com reflexos tangíveis nas eleições estadunidenses.

34
“[…] hopeful, not lugubrious, forward-looking, not nostalgic; and its general tone is cheerful, not grim or
dyspeptic” (KRISTOL, 2004, p. 34).
26

Isso porque os fundamentalistas representam um contingente crescente no eleitorado


estadunidense e, boa parte desse eleitorado vota nos candidatos que aparentam compartilhar
os seus valores morais. A historiadora Gertrude Himmelfarb35, mulher de Irving Kristol, em
um artigo intitulado Democratic Remedies for Democratic Disorders, publicado na The
Public Interest, em 1998, já descrevia esse renascimento religioso, que implicava na
existência do que ela denominou de “a outra nação”, ao buscar um termo que representasse
uma parcela da população estadunidense em oposição aos libertarianistas (HIMMELFARB,
1998, p. 12).
Essa “outra nação” congrega um amplo espectro da sociedade estadunidense, que vai
da direita cristã a indivíduos sem filiação religiosa particular, mas com fortes convicções
morais tradicionais. Ela escreve que 43% dos americanos se consideram Born-again
Christians, e que um terço deles se identifica com a direita religiosa (Ibid., p. 17).

Num extremo do espectro desta outra nação (em paralelo com a elite cultural da
nação dominante) encontra-se a "direita religiosa". Este é o núcleo duro da outra
nação - um determinado e articulado grupo de protestantes evangélicos. Em uma
pesquisa recente, 18 por cento do público se identificou com este rótulo. [...]
Quarenta e três por cento do público se descreve como "cristãos renascidos”, mas
apenas um terço desse segmento é associado à direita religiosa. Portanto, a outra
nação, se estende bem além da direita religiosa. Inclui protestantes tradicionalistas,
católicos, mórmons, alguns judeus ortodoxos e as pessoas sem afiliação religiosa,
mas de fortes convicções morais tradicionais36 (HIMMELFARB, 1998, p. 17)
(Tradução nossa).

Mesmo não sendo a maioria do eleitorado estadunidense, esses fundamentalistas


cristãos, que compartilham valores com o pensamento neocon, talvez sejam uma parcela
essencial para assegurar a eleição de candidatos identificados com esses valores. Assim, nas
palavras de Irving Kristol:

35
Vide Apêndice A, para síntese biográfica correspondente (Nota do autor).
36
“At one end of the spectrum of this other nation (paralleling the cultural elite of the dominant nation) is the
"religious right." This is the hard core of the other nation--a determined and articulate group of evangelical
Protestants. In a recent survey, 18 percent of the public identified themselves under this label. […] Forty-three
percent of the public describe themselves as "born-again" Christians, but only one third of these associate
themselves with the religious right. The other nation, then, extends well beyond the religious right. It includes
traditionalist Protestants, Catholics, Mormons, some Orthodox Jews (the latter a very small number
proportionately), and individuals of no particular religious affiliation but of strong traditional moral
convictions” (HIMMELFARB, 1998, p. 17).
27

O resultado é uma inesperada aliança entre neoconservadores, que inclui uma boa
proporção de intelectuais seculares, com os tradicionalistas religiosos. Eles estão
unidos em questões afetas à qualidade da educação, às relações da Igreja com o
Estado, ao controle da pornografia [...] E já que o partido republicano tem agora uma
base substancial entre os religiosos, isso dá uma certa influência e até mesmo poder
aos neocons37 (Kristol, 2004, p. 35) (Tradução nossa).

Em suma, podemos depreender que as origens do pensamento neoconservador


estadunidense estão ligadas à algo que podemos chamar de “contra-contracultura” nos EUA e
que aflorou na década de 1970. Nesse contexto, alguns intelectuais ligados ao partido
democrata, romperam com este partido e passaram a defender posições de resgate dos valores
morais “americanos”, bem como uma postura firme no enfrentamento com a URSS, dentro do
contexto da Guerra Fria. Ao longo da década seguinte, esses dois eixos ideacionais foram
ganhando eco nos EUA, por meio de uma produção intelectual realizada em Think Tanks e
disseminada em alguns periódicos já mencionados.
No que tange à estrutura político-partidária dos EUA, o partido republicano,
gradualmente, acolheu essas ideias e nas palavras de Irving Kristol, "ao longo das décadas de
1970 e 1980, o partido republicano foi gradualmente se modernizando, em parte, por causa
dos textos de autores neoconservadores38" (KRISTOL, 1999, p. xi) (Tradução nossa). Para a
primeira geração de neoconservadores, o ponto de inflexão foi a administração Reagan, onde
os dois eixos ideacionais supracitados foram aplicados, impulsionando o neoconservadorismo
e fazendo dele uma expressão significativa da vida política estadunidense.
Feita essa breve síntese acerca da gênese do neoconservadorismo nos EUA, na qual
utilizamos as percepções de três expoentes desse pensamento – Irving Kristol, Jeane
Kirkpatrick e Adam Wolfson – serão evidenciados na próxima seção deste trabalho os pontos
centrais do neoconservadorismo estadunidense.

37
“The upshot is a quite unexpected alliance between neocons, who include a fair proportion of secular
intellectuals, and religious traditionalists. They are united on issues concerning the quality of education, the
relations of Church and State, the regulation of pornography [...] And since the Republican Party now has a
substantial base among the religious, this gives neocons a certain influence and even power” (KRISTOL,
2004, p. 35).
38
"In the course of the 1970s and 1980s, however, the Republican party gradually 'modernized' itself to some
degree, in part because of the writings of neoconservatives" (KRISTOL, 1999, p. ix).
28

1.2 Pontos Centrais do Pensamento Neoconservador

Para evidenciarmos os pontos centrais do pensamento neoconservador estadunidense,


utilizaremos como fontes de pesquisa os artigos e livros de alguns expoentes do
neoconservadorismo que buscaram, ao longo das décadas de 1980 e 1990, sistematizar e dar
coerência a esse pensamento. Assim sendo, tal como na seção anterior, selecionamos como
fontes básicas, alguns autores, no caso cinco acadêmicos, identificados com o
neoconservadorismo: Irving Kristol, Adam Wolfson, Max Boot, Irwin Stelzer e Francis
Fukuyama39.
Para Irving Kristol (2004, p. 35), na política externa, assim como na economia e na
cultura, não há uma teoria neoconservadora, mas um conjunto de atitudes derivadas da
experiência histórica dos EUA, uma persuasão, que ele sistematiza em quatro princípios:
patriotismo; repúdio a qualquer tentativa de estabelecimento de um governo mundial; o papel
do estadista em reconhecer amigos e inimigos; e o interesse nacional como algo além de
interesses materiais.

Essas atitudes podem ser resumidas nas seguintes ‘theses’ (como diria um marxista):
Primeiro, patriotismo é um sentimento natural e saudável, devendo ser encorajado
pelas instituições públicas e privadas [...]. Segundo, um governo mundial é uma
ideia terrível, uma vez que pode levar a uma tirania mundial. Assim, as instituições
internacionais que apontem para a meta do estabelecimento de um governo mundial
devem ser vistas com profunda suspeita. Terceiro, o estadista deve, acima de tudo,
ter a habilidade de distinguir entre amigos e inimigos. Isso pode não ser tão fácil
quanto parece, haja vista história da Guerra Fria, onde o número de que homens
inteligentes que não viam a URSS como um inimigo era absolutamente
surpreendente. Finalmente, para uma Grande Potência, o ‘interesse nacional’ não é
um termo geográfico [...]. Uma grande nação, cuja identidade é ideológica, como a
União Soviética no passado e os EUA de hoje, têm inevitavelmente interesses
ideológicos em adição às preocupações mais materiais40 (KRISTOL, 2004, p. 36)
(Grifo nosso) (Tradução nossa).

39
Vide o Apêndice A para consultar a síntese biográfica desses expoentes do neoconservadorismo estadunidense
(Nota do autor).
40
“These attitudes can be summarized in the following ‘theses’ (as a Marxist would say): First,
patriotism is a natural and healthy sentiment, and should be encouraged by both private and public institutions.
[…]. Second, world government is a terrible idea since it can lead to world tyranny. International institutions
that point to an ultimate world government should be regarded with the deepest suspicion. Third, statesmen
should, above all, have the ability to distinguish friends from enemies. This is not as easy as it sounds, as the
history of Cold War revealed. The number of intelligent men who could not count the Soviet Union as an enemy,
even though this was its own self-definition, was absolutely astonishing. Finally, for a great power, the ‘national
interest’ is not a geographical term […]. And large nations , whose identity is ideological, like the Soviet Union
of yesterday and the United States of today, inevitably have ideological interests in addition to more material
concerns” (KRISTOL, 2004, p. 36).
29

Em consonância com esses princípios Kristol aponta que a tarefa histórica e o


propósito político do neoconservadorismo poderiam ser vistos como: “[...] converter o Partido
Republicano, e o conservadorismo americano em geral, contra suas vontades respectivas, em
um tipo novo de política conservadora apropriada a governar uma democracia moderna41”
(KRISTOL, 2004, p. 33).
No que tange a política interna e a questão do Big Government, os neocons criticam a
ênfase exagerada dos movimentos de esquerda ao Welfare State, tendo, porém uma posição
muito mais branda em relação a essa questão do que os libertarianistas. Na visão neocon a
democracia tende a encorajar a busca dos interesses privados e, consequentemente, o bem
comum tende a ser negligenciado, sendo importante o papel do Welfare State para corrigir
essa distorção (WOLFSON, 2004, p 223). Conforme argumenta Irving Kristol:

Os Neocons não gostam da concentração dos serviços no Estado de bem-estar e se


sentem gratificados estudando formas alternativas de distribuir esses serviços. Mas
são impacientes com a noção hayekiana de que estamos ‘no caminho da servidão’.
Os Neocons não sentem esse tipo de alarme ou de ansiedade com o crescimento do
Estado no século passado, vendo-o como natural, certamente inevitável42
(KRISTOL, 2004, p. 35) (Tradução nossa).

Segundo Max Boot (2004, p. 46), os neocons eram e ainda são a favor dos benefícios
do Welfare State, igualdade racial e outros princípios liberais. O neoconservadorismo é
também uma face do liberalismo. No em tanto, não se pode esquecer que as origens do
pensamento neocon surgiram como uma reação e oposição aos excessos do fim dos anos 1960
e do início da década de 1970, quando a criminalidade crescia nos EUA, a URSS ganhava
terreno na Guerra Fria e a ala dominante do partido democrata parecia não querer enfrentar
essas questões.
Assim, no que tange ao papel do Estado, os neocons se opõem às críticas dos
libertarianistas ao Big Government e também à compreensão do que entendem por liberdade.
Na visão neocon, os libertarianistas defendem qualquer tipo de liberdade individual, assim
tendem a ser favoráveis ao aborto, legalização das drogas, clonagem humana etc., dentro da
expansão da direito de escolha individual. O neoconservadorismo apresenta uma proposta de

41
“[…] to convert the Republican Party, and American conservatism in general, against their respective wills,
into a new kind of conservative politics suitable to govern a modern democracy” (KRISTOL, 2004, p. 33).
42
“Neocons do not like the concentration of services in the welfare state and are happy to study alternative ways
of delivering these services. But they are impatient with the Hayekian notion that we are on ‘the road to
serfdom’. Neocons do not feel that kind of alarm or anxiety about the growth of the State in the past century,
seeing it as natural, indeed inevitable” (Ibid., p. 35).
30

defesa da liberdade individual, sem repudiar os valores morais da sociedade “americana”


(WOLFSON, 2004, p 225).
Francis Fukuyama é outro expoente neoconservador que produziu textos diretos acerca
do pensamento neocon. Mundialmente conhecido por seu polêmico The End of History and
the Last Man43, Fukuyama, publicou em 2006, America at the Crossroads: democracy, power
and the neoconservative legacy44, onde aponta quatro pontos centrais do pensamento
neoconservador. O primeiro deles é a crença de que o regime de governo de um Estado é
importante, “e que a política externa deve refletir os valores mais profundos das sociedades
liberais democráticas” (diferença basilar em relação ao pensamento realista e neo-realista das
Relações Internacionais) (FUKUYAMA, 2006, p. 56). O segundo é a crença de que o poder
estadunidense “tem sido e pode ser usado para fins morais e que os Estados Unidos precisam
permanecer envolvidos nos assuntos internacionais”, pois como potência dominante, o país
tem “responsabilidades especiais na área de segurança” (Ibid. p. 56). O terceiro é “a
desconfiança em relação a projetos ambiciosos de engenharia social” (Ibid. p. 56).
Finalmente, o quarto ponto central do pensamento neoconservador, segundo Fukuyama,
reside no “ceticismo a respeito da legitimidade e da eficiência das leis e instituições
internacionais para conseguir segurança ou justiça” (Ibid. p. 57). Esse é um ponto comum
entre o pensamento neocon e a corrente realista e neo-realista das Relações Internacionais,
pois ambos percebem que o Direito Internacional, sozinho, é um instrumento incapaz de
coibir agressões entre Estados, bem como de fazer cumprir regras, acordos e tratados
assinados entre Estados, quando estes deixam de ser consonantes com seus interesses. Tanto
os realistas quanto os neocons criticam a atuação da Organização das Nações Unidas (ONU),
tanto como agente promotor do direito internacional, quanto como árbitro capaz de
implementar esse Direito. No entanto, Fukuyama, aponta que “para a maioria dos
neoconservadores, a desconfiança em relação à ONU não se estende a todas as formas de
cooperação multilateral; quase todos são favoráveis à Organização do Tratado do Atlântico
Norte (OTAN) e acreditam em ações coletivas baseadas em princípios democráticos comuns”
(Ibid. p. 56-57).
É importante destacar que os quatro princípios neocon supracitados guardam pontos
de convergência com correntes teóricas já consolidadas, bem como com vários grupos

43
Escrito no contexto da débâcle da URSS, o artigo e, posteriormente, o livro faz uma apologia à supremacia do
sistema capitalista democrático liberal e o desaparecimento de alternativas a esse sistema (Nota do autor).
44
Foi publicado no mesmo ano no Brasil, com o título O dilema americano: democracia, poder e o legado do
neoconservadorismo (Vide Referências Bibliográficas) (Nota do autor).
31

importantes do espectro político estadunidense. Conforme mencionado anteriormente, o


ceticismo com relação às instituições internacionais é compartilhado com os realistas e neo-
realistas. O princípio de uma política externa internacionalista e baseada na democracia
também é defendido por grande parte do partido democrata. A crença nos valores morais da
sociedade “americana” são pontos em comum com os tradicionalistas cristãos; e a percepção
negativa do alcance dos projetos de engenharia social é comum com a direita do partido
republicano (FUKUYAMA, 2006, p 68). No entanto, esses pontos centrais supracitados, se
olhados como um todo, representam um conjunto singular do pensamento político
estadunidense, com importantes reflexos para a formulação e decisão de política externa,
conforme será exposto mais adiante neste trabalho.
Para Irwin Stelzer, os pontos centrais do neoconservadorismo têm suas raízes na
história dos EUA, nas políticas defendidas por vários dos presidentes, tais como John Quincy
Adams, Theodore Roosevelt e, principalmente, Woodrow Wilson (STELZER, 2004, p. 8-9).
Stelzer aponta como as palavras do presidente Wilson, anunciando o motivo da
ocupação de Cuba, em 1917, - “Não para a anexação, mas para proporcionar à colônia
impotente uma oportunidade para a Liberdade45” - guardam semelhança com a linguagem
utilizada por George W. Bush e Tony Blair, para justificar a invasão do Iraque e a deposição
de Saddam Hussein (Ibid., p. 9).
No entanto, Stelzer destaca uma diferença basilar entre os valores defendidos pelo
presidente Wilson e o pensamento neocon: Wilson acreditava que sua meta poderia ser
alcançada por meio do multilateralismo e da força das instituições, tal como a Liga das
Nações. Os neocons vislumbram tornar a democracia uma instituição universal por meio da
deposição de regimes ditatoriais que ameacem a segurança dos EUA e a ordem mundial, e
para isso, prescrevem o uso da força militar como recurso de última instância (Ibid., p. 9).
Analisando a questão dos pontos de contato entre o pensamento neocon e os princípios
defendidos pelo presidente Wilson, Max Boot aproxima-se da análise de Stelzer, pois
identifica os neocons como “idealistas wilsonianos”, porém com uma significativa distinção.
Ao desenvolver o argumento que externa essa distinção, Boot recorda que o rótulo wilsoniano
tem sido aplicado a qualquer um que acredite que a política externa dos EUA deva ser guiada
pela promoção dos ideais “americanos” e não apenas pela proteção de estreitos interesses
definidos em termos estratégicos e econômicos. Mas os seguidores dos ideais do presidente
Wilson, também identificados pelo neologismo “Wilsonians”, não são um bloco homogêneo.

45
“Not for annexation but to provide the helpless colony with the opportunity for freedom” (STELZER, 2004, p.
9).
32

Para Max Boot, existem os liberais “soft Wilsonians”, tais como o ex-presidente Jimmy Carter
e o próprio presidente Woodrow Wilson, que compartilham a fé de que as instituições
multilaterais como a Liga das Nações ou a ONU, devem ser as vias pelas quais os EUA
devem promover seus ideais e que o direito internacional deve ser o principal instrumento
dessa política. Já os neocons são “hard Wilsonians” que colocam sua fé não em "pedaços de
papel, mas na força dos EUA". Seus heróis são Theodore Roosevelt, Franklin D. Roosevelt,
Harry Truman e Ronald Reagan – todos presidentes que viam o poder a serviço de um
propósito maior. Segundo Boot, os neocons acreditam que os EUA devem usar a força
quando necessário para promover os interesses e ideais “americanos” não por humanitarismo,
mas porque a disseminação da democracia liberal aumenta a segurança dos EUA (BOOT,
2004, p. 49).
No que tange às instituições multilaterais, o pensamento neoconservador, à luz dos
autores selecionados neste trabalho, apresenta-se cauteloso, pois existe a percepção de que
essas instituições, particularmente a ONU, existem para vetar os interesses “americanos”, bem
como levar os EUA à assinatura de Tratados imperfeitos, simplesmente para manter a
harmonia internacional. Assim como muitos conservadores, os neocons são, em geral,
cautelosos com a ONU, a qual eles percebem como um fórum “antiamericano”. Nesse
sentido, Jeane Kirkpatrick e Robert Kagan, por exemplo, percebem a ONU como uma
organização em que os regimes não-democráticos e contrários aos EUA e seus valores,
exercem uma influência desproporcional ao seu real peso no sistema internacional
(STELZER, 2004, p. 10). Mas, ao contrário da direita radical, os neocons concordam que
existem causas defendidas nas Nações Unidas que são coincidentes com os interesses
estadunidenses e, portanto, a organização não pode ser descartada (BOOT, 2004, p. 50).
Stelzer (2004, p. 10) sumariza a visão neocon do seguinte modo: “[...] diplomacia se possível,
força se necessário, ONU se possível, coalizões ad hoc ou ação unilateral se necessário;
ataque preemptivo se for razoável para impedir uma ação hostil por parte dos inimigos dos
EUA46” (Tradução nossa) (Grifo nosso).
Em síntese, à luz dos cinco autores selecionados, todos identificados com o
pensamento acadêmico e que produziram trabalhos que buscam explicar e sistematizar a
persuasão neocon, foi elaborado o Quadro abaixo, a fim de permitir a visualização dos pontos

46
“[...] diplomacy if possible, force if necessary, the UN if possible, ad hoc coalitions or unilateral action if
necessary; pre-emptive strikes if it is reasonable to anticipate hostile action on the part of America’s enemies”
(STELZER, 2004, p. 10).
33

centrais e basilares acerca do pensamento neocon estadunidense, em consonância com a


percepção dos autores em pauta.

Autor Princípio Neocon

Irving Kristol  Patriotismo: um sentimento a ser incentivado pelas instituições públicas e


privadas; repúdio a qualquer tentativa de estabelecimento de um governo
mundial; o papel do estadista em reconhecer amigos e inimigos; e o interesse
nacional como algo além de interesses materiais (KRISTOL, 2004, p. 36).
 No que tange ao Big Government e ao Estado de Bem-Estar social, aponta
como natural e inevitável essa tipo de atuação do Estado para promover o
bem-comum (Ibid., p. 35).
Adam Wolfson  No que tange ao Big Government e ao Estado de Bem-Estar social tem
posição similar à de Kristol, criticando a ênfase exagerada dos movimentos de
esquerda ao Welfare State, mas vendo como necessário a intervenção do
Estado para corrigir distorções do bem-comum, causadas pela busca dos
interesses privados (WOLFSON, 2004, p 223).
Max Boot  Os EUA devem usar a força quando necessário para promover os interesses e
ideais “americanos”, não por humanitarismo, mas porque a disseminação da
democracia liberal aumenta a segurança dos EUA (BOOT, 2004, p. 49).
 Visão pessimista em relação à ONU, mas reconhecendo que existem causas
defendidas nas Nações Unidas que são coincidentes com os interesses dos
EUA e, portanto, a organização não pode ser descartada (Ibid., p. 50).
 Favorável aos benefícios do Welfare State, igualdade racial e outros princípios
liberais, sem os excessos dos anos 1960 e 1970 (Ibid., p. 46).
Francis  A crença de que o regime de governo de um Estado é importante, “e que a
Fukuyama política externa deve refletir os valores mais profundos das sociedades liberais
democráticas” (FUKUYAMA, 2006, p. 56).
 A crença de que o poder estadunidense “tem sido e pode ser usado para fins
morais e que os Estados Unidos precisam permanecer envolvidos nos assuntos
internacionais”, pois como potência dominante, o país tem “responsabilidades
especiais na área de segurança” (Ibid., p. 56).
 “A desconfiança em relação a projetos ambiciosos de engenharia social”
(Ibid., p. 56-57).
 “Ceticismo a respeito da legitimidade e da eficiência das leis e instituições
internacionais, principalmente da ONU, para conseguir segurança ou justiça”
(Ibid., p. 57).
Irwin Stelzer  Tornar a democracia uma instituição universal por meio da deposição de
regimes ditatoriais que ameacem a segurança dos EUA e a ordem mundial,
para isso, prescreve o uso da força militar como recurso de última instância
(STELZER, 2004, p. 9).
 Percepção negativa da ONU que, no entanto, é uma instituição que não pode
ser descartada. “[...] diplomacia se possível, força se necessário, ONU se
possível, coalizões ad hoc ou ação unilateral se necessário; ataque preemptivo
se for razoável para impedir uma ação hostil por parte dos inimigos dos EUA
(STELZER, 2004, p. 10).

Quadro 1 – Síntese dos pontos centrais do pensamento neoconservador estadunidense.


34

Antes de compilarmos os pontos comuns, ou não divergentes, do pensamento


neoconservador estadunidense, que serão utilizados no desenvolvimento dos capítulos
subsequentes dessa dissertação, é necessário ampliar e evidenciar esses pontos em relação à
política externa, o que será feito na próxima seção deste capítulo.

1.3 Política Externa e o Pensamento Neoconservador

Nosso perigo presente decorre do declínio da força militar, sinalizando falta de


desejo e confusão acerca do nosso papel no mundo47 (KAGAN; KRISTOL, 2000, p.
4) (Tradução nossa).

Uma questão central no entendimento do pensamento neoconservador, acerca da


política externa, passa pela análise do debate estadunidense sobre as duas principais posturas
estratégicas do país naquilo que tange às questões internacionais, isto é, o debate entre
isolacionistas e intervencionistas. Esse debate permeava a política externa estadunidense
desde o século XIX, com a doutrina Monroe48 (1823), passando pela Guerra com a Espanha49
(1898) e, no século XX, retornou com força após a Primeira Guerra Mundial. Ao término
daquele conflito, o isolacionismo prevaleceu até o início da Segunda Guerra Mundial. Na
década de 1940, Nicholas Spykman escreveu sua oba seminal que sintetizou esse debate,
apresentando uma nova abordagem para a questão, oferecendo uma análise da posição dos
EUA em termos da geografia e do poder político. Em America’s Strategy in World Politics:
The United States and The Balance of Power, originalmente publicada em 1942, no contexto
da Segunda Guerra Mundial, Spykman aponta que, independentemente dos motivos que
inspiraram os cidadãos “americanos” a preferirem o isolacionismo ou intervencionismo, estas
duas visões tinham implicações distintas sobre a postura estratégica dos EUA. Isto é,
intervencionistas e isolacionistas representavam duas escolas distintas de pensamento

47
"Our present danger is one of declining military strength, flagging Will and confusion about our role in the
world" (KAGAN; KRISTOL, 2000, p. 4).
48
Expressão pela qual se tornou conhecida a política externa estadunidense no século XIX, decorrente da
posição declarada do então presidente Monroe, em 1823, de que os EUA não aceitariam a intervenção da
Santa Aliança, nas Américas, para tentar restabelecer o domínio da Espanha, sobre suas colônias que haviam
conquistado a independência (AYERBE, 2006, p. 90).
49
Tendo como pano de fundo o apoio a revolta cubana contra o colonialismo espanhol, a Guerra hispano-
americana teve como estopim a explosão do USS Maine, no porto de Havana. Como resultado, a Espanha
perdeu suas colônias em Cuba e Porto Rico, bem como as Filipinas e Guam. Cuba recebeu a “independência”,
já as Filipinas, Porto Rico e Guam passaram a ser colônias dos EUA (DOPCKE, 2007, p. 105-106).
35

geopolítico50. Os intervencionistas consideravam que a primeira linha de defesa dos EUA


deveria ser a preservação do Equilíbrio do Poder na Europa e Ásia e a segunda linha de defesa
o Hemisfério Ocidental51. Sem negar o fato de que a geografia local proporcionava óbvias
vantagens à segurança territorial, eles argumentavam que isso não permitiria que fossem
negligenciadas as questões afetas ao Equilíbrio do Poder nos outros continentes (SPYKMAN,
1970, p. 4).
Já os isolacionistas entendiam que em função da localização geográfica entre dois
oceanos, os EUA poderiam se desinteressar e até mesmo assistir com tranqüilidade a
possibilidade de destruição do Equilíbrio do Poder na Ásia e na Europa. Assim, a força
inerente dos EUA, juntamente com a proteção proporcionada pelos dois oceanos, permitiria a
adoção de uma política defensiva, deixando de lado os problemas na Ásia e na Europa. No
entanto, mesmo na visão dos isolacionistas, o tamanho da área geográfica necessária para a
criação de um adequado sistema de defesa foi gradualmente expandido. Inicialmente essa área
incluía apenas o território dos EUA. Após a construção do Canal do Panamá, passou a incluir
o Caribe e, posteriormente, as três Américas, isto é, todo o Hemisfério Ocidental. Assim,
tanto isolacionistas quanto intervencionistas tinham o Hemisfério Ocidental, ou seja, as
Américas, como parte dos seus programas de defesa, discordando apenas se essa deveria ser a
primeira ou segunda linha de defesa dos EUA. No entanto, a forma como foi desencadeado o
ataque japonês a Pearl Harbor proporcionou uma notável unidade nacional que paralisou o
debate acerca do isolacionismo ou intervencionismo como a Grande Estratégia desejável para
os EUA (Ibid., p. 5-8).
Após o término da Segunda Guerra Mundial esse debate deixou de fazer sentido em
função da proeminência alcançada pelos EUA e do consenso acerca da impossibilidade da
postura isolacionista, em um sistema internacional bipolar estruturado em torno dos EUA e da
URSS. Esse consenso foi mantido até meados da década de 1960, quando as críticas à Guerra
do Vietnã e a eclosão da contracultura rompeu o consenso em pauta. As posições passaram a
ser polarizadas entre os que defendiam a coexistência com a URSS e aqueles que advogavam
a contenção, pautada por uma postura de enfrentamento com a URSS, uma vez que percebiam
os valores “americanos”, baseados no livre mercado e na democracia, como absolutamente
incompatíveis com a ideologia comunista. Nesse segmento encontram-se tanto, republicanos

50
Termo utilizado neste trabalho como sendo: “[...] um ramo da ciência política que se formou pela interação
dinâmica de três ramos de conhecimento: a Geografia (espaço físico), a Política (aplicação do Poder à arte do
governar) e a História (experiência humana)”. (MATTOS, 2007, p. 29).
51
Conceito geopolítico apresentado por Nicholas Spykman e que corresponde a dois continentes: a América do
Norte e a América do Sul, separados pelo “Mediterrâneo Americano” (SPYKMAN, 1970, p. 43).
36

como alguns democratas e também aqueles que passaram a ser identificados como
neoconservadores.
Para consolidarmos o entendimento do pensamento neoconservador estadunidense em
relação à política externa, é pertinente explorar uma percepção interna e sua relação de
causalidade com as possíveis posturas em relação ao exterior. Trata-se da percepção de que os
EUA são uma nação fundada sobre valores universais – igualdade, democracia e liberdade – o
que faz com que, junto ao senso comum, os valores “americanos” sejam percebidos como a
“encarnação do bem”. Na Constituição dos EUA esses valores são expressos de forma
inequívoca, já no seu preâmbulo (1787) e na primeira emenda (1789) que ficou conhecida
como Bill of Rights, a seguir transcritos:

Nós, o Povo dos Estados Unidos, a fim de formar uma União mais perfeita,
estabelecer justiça, assegurar a tranqüilidade interna, prover a defesa comum,
promover o bem-estar geral, assegurar as benções da liberdade para nós e nossa
posteridade, ordenamos e estabelecemos esta Constituição para os Estados Unidos
da América52 (Tradução nossa).

O Congresso não fará nenhuma lei a respeito do estabelecimento da religião, ou


proibindo o livre exercício dela; ou cerceando a liberdade de expressão ou de
imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente e de dirigir petições ao
Governo para reparação de injustiças53 (Tradução nossa).

Uma nação fundada sobre esses valores passa a ser percebida por seus cidadãos com
uma nação singular, excepcional, por assim dizer, em relação àquelas existentes no século
XVII. Essa percepção se perpetuou de geração para geração e a crença nesse excepcionalismo
“americano”, transborda para a política externa por meio de duas posturas distintas. A
primeira delas identifica-se com a posição defendida por Thomas Jefferson (1743-1826) que o
país melhor serviria à causa da democracia universal por meio do exemplo da sua prática. Era
também a posição de John Quincy Adams (1767- 1848), sexto presidente dos EUA e que
proferiu a célebre frase: "A América não vai para o exterior em busca de monstros para

52
“We the People of the United States, in Order to form a more perfect Union, establish Justice, insure domestic
tranquility, provide for the common defense, promote the general Welfare, and secure the Blessings of Liberty
to ourselves and our Posterity, do ordain and establish this Constitution for the United States of America”
(THE CHARTERS OF FREEDOM. Constitution of United States.
<http://www.archives.gov/exhibits/charters/constitution_transcript.html>).
53
“Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof;
or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to
petition the Government for a redress of grievances” (THE CHARTERS OF FREEDOM. Bill of Rights.
<http://www.archives.gov/exhibits/charters/bill_of_rights_transcript.html>).
37

destruir. Ela deseja a liberdade e a independência de todos. Ela é a campeã e defensora apenas
dela própria54" (Tradução nossa). Nas posturas supracitadas temos a gênese dos defensores do
isolacionismo estadunidense (FRACHON; VERNET, 2006, p. 26).
A outra postura decorrente da percepção do excepcionalismo “americano” é a do
intervencionismo no exterior. Essa postura remonta à visão de política externa dos presidentes
Andrew Jacson (1829-1837) e Theodore Roosevelt (1901-1908). Nesses dois casos tratava-se
de uma postura intervencionista ostensiva. Mas, outra face desse intervencionismo
apresentou-se matizada na forma de um proselitismo da democracia, revestido de legalidade,
durante a presidência de Woodrow Wilson (1912-1920) (Ibid., p. 27).
Dessas duas visões, a segunda inspira o neoconservadorismo, que promoveu uma
síntese entre o a visão de Andrew Jackson e Woodrow Wilson, estabelecida, não por acaso,
no fim da Guerra Fria. Na primeira metade da década de 1990, com fim do conflito Leste-
Oeste e a posterior dissolução da URSS (1991), a estrutura bipolar do sistema internacional
deixa de existir e os EUA despontam como única superpotência no globo, estando em uma
posição de preponderância militar e política sem precedentes na história estadunidense. Por
outro lado, a ruptura da estrutura bipolar permite a eclosão de surtos de nacionalismos, por
vezes violentos e alimentados pelo extremismo religioso, originando pontos de conflito antes
latentes.
Nesse período de transição de uma estrutura bipolar para algo novo, os
neoconservadores têm uma visão clara de qual deve ser a postura estratégica estadunidense e
que falta às correntes tradicionais da política externa: os EUA têm a força militar e moral para
ordenar a nova estrutura do sistema internacional e evitar o caos e a desestabilização de
regiões importantes para os interesses estadunidenses. A exportação da democracia está em
consonância com os valores “americanos” como também promoverá um incremento na
segurança estadunidense. A força militar incontrastável daquele momento deve ser utilizada
para exportar os valores “americanos”, principalmente a democracia. (Ibid., p. 27).
Conforme será apontado mais adiante neste trabalho, essas ideias são veiculadas de
forma ostensiva, sem refinos que possam impedir suscetibilidades de aliados tradicionais,
principalmente na Europa. As concepções formuladas alinham-se com os valores morais da
“América” – democracia e direitos humanos – portanto são “boas”. Não são imperialistas,
pois não visam à expansão física e territorial dos EUA, mas sim a exportação dos seus valores

54
"But she goes not go abroad in search of monsters to destroy. She is the well-wisher to freedom and
independence of all. She is the champion and vindicator only of her own" (PRESIDENTIAL RHETORIC.
COM. Historic Speeches. John Quincy Adams. Address on U.S. Foreign police, July 4, 1821.
<http://www.presidentialrhetoric.com/historicspeeches/adams_jq/foreignpolicy.html>).
38

e princípios, vistos como aspirações universais. Nesse sentido, sua implementação poderia
levar a democracia aos regimes dos Estados do Oriente Médio, caracterizados pelo
autoritarismo que alimenta o fanatismo religioso capaz de produzir terroristas suicidas
(FRACHON; VERNET, 2006, p. 28).
Essas ideias são formuladas e veiculadas, principalmente pela segunda geração de
neoconservadores que tem como seus expoentes Willian Kristol, Robert Kagan, Paul
Wolfowitz, Richard Perle, Charles Krauthammer, Francis Fukuyama55 entre outros. O artigo
de Willian Kristol e Robert Kagan, intitulado National Interest and global Responsibility que
se tornou o prefácio de Present Dangers: crisis and opportunity in American foreign and
defense policy, publicado em 2000, sintetiza o núcleo duro comum do pensamento
neoconservador no início de século XXI:

O colapso do império soviético não alterou os propósitos fundamentais da política


externa americana. [...] O objetivo primordial da política externa americana continua
o mesmo - preservar e ampliar uma ordem internacional em consonância com os
nossos interesses e princípios56 (KAGAN; KRISTOL, 2000, p. 12) (Tradução
nossa).
[...] assim, na era pós-Guerra Fria um dos principais objetivos da polícia externa
americana deve ser promover uma mudança de regime em nações hostis - em Bagdá
e Belgrado, em Pyongyang e Pequim, bem como em qualquer lugar onde os
governos tirânicos adquiram poder militar para ameaçar seus vizinhos, nossos
aliados e os Estados Unidos57 (KAGAN; KRISTOL, 2000, p. 17) (Tradução nossa).

É patente a sistematização das ideias de uso da força para promover os valores


“americanos” conjuntamente com seus interesses, principalmente, a segurança. Nesse ponto
do trabalho é pertinente fazermos a ressalva de que não será discutida a questão da
“influência” dos trabalhos de Leo Strauss58 e Albert Wohlstetter59 sobre o

55
Vide Apêndice A para consultar a síntese biográfica desses expoentes da segunda geração de
neoconservadores estadunidenses (Nota do autor).
56
“But the collapse of the Soviet empire has not altered the fundamental purposes of American foreign policy.
[…] the overarching goal of American foreign policy – to preserve and extend an international order that is in
accord with both our interests and our principles – endures” (KAGAN; KRISTOL, 2001, p. 12).
57
“[…] so in the post-Cold War era a principal aim of American foreign police should be to bring about a
change of regime in hostile nations – in Baghdad and Belgrade, in Pyongyang and Beijing, and wherever
tyrannical governments acquire the military power to threaten their neighbors, our allies and United States
itself” (KAGAN; KRISTOL, 2001, p. 17).
58
Leo Strauss - foi um filósofo alemão que emigrou para os EUA, fugindo da perseguição nazista na Alemanha
e que lecionou na Universidade de Chicago, até 1973, ano em que faleceu (FUKUYAMA, 2006, p. 32).
59
Estrategista voltado para as questões da dissuasão e da proliferação nuclear, trabalhou na Rand Corporation na
década de 1950 e depois lecionou na Universidade de Chicago (FUKUYAMA, 2006, p. 41).
39

neoconservadorismo estadunidense. Conforme aponta Francis Fukuyama: “A ideia da


influência de Strauss ganhou peso somente porque Paul Wolfowitz, o Subsecretário de
Defesa, estudou por algum tempo com ele [...]” (FUKUYAMA, 2006, p. 32). Assim,
Wolfowitz que era o segundo na hierarquia do Departamento de Defesa (2001-2005), durante
mais da metade da administração Bush, e um defensor da “mudança de regime no Iraque”, foi
aluno de Strauss e este destacava a importância da natureza dos regimes na vida política e
seus efeitos sobre as pessoas que neles vivem (Ibid., p. 35). Além disso, a percepção da
“influência” de Strauss sobre o neoconservadorismo decorre do fato de que Irving Kristol, em
seu Neoconservatism: The Autobiography of an Idea, refere-se a Strauss como um dos dois
pensadores que tiveram maior impacto sobre suas ideias (KRISTOL, 1999, p. 6). Em
sequência, Kristol dedica quatro das quase quinhentas páginas da obra em pauta,
exclusivamente a Leo Strauss. Nesse contexto, Strauss é por vezes apontado como uma das
fontes inspiradoras do pensamento neoconservador. De todo modo, essa questão da
“influência” de Strauss sobre o pensamento neocon não é essencial para o propósito deste
trabalho.
Já Albert Wohlstetter teve como alunos, na Universidade de Chicago, Paul Wolfowitz,
Zalmay Khalizad e Richard Perle que, posteriormente, exerceram cargos na administração
George W. Bush (FUKUYAMA, 2006, p. 41). Richard Perle dedica seu livro An End To Evil
à memória de seu “amigo e mentor” Albert Wohlstetter. Para Francis Fukuyama (Ibid., p. 42-
43), o conhecimento de Wohlstetter sobre política de defesa e questões de segurança, bem
como sua visão de que a URSS representava de fato uma ameaça aos EUA, exerceu influência
sobre seus alunos, principalmente aqueles que se identificariam com a “persuasão”
neoconservadora. No entanto, tal como no caso de Strauss o grau de influência de Wohlstetter
sobre o pensamento neocon não é essencial para o propósito e objetivos deste trabalho. Os
dois acadêmicos foram aqui mencionados, apenas para que o leitor tivesse alguma informação
disponibilizada acerca desses dois personagens que, por vezes, aparecerem com destaque em
trabalhos que analisam as origens do neoconservadorismo.
Feita essa breve consideração acerca de Strauss e Wohlstetter, retornamos à análise
dos pontos centrais do pensamento neocon, destacando que a marca registrada da segunda
geração do neoconservadorismo estadunidense é conciliar o imperativo moral com a
necessidade estratégica. Essas ideias, sem constituírem um corpo teórico, têm forte apelo e
coerência para uma parcela expressiva da população dos EUA, que compartilha essa
abordagem e o papel missionário da “América” (FRACHON; VERNET, 2006, p. 29).
40

A questão do apoio da opinião pública é algo que não pode ser descartado no
entendimento do alcance e penetração do pensamento neoconservador. Como aponta Richard
Perle: “[...] a política americana é produzida através de instituições representativas que,
seguramente, não podem se afastar muito da opinião pública60” (FRUM; PERLE, 2004, p.
163) (Tradução nossa). Nesse sentido, Perle rebate a crítica de que o pensamento
neoconservador é dissociado de parcela expressiva da população estadunidense e argumenta
que talvez parte do eleitorado que vota também nas primárias do partido republicano, por
exemplo, no Kentucky, perceba que a política externa, principalmente após os atentados de 11
de setembro, deva ser conduzida de forma a combater os inimigos dos valores "americanos”.
Nesse sentido, essa convergência de visões, respalda junto à população estadunidense uma
política externa forte, frente aos desafios com os quais os EUA se defronta, tal qual a
defendida por aqueles que são apelidados de “Falcões”, na administração George W. Bush
(Ibid., p. 163-164).
O respaldo e aceitação dos pontos centrais do pensamento neoconservador, por parte
da opinião pública estadunidense, pode ser percebido nos resultados de algumas pesquisas de
opinião. Em 2003, ano da invasão do Iraque, uma pesquisa efetuada pelo Gallup, apontou que
56% dos “americanos” disseram que os EUA tinham a responsabilidade de ajudar outros
países a livrar-se de ditadores, bem como a se tornarem democracias. Por outro lado, as
pesquisas demonstram que a maioria dos “americanos” não deseja impor suas ideias a outros
países. Uma enquete realizada cinco vezes entre 2003 e 2004 pela CBS News apontou que
entre 48% e 62% dos entrevistados disseram que os EUA deveriam ficar fora das questões
internas de outros países (BOWMAN, 2004, p. 267).
Existem registros de dezenas de pesquisas de opinião efetuadas nos EUA acerca da
principal identificação ideológica da população. Usualmente, essas pesquisas apresentam ao
entrevistado algumas opções para que ele assinale sua identificação e visão política: Liberal,
Conservador, ou Moderado. Em julho de 2004, uma pesquisa efetuada pelo Gallup, CNN e
USA Today registrou que: 39% dos entrevistados se descreviam como Conservadores, 20%
como liberais e 38% como moderados (Ibid., p. 263). Em 2011, o percentual identificado com
o conservadorismo chegou a 41%. O Gráfico1 apresenta a evolução da identificação política
da população dos EUA de 1992 até 2011.

60
“[...] American policy is produced through representative institutions that cannot safely drift too far from
public opinion” (FRUM; PERLE, 2004, p. 163).
41

Gráfico 1 - Identificação política da população estadunidense 1992- 2011.

Fonte: GALLUP ORGANIZATION. U.S. Political Ideology Stable With Conservatives


Leading. Disponível em: <http://www.gallup.com/poll/148745/Political-Ideology-Stable-
Conservatives-Leading.aspx>. Acesso em 23 ago. 2011.

À luz do Gráfico acima, pode-se depreender que o conservadorismo e por extensão, o


neoconservadorismo, tem uma parcela expressiva de seguidores entre a população
estadunidense e permanece praticamente constante, oscilando entre 36% e 41% desde o início
da década de 1990 até os dias atuais.
Ainda no que tange aos pontos centrais do pensamento neoconservador, afetos à
política externa, é pertinente observarmos dois momentos: durante a Guerra Fria e após a
Guerra Fria, principalmente esse segundo momento, pois os pontos centrais articulados e
defendidos pelo neoconservadorismo estadunidense, após o término do conflito Leste-Oeste,
são aqueles relevantes para as análises que serão efetuadas nos capítulos seguintes dessa
dissertação. Nesse sentido, conforme exposto na seção 1.1, na década de 1970, no contexto
dos excessos da contracultura, bem como da détente colocada em prática pelo governo Nixon,
alguns liberais identificados com o partido democrata se opuseram aos excessos da
contracultura e resgataram a opção da contenção e do enfrentamento com a URSS. Esses
dissidentes democratas receberam a alcunha de neoconservadores e, ao longo dos anos
seguintes, buscaram sistematizar e veicular suas ideias acerca da política interna e da política
externa estadunidense. Na década de 1980, a administração Ronald Reagan foi a expressão
42

máxima dessa postura estratégica de contenção e enfrentamento da URSS, durante a Guerra


Fria. Nesse contexto, ocorreu a identificação plena dos neocons com o Partido Republicano.
Mas, com a dissolução da URSS e o término da estrutura bipolar do sistema internacional e,
consequentemente, com o fim da Guerra Fria, qual a posição e o papel a ser exercido pelos
EUA passou a ser defendido pelos neoconservadores?
Na Introdução do já citado Present Dangers: crisis and opportunity in American
foreign and defense policy, William Kristol e Robert Kagan desenvolvem sua argumentação
acerca do interesse nacional e da responsabilidade global dos EUA no período pós-Guerra
Fria. Os dois autores apontam que a década de 1990, foi um período da paz e prosperidade
que começou com o triunfo estadunidense na Guerra Fria e a esmagadora vitória sobre o
Iraque na operação Desert Storm. Na sequência desses dois triunfos, os EUA assumiram uma
posição sem precedentes de poder e influência no mundo. Assim, segundo os autores, pela
primeira vez na história, os EUA tinham a chance de moldar o sistema internacional de modo
a reforçar a sua própria segurança e avançar a promoção dos princípios da sociedade
“americana”, sem oposição de um adversário poderoso e determinado (KAGAN; KRISTOL,
2000, p. 5).
Deste modo, a tarefa para os EUA, no início da década de 1990 parecia óbvia:
prolongar aquele momento extraordinário e proteger o sistema internacional de quaisquer
ameaças que pudessem desafiá-lo. “O objetivo da política externa americana deveria ser
transformar aquilo que Charles Krauthammer denominou ‘momento unipolar’ em uma era
unipolar61” (Ibid., p. 6) (Tradução nossa). No entanto, esse cenário promissor para os EUA
começou a desvanecer quase que imediatamente e, segundo os autores, “antes mesmo que Bill
Clinton fosse eleito” (Ibid., p. 6). Os EUA que haviam reunido a uma incrível força militar
para expelir Saddam Hussein do Kuwait falharam em perceber que a missão deveria ser
remover Saddam do poder. Três meses depois, no contexto da fragmentação da Iugoslávia, o
então presidente Slobodan Milosevic lançou uma ofensiva militar sérvia contra a província
separatista da Eslovênia e, na sequência contra a Croácia. Em 1992, a guerra civil eclodiu na
Bósnia, protagonizada pelas forças sérvias, causando a morte de aproximadamente 200.000
mil muçulmanos bósnios ao longo dos três anos seguintes. Paralelamente, na metade de 1992,
as agências de inteligência informavam que a República Democrática Popular da Coréia

61
“The goal of American foreign policy should have been to turn what Charles Krauthammer called a “unipolar
moment” into a unipolar era” (KAGAN; KRISTOL, 2000, p. 6).
43

(RDPC) tinha iniciado a produção de material físsil para armas nucleares (KAGAN;
KRISTOL, 2000, p. 6).
Nesse contexto, Saddam Hussein, Slobodan Milosevic e o Regime totalitário da
RDPC, protagonizaram uma crise após outra ao longo da década de 1990, sendo que a
sobrevivência desses regimes estabelecia um distúrbio na “nova ordem mundial62” do período
pós-Guerra Fria, isto é, a mensagem implícita era a de que ditadores poderiam desafiar a paz,
massacrar inocentes no seu próprio Estado, bem como em Estados vizinhos e ainda
permanecer no poder. Para Kagan e Kristol tolerar esses eventos foi uma falha da política
externa estadunidense e que mais tarde voltariam a demandar ações dos EUA. Além disso,
para os dois autores, a década de 1990 foi o período de ascensão de uma China hostil e
beligerante, cujo governo, ao longo daquela década intensificou a repressão interna,
acentuando a falta de liberdade política. A resposta a todos esses comportamentos dissonantes
dos valores e interesses estadunidenses foi, segundo Kagan e Kristol, com poucas exceções,
uma política de apaziguamento (Ibid., p. 6-7).
Para os dois autores, era necessária uma mudança no modo como as lideranças e o
público estadunidense pensavam o papel dos EUA no mundo. Um pensamento sério acerca
desse papel envolvia recordar os princípios que guiaram a política externa estadunidense
durante as fases de sucesso na Guerra Fria (Ibid., p. 9). Os dois autores apontam que:

De fato, a América esteve perseguindo ao menos duas metas durante a Guerra Fria: a
primeira era a promoção de uma ordem mundial útil aos interesses e princípios
americanos; a segunda era a defesa contra o obstáculo mais imediato e ameaçador à
consecução daquela ordem. O esforço despendido para alcançar essa segunda meta
foi tão elevado que, quando a Guerra Fria chegou ao seu fim, muitos americanos
haviam esquecido a necessidade da primeira meta63 (KAGAN; KRISTOL, 2000, p.
12) (Tradução nossa).

62
É pertinente observar como a expressão cunhada pela administração George H. W. Bush, para tentar dar
sentido ao novo contexto do Pós-Guerra Fia apresenta múltiplas interpretações, por parte de múltiplos
segmentos. Como aponta Brzezinski (2007, p. 29-30): “para os tradicionalistas ‘Ordem’ sugere estabilidade e
continuidade; para os reformistas o adjetivo ‘Nova’ implica em um realinhamento de prioridades, para os
internacionalistas e idealistas a palavra ‘Mundial’ carregava a mensagem de que a universalidade seria o ideal
da política”. Essa flexibilidade da expressão, intencional ou não, possibilitou, momentaneamente, a percepção
de compreensão daquela nova e complexa realidade.
63
“In fact, America was pursuing two goals at once during the Cold War: first, the promotion of a world order
conducive to American interests and principles; and second, a defense against the most immediate and
menacing obstacle to achieving that order. The stakes surrounding the outcome of that latter effort became so
high, in fact, that when the Cold War ended, many Americans had forgotten about the former” (KAGAN;
KRISTOL, 2000, p. 12).
44

Conforme mencionado anteriormente, para Kagan e Kristol, o colapso soviético não


havia alterado o propósito fundamental da política externa estadunidense, qual seja: preservar
e ampliar o alcance da ordem internacional em consonância com os interesses e princípios
“americanos”. Certamente que a mudança nas circunstâncias estratégicas internacionais,
decorrentes do colapso soviético, requeria mudanças no modo como essa meta seria
alcançada. Se os EUA não buscassem efetivamente moldar essa ordem, outros Estados iriam
fazê-lo e isso poderia não refletir os interesses e valores “americanos” (KAGAN; KRISTOL,
2000, p.12).
Para os dois autores, a busca desse objetivo – moldar a ordem internacional -, não
implica em que os EUA tenham que erradicar o “mal” onde quer que ele apareça, nem sugere
que os EUA devam embarcar em uma cruzada contra cada ditador existente. Isso porque,
segundo os autores, nenhuma política externa pode dar respostas precisas à questão de
“onde”, “quando” ou “como” os EUA devem intervir no exterior. Assim, a questão não é se
os EUA deveriam intervir em todos os lugares ou em nenhum lugar. Para Kagan e Kristol a
decisão necessária é se os EUA devem se projetar, como fora feito na Guerra Fria, ou retrair.
Uma estratégia que tivesse como objetivo preservar a hegemonia estadunidense deveria adotar
a postura anterior, estando propensa a avaliar as crises que venham a surgir, preferencialmente
antes que elas eclodam. “Esse é o padrão de uma superpotência que tenciona moldar o
ambiente internacional em seu proveito64” (Ibid., p. 13-14) (Tradução nossa).
Para alcançar o propósito supracitado, Kagan e Kristol prescrevem que os EUA
deveriam manter sua força militar incontrastável, assim como fortalecer as alianças, herdadas
da Guerra Fria, na Europa, na Ásia e com Israel. Os dois autores argumentam que essas
alianças são o bastião do poder americano e constituem o coração da civilização democrática
liberal que os EUA buscam preservar e ampliar (Ibid., p. 15).
Para Kagan e Kristol, a habilidade de projetar força no exterior seria progressivamente
comprometida nos anos vindouros, caso pequenas potências viessem a adquirir armas de
destruição em massa (ADM), bem como mísseis que possam atingir as forças militares dos
EUA desdobradas no exterior e seus aliados, ou mesmo o território estadunidense. Portanto,
para esses dois expoentes do pensamento neocon, a condição sine qua non para a estratégia de
preeminência global dos EUA é um sistema de defesa antimíssil que possa proteger as forças
militares estadunidenses e de seus aliados, bem como seus respectivos territórios (Ibid., p. 16-
17).

64
“This is the standard of a global superpower that intends to shape the international environment to its own
advantage” (Ibid., p. 14)
45

No que tange à mudança de regimes, os autores apontam que a tática para sua
implementação pode variar conforme as circunstâncias. Em alguns casos a melhor política
pode ser apoiar grupos rebeldes, tal como foi feito na Nicarágua durante a administração
Reagan. Em outros casos pode ser melhor apoiar dissidentes e (ou) aplicar sanções
econômicas e promover o isolamento diplomático dos regimes hostis aos EUA. Essas táticas
podem ser alteradas ou ajustadas, mas o propósito da política externa deve ser claro: "Quando
lidando com regimes ditatoriais, especialmente aqueles capazes de causar danos aos EUA e
(ou) aos seus aliados, deve ser buscada a transformação e não a coexistência65" (KAGAN;
KRISTOL, 2000, p. 20) (Tradução nossa).
Em 2004, William Kristol escreveu um postscript (2004, p. 75) acerca das suas ideias
expostas ao longo da década de 1990 e consolidadas em Present Dangers. Ele aponta que
nada do que ele havia escrito teve muito impacto durante a década de 1990. Suas ideias
começaram a ser levadas a sério nos círculos de política externa dos EUA, no fim da década
de 1990, mas apenas por uma minoria de republicanos e conservadores. Mesmo com a eleição
de George W. Bush nada aconteceu. No entanto, após os atentados de 11 de setembro de 2001
as lideranças políticas mostraram-se abertas à ideia de que a força, liderança e princípios
“americanos” eram necessários para lidar com os novos perigos que despontavam.
Repentinamente, a ideia de mudança de regimes e promoção da democracia como metas da
política externa estadunidense tornou-se convincente. Desse modo, a sugestão neocon de
“clareza moral” tornou-se importante para a política externa dos EUA. Assim, “essa nova
escola de pensamento pareceu influenciar ou mesmo guiar a administração Bush”,
manifestando-se na derrubada do regime do talibã afegão ao fim de 2001, na promulgação da
National Security Strategy de 2002, e na Guerra contra o Iraque para derrubar Saddam
Hussein em 2003 (Ibid., p. 75-76).
Paralelamente a esse corpo de ideias acerca de política externa, também ganhava
adeptos a linha de pensamento defendida por Charles Krauthammer, denominada por ele
como “realismo democrático”, onde “o interesse nacional não é definido em termos de poder,
mas de valores” (KRAUTHAMMER apud AYERBE, 2006, p. 99). Nesse sentido, a guerra
preventiva e a construção de Estados democráticos representavam uma alternativa coerente
para enfrentar os responsáveis pelo 11 de setembro (AYERBE, 2006, p. 99-100).
Ainda com relação a política externa, um ponto central a ser destacado é que todas as
análises referentes ao neoconservadorismo estadunidense apontam que o pensamento neocon

65
"When it comes to dealing with tyrannical regimes, especially those with the power to do us or our allies
harm, the United States should seek not coexistence but transformation" (KAGAN; KRISTOL, 2000, p. 20).
46

não é monolítico nem unificado. William Kristol, por exemplo, favoreceu a intervenção no
Kosovo, ao passo que Charles Krauthammer se opôs a ela; Kristol e Kagan apoiaram
entusiasticamente a criação de um Estado democrático no Iraque, enquanto James Q. Wilson e
outros viam aquele esforço como destinado ao fracasso. Dificilmente se poderia dizer que o
presidente George W. Bush seguiu cegamente o pensamento neocon como um “Road Map66”,
uma vez que não existia um caminho único nesse pensamento. Mesmo no Iraque, parte dos
neocons pressionava a administração Bush para enviar mais tropas àquele país, ao passo que
outros buscavam uma estratégia aceitável de saída daquele país (STELZER, 2004, p. 14-15).
Na década de 1990, os expoentes neoconservadores dividiam-se, basicamente, em dois
campos, compartilhando três pontos em comum: a oposição ao isolacionismo proposto por
Pat Buchanam67, bem como ao realismo do Secretário de Estado James Baker e do primeiro
presidente Bush, assim como ao humanitarismo cosmopolita da administração Clinton. Mas,
para além dessa convergência, os neocons estavam divididos em duas alternativas. Alguns
como William Kristol e Robert Kagan argumentavam que os interesses "americanos" seriam
melhor servidos por meio da promoção da democracia pelo mundo. Os integrantes dessa
corrente do pensamento neocon defendiam uma vigorosa resposta dos EUA a crises como a
do Kosovo e Ruanda, sendo apelidados, segundo Wolfson de “evangelistas da democracia”.
Mas, ao contrário dos “Wilsonians” liberais, a sua defesa da promoção da democracia e dos
direitos humanos não era um fim si mesma. A promoção da democracia era percebida como
meio para apoiar a segurança e a proeminência dos EUA, sendo, portanto, diretamente
relacionada com o interesse nacional dos EUA (WOLFSON, 2004, p 227).
O segundo campo, cujo principal expoente era Charles Krauthammer, priorizava uma
visão distinta, defendendo uma política externa proativa e baseada em princípios, porém
menos inclinada a ver os interesses nacionais dos EUA como perfeitamente coincidentes com
a promoção da democracia no exterior. Para esses neocons, a meta de fazer da democracia
uma preferência global universalmente aceita era inalcançável. Do mesmo modo, acreditam
que a participação em missões de caráter puramente humanitário, dissociadas dos interesses
dos EUA, como no caso do Kosovo, são mais propensas a fazer com que o público
estadunidense se desinteresse pelos temas de política externa, fortalecendo as posições
isolacionistas, rejeitadas pelo pensamento neoconservador (Ibid., p 227-228).

66
Conceito utilizado neste trabalho, tal como definido por Judit Goldstein e Robert O. Keohane, em Ideas and
Foreign Policy – Beliefes, Institutions, and Political Change (1993, p. 13-14), isto é: um conjunto de ideias
que serviriam de bússola, ou trajetórias conceituais (pathways), para formulação de estratégias para a ação
política.
67
Vide Apêndice A, para síntese biográfica correspondente (Nota do autor).
47

Mais próximo dessa posição, Paul Wolfowitz, em seu artigo Statesmanship in the New
Century (2000), analisa o período imediatamente posterior ao fim da Guerra Fria e apresenta
sua prescrição para política externa dos EUA. No que tange a mudança de regimes e a
promoção da democracia como um dos eixos da política externa dos EUA, ele é categórico ao
afirmar que: "O que é mais impressionante é a freqüência com que a promoção da democracia
tem realmente avançado outros interesses americanos. [...] A mudança democrática não é
apenas uma forma de enfraquecer os nossos inimigos, é também uma maneira de fortalecer os
nossos amigos68" (WOLFOWITZ, 2000, p. 319-320) (Tradução nossa).
No entanto, Wolfowitz alerta quanto ao cuidado para que não se implemente uma
política externa que dedique igual esforço para promover a democracia em todos os lugares,
independentemente de cada circunstancia particular. Nesse sentido ele destaca: “Além da
questão da importância de um país para os interesses dos EUA, não podemos ignorar o
incômodo fato de que as condições econômicas e sociais podem melhor preparar alguns
países para a democracia do que outros69” (Ibid., p. 320).
Ao apontar quais seriam as políticas que os EUA deveriam adotar para minimizar uma
futura guerra (“quente ou fria”) com alguma outra potência, Wolfowitz apresenta quatro
pontos centrais de natureza prática e moral, a seguir sumarizados (Ibid., p. 333-334):
• Fortalecer e ampliar o “consenso” acerca das vantagens da democracia liberal e do
livre mercado.
• Manter e fortalecer a estrutura de aliança dos Estados liberais-democráticos, incluindo
a OTAN e as alianças bilaterais que os EUA têm com outros Estados em outras
regiões.
• Lidar de forma efetiva com os Estados Párias, bem como com outros Estados
perturbadores da ordem internacional.
• Manter a liderança dos EUA, incluindo sua preponderância militar.

Em síntese, à luz dos autores analisados nesta seção e na anterior, podemos evidenciar
no quadro abaixo, os seguintes pontos do pensamento neoconservador estadunidense, acerca
da política externa, no período pós-Guerra Fria:

68
“What is more impressive is how often promoting democracy has actually advanced other American interests.
[…] Democratic change is not only a way to weaken our enemies, it is also a way to strengthen our friends”
(WOLFOWITZ, 2000, p. 319-320).
69
“Aside from the question of the importance of a country for U.S. interests, we cannot ignore the uncomfortable
fact that the economic and social conditions may be better prepare some countries for democracy than others”
(WOLFOWITZ, 2000, p. 320).
48

Autor Princípio Neocon


Irving  Repúdio a qualquer tentativa de estabelecimento de um governo mundial; e o interesse
Kristol nacional como algo além de interesses materiais (KRISTOL, 2004, p. 36).
 Os EUA devem usar a força quando necessário para promover os interesses e ideais
“americanos”, não por humanitarismo, mas porque a disseminação da democracia
Max Boot liberal aumenta a segurança dos EUA (BOOT, 2004, p. 49).
 Visão pessimista em relação à ONU, mas reconhecendo que existem causas defendidas
nas Nações Unidas que são coincidentes com os interesses dos EUA e, portanto, a
organização não pode ser descartada (Ibid., p. 50).
 A crença de que o regime de governo de um Estado é importante, “e que a política
externa deve refletir os valores mais profundos das sociedades liberais democráticas”
(FUKUYAMA, 2006, p. 56).
 A crença de que o poder estadunidense “tem sido e pode ser usado para fins morais e
Francis que os Estados Unidos precisam permanecer envolvidos nos assuntos internacionais”,
Fukuyama pois como potência dominante, o país tem “responsabilidades especiais na área de
segurança” (Ibid., p. 56).
 “Ceticismo a respeito da legitimidade e da eficiência das leis e instituições
internacionais, principalmente da ONU, para conseguir segurança ou justiça” (Ibid., p.
57).
 Tornar a democracia uma instituição universal por meio da deposição de regimes
ditatoriais que ameacem a segurança dos EUA e a ordem mundial. Para isso, o uso da
força militar é um recurso passível de ser usado em última instância (STELZER, 2004,
Irwin p. 9).
Stelzer  Percepção negativa da ONU que, no entanto, é uma instituição que não pode ser
descartada. “[...] diplomacia se possível, força se necessário, ONU se possível,
coalizões ad hoc ou ação unilateral se necessário; ataque preemptivo se for razoável
para impedir uma ação hostil por parte dos inimigos dos EUA (Ibid., p. 10).
 A ideia de mudança de regimes e promoção da democracia como metas da política
William externa “americana” tornou-se convincente. Desse modo, a sugestão neocon de
Kristol “clareza moral” tornou-se importante para a política externa dos EUA (KRISTOL,
2004, p. 76).
 “[...] O objetivo primordial da política externa americana continua o mesmo -
preservar e ampliar uma ordem internacional em consonância com os nossos interesses
princípios” (KAGAN; KRISTOL, 2000, p. 12).
Robert  "[...] na era pós-Guerra Fria um dos principais objetivos da política externa americana
Kagan deve ser promover uma mudança de regime em nações hostis - em Bagdá e Belgrado,
e em Pyongyang e Pequim, bem como em qualquer lugar onde os governos tirânicos
William adquiram o poder militar para ameaçar seus vizinhos, nossos aliados e os Estados
Kristol Unidos" (Ibid., p. 17).
 "O propósito da política externa deve ser claro: Quando lidando com regimes
ditatoriais, especialmente aqueles capazes de causar danos aos EUA e (ou) aos seus
aliados, deve ser buscada a transformação e não a coexistência" (Ibid., p. 20).
 Fortalecer e ampliar o “consenso” acerca das vantagens da democracia liberal e do
livre mercado (WOLFOWITZ, 2000, p. 333).
 Manter e fortalecer a estrutura de aliança dos Estados liberais-democráticos, incluindo
Paul a OTAN e as alianças bilaterais que os EUA têm com outros Estados em outras
Wolfowitz regiões (Ibid., p. 333).
 Lidar de forma efetiva com os Estados Párias, bem como com outros Estados
perturbadores da ordem internacional (Ibid., p. 333).
 Manter a liderança dos EUA, incluindo sua preponderância militar (Ibid., p. 334).

Quadro 2 – Síntese dos pontos centrais do pensamento neoconservador estadunidense acerca


da política externa.
49

Do Quadro 2, podemos condensar o pensamento neocon, acerca de política externa,


nos seguintes pontos centrais:
 Preservar e ampliar uma ordem internacional em consonância com os interesses,
valores e princípios dos EUA.
 Exportar a democracia, inclusive por meio do emprego da força, não por
humanitarismo, mas porque a disseminação da democracia liberal aumentará a
segurança dos EUA.
 A política externa deve refletir os valores das sociedades liberais democráticas
 Ceticismo a respeito da legitimidade e da eficiência das leis e instituições
internacionais, principalmente da ONU que, no entanto, não pode ser descartada.
 Formar coalizões ad hoc ou partir para a ação unilateral, se necessário, para
garantir a segurança dos EUA.
 Ataque preemptivo se for necessário para impedir uma ação hostil por parte dos
“inimigos” dos EUA.
 Manter a liderança dos EUA, incluindo sua preponderância militar.

Em consonância com o objetivo deste capítulo, uma vez analisados e evidenciados os


pontos que constituem o núcleo central do pensamento neoconservador, principalmente no
que tange à política externa, será feita a análise do momento em que esses pontos centrais
mostraram-se coerentes com a realidade que se apresentava aos formuladores e decisores da
política externa dos EUA e, principalmente, qual o seu alcance na Administração George W.
Bush.

1.4 A Administração George W. Bush e o Neoconservadorismo

Analisando a influência do pensamento neocon no governo George W. Bush, Max


Boot aponta que a existe a percepção de que essa influência decorreu da presença de
“agentes” infiltrados tais como Paul Wolfowitz (Deputy Secretary of Defense), Douglas Feith
(Under Secretary of Defense for Policy), Lewis “Scooter” Libby (The Vice President’s chief
of Staff), Elliot Abrams (The National Security Council Staffer for Near East, South-west
Asian, and North African Affairs) e Richard Perle (membro do Defense Policy Board). Todos
esses personagens caracterizam-se pela defesa de uma agressiva e, se necessária, ação
50

unilateral dos EUA na promoção da democracia, direitos humanos e livre mercado, bem como
pela manutenção da primazia estadunidense no mundo (BOOT, 2004, p. 45).
Boot argumenta que a lista acima tem nomes de peso, mas também revela que os
neocons não tinham representantes nos escalões superiores da administração Bush. O
presidente Bush, o vice-presidente Dick Cheney, o Secretário de Defesa Donald Runsfeld, o
Secretário de Estado Colin Powell e a Conselheira de Segurança Nacional Condoleezza Rice,
não são identificados, nem se identificam como neoconservadores. Boot aponta Powell como
um liberal internacionalista, e os demais como conservadores tradicionais (Ibid., p. 45). Boot
argumenta que a ideia de que os neocons haviam dominado a Casa Branca ganhou
plausibilidade quando os EUA derrubaram Saddam Hussein e abraçaram a promoção da
democracia no Oriente Médio – ações defendidas por anos pelos expoentes do pensamento
neoconservador. No entanto, Boot argumenta que essas políticas foram implementadas pelo
governo George W. Bush em função dos atentados de 11 de setembro (Ibid., p. 46).
Adam Wolfson (2004, p. 228) ressalta que, quando George W. Bush foi eleito para a
presidente, em 2000, nenhuma das duas visões dominantes do pensamento neocon, acerca da
política externa, parecia causar muita impressão no novo governo dos EUA70. Durante a
campanha presidencial, Bush e seus assessores apontavam para uma política externa contida,
principalmente no que tange às intervenções militares.
Os eixos centrais dessa política externa seriam a preservação da preponderância militar
dos EUA, a correção de alguns tratados afetos ao controle de armas nucleares com a Rússia, e
evitar o engajamento do país em intervenções humanitárias dissociadas dos interesses
estadunidenses (FRACHON; VERNET, 2006, p. 113). Os debates com o candidato
democrata Al Gore, no que tange a política externa, foram em grande parte centrados nas
posições divergentes entre Bush e Gore acerca do emprego das Forças Armadas
estadunidenses como “construtores de nações”, onde Bush criticava o envolvimento dos EUA
em casos como o da Bósnia e da Somália. Mais relevante para esse trabalho é fato de que o
combate ao terrorismo não aparecia como prioridade da política externa de nenhum dos dois
candidatos (BUSH, 2010, p. 205). Mas, os atentados de 11 de setembro de 2001 trouxeram
um novo contexto e uma nova realidade. No período subseqüente aos atentados, o presidente
Bush e seus assessores mais próximos passaram a defender uma política externa enérgica e
nacionalista. Defrontados com uma crise sem precedentes na história da segurança

70
Durante as primárias do Partido Republicano para a escolha do candidato que disputaria a presidência nas
eleições de 2000, a maioria dos neoconservadores apoiava abertamente o senador John McCain e criticava a
proposta de política externa do candidato George W. Bush por ser muito próxima do paradigma realista
(WOLFSON, 2004, p 226).
51

estadunidense, a administração Bush encontrou no neoconservadorismo um corpo de ideias


capaz de promover a união da sociedade, frente àquela ameaça, bem como uma estratégia a
ser implementada.
Irwin Stelzer argumenta que, embora não tão poderosos quanto se possa crer, os
neocons tiveram influência de peso na administração Bush. Nesse sentido, sem dúvida, alguns
Think Tanks, tais como o American Enterprise Institute71 e o Project for the New American
Century72 (PNAC) contribuíram para a formulação da política externa do governo George W.
Bush, a partir dos eventos de 11 de setembro de 2001, (STELZER, 2004, p. 5). Os
neoconservadores estiveram engajados em um esforço ostensivo para persuadir o governo
estadunidense a adotar uma visão de mundo radicalmente diferente daquela adotada nos anos
posteriores ao término da Guerra Fria (Ibid., p. 6).
Stelzer (2004, p. 15-16) aponta que houve influência considerável nos rumos da
política externa do governo Bush após os atentados de 11 de setembro e que a postura
estratégica adotada pela administração Bush, a partir daqueles trágicos eventos, tem suas
origens no Defense Planning Guide (DPG) preparado em 1992, por Paul Wolfowitz, então
Under Secretary of Defense for Policy, no Departamento de Defesa, então a cargo de Dick
Cheney.
Este documento tornou-se famoso, quando em 1992, o memorando de Paul Wolfowitz
contendo uma minuta do DPG vazou para o The New York Times, causando uma série de
constrangimentos ao governo George H. W. Bush. Em Second Chance: Three Presidents and
the Crisis of American Superpower, Zbigniew Brzezinski (2008, p. 80-81), esclarece que o
documento sublinhava as novas realidades inerentes ao novo status dos EUA como única
superpotência e continha uma série de recomendações para explorar as novas circunstâncias
decorrentes do colapso da URSS e da derrota do Iraque na coalizão montada na operação
Desert Storm. O DPG preconizava que a zona de predominância estadunidense deveria ser
expandida em direção ao Leste europeu e ser firmemente consolidada no Oriente Médio. O
documento estava calcado na superioridade militar global dos EUA. Alguns dos seus

71
Já comentado na seção 1.1.2 deste trabalho (Nota do autor).
72
Think Tank fundado por William Kristol em 1997, com o objetivo de promover a liderança global
“americana”. Outros membros fundadores do PNAC foram Dick Cheney, Donald Runsfeld, Paul Wolfowitz e
Elliot Abrams, todos futuramente ocuparam posições-chave na administração, exceto Kristol (KAGAN;
KRISTOL, 2004, p. 5).
O PNAC é dedicado a disseminar as seguintes proposições: a liderança americana é boa para a América e para
o mundo, e essa liderança exige força militar, energia diplomática e compromisso com princípios morais
(PROJECT FOR A NEW AMERICAN CENTURY - PNAC. About PNAC. Disponível em:
<http://www.newamericancentury.org/aboutpnac.htm/>. Acesso em: 12 jun. 2011).
52

elaboradores - Irving Lewis "Scooter" Libby73 e Paul Wolfowitz74 - eram, então, funcionários
de nível intermediário do Departamento de Defesa, então a cargo de Richard Cheney. Apesar
de alterado para ressaltar o compromisso dos EUA com as Alianças existentes e destacar a
cooperação com os Estados que antes eram vistos como adversários, o documento plantou as
sementes para uma política externa unilateralista pautada no emprego da força militar de
forma preemptiva e, mesmo preventiva, que emergiu uma década depois, com estes
personagens em funções de próximas ao Vice-Presidente e ao Secretário de Defesa
(BRZEZINSKI, 2008, p. 80-81).
Os atentados de 11 de setembro viabilizaram e catalisaram a implementação dessa
política externa, mas existe também um componente decorrente da argumentação e da
capacidade de “persuasão” do pensamento neoconservador na sociedade estadunidense. Essa
“persuasão” apresentava-se disponível tanto nas questões afetas a política externa quanto
naquelas de política interna.
Nesse sentido, as ideias centrais do pensamento neoconservador foram veiculadas em
Think Tanks como o American Enterprise Institute (AEI) e o Project for a New American
Century (PNAC) e em publicações como The Weekly Standard75, The National Interest76 e
The Commentary77 (STELZER, 2004, p. 18). Nesse sentido a força do ideário neocon não
pode ser atribuída aos recursos disponíveis do seu principal Think Tank, o PNAC. Stelzer
aponta que o PNAC, até 2004, nunca teve mais do que quatro funcionários e um orçamento
anual de aproximadamente quatrocentos mil dólares.

73
Irving Lewis "Scooter" Libby exerceu as seguintes funções, durante a década de 1990, no Departamento de
Defesa: 1989-1992 - Deputy Undersecretary for Strategy and Resources; 1992-1995 - Deputy Undersecretary
for Policy. No período 2001 a 2005 retornou ao governo como Chefe de Gabinete e Conselheiro de questões
de Segurança Nacional do Vice-Presidente Dick Cheney (Assistant to the President, Chief of Staff to the Vice
President e National Security Affairs Adviser to the Vice President) (RIGHT WEB. 1992 Draft Defense
Planning Guidance. <http://www.rightweb.irc-online.org/profile/1992_Draft_Defense_Planning_Guidance>).
74
Entre 1989 e 1992 exerceu o cargo de Undersecretary of Defense for Policy. Entre 2001-2005 retornou ao
Departamento de Defesa como Deputy Secretary of Defense, tendo papel de destaque na formulação da
política de resposta aos ataques de 11 de setembro de 2001 (Ibid.).
75
Fundada em 1995 por William Kristol, filho de Irving Kristol, juntamente com Fred Barnes, e John Podhoretz,
a Weekly Standard é um veículo de propagação do neoconservadorismo contemporâneo, apresentando ideias
construídas em alguns Think Tanks neoconservadores, principalmente no Project for the New American
Century e no American Enterprise Institute (RIGHT WEB. Weekly Standard. <http://www.rightweb.irc-
online.org/profile/Weekly_Standard>).
76
Já comentada na seção 1.1 deste trabalho (Nota do autor).
77
Já comentadas na seção 1.1 deste trabalho (Nota do autor).
53

Se comparado com o Hudson Institute78 cujo orçamento era da ordem de oito milhões
de dólares, o orçamento do PNAC é irrelevante. Isso sem falar na Brookings Institution79 que,
em 2004, congregava cerca de 150 acadêmicos e um orçamento anual da ordem de 40 milhões
de dólares. Mesmo o AEI, Think Tank simpático ao pensamento neoconservador tinha, em
2004, 65 acadêmicos e orçamento de 18 milhões de dólares anuais (STELZER, 2004, p. 25).
Em síntese, a implementação das ideias associadas ao pensamento neocon são mais
um produto das circunstâncias específicas do cenário internacional do que o resultado do
sucesso de uma rede de conspiradores constituída por intelectuais que capturou os corações e
mentes do governo Bush. Os atentados de 11 de setembro de 2001 podem ter sido a causa
imediata da adoção de alguns pontos centrais do neoconservadorismo nas questões de política
externa. Mas, Stelzer (2004, p. 13) aponta que havia mais de uma década de debates,
argumentos, publicações nas quais essas ideias vinham tomando corpo e penetrando na
sociedade estadunidense. Essas ideias, já sistematizadas, forneceram a base intelectual para
política externa do governo Bush após os atentados de 11 de setembro.
No que tange à política externa, é também um dos objetivos do presente trabalho,
analisar o processo de decisão da política externa dos EUA, durante o governo do presidente
George W. Bush, após os atentados de 11 de setembro de 2001, a fim de verificarmos “se” e
“como” aquele contexto específico proporcionou a reorientação da política externa
estadunidense de forma consonante com os pontos centrais do pensamento neoconservador,
sem que houvesse neoconservadores nos escalões superiores da administração Bush. Esse é
um ponto central a ser analisado e, para, tanto, no capítulo seguinte, buscaremos analisar o
processo decisório da política externa dos EUA, à luz da Teoria de Unidades de Decisão80, a
fim de identificar quais atores participam desse processo, bem como qual o peso da coesão de
ideias sobre os resultados desse processo, no governo George. W. Bush, após os atentados de
11 de setembro de 2001.

78
O Hudson Institute é um Think Tank fundado em 1961, que se define como não-partidário e dedicado à
pesquisa e análise de temas voltados para a promoção da liberdade, prosperidade e segurança global
(HUDSON INSTITUTE. Mission Statement.
<http://www.hudson.org/learn/index.cfm?fuseaction=mission_statement>) No entanto, congrega entre seus
pesquisadores e colaboradores, alguns expoentes do pensamento neoconservador, tais como: Douglas Feith,
Lewis Libby, Irwin Stelzer e Norman Podhoretz (HUDSON INSTITUTE. Hudson Scholars.
<http://www.hudson.org/index.cfm?fuseaction=hudson_scholars>).
79
Fundada em 1916, a Brookings Institution é o mais antigo Think Tank dos EUA, caracterizando-se por
posições moderadas e suprapartidárias, embora seja considerada como uma instituição mais próxima do
partido democrata (AYERBE, 2006, p. 55).
80
Tal como apresentada por Margareth H. Hermann, em How Decision Units Shape Foreign Policy (Vide
Referências Bibliográficas) (Nota do autor).
54

2 O PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO EM POLÍTICA EXTERNA NOS EUA

No presente Capítulo será analisado o processo decisório da política externa do


governo George W. Bush, após os atentados de 11 de setembro de 2001, à luz da Teoria de
Unidades de Decisão, de Margareth Hermann81 (2001), a fim de identificar qual o lócus
decisório e quais os atores participantes desse processo; se houve um corpo de ideias
compartilhadas entre esses atores; e se essas ideias eram consonantes com os pontos centrais
do pensamento neoconservador.
Cabem aqui algumas considerações acerca do modelo teórico selecionado para a
análise proposta no presente Capítulo, isto é, a Teoria de Unidades de Decisão. A lógica que
norteou essa escolha foi decorrente de uma suposição que tínhamos ao início do trabalho, qual
seja: a de que não havia indivíduos notadamente identificados como neoconservadores no
primeiro escalão do governo George W. Bush e que nem o presidente em pauta poderia ser
descrito com um neocon, quando iniciou seu primeiro mandato em 2001. Essa suposição se
delineou mais nitidamente na elaboração do Capítulo 1 e foi confirmada, conforme será
exposto, ao longo da pesquisa do presente capítulo. Assim, coube questionar onde se
encontrava de fato, o lócus decisório da política externa estadunidense, bem como se
determinadas circunstâncias poderiam fazer com que um determinado conjunto de ideias, até
então não dominante, passasse a ter um poder explanatório coerente para os decisores de
política externa. Do mesmo modo, caso esse conjunto de ideias despontasse com um “Road
Map82” para os integrantes do lócus decisório em pauta, a coesão decorrente dessas ideias
teria que tipo de impacto nas decisões tomadas? Nesse contexto, conforme exposto na
Introdução deste trabalho, coube também questionar se existia um modelo teórico que
pudesse explicar o processo de decisão da política externa dos EUA, em consonância com um
núcleo central de ideias, percebido como coerente com uma determinada realidade que se fez
presente em decorrência de acontecimentos singulares, no caso os atentados de 11 de
setembro de 2001.

81
Margaret Hermann é Professora de Ciência Política e diretora do Moynihan Institute of Global Affairs, na
Maxwell School, da Syracuse University. É especialista no estudo de liderança política, tomada de decisão em
política externa e gerenciamento de crises (MAXWELL SCHOOL OF SYRACUSE UNIVERSITY. Margaret
Hermann. < http://www.maxwell.syr.edu/hermann/>).
82
Conforme apontado no Capítulo 1, este é um conceito utilizado neste trabalho, tal como definido por Judit
Goldstein e Robert O. Keohane, em Ideas and Foreign Policy – Beliefes, Institutions, and Political Change
(1993, p. 13-14), isto é: um conjunto de ideias que serviriam de bússola, ou trajetórias conceituais (pathways),
para formulação de estratégias para a ação política (Nota do autor).
55

Nossa pesquisa por esse modelo teórico remeteu, inicialmente, aos consagrados
trabalhos de Graham T. Allison - Conceptual Models and the Cuban Missile Crisis e Essence
of Decision: Explaining the Cuban Missile Crisis - acerca de Modelos de Escolha Racional
aplicados ao processo decisório de política externa. No entanto, ampliando a pesquisa,
estudamos a Teoria de Unidades de Decisão, desenvolvida pela professora Margaret Hermann
e publicada na International Studies Review (2001), com o título How Decision Units Shape
Foreign Policy: A Theoretical Framework. Conforme explica Hermann (2001, p. 48) a
abordagem por ela utilizada foi baseada nos trabalhos já realizados por vários estudiosos dos
processos decisórios em política externa, tais como: Graham T. Allison, Robert Putnam,
Thomas Preston, Joe D. Hagan, Morton Halperin e Charles F. Hermann entre outros. Em
linhas gerais estes trabalhos analisam o processo decisório à luz de modelos que se
concentram na política burocrática, nas dinâmicas de grupo, nos sistemas de assessoria e
aconselhamento presidencial, na política governamental, liderança, políticas de coalizão, e nas
estratégias para lidar com a oposição interna. O modelo proposto por Hermann busca integrar
todas essas abordagens (HERMANN, 2001, p. 48).
Ao ser analisado, o constructo teórico em pauta nos pareceu capaz de responder
adequadamente às perguntas por nós formuladas, e apresentadas na página anterior, portanto,
selecionamos o Modelo proposto por Hermann para avaliar “se” e em que grau o pensamento
neocon esteve presente na administração George W. Bush, tomando por base analítica, à luz
do modelo selecionado, três decisões cruciais da Administração Bush: a declaração da
“Guerra contra o Terror”, a Guerra no Afeganistão e a Guerra no Iraque.
Para tanto, faremos uma descrição sucinta do modelo proposto por Hermann, a fim de
que possamos entender quais os conceitos apresentados pela autora em pauta, bem como a
dinâmica da sua utilização. Em seguida, analisaremos a estrutura legal do governo dos EUA,
nas questões afetas à decisão da política externa, a fim de que possamos evidenciar a estrutura
vigente na administração George W. Bush e, em consonância com ela, aplicar o modelo
teórico proposto por Hermann. Ato contínuo será aplicado o modelo em pauta, nas três
ocasiões específicas supracitadas para a tomada de decisão: a declaração de “Guerra contra o
Terror”, a Guerra no Afeganistão e a Guerra no Iraque. Desse modo, será identificado o lócus
decisório da política externa durante a administração George W. Bush, quais os seus
integrantes, qual a dinâmica decisória vigente, bem como o peso dos pontos centrais do
pensamento neoconservador nas decisões decorrentes do contexto posterior aos atentados de
11 de setembro de 2001.
56

2.1 Margareth Hermann e o Modelo das Unidades de Decisão

Como base para o seu constructo teórico, Hermann denomina os atores participantes
do processo decisório, no âmbito da política externa, como “Unidades de Decisão”. A
premissa da autora é que existe um modo de classificar estas unidades de decisão que pode
incrementar a nossa capacidade de entendimento e predição do comportamento dos governos
no âmbito da política externa. Ela aponta que três tipos de unidades de decisão são
encontrados nos diversos tipos de organizações políticas: o Líder Predominante, o Grupo
Único, e a Coalizão de Agentes Autônomos (HERMANN, 2001, p. 47).
Embora reconhecendo que existem inúmeros fatores domésticos e internacionais que
podem exercer (e exercem) influência sobre a política externa, Hermann argumenta que estas
influências são necessariamente canalizadas através do aparelho político de um governo, o
qual identifica, decide e executa a política externa. Assim, a política é feita por pessoas, que
se articulam em configurações diversas, dependendo da natureza do problema e da estrutura
do governo. O argumento central é o de que, dentro de qualquer governo, existe um indivíduo
ou um conjunto de indivíduos com a capacidade de empenhar os recursos da sociedade e,
quando confrontado com um problema, possui a autoridade para tomar uma decisão frente a
esse problema. Hermann denomina esse conjunto de decisores como a Unidade de Decisão
Dominante e busca compreender como eles dão forma ao processo de decisão de política
externa (Ibid., p. 47-48).
Em linhas gerais o modelo proposto por Hermann tem as seguintes características e
componentes: (1) aborda a tomada de decisão como uma resposta aos problemas que
envolvem a política externa, sendo que esses problemas implicam em uma Ocasião para
Decisão; (2) tem seu foco em três tipos de Unidade de Decisão Dominante (o Líder
Predominante, o Grupo Único, e a Coalizão de Agentes Autônomos); (3) define os principais
resultados do processo, em função da Unidade de Decisão Dominante; e (4) liga os resultados
desses processos de decisão ao tipo de ação adotada. Quando combinados, estes componentes
articulam uma abordagem alternativa para o estudo da tomada de decisão em política externa.
O diagrama apresentado na Figura 1 apresenta as relações entre desses diferentes
componentes.
57

O Problema

Líder
Predominante

Ocasião para Emerge a Grupo Único Resultado do


a Decisão Unidade de Processo
Decisão
Coalizão

Ação a ser
Adotada

Inputs Unidade de Decisão Outputs

Figura 1 – Relações entre os componentes do Modelo de Unidades de Decisão


Fonte: HERMANN, 2001, p. 51-52

2.1.1 Iniciando o Processo – o Reconhecimento de um Problema e a Ocasião para a Decisão

No modelo em pauta, o fator causal de uma decisão no âmbito da política externa é o


reconhecimento de um problema que demanda uma resposta por parte das unidades de
decisão. Assim, quando os problemas são reconhecidos, as unidades de decisão são, em geral,
instadas a lidar com eles. Portanto, um problema é o “gatilho” do processo de tomada de
decisão em política externa (HERMANN, 2001, p. 53).
Já as Ocasiões para a Decisão representam aqueles pontos no processo de decisão, em
que frente ao reconhecimento de um problema, surge a percepção, por todos os envolvidos, de
que existe a necessidade de se desencadear uma ação, mesmo que a ação escolhida seja a de
“não fazer nada”. Nesse sentido, a ocasião para a decisão proporciona aos observadores e
analistas uma unidade básica de análise para estudar como os policymakers e os governos
lidam com problemas de política externa. Portanto, cada vez que houver uma nova ocasião
para a decisão, o modelo deve ser reaplicado, para vermos se a unidade de decisão mudou ou
algum aspecto estabelecido dentro da unidade decisão foi alterado (Ibid., p. 54-56).
58

2.1.2 A Unidade de Decisão Dominante

No ápice da tomada de decisão em política externa, em todos os governos ou partidos


no poder, encontra-se um grupo de atores - a Unidade de Decisão Dominante – que tem tanto
a capacidade de empenhar os recursos do governo nos assuntos externos, quanto o poder de
impedir que outras entidades do governo revertam facilmente a sua posição. O ponto básico
destacado pela autora é que para a maioria dos problemas de política externa e ocasiões para
decisão, uma pessoa ou conjunto de pessoas autoriza a decisão e constitui, para essa questão,
naquele momento, a Unidade de Decisão Dominante (HERMANN, 2001, p. 56).
Essas possíveis Unidades de Decisão Dominante são, segundo Hermann, os já
mencionados, o Líder predominante, o Grupo Único, e a Coalizão de Agentes Autônomos,
que apresentam as seguintes características:
- Líder Predominante (Predominant Leader): um único indivíduo que tem a capacidade de
abafar toda a oposição e a dissidência, bem como o poder de decidir sozinho, se necessário
(Ibid., p. 56).
- Grupo Único (Single Group): um conjunto de indivíduos, membros de um mesmo órgão
que, coletivamente selecionam um curso de ação, em consulta recíproca entre si (Ibid., p. 57).
- Coalizão de Agentes Autônomos (Coalition of Autonomous Actors): constituída por
indivíduos independentes, grupos ou representantes de instituições que, se alguns ou todos
concordam, podem chegar à uma decisão, mas, nenhum deles, por si só, tem a capacidade de
decidir e impor suas ideias sobre os demais (Ibid., p. 57).

2.1.2.1 Determinando a Unidade de Decisão Dominante em uma Ocasião para a Decisão

Os conjuntos de fatores considerados por Hermann para determinar qual dos três tipos
de unidades de decisão - o Líder Predominante, o Grupo Único, ou a Coalizão de Agentes
Autônomos - terá a autoridade final para responder a uma ocasião para decisão, levam em
conta tanto as estruturas formais quanto as informais de um determinado governo. A questão-
chave a ser respondida é: onde, na estrutura de um governo, o problema está sendo discutido e
recebendo atenção? Para responder a essa pergunta, precisamos determinar como o governo é
legalmente estruturado, bem como observar as normas que têm surgido em torno dos arranjos
institucionais vigentes. O foco deve estar, inicialmente, nas estruturas formais do governo
analisado, para depois passarmos para as estruturas informais que podem estar atuando nessa
59

ocasião para decisão. O propósito é o de identificarmos se existe na liderança do governo em


pauta, um indivíduo com o poder e a autoridade para confirmar ou negar os recursos do
governo no que diz respeito ao problema em questão (um líder predominante), ou se um único
grupo é responsável por lidar com o problema em pauta, ou se dois ou mais atores distintos
(indivíduos, grupos, organizações que impliquem na formação de uma coalizão) devem
concordar antes que os recursos em tela possam ser comprometidos no contexto em questão
(HERMANN, 2001, p. 57-58).

2.1.3 Condições Estruturais que Favorecem a Ação do Líder Predominante

A unidade de decisão é susceptível de ser um Líder Predominante, se a estrutura


governamental tem um indivíduo em sua liderança, que é investido de autoridade, quer pela
Constituição, lei ou prática geral, para confirmar ou negar os recursos do governo no que diz
respeito aos problemas de política externa. O presidencialismo é um exemplo de sistema de
governo que favorece a prevalência da unidade de decisão tipo Líder Predominante, uma vez
que, usualmente é dada ao presidente, a autoridade final sobre a política externa. O ponto
central é que se identificarmos uma estrutura que favorece a unidade de decisão tipo Líder
Predominante precisamos, a seguir, determinar se esse líder exerce, de fato, essa autoridade.
Isso porque, segundo Hermann, os estudos de liderança política apontam que os Líderes
Predominantes são mais propensos a se envolver nas questões de política externa em
proporção direta ao seu interesse, experiência ou conhecimento nessa área. Assim, mesmo no
caso de um arranjo institucional que favoreça a ação de um Líder Predominante, as
características pessoais desse indivíduo, que pode preferir lidar com seus assessores na forma
de um colegiado, podem fazer com que as questões de política externa sejam discutidas e
decididas em outro tipo de Unidade de Decisão Dominante, no caso, o Grupo Único ou a
Coalizão de Agentes Autônomos (Ibid., p. 58-60).

2.1.4 Condições Estruturais que Favorecem a Ação de um Grupo Único

A ocorrência desse tipo de unidade de decisão é favorecida quando existe, na estrutura


do governo, um grupo particular cuja função é lidar com o tipo de ocasião para uma decisão
com a qual se depara o governo. Em outras palavras, pode haver um grupo-chave na
60

burocracia dominante, o qual é encarregado do gerenciamento desses problemas específicos.


Se assim for, a Unidade de Decisão Dominante se torna um Grupo Único ao invés de um
Líder Predominante. Hermann aponta o Politburo na antiga União Soviética, como exemplo
de Unidade de Decisão Dominante, do tipo Grupo Único (HERMANN, 2001, p. 60).
A autora reforça a ideia de que para que a unidade de decisão possa ser considerada
como Grupo Único tem de haver duas ou mais pessoas que interagem diretamente entre si
para alcançar uma decisão coletiva e, mais importante, todas as pessoas necessárias para
comprometer os recursos do governo, no que diz respeito à ocasião especial para a decisão,
devem ser membros do grupo. Essas são condições essenciais para que tenhamos o Grupo
Único como Unidade de Decisão Dominante. Em síntese, na unidade de decisão do tipo
Grupo Único existe uma decisão coletiva, bem como um processo decisório interativo, no
qual participam todos os membros do grupo (Ibid., p. 61).

2.1.5 Condições Estruturais que Favorecem a Ação da Coalizão de Agentes Autônomos

Por vezes a Unidade de Decisão Dominante é composta por múltiplos atores


autônomos. Ou seja, duas ou mais entidades (por exemplo, líderes individuais, grupos de
policymakers, agências burocráticas, grupos de interesse etc) têm o poder de confirmar ou
negar os recursos do governo e nenhum desses atores pode alocar esses recursos sem a
anuência dos demais. Assim, para localizar qual é a Unidade de Decisão Dominante, é preciso
considerar se há ou não atores separados e independentes que devem trabalhar em conjunto
para a tomada de uma decisão, ou nada acontecerá. Em síntese, esse tipo de unidade de
decisão é composto por vários atores independentes que formam uma coalizão para chegar a
uma decisão (Ibid., p. 61-62).
A composição dos múltiplos atores independentes pode ocorrer tanto com entidades
pertencentes ao governo, como de fora desse governo. A ideia central é a de que, para ser
incluído como parte deste tipo de unidade de decisão, o ator externo ao governo, deve
participar do processo de decisão sobre o tema e não apenas atuar na execução da decisão. Em
outras palavras, esses atores não-governamentais devem participar regularmente no processo
de decisão, ou ter o poder de veto, ou a capacidade de reverter as decisões do governo, para
que sejam considerados parte da unidade de decisão (Ibid., p. 62).
61

2.1.6 Determinando a Unidade de Decisão Dominante

À luz do exposto até o momento, a pergunta central é: quais são as regras para
identificar qual desses tipos de unidades de decisão tem a autoridade final, quando as
entidades têm características dos três tipos? Hermann argumenta que, para essa resposta,
precisamos de outras questões correlatas acerca de cada uma das unidades de decisão
consideradas. Assim, quando a ocasião para uma decisão é da competência de um Líder
Predominante, que utiliza conjunto de conselheiros, cabem os seguintes questionamentos:
Será que esse Líder Predominante tende a usar os seus conselheiros como consultores para
fornecer-lhe informações e conhecimentos, mas reserva-se o direito de tomar por a si só a
decisão? Ou será que este líder vê seus conselheiros como uma equipe que, com ele, toma as
decisões sobre as questões consideradas? No primeiro caso, teríamos uma unidade de decisão
tipo Líder Predominante. Já no segundo caso, teríamos um Grupo Único com um Líder
Predominante. Em outras palavras, enquanto o líder mantém a capacidade de fazer a escolha
de sua preferência, a unidade de decisão é do tipo Líder predominante. Se, no entanto, o líder
vê os conselheiros como membros de uma equipe de tomada de decisão, a unidade de decisão
assume as características de um Grupo Único que é interativa e coletiva na sua tomada de
decisão (HERMANN, 2001, p. 63).
Do mesmo modo, em sistemas de governos parlamentaristas, um gabinete de coalizão
é um Grupo Único, se a dinâmica e as estruturas dos partidos representados na coligação não
interferem no processo decisório. Um governo de coalizão funciona como múltiplos atores
independentes, quando os membros do gabinete geralmente participam de um processo de
dois níveis, em que há interação com os líderes dos partidos, bem como com outros membros
do gabinete no enfrentamento de problemas (Ibid., p. 63).

2.1.7 Resultados do Processo de Decisão

Hermann aponta, ao menos, seis resultados possíveis em um processo de tomada de


decisão, independente do tipo de Unidade de Decisão Dominante: a “prevalência da posição
de uma das partes”; o “acordo” (concurrence); o “compromisso mútuo”; o “consenso”; o
“impasse”; e a “ação simbólica fragmentada”. Em cada caso, o resultado do processo indica o
ponto final da decisão em termos das preferências dos envolvidos. Assim, no primeiro dos
possíveis resultados supracitados - “prevalência da posição de uma das partes” -, apenas
62

alguns dos envolvidos no processo de decisão têm suas preferências aceitas na decisão
adotada. Já no “acordo” (concurrence) há um senso comum que é evidente nas preferências
dos envolvidos no início do processo. Um “compromisso mútuo” indica que todas as partes
da unidade de decisão cederam algumas das suas posições, a fim de não perderem
participação no processo decisório. O “consenso” é um tipo particular de compromisso
mútuo, no qual todos cedem para que seja alcançada uma decisão aceita por todos. Com o
“impasse”, os componentes da unidade de decisão “concordam apenas em discordar” e,
portanto, nenhuma decisão pode ser tomada. Já a “ação simbólica fragmentada” é um impasse
em que o desacordo é exposto publicamente, com cada decisor tentando agir por conta própria
e / ou reclamando sobre o comportamento dos demais” (HERMANN, 2001, p. 68-69).
Desse modo, quando ocorre o “impasse” e / ou a “ação simbólica fragmentada” a
unidade é incapaz de tomar uma decisão. Em um “compromisso mútuo”, seja ele consensual
ou não, todos têm parte de suas preferências parcialmente atendidas. No “acordo”
(concurrence), a decisão representa as preferências compartilhadas por todos. Em síntese,
apenas na situação de “acordo” (concurrence) a decisão representa o que todos querem (Ibid.,
p. 69).
No que tange aos resultados, a decisão tende a ser mais extrema quando existe
“acordo” (concurrence), do que quando há “compromisso”. Isso porque no “acordo”
(concurrence) existe um senso comum daquilo que precisa ser feito para lidar com o
problema, isto é, existe uma forte coesão e um senso comum que é evidente nas preferências
dos envolvidos no início do processo. Assim sendo, os participantes podem (ou não) tomar
iniciativas, comprometendo (ou recusando-se a comprometer) os recursos, engajando em
atividades militares e econômicas, não se restringindo apenas à diplomacia. A decisão é clara,
tanto no que tange a cooperação quanto ao conflito. Já o “compromisso mútuo” leva a um
comportamento mais moderado da política externa, uma vez que implica em concessões
mútuas entre as unidades de decisão. Por outro lado, o “impasse” normalmente resulta em
mínima ou nenhuma ação (Ibid., p. 69-70).
O modelo proposto por Hermann foi por ela aplicado no exame de, aproximadamente,
cinco mil decisões, no contexto de 25 países, ao longo de uma década que, em síntese,
apresentaram as seguintes convergências: decisões resultantes de um processo de “acordo”
(concurrence) envolvem um maior comprometimento de recursos por parte do governo, maior
expressão de ações de cooperação ou conflito e maior foco sobre os instrumentos econômicos
e militares da política, em oposição a medidas apenas diplomáticas. No outro extremo,
63

“impasses” levam ao mínimo comprometimento de recursos para a atividade política externa


e, no máximo, produzem uma resposta diplomática (HERMANN, 2001, p. 74-75).
Uma vez exposto o constructo teórico do qual faremos uso, passaremos para a análise
da estrutura formal do governo dos EUA, a fim de identificarmos qual tipo de Unidade de
Decisão Dominante é por ela favorecida. Em seguida passaremos à sua aplicação do modelo
em pauta, no primeiro mandato do presidente George W. Bush, tendo como “Ocasião para a
Decisão”, os atentados de 11 de setembro e a decisão de desencadear a chamada “Guerra
contra o Terror”.

2.2. A Estrutura Formal do Governo dos EUA

Para prover o presidente dos EUA com o necessário apoio para o exercício do
governo, foi criado, em 1939, pelo presidente Franklin D. Roosevelt, o Escritório Executivo
do Presidente83 (EOP). Essa estrutura, administrada pelo Chefe de Gabinete da Casa Branca,
congrega os mais próximos assessores do Presidente, sendo constituído pelos seguintes
órgãos84:
• Council of Economic Advisers;
• Council on Environmental Quality;
• National Security Council (NSC) and Homeland Security Council (Grifo
nosso);
• Office of Administration;
• Office of Management and Budget;
• Office of National Drug Control Policy;
• Office of Science and Technology Policy;
• Office of the United States Trade Representative;
• Office of the Vice President;
• Executive Residence; e
• The White House.
Dentre os órgãos componentes do EOP, o Conselho de Segurança Nacional (National
Security Council - NSC) é o principal fórum para as questões afetas à segurança nacional e

83
Executive Office of the President (EOP) (Nota do autor).
84
THE WHITE HOUSE. Executive Office of The President (<http://www.whitehouse.gov/administration/eop>).
64

política externa. Desde a sua criação no governo do presidente Truman85, a função do


Conselho tem sido a de assessorar e auxiliar o Presidente nessas questões. O Conselho
também atua como principal órgão de coordenação entre várias agências governamentais nas
questões de segurança e política externa. O NSC é presidido pelo próprio presidente dos EUA
e seus componentes regulares (tanto estatutários e não estatutários) são:
• O Vice-Presidente (The Vice President);
• O Secretário de Estado (The Secretary of State);
• O Secretário do Tesouro (The Secretary of the Treasury)
• O Secretário de Defesa (The Secretary of Defense)
• O Assistente do Presidente para Assuntos de Segurança Nacional (The
Assistant to the President for National Security Affairs), também chamado de
Conselheiro de Segurança Nacional (The National Security Adviser).
• The Chairman of the Joint Chiefs of Staff que é o conselheiro militar estatutário
do NSC.
• O Diretor da Agência Central de Inteligência (The Director of National
Intelligence) que é o conselheiro da área de inteligência do NSC86.

O Procurador-geral (The Attorney General) e o Director of the Office of Management


and Budget são convidados a assistir às reuniões referentes às suas responsabilidades. Os
chefes de outros departamentos e agências do executivo, bem como outros altos funcionários,
são convidados a participar nas reuniões do NSC, quando apropriado. No governo George W.
Bush, o Chefe de Gabinete do Presidente (The Chief of Staff to the President), o Conselheiro
do Presidente (The Counsel to the President) e o Assistente do Presidente para a Política
Econômica (Assistant to the President for Economic Policy) participavam das reuniões do
NSC87.
Desse modo, podemos apontar e nominar a estrutura formal do governo George W.
Bush, em setembro de 2001, naquilo que tange ao âmbito da política externa, isto é, o NSC, a

85
O Conselho de Segurança Nacional foi criado por meio do National Security Act of 1947 (PL 235 - 61 Stat.
496; U.S.C. 402), alterado pelo National Security Act Amendments of 1949 (63 Stat. 579; 50 U.S.C. 401 et
seq.). Mais tarde, em 1949, como parte do Plano de Reorganização, o Conselho foi colocado na estrutura
organizacional do Escritório Executivo do Presidente (THE WHITE HOUSE. President George W. Bush.
National Security Council. <http://georgewbush-whitehouse.archives.gov/nsc/>).
86
THE WHITE HOUSE. President George W. Bush. National Security Council (<http://georgewbush-
whitehouse.archives.gov/nsc/>).
87
Ibid.
65

fim de podermos iniciar a aplicação do modelo teórico das Unidades de Decisão, na Ocasião
para a Decisão, decorrente dos atentados de 11 de setembro de 2001. O Quadro 3, sumariza a
composição do NSC, no período compreendido entre 2001 e 2003:

Composição do NSC em setembro de 2001


Membros Regulares (Estatutários e Não-Estatutários) Nome
Presidente George W. Bush (2001-2008)
Vice-Presidente Richard B. Cheney (2001-2008)
Secretário de Estado (The Secretary of State) Colin L. Powell (2001-2005)
Secretário de Defesa (The Secretary of Defense) Donald H. Rumsfeld (2001-2006)
Secretário do Tesouro (The Secretary of the Treasury)
Paul H. O’Neill (2001-2003)

Conselheira de Segurança Nacional (The National Condoleezza Rice (2001-2005)


Security Adviser)
Conselheiros Permanentes do NSC Nome
The Chairman of the Joint Chiefs of Staff General Huhg Shelton que, ainda em
setembro de 2011, passou o cargo ao
General Richard B. Myers (2001-2005)
Diretor da Agência Central de Inteligência (The Director George J. Tenet (2001-2004)
of National Intelligence)
Convidados Regulares Nome
Chefe de Gabinete do Presidente (The Chief of Staff to the Andrew H. Card, Jr. (2001-2006)
President)
Conselheiro do Presidente (The Counsel to the President) Alberto Gonzales (2001-2005)
Assistente do Presidente para a Política Econômica Lawrence B. Lindsey (2001-2002)
(Assistant to the President for Economic Policy)
Convidados Eventuais Nome
Procurador-Geral (The Attorney General) e o John Ashcroft (2001 to 2005)
Director of the Office of Management and Budget Mitchell Elias Daniels, Jr. (2001-2003)

Quadro 3- Composição do NSC durante o período 2001-2003.

À luz do exposto podemos perceber que o núcleo decisório das questões afetas à
segurança nacional e política externa se concentra entre os membros regulares do NSC, isto é,
o Presidente, o Vice-Presidente, os Secretários de Estado, do Tesouro e de Defesa, e o
66

Conselheiro de Segurança Nacional. Também fica evidente que a estrutura formal do governo
dos EUA, para as questões afetas à política externa, favorece a ação da unidade de decisão
tipo Líder Predominante, pois o presidente é o decisor de última instância nessas questões,
sendo o NSC o lócus onde os problemas de política externa recebem atenção e são discutidos.
No entanto, em consonância com o modelo teórico que estamos utilizando, cabe a seguinte
questão: o presidente Bush utilizava seus conselheiros como consultores para fornecer-lhe
informações e conhecimentos, reservando-se o direito de tomar por si só a decisão? Ou será
que via seus conselheiros como uma equipe que, com ele, tomava as decisões sobre questões
consideradas? Conforme visto anteriormente, a resposta afirmativa para a primeira pergunta
apontará para a Unidade de Decisão Dominante tipo Líder Predominante. Já a resposta
afirmativa para a segunda questão indicará que a Unidade de Decisão Dominante é o Grupo
Único. Portanto, para respondermos a essas questões e, assim, identificarmos qual tipo de
unidade de decisão dominante era favorecida no governo George W. Bush precisamos de
mais informações sobre como o Presidente em pauta utilizava seus assessores do NSC, nas
questões afetas à política externa.

2.3. Identificando a Unidade de Decisão Dominante, em Política Externa, no Primeiro


Mandato de George W. Bush

Julgamos pertinente iniciar a presente análise, revendo a campanha presidencial norte-


americana, em 1999-2000, quando o então candidato George W. Bush buscou desviar as
críticas referentes à sua falta de experiência em política externa, explicando repetidas vezes,
que possuía um grupo de assessores / conselheiros eminentes nessa área. Muitos desses
assessores já haviam trabalhado em escalões elevados do governo durante as administrações
de outros presidentes, tais como George H. W. Bush, Ronald Reagan e mesmo Richard Nixon
e Gerald Ford. Nessa equipe, o então candidato George W. Bush contava com Richard
Cheney, Donald Rumsfeld, Colin Powell, Condoleezza Rice, Paul Wolfowitz e Richard
Armitage. Esse grupo de assessores tornou-se, para fins práticos, o principal alicerce em
política externa, para o candidato republicano, durante a corrida para Casa Branca (MANN,
2004, p. ix).
De acordo com James Mann, autor de Rise of the Vulcans: The history of Bush’s War
Cabinet (2004, p. ix-x), durante a campanha de Bush, seus conselheiros de política externa,
adotaram um apelido para descreverem a si mesmos: Vulcans, uma homenagem ao deus
67

romano do fogo e da metalurgia. Começou como uma brincadeira, entre Richard Armitage,
Condoleezza Rice, e Paul Wolfowitz, mas capturou a imagem que a equipe de política externa
de Bush percebia como adequada a campanha, isto é, transmitia uma ideia de poder,
tenacidade e durabilidade.
Com a eleição de Bush, e a subseqüente posse do presidente eleito e dos integrantes da
sua administração, em janeiro de 2001, a equipe de política externa formada parecia, nas
palavras de James Mann (2004, p. x), “a class reunion”. Isso porque muitos dos integrantes
dessa equipe já tinham trabalhado juntos em outras administrações presidenciais, e os laços
entre eles eram fortes. Assim, por exemplo, Donald Rumsfeld, o novo Secretário de Defesa,
havia trabalhado com o novo Vice-Presidente Richard Cheney, durante a administração
Nixon. Por sua vez, Cheney, quando fora Secretário de Defesa, durante o governo George H.
W. Bush havia indicado Colin Powell para o cargo de Chairman of the Joint Chiefs of Staff,
tendo trabalhado juntos por cerca de três anos. Richard Armitage, o novo Deputy Secretary of
State, havia trabalhado com Powell, no Pentágono, durante a administração Reagan. Paul
Wolfowitz, o novo Deputy Secretary of Defense, havia trabalhado em estreita colaboração
com Armitage, durante o governo Reagan. Além disso, Wolfowitz também servira no
Pentágono como assistente de Cheney, na administração “Bush pai”. Até mesmo Condoleezza
Rice, trabalhara, na assessoria de segurança nacional, na tarefa de coordenação política em
relação com a URSS, durante a administração de George H. W. Bush (Ibid., p. x).
E o presidente George W. Bush? Onde ele se encaixa nesse contexto? É notório que o
presidente não havia lidado com questões de política externa antes de 2001. Assim, em
decorrência dessa falta de experiência em política externa, ele contava com seus assessores
para ideias e informação. Para Mann (2004, p. xix), o presidente George W. Bush não poderia
tomar decisões de política externa se esses assessores não apresentassem as possíveis
escolhas. Do mesmo modo, o novo presidente não poderia formular uma política externa que
não emanasse das ideias apresentadas por esses assessores. Mesmo assim, esse contexto, não
minimiza sua importância no processo decisório, pois Bush, como presidente, continuava a
ser, formalmente, o decisor de última instância, isto é, aquele que decidia quando não havia
consenso entre seus assessores (Ibid., p. xix).
Nesse contexto, onde fica patente a inexperiência do presidente George W. Bush nas
questões afetas à política externa e, paralelamente, o modo como ele montou uma equipe de
assessores nessa área, com notada experiência pregressa, podemos depreender que o
presidente George W. Bush via seus conselheiros como uma equipe que forneceria todos os
subsídios para que ele pudesse decidir de forma adequada as questões de política externa, o
68

que aponta para uma unidade de decisão do tipo Líder Predominante. No entanto, se na
prática o presidente em pauta utilizasse seus assessores e conselheiros como membros de uma
equipe de tomada de decisão, nas questões de política externa tratadas no NSC, a unidade de
decisão dominante passaria a ser a de um Grupo Único com um Líder Predominante.
Identificado o lócus decisório, bem como os tipos mais prováveis de Unidade de
Decisão Dominante, no início do primeiro mandato do presidente Bush e considerando como
a Ocasião para a Decisão, o contexto decorrente dos atentados de 11 de setembro 2001, falta
ainda determinar se havia a existência de um senso comum nas preferências dos integrantes
do Grupo Único em pauta, para avaliarmos a natureza dos resultados possíveis em um
processo de tomada de decisão, ou seja, a “prevalência da posição de uma das partes”, o
“acordo” (concurrence), o “compromisso mútuo”, o “consenso”, o “impasse” e a “ação
simbólica fragmentada”. Para tanto, inicialmente, será evidenciado o grau de coesão do grupo
de assessores que, conforme exposto, tornou-se, para fins práticos, o principal alicerce em
política externa do presidente George W. Bush, isto é: Richard Cheney, Donald Rumsfeld,
Colin Powell, Condoleezza Rice, Paul Wolfowitz e Richard Armitage.

2.4. Analisando a Coesão dos Vulcans e o Tipo de Resultado do Processo Decisório

Para James Mann, os Vulcans, como grupo, encarnavam uma geração única na política
externa norte-americana, distinta de outras duas que fizeram história: os denominados Wise
Men (tais como Dean Achenson, George Kennan e Averell Harriman88), que criaram uma
nova política externa para os EUA nos anos subseqüentes à Segunda Guerra Mundial; ou os
Best and Brightest (que congrega Robert McNamara, McGeorge Bundy e Walt W. Rostow89)
que deram os rumos da política externa dos EUA na década de 1960. Mann aponta que os
Wise Men eram originários do mundo dos negócios, banqueiros ou advogados; homens
ligados a Wall Street e à rede de bancos de investimentos e empresas. Os chamados Best and
Brightest tinham suas origens na academia, nos campi de Cambridge, Massachusetts e
Harvard, onde muitos estudaram ou lecionaram. Já os Vulcans, pertenciam a um grupo
“militarizado”. Sua instituição comum era o Pentágono. A nova equipe de política externa do
governo George W. Bush incluía dois ex-Secretários de Defesa (Cheney e Rumsfeld), um ex-
Chairman of the Joint Chiefs of Staff (Colin Powell), um ex-Subsecretário de Defesa

88
Vide Apêndice A para consultar a síntese biográfica desses personagens históricos (Nota do autor).
89
O mesmo da nota anterior (Nota do autor).
69

(Wolfowitz) e um ex-Assistant Secretary of Defense (Armitage). Mesmo Condoleezza Rice


tinha iniciado sua carreira trabalhando para a Joint Chiefs of Staff, no Pentágono (MANN,
2004, p. xiii).
As visões desses três grupos eram distintas. Os Wise Men concentraram-se em
construir instituições que ajudariam a preservar a democracia e o capitalismo na Europa
devastada pela guerra. Os Best and Brightest, com menos sucesso, buscaram usar sua
expertise acadêmica para influenciar o terceiro mundo e conter o que eles viam como
movimentos comunistas na Ásia e na África. Já o foco dos Vulcans estava, acima de tudo, no
poder militar dos EUA. Nos anos 1970 e 80 sua meta era contribuir para a recuperação e
reconstrução das Forças Armadas dos EUA, no contexto de superação dos traumas e
cicatrização das feridas internas causadas pela Guerra do Vietnã. Nos primeiros anos do
século XXI, com a capacidade militar dos EUA muito acima de qualquer outro possível
desafiante, eles tentavam esboçar um novo papel para os EUA. Papel esse que levava em
conta a indiscutível superioridade do poder militar estadunidense em relação a qualquer outro
Estado (Ibid., p. xiii-xiv).
Mesmo evidenciando esse ponto comum aos denominados Vulcans, Mann ressalta que
isso não significava que todos eles pensassem da mesma forma em todas as questões. Ele
aponta as sérias diferenças acerca do Iraque, Oriente Médio e República Democrática Popular
da Coréia (RDPC), que envolveram Colin Powell e Armitage de um lado (no Departamento
de Estado) e Rumsfeld e Wolfowitz de outro lado (no Departamento de Defesa) (Ibid., p. xvi).
Não obstante as divergências existentes havia, de fato, uma larga concordância entre os
Vulcans, quanto ao papel dos EUA no mundo e como ele deveria ser exercido. Todos eles
acreditavam na importância do poder militar estadunidense. Colin Powell é usualmente
apontado como cauteloso quanto ao emprego da força. No entanto, como Secretário de
Estado, Powell apoiou a meta maior de fortalecer ainda mais esse poderio militar, do mesmo
modo que Wolfowitz, que era notadamente menos hesitante acerca do emprego desse poder
militar. Além disso, em consonância com suas ligações passadas com o Pentágono, os
Vulcans tenderam a se concentrar em questões tradicionais de segurança nacional, delegando
o papel econômico dos EUA à iniciativa privada. Sua abordagem diferia da orientação
econômica da administração Clinton, onde o National Economic Council, o Departamento do
Tesouro e o Fundo Monetário Internacional eram instrumentos primários da política externa
estadunidense (MANN, 2004, p. xvi).
Segundo James Mann, os Vulcans acreditavam que o poder e os ideais “americanos”
eram, no seu conjunto, uma força para o bem. Nesse sentido, todos eles diferiam dos liberais
70

democratas que se preocupavam com os abusos do poder e buscavam coibir esses abusos por
meio de acordos internacionais. Além disso, os Vulcans tendiam a ser otimistas acerca da
capacidade e do futuro dos EUA. Nesse sentido, eles diferem da perspectiva sombria de
Kissinger, que por perceber uma América enfraquecida, necessitava da détente. Os Vulcans,
ao contrário, assumiam que os EUA eram fortes e continuariam fortes (MANN, 2004, p. xvii).
Os dois pontos centrais supracitados, relativos à coesão dos Vulcans, isto é, a
percepção maniqueísta dos valores “americanos” como representantes do “Bem”; e o
otimismo acerca do poder e do futuro dos EUA, apresentam convergência com alguns dos
pontos centrais do pensamento neoconservador, evidenciados no Capítulo 1 deste trabalho.
No entanto, a convergência em pauta não é suficiente para apontar que a coesão existente
entre os principais assessores de política externa do presidente George W. Bush era cimentada
em torno dos pontos centrais do pensamento neoconservador, ou mesmo que o
neoconservadorismo era algo compartilhado por Cheney, Rumsfeld, Powell, Rice, Wolfowitz
e Armitage90.
À luz do exposto, dada a coesão dos Vulcans e o núcleo central de ideias por eles
compartilhadas – a crença nos valores “americanos”, bem como no poder e no futuro dos
EUA -, podemos inferir que o resultado possível das interações numa das duas possíveis
Unidades de Decisão Dominantes, o Líder Predominante ou o Grupo Único com Líder
Predominante, cujo lócus decisório se encontrava no NSC, tendia, para um resultado do tipo
“acordo” (concurrence). Em consonância com o modelo de Hermann, adotado neste trabalho,
a tendência quanto aos resultados tipo “acordo” (concurrence) é a da decisão se aproximar de
posições mais extremadas e pautadas no emprego da força militar e/ou da coerção econômica,
pois essa decisão é tomada em um contexto onde existe uma preferência comum em relação
àquilo que precisa ser feito para lidar com o problema.
Uma vez identificado o lócus decisório das questões de política externa da
administração George W. Bush (o NSC); as duas possíveis unidades de decisão dominantes
(Líder Predominante e Grupo Único com Líder predominante) e o grau de coesão e ideias
compartilhadas será analisado o resultado da decisão decorrente da Ocasião para a Decisão
oriunda dos atentados de 11 de setembro de 2001.

90
Apesar dos três primeiros, indiscutivelmente, terem ligações com o PNAC, um Think Tank, conforme já
comentado, ligado ao neoconservadorismo (Nota do autor).
71

2.5. A Ocasião para a Decisão: Os atentados de 11 de setembro de 2001

Na manhã do dia 11 de setembro de 2001, o presidente George W. Bush encontrava-se


na Flórida, em uma visita à Emma E. Booker Elementary School, para promover o projeto do
governo acerca da reforma educacional. Lá o presidente foi informado dos ataques ao World
Trade Center e ao Pentágono e fez um rápido comunicado à imprensa, na própria escola, nos
seguintes termos: “Senhoras e senhores, este é um momento difícil para a América, duas
aeronaves se chocaram contra o World Trade Center, num aparente ataque terrorista contra o
nosso país91” (Tradução nossa). Em seguida o presidente pediu um momento de silêncio pelas
vítimas (BUSH, 2010, p. 128).
Naqueles momentos iniciais de choque e incerteza quanto ao que fato estava
ocorrendo e ainda poderia ocorrer, o presidente acatou a sugestão do serviço secreto,
endossada pelo vice-presidente e pela Conselheira de Segurança Nacional, sendo transportado
para o Strategic Command localizado na Base Aérea Offutt, no estado de Nebraska. Lá
chegando, George W. Bush dirigiu-se ao centro de comunicações e iniciou uma
videoconferência com os integrantes do NSC (Ibid., p. 134). O presidente Bush recorda um
momento dessa videoconferência em sua autobiografia Decision Points (2010, p. 134):

Eu havia pensado cuidadosamente sobre o que eu queria dizer. Eu comecei com uma
declaração clara. “Estamos em guerra contra o terror. Deste dia em diante, esta é a
nova prioridade da nossa administração". [...] Então eu me virei para George Tenet e
perguntei: “Quem fez isso?" George respondeu com duas palavras: al-Qaeda92.
(BUSH, 2010, p. 134) (Tradução nossa).

Com base no relato do presidente George W. Bush, ainda na em Offutt ele já deixara
claro que tencionava utilizar a força militar no momento certo, e a resposta não seria apenas
um ataque de mísseis “Cruise” (Ibid., p. 135). Naquele mesmo dia o presidente Bush retornou
para Washington e pronunciou um discurso no salão oval da Casa Branca, em cadeia
nacional, destacando que naquele dia, o modo de vida e os valores "americanos" foram
atacados em uma série deliberada de atos terroristas e que ele (o presidente) estava aplicando
todos os recursos disponíveis para encontrar e fazer justiça aos responsáveis pelos ataques. O

91
“Ladies and gentlemen, this is a difficult moment for America; two airplanes have crashed into the World
Trade Center in an apparent terrorist attack on your country” (BUSH, 2010, p. 128).

92
"I had thought carefully about what I wanted to say. I started with a clear declaration. “We are at war against
terror. From this day forward, this is the new priority of our administration”. […] Then I turned to George
Tenet. “Who did this?” I asked. George answered with two words: al Qaeda" (BUSH, 2010, p. 134).
72

ponto central do discurso, no que tange à política externa, é que “não seria feita distinção
entre os terroristas que cometeram aqueles atos e aqueles dessem abrigo a eles93” (BUSH,
2010, p. 138) (Tradução nossa).
Após o discurso o presidente Bush reuniu o NSC para uma atualização das
informações disponíveis, bem como para iniciar o desenvolvimento das opções de resposta
aos ataques. No dia 12 de setembro, o NSC foi novamente reundo na Casa Branca e George
Tenet, o Diretor da CIA, confirmou que Osama Bin Laden era o responsável pelos atentados.
Também no dia 12 de setembro, o presidente Bush fez um novo pronunciamento, muito mais
incisivo, destacando que os atentados não eram apenas “atos de terror”, mas sim “atos de
guerra”: “Os ataques deliberados e mortais que foram realizadas ontem contra o nosso país
foram mais do que atos de terror, eles foram atos de guerra94” (Ibid., p. 141).
A forma final da reação aos “atos de guerra” executados contra os EUA foi
comunicada aos estadunidenses e ao mundo no discurso proferido pelo presidente no
Congresso, na sessão conjunta do dia 20 de setembro de 2001:

No dia 11 de setembro de 2001, os inimigos da liberdade cometeram um ato de


guerra contra o nosso país. [...] Nossa Guerra contra o terror começa com a al-
Qaeda, mas não termina aí. Não terminará até que cada grupo terrorista de alcance
global seja encontrado e derrotado. [...] Os americanos estão perguntando: Como
iremos lutar e vencer esta guerra? Vamos direcionar todos os recursos a nosso
comando - todos os meios diplomáticos, todas as ferramentas de inteligência, cada
instrumento de aplicação da lei, toda a influência financeira e todas as armas de
guerra necessárias - para a ruptura e a derrota da rede global do terror. [...] Deste dia
em diante, qualquer nação que continue a apoiar ou abrigar o terrorismo, será
considerada, pelos Estados Unidos, como um regime hostil. [...] O rumo deste
conflito não é conhecido, mas seu resultado é certo. Liberdade e medo, justiça e
crueldade, sempre estiveram em guerra, e sabemos que Deus não é neutro acerca
dessas questões95 (Tradução nossa) (Grifo nosso).

93
“We will make no distinction between the terrorists who committed these acts and those who harbor them”
(BUSH, 2010, p. 138).
94
“The deliberate and deadly attacks which were carried out yesterday against our country were more than acts
of terror, they were acts of war” (BUSH, 2010, p. 141).
95
"On September the 11th, enemies of freedom committed an act of war against our country. […] Our war on
terror begins with al Qaeda, but it does not end there. It will not end until every terrorist group of global
reach has been found, stopped and defeated. […] Americans are asking: How will we fight and win this war?
We will direct every resource at our command -- every means of diplomacy, every tool of intelligence, every
instrument of law enforcement, every financial influence, and every necessary weapon of war -- to the
disruption and to the defeat of the global terror network. […] From this day forward, any nation that
continues to harbor or support terrorism will be regarded by the United States as a hostile regime. […]The
course of this conflict is not known, yet its outcome is certain. Freedom and fear, justice and cruelty, have
always been at war, and we know that God is not neutral between them" (USA. Homeland Security
Department. Speeches and Statements. Address to a Joint Session of Congress and the American People
<http://www.dhs.gov/xnews/speeches/speech_0016.shtm>).
73

O ponto central a ser destacado é que os atentados de 11 de setembro de 2001 foram o


problema que implicou em uma Ocasião para a Decisão, que demandou uma resposta rápida
da Unidade de Decisão Dominante, isto é, do Líder Predominante ou do Grupo Único com
Líder Predominante, cujo lócus era o NSC. A decisão resultante tomou forma na declaração
da “Guerra contra o Terror”, apresentada a sociedade norte-americana no discurso do
presidente ao Congresso, no dia 20 de setembro de 2001. Apesar dos indícios apontarem que
a Unidade de Decisão Dominante, na declaração da “Guerra contra o Terror”, foi o a de tipo
Líder Predominante, não podemos descartar a possibilidade de um decisão tomada no âmbito
do tipo Grupo Único com Líder Predominante, uma vez que não temos os detalhes das
reuniões do presidente Bush com o NSC. No entanto, a maior evidência é que o resultado do
processo foi “acordo” (concurrence), isto é, a decisão foi resultante de uma percepção comum
a todos os integrantes do NSC, com relação ao que deveria ser feito, ou seja, o emprego de
todos os recursos disponíveis ao executivo, incluindo "todas as armas de guerra necessárias
para a ruptura e a derrota da rede global do terror”. Nesse contexto, a Figura 2, a seguir
apresentada, sintetiza nossa análise, à luz do modelo das unidades de decisão:

Ocasião para a Decisão Unidade de Decisão Dominante


Formal: Líder Predominante.
Informal (prática): Grupo Único
Lócus: NSC.
Atentados de 11/09/2001. Núcleo Central: Presidente, Vice-Presidente,
Secretário de Estado, Secretário de Defesa,
Conselheira de Segurança Nacional.
Visão Comum: Sim.
Coesão: Alta.

Decisão Tomada Resultado do Processo


Esperado: Concurrence.
“Guerra contra o Terror”. Ocorrido: Concurrence.
Decisão Esperada: Forte / Extremada com ação
militar.

Figura 2 – Aplicação do Modelo teórico selecionado para análise da Decisão de desencadear a


“Guerra contra o Terror”.
74

Com relação ao grau de coesão da sociedade “americana” como um todo, nos


momentos subsequentes aos atentados de 11 de setembro de 2001, cabe recordar a Resolução
aprovada pelo Congresso, três dias após os atentados, a seguir parcialmente transcrita:

O presidente está autorizado a usar toda a força necessária e apropriada contra as


nações, organizações ou pessoas que tenham planejado, autorizado, cometido ou
auxiliado os ataques terroristas que ocorreram em 11 de setembro de 2001, ou
abrigaram tais organizações ou pessoas, a fim para evitar qualquer ato futuro de
terrorismo internacional contra os Estados Unidos por tais nações, organizações ou
pessoas96 (BUSH, 2010, p. 154) (Tradução nossa).

É pertinente destacar que essa Resolução foi aprovada por 98 votos “a favor” e
nenhum “contra” no Senado e 420 votos “a favor” e um “contra” na Câmara dos Deputados
(BUSH, 2010, p. 154). Ela reflete a coesão nacional daquele momento que respaldou a
declaração da “Guerra contra o Terror”, pois conferia ao presidente amplos poderes para
empregar os recursos da nação, incluindo a força, como apropriado, em resposta aos ataques
sofridos, bem como de forma a prevenir novos ataques.
Também não podemos ignorar, a despeito do modelo utilizado para apresente análise
que, o primeiro e mais marcante efeito político dos atentados terroristas de 11 de setembro foi
um salto enorme na aprovação pública do presidente Bush. Na pesquisa Gallup, realizada
entre 07-10 de setembro de 2001, a aprovação pública do presidente era de 51%. A pesquisa
seguinte, efetuada entre 14-15 setembro, registrou 86% de aprovação97. Assim, o ponto a ser
destacado é que o amplo apoio da opinião pública contribuiu sobremaneira para reforçar o
ímpeto da decisão tomada pela Unidade de Decisão Dominante, quanto ao desencadeamento
da denominada “Guerra contra o Terror”.
Nesse contexto, não identificamos a Decisão Resultante do processo decisório iniciado
os atentados de 11 de setembro de 2001, isto é, a declaração da “Guerra contra o Terror”
como decorrente da persuasão neoconservadora, nem como associada aos pontos centrais do
pensamento neocon quanto a política externa, evidenciados no Capítulo 1 deste trabalho.
Assim, a declaração da “Guerra contra o Terror”, a primeira das três decisões cruciais da
Administração Bush selecionadas para verificarmos a penetração do pensamento neocon na
96
"That the President is authorized to use all necessary and appropriate force against those nations,
organizations, or persons he determines planned, authorized, committed, or aided the terrorists attacks that
occurred on September 11, 2001, or harbored such organizations or persons, in order to prevent any future
acts of international terrorism against the United States by such nations, organizations, or persons" (BUSH,
2010, p. 154).
97
GALLUP ORGANIZATION. Presidential Job Approval Center
(<http://www.gallup.com/poll/124922/Presidential-Approval-Center.aspx>).
75

política externa da administração Bush, desponta como uma verbalização da decisão de se


empregar uma resposta militar contundente, em um contexto no qual os EUA se percebem
como nação agredida e, portanto, com o direito de resposta em autodefesa garantido. Mas os
eventos seguintes, que se desenrolaram nas semanas seguintes, já apontam para uma mudança
de rumo nos pontos centrais da política externa do presidente George W. Bush. É o que será
analisado na segunda decisão crucial da administração Bush, selecionada para aplicação do
modelo de Unidades de Decisão, isto é a Guerra no Afeganistão.

2.6 A decisão de invadir o Afeganistão e derrubar o Regime Talibã

Superada a perplexidade inicial decorrente dos ataques de 11 de setembro de 2001 e


declarada a “Guerra contra o Terror”, o governo Bush, passou a buscar inimigos visíveis,
concretos que permitissem o emprego da panóplia militar estadunidense. As provas
incontestes de que os atentados foram perpetrados pela al-Qaeda cujo principais santuários
estavam localizados no Afeganistão possibilitaram a Ocasião para a Decisão do emprego da
força militar naquele país, contra o governo teocrático do Talibã, caso o terrorista Osama Bin
Laden não fosse preso e entregue aos EUA.
No dia 15 de setembro de 2001, o presidente George W. Bush reuniu os integrantes do
NSC, em Camp David, para iniciar o desenvolvimento do plano de batalha para o
Afeganistão. O Quadro 4, elaborado com base na lista apresentada na autobiografia do
presidente Bush (2010, p. 185) permite analisarmos quais eram os atores presentes nessa
reunião e compará-los com a composição formal do NSC apresentada no Quadro 3, na seção
2.2 deste trabalho.
76

Composição do NSC – Reunião de 15 de setembro de 2001


Membros Regulares (Estatutários e Não-Estatutários) Nome
Presidente George W. Bush (2001-2008)
Vice-Presidente Richard B. Cheney (2001-2008)
Secretário de Estado (The Secretary of State) Colin L. Powell (2001-2005)
Secretário de Defesa (The Secretary of Defense) Donald H. Rumsfeld (2001-2006)
Secretário do Tesouro (The Secretary of the Treasury)
Paul H. O’Neill (2001-2003)
Conselheira de Segurança Nacional (The National Security Condoleezza Rice (2001-2005)
Adviser)
Conselheiros Permanentes do NSC Nome
The Chairman of the Joint Chiefs of Staff Generais Huhg Shelton e Richard B. Myers
(2001-2005)
Diretor da Agência Central de Inteligência George J. Tenet (2001-2004)
Convidados Regulares Nome
Chefe de Gabinete do Presidente Andrew H. Card, Jr. (2001-2006)
Conselheiro do Presidente (The Counsel to the President) Alberto Gonzales (2001-2005)
Assistente do Presidente para a Política Econômica Lawrence B. Lindsey (2001-2002)
Convidados Eventuais Nome
Procurador-Geral (The Attorney General) e o John Ashcroft (2001 to 2005)
Director of the Office of Management and Budget Mitchell Elias Daniels, Jr. (2001-2003)
Outros Convidados Nome
Vice-Secretário de Defesa (Deputy Secretary of Defense) Paul Wolfowitz
Diretor do FBI Robert Mueller
Vice-Diretor da CIA John McLaughlin
Vice-Conselheiro de Segurança Nacional Steve Hadley
Chefe de Gabinete do Vice-Presidente I. Lewis “Scooter” Libby.

Quadro 4- Composição do NSC na reunião de 15 de setembro de 2001.

Do quadro acima percebe-se que todos os membros regulares e conselheiros


permanentes do NSC estavam presentes. Dos convidados regulares, apenas o Assistente do
Presidente para a Política Econômica - Lawrence B. Lindsey - estava ausente. No que tange
aos convidados eventuais, estava ausente o Director of the Office of Management and Budget
- Mitchell Elias Daniels, Jr. Como outros convidados presentes aparecem o Vice-Secretário de
Defesa, o Diretor do FBI, o Vice-Diretor da CIA, o Vice-conselheiro de Segurança Nacional e
o Chefe de Gabinete do Vice-Presidente. A despeito dessas pequenas alterações nos
77

participantes, o núcleo central do NSC, constituído pelo Presidente, Vice-Presidente,


Secretário de Estado, Secretário de Defesa e Conselheira de Segurança Nacional permanecia
inalterado, na reunião em que foram apresentadas as opções de ação em relação ao
Afeganistão.
Os Generais Hugh Shelton e Richard Meyers apresentaram ao presidente Bush três
opções de emprego da força. A primeira delas consistiria no lançamento de mísseis de
cruzeiro contra todos os campos da al- Qaeda conhecidos no Afeganistão. Essa opção poderia
ser executada imediatamente e não haveria risco para as tropas estadunidenses. A segunda
opção era o uso combinado de mísseis de cruzeiro e bombardeiros, o que permitiria atingir
mais alvos, expondo os pilotos "americanos" a um risco limitado. A terceira opção
congregava o emprego de mísseis de cruzeiro, bombardeiros e tropas no terreno. Essa opção
levaria mais tempo para ser planejada em seus detalhes e operacionalizada. Além disso,
implicaria em um esforço diplomático para a obtenção de bases destinadas ao apoio logístico,
bem como da autorização de sobrevôo em alguns países (BUSH, 2010, p. 189).
Em sua autobiografia o presidente Bush recorda que o Diretor da CIA, George Tenet,
fez a ressalva de que a opção de emprego da força implicaria, quase certamente, em novos
atentados contra os EUA. O Vice-Presidente externou sua preocupação de que a Guerra
poderia “transbordar” para o Paquistão e que o governo do General Pervez Musharraf poderia
perder o controle do país e até mesmo sobre o arsenal nuclear paquistanês, o que foi apontado
pelo Vice-Conselheiro de Segurança Nacional, Steve Hadley, como um “cenário de pesadelo”
(Ibid., p. 189).
A opção de ampliar a ação militar e incluir o Iraque de Saddam Hussein foi levantada
pelo Vice-Secretário de Defesa, Paul Wolfowitz, sendo refutada pelo Secretário de Estado
Colin Powell, pelo diretor da CIA e pelo Vice-Presidente Cheney, uma vez que mesmo sendo
futuramente necessária, aquele não era o momento, pois implicaria na perda de aliados na
coalizão que seria formada, bem como desviaria os esforços do alvo principal a ser batido,
isto é, a al-Qaeda (Ibid., p. 189-190).
É pertinente destacar que a construção de uma coalizão militar a ser engajada no
Afeganistão, dentro de um contexto de amplo apoio internacional, legitimado pelo Conselho
de Segurança das Nações Unidas compunha o contexto externo dessa Ocasião para a Decisão.
Por outro lado, internamente, a metáfora da “Guerra contra o Terror” e o próprio clima de
insegurança decorrente dos atentados possibilitou ampla união nacional em torno do emprego
da força militar, contra um regime que abrigava a rede terrorista que atacara os EUA.
78

Dentre as três opções de emprego da força apresentadas, a terceira delas foi a


selecionada pelo presidente George W. Bush, isto é, o emprego de mísseis de cruzeiro,
bombardeiros e tropas no terreno. Na semana seguinte, o Plano de Operações para o
Afeganistão foi apresentado ao presidente Bush, pelo General Tommy Franks, então
comandante do Central Command98. Esse Plano compreendia quatro fases. A primeira delas
consistiria em infiltrar equipes das Forças Especiais e da CIA no Afeganistão, para abrir
caminho às tropas regulares. A fase seguinte consistia em uma intensa campanha aérea contra
alvos do Talibã e da al-Qaeda. A terceira fase seria o emprego das forças regulares dos EUA
e dos Estados partícipes da coalizão, a fim de eliminar qualquer resistência do Talibã e da al-
Qaeda, ainda remanescente. Finalmente, a quarta fase, consistia na estabilização do país e na
ajuda ao povo afegão para construir uma sociedade livre (BUSH, 2010, p. 194).
Em consonância com o Plano de Operações supracitado, posteriormente batizado de
Operação Enduring Freedom, as ações militares contra o Talibã e a al-Qaeda foram
efetivamente iniciadas no dia 07 de outubro de 2001 (Ibid., p. 183-184). O indício maior de
como se deu o processo decisório acerca do emprego da força militar no Afeganistão é
fornecido pelo próprio presidente Bush que recorda os eventos do dia 25 de outubro de 2001,
quando surgiram algumas críticas quanto à lentidão das operações em curso no Afeganistão.
Reunindo o NSC, o presidente questionou: “Eu apenas quero ter certeza que todos nós
concordamos com esse plano, certo?99” A resposta obtida, segundo o presidente foi que:
“Todos eles concordaram100” (Ibid., p. 199) (Tradução nossa). Ou seja, na reconstituição dos
eventos apresentada pelo presidente George W. Bush fica evidente que a decisão de
desencadear a Operação Enduring Freedom, foi tomada com base na concurrence do NSC,
isto é, a decisão representava as preferências compartilhadas por todos os integrantes daquele
lócus decisório.
Em síntese, no que tange à decisão de empregar a força militar contra a al-Qaeda e o
Regime teocrático do Talibã, no Afeganistão podemos depreender que: dentro do governo

98
O United States Central Command (CENTCOM) é um dos 10 comandos combatentes da estrutura militar dos
EUA. Seis destes comandos, incluindo o CENTCOM, têm como área de responsabilidade uma região
geográfica específica do globo, onde podem vir a planejar e conduzir operações militares. O CENTCOM foi
estabelecido em 1983, abrangendo a área “central” do globo, localizada entre os Comandos da Europa e do
Pacífico, a qual compreende 20 países: Afeganistão, Bahrein, Egito, Irã, Iraque, Jordânia, Cazaquistão,
Kuwait, Quirguistão, Líbano, Omã, Paquistão, Qatar, Arábia Saudita, Síria, Tadjiquistão, Turcomenistão,
Emirados Árabes Unidos, Uzbequistão e Yemen (USA. United States Central Command. About CENTCOM.
<http://www.centcom.mil/about-u-s-central-command-centcom>).
99
“I Just want to make sure that all of us did agree on this plan, right?” (BUSH, 2010, p. 199).
100
“They all agreed” (Ibid., p. 199).
79

Bush, a Unidade de Decisão Dominante, na prática, foi o Grupo Único, com lócus no NSC e
cujos integrantes apresentavam forte grau de coesão e visão de mundo compartilhada. Além
disso, o contexto externo de apoio praticamente consensual aos EUA, bem como o ambiente
interno de forte união nacional diante da agressão sofrida, reforçaram a ocorrência da decisão
pautada no “acordo” (concurrence). O resultado desse processo foi a Guerra no Afeganistão, e
a Figura 3 sintetiza nossa análise, à luz do modelo das Unidades de Decisão:

Ocasião para a Decisão Unidade de Decisão Dominante


Formal: Líder Predominante.
Evidências incontestes de Informal (prática): Grupo Único
que os ataques de 11/09 Lócus: NSC.
foram perpetrados pela al- Núcleo Central: Presidente, Vice-Presidente,
Qaeda e que o governo Secretário de Estado, Secretário de Defesa,
Afegão abrigava seus Conselheira de Segurança Nacional.
principais integrantes. Visão Comum: Sim.
Coesão: Alta.

Decisão Tomada Resultado do Processo


Esperado: Concurrence
Emprego da Força militar Ocorrido: Concurrence.
contra a al-Qaeda e o Decisão Esperada: Forte / Extremada com ação
Regime teocrático do militar.
Talibã, no Afeganistão.

Figura 3: Aplicação do Modelo teórico selecionado para análise da Decisão de desencadear a


Guerra no Afeganistão.

2.6.1 Analisando os pontos de contato da decisão da Guerra no Afeganistão com o


pensamento neoconservador

Conforme exposto no Capítulo 1 desta dissertação, a política externa do governo Bush


antes dos atentados de 11 de setembro de 2001 não tinha como foco, ou prioridade, o combate
ao terrorismo. De fato, mesmo o candidato do partido democrata que disputou a eleição
presidencial de 2000, isto é, Al Gore, não parecia ter o combate ao terrorismo como uma
prioridade de sua política externa, caso fosse eleito. O presidente Bush, em sua autobiografia,
recorda que por ocasião de um dos debates entre os dois candidatos, no fim de 2000, as
palavras Afeganistão, Bin Laden ou al-Qaeda não foram pronunciadas uma única vez por
nenhum dos dois candidatos. O debate no que tange a política externa foi centrado nas
80

posições divergentes entre Bush e Gore acerca do emprego das Forças Armadas
estadunidenses como “construtores de nações”. O então candidato Bush era contra missões
como as que foram realizadas na Bósnia e na Somália, percebidas como fatores que poderiam
levar a uma sobrecarga das Forças Armadas em missões não relacionadas com a atividade
fim. Nas palavras do presidente Bush: “Eu disse no primeiro debate [...] Eu terei muito
cuidado ao usar as nossas tropas como construtores de nação101” (BUSH, 2010, p. 205)
(Tradução nossa).
Quase que como uma ironia do destino, o presidente Bush mudou essa percepção após
os eventos de 11 de setembro de 2001. O uso da força militar no Afeganistão foi concebido
para, após a derrubada do Talibã e a debilitação da al-Qaeda, empregar as forças militares dos
EUA e dos demais integrantes da coalizão na estabilização do país e na construção de uma
sociedade democrática. Conforme declara o próprio presidente Bush:

[...] Depois do 9 / 11, eu mudei minha percepção. [...] Nós tínhamos libertado o país
de uma ditadura primitiva, e nós tínhamos a obrigação moral de deixar algo melhor.
Tivemos também um interesse estratégico em ajudar o povo afegão a construir uma
sociedade livre. [...] Um Afeganistão democrático seria uma alternativa promissora à
visão dos extremistas102 (BUSH, 2010, p. 205) (Tradução nossa).

O ponto central a ser destacado em nossa análise é que, no início do seu governo, os
indícios eram os de que as prioridades da política externa da administração Bush estariam
associadas à defesa dos interesses estadunidenses, reduzindo a participação externa em
eventos que não estivessem em consonância com esses interesses. Assim, conforme exposto
na seção 1.4 deste trabalho, os eixos centrais dessa política externa seriam a preservação da
preponderância militar dos EUA, a correção de alguns tratados afetos ao controle de armas
nucleares com a Rússia, e evitar o engajamento do país em intervenções humanitárias
dissociadas dos interesses dos EUA (FRACHON; VERNET, 2006, p. 113).
Nos primeiros meses do governo Bush, o Oriente Médio despontava como uma região
na qual o status quo satisfazia à visão do núcleo central da equipe de política externa da
administração Bush. A manutenção do apoio a Israel e das alianças com a Arábia Saudita e
Egito seriam pontos a preservar. Nada indicava ameaças significativas à segurança dos EUA

101
“I Said in the first debate [...] I would be very careful about using our troops as nation builders” (BUSH,
2010, p. 205).
102
“[...] after 9/11, I changed my mind. [...] We had liberated the country from a primitive dictatorship, and we
had a moral obligation to leave behind something better. We also had a strategic interest in helping the
Afghan people build a free society. […] A democratic Afghanistan would be a hopeful alternative to the vision
of the extremists” (Ibid., p. 205).
81

que viviam um momento de economia saudável e força militar predominante sob quaisquer
aspectos que fosse analisada. Mas, os atentados de 11 de setembro interrompem de forma
abrupta essa aparente invulnerabilidade "americana" (FRACHON; VERNET, 2006, p. 113).
Naquela data, um ator não-estatal surpreendeu a todos com uma ação destinada a
matar o maior número possível de pessoas em dois dos maiores símbolos dos EUA, o
Pentágono e o World Trade Center. Nesse contexto, as ideias oriundas de um segmento do
pensamento político dos EUA – o neoconservadorismo – começam a ressonar dentro da
sociedade estadunidense. Desde o término da Guerra Fria, alguns de seus expoentes, tais
como William Kristol, Lawrence Kaplan e Robert Kagan destacavam a necessidade de
“mudanças de regime” e promoção da democracia no Oriente Médio. Após o 11 de setembro
de 2001, os neoconservadores são lembrados como aqueles que, há anos, questionavam as
boas relações com regimes árabes autoritários, financiadores do islã radical e incapazes de
levar os benefícios da modernidade aos seus povos, em prol da manutenção da estabilidade na
região. Os atentados de 11 de setembro apontam que esse status quo alimentou o terrorismo
que acabava de golpear os EUA (Ibid., p. 114). Nos momentos subsequentes aos atentados,
onde o governo e a população dos EUA pareciam atônitos, os neocons despontaram como
aqueles que tinham a explicação para o que ocorreu e, mais importante, aparentavam ter uma
estratégia para lidar com essa nova situação.
No entanto, à luz da pesquisa efetuada podemos inferir que a decisão de empregar a
força militar contra a al-Qaeda e o regime teocrático do Talibã no Afeganistão foi decorrente
do desejo e necessidade de revidar o ataque sofrido, mas, principalmente, foi uma ação que se
configurava como consonante com o objetivo maior de impedir novos ataques da al-Qaeda.
Para tanto, era também necessário destruir seus santuários, isto é, a parte tangível da rede
terrorista encastelada no Afeganistão e apoiada pelo Talibã. Um ponto de contato com os
pontos centrais do pensamento neoconservador em política externa, evidenciados no Capítulo
1, encontra-se presente na importância da mudança de regime103: pois uma democracia afegã,
estaria contribuindo diretamente para o incremento da segurança dos EUA. No entanto, dado
o contexto imediatamente posterior ao 11 de setembro, esse não foi o aspecto central e
determinante da decisão de empregar a força militar no Afeganistão. Até mesmo a construção
de uma ampla coalizão, bem como da ação dentro do contexto do Conselho de Segurança da
ONU, isto é, dentro do Direito Internacional, apontam que a ação militar no Afeganistão, foi

103
Em consonância com o apresentado na seção 1.3 desta dissertação, recordamos o ponto central em pauta:
Exportar a democracia, inclusive por meio do emprego da força, não por humanitarismo, mas porque a
disseminação da democracia liberal aumentará a segurança dos EUA (Nota do autor).
82

dissociada de uma estratégia pré-concebida destinada a reorientar a política externa


estadunidense para a importância da mudança de regimes autoritários, inclusive pela força,
bem como esteve igualmente dissociada de uma pré-concepção da valorização da força militar
como o principal instrumento da promoção e defesa dos interesses estadunidenses. Foi uma
decisão que teve como Unidade de Decisão Dominante – o Grupo Único – e foi alcançada por
meio de um processo pautado no “acordo” (concurrence), porém à revelia de qualquer tipo de
pré-determinante decorrente do chamado pensamento neoconservador.
Entretanto, é também notório que o pensamento neocon ganha visibilidade e adeptos
após o 11 de setembro, principalmente no que tange à ideia de fomentar mudanças de regimes
autoritários para democráticos, incluindo o eventual uso da força militar estadunidense para
impulsionar e apoiar essas mudanças, como forma de incrementar a segurança dos EUA. Isso
também estaria em consonância com os valores morais inerentes à sociedade “americana”, tão
propalados pelos neocons, isto é, igualdade, democracia e liberdade e que transbordam em
outro dos pontos centrais do pensamento neocon em política externa, evidenciado no Capítulo
1 deste trabalho, qual seja: A política externa deve refletir os valores das sociedades liberais
democráticas.
Esse impulso e novo momentum neocon vão ganhar corpo nos meses seguintes,
materializando-se na alteração da postura estratégica da administração George W. Bush que
passa a agir de forma cada vez mais unilateral e respaldada na força militar. Esse processo vai
culminar com a invasão do Iraque em 2003. Nesse sentido, cabe a aplicação do modelo
teórico das Unidades de Decisão para melhor compreendermos com se deu a decisão de
empregar a força militar contra o Iraque e, em seguida, analisarmos se essa decisão guarda
pontos de tangência com o pensamento neocon, ou mesmo se é produto das ideias e
concepções dessa corrente do pensamento político estadunidense. É o que será feito na sessão
seguinte desse trabalho, por meio da análise da terceira decisão crucial da administração
Bush, selecionada para aplicação do modelo de Unidades de Decisão, isto é a Guerra no
Iraque.

2.7 A decisão de invadir o Iraque e derrubar Saddam Hussein

No dia 19 de março de 2003, com o NSC reunido na Situation Room da Casa Branca,
o presidente Bush teve uma videoconferência com o General Tommy Franks (que estava na
base Aérea Prince Sultan na Arábia Saudita) e os Comandantes do Exército, Marinha,
83

Fuzileiros, Força Aérea e Operações Especiais. A todos eles o presidente perguntou se tinham
tudo o que precisavam para vencer e se estavam confortáveis com a estratégia concebida.
Todos responderam afirmativamente (BUSH, 2010, p. 223). A partir daquele momento
iniciava-se a Guerra no Iraque.
Antes de avançarmos na análise da decisão de empregar a força militar para depor
Saddam Hussein e efetivar a mudança de regime no Iraque é pertinente ressaltar que, na
década de 1990, o projeto de remover Saddam Hussein do poder já estava presente em parte
significativa do ideário político estadunidense, notadamente entre os principais expoentes do
pensamento neoconservador.
Com término da Guerra Fria e o posterior desaparecimento da URSS, em 1991, os
neoconservadores apontavam que essa nova era não implicaria, necessariamente, em um
período de paz e estabilidade global, nem no término das ameaças à segurança dos EUA.
Assim, conforme será exposto nesta seção, desde o início da década de 1990, os
neoconservadores delinearam o perfil do próximo inimigo: os regimes radicais que sustentam
grupos terroristas e buscam armas de destruição em massa (FRACHON; VERNET, 2006, p.
13). Nesse contexto, o Iraque aparece de forma recorrente entre as ameaças apontadas pelos
expoentes do neoconservadorismo. Mas quais os motivos para essa percepção? Por que o
Iraque?
Por uma série de fatores correlatos que, articulados ao longo do tempo, fornecem o
arcabouço para que Saddam Hussein seja percebido como uma ameaça, no mínimo potencial
aos EUA, principalmente no contexto posterior aos atentados de 11 de setembro de 2001. Em
1991, Saddam é visto como um tirano da pior espécie que desencadeara uma guerra contra o
Irã que durou oito anos (1980-1988) e depois iniciou outro conflito militar ao invadir o
Kuwait em agosto de 1990. Além disso, Saddam é também percebido como um ditador que
oprime os dois maiores segmentos da população iraquiana: os curdos e os xiitas (Ibid., p. 9-
10). No entanto, desde a sua derrota para a coalizão liderada pelos EUA, em 1991, o Iraque
foi colocado sob controle dos inspetores de desarmamento da ONU. Desde então o Iraque
pode ser considerado um país sob vigilância permanente e com soberania limitada (Ibid., p.
11).
Nesse contexto, o Iraque não pode ser uma ameaça. Mas, a postura de Saddam frente
aos inspetores de armas da ONU, na segunda metade da década de 1990, reacende os
holofotes da política externa estadunidense quanto ao Iraque. Com a expulsão dos inspetores
da ONU, a política de contenção de Saddam Hussein passa a ser percebida como inócua, pois
o ditador iraquiano continua a desafiar a comunidade internacional. Nesse contexto, em
84

janeiro de 1998, por iniciativa do Project for a New America Century (PNAC), os expoentes
do neoconservadorismo, bem com outras personalidades ligadas à política estadunidense
subscreveram uma carta ao presidente Clinton, com o propósito de convencê-lo a derrubar
Saddam Hussein, já que as sanções aplicadas sob os auspícios da ONU mostravam-se
ineficazes para conter Saddam. O documento foi assinado por: Elliott Abrams, Richard L.
Armitage, William J. Bennett, Jeffrey Bergner, John Bolton, Paula Dobriansky, Francis
Fukuyama, Robert Kagan, Zalmay Khalilzad, William Kristol, Richard Perle, Peter W.
Rodman, Donald Rumsfeld, William Schneider, Vin Weber, Paul Wolfowitz, James Woolsey
e Robert Zoellick104.
É pertinente observar que, em 2001, dos dezoito signatários da carta em pauta, doze
estarão presentes em postos da administração George W. Bush, conforme mostra o Quadro 5.

Donald Rumsfeld Secretário de Defesa (2001-2006)


Paul Wolfowitz Deputy Secretary of Defense (2001-2005)
Richard L. Armitage Deputy Secretary of State (2001-2005)
Elliott Abrams Special Assistant to the President (2002-2005)
Richard Perle Defense Policy Board (Chairman até 2003)
John Bolton Undersecretary of State for Arms Control and International Security Affairs
(2001-2005) / U.S. Representative to the United Nations (2005-2007)
James Woolsey Defense Policy Board Member (2001-2005)
Paula Dobriansky Under Secretary of State for Democracy and Global Affairs (2001-2009)
Jeffrey Bergner Assistant Secretary of State for Legislative Affairs (2005 - 2008)
Robert Zoellick Office of the President: U.S. Trade Representative (2001-2005) / Deputy
Secretary of State (February 2005-June 2006)
Peter W. Rodman Assistant Secretary of Defense for International Security Affairs (2001-2007)
Zalmay Khalilzad Embaixador no Afeganistão (2003-2005) / Embaixador no Iraque (2005-
2007).

Quadro 5 – Signatários da Carta ao presidente Clinton em 1998 e com cargos na


administração Bush em 2001.

104
PROJECT FOR A NEW AMERICA CENTURY -PNAC. Letter to President Clinton on Iraq, January 26,
1998 (<http://www.newamericancentury.org/iraqclintonletter.htm>).
85

Se esses eventos demonstram que a mudança de regime no Iraque era parte inconteste
da agenda de segurança e da política externa do pensamento neoconservador, é pertinente
observar que essa questão também se manifestava no partido democrata, principalmente no
segundo mandato do presidente Clinton que, em dezembro de 1998105, em um
pronunciamento em cadeia nacional, feito no salão oval da Casa Branca, declarou:

A dura realidade é que enquanto Saddam permanece no poder, ele ameaça o bem-
estar de seu povo, a paz de sua região e a segurança do mundo. A melhor maneira de
acabar com essa ameaça, de uma vez por todas, é com um novo governo iraquiano -
um governo pronto para viver em paz com seus vizinhos, um governo que respeite
os direitos do seu povo.

[...] Se Saddam desafia o mundo e deixamos de responder, enfrentaremos uma


ameaça muito maior no futuro. Saddam vai atacar novamente seus vizinhos. Ele fará
guerra contra seu próprio povo. E registrem as minhas palavras, ele vai desenvolver
armas de destruição em massa. Ele irá prepará-las e irá utilizá-las106 (CLINTON
apud BUSH, 2010, p. 227) (Tradução nossa).

É muito provável que uma pessoa que lesse esse discurso e fosse inquirida sobre qual
dos dois presidentes o proferiu, responderia George W. Bush. Mas o ponto que queremos
destacar vai mais além, pois ainda em 1998 o Congresso dos EUA aprovou o chamado Iraq
Liberation Act, que foi assinado em seguida pelo presidente Clinton. Esta lei promulgou a
nova política oficial dos EUA em relação ao Iraque: “Deve ser política dos Estados Unidos
apoiar os esforços para remover o regime liderado por Saddam Hussein do poder no Iraque e
promover o surgimento de um governo democrático para substituir aquele regime107”
(Tradução nossa).

105
O discurso em pauta foi feito no contexto da Operação Desert Fox – uma campanha de bombardeios contra
instalações iraquianas, com quatro dias de duração -, após Saddam Hussein ter expulsado os inspetores de
armas da ONU que estavam no país desde o término da Guerra do golfo em 1991, como verificadores de que o
governo iraquiano estava cumprindo a Resolução 687 da ONU, que proibia o Iraque de possuir ou produzir
armas nucleares, químicas ou biológicas (Nota do autor).
106
“The hard fact is that so long as Saddam remains in power, he threatens the well-being of his people, the
peace of his region, the security of the world. The best way to end that threat once and for all is with a new
Iraqi government – a government ready to live in peace with its neighbors, a government that respects the
rights of its people. […] If Saddam defies the world and we fail to respond, we will face a far greater threat in
the future. Saddam will strike again at his neighbors. He will make war on his own people. And mark my
words, he will develop weapons of mass destruction. He will deploy them, and he will use them” (CLINTON
apud BUSH, 2010, p. 227).

107
“It should be the policy of the United States to support efforts to remove the regime headed by Saddam
Hussein from power in Iraq and to promote the emergence of a democratic government to replace that
regime” (USA. The Library of Congress. H.R.4655 - Iraq Liberation Act of 1998. <http://thomas.loc.gov/cgi-
bin/query/D?c105:4:./temp/~c105FfXHYA>).
86

O ponto a ser destacado é que a ideia de mudança de regime no Iraque estava presente
tanto entre democratas quanto entre republicanos e, principalmente entre os
neoconservadores. Os atentados de 11 de setembro de 2001 possibilitaram nova visibilidade
para essas ideias de mudança de regime, pois a sociedade “americana” percebeu que há anos
um grupo de pensadores de política externa apontava que o período pós-Guerra Fria não seria
um período de ausência de ameaças à segurança dos EUA. Essas ameaças estariam
concentradas principalmente no Oriente Médio, na forma do radicalismo islâmico, alimentado
por regimes tirânicos, incapazes de promover o bem-estar às suas populações (FRACHON;
VERNET, 2006, p. 19).
Conforme já comentado na sessão anterior deste trabalho, nos primeiros oito meses do
governo Bush, o Oriente Médio era uma região na qual o status quo satisfazia à visão do
núcleo central da equipe de política externa, incluindo a questão do Iraque. Mas, nas palavras
do próprio presidente Bush, os atentados de 11 de setembro de 2001, mudaram a sua
percepção:

Antes do onze de setembro, Saddam era um problema gerenciável. Ao ver o mundo


com as lentes do pós-onze de setembro, minha opinião mudou. Eu acabava de
testemunhar os danos causados por dezenove fanáticos armados com estiletes. Eu só
podia imaginar a possível destruição causada se um ditador inimigo fornecesse
armas de destruição em massa a terroristas. [...] As apostas eram altas demais para
confiar na palavra de um ditador contra o peso das provas e do consenso mundial. A
lição do onze de setembro foi a de que se esperarmos até que um perigo se
materialize, nós teremos esperado demais. Cheguei a uma decisão: nós
confrontaríamos a ameaça do Iraque, de uma forma ou de outra108 (BUSH, 2010, p.
229) (Tradução nossa).

No entanto, durante os estágios iniciais da “Guerra contra o Terrorismo”, a


administração Bush concentrou-se primeiramente, na face mais visível da al-Qaeda, isto é,
seus santuários no Afeganistão e o apoio prestado à essa rede terrorista por parte do regime
teocrático do Talibã (MANN, 2004, p. 311). Isso nos permite entender como essa “Guerra” se
materializou, inicialmente, em uma ação militar contra a al-Qaeda e seu baluarte no
Afeganistão dos Talibãs. No início de 2002, o aparente êxito da operação destinada a
promover a mudança de regime em Cabul e a desestruturar a infra-estrutura de operações da

108
“Before 9/11, Saddam was a problem America might have been able to manage. Through the lens of the post
9/11 world, my view changed. I had just witnessed the damage inflicted by nineteen fanatics armed with box
cutters. I could only imagine the destruction possible if an enemy dictator passed his WMD to terrorists. […]
The stakes were too high to trust the dictator’s word against the weight of the evidence and the consensus of
the world. The lessons of 9/11 was that if we waited for a danger to fully materialize, we would have waited
too long. I reached a decision: We would confront the threat from Iraq, one way or another” (BUSH, 2010, p.
229).
87

al-Qaeda, reforçou a percepção de que aquela era postura estratégica a ser seguida, de modo a
impedir que novos atentados como o de 11 de setembro pudessem ocorrer. Mais ainda, a
possibilidade de um ataque com armas de destruição em massa, por mais remota que fosse,
era algo que a administração Bush estava disposta a impedir a qualquer custo. Mas, para que a
“Guerra contra o Terror” pudesse ter continuidade, era necessário que houvesse alvos e
objetivos tangíveis, de modo que a força militar dos EUA pudesse ser utilizada. Isso nos
permite entender a criação da entidade denominada “Eixo do Mal109”, cujo desenho trouxe
para a “Guerra contra o Terror” alvos mais visíveis – os “Estados Vilões” - identificados pelo
presidente Bush no seu discurso do Estado da União, feito no Congresso em 29 de janeiro de
2002: Coréia do Norte, Irã, Iraque. Percebe-se então uma busca por materialidade, uma vez
que a guerra, apesar de declarada contra o terrorismo, dirige-se contra os Estados que
apoiaram, apóiam ou podem vir a apoiar ataques terroristas, sendo que a mudança dos
Regimes de governo existentes nesses países passou a ser considerada como a solução a ser
instrumentalizada, por meio da força militar dos EUA. Nas palavras do próprio presidente
Bush:

Os Estados Unidos podem considerar qualquer nação que abrigou terroristas como
responsável pelos atos desses terroristas. Esta nova doutrina revogou a abordagem
do passado, que distinguia grupos terroristas dos seus patrocinadores. Nós tivemos
que forçar as nações a escolher entre combater os terroristas ou compartilhar o seu
destino. E nós tivemos que travar esta guerra na ofensiva, atacando os terroristas no
exterior, antes que eles pudessem nos atacar novamente em casa110 (BUSH, 2010, p.
137) (Tradução nossa).

Em 2002, o Iraque é apontado e percebido pela administração George W. Bush com o


uma ameaça potencial a segurança dos EUA. Para mostrar os motivos dessa percepção à
opinião pública estadunidense e também ao mundo, o presidente e os principais expoentes da
sua equipe de política externa vão apresentar, de forma seqüencial, uma série de argumentos
correlatos: a busca do desenvolvimento e posse de armas de destruição em massa, ligações

109
A expressão "Eixo do Mal" foi utilizada pelo presidente George W. Bush, em seu discurso anual no
Congresso, em 2002, para se referir a três Estados percebidos como uma grave ameaça ao mundo e à
segurança dos Estados Unidos: Coréia do Norte, Irã e Iraque. Estes países, segundo Bush, desenvolviam armas
de destruição em massa ou patrocinavam o terrorismo regional e mundial, ou faziam as duas coisas ao mesmo
tempo (USA. The White House. President Delivers State of Union Address. <http://georgewbush-
whitehouse.archives.gov/news/releases/2002/01/20020129-11.html>).
110
“The United States would consider any nation that harbored terrorists to be responsible for the acts of those
terrorists. This new doctrine overturned the approach of the past, which treated terrorist groups as distinct
from their sponsors. We had to force nations to choose whether they would fight the terrorists or share their
fate. And we had to wage this war on the offense, by attacking the terrorists overseas before they could attack
us again at home” (BUSH, 2010, p. 137).
88

com grupos terroristas, necessidade de libertar o povo iraquiano de um regime tirânico e a


promoção da democracia no Oriente Médio (FRACHON; VERNET, 2006, p. 22-23). Em
síntese, a administração Bush procurou utilizar uma série de motivos para justificar e
legitimar, ao menos perante a opinião pública "americana", a Guerra contra o Iraque.
Nesse contexto, sucedem-se os eventos em que o Iraque é apontado como uma
ameaça. Assim, por exemplo, o Secretário de Defesa Donald Rumsfeld declarou, no discurso
feito na Reserve Officers Association em 20 de janeiro de 2003:

[...] neste momento, Estados e redes terroristas estão buscando armas nucleares,
químicas e biológicas que lhes permitam não apenas matar milhares, mas dezenas de
milhares ou mesmo centenas de milhares do nosso povo. Nosso objetivo na guerra
global contra o terror é impedi-los, para evitar ataques adicionais ainda piores, antes
que eles aconteçam.
Hoje, existe um número de Estados terroristas que estão tentando desenvolver armas
de assassinato em massa. Mas, como o presidente Bush deixou claro, o Iraque
representa uma ameaça única para a segurança de nosso povo e para a estabilidade
do mundo. Considere o seguinte histórico:
Saddam Hussein possui armas químicas e biológicas. Ele tem usado armas químicas
contra as forças estrangeiras e também contra seu próprio povo [...]. Ele invadiu dois
dos seus vizinhos, e lançou mísseis balísticos contra quatro deles. Ele abertamente
elogiou os ataques de 11 de setembro contra o nosso país. Seu regime apóia
terroristas e ordenou os atos de terror em solo estrangeiro. [...] Seu regime violou,
repedidamente, 16 resoluções das Nações Unidas, desafiando a vontade da
comunidade internacional - sem custos ou conseqüências.
Como o presidente alertou as Nações Unidas no ano passado, "o regime de Saddam
Hussein é um perigo grave". É um perigo para seus vizinhos, para os Estados
Unidos, para o Oriente Médio, e para a paz e a estabilidade internacionais. É um
perigo que não podemos ignorar111 (Tradução nossa).

Em consonância com a posição de Rumsfeld, o Subsecretário de Defesa Paul


Wolfowitz, declarou em uma conferência realizada no Council for Foreign Relations, em 23

111
“Yet, at this moment, terrorist networks and terrorist states are pursuing nuclear, chemical and biological
weapons - capabilities that will enable them to kill not simply thousands, but many tens of thousands or even
hundreds of thousands of our people. Our objective in the global war on terror is to stop them - to prevent
additional attacks that would be far worse - before they happen.
There are a number of terrorist states that are pursuing weapons of mass murder today. But as President
Bush has made clear, Iraq poses a threat to the security of our people, and to the stability of the world, that is
distinct from any other. Consider the record:
Saddam Hussein possesses chemical and biological weapons. He has used chemical weapons against foreign
forces and his own people […]. Iraq has invaded two of its neighbors, and has launched ballistic missiles at
four of its neighbors. He openly praised the attacks of September 11th against our country. His regime plays
host to terrorists, and has ordered acts of terror on foreign soil. […] His regime has violated some 16 U.N.
resolutions, repeatedly defying the will of the international community - without cost or consequence.
As the president warned the United Nations last fall, "Saddam Hussein's regime is a grave and gathering
danger." It is a danger to its neighbors, to the United States, to the Middle East, and to the international peace
and stability. It's a danger we cannot ignore” (U. S. DEPARTMENT OF DEFENSE. Speech. Remarks by
Secretary of Defense Donald H. Rumsfeld, Reserve Officers Association 2003 Mid-Winter Conference and
18th Annual Military Exposition, Washing, Monday, January 20, 2003.
<http://www.defense.gov/speeches/speech.aspx?speechid=165>).
89

de janeiro de 2003, que as “armas de terror em massa” do Iraque e as ligações deste Estado
com as “redes terroristas” eram ameaças interligadas e desarmar o Iraque era parte crucial do
esforço da “Guerra contra o Terror”:

Os ataques de 11 de Setembro foram terríveis. No entanto, agora agora sabemos que


os terroristas estão planejando mais e maiores catástrofes. Sabemos que eles estão
buscando as mais terríveis armas químicas, biológicas e até mesmo armas nucleares.
Nas mãos de terroristas, o que freqüentemente chamamos de armas de destruição em
massa poderia ser chamado, com mais precisão, de armas de terror em massa. A
ameaça representada pela conexão entre as redes terroristas e os Estados que
possuem essas armas de terror em massa nos apresenta o perigo de uma catástrofe
que poderia ser de magnitude muito pior que o 11 de setembro. As armas de terror
em massa do Iraque e as redes de terror com as quais o regime iraquiano está ligado,
não são dois temas distintos - nem duas ameaças distintas. Eles fazem parte da
mesma ameaça. O desarmamento do Iraque e a Guerra contra o Terror não estão
apenas relacionados. Desarmar o Iraque no que tange às suas armas químicas e
biológicas e desmantelar seu programa de armas nucleares é uma parte crucial para
vencer a Guerra contra o Terror112" (Tradução nossa).

Richard Perle, que presidiu o Defense Policy Board (um comitê de assessoramento do
Departamento de Defesa) entre 2001 e 2003, defendia abertamente a mudança de regime no
Iraque. Para ele, o Iraque era tanto um teste acerca da seriedade da “Guerra contra o terror”,
quanto o teste que demonstraria a intenção de levar a guerra aos inimigos, bem como a
oportunidade de “abrir os olhos” para o perigo dos vários radicalismos existentes no Oriente
Médio (FRUM; PERLE, 2004, p. 29). Ele aponta com clareza que derrubando Saddam
Hussein, os EUA estariam alcançando alguns grandes objetivos, entre eles:
• Colocar um fim nas armas de destruição em massa que Saddam possuía ou que
poderia vir a possuir.
• Alcançar uma grande vitória contra o terrorismo, uma vez que seria eliminado um
regime que, por mais de trinta anos, patrocinava o terrorismo na região.
• Negar aos inimigos a vitória que eles explorariam caso Saddam fosse deixado no
poder, após ter desafiado os EUA.

112
“As terrible as the attacks of September 11th were, however, we now know that the terrorists are plotting still
more and greater catastrophes. We know they are seeking more terrible weapons-chemical, biological, and
even nuclear weapons. In the hands of terrorists, what we often call weapons of mass destruction would more
accurately be called weapons of mass terror. The threat posed by the connection between terrorist networks
and states that possess these weapons of mass terror presents us with the danger of a catastrophe that could
be orders of magnitude worse than September 11th. Iraq's weapons of mass terror and the terror networks to
which the Iraqi regime are linked are not two separate themes - not two separate threats. They are part of the
same threat. Disarming Iraq and the War on Terror are not merely related. Disarming Iraq of its chemical
and biological weapons and dismantling its nuclear weapons program is a crucial part of winning the War on
Terror”(U. S. DEPARTMENT OF DEFENSE. News Transcript. Deputy Secretary Wolfowitz Speech on Iraq
Disarmament. <http://www.defense.gov/transcripts/transcript.aspx?transcriptid=1335>).
90

• Dar uma convincente demonstração da capacidade dos EUA de obter uma


significativa vitória sobre seus inimigos, com um mínimo de baixas “americanas”.
• Enviar uma mensagem de incentivo para as forças democráticas dos demais Estados
da região, ao mostrar que mesmo as ditaduras mais ameaçadoras eram frágeis.
• Eliminar um dos mais cruéis e tirânicos governantes árabes, possibilitando a libertação
da população iraquiana, abrindo caminho para a construção de uma verdadeira
sociedade civil no Iraque, o que seria um exemplo para todo Oriente Médio (FRUM;
PERLE, 2004, p. 27).
Em síntese, na administração George W. Bush, particularmente no Departamento de
Defesa, a visão dominante era a de que o Iraque representava uma ameaça para os EUA e a
mudança de regime, por meio do emprego da força militar estadunidense era uma escolha
racional, consonante com os interesses de segurança e com os valores da sociedade
“americana”. Nesse sentido, visando identificar o peso e a coesão das ideias dentro do lócus
decisório de política externa da administração George W. Bush é também pertinente
analisarmos as posições dominantes, quanto à questão do Iraque, tanto na Vice-Presidência
quanto no Departamento de Estado.
Na Vice-Presidência, desde 2002, Dick Cheney também defendia a mudança de
regime no Iraque, destacando a ameaça para a segurança dos EUA decorrente das armas de
destruição em massa iraquianas. Em seu discurso proferido na Veterans of Foreign Wars, em
26 de agosto de 2002, o vice-presidente declarou:

[...] O regime iraquiano tem estado, de fato, muito ocupado em incrementar a sua
capacidade em matéria de agentes químicos e biológicos. E eles prosseguem com o
programa nuclear iniciado anos atrás. Estas não são armas que tem como propósito
defender o Iraque, são armas ofensivas que têm como objetivo infligir a morte em
escala maciça e foram desenvolvidas para Saddam ameaçar qualquer um que ele
escolha, seja em sua própria região ou fora dela. [...] A mudança de regime no
Iraque poderá trazer uma série de benefícios para a região. Quando as mais graves
ameaças forem eliminadas, os povos amantes da liberdade da região terão uma
oportunidade de promover os valores que podem trazer uma paz duradoura. [...]
Extremistas na região teriam que repensar as suas estratégias de Jihad113 (Tradução
nossa).

113
“[…] The Iraqi regime has in fact been very busy enhancing its capabilities in the field of chemical and
biological agents. And they continue to pursue the nuclear program they began so many years ago. These are
not weapons for the purpose of defending Iraq; these are offensive weapons for the purpose of inflicting death on
a massive scale, developed so that Saddam can hold the threat over the head of anyone he chooses, in his own
region or beyond. […] Regime change in Iraq would bring about a number of benefits to the region. When the
gravest of threats are eliminated, the freedom-loving peoples of the region will have a chance to promote the
values that can bring lasting peace. […] Extremists in the region would have to rethink their strategy of Jihad”
(PROJECT FOR THE NEW AMERICAN CENTURY - PNAC. Vice President Cheney's Speech to the Veterans
of Foreign wars - August 26, 2002. <http://www.newamericancentury.org/iraq-082602.htm>).
91

No Departamento de Estado a questão não era se o Iraque deveria ou não ser atacado e
Saddam deposto. A questão era que isso deveria ser feito em consonância com as resoluções
do Conselho de Segurança da ONU. No discurso proferido na ONU, em fevereiro de 2003, o
Secretário de Estado Colin Powell tentou apresentar provas e argumentos de que o Iraque
continuava com programas de ADM e, portanto, desrespeitava de forma recorrente as
resoluções da ONU sobre essa questão. Nesse contexto, Powell tentou mostrar para a opinião
pública mundial que o programa de armas clandestino de Saddam era uma ameaça para a
segurança global e uma fonte de descrédito da ONU, caso nada fosse feito para reverter essa
situação. Além disso, procurou apresentar provas das ligações de Saddam com a al-Qaeda, do
risco que os EUA estariam correndo fruto dessas ligações e que o mesmo não poderia ser
aceito pelo governo estadunidense.

[...] Este órgão se coloca em perigo de irrelevância se permitir que o Iraque continue
a desafiar a sua vontade, sem responder de forma eficaz e imediata. [...] A gravidade
deste momento coincide com a gravidade da ameaça que as armas de destruição em
massa do Iraque representam para o mundo. [...] A nossa preocupação não é apenas
sobre essas armas, é sobre a possibilidade de ligação entre essas armas e terroristas e
suas organizações, os quais não têm escrúpulos em utilizar tais dispositivos contra
pessoas inocentes em todo o mundo. [...] Hoje, o Iraque abriga uma rede terrorista
mortal liderada por Abu Musab Al-Zarqawi, um associado de Osama bin Laden e
seus tenentes da Al Qaida. [...] Dada a história de agressão de Saddam Hussein, [...],
dado o que sabemos de suas associações terroristas e dada a sua determinação em
vingar-se daqueles que se opõem a ele, deveríamos assumir o risco que ele não vai
algum dia usar essas armas, no momento e lugar de sua escolha? Os Estados Unidos
não vão e não podem correr esse risco para o povo americano. Deixar Saddam
Hussein com a posse de armas de destruição em massa por mais alguns meses ou
anos não é uma opção no mundo pós 11 de setembro114 (Tradução nossa).

114
“[…] And this body places itself in danger of irrelevance if it allows Iraq to continue to defy its will without
responding effectively and immediately. […] The gravity of this moment is matched by the gravity of the threat
that Iraq's weapons of mass destruction pose to the world. […] Our concern is not just about these elicit
weapons. It's the way that these elicit weapons can be connected to terrorists and terrorist organizations that
have no compunction about using such devices against innocent people around the world. […] Iraq today
harbors a deadly terrorist network headed by Abu Musab Al-Zarqawi, an associated in collaborator of Osama
bin Laden and his Al Qaida lieutenants. […] Given Saddam Hussein's history of aggression, […], given what we
know of his terrorist associations and given his determination to exact revenge on those who oppose him, should
we take the risk that he will not some day use these weapons at a time and the place and in the manner of his
choosing at a time when the world is in a much weaker position to respond? The United States will not and
cannot run that risk to the American people. Leaving Saddam Hussein in possession of weapons of mass
destruction for a few more months or years is not an option, not in a post-September 11th world” (THE
WASHINGTON POST. U.S. Secretary of State Colin Powell's speech to the United Nations on Iraq.
<http://www.washingtonpost.com/wp-srv/nation/transcripts/powelltext_020503.html>).
92

À luz do seu discurso proferido na ONU, é possível inferir que o Secretário de Estado
também se mostrava convencido da necessidade de mudança de regime no Iraque, mas essa
ação deveria se executada com o respaldo da ONU, isto é, mediante uma nova Resolução do
Conselho de Segurança, mais explícita quanto à autorização do uso da força contra o Iraque,
que a Resolução 1441115.
Ainda com relação à identificação do peso e a coesão das ideias dentro do lócus
decisório de política externa da administração George W. Bush, no que tange à decisão da
Guerra contra o Iraque, cabe analisarmos a posição da Conselheira de Segurança Nacional,
Condoleezza Rice. Usualmente contida em suas declarações, em 23 de janeiro de 2003, o
jornal The New York Times publicou um artigo enviado por Rice, intitulado Why We Know
Iraq is Lying e que fornece indícios da sua posição em relação à “ameaça” representada pelas
armas de destruição em massa do Iraque.

Muitas questões continuam pendentes acerca dos programas e do arsenal de armas


químicas, biológicas e nucleares do Iraque - e é obrigação do Iraque fornecer as
respostas. Algo em que ele está falhando de forma espetacular. Tanto por suas ações
e sua inações, o Iraque está provando que não é uma nação empenhada no
desarmamento, mas que é uma nação com algo a esconder. O Iraque ainda está
tratando as inspeções como um jogo e deve saber que o tempo está se esgotando116
(Tradução nossa).

Com base na análise das ideias dos principais integrantes do NSC, acerca da ameaça
representada pelo Iraque e da conveniência da mudança de regime naquele país, podemos
inferir e construir a Figura 4, que representa as preferências reveladas acerca dessa questão,
em 2003, dentro do lócus decisório de política externa da administração George W. Bush.

115
Adotada por unanimidade no Conselho de Segurança, no dia 8 de novembro de 2002, a Resolução 1441 oferecia
a Saddam Hussein uma oportunidade final para cumprir com suas obrigações de desarmamento, estabelecidas
por Resoluções anteriores do Conselho (Resoluções 660, 661, 678, 686, 687, 688, 707, 715, 986 e 1284). Além
disso, o item 13 da Resolução 1441, alertava o governo iraquiano que o país teria que enfrentar "sérias
conequências" em decorrência das repetidas violações das obrigações em pauta (UNITED NATIONS. Security
Council Resolutions 2002. Security Council Resolution 1441.
<http://www.un.org/Docs/scres/2002/sc2002.htm>).
116
“Many questions remain about Iraq's nuclear, chemical and biological weapons programs and arsenal -- and it
is Iraq's obligation to provide answers. It is failing in spectacular fashion. By both its actions and its inactions,
Iraq is proving not that it is a nation bent on disarmament, but that it is a nation with something to hide. Iraq is
still treating inspections as a game. It should know that time is running out” (RICE, CONDOLEEZA. Why We
Know Iraq Is Lying. In: THE NEW YORK TIMES. Opinion. Published: January 23, 2003.
<http://www.nytimes.com/2003/01/23/opinion/why-we-know-iraq-is-lying.html?src=pm>).
93

Paul Wolfowitz Richard Perle

Figura 4 - Preferências Reveladas na decisão da Guerra no Iraque


Observação: A intensidade do vermelho nas setas representa a preferência pelo emprego da
força militar contra o Iraque de Saddam Hussein. Assim, quanto mais intensa a cor da seta
maior a preferência pelo uso da força militar.

Conforme representado na figura acima, o núcleo do lócus decisório apresentava


coesão com relação ao uso da força militar contra o Iraque, sendo que as posições com menos
restrições à forma e ao momento do emprego dessa força emanavam da vice-presidência e do
Departamento de Defesa.
Em síntese, à luz das preferências reveladas, podemos depreender que a administração
Bush apresentava coesão quanto a percepção de que o Iraque representava uma ameaça à
segurança dos EUA, bem como da necessidade de mudança de regime naquele país, sendo
que o emprego da força militar estadunidense despontava como a solução para esse problema,
por um conjunto de razões inter-relacionadas: eliminar uma ameaça potencial, mas não
comprovada (aplicação do conceito de Guerra Preventiva); executar uma demonstração
94

concreta da força militar dos EUA; derrubar um regime tirânico e hostil aos EUA; e iniciar a
mudança do status quo dos regimes do Oriente Médio, por meio da construção de regimes
democráticos, em consonância com os valores “americanos” e com o incremento da segurança
dos EUA.
É pertinente destacar que no dia 11 de outubro de 2002, o Congresso dos EUA
aprovou uma resolução autorizando o presidente a usar a força militar contra o Iraque. Essa
resolução foi aprovada com 296 votos “a favor” e 133 “contra”, na Câmara dos Deputados e
com 77 votos “a favor” e 23 “contra” no Senado. Em outras palavras, enquanto se
desenrolavam as negociações na ONU acerca do uso da força contra o Iraque, o Congresso
dos EUA autorizava o presidente George W. Bush a empregar a força militar contra o Iraque,
nos seguintes termos:

O presidente está autorizado a usar as Forças Armadas dos Estados Unidos como
entender ser necessário e adequado, para defender a segurança nacional dos Estados
Unidos contra a ameaça contínua representada pelo Iraque, e aplicar todas as
resoluções pertinentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas acerca do
Iraque117 (BUSH, 2010, p. 241) (Tradução nossa).

Em março de 2003, o planejamento para a invasão do Iraque e a concentração de


tropas para tal estavam concluídos. Desde 2002, o NSC se reunira inúmeras vezes para
discutir a questão iraquiana. O presidente Bush declara em sua autobiografia que conhecia a
posição de cada um dos seus conselheiros. Ele recorda que o vice-presidente Cheney estava
preocupado com a lentidão do caminho diplomático e era favorável à ação militar contra
Saddam Hussein (BUSH, 2010, p. 251).
O Secretário de Defesa Donald Rumsfeld garantira que as Forças Armadas estavam
prontas para executar o planejado tão logo o presidente desse a ordem. Além disso, alertou
que os EUA não poderiam manter cerca de 150.000 homens na fronteira do Iraque
indefinidamente, pois o esforço logístico envolvido era imenso (Ibid., p. 251).
Condoleezza Rice, segundo o presidente Bush, buscava manter uma postura de
neutralidade nas reuniões do NSC, mas, privadamente, externara sua posição. Apesar de
defender a solução por vias diplomáticas, forçando o Iraque a aceitar novamente os inspetores
de armamentos da ONU, ela estava certa de que Saddam iria apenas ganhar tempo. Portanto,

117
“The President is authorized to use the Armed Forces of the United States as he determines to be necessary and
appropriate in order to defend the national security of the United States against the continuing threat posed by
Iraq; and enforce all relevant United Nations Security Council resolutions regarding Iraq” (BUSH, 2010, p.
241).
95

ainda que de forma relutante, ela endossava a opção do emprego da força militar (BUSH,
2010, p. 251).
O Secretário de Estado, Colin Powell era o que tinha as maiores reservas quanto ao
emprego da força militar contra o Iraque. Ele alertou ao presidente que ainda achava possível
lidar com o Iraque pelas vias diplomáticas. O presidente Bush recorda o seguinte diálogo com
o Secretário de Estado:

Eu disse a Colin que era possível que chegássemos ao ponto em que a guerra era a
única opção restante. Nenhum de nós queria guerra, mas eu perguntei se ele iria
apoiar uma ação militar como último recurso. "Se é isso que você tem que fazer", ele
disse: "Eu estou com você, Sr. Presidente118" (BUSH, 2010, p. 251) (tradução
nossa).

Nesse contexto, no dia 17 de março de 2003, o presidente proferiu um discurso em


cadeia nacional informando a situação com o Iraque e dando a Saddam Hussein um ultimato,
pelo qual o ditador iraquiano e seus filhos deveriam deixar o Iraque em 48 horas, ou seria
iniciado um conflito militar:

O Conselho de Segurança das Nações Unidas não exerceu as suas responsabilidades,


então nós cumpriremos a nossa. [...] Saddam Hussein e seus filhos devem deixar o
Iraque em 48 horas. Sua recusa em fazê-lo resultará em um conflito militar, iniciado
no momento em que escolhermos119 (BUSH, 2010, p. 253) (Tradução nossa).

No dia 19 de março, o NSC foi reunido na Situation Room e o presidente Bush deu a
ordem para que fosse iniciada a Operação Iraq Freedom (Ibid., p. 253).
Aplicando o modelo das Unidades de Decisão ao contexto supracitado pode-se
identificar que a Ocasião para a Decisão apresenta-se com a prontificação do planejamento
militar e do desdobramento das forças militares no Golfo Pérsico e na fronteira do Iraque. À
luz da pesquisa efetuada inferimos que a Unidade de Decisão Dominante, permanece

118
“I told Colin it was possible that we would reach the point where war was the only option left. Neither of us
wanted war, but I asked if he would support military action as a last resort. ’If this is what you have to do’, he
said, ’I’m with you, Mr. President’” (BUSH, 2010, p. 251).
119
“The United Nations Security Council has not lived up to its responsibilities, so we will rise to ours. […]
Saddam Hussein and his sons must leave Iraq with forty-eight hours. Their refusal to do so will result in
military conflict, commenced at a time of our choosing” (BUSH, 2010, p. 253).
96

constante, isto é, Grupo Único, com lócus no NSC, cuja composição continua a mesma, desde
o 11 de setembro de 2001, exceto pelo novo Secretário do Tesouro John W. Snow120.
A visão comum, no caso a percepção de que o Iraque representava uma ameaça a
segurança dos EUA e que a mudança de regime naquele país incrementaria essa segurança,
era compartilhada por todos os integrantes do NCS, incluindo o Secretário de Estado, Colin
Powell que diferia do Grupo apenas quanto ao momento para utilizar a força militar contra o
Iraque. Nesse contexto, continuamos com a percepção de que a Unidade de Decisão
Dominante continuava a compartilhar uma visão comum, bem como coesão elevada. Assim, o
resultado esperado do processo decisório foi a Concurrence acerca da opção militar contra o
Iraque. A Figura 5 sintetiza a presente análise, à luz do modelo das unidades de decisão:

Ocasião para a Decisão Unidade de Decisão Dominante


Prontificação do Formal: Líder Predominante.
Informal (prática): Grupo Único
planejamento militar e do
Lócus: NSC.
desdobramento das forças Núcleo Central: Presidente, Vice-Presidente,
Secretário de Estado, Secretário de Defesa,
militares no Golfo Pérsico e
Conselheira de Segurança Nacional.
na fronteira do Iraque. Visão Comum: Sim.
Coesão: Alta.

Decisão Tomada Resultado do Processo

Emprego da Força militar Esperado: Concurrence


contra o Iraque, visando a Ocorrido: Concurrence.
deposição de Saddam Decisão Esperada: Forte / Extremada com ação
Hussein e a mudança de militar.
Regime.

Figura 5 - Aplicação do Modelo teórico selecionado para análise da Decisão de desencadear a


Guerra no Iraque.

120
John W. Snow substituiu Paul O' Neill como Secretário do Tesouro em 3 de fevereiro de 2003, exercendo
esse cargo até 28 de junho de 2006 (Nota do autor).
97

É relevante destacar que a decisão em pauta não foi dissociada do respaldo da opinião
pública estadunidense, conforme foi levantado no histórico de pesquisas afetas ao percentual
de aprovação dos presidentes dos EUA. Na pesquisa Gallup, realizada entre 14-15 de março
de 2003, isto é, na semana que antecedeu a decisão de desencadear a Guerra contra o Iraque, a
aprovação pública do presidente era de 58%. Na pesquisa seguinte, realizada entre 22-23 de
março de 2003, ou seja, após a decisão em pauta, foi registrado um índice de 71% de
aprovação121. Assim, o ponto a ser destacado é que, se a opinião pública da vários países
condenou a decisão da Guerra contra o Iraque, a grande maioria da população dos EUA
aprovou essa decisão.
Finalizando a análise da decisão de desencadear a Guerra contra o Iraque é pertinente
abordar, ainda que como forma de suscitar futuros estudos acerca dessa decisão que, apesar de
não declarado por nenhuma autoridade da administração Bush, a deposição do Talibã e
destruição dos campos de treinamento da al-Qaeda no Afeganistão, poderiam não parecer
uma resposta suficientemente forte aos “inimigos” dos EUA. Nesse sentido, ainda no rescaldo
dos atentados de onze de setembro de 2001, era preciso demonstrar o poderio militar
estadunidense e o destino daqueles regimes considerados hostis. Dentre os possíveis inimigos,
isto é, o “eixo do Mal”, o Iraque preenchia todos os requisitos possíveis para ser escolhido
como o próximo inimigo a ser batido dentro da “Guerra contra o Terror”: detentor de alguma
força militar, porém não forte o suficiente para causar problemas às Forças Armadas
estadunidenses e de seus aliados (o que, provavelmente, não seria o caso do Irã e da RDPC); e
incapacidade de revidar de forma contundente sobre os EUA e/ou seus aliados (que seria o
caso da RDPC). Além disso, o Iraque apresentava uma população dividida por etnia (curdos e
árabes) e religião (sunitas e xiitas), onde dois grupos – curdos e xiitas, estes majoritários em
termos populacionais - eram oprimidos pela minoria sunita ligada a Saddam Hussein, o que
indicava que a maior parte da população receberia bem as forças militares dos EUA e de seus
aliados “libertadores”. Adionalmente, uma das maiores reservas de petróleo do mundo
passaria ao controle dos EUA. Em outras palavras, transformar o Iraque num protetorado
militar, dentro de um contexto da já estabelecida rede de alianças com todos os demais
Estados produtores do Golfo pérsico, à exceção do Irã, colocaria os EUA em uma posição
privilegiada frente a possíveis rivais estratégicos dependentes do petróleo do Oriente Médio.
Essas inferências não podem ser descartadas quando analisamos os motivos que nortearam a

121
GALLUP ORGANIZATION. Presidential Job Approval Center
(<http://www.gallup.com/poll/124922/Presidential-Approval-Center.aspx>).
98

decisão de desencadear a Guerra contra o Iraque, mesmo que não tenham sido determinantes
da decisão de desencadear aquele conflito.
É conveniente ressaltar que este estudo não aponta a questão do petróleo como
determinante chave para a decisão de iniciar a Guerra contra o Iraque, pois o petróleo
importado pelos EUA, oriundo dos Estados do Golfo Pérsico, em 2003, correspondia a 25 %
do total das importações, com o Iraque fornecendo 4,9% dessas importações. O Apêndice B
deste trabalho apresenta o quantitativo de petróleo importado pelos EUA, desde 2000 até
2009, por países fornecedores, indicando o percentual relativo de cada um deles. Assim, pode-
se perceber que em 2003, 69,1 % do petróleo importado pelos EUA vinha de outras regiões,
notadamente da própria América do Norte (32,5 %), além da América do Sul (16 %), da
África (13,8 %) e da Europa (6,8 %). Assim, não há sustentação inconteste para os
argumentos que indiquem que a decisão da Guerra contra o Iraque foi decorrente da
necessidade de petróleo iraquiano para os EUA. No entanto, isso não elimina a suposição de
que essa questão esteve presente, de forma secundária, perante os integrantes do lócus
decisório de política externa da administração George W. Bush.

2.7.1 Analisando os pontos de contato da decisão da Guerra no Iraque com o pensamento


neoconservador

Conforme exposto na seção 2.6, a Guerra no Afeganistão foi uma reação consensual
da Unidade de Decisão Dominante do governo Bush e contou com o apoio inconteste tanto da
opinião pública estadunidense quanto internacional. Foi também uma ação de emprego da
força em consonância com o Direito Internacional e legitimada por uma resolução do
Conselho de Segurança da ONU. A deposição do governo Talibã e o aparente sucesso em
desestruturar a al-Qaeda contribuíram para que, nos meses subseqüentes aos atentados de
onze de setembro, o ideário neoconservador fosse veiculado como um Road Map de sucesso
para as ameaças que se apresentavam aos EUA.
No que tange ao Iraque, a mudança de regime naquele país, isto é, a deposição de
Saddam Hussein, era defendida pelos expoentes do neoconservadorismo desde a década de
1990 e na visão destes, desencadearia uma alteração do status quo no Oriente Médio,
consonante os valores da sociedade “americana”, além de incrementar a segurança dos EUA.
Após os atentados de 11 de setembro de 2001 e do êxito em promover uma mudança de
regime no país que era o principal santuário da al-Qaeda, a ideia de mudança de regime no
99

Iraque ganha novo ímpeto. Ao longo de 2002, o Iraque passou a ser apontado e percebido
como o verdadeiro teste da “mudança de regime”.
Conforme exposto na seção anterior, as principais razões apresentadas para a mudança
de regime no Iraque, por meio da força militar, foram: Primeiro, o argumento de que Saddam
Hussein continuava com seu programa de armas químicas, biológicas e nucleares, ignorando
as resoluções da ONU quanto ao desarmamento das suas armas de destruição em massa e essa
situação implicava em um risco inaceitável para os EUA. O segundo motivo decorria dos
aparentes laços do regime iraquiano com redes terroristas, incluindo a al-Qaeda, o que
indicava a possibilidade de que essa rede viesse a dispor de armas de destruição em massa
fornecidas pelo Iraque; novamente implicando em um risco inaceitável para os EUA. O
terceiro motivo era “necessidade” de libertar o povo iraquiano da tirania de Saddam, bem
como de possibilitar a esse povo a oportunidade de desfrutar da liberdade proporcionada pela
democracia.
Das três grandes razões ou motivos apresentados à opinião pública estadunidense e
mundial para justificar e legitimar a Guerra contra o Iraque podemos observar pontos de
contato com os seguintes pontos centrais do pensamento neocon:
 Exportar a democracia, inclusive por meio do emprego da força, não por
humanitarismo, mas porque a disseminação da democracia liberal aumentará a
segurança dos EUA;
 A política externa deve refletir os valores das sociedades liberais democráticas;
 Ceticismo a respeito da legitimidade e da eficiência das leis e instituições
internacionais, principalmente da ONU que, no entanto, não pode ser descartada;
 Formar coalizões ad hoc ou partir para a ação unilateral, se necessário, para
garantir a segurança dos EUA; e
 Ataque preemptivo se for necessário para impedir uma ação hostil por parte dos
“inimigos” dos EUA.

O Quadro 6 apresenta a correlação entre os três principais motivos utilizados para


justificar a mudança de regime no Iraque com os pontos centrais do pensamento neocon
supracitados:
100

Motivos para justificar a Guerra contra o Pontos Centrais do Pensamento


Iraque Neoconservador
Saddam Hussein continuava com seu programa  Ceticismo a respeito da legitimidade e da
de armas químicas, biológicas e nucleares, eficiência das leis e instituições internacionais,
ignorando as resoluções da ONU quanto ao principalmente da ONU que, no entanto, não
desarmamento das suas armas de destruição em pode ser descartada.
massa e essa situação implicava em um risco
inaceitável para os EUA, haja vista os eventos do  Formar coalizões ad hoc ou partir para a ação
11 de setembro de 2001. unilateral, se necessário, para garantir a
segurança dos EUA.
Os aparentes laços do regime iraquiano com  Formar coalizões ad hoc ou partir para a ação
redes terroristas, incluindo a al-Qaeda, o que unilateral, se necessário, para garantir a
indicava a possibilidade de que essa rede viesse a segurança dos EUA.
dispor de armas de destruição em massa
fornecidas pelo Iraque, novamente implicando  Ataque preemptivo se for necessário para
em um risco inaceitável para os EUA. impedir uma ação hostil por parte dos “inimigos”
dos EUA.
 A política externa deve refletir os valores das
A “necessidade” de libertar o povo iraquiano da sociedades liberais democráticas.
tirania de Saddam, bem como de possibilitar a
esse povo a oportunidade de desfrutarem da  Exportar a democracia, inclusive por meio do
liberdade proporcionada pela democracia. emprego da força, não por humanitarismo, mas
porque a disseminação da democracia liberal
aumentará a segurança dos EUA.

Quadro 6- Correlação entre os motivos da Guerra no Iraque e os Pontos Centrais do Pensamento


Neoconservador.

Finalizando o presente capítulo, ressaltamos que, distintamente das decisões de


proclamar a “Guerra contra o Terror” e a iniciar a Guerra no Afeganistão, a Guerra no Iraque
foi nitidamente pautada, ou consonante, com os principais pontos centrais do pensamento
neoconservador. O modelo das Unidades de Decisão, tal como proposto por Hermann e por
nós aqui utilizado, nos permitiu identificar o lócus decisório da política externa estadunidense
durante a administração George W. Bush, bem como o peso das ideias e da coesão na
Unidade de Decisão Dominante – formal e informal – permitindo evidenciar o real papel do
pensamento neoconservador nas três decisões cruciais do governo Bush, aqui analisadas.
No capítulo seguinte passaremos à consecução do terceiro Objetivo Específico desta
dissertação, isto é, analisar se a Estratégia de Segurança Nacional dos EUA, da administração
George W. Bush, disseminada na NSS 2002 e, posteriormente na NSS 2006, são consonantes
com os pontos centrais do pensamento neoconservador, principalmente no que tange à “ação
militar preemptiva”.
101

3 A ESTRATÉGIA DE SEGURANÇA NACIONAL (2002 E 2006) E O PENSAMENTO


NEOCONSERVADOR

Neste Capítulo será analisada a Estratégia de Segurança Nacional (National Security


Strategy - NSS) dos EUA, durante a administração George W. Bush, disseminada em 2002 e,
posteriormente, em 2006, a fim de identificar se os respectivos conteúdos normativos destes
dois documentos, acerca da política externa, são consonantes com os pontos centrais do
pensamento neoconservador, principalmente no que tange à “ação militar preemptiva122”.
Para tanto será efetuada uma comparação entre as principais prescrições dos dois documentos
em pauta, com os pontos centrais do pensamento neocon evidenciados no primeiro Capítulo
desta dissertação.
Como base para o objetivo proposto, faz-se necessário o entendimento do que é a
NSS, isto é, o que o documento representa, como surgiu, qual a sua periodicidade e,
principalmente, a que se destina. Nesse sentido, cabe destacar que a Estratégia de Segurança
Nacional é emitida pelo presidente e alcança o governo dos EUA como um todo. A legislação
estadunidense acerca desse documento remonta à Lei de Segurança Nacional de 1947 (The
National Security Act of 1947), a qual na sua Seção 108123, determina que o presidente deve
enviar anualmente ao Congresso, um "relatório da Estratégia de Segurança Nacional". Na
mesma seção são especificados os assuntos que devem constar na NSS:

(1) Os interesses, metas e objetivos de alcançe mundial que são vitais para a
segurança nacional dos Estados Unidos.
(2) A capacidade de defesa nacional, a política externa e os compromissos mundiais
dos Estados Unidos, necessários para deter uma agressão e para implementar a
estratégia de segurança nacional do país.
(3) Os usos propostos, a curto e a longo prazo, dos elementos políticos, econômicos,
militares, e outros do poder nacional dos Estados Unidos, para proteger ou promover
os interesses e alcançar as metas e objetivos contidos no parágrafo (1).
(4) A adequação das capacidades dos Estados Unidos para levar a cabo a estratégia
de segurança nacional, incluindo uma avaliação do equilíbrio entre as capacidades
de todos os elementos do poder nacional dos Estados Unidos para apoiar a
implementação da Estratégia de Segurança Nacional.

122
Conforme citado na Introdução deste trabalho, a “ação militar preemptiva” é aquela iniciada em decorrência
de uma evidência incontroversa de que um ataque inimigo é iminente (USA, 2010, Department of Defense.
Dictionary of Military and Associated Terms. JP 1-02, p. 369).
123
USA. U. S. Senate. The National Security Act of 1947 (<http://intelligence.senate.gov/nsaact1947.pdf>).
102

(5) outras informações avaliadas como necessárias para ajudar a informar o


Congresso sobre questões relativas à estratégia de segurança nacional dos Estados
Unidos124 (Tradução nossa).

A legislação referente à Reestruturação do Departamento de Defesa, conhecida como


Goldwater-Nichols Act (Department Of Defense Reorganization Act of 1986), de 1986,
manteve o texto do The National Security Act of 1947, naquilo que tange à Seção Annual
National Security Strategy Report, mudando apenas a sua numeração que passou a ser a de
número 603125. Desde então, na prática, o executivo tem apresentado Estratégias de Segurança
Nacional com bastante regularidade, embora nem sempre cumprindo a periodiciade anual.
Assim, a Administração Reagan apresentou duas (1987, 1988), George H. W. Bush
apresentou três (1990, 1991 e 1993); e a Administração Clinton produziu sete (1994, 1995,
1996, 1997, 1998, 1999 e 2000) (DALE, 2008, p. 3-4).
Dentro desse marco legal, a NSS pode contribuir para vários propósitos do governo
estadunidense, pois:
• Ao priorizar os objetivos, a NSS pode indicar quais as "formas e meios" devem ser
utilizados para alcançá-los, servindo como um guia para o planejamento, organização
e execução das tarefas pertinentes aos Departamentos e Agências subordinados ao
poder executivo;
• Ao apresentar de forma clara os objetivos que se pretende atingir, bem como o modo
pelo qual isso será feito, a NSS pode ser um instrumento do executivo para justificar
os recursos solicitados ao Congresso;
• Ao expor a visão estratégica do governo dos EUA, a NSS contribui para informar
tanto o público interno, quanto o externo sobre a abordagem e a intenção do governo

124
“(1) The worldwide interests, goals, and objectives of the United States that are vital to the national security
of the United States.
(2) The foreign policy, worldwide commitments, and national defense capabilities of the United States
necessary to deter aggression and to implement the national security strategy of the United States.
(3) The proposed short-term and long-term uses of the political, economic, military, and other elements of the
national power of the United States to protect or promote the interests and achieve the goals and objectives
referred to in paragraph (1).
(4) The adequacy of the capabilities of the United States to carry out the national security strategy of the
United States, including an evaluation of the balance among the capabilities of all elements of the national
power of the United States to support the implementation of the national security strategy.
(5) Such other information as may be necessary to help inform Congress on matters relating to the national
security strategy of the United States” (USA. U. S. Senate. The National Security Act of 1947.
<http://intelligence.senate.gov/nsaact1947.pdf>).
125
NATIONAL DEFENSE UNIVERSITY LIBRARY. Digital Collections. Goldwater-Nichols Act.
(<https://digitalndulibrary.ndu.edu/cdm4/document.php?CISOROOT=/goldwater&CISOPTR=956&CISOSH
OW=869>).
103

EUA, acerca de diversos temas de segurança, defesa e política externa (DALE, 2008,
p. 2).
Feitas essas considerações basilares acerca do que representa o documento em pauta,
serão analisadas as duas NSS apresentadas durante a administração George W. Bush, a fim de
identificar se os respectivos conteúdos são consonantes com os pontos centrais do pensamento
neoconservador.

3.1 A NSS 2002

A NSS 2002 foi divulgada em setembro de 2002, cerca de um ano após os atentados
de 11 de setembro de 2001, tendo como prioridade o combate ao terrorismo, identificado
como a principal ameaça à segurança dos EUA. A Introdução do documento, iniciada com
uma explanação geral do presidente George W. Bush, não deixa dúvidas quanto ao contexto
supracitado, pois no quarto parágrafo o presidente declara:

Defender a nossa nação contra seus inimigos é o compromisso primeiro e


fundamental do Governo Federal. Hoje, essa tarefa mudou drasticamente. No
passado, inimigos necessitavam de grandes exércitos e grande capacidade industrial
para ameaçar a América. Agora, redes obscuras de indivíduos podem trazer grande
caos e sofrimento às nossas costas, com o custo inferior ao necessário para comprar
um único tanque. Terroristas estão organizados para penetrar em sociedades abertas
e para virar o poder das modernas tecnologias contra nós126 (EUA, 2002) (Tradução
nossa).

No que tange à sua estrutura, a NSS 2002, após a introdução do presidente, apresenta
um panorama da estratégia internacional dos EUA, as três metas centrais a serem atingidas
(“liberdade política e econômica, relações pacíficas com outros Estados, e respeito pela
dignidade humana"), bem como oito grandes ações estratégicas para atingir essas metas. Para
cada uma das oito grandes ações, o documento lista um subconjunto de iniciativas que devem
ser implementadas para a consecução três metas centrais supracitadas. As oito grandes ações
estratégicas são (USA, 2002, p. 1):

126
“Defending our Nation against its enemies is the first and fundamental commitment of the Federal
Government. Today, that task has changed dramatically. Enemies in the past needed great armies and great
industrial capabilities to endanger America. Now, shadowy networks of individuals can bring great chaos and
suffering to our shores for less than it costs to purchase a single tank. Terrorists are organized to penetrate
open societies and to turn the power of modern technologies against us” (USA, 2002).
104

• Patrocinar aspirações à dignidade humana;


• Fortalecer alianças para derrotar o terrorismo global e trabalhar para evitar
ataques contra nós e nossos amigos;
• Trabalhar com outros para neutralizar conflitos regionais;
• Impedir que inimigos ameacem a nós, nossos aliados e nossos amigos, com
Armas de Destruição em Massa (ADM);
• Desencadear uma nova era de crescimento econômico global através de
mercados livres e do livre comércio;
• Ampliar o círculo de desenvolvimento por meio da abertura das sociedades e da
construção da infra-estrutura da democracia;
• Desenvolver agendas de ação cooperativa com os principais centros do poder
global; e
• Transformar as instituições nacionais de segurança dos EUA, de modo a
enfrentar os desafios e oportunidades do século 21.

Cabe aqui expor a metodologia que será utilizada na análise da NSS 2002 (e também
na NSS 2006) em consonância com o objetivo deste capítulo. Será adotado como
procedimento metodológico, a análise dos subconjuntos de iniciativas de cada uma das oito
grandes ações estratégicas supracitadas, a fim de identificar se existe convergência com os
pontos centrais do pensamento neoconservador evidenciados no Capítulo 1 deste trabalho.
Nesse sentido, será iniciada a análise dos subconjuntos de iniciativas listados na grande ação
estratégica Patrocinar aspirações à dignidade humana.
Na ação estratégica em pauta é explicitado que as decisões do governo dos EUA sobre
a cooperação e a alocação de recursos para a ajuda internacional serão guiadas pelos seguintes
princípios: defesa da liberdade e defesa da justiça, pois “são princípios corretos e verdadeiros
para todas as pessoas e em todos os lugares” (USA, 2002, p. 3-4). Em consonância com esses
princípios, as iniciaticas prescritas para a consecução da ação estratégica Patrocinar
aspirações à dignidade humana abrangem a promoção e defesa da liberdade, da democracia,
dos direitos humanos, da liberdade religiosa e de consciência, contra governos repressivos que
cerceiam esses princípios universais afetos à dignidade humana (Ibid. , p. 4).
Comparando o conteúdo dessas iniciativas com os pontos centrais do pensamento
neoconservador, evidenciados no Capítulo 1 do presente trabalho, identificamos convergência
com os seguintes pontos:
 Preservar e ampliar uma ordem internacional em consonância com os interesses,
valores e princípios dos EUA;
 Exportar a democracia, inclusive por meio do emprego da força, não por
humanitarismo, mas porque a disseminação da democracia liberal aumentará a
segurança dos EUA; e
 A política externa deve refletir os valores das sociedades liberais democráticas.
105

Assim sendo, podemos depreender que a grande ação estratégica Patrocinar


aspirações à dignidade humana e seu respectivo subconjunto de iniciativas são consonantes
com o pensamento neoconservador, refletindo a influência dessa corrente de pensamento
político no documento estratégico normativo de mais alto nível do executivo estadunidense.
A segunda grande ação estratégica contida na NSS 2002 - Fortalecer alianças para
derrotar o terrorismo global e trabalhar para evitar ataques contra nós e nossos amigos –
deixa claro que os EUA estão em guerra e o inimigo é o terrorismo, definido como “[...] a
violência premeditada, politicamente motivada, perpetrada contra inocentes127” (USA, 2002,
p. 5) (Tradução nossa).
A prioridade dessa ação estratégica é definida como "[...] desarticular e destruir as
organizações terroristas de alcance global e atacar a sua liderança, comando e controle,
comunicações, apoio material e finanças128" (Ibid., p. 5) (tradução nossa). As iniciativas para
viabilizar essa ação estratégica prescrevem a ação militar preemptiva e, se necessário, de
forma unilateral:

[...] defender os Estados Unidos, o povo americano e nossos interesses em casa e no


exterior, identificando e destruindo a ameaça antes que ela atinja nossas fronteiras.
Os Estados Unidos vão se esforçar para conseguir o apoio da comunidade
internacional, mas não hesitaremos em agir sozinhos, se necessário, para exercer
nosso direito de autodefesa, agindo preventivamente contra os terroristas, para
impedir que causem danos ao nosso povo e nosso país129; [...] (EUA, 2002, p. 6)
(Tradução e grifo nossos).

É patente que a preempção passa a ser a tônica na postura estratégica da administração


Bush na “Guerra contra o Terror” e as iniciativas prescritas para alcançar a prioridade
estabelecida na ação estratégica em pauta apresentam convergência com os seguintes pontos
centrais do pensamento neoconservador, evidenciados no Capítulo 1:
 Se possível, agir em consonância com as resoluções da ONU;

127
“The enemy is terrorism - premeditated, politically motivated violence perpetrated against innocents” (USA,
2002, p. 5).
128
“[...] disrupt and destroy terrorist organizations of global reach and attack their leadership; command and
control, and communications; material support; and finances” (Ibid., p. 5).
129
“[…] defending the United States, the American people, and our interests at home and abroad by identifying
and destroying the threat before it reaches our borders. While the United States will constantly strive to enlist
the support of the international community, we will not hesitate to act alone, if necessary, to exercise our right
of self-defense by acting preemptively against such terrorists, to prevent them from doing harm against our
people and our country; […]” (USA, 2002, p. 6) (Grifo nosso).
106

 Formar coalizões ad hoc ou partir para a ação unilateral, se necessário, para


garantir a segurança dos EUA; e
 Ataque preemptivo se for necessário para impedir uma ação hostil por parte dos
“inimigos” dos EUA.
A terceira ação estratégica - Trabalhar com outros para neutralizar conflitos regionais
- prescreve iniciativas que contemplam a construção de relações e instituições que possam
gerenciar crises locais, de modo a minimizar e aliviar o sofrimento humano em caso de
eclosão da violência decorrente de disputas regionais (USA, 2002, p. 9). Nessa ação
estratégica e no seu subconjunto de iniciativas não encontramos pontos de convergência com
os pontos centrais do pensamento neoconservador.
Já a quarta grande ação estratégica prevista na NSS 2002 - Impedir que inimigos
ameacem a nós, nossos aliados e nossos amigos, com Armas de Destruição em Massa (ADM)
– é aquela em que a ação militar preemptiva e, no limite, a guerra preventiva são
normatizadas na NSS 2002. Nesse ponto do trabalho, cabe recordarmos os conceitos de
“Guerra Preventiva” e “ação militar preemptiva” ou "ataque preemptivo”, de modo a
padronizarmos o léxico utilizado na presente análise.
A expressão “Guerra Preventiva” era conceituada, na publicação normativa que define
o léxico utilizado pelas Forças Armadas dos EUA, isto é o Dictionary of Military and
Associated Terms, JP 1-02, até a versão publicada em 31 de outubro de 2009, como: “A
guerra iniciada em decorrência da crença de que um conflito militar, embora não iminente, é
inevitável, e que a demora em iniciá-lo poderia implicar maior risco130” (2007, p. 427 e 2009,
p. 428) (Tradução nossa). No entanto, de forma curiosa, essa expressão deixa de existir no JP
1-02 disseminado em abril de 2010, um mês antes da divulgação da NSS 2010 pelo governo
Obama, bem como na versão de atual, lançada em maio de 2011. Em outras palavras, essa é
uma expressão que deixou de existir no vocabulário oficial das Forças Armadas norte-
americanas. No Brasil a expressão “Guerra Preventiva” encontra-se no Glossário das Forças
Armadas, publicação do Ministério da Defesa, com um significado muito semelhante ao
apresentado no JP 1-02: “Conflito armado iniciado quando os decisores acreditam que os
ataques inimigos são inevitáveis no futuro e que o atraso na tomada de decisão aumentaria os
riscos” (BRASIL, 2007, p. 126).
Já a expressão “Ataque Preemptivo” é definida no JP 1-02 (versões de 2007, 2009 e
2010) como: “Um ataque iniciado com base em evidências incontroversas de que um ataque

130
“A war initiated in the belief that military conflict, while not imminent, is inevitable, and that to delay would
involve greater risk” (2007, p. 427 e 2009, p. 428).
107

inimigo é iminente131” (2007, p. 424; 2009, p. 424 e 2010, p. 369) (Tradução nossa). No
Brasil, o termo é adotado como “Guerra Preemptiva”, expressando um “Conflito armado que
se estabelece quando os tomadores de decisão acreditam na iminência de ataques inimigos”
(BRASIL, 2007, p. 126). No nosso trabalho adotaremos os conceitos apresentados nas edições
do JP 1-02 supracitadas, uma vez que nos parece apropriado empregar os conceitos em pauta,
tal como utilizados pelo Estado cujas concepções estratégicas são objeto do nosso Estudo.
Feita essa revisão acerca do léxico empregado neste trabalho, retornamos à análise da
quarta grande ação estratégica da NSS 2002, na qual é explicitado que os EUA se defrontam
com novas ameaças, muito diferentes daquelas enfrentadas durante a Guerra Fria. Essas
ameaças, segundo o documento em pauta, emanavam dos Estados Párias (Rogue States) e dos
grupos terroristas por eles apoiados. É pertinente destacar que o documento em pauta
apresenta, nessa seção, a definição de Rogue States:

Na década de 1990 assistimos ao surgimento de um pequeno número de Estados


Párias que, embora diferentes em aspectos importantes, compartilham uma série de
atributos. Estes estados:
• brutalizam seu próprio povo e desperdiçam seus recursos nacionais em prol do
ganho pessoal dos governantes;
• desrespeitam o direito internacional, ameaçam seus vizinhos, e violam tratados
internacionais;
• estão determinados a adquirir armas de destruição em massa, juntamente com
outras tecnologias militares avançadas, para utilizá-las contra como forma de
ameaças ou mesmo ofensivamente;
• patrocinam o terrorismo em todo o mundo; e
• rejeitam os valores humanos básicos e odeiam os Estados Unidos e tudo o que este
país representa132 (EUA, 2002, p. 13-14) (Tradução nossa).

Nesse contexto, a ação estratégica em pauta alerta que os EUA devem estar preparados
para “parar os Estados Párias e seus clientes terroristas, antes que eles possam ameaçar ou

131
“An attack initiated on the basis of incontrovertible evidence that an enemy attack is imminent” (2007, p.
424; 2009, p. 424 e 2010, p. 369).
132
“In the 1990s we witnessed the emergence of a small number of rogue states that, while different in important
ways, share a number of attributes. These states:
• brutalize their own people and squander their national resources for the personal gain of the rulers;
• display no regard for international law, threaten their neighbors, and callously violate international treaties
to which they are party;
• are determined to acquire weapons of mass destruction, along with other advanced military technology, to
be used as threats or offensively to achieve the aggressive designs of these regimes;
• sponsor terrorism around the globe; and • reject basic human values and hate the United States and
everything for which it stands” (USA, 2002, p. 13-14).
108

usar armas de destruição em massa contra os EUA, e seus aliados133” (USA, 2002, p. 14)
(Tradução e grifo nossos). O documento esclarece que, em função das metas dos Estados
Párias e dos terroristas, os EUA não mais adotariam uma postura reativa, pois a magnitude
dos danos que poderiam ser causados é tamanha que não seria concebível permitir que esses
inimigos a atacassem primeiro (Ibid., p. 15).
Assim sendo, a NSS 2002 prescreve, nessa ação estratégica, que os EUA devem, se
necessário, agir preemptivamente e, no limite, partir para a “ação preventiva". Em síntese, a
NSS 2002 prescrevia que os EUA poderiam iniciar uma guerra se pensassem que poderiam
ser atacados, ou mesmo caso se sentissem ameaçados. Em função do impacto dessa nova
abordagem sobre o Direito Internacional, a então conselheira de Segurança Nacional,
Condoleezza Rice, ao comentar o conteúdo da NSS 2002, logo após a sua publicação,
afirmava que a preempção não era um conceito novo para os EUA, mas que só deveria ser
tomada com o último recurso e num contexto em que os riscos da espera fossem maiores que
os riscos da ação (RICE, 2002).

A Preempção não é um conceito novo. Nunca houve uma exigência moral ou legal
no sentido de que um país deva esperar ser atacado antes que possa enfrentar as
ameaças à sua existência. [...] Os Estados Unidos há muito afirmaram o direito à
autodefesa antecipada - desde a crise dos mísseis cubanos em 1962 até a crise na
península coreana, em 1994.
Mas esta abordagem deve ser tratada com grande cautela. O número de casos em
que poderá ser justificada será sempre pequeno. [...] A ameaça deve ser muito grave.
E os riscos de espera devem superam os riscos da ação134 (RICE, 2002).

A questão-chave decorrente dessa nova postura estratégica estadunidense era: se os


EUA poderiam clamar pelo direito de lançar um ataque preemptivo e até mesmo preventivo, o
que impediria outros Estados de fazer o mesmo? Nesse sentido, a explicação para a
normatização de uma postura estratégica que poderia gerar maior instabilidade na agenda de
segurança internacional, teria como propósito, tal como aponta Walter Russell Mead (2006, p.

133
"We must beprepared to stop rogue states and their terrorists clients before they are able to threaten or use
weapons of mass destruction against the United States and our allies and friends" (USA, 2002, p. 14).
134
“Preemption is not a new concept. There has never been a moral or legal requirement that a country wait to
be attacked before it can address existential threats. […] The United States has long affirmed the right to
anticipatory self-defense—from the Cuban Missile Crisis in 1962 to the crisis on the Korean Peninsula in
1994.
But this approach must be treated with great caution. The number of cases in which it might be justified will
always be small. […] The threat must be very grave. And the risks of waiting must far outweigh the risks of
action” (RICE, 2002).
109

125), assustar e dissuadir inimigos potenciais e não o de tranqüilizar os aliados


estadunidenses.
Em suma, essa ação estratégica e seu subconjunto de iniciativas apresentam
convergência com o seguinte ponto do pensamento neoconservador evidenciado no Capítulo 1
desta dissertação:
 Ataque preemptivo se for necessário para impedir uma ação hostil por parte dos
“inimigos” dos EUA.
A quinta grande ação estratégica contida na NSS 2002 - Desencadear uma nova era de
crescimento econômico global através de mercados livres e do livre comércio – tem como
pilar a percepção de que uma próspera economia mundial fortalecerá a segurança dos EUA.
No entanto, aponta que essa forte economia somente será alcançada mediante o livre
comércio e o livre mercado (USA, 2002, p. 17-18). Nesse sentido, as iniciativas prescritas
para a consecução dessa ação estratégica englobavam ações que favoreciam o reforço de
acordos bilaterais e multilaterais de livre comérico e o combate às práticas protecionistas, bem
como ao subsídio governamental e ao dumping (Ibid., p. 19). Assim, identificamos
convergência da ação estratégica em pauta com os seguintes pontos centrais do pensamento
neoconservador:
 Preservar e ampliar uma ordem internacional em consonância com os interesses,
valores e princípios dos EUA; e
 A política externa deve refletir os valores das sociedades liberais democráticas.
A sexta grande ação estratégica da NSS 2002 – Ampliar o círculo de desenvolvimento
por meio da abertura de sociedades e da construção da infra-estrutura da democracia –
prescreve um incremento no montante destinado à ajuda ao desenvolvimento dos países
pobres. No entanto, as iniciativas para a consecução dessa ação estratégica deixam claro que
novos recursos serão liberados mediante novass condições, isto é, esses recursos somente
serão disponibilizados aos países que investirem em saúde, educação e, principalmente,
incentivarem a liberdade econômica, notadamente, o livre comércio e o livre mercado (Ibid.,
p. 22-23). Nesse sentido, essa ação estratégica apresenta convergência com os seguintes
pontos centrais do pensamento neoconservador:
 Preservar e ampliar uma ordem internacional em consonância com os interesses,
valores e princípios dos EUA; e
 A política externa deve refletir os valores das sociedades liberais democráticas.
A sétima grande ação estratégica - Desenvolver agendas de ação cooperativa com os
principais centros do poder global – apresenta um conjunto de iniciativas destinadas a criar
110

um contexto internacional favorável a formação de coalizões, lideradas pelos EUA, visando


um “equilíbrio de forças que favoreça a liberdade” (USA, 2002, p. 25). Nesse sentido, o
documento prescreve que para exercer uma efetiva liderança dentro de uma coalizão, os EUA
devem ter prioridades claras, considerar os interesses dos outros integrantes, bem como fazer
consultas consistentes com os demais componentes da coalizão. Em seguida, essa ação
estratégica descreve o status das relações dos EUA com a Europa, notadamente, com a
OTAN, bem como com seus aliados da Ásia e Oceânia e, principalmente, as relações com a
Rússia, China e Índia. O documento prescreve, de forma geral, que devem ser desenvolvidas
agendas de cooperação com esses atores antes que essas relações se tornem improdutivas
(Ibid., p. 28).
Curiosamente, a postura estratégica adotada pela administração Bush, nos anos
seguintes, esteve muito distante do prescrito nessa ação estratégica. A invasão do Iraque
introduziu fissuras nas relações com dois dos principais aliados europeus (França e
Alemanha). Além disso, o subsequente unilateralismo gerou distanciamento da Rússia e da
China, assim como acentuou o antiamericanismo em inúmeros países. Em síntese, essa foi
uma ação estratégica na qual a prática esteve dissociada do discurso oficial. No entanto,
encontramos convergência com o seguinte ponto central do pensamento neoconservador,
especificamente no que tange a busca pela manutenção da liderança estadunidense nas
diversas coalizões destinadas a manter um “equilíbrio de forças que favoreça a liberdade”:
 Manter a liderança dos EUA, incluindo sua preponderância militar.
A oitava e última grande ação estratégica contida na NSS 2002 – Transformar as
instituições nacionais de segurança dos EUA, de modo a enfrentar os desafios e
oportunidades do século 21 – é aquela em que é reafirmado o papel essencial da força militar
dos EUA. A ação estratégica em pauta aponta a necessidade de transformação das principais
instituições voltadas para a segurança dos EUA, notadamente o Departamento de Defesa, o
Departamento de Estado e a Agência Central de Inteligência (CIA), a fim de enfrentar os
novos desafios que se apresentavam. No entanto, a tônica dessa ação estratégica é a prescrição
da manutenção das forças militares estadunidenses com capacidades superiores às de
quaisquer adversários, ou coalizão de adversários potenciais. Além disso, essa ação
estratégica deixa explícito que para a defesa dos EUA, as seguintes iniciativas deveriam ser
implementadas: “Garantir a segurança dos aliados dos EUA; dissuadir futuras corridas
armamentistas; deter ameaças aos interesses dos EUA e dos seus aliados; e derrotar
111

decisivamente qualquer adversário, caso a deterrence venha a falhar135 (USA, 2002, p. 29)
(Tradução nossa) .
Em síntese, essa ação estratégica e seu subconjunto de iniciativas prescreve a
necessidade de transformação das principais instituições voltadas para a segurança dos EUA;
e que as forças militares dos EUA devem ser fortes o suficiente para dissuadir potenciais
adversários de iniciar programas de crescimento militar, que tenham como propósito superar
ou igualar o poder militar estadunidense. Assim, identificamos total convergência com o
seguinte ponto central do pensamento neoconservador:
 Manter a liderança dos EUA, incluindo sua preponderância militar.
Finalizando essa seção apresentamos o Quadro 7, onde são sumarizados os pontos de
convergência das ações estratégicas contidas na NSS 2002 com os pontos centrais do
pensamento neoconservador, evidenciados no Capítulo 1 deste trabalho:

Ação Estratégica Convergência com os seguintes pontos centrais


do pensamento neoconservador
 Preservar e ampliar uma ordem internacional
em consonância com os interesses, valores e
princípios dos EUA;
 Exportar a democracia, inclusive por meio do
Patrocinar aspirações à dignidade humana. emprego da força, não por humanitarismo, mas
porque a disseminação da democracia liberal
aumentará a segurança dos EUA; e
 A política externa deve refletir os valores das
sociedades liberais democráticas.
 Se possível, agir em consonância com as
resoluções da ONU;
Fortalecer alianças para derrotar o terrorismo  Formar coalizões ad hoc ou partir para a ação
global e trabalhar para evitar ataques contra nós unilateral, se necessário, para garantir a
e nossos amigos. segurança dos EUA; e
 Ataque preemptivo se for necessário para
impedir uma ação hostil por parte dos “inimigos”
dos EUA.
Trabalhar com outros para neutralizar conflitos xxxxx
regionais.
Impedir que inimigos ameacem a nós, nossos  Ataque preemptivo se for necessário para
aliados e nossos amigos, com Armas de impedir uma ação hostil por parte dos “inimigos”
Destruição em Massa (ADM). dos EUA.

135
“Assure our allies and friends; dissuade future military competition; deter threats against U.S. interests,
allies, and friends; and decisively defeat any adversary if deterrence fails” (USA, 2009, p. 29).
112

Ação Estratégica Convergência com os seguintes pontos centrais


do pensamento neoconservador
 Preservar e ampliar uma ordem internacional
Desencadear uma nova era de crescimento em consonância com os interesses, valores e
econômico global através de mercados livres e princípios dos EUA; e
do livre comércio.  A política externa deve refletir os valores das
sociedades liberais democráticas.
 Preservar e ampliar uma ordem internacional
Ampliar o círculo de desenvolvimento por meio em consonância com os interesses, valores e
da abertura de sociedades e da construção da princípios dos EUA; e
infra-estrutura da democracia.  A política externa deve refletir os valores das
sociedades liberais democráticas.
Desenvolver agendas de ação cooperativa com  Manter a liderança dos EUA, incluindo sua
os principais centros do poder global. preponderância militar.
Transformar as instituições nacionais de  Manter a liderança dos EUA, incluindo sua
segurança dos EUA, de modo a enfrentar os preponderância militar.
desafios e oportunidades do século 21.

Quadro 7 - Convergência das ações estratégicas contidas na NSS 2002 com os Pontos
Centrais do Pensamento Neoconservador.

À luz da presente análise, fica patente que o conteúdo normativo da NSS 2002
apresenta convergência com os pontos centrais do pensamento neoconservador, evidenciados
no primeiro capítulo deste trabalho. Em outras palavras, em setembro de 2002, isto é, cerca de
um ano após os atentados de 11 de setembro de 2001, o pensamento neocon aparece de forma
inconteste no documento normativo de mais alto nível da postura estratégica dos EUA. Dessa
forma podemos inferir que o neoconservadorismo passa ter seus pontos centrais atuando
como um Road Map da administração Bush, nas questões de política externa, principalmente,
naquelas afetas à segurança dos EUA. Três pontos centrais são recorrentes: a promoção dos
valores estadunidenses no exterior (democracia, liberdade individual, livre comércio,
economia de mercado etc.); o exercício da ação militar preemptiva para garantir a segurança
dos EUA frente à ameaça terrorista; e a manutenção da preponderância militar estadunidense.
Feita essa análise comparativa do conteúdo da NSS 2002, passaremos ao mesmo
procedimento metodológico em relação à NSS 2006, visando identificar se houve
continuidade, aprofundamento ou ruptura, com o pensamento neoconservador, no conteúdo
do documento estratégico normativo de mais alto nível do governo estadunidense.
113

3.2 A NSS 2006

A NSS 2006 manteve, basicamente, a mesma estrutura da NSS 2002, isto é, metas
centrais a serem atingidas136, grandes ações estratégicas para atingir essas metas e seus
respectivos subconjuntos de iniciativas que devem ser implementadas para a consecução das
metas supracitadas. Foi acrescentada uma nova grande ação estratégica - Aproveitar as
oportunidades e enfrentar os desafios da globalização-, elevando o total dessas grandes ações
estratégicas para nove, bem como foi incluída, em cada uma das oito grandes ações originais,
um tópico onde são apontados os "sucessos" alcançados desde 2002 e, a partir destes, o
“caminho a seguir”.
Uma outra diferença entre a NSS 2002 e a 2006 diz respeito ao contexto em que os
dois documentos foram publicados. A NSS 2002 foi lançada na esteira dos atentados de 11 de
setembro de 2001, da declaração da “Guerra contra o Terror”, do início da Guerra no
Afeganistão e no contexto de preparação para a Guerra contra o Iraque. A NSS 2006 foi
elaborada e divulgada no desenrolar de todas essas “guerras”, isto é, quase cinco anos após a
declaração da “Guerra contra o Terror” e o início da Guerra no Afeganistão e cerca de três
anos após o início da Guerra no Iraque. A Introdução da NSS 2006, iniciada com uma
explanação geral do presidente George W. Bush deixa claro esse contexto já no seu primeiro
parágrafo:

A América está em guerra. Esta é uma estratégia de segurança nacional em tempo de


guerra, exigida pelo grave desafio que enfrentamos - a ascensão do terrorismo
movido por uma ideologia agressiva de ódio e de morte, plenamente revelada ao
povo americano em 11 de setembro de 2001. Esta estratégia reflete a nossa
obrigação mais solene: proteger a segurança do povo americano137 (USA, 2006)
(Tradução nossa).

Ainda nas palavras introdutórias do presidente ao documento em pauta, temos


explicitados os dois pilares nos quais se assenta a NSS 2006: o primeiro é a “promoção da
liberdade, justiça e dignidade humana, a ser alcançado pelo trabalho contra a tirania e a

136
“Criar um mundo de Estados democráticos e bem-governados que atendam às demandas dos seus cidadãos,
bem como se conduzam de forma responsável no sistema internacional, de modo a prover uma segurança
duradoura para o povo americano” (USA, 2006, p. 1) (Tradução nossa).
137
“America is at war. This is a wartime national security strategy required by the grave challenge we face – the
rise of terrorism fueled by an aggressive ideology of hatred and murder, fully revealed to the American people
on September 11, 2001. This strategy reflects our most solemn obligation: to protect the security of the
American people” (USA, 2006).
114

efetiva promoção de democracias [...] a paz e a estabilidade internacionais são construídas de


forma mais segura, quando fundamentadas sobre a liberdade138” (USA, 2006) (Tradução
nossa). A lógica explícita nesse pilar é a de que governos livres não oprimem sua própria
população, nem atacam outras nações livres, sendo perceptível que esse pilar da NSS 2006
reflete a ideia de um dever moral da política externa dos EUA que, também, contribui para a
sua própria segurança.
O segundo pilar da NSS, apontado pelo presidente George W. Bush, refere-se a
“confrontar os desafios atuais por meio da liderança de uma comunidade crescente de
democracias” (Ibib.). A lógica subjacente é a de que vários dos problemas atuais – doenças
pandêmicas, proliferação de armas de destruição em massa, terrorismo, desastres naturais –
transbordam as fronteira dos Estados. Assim, são necessários esforços multinacionais para
que estes problemas sejam enfrentados e os EUA devem liderar esses esforços.
No que tange à sua estrutura, conforme exposto, a NSS 2006 apresenta nove grandes
ações estratégicas (Ibib., p. 1):

• Patrocinar aspirações à dignidade humana;


• Fortalecer alianças para derrotar o terrorismo global e trabalhar para evitar
ataques contra nós e nossos amigos;
• Trabalhar com outros para neutralizar conflitos regionais;
• Impedir que inimigos ameacem a nós, nossos aliados e nossos amigos, com
Armas de Destruição em Massa (ADM);
• Desencadear uma nova era de crescimento econômico global através de
mercados livres e do livre comércio;
• Ampliar o círculo de desenvolvimento por meio da abertura de sociedades e da
construção da infra-estrutura da democracia;
• Desenvolver agendas de ação cooperativa com os principais centros do poder
global; e
• Transformar as instituições nacionais de segurança dos EUA, de modo a
enfrentar os desafios e oportunidades do século 21.
• Aproveitar as oportunidades e enfrentar os desafios da globalização.

Na primeira grande ação estratégica - Patrocinar aspirações à dignidade humana – é


reforçada a ideia central de que para proteger a nação “americana” e honrar seus valores, os
EUA buscam ampliar a liberdade por todo o globo, liderando um esforço internacional
destinado a terminar com a tirania e promover a democracia (Ibid., p. 3). Nessa ação
estratégica é ressaltado que os EUA têm a “responsabilidade de promover a liberdade
humana”, sendo as suas iniciativas norteadas pelo seguinte princípio:

138
"The first pillar is promoting freedom, justice and human dignity - working to end tyranny, to promote
effective democracies [...] Peace and international stability are most reliably built on foundation of freedom"
(USA, 2006).
115

Os Estados Unidos apoiarão os defensores da liberdade em todas as terras. Embora


os nossos princípios sejam consistentes, nossas táticas vão variar em função do
ponto em que cada governo esteja no caminho da tirania para a democracia. Em
alguns casos, nós tomaremos medidas visíveis e ostensivas, em nome da mudança
imediata. Em outros casos, iremos dar um apoio discreto, a fim de estabelecer as
bases para reformas futuras. Ao considerarmos que abordagem iremos adotar,
escolheremos aquela que puder avançar a causa da liberdade de forma mais eficaz,
enquanto equilibramos outros interesses vitais para a segurança e bem-estar do povo
139
americano (USA, 2006, p. 6) (Tradução nossa).

À luz da presente análise identificamos convergência na ação estratégica em pauta,


com os seguintes pontos centrais do pensamento neoconservador, de forma coincidente com a
NSS 2002:
 Preservar e ampliar uma ordem internacional em consonância com os interesses,
valores e princípios dos EUA;
 Exportar a democracia, inclusive por meio do emprego da força, não por
humanitarismo, mas porque a disseminação da democracia liberal aumentará a
segurança dos EUA; e
 A política externa deve refletir os valores das sociedades liberais democráticas
Esses pontos são coincidentes com aqueles já evidenciados na NSS 2002, o que
permite depreender a continuidade do pensamento neoconservador nas iniciativas prescritas
nessa ação estratégica da NSS 2006.
A segunda grande ação estratégica - Fortalecer alianças para derrotar o terrorismo
global e trabalhar para evitar ataques contra nós e nossos amigos – enfatiza que a “Guerra
contra o Terror” requer uma estratégia de longo prazo, bem como a ruptura com velhos
paradigmas. Nesse sentido, o documento ressalta que os EUA não podem mais confiar apenas
na deterrence para manter sua segurança. A “Guerra contra o Terror” deve ser levada ao
inimigo. Assim deve ser negado aos terroristas, aquilo que eles mais precisam: “santuários;
suporte financeiro; e o apoio e proteção que certos Estados a eles proporcionam140” (USA,
2006, p. 8) (Tradução nossa).

139
“The United States will stand with and support advocates of freedom in every land. Though our principles
are consistent, our tactics will vary. They will reflect, in part, where each government is on the path from
tyranny to democracy. In some cases, we will take vocal and visible steps on behalf of immediate change. In
other cases, we will lend more quiet support to lay the foundation for future reforms. As we consider which
approaches to take, we will be guided by what will most effectively advance freedom’s cause while we balance
other interests that are also vital to the security and well-being of the American people” (USA, 2006, p. 6).
140
“[…] safe haven, financial support, and the support and protection that certain nation-states historically
have given them” (USA, 2006, p. 8).
116

No que tange ao “caminho a seguir” essa ação estratégica prescreve os seguintes


iniciativas para vencer a “Guerra contra o Terror” (Ibid., p. 12): prevenir ataques de redes
terroristas, antes que eles ocorram; negar ADM a Estados Párias e aos seus aliados terroristas;
impedir que Estados Párias proporcionem apoio e santuário a grupos terroristas; e negar aos
terroristas o controle de qualquer país que eles possam usar como base para atos de terror.
Nessa ação estratégica da NSS 2006 é perceptível um abrandamento na prescrição da
ação unilateral e preemptiva apresentada na NSS 2002, apesar de continuar implícita na
primeira iniciativa prescrita, isto é, prevenir ataques de redes terroristas, antes que eles
ocorram. Nesse contexto, identificamos convergência na presente ação estratégica, com os
seguintes pontos centrais do pensamento neoconservador:
 Formar coalizões ad hoc ou partir para a ação unilateral, se necessário, para
garantir a segurança dos EUA; e
 Ataque preemptivo se for necessário para impedir uma ação hostil por parte dos
“inimigos” dos EUA.
A terceira grande ação estratégica contida na NSS 2006 - Trabalhar com outros para
neutralizar conflitos regionais – aponta que os conflitos regionais decorrem de várias causas,
incluindo falta de governança, agressão externa, reivindicações concorrentes, revolta interna,
rivalidades tribais e os ódios étnicos ou religiosos. Essas diferentes causas, se não forem
tratadas levam ao mesmo fim: Estados fracassados, desastres humanitários e áreas sem
governo que podem se tornar refúgios para terroristas. Nesse contexto, a ação estratégica em
pauta apresenta três níveis de envolvimento para lidar com os conflitos regionais (USA, 2006,
p. 15-16):
• A prevenção e resolução de conflitos; onde a democracia é prescrita como a medida de
longo prazo mais eficaz, pois, segundo o documento, Estados democráticos são
capazes de resolver suas diferenças pacificamente;
• A intervenção no conflito, uma vez que alguns conflitos representam uma ameaça tão
grave para os interesses e valores mais amplos dos EUA que a intervenção e o conflito
podem ser necessários para restaurar a paz e a estabilidade; e.
• A estabilização pós-conflito e a reconstrução, uma vez que a paz e a estabilidade
somente serão duradouros se forem baseadas em esforços, bem sucedidos, para
recontruir e restaurar a ordem.
Além desses três níveis de envolvimento em conflitos regionais, essa ação estratégica
aborda a questão do genocídio de forma clara, isto é, como algo intolerável e que justificaria
uma intervenção em um conflito regional.
117

Esforços pacientes para acabar com os conflitos não devem ser confundidos com a
tolerância ao intolerável. Genocídio é a intenção de destruir, no todo ou em parte,
um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. O mundo precisa começar a honrar
um princípio que, nos últimos anos, muitos acreditam ter perdido sua força em
algumas partes da comunidade internacional: o genocídio não pode ser tolerado. É
um imperativo moral que os estados tomem medidas para evitar e punir o genocídio.
[...] Não devemos permitir que o debate jurídico sobre a definição técnica de
"genocídio" seja uma desculpa para a inércia. O mundo deve agir em casos de
atrocidades e assassinatos em massa que acabam por levar ao genocídio, mesmo que
as partes locais envolvidas não estejam preparadas para a paz141 (USA, 2006, p. 17)
(Tradução nossa).

Assim, à luz da presente análise e ao contrário da conclusão acerca dessa ação


estratégica na NSS 2002, identificamos convergência com os seguintes pontos centrais do
pensamento neoconservador:
 Preservar e ampliar uma ordem internacional em consonância com os interesses,
valores e princípios dos EUA;
 Exportar a democracia, inclusive por meio do emprego da força, não por
humanitarismo, mas porque a disseminação da democracia liberal aumentará a
segurança dos EUA; e
 A política externa deve refletir os valores das sociedades liberais democráticas.

A quarta grande ação estratégica contida na NSS 2006 - Impedir que inimigos
ameacem a nós, nossos aliados e nossos amigos, com Armas de Destruição em Massa (ADM)
– é aquela em que, tal como na NSS 2002, é feita a prescrição e a normatização da ação
militar preemptiva na agenda de segurança dos EUA. O documento reforça a mensagem de
que o primeiro dever do governo dos EUA continua sendo o de proteger o povo “americano”
e seus interesses e que, a maior ameaça à segurança estadunidense é um ataque terrorista
empregando Armas de Destruição em Massa. Nesse contexto, para “prevenir atos hostis dos
seus adversários, os EUA agirão, se necessário, preemptivamente no exercício do seu direito
de autodefesa142” (USA, 2006, p. 18) (Tradução nossa).

141
“Patient efforts to end conflicts should not be mistaken for tolerance of the intolerable. Genocide is the intent
to destroy in whole or in part a national, ethnic, racial, or religious group. The world needs to start honoring a
principle that many believe has lost its force in parts of the international community in recent years: genocide
must not be tolerated. It is a moral imperative that states take action to prevent and punish genocide. […] We
must not allow the legal debate over the technical definition of “genocide” to excuse inaction. The world must
act in cases of mass atrocities and mass killing that will eventually lead to genocide even if the local parties
are not prepared for peace” (USA, 2006, p. 17).
142
“To forestall or prevent such hostile acts by our adversaries, the United States will, if necessary, act
preemptively in exercising our inherent right of self-defense” (USA, 2006, p. 18).142
118

Na descrição do “caminho a seguir” é apontado que em função do poder destrutivo das


armas nucleares, Estados Párias e grupos terroristas buscam possuir essas armas (USA, 2006,
p. 19). Nesse sentido, a NSS 2006 afirma que nenhum país representa um desafio maior do
que o Irã, descrito como um Estado cujo “regime patrocina o terrorismo, ameaça Israel, busca
impedir a paz no Oriente Médio, desarticula a democracia no Iraque e nega as aspirações de
liberdade do seu próprio povo143” (Ibid., p. 20) (Tradução nossa).
Tal como no caso do Irã, o regime da República Democrática Popular da Coréia é
apontado, nessa ação estratégica da NSS 2006, como um sério desafio à questão da
proliferação das armas nucleares. O documento aponta que o regime norte-coreano apresenta
um longo histórico de má fé e duplicidade nas negociações, bem como está envolvido em
várias atividades criminosas, além de ameaçar a República da Coréia e tratar com brutalidade
seu próprio povo, sendo diretamente responsável pelos recorrentes períodos de fome que
assolam a população (Ibid., p. 21).
Nesse ambiente estratégico o documento prescreve uma nova abordagem para a defesa
e para a deterrence, na qual ambas são necessárias para deter atores estatais e não-estatais, por
meio da negação dos objetivos de seus ataques e, se necessário, com uma resposta militar
esmagadora. Assim sendo, forças nucleares seguras, confiáveis e que inspirem credibilidade
continuam a desempenhar um papel crítico para a segurança dos EUA (USA, 2006, p. 22).
No contexto dessas ameaças e dos desafios à segurança dos EUA, a ação estratégica
em pauta apresenta a afirmação de que, se necessário, e em consonância com o princípio da
autodefesa, o governo estadunidense não descarta o uso da força antes que ocorram ataques
aos EUA, mesmo que haja incerteza quanto ao momento e local de ataque do inimigo. Essa
afirmação é reforçada quando a ameaça for decorrente da possibilidade de emprego de ADM.
Além disso, o documento afirma com clareza que esse é o princípio e a lógica da preempção,
externando que o governo dos EUA sempre pesará as consequências das suas ações (Ibid., p.
23).

Se necessário, e em conformidade com o princípios de autodefesa, não descartamos


o uso da força antes que ataques ocorram, mesmo havendo incerteza quanto ao
tempo e ao lugar do ataque do inimigo. Como as consequências de um ataque com
armas de destruição em massa são potencialmente devastadoras, não podemos nos
dar ao luxo de ficar de braços cruzados esperando que esses graves perigos se
materializem. Este é o princípio e a lógica da preempção, cujo lugar em nossa
estratégia de segurança nacional continua o mesmo. Vamos proceder sempre de

143
“The Iranian regime sponsors terrorism; threatens Israel; seeks to thwart Middle East peace; disrupts
democracy in Iraq; and denies the aspirations of its people for freedom” (Ibid., p. 20).
119

forma deliberada e pesando as consequências de nossas ações. As razões para nossas


ações serão claras, a força medida e a causa justa144 (Ibid., p. 23) (Tradução nossa).

À luz do exposto, identificamos na presente ação estratégica a convergência com o


seguinte ponto central do pensamento neoconservador, de forma coincidente com a NSS
2002:
 Ataque preemptivo se for necessário para impedir uma ação hostil por parte dos
“inimigos” dos EUA.
A quinta grande ação estratégica contida na NSS 2006 - Desencadear uma nova era de
crescimento econômico global através de mercados livres e do livre comércio – reforça a
proposição da NSS 2002 acerca do livre comérico e da abertura de mercados, enfatizando que
a “liberdade econômica é um imperativo moral” e “fundamental para a natureza humana”
(Ibid., p.27):

A liberdade econômica é um imperativo moral. A liberdade para criar, construir ou


para comprar e vender, bem como ter uma propriedade é fundamental para a
natureza humana e para uma sociedade livre. A liberdade econômica também
reforça a liberdade política. Ela cria centros diversificados de poder e autoridade que
limitam o alcance do governo. Ela expande o livre fluxo de ideias e com o aumento
do comércio e do investimento estrangeiro vem a exposição a novas formas de
pensar e de viver, que dão aos cidadãos mais controle sobre suas próprias vidas145
(Tradução nossa).

Em consonância com essa perspectiva, a ação estratégica em pauta prescreve que os


EUA devem:
• “Buscar a abertura de mercados e a integração dos países em desenvolvimento” (EUA,
2006, p. 27);
• “Promover a abertura, integração e diversificação dos mercados de energia para
garantir a interdependência energética” (Ibid., p. 28); e

144
“If necessary, however, under long-standing principles of self defense, we do not rule out the use of force
before attacks occur, even if uncertainty remains as to the time and place of the enemy’s attack. When the
consequences of an attack with WMD are potentially so devastating, we cannot afford to stand idly by as grave
dangers materialize. This is the principle and logic of preemption. The place of preemption in our national
security strategy remains the same. We will always proceed deliberately, weighing the consequences of our
actions. The reasons for our actions will be clear, the force measured, and the cause just” (USA, 2006, p. 23).
145
“Economic freedom is a moral imperative. The liberty to create and build or to buy, sell, and own property is
fundamental to human nature and foundational to a free society. Economic freedom also reinforces political
freedom. It creates diversified centers of power and authority that limit the reach of government. It expands the
free flow of ideas; with increased trade and foreign investment comes exposure to new ways of thinking and
living which give citizens more control over their own lives” (USA, 2006, p. 27).
120

• “Reformar o sistema financeiro internacional para garantir a estabilidade e


crescimento” (USA, 2006, p. 29).
Nesse sentido, identificamos convergência do conteúdo da ação estratégica em pauta
com os seguintes pontos centrais do pensamento neoconservador, de forma coincidente com a
NSS 2002:
 Preservar e ampliar uma ordem internacional em consonância com os interesses,
valores e princípios dos EUA; e
 A política externa deve refletir os valores das sociedades liberais democráticas.
A sexta grande ação estratégica da NSS 2006 – Ampliar o círculo de desenvolvimento
por meio da abertura de sociedades e da construção da infra-estrutura da democracia –
reforça o conteúdo da NSS 2002, apontando o combate a pobreza mundial tanto como uma
prioridade estratégica, quanto um imperativo moral (Ibid., p. 31). Nesse sentido, essa ação
estratégica deixa claro que os interesses nacionais e os valores morais “americanos”
convergem para uma mesma direção: apoiar o desenvolvimento e a integração dos mais
pobres em todo o mundo (Ibid., p. 32). Essa ação estratégica é decorrente da percepção de que
o “desenvolvimento reforça a diplomacia e a defesa, reduzindo a longo prazo as ameaças à
segurança dos EUA, por meio da construção de sociedades estáveis, prósperas e pacíficas146”
(Ibid., p. 33) (Tradução nossa).
À luz do exposto, identificamos convergência do conteúdo dessa ação estratégica com
os seguintes pontos centrais do pensamento neoconservador, de forma coincidente com a NSS
2002:
 Preservar e ampliar uma ordem internacional em consonância com os interesses,
valores e princípios dos EUA; e
 A política externa deve refletir os valores das sociedades liberais democráticas.
A sétima grande ação estratégica - Desenvolver agendas de ação cooperativa com os
principais centros do poder global – reforça a ideia exposta na NSS 2002 de que a
oportunidade decorrente da ausência de conflitos, entre as grandes potências existentes, deve
ser aproveitada para avançar os interesses estadunidenses. Assim, a presente ação estratégica
aprimora sua versão anterior (na NSS 2002), evidenciando, com clareza, os cinco princípios
que nortearam a estratégia dos EUA, nas relações como os principais centros de poder
mundial, em boa parte do segundo mandato do governo George W. Bush (Ibid., p. 36-37):

146
“Development reinforces diplomacy and defense, reducing long-term threats to our national security by
helping to build stable, prosperous, and peaceful societies” (Ibid., p. 33).
121

• Em primeiro lugar, “políticas bilaterais, que ignoram as realidades regionais e globais


terão êxito improvável147”.
• Segundo, “estas relações devem ser apoiadas por instituições regionais e globais
adequadas, para tornar a cooperação mais permanente e eficaz.148”.
• Em terceiro lugar, “o interesse dos EUA na promoção da democracia efetiva repousa
sobre um fato histórico: os Estados que são bem governados também são mais
inclinados a se comportar bem149”.
• Em quarto lugar, “embora não procuremos ditar aos outros Estados as escolhas que
fazem, nós buscamos influenciar os cálculos em que essas escolhas se baseiam150”.
• Em quinto lugar, “devemos estar preparados para agir sozinhos, se necessário, embora
reconhecendo que são poucas as consequências duradouras daquilo que podemos
realizar no mundo, sem a cooperação e apoio dos nossos aliados151”.
Após a exposição dos princípíos supracitados, essa ação estratégica descreve o status
das relações dos EUA com as principais potências, dentro de uma análise por regiões do
globo. Assim, são abordadas as relações dos EUA, com base nos cinco princípios em pauta,
com o Hemisfério Ocidental; com a África; com o Oriente Médio; com a Europa,
notadamente, com a OTAN; com a Rússia; com o Sul e Centro da Ásia, bem como com o
Leste asiático, onde são destacadas as relações com aliados tradicionais como a República da
Coréia e a Austrália e, principalmente, a tônica das relações com a China. (USA ,2006, p. 37-
42).
Tal como concluímos na análise da NSS 2002, essa foi uma ação estratégica na qual a
prática esteve dissociada do discurso oficial, pois apesar de em 2006 o unilateralismo
estadunidense estar menos exacerbado, persistia a postura estratégica unilateral, explícita no
quinto princípio que norteava essa ação estratégica. Nesse contexto, encontramos
convergência com os seguintes pontos centrais do pensamento neoconservador:

147
“Bilateral policies that ignore regional and global realities are unlikely to succeed” (USA, 2006, p. 36).
148
“Second, these relations must be supported by appropriate institutions, regional and global, to make
cooperation more permanent, effective, and wide-reaching” (Ibid., p. 36).
149
“America’s interest in promoting effective democracies rests on an historical fact: states that are governed
well are most inclined to behave well” (Ibid., p. 36).
150
“Fourth, while we do not seek to dictate to other states the choices they make, we do seek to influence the
calculations on which these choices are based” (Ibid., p. 36).
151
“Fifth, we must be prepared to act alone if necessary, while recognizing that there is little of lasting
consequence that we can accomplish in the world without the sustained cooperation of our allies and
partners” (Ibid., p. 37).
122

 Manter a liderança dos EUA, incluindo sua preponderância militar;


 Exportar a democracia, inclusive por meio do emprego da força, não por
humanitarismo, mas porque a disseminação da democracia liberal aumentará a
segurança dos EUA; e
 Formar coalizões ad hoc ou partir para a ação unilateral, se necessário, para
garantir a segurança dos EUA.
Cabe recordar que, na análise do conteúdo dessa ação estratégica na NSS 2002,
identificamos convergência apenas com o primeiro dos pontos centrais do pensamento
neoconservador supracitados. Assim, podemos depreender que houve um aprofundamento da
penetração do pensamento neocon nessa ação estratégica apresentada na NSS 2006, haja vista
que nela identificamos convergência com três pontos centrais do neoconservadorismo
estadunidense.
A oitava grande ação estratégica apresentada na NSS 2006 - Transformar as
instituições nacionais de segurança dos EUA, de modo a enfrentar os desafios e
oportunidades do século 21 – aponta para a necessidade de ampliar e aperfeiçoar a
transformação das instituições relacionadas com a segurança dos EUA. O documento ressalta
as modificações já introduzidas no Departamento de Defesa para fazer frente às ameaças de
atores estatais e não-estatais, bem como aquelas implementadas para dissuadir qualquer
competidor militar hostil de desafiar os EUA (Ibid., p. 43).
Para as transformações ainda necessárias às demais intituições afetas à segurança
estadunidense, essa ação estratégica prescreve, no âmbito doméstico, as seguintes prioridades:
• “Sustentar a transformação já em curso nos Departamentos de Defesa, Segurança
Interna e Justiça, bem como no Federal Bureau of Investigation (FBI); e na
Comunidade de Inteligência” (Ibid., p. 44).
• “Continuar a reorientar o enfoque diplomático do Departamento de Estado para a
democracia transformacional, a qual poromove democracia efetiva e soberania
responsável” (Ibid., p. 44-45).
• “Melhorar a capacidade de todas as agências para planejar, elaborar, coordenar,
integrar, e executar as respostas que à toda gama de contingências e crise desafios de
longo prazo” (Ibid., p. 45).
123

No que tange ao âmbito externo a ação estratégica em pauta, aponta as seguintes


prioridades:
• “Promover uma reforma significativa da ONU”, no sentido de criação de estruturas
voltadas para assegurar a responsabilidade financeira e a eficiência administrativa da
organização; e reforçar a capacidade da organização para levantar rapidamente
unidades militares para operações de paz. Além disso, essa ação estratégica também
prescreve que os EUA devem atuar no sentido de assegurar que a ONU reflete as
realidades geopolíticas de hoje e não está algemada por estruturas obsoletas (USA,
2006, p. 45).
• “Reforçar o papel das democracias e a promoção da democracia em todas as
instituições internacionais e multilaterais” (Ibid., p. 46).
• “Estabelecer parcerias orientadas para os resultados, que enfatizem a cooperação
internacional e não a burocracia internacional, a fim de enfrentar os novos desafios e
oportunidades” (Ibid., p. 46).
É perceptível que, em relação à NSS 2002, a presente ação estratégica da NSS 2006
muda o discurso de transformação das principais instituições afetas à segurança dos EUA,
para um amplo espectro de iniciativas, tanto no âmbito interno, quanto no externo. Nesse
contexto, identificamos na presente ação estratégica da NSS 2006 a convergência com os
seguintes pontos centrais do pensamento neoconservador, dos quais apenas o primeiro é
coincidente com a análise feita para a NSS 2002:
 Manter a liderança dos EUA, incluindo sua preponderância militar;
 Exportar a democracia, inclusive por meio do emprego da força, não por
humanitarismo, mas porque a disseminação da democracia liberal aumentará a
segurança dos EUA; e
 Ceticismo a respeito da legitimidade e da eficiência das leis e instituições
internacionais, principalmente da ONU que, no entanto, não pode ser descartada.
À luz da corrente análise, podemos depreender que houve um abrandamento no
discurso de preponderância militar estadunidense, mas também ocorreu um aprofundamento
da penetração do pensamento neocon nessa ação estratégica apresentada na NSS 2006, haja
vista que nela identificamos convergência com três pontos centrais do neoconservadorismo
estadunidense.
A nona e última grande ação estratégica contida na NSS 2006 - Aproveitar as
oportunidades e enfrentar os desafios da globalização – aborda as implicações da
globalização para segurança dos EUA. O documento destaca que muito da prosperidade e da
124

melhoria da qualidade de vida de grande parte da população mundial é decorrente da


expansão do comércio, dos investimentos, informações e tecnologia em escala global, isto é,
de fatores que caracterizam a chamada globalização. Além disso, a globalização contribui
para o avanço da democracia, por meio da disseminação das ideias de mercado e liberdade. O
ponto central destacado nessa ação estratégica é o de que os novos fluxos de comércio,
investimento, informação e tecnologia estão também transformando a segurança, expondo
novos desafios, tais como as pandemias, o comércio ilegal e a destruição ambiental (USA,
2006, p. 47).
A ação estratégica em pauta ressalta que se não forem enfrentados, esses desafios
poderão ameaçar a segurança nacional, sendo que “o preparo e o gerenciamento desses
desafios requer o exercício pleno do poder nacional, incluindo os tradicionais instrumentos de
segurança” (Ibid., p. 47). Nesse sentido, o documento aponta como exemplo o apoio logístico
prestado pelas forças armadas estadunidenses às vítimas de catástrofes naturais em diversas
áreas do globo. Além disso, o documento enfatiza que regimes democráticos estão melhor
preparados para lidar com os desafios decorrentes da globalização, pois são inovadores e
transparentes (Ibid., p. 48).
Nessa ação estratégica está implícita a ideia de que os valores “americanos”, tais como
o livre comércio, a abertura de mercados e a democracia estão intrinsecamente relacionados
com a globalização, mesmo que ela apresente alguns efeitos colaterais que podem ser
eventualmente, danosos à segurança dos EUA. Assim sendo, na presente ação estratégica,
identificamos convergência com o seguinte ponto central do pensamento neoconservador:
 Preservar e ampliar uma ordem internacional em consonância com os interesses,
valores e princípios dos EUA.
Finalizando essa seção apresentamos o Quadro 8, onde são sumarizados os pontos de
convergência das ações estratégicas contidas na NSS 2006 com os pontos centrais do
pensamento neoconservador, evidenciados no Capítulo 1 deste trabalho:
125

Ação Estratégica Convergência com os seguintes pontos centrais


do pensamento neoconservador
 Preservar e ampliar uma ordem internacional
em consonância com os interesses, valores e
princípios dos EUA;
 Exportar a democracia, inclusive por meio do
Patrocinar aspirações à dignidade humana. emprego da força, não por humanitarismo, mas
porque a disseminação da democracia liberal
aumentará a segurança dos EUA; e
 A política externa deve refletir os valores das
sociedades liberais democráticas.
 Formar coalizões ad hoc ou partir para a ação
unilateral, se necessário, para garantir a
Fortalecer alianças para derrotar o terrorismo segurança dos EUA; e
global e trabalhar para evitar ataques contra nós  Ataque preemptivo se for necessário para
e nossos amigos. impedir uma ação hostil por parte dos “inimigos”
dos EUA.
 Preservar e ampliar uma ordem internacional
em consonância com os interesses, valores e
princípios dos EUA;
Trabalhar com outros para neutralizar conflitos  Exportar a democracia, inclusive por meio do
regionais. emprego da força, não por humanitarismo, mas
porque a disseminação da democracia liberal
aumentará a segurança dos EUA; e
 A política externa deve refletir os valores das
sociedades liberais democráticas.
Impedir que inimigos ameacem a nós, nossos  Ataque preemptivo se for necessário para
aliados e nossos amigos, com Armas de impedir uma ação hostil por parte dos “inimigos”
Destruição em Massa (ADM). dos EUA.
 Preservar e ampliar uma ordem internacional
Desencadear uma nova era de crescimento em consonância com os interesses, valores e
econômico global através de mercados livres e princípios dos EUA; e.
do livre comércio.  A política externa deve refletir os valores das
sociedades liberais democráticas.
 Preservar e ampliar uma ordem internacional
Ampliar o círculo de desenvolvimento por meio em consonância com os interesses, valores e
da abertura de sociedades e da construção da princípios dos EUA; e
infra-estrutura da democracia.  A política externa deve refletir os valores das
sociedades liberais democráticas
 Manter a liderança dos EUA, incluindo sua
preponderância militar;
 Exportar a democracia, inclusive por meio do
Desenvolver agendas de ação cooperativa com emprego da força, não por humanitarismo, mas
os principais centros do poder global. porque a disseminação da democracia liberal
aumentará a segurança dos EUA; e
 Formar coalizões ad hoc ou partir para a ação
unilateral, se necessário, para garantir a
segurança dos EUA.
126

Ação Estratégica Convergência com os seguintes pontos centrais


do pensamento neoconservador
 Manter a liderança dos EUA, incluindo sua
preponderância militar;
 Exportar a democracia, inclusive por meio do
Transformar as instituições nacionais de emprego da força, não por humanitarismo, mas
segurança dos EUA, de modo a enfrentar os porque a disseminação da democracia liberal
desafios e oportunidades do século 21. aumentará a segurança dos EUA; e
 Ceticismo a respeito da legitimidade e da
eficiência das leis e instituições internacionais,
principalmente da ONU que, no entanto, não
pode ser descartada.
Aproveitar as oportunidades e enfrentar os  Preservar e ampliar uma ordem internacional
desafios da globalização. em consonância com os interesses, valores e
princípios dos EUA.

Quadro 8 - Convergência das ações estratégicas contidas na NSS 2006 com os Pontos
Centrais do Pensamento Neoconservador.

Dos Quadros 7 e 8, podemos perceber a convergência das grandes ações estratégicas


da NSS 2002 e da NSS 2006 com os pontos centrais do pensamento neoconservador
estadunidense. Se houve um abrandamento no discurso da NSS 2006, principalmente em
relação ao unilateralismo e a ação militar preemptiva, apresentados de forma mais explícita na
NSS 2002, houve também um maior aprofundamento da convergência das ações estratégicas
da NSS 2006 com os pontos centrais do pensamento neoconservador.
Assim, à luz da presente análise podemos depreender que nos dois documentos
normativos da postura estratégica dos EUA, frente às grandes questões internas e externas, o
pensamento neoconservador desponta como um Road Map subjacente às iniciativas e
prescrições contidas nas ações estratégicas dos dois documentos em pauta. Se as NSS
elaboradas pela administração George W. Bush seriam diferentes, caso não tivessem ocorrido
os atentados de 11 de setembro de 2001, é algo que foge ao escopo e aos propósitos deste
trabalho. No entanto, as duas Estratégias de Segurança Nacional da administração George W.
Bush foram permeadas de forma sutil, porém direta, com os pontos centrais do pensamento
neoconservador que evidenciamos no primeiro Capítulo deste trabalho.
127

4. CONCLUSÃO

A pesquisa e a análise efetuadas no primeiro capítulo da presente dissertação


possibilitaram evidenciar a gênese do pensamento neoconservador, seus pontos centrais, bem
como seus principais expoentes e seu alcance na administração George W. Bush. Para
entendermos a gênese do neoconservadorismo nos EUA, utilizamos as percepções de três
expoentes dessa linha de pensamento político - Irving Kristol, Jeane Kirkpatrick e Adam
Wolfson – e assim evidenciamos que as origens do pensamento neoconservador
estadunidense estão ligadas a algo que podemos chamar de “contra-contracultura” nos EUA.
Esse “movimento” emergiu na década de 1970, e seus integrantes defendiam posições de
resgate dos valores morais “americanos”, bem como uma postura firme no enfrentamento com
a URSS, dentro do contexto da Guerra Fria. Ao longo da década seguinte, a defesa dessas
posições ganhou, progressivamente, eco nos EUA, por meio de uma produção intelectual
realizada em Think Tanks tais como o American Enterprise Institute (AEI) e também,
disseminada em periódicos tais como The Weekly Standard, The National Interest e The
Commentary.
Na primeira metade da década de 1990, com fim do conflito Leste-Oeste e a posterior
dissolução da URSS (1991), os neoconservadores apontam com clareza que, naquele
momento único, onde os EUA têm a força “militar e moral” para ordenar a nova estrutura do
sistema internacional, fazendo do século XXI um novo século “americano”, bem como
evitando o caos e a desestabilização de regiões importantes para os interesses estadunidenses.
A exportação da democracia desponta como um princípio consonante com os valores
“americanos” e alinhada com o incremento da segurança estadunidense. Assim, a produção
acadêmica de Think Tanks ligados ao neoconservadorismo, notadamente o PNAC, contribui
para a disseminação da ideia de que a força militar incontrastável daquele momento deve ser
utilizada para exportar os valores “americanos”, principalmente a democracia. Essas ideias
são formuladas e veiculadas, notadamente pela segunda geração de neoconservadores que tem
como seus expoentes Willian Kristol, Robert Kagan, Paul Wolfowitz, Richard Perle, Charles
Krauthammer e Francis Fukuyama entre outros.
No entanto, no que tange à política externa, um ponto central a ser destacado é que o
pensamento neocon não é monolítico nem unificado, mas, nossa pesquisa possibilitou
“extrair”, pontos centrais e comuns defendidos por alguns expoentes do neoconservadorismo.
Nesse sentido, também no Capítulo 1 da presente dissertação, selecionamos cinco
acadêmicos, identificados com o neoconservadorismo: Irving Kristol, Adam Wolfson, Max
128

Boot, Irwin Stelzer e Francis Fukuyama que, desde a década de 1990, procuram sistematizar e
dar coerência ao pensamento neocon. Da análise dos textos de livros e artigos desses autores,
foram evidenciados os seguintes pontos centrais do pensamento neoconservador:
 Preservar e ampliar uma ordem internacional em consonância com os interesses,
valores e princípios dos EUA;
 Exportar a democracia, inclusive por meio do emprego da força, não por
humanitarismo, mas porque a disseminação da democracia liberal aumentará a
segurança dos EUA;
 A política externa deve refletir os valores das sociedades liberais democráticas;
 Ceticismo a respeito da legitimidade e da eficiência das leis e instituições
internacionais, principalmente da ONU que, no entanto, não pode ser descartada;
 Formar coalizões ad hoc ou partir para a ação unilateral, se necessário, para
garantir a segurança dos EUA;
 Ataque preemptivo se for necessário para impedir uma ação hostil por parte dos
“inimigos” dos EUA; e
 Manter a liderança dos EUA, incluindo sua preponderância militar.
É perceptível que esses pontos buscam conciliar aquilo que os neoconservadores
entendem como um imperativo moral com a necessidade estratégica dos EUA. No seu
conjunto, conforme exposto no primeiro capítulo deste trabalho, esses pontos centrais têm
forte apelo e coerência para uma parcela expressiva da população dos EUA, mesmo sem
constituírem um corpo teórico.
No que tange à administração e ao presidente George W. Bush, nossa pesquisa
apontou que, quando foi eleito foi eleito em 2000, os pontos centrais do pensamento
neoconservador, não pareciam causar muita impressão ao novo presidente e aos principais
integrantes da sua equipe de governo, principalmente aqueles pontos relacionados à política
externa.
Durante a campanha presidencial, Bush e seus assessores apontavam para uma futura
política externa contida, particularmente no que tangia às intervenções militares. Nesse
sentido, buscamos evidenciar que os debates entre George W. Bush e o candidato democrata
Al Gore, no que tange a política externa, foram em grande parte centrados nas posições
divergentes acerca do emprego das Forças Armadas estadunidenses como “construtores de
nações. Além disso, o combate ao terrorismo não aparecia como prioridade da política externa
de nenhum dos dois candidatos. Mas, os atentados de 11 de setembro de 2001 expuseram um
novo contexto e uma nova realidade. Após a aparente perplexidade decorrente do vulto e
129

organização dos atentados, onde a administração George W. Bush defrontou-se com uma
crise sem precedentes na história da segurança estadunidense, o presidente e seus assessores
mais próximos passaram a defender uma política externa enérgica e nacionalista. Nesse
contexto, a administração Bush encontrou no neoconservadorismo um corpo de ideias capaz
de promover a união da sociedade, frente àquela ameaça, bem como uma estratégia a ser
implementada.
No entanto, nossa análise apontou que os atentados de 11 de setembro de 2001 podem
ter sido a causa imediata da adoção de alguns pontos centrais do neoconservadorismo nas
questões de política externa, pela administração Bush, porém, havia mais de uma década de
debates, argumentos e publicações nas quais essas ideias vinham tomando corpo e penetrando
na sociedade estadunidense. Essas ideias, já sistematizadas em 2001, forneceram a base
intelectual para política externa do governo Bush após os atentados de 11 de setembro.
Em síntese, o neoconservadorismo não é uma teoria, mas um pragmatismo militante
que teve sua gênese tanto nas questões afetas à política interna quanto naquelas afetas a
política externa. Seu propósito principal é a persuasão, isto é, convencer a sociedade
"americana" que os valores morais estão ligados aos interesses estadunidenses e a força
militar é o instrumento principal para promover esses interesses, bem como para garantir a
primazia dos EUA no sistema internacional.
Hoje o neoconservadorismo é percebido, de forma simplificada, naquilo que tange à
política externa, como uma postura unilateralista, pautada no emprego da força militar que
utiliza o discurso da promoção da democracia apenas para legitimar o emprego da força
militar na defesa dos interesses estadunidenses. O termo “neoconservador” sofreu uma
simplificação, tornando-se apenas a designação, ou rótulo de qualquer um considerado um
“falcão”. Essa simplificação dissocia o peso dos valores morais “americanos” na formulação
desse pensamento político. Na verdade, à luz da análise efetuada no presente trabalho, pode-
se perceber que o neoconservadorismo apresenta um conjunto de proposições coerentes com o
sistema de crenças e valores de um segmento expressivo da sociedade "americana", pautando-
se na busca pela preservação da preeminência dos EUA, em consonância com os princípios
morais que, segundo os neoconservadores, deveriam nortear a política interna e externa dos
EUA.
No segundo capítulo deste trabalho, foi analisado o processo de decisório da política
externa do governo George W. Bush, à luz da Teoria de Unidades de Decisão e deste modo
foi evidenciado seu lócus decisório e o peso dos pontos centrais do pensamento
neoconservador, após os atentados de 11 de setembro de 2001, sobre a unidade de decisão
130

dominante em três processos que resultaram em decisões cruciais da administração George


W. Bush: a “Guerra contra o Terror”, a Guerra no Afeganistão e a Guerra no Iraque.
Assim, o Capítulo 2 contempla a análise do peso do pensamento neoconservador, bem
como do grau de coesão do núcleo central de decisão da política externa do governo Bush,
após os atentados de 11 de setembro de 2001. O modelo teórico selecionado - Teoria de
Unidades de Decisão - permitiu um método adequado, tal como exposto no Capítulo 2 deste
trabalho, para avaliar “se” e em que grau o pensamento neocon esteve presente nas três
decisões de maiores consequências da administração George W. Bush.
Nossa análise apontou que a estrutura formal do governo George W. Bush, em
setembro de 2001, naquilo que tange ao âmbito da política externa, estava estruturada no
NSC, cujo núcleo decisório se concentrava entre os seus membros regulares, isto é, o
Presidente, o Vice-Presidente, os Secretários de Estado, do Tesouro e de Defesa, e a
Conselheira de Segurança Nacional. Também ficou evidente que a estrutura formal do
governo dos EUA, para as questões afetas à política externa, favorece a ação da unidade de
decisão tipo Líder Predominante, pois o presidente é o decisor de última instância nessas
questões, sendo o NSC o lócus onde os problemas de política externa recebem atenção e são
discutidos. No entanto, se na prática o presidente em pauta utilizasse seus assessores e
conselheiros como membros de uma equipe de tomada de decisão, nas questões de política
externa tratadas no NSC, a unidade de decisão dominante passaria a ser a de um Grupo Único
com um Líder Predominante.
Nossa pesquisa e a análise dela decorrente apontou para a existência de um conjunto
central de ideias compartilhadas pelo núcleo decisório de política externa da administração
George W. Bush: a percepção maniqueísta dos valores “americanos” como representantes do
“Bem”; e o otimismo acerca do poder e do futuro dos EUA. Assim, à luz do modelo teórico
adotado, identificamos a propensão para decisões resultantes tipo “acordo” (concurrence) na
provável unidade de decisão dominante, isto é, o Grupo Único com Líder Predominante, cujo
lócus decisório se encontrava no NSC. O modelo teórico das Unidades de Decisão aponta
que, a tendência, quanto aos resultados tipo “acordo” (concurrence) é a de decisões mais
extremas e pautadas no emprego da força militar, pois elas são tomadas em um ambiente em
que existe uma preferência comum em relação àquilo que precisa ser feito para lidar com o
problema.
Aplicando o modelo em pauta nas três decisões supracitadas - a “Guerra contra o
Terror”, a Guerra no Afeganistão e a Guerra no Iraque –, chegamos a conclusões que apontam
para graus distintos da penetração do pensamento neoconservador na administração Bush e
131

que cresce progressivamente no período subsequente aos atentados de 11 de setembro de


2001.
A primeira das três decisões analisadas (a declaração da “Guerra contra o Terror”)
despontou como uma verbalização da decisão de se empregar uma resposta militar
contundente, em um contexto no qual os EUA se percebiam como nação agredida e, portanto,
com o direito de resposta em autodefesa garantido. Assim, segundo nossa análise, a
declaração da “Guerra contra o Terror” não esteve associada aos pontos centrais do
pensamento neocon, evidenciados no Capítulo 1 deste trabalho.
A segunda decisão crucial da administração Bush, selecionada para aplicação do
modelo de Unidades de Decisão, a Guerra no Afeganistão, evidenciou que a decisão de
empregar a força militar contra a al-Qaeda e o Regime teocrático do Talibã, no Afeganistão
foi decorrente tanto do desejo e necessidade de revidar o ataque sofrido, mas, principalmente,
foi uma ação que se configurava como consonante com o objetivo maior de impedir novos
ataques da al-Qaeda. Para tanto, era também necessário destruir seus santuários, isto é, a parte
tangível da rede terrorista encastelada no Afeganistão e apoiada pelo Talibã. Um ponto de
contato com os pontos centrais do pensamento neoconservador em política externa,
evidenciados no Capítulo 1, encontra-se presente na importância conferida à mudança de
regime152 como fator consonante com os valores “americanos” e, principalmente, como uma
mudança que estaria contribuindo para o incremento da segurança dos EUA. No entanto, dado
o contexto imediatamente posterior ao 11 de setembro, no qual uma resposta militar
contundente era algo esperado de qualquer governo estadunidense, podemos depreender, à luz
da análise efetuada, que a “mudança de regime” não foi o aspecto central e determinante da
decisão de empregar a força militar no Afeganistão. Até mesmo a construção de uma ampla
coalizão, bem como da ação dentro do contexto do Conselho de Segurança da ONU, isto é,
dentro do Direito Internacional, apontam que a ação militar no Afeganistão, foi dissociada de
uma estratégia pré-concebida destinada a reorientar a política externa dos EUA para a
importância da mudança de regimes autoritários, inclusive pela força, bem como esteve
igualmente dissociada de uma pré-concepção da valorização da força militar como
instrumento maior da defesa dos interesses estadunidenses.
Em síntese, a análise efetuada no Capítulo 2 deste trabalho apontou que a Guerra no
Afeganistão foi uma reação unânime da Unidade de Decisão Dominante do governo Bush,

152
Em consonância com o apresentado na seção 1.3 desta dissertação, recordamos o ponto central em pauta:
Exportar a democracia, inclusive por meio do emprego da força, não por humanitarismo, mas porque a
disseminação da democracia liberal aumentará a segurança dos EUA (Nota do autor).
132

porém à revelia de qualquer tipo de pré-determinante decorrente do chamado pensamento


neoconservador. Essa decisão foi também facilitada pelo apoio inconteste da opinião pública
estadunidense. Além disso, a decisão em pauta foi implementada em consonância com o
Direito Internacional, sendo legitimada por uma resolução do Conselho de Segurança da
ONU. Mas, se a decisão da Guerra no Afeganistão foi dissociada de uma convergência da
Unidade de Decisão Dominante da administração George W. Bush com os pontos centrais do
pensamento neoconservador, ela foi também uma decisão que contribuiu para que o ideário
neoconservador fosse veiculado como um Road Map de sucesso para as ameaças que se
apresentavam aos EUA, em função do o aparente sucesso na mudança do regime afegão e na
desestruturação da al-Qaeda.
Nesse sentido, ao término de 2001, o pensamento neoconservador ganhara mais
visibilidade e adeptos, principalmente quanto à ideia de fomentar mudanças de regimes
autoritários para democráticos como forma de incrementar a segurança dos EUA. Isso
também estaria em consonância com os valores morais inerentes à sociedade “americana”, tão
propalados pelos neocons, isto é, igualdade, democracia e liberdade e que transbordam em um
dos pontos centrais do pensamento neocon em política externa, evidenciado no Capítulo 1
deste trabalho, qual seja:
 A política externa deve refletir os valores das sociedades liberais democráticas.
Esse impulso e novo momentum neocon ganharam corpo nos meses seguintes,
materializando-se na campanha por uma mudança de regime no Iraque, isto é, a deposição de
Saddam Hussein, que era defendida pelos expoentes do neoconservadorismo desde a década
de 1990 e na visão destes, desencadearia uma alteração do status quo no Oriente Médio,
consonante os valores da sociedade “americana”, além de incrementar a segurança dos EUA.
Assim, ao longo de 2002, o Iraque passou a ser apontado e percebido, por um amplo
segmento da sociedade estadunidense, como o verdadeiro teste da “mudança de regime”.
Conforme exposto no Capítulo 2, a administração Bush invocou, de forma sequencial,
três grandes razões para a mudança de regime no Iraque. A primeira delas estava centrada no
argumento de que Saddam Hussein continuava com seu programa de armas químicas,
biológicas e nucleares, e essa situação implicava em um risco inaceitável para os EUA, haja
vista os eventos do 11 de setembro de 2001. O segundo motivo eram os aparentes laços do
regime iraquiano com redes terroristas, incluindo a al-Qaeda, o que indicava a possibilidade
de que essa rede viesse a dispor de armas de destruição em massa fornecidas pelo Iraque;
novamente implicando em um risco inaceitável para os EUA. O terceiro motivo era
133

“necessidade” de libertar o povo iraquiano da tirania de Saddam, bem como de possibilitar a


esse povo a oportunidade de desfrutarem da liberdade proporcionada pela democracia.
Das três grandes razões ou motivos apresentados à opinião pública estadunidense e
mundial para justificar e legitimar a Guerra contra o Iraque nossa análise identificou
convergência com os seguintes pontos centrais do pensamento neocon:
 Exportar a democracia, inclusive por meio do emprego da força, não por
humanitarismo, mas porque a disseminação da democracia liberal aumentará a
segurança dos EUA.
 A política externa deve refletir os valores das sociedades liberais democráticas.
 Ceticismo a respeito da legitimidade e da eficiência das leis e instituições
internacionais, principalmente da ONU que, no entanto, não pode ser descartada.
 Se possível, agir em consonância com as resoluções da ONU.
 Formar coalizões ad hoc ou partir para a ação unilateral, se necessário, para
garantir a segurança dos EUA.
 Ataque preemptivo se for necessário para impedir uma ação hostil por parte dos
“inimigos” dos EUA.
Em suma, nossa análise apontou que, distintamente das decisões de proclamar a
“Guerra contra o Terror” e a de iniciar a Guerra no Afeganistão, a Guerra no Iraque foi
nitidamente pautada, ou consonante, com alguns dos pontos centrais do pensamento
neoconservador. Em 2003, a Unidade de Decisão Dominante parecia compartilhar um novo
ideário, no qual a defesa dos interesses estadunidenses, notadamente sua agenda de segurança,
passava a prescrever a mudança de regimes, a preempção e a ação unilateral, de forma
convergente com os pontos centrais do pensamento neoconservador.
Ainda com relação ao Capítulo 2, é pertinente destacar que o modelo das Unidades de
Decisão, tal como proposto por Margareth Hermann e por nós utilizado, permitiu identificar o
lócus decisório da política externa estadunidense durante a administração George W. Bush,
bem como o tipo e o peso das ideias na Unidade de Decisão Dominante – formal e informal –
permitindo evidenciar o real papel do pensamento neoconservador nas três decisões cruciais
do governo Bush, aqui analisadas.
No terceiro e último capítulo deste trabalho foi analisado se a Estratégia de Segurança
Nacional dos EUA, da administração George W. Bush, disseminada em 2002 e,
posteriormente em 2006, tinha conteúdo consonante com os pontos centrais do pensamento
neoconservador, principalmente no que tange à “ação militar preemptiva”. Em outras
palavras, buscou-se analisar “se” e em que grau o pensamento neoconservador foi
134

institucionalizado, isto é, qual era a convergência do conteúdo do documento estratégico


normativo de mais alto nível do governo dos EUA com os pontos centrais do pensamento
neocon.
Nossa análise apontou que o conteúdo normativo da NSS 2002 apresenta convergência
com os pontos centrais do pensamento neoconservador, evidenciados no primeiro capítulo
deste trabalho. Em outras palavras, em setembro de 2002, ou seja, cerca de um ano após os
atentados de 11 de setembro de 2001, o pensamento neocon aparece de forma inconteste no
documento normativo de mais alto nível da postura estratégica dos EUA. Dessa forma
podemos inferir que o neoconservadorismo teve seus pontos centrais atuando como um Road
Map da administração Bush, nas questões de política externa, principalmente, naquelas afetas
à segurança dos EUA. Três pontos centrais são recorrentes ao longo das ações estratégicas
prescritas na NSS 2002: a promoção dos valores estadunidenses no exterior (democracia,
liberdade individual, livre comércio, economia de mercado etc); o exercício da ação militar
preemptiva para garantir a segurança dos EUA frente à ameaça terrorista; e a manutenção da
preponderância militar dos EUA.
A NSS 2006 apresenta uma atualização das ações estratégicas apresentadas na NSS
2002 e também apresenta convergência com os pontos centrais do pensamento
neoconservador estadunidense, porém é patente um abrandamento do discurso da ação
unilateral e preemptiva. No entanto, se houve um abrandamento nesse discurso relativo ao
unilateralismo e ação militar preemptiva, apresentados de forma mais explícita na NSS 2002,
houve também um maior aprofundamento da convergência das ações estratégicas da NSS
2006 com os pontos centrais do pensamento neoconservador, notadamente no que tange à
promoção dos valores estadunidenses no exterior e à manutenção da preponderância militar
dos EUA.
Assim, à luz da presente análise depreende-se que nos dois documentos normativos da
postura estratégica dos EUA, frente às grandes questões internas e externas, o pensamento
neoconservador despontou como um Road Map subjacente às iniciativas e prescrições
contidas nas ações estratégicas dos dois documentos em pauta.
Neste contexto, nossa pesquisa apontou que “Guerra contra o Terror”, um dos
alicerces da Estratégia de Segurança Nacional da administração George W. Bush, após os
atentados de 11 de setembro de 2001, foi uma metáfora153 empregada por aquele governo

153
Conforme exposto na Introdução deste trabalho, o termo metáfora é utilizado no sentido de uma palavra em
um sentido figurado, que permite que se transfiram atributos de um conjunto de circunstâncias para outro, a
fim de que se possa expressar uma percepção da realidade (Nota do autor).
135

expressando tanto a intenção da administração Bush de confrontar e derrotar aqueles que


perpetraram os ataques de 11 de setembro, quanto os sentimentos da nação agredida. Essa é a
ideia implícita na metáfora da “Guerra contra o Terror”, e seu emprego possibilitou a coesão
nacional e, posteriormente, permitiu a reestruturação da política externa estadunidense com
base no unilateralismo, calcado no emprego da força militar e normatizado pela possibilidade
da “ação militar preemptiva”, em consonância com os pontos centrais do pensamento
neoconservador, na medida em que esses pontos centrais passaram a ser percebidos como um
Road Map capaz de orientar a política externa estadunidense após os atentados de 11 de
setembro de 2001. Essa reestruturação foi exposta de forma normativa no documento de mais
alto nível do governo estadunidense, isto é, a National Security Strategy (2002 e 2006).
Um último ponto a ser destacado nessas Considerações Finais é o de que a questão do
apoio da opinião pública não pode ser descartada no entendimento do alcance e penetração do
pensamento neoconservador. Conforme exposto no Capítulo 2 deste trabalho, o pensamento
neoconservador não é dissociado de parcela expressiva da população estadunidense. Nesse
sentido e respaldando esse argumento, podemos olhar para a eleição presidencial de 2008,
onde o partido republicano, mesmo desgastado pela sua identificação com o
neoconservadorismo e com as guerras no Iraque e no Afeganistão, conseguiu 46% dos votos
dos eleitores “americanos” para o seu candidato John McCain154. É também pertinente
recordar que entre os assessores de política externa do candidato republicano estavam, Robert
Kagan, Willian Kristol e Max Boot155 que, conforme exposto no primeiro capítulo desta
dissertação, são expoentes do neoconservadorismo estadunidense. Em suma, a persuasão
neoconservadora tem raízes profundas com a “outra nação” exposta também do primeiro
capítulo deste trabalho. Nesse sentido, neoconservadorismo pode não ser uma ideologia, mas
o pensamento que ele representa tem uma parcela expressiva de seguidores entre a população
estadunidense e o fato de permanecer como uma corrente ativa do pensamento político
“americano” justifica não só este estudo, mas também outros acerca do pensamento
neoconservador nos EUA.

154
O candidato do partido democrata venceu as eleições presidenciais de 2008, com 364 votos do colégio
eleitoral, contra 174 votos recebidos por McCain. No entanto, se observarmos os votos dos eleitores, podemos
perceber que vitória de Obama foi relativamente “apertada”, pois Barack Obama recebeu 53% dos votos dos
eleitores e John McCain obteve 46% dos votos válidos (ELECTION REFEREE. Barack Obama Elected 44th
President of the United States. <http://www.electionreferee.com/index.php/2008/11/05/barack-obama-elected-
44th-president-of-the-united-states/>).
155
McMAHON, Robert. Foreign Policy Brain Trusts: McCain Advisers (<http://www.cfr.org/us-election-
2008/foreign-policy-brain-trusts-mccain-advisers/p16194>).
136

Finalizando, cabe ressaltar que, mesmo com a crise econômica que emergiu em 2008,
os EUA ainda possuem a maior economia do mundo e a preponderância do poder militar em
escala global. Assim sendo, estudos que possam contribuir para a compreensão das diversas
correntes do pensamento político estadunidense, guardam coerência com os interesses de um
país que, como o Brasil, busca maior inserção e participação no sistema internacional.
137

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Francisco: Encounter Books, 2000, 401p. 307-336.
145

APÊNDICE A – Síntese Biográfica dos principais personagens mencionados

O presente Apêndice apresenta a síntese biográfica dos principais personagens


mencionados no texto, por ordem alfabética de seus nomes, a fim de facilitar a identificação
de cada um deles por parte do leitor.

Adam Wolfson
Ph.D em Ciência Política pela University of Chicago. Foi editor da The Public Interest
e da Commentary. Atualmente é co-editor da The Liberal Tradition in Focus. É autor de
inúmeros ensaios e artigos publicados na The Weekly Standard; Commentary; National
Review; The Review of Politics; e Perspectives on Political Science156.

Averell Harriman (1891-1986)


Empresário, diplomata e político ligado ao partido democrata, Averell Harrimam foi
embaixador dos EUA na URSS (1943-46). Dentre os inúmeros cargos que exerceu no
governo estadunidense podem ser destacados os seguintes: Embaixador Extraordinário e
Plenipotenciário dos EUA na Europa (1948-1950), dentro do contexto do Economic
Cooperation Act de 1948.1948-50; e Diretor da Mutual Security Agency (1951-53)157.

Charles Krauthammer (1950)


Colunista do Washington Post. Já recebeu um prêmio Pulitzer. Krauthammer
destacou-se como escritor e comentarista desde o início de 1980, quando passou a integrar o
staff editorial da revista The New Republic. Krauthammer também escreve para as revistas
Time, The Weekly Standard, Commentary, Foreign Affairs, The National Interest, entre outros
jornais e veículos de mídia158.

156
HUDSON INSTITUTE. About Hudson. Adam Wolfson.
(<http://www.hudson.org/learn/index.cfm?fuseaction=staff_bio&eid=WolfAdam>).
157
HARRY S. TRUMAN LIBRARY& MUSEUM. Oral History Interview with W. Averell Harriman
(<http://www.trumanlibrary.org/oralhist/harriman.htm>).
158
RIGHT WEB. Charles Krauthammer (<http://www.rightweb.irc-online.org/profile/Krauthammer_Charles>).
146

Daniel Patrick Moynihan (1927- 2003).


Sociólogo estadunidense nascido em 1924. Exerceu cargos no segundo escalão dos
governos John Kennedy, Lyndon Johnson e Richard Nixon. Foi embaixador na Índia (1973-
1975) e Representante Permanente dos EUA junto as Nações Unidas (1975-76). Membro do
partido democrata foi eleito para o Senado, pelo estado de New York, por quatro vezes
consecutivas (1976, 1982, 1988 e 1994). Sua carreira foi marcada pelo anticomunismo e por
posições fortes frente à URSS. Daniel Patrick Moynihan faleceu em 26 de março de 2003159.

Dean Achenson (1883-1971)


Advogado formado por Yale e pela Harvard Law School teve sua participação no
governo dos EUA iniciada em 1933, quando o presidente Franklin D. Roosevelt o nomeou
Under Secretary of the Treasury. Durante a Segunda Guerra Mundial, Achenson foi
Assistente e em seguida Sub-Secretário de Estado. Em 1949 foi nomeado Secretário de
Estado, cargo que exerceu até 1953. Autor de vários livros foi também conselheiro dos
presidentes Kennedy, Johnson e Nixon. Dean Achenson faleceu em 1971160.

Eugene V. Rostow (1914- 2002)


Decano da Yale Law School (1955-1965) e Undersecretary of State for Political
Affairs (1966 to 1969), onde tornou-se conhecido pela defesa da política dos EUA no Vietnã.
Retornou para a Yale Law School em 1969. Na década de 1970 defendeu ostensivamente o
fortalecimento das Forças Armadas estadunidenses e engajou no renascido Committee on the
Present Danger. Mesmo permanecendo no partido democrata foi designado diretor da
Agência de Desarmamento e Controle de Armas, pelo presidente Ronald Reagan, em 1981.
Foi agraciado com o título de Professor Emérito de Law and Public Affairs da Universidade
de Yale em 1984. Faleceu no dia 25 de novembro de 2002, aos 89 anos de idade (C.; KOH;
SMITH, 2003).

159
U.S. CONGRESS. Biographical Directory of the United States Congress. Moynihan, Daniel Patrick, 1927 -
2003. (<http://bioguide.congress.gov/scripts/biodisplay.pl?index=m001054>).
160
UNITED STATES HISTORY. Dean Achenson. (<http://www.u-s-history.com/pages/h1759.html>).
147

Francis Fukuyama (1952)


Ph.D. em Ciência Política pela Universidade de Harvard, Francis Fukuyama, é
professor em Stanford desde 2010. Antes lecionou economia política internacional na Johns
Hopkins University. É também presidente do conselho editorial da revista The American
Interest, a qual ele ajudou a fundar em 2005. Foi membro do Departamento de Ciência
Política da RAND Corporation nos seguintes períodos: 1979-1980, 1983-89 e 1995-96.
Trabalhou no Departamento de Estado em 1981-1982, como membro da equipe de
planejamento político. Serviu como membro do Conselho de Bioética do presidente Bush, no
período compreendido entre 2001-2004. É membro da American Political Science Association
e do Council on Foreign Relations161.
É autor do controverso “Fim da História”, mas sua obra de maior interesse neste
trabalho é America at the crossroads: democracy, power, and the neoconservative legacy,
publicado originalmente em 2006 e lançado no Brasil, naquele mesmo ano com o título O
Dilema Americano: democracia, poder e o legado do neoconservadorismo (Vide Referências
Bibliográficas) (Nota do autor).

George Kennan (1904-2005)


Diplomata, cientista político e historiador estadunidense, George Kennan destacou-se
na política externa dos EUA quando, servindo como diplomata na embaixada dos EUA em
Moscou, preparou o que hoje é conhecido como o “Longo Telegrama” que, juntamente com o
artigo subseqüente intitulado The Sources of Soviet Conduct, inspiraram a chamada Doutrina
Truman e a política de contenção em relação à URSS. Por mais de 50 anos seus textos e
palestras inspiraram o debate da política externa estadunidense. George Kennan faleceu em 17
de março de 2005162.

Gertrude Himmelfarb (1922)


Gertrude Himmelfarb - Historiadora e professora emérita da Graduate School of the
City of New York; é membro integrante das seguintes instituições: Academia Britânica, Royal
Historical Society, Academia Americana de Artes e Ciências e do American Enterprise
Institute (STELZER, 2004, p. 315).

161
STANFORD UNIVERSITY. Francis Fukuyama (<http://fukuyama.stanford.edu/>).
162
USA. Library of Congress. Awards and Honors. George Kennan.
(<http://www.loc.gov/about/awardshonors/livinglegends/bio/kennang.html>).
148

Irving Kristol (1920-2009)


Irving Kristol foi um dos principais intelectuais ligados ao neoconservadorismo. Com
uma trajetória de pensamento político singular, Kristol (assim como outros expoentes do
neoconservadorismo, como Norman Podhoretz,) integrou um grupo de universitários do City
College de New York, na década de 1930, denominado Alcove One, cujo foco era a discussão
acerca do Trotskismo. Naquele período Kristol se encontrava seduzido pelas ideias de
esquerda, porém, na década de 1940, desencantou-se como o comunismo soviético, mais
precisamente com o stalinismo. A transição das ideias políticas para a esquerda capitalista foi
rápida e Kristol identificou-se com a esquerda democrata (FUKUYAMA, 2006, P. 26). O
choque da contracultura, na década de 1970, fez com que Kristol deixasse o partido
democrata e iniciasse uma vigorosa defesa dos valores morais “americanos”, bem como uma
postura mais combativa frente à URSS, o que, conforme exposto nesse trabalho, fez com que
ele e outros que compactuavam com essa postura, recebessem a designação de
neoconservadores.
Irving Kristol pertenceu à “primeira geração” de neoconservadores, sendo autor da
máxima: “um neoconservador é um liberal tocado pela realidade”. Ao longo de sua vida,
Kristol ajudou a forjar o que ele denominava “a corrente de pensamento neoconservadora”.
Além de fundador das revistas The National Interest e The Public Interest foi, também, um
ativo participante do American Enterprise Institute e do Project for the New American
Century. Irving Kristol faleceu em setembro de 2009163

Irwin Stelzer (1932)


Doutor em economia pela Cornell University, Irwin Stelzer é Diretor do Grupo de
Estudos de Política Econômica do Hudson Institute. É também editor-contribuinte da The
Weekly Standard. Foi membro do Conselho de Revisão Editorial da The Public Interest.
Editou o organizou o livro The Neocon Reader, publicado nos EUA e Reino Unido em
2004164.

163
RIGHT WEB. Irving Kristol (<http://www.rightweb.irc-online.org/profile/Kristol_Irving>).
164
HUDSON INSTITUTE. About Hudson. Irwin Stelzer.
(<http://www.hudson.org/learn/index.cfm?fuseaction=staff_bio&eid=StelIrwi>).
149

James Q. Wilson (1931)


Cientista Político, professor de Government na Universidade de Harvard (1961-1987).
Posteriormente lecionou Management and Public Policy na Universidade da Califórnia em los
Angeles (UCLA) até 1997. Atualmente leciona Public Policy na Pepperdine University. Sua
pesquisa e produção acadêmica aborda temas como criminalidade, regulação governamental,
moral e comportamento humano. James Q. Wilson é também o presidente do Council of
Academic Advisers do American Enterprise Institute165

Jeane J. Kirkpatrick (1926-2006)


Acadêmica da área de Ciência Política, Jeane J. Kirkpatrick despontou no cenário
político estadunidense na década de 1970, com um discurso crítico acerca do partido
democrata ter perdido o vigor no enfretamento do comunismo. Participou ativamente do
Committee on the Present Danger. Na década de 1980 foi designada, pelo governo Reagan,
como Embaixadora dos EUA junto a ONU. Na década de 1990, filiada ao American
Enterprise Institute, atuou na elaboração das propostas neoconservadoras para o mundo pós-
Guerra Fria. Jeane Kirkpatrick faleceu em 2006166

Max Boot (1969)


Historiador formado pela Universidade da Califórnia em Berkeley (1991) e Mestre em
História Diplomática pela Universidade de Yale. É membro do Council on Foreign Relations
e atual editor-colaborador da Weekly Standard. Foi editor Wall Street Journal (1997-2002) e
escritor do Christian Science Monitor (1992-94)167.

McGeorge Bundy (1919 – 1996)


Egresso de Yale e professor de Government em Harvard, McGeorge Bundy foi o
Special Assistant to the President for National Security dos presidentes Kennedy e Johnson
(1961-1966) e, posteriormente, presidente da Fundação Ford (1966-1979). Um dos chamados

165
UNIVERSITY OF CALIFORNIA, LOS ANGELES (UCLA). James Q. Wilson
(<http://www.anderson.ucla.edu/x2551.xml>).
166
RIGHT WEB. Jeane Kirkpatrick (<http://www.rightweb.irc-online.org/profile/Kirkpatrick_Jeane_1926-
2006>).
167
COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS. Experts. Max Boot (<http://www.cfr.org/experts/israel-democracy-
and-human-rights-iraq/max-boot/b5641>).
150

Best and Brightest da administração Kennedy, teve papel relevante na defesa do envolvimento
dos EUA no Vietnã. McGeorge Bundy faleceu em 1996168.

Nathan Glazer (1924)


Nathan Glazer, Ph. D em sociologia pela Columbia University. Foi professor de
sociologia na Universidade da Califórnia em Berkeley e editor-assistente da revista
Commentary. Seus temas de maior domínio são: imigração, questões raciais, desenvolvimento
urbano e política social. É professor emérito da Graduate School of Education, Harvard
University. Foi também co-editor da revista The Public Interest169.

Norman Podhoretz (1930)


Norman Podhoretz foi editor da revista Commentary no período compreendido entre
1960 e 1995. Foi um dos fundadores do Project for New American Century (PNAC) em 1997.
É autor de inúmeros livros e centenas de artigos para vários periódicos estadunidenses. Suas
áreas de pesquisa e interesse são:política externa, cultura americana, e religião170.

Patrick Buchanan (1938)


Patrick Buchanan foi conselheiro sênior de três presidentes (Richard Nixon, Gerald
Ford e Ronald Reagan), por duas vezes disputou as primárias do partido republicano para
concorrer à presidência dos EUA e foi candidato independente nas eleições presidenciais de
2000. Em 2011, é o presidente da fundação The American Cause e editor da revista The
American Conservative171.

Paul Wolfowitz (1943)


Filiado ao American Enterprise Institute, Paul Wolfowitz é graduado em Matemática
pela Cornell University e Ph.D em Ciência Política pela Universidade de Chicago. Foi
professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de Yale (1971-1973). Em

168
JOHN F. KENNEDY PRESIDENTIAL LIBRARY AND MUSEUM. McGeorge Bundy.
(<http://www.jfklibrary.org/Research/Ready-Reference/Biographies-and-Profiles/McGeorge-Bundy.aspx>).
169
PBS. New York Intellectuals. Arguing the world. Nathan Glazer.
(<http://www.pbs.org/arguing/nyintellectuals_glazer.html>).
170
HUDSON INSTITUTE. Norman Podhoretz.
(<http://www.hudson.org/learn/index.cfm?fuseaction=staff_bio&eid=podhnorm>).
171
PATRICK J. BUCHANAN. Biography (<http://buchanan.org/blog/biography>).
151

seguida foi Special Assistant, Strategic Arms Limitation Talks na Arms Control and
Disarmament Agency (1973-77). Durante a administração Reagan exerceu diversos cargos no
executivo: Assistant Secretary of State for East Asia and Pacific Affairs (1982-86); Director
of Policy Planning (1981-82) e Embaixador na Indonésia (1986-89). Decano e professor de
Relações Internacionais (1994-2001) na School of Advanced International Studies da Johns
Hopkins University. Foi Subsecretário de Defesa (2001-2005) e depois presidente do World
Bank Group (2005-2007). Desde 2008 preside o U.S.-Taiwan Business Council172.

Richard Perle
Mestre em Ciência Política pela Universidade de Princeton é Resident Fellow do
American Enterprise Institute. Foi membro da equipe do Senador Henry “Scoop” Jackson
(1969- 180); Assistant Secretary of Defense for International Security Policy (1981-1987);
Presidente (2001-2003) e membro (1987-2004) do Defense Policy Board do Departamento de
Defesa e; juntamente com David Frum escreveu An End to Evil, publicado nos EUA em
2004173.

Robert Kagan (1958)


Ph.D. em História pela American University, Robert Kagan é associado ao Carnegie
Endowment for International Peace, editor contribuinte da The Weekly Standard, colunista do
Washington Post e co-fundador do Project for a New American Century (PNAC) (STELZER,
2004, p. 312).

Robert McNamara (1916-2009)


Formado em economia e filosofia pela Universidade da Califórnia em Berkeley
(1937), obteve seu título de Mestre na Harvard Graduate School of Business Administration
(1939). Entre 1943 e 1946 serviu às Forças Armadas na Força Aérea (Army Air Forces) e ao
deixar o serviço ativo, naquele mesmo ano, foi contratado como gerente de planejamento e
análise financeira da Ford Motor Company. Fez uma carreira de sucesso na Ford chegando à
presidência da empresa em 9 de novembro 1960, um dia após a eleição de Kennedy como
presidente dos EUA. Cerca de um mês depois, McNamara aceitou o convite do presidente

172
AMERICAN ENTERPRISE INSTITUTE. Scholars & Fellows. Paul Wolfowitz.
(<http://www.aei.org/scholar/126>).
173
AMERICAN ENTERPRISE INSTITUTE. Scholars & Fellows. Richard Perle.
(<http://www.aei.org/scholar/49>).
152

para ser seu Secretário de Defesa, cargo que exerceu até 1968, já na administração Johnson.
Teve papel destacado no fracassado desembarque dos exilados cubanos na Baía dos Porcos
(1961), posteriormente, teve seu momento de maior brilho na crise dos mísseis em Cuba
(1962). Ao deixar o Departamento de Defesa em 1968, McNamara assumiu a direção do
Banco Mundial, cargo que exerceu até 1981. Na década de 1980 e 1990 seus escritos
contribuíram para o debate da política externa estadunidense. McNamara faleceu em julho de
2006, aos 93 anos de idade174.

Walt W. Rostow (1916-2003)


Economista formado por Yale foi escolhido pelo presidente Kennedy para compor sua
equipe de política externa. Assim, Rostow trabalhou diretamente com McGeorge Bundy como
Deputy Special Assistant to the President for National Security Affairs, exercendo esse cargo
até 1966. Posteriormente, assumiu a função McGeorge Bundy sendo o Special Assistant to the
President for National Security Affairs, do presidente Johnson, até 1969. Ao deixar o
governo, Rostow lecionou História Econômica na Universidade do Texas em, Austin. Walt
W. Rostow faleceu em 2003175.

William Kristol (1952)


Ph.D. em Ciência Política pela Harvard University, William Kristol é Editor da The
Weekly Standard, co-fundador e diretor do Project for a New American Century (PNAC). É
professor de Políticas Públicas da John F. Kennedy School of Government, na Universidade
de Harvard (STELZER, 2004, p. 312).

174
USA. U.S. Department Of Defense. Secretaries of Defense. Robert S. McNamara
(<http://www.defense.gov/specials/secdef_histories/>).
175
JOHN F. KENNEDY PRESIDENTIAL LIBRARY AND MUSEUM. Walt W. Rostow.
(<http://www.jfklibrary.org/Research/Ready-Reference/Biographies-and-Profiles/Walt-W-Rostow.aspx>).
APÊNDICE B – Importações de Petróleo dos EUA: 2000- 2009

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Total das Importações (milhões de barris) 3310,9 3.404,7 3.336,1 3.521 3.674,1 3.670,4 3.684,7 3.656,2 3.570,8 3.307,1
Principais Fornecedores (Golfo Pérsico) 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 % em 2003 % em 2009
Iraque 226,3 290,2 167,5 171,4 238,2 189,7 202,0 177,0 229,3 163,7 4,9 4,9
Kuwait 96,0 86,5 78,8 75,0 88,4 78,6 65,2 64,3 75,4 67,6 2,1 2,0
Arábia Saudita 555,9 588,0 554,4 629,2 546,7 524,7 518,7 530,2 551,3 360,9 17,9 10,9
Emirados Árabes Unidos 1,1 7,7 3,7 3,6 1,9 3,1 1,7 3,2 1,4 14,2 0,1 0,4
Total - Golfo Pérsico 879,3 972,4 804,5 879,2 875,2 796,1 787,6 774,8 857,3 606,4 25,0 18,3
Américas, África e Europa 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 % em 2003 % em 2009
Canadá 492,0 494,9 527,4 564,8 589,7 599,7 650,6 680,5 706,9 707,3 16,0 21,4
México 479,2 508,8 547,5 579,9 584,4 565,9 575,1 514,5 433,8 400,2 16,5 12,1
Venezuela 446,4 471,2 438,4 435,5 473,4 449,2 415,7 419,8 381,0 352,3 12,4 10,7
Colômbia 116,1 94,9 85,8 59,4 50,6 57,0 51,6 50,1 65,1 92,7 1,7 2,8
Equador 46 41 37 50 83 101 99 72 78 64 1,4 1,9
Brasil 1,8 4,7 21,2 17,4 18,7 34,5 48,6 61,0 84,4 107,3 0,5 3,2
Nigéria 319,4 307,3 215,0 305,7 388,8 386,9 380,7 394,9 338,0 281,3 8,7 8,5
Angola 107,7 117,2 117,2 131,9 112,0 164,2 187,1 181,2 184,5 163,8 3,7 5,0
Gabão 52,2 51,1 52,2 47,7 52,1 46,5 21,8 22,9 21,3 22,7 1,4 0,7
Noruega 110,2 102,6 127,0 60,0 53,5 43,5 35,9 20,3 10,9 22,3 1,7 0,7
Rússia 2,6 0,0 31,0 54,4 54,7 70,4 39,3 40,8 41,5 84,7 1,5 2,6
Reino Unido 106,2 89,1 147,8 126,5 86,2 80,1 46,7 37,1 27,4 37,9 3,6 1,1
Total – Outras regiões 2.279,4 2.283,1 2.347,0 2.433,5 2.547,4 2.598,4 2.552,5 2.495,2 2.372,8 2.336,0 69,1 70,6
Total 94,1 89,0
Outros fornecedores: Trinidad e Tobago, Indonésia, Líbia, Qatar, Argentina, Austrália, Brunei, Chad, Congo, Guiné Equatorial e Malásia.
Fonte: U.S. CENSUS BUREAU. The 2011 Statistical Abstract. Energy & Utilities: Crude Oil, Petroleum. Crude Oil Imports Into the U.S. by Country of
Origin. Disponível em: <http://www.census.gov/compendia/statab/cats/energy_utilities/crude_oil_petroleum.html>. Acesso em: 25 jun. 2011.

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