Há uma certa dificuldade em definir o que são os estudos de segurança internacional
(ESI), já que esta área é caracterizada por uma grande diversidade de abordagens teóricas e conceituais. Os autores entendem que é importante incluir uma literatura que se identifique como ESI, independentemente da anuência de todas as outras perspectivas de ESI que devem ser incluídas. Os ESI são uma área também ocidental das RI. Antes do advento da Segunda Guerra Mundial, os componentes desta disciplina eram identificados como parte dos estudos da guerra ou geopolítica. A partir dos anos 70, houve certa exigência para maior abrangência do termo “segurança” além do enfoque político-militar. Geralmente se considera seguridade social como parte das discussões sobre riqueza, distribuição de renda ou justiça interna, não segurança em si. Por sua vez, o conceito de segurança, apoiado em formas complementares, paralelas e opositoras, devem ser entendidos por meio de quatro questões: Objeto de referência; Localização das ameaças; Setor de segurança e; Visão da política de segurança. Os ESI surgiram de debates sobre como proteger o Estado e a nação contra ameaças internas e externas após a Segunda Guerra Mundial. A Revolução Francesa foi um evento que mostrou ao Estado que ameaças à segurança podem surgir tanto do interno quando do externo. A constituição desse Estado também pode levar a uma política de segurança que prioriza sua proteção em detrimento dos direitos dos cidadãos. Os ESI são guiados por cinco questões principais: O que é ameaça? Quem é o inimigo? Qual é o objetivo da segurança? Quem é o sujeito da segurança? Qual o papel do Estado na segurança? A epistemologia diz respeito aos princípios e às diretrizes de como o conhecimento pode ser adquirido. Para os Estudos Estratégicos, o Estado é o objeto de referência, onde o uso da força é a preocupação central, bem como ameaças externas, e a política de segurança é o empenho em relação a perigos externos. Concentram-se em dinâmicas militares, como a guerra, proliferação militar, corrida armamentista, tendo abordagem de cunho materialista. Marca-se seu início com o surgimento da bomba atômica. A Escola de Copenhague oferece um contraponto aos Estudos Estratégicos, ao dar maior enfoque à securitização e ao nível regional, defendendo, porém, que a segurança e os meios para preservá-la ou violá-la são atributos estatais. Contribuiu com os conceitos de segurança social (a capacidade de uma sociedade persistir com seu caráter essencial sob condições cambiantes e ameaças possíveis ou reais) e securitização (processo de apresentar uma questão em termos de segurança). Os Estudos Críticos de Segurança enfatizam a segurança comum em detrimento da estatal, semelhante aos Estudos (ou Pesquisa) para Paz. Defendiam que os “indivíduos humanos são a última referência” para a segurança, pois os Estados são fornecedores não confiáveis de segurança. O tradicionalismo foi fortemente afetado pelo término da Guerra Fria, visto que seu enfoque defensivo-militar não estava apto para enfrentar os desafios da época, como os conflitos intraestatais, imigração, epidemias e meio ambiente. O construtivismo convencional explica o conceito estatocêntrico nacionalista e militar por meio de fatores ideacionais, e não materiais, localizando-se dentro de uma “definição tradicional e restrita dos estudos de segurança”. Ainda assim, é uma abordagem ainda focada nos Estados e na segurança militar. O construtivismo crítico defende que sua versão convencional reificava o Estado como objeto de análise, abrangendo privilégios normativos do Estado como o objeto de referência preferível para a segurança. Epistemologicamente, os críticos desafiavam a crescente aceitação do positivismo por parte dos convencionais. A teoria pós-colonial manteve-se mais bem atrelada à realidade do Terceiro Mundo, assemelhando-se à Sociologia Histórica e Construtivismo Crítico. Para esses, a lógica da segurança deveria ser ampliada para além da defesa territorial. O feminismo adota uma abordagem que busca compreender como a segurança dos indivíduos é comprometida pela violência, tanto física quanto estrutural. O pós-estruturalismo crítica como os Estudos Estratégicos adotaram uma concepção estatocêntrica de segurança, desprezando os demais problemas. O desafio mais importante que enfrentaram foi se os Estados realmente precisam de inimigos. Os ESI foram, durante a Guerra Fira, basicamente um estudo das relações soviético- estadunidenses, sendo conduzidos por cinco forças motrizes:
Política das grandes potências;
Mudança tecnológica; Globalização; Mudança na natureza dos conflitos e; Mudança nas normas e ideias.
Além das forças descritas acima, o centrismo norte-americano e as particularidades
dos EUA permanecem conduzindo o estudo da disciplina. Os autores realizam uma análise de como as armas nucleares influenciaram e foram influenciadas pela disputa entre EUA e URSS, incluindo a corrida armamentista e dissuasão nuclear. A política do primeiro com o Terceiro Mundo visava conter a todo custo o avanço do comunismo e usar-se da dissuasão para proteger os aliados. Este período foi marcado pelo abandono definitivo do tradicional isolacionismo nas relações exteriores estadunidenses. A bipolaridade e a corrida armamentista nuclear marcaram o cenário perfeito na Guerra Fria para o surgimento e fortalecimento dos ESI. Neste contexto é que os Estudos Estratégicos surgem para auxiliar os tomadores de decisão. O período em questão foi marcado também pela grande presença de think-tanks, como universidades e periódicos. Por fim, a análise do autor leva a entender que o colapso da URSS e fim da Guerra Fria levou a uma crise existencial nos Estudos Estratégicos, visto que o objetivo destes era gerenciar as relações entre o Leste e o Oeste. O maior desafio aos Estudos Estratégicos era o controle de armamentos e barrar a proliferação de artefatos nucleares. Tais estudos eram questionados pelos Estudos da Paz, que se preocupavam com a cooptação dos debates acadêmicos pelas políticas de segurança nacional. Estes criticavam também a teoria e estratégia de dissuasão. A questão do desarmamento era um dos tópicos mais dinâmicos e conflituosos dentro da área, que era discutida também nas demais escolas. Enquanto o objetivo maior destes estudos era conter o armamento da URSS e do bloco socialista, os Estudos da Paz objetivavam a desmilitarização e desarmamento de ambos os blocos. Assim, a teoria da violência estrutural da Galtung não considerava o meio ambiente em um primeiro plano explícito, mas esta pauta se tornou uma preocupação a partir dos anos 70, com o apaziguamento das relações entre os blocos. Na década seguinte, a primeira escola passou a preferir o uso do termo “segurança” ao invés de “paz”, por ser esta uma palavra muito pretenciosa. As principais ameaças à segurança internacional não vinham de Estados individuais, mas de problemas globais compartilhados por toda a comunidade internacional, como as questões nuclear e ambiental. Com o fim da Guerra Fria, os ESI se viram forçados a reformular seu escopo e posição, já que as ameaças eram outras e as disputas entre as potencias já não mais existiam. Ainda assim, o Estado continuou como principal ator contra a insegurança interna e externa. Ao contrário do previsto por realista e estrategistas, a EU nasceu e a OTAN dobrou seu tamanho, ao invés de ser extinta. Questionava-se qual seria o futuro do Ocidente sem que houvesse um novo superinimigo. O colapso e fim da Guerra Fria colocou em xeque a sobrevivência dos ESI. Diferente dos Estudos Estratégicos, várias alas e escolas da disciplina dinamizaram seu escopo político-militar e expressam ainda notável continuidade e robustez. África e América Latina não foram objetos de estudos nos ESI, dada a baixa relevância que apresentavam ao Ocidente, em momento cujo foco era a ameaça comunista. Até o 11 de setembro, o terrorismo se manteve na literatura de ESI como uma preocupação constante, mas não central, compondo a chamada “nova desordem mundial”. Esta era composta também por literaturas tangentes ao crime transnacional. Os pós-estruturalistas, feministas, pós-colonialistas, construtivistas críticos e a Escola de Copenhague defendiam a visão de segurança como um discurso por meio do qual as identidades e as ameaças são constituídas em vez de serem uma condição objetiva e material. Para estes, a exclusão das mulheres como agentes ativos do discurso ocidental permitiu uma compreensão despolitizada das mulheres e sua omissão dos organismos políticos e legislativos do pós-guerra. A constituição de perfis terroristas é, contudo, intimamente entrelaçada aos discursos políticos sobre insegurança que estão em voga, sendo, portanto, sempre profética, pois procura identificar a ameaça futura e, a partir daí, produzir seu próprio sujeito. Com isso, tem- se que os corpos são potenciais detentores de insegurança. Uma trégua foi declarada entre os Estudos Estratégicos e a Pesquisa da Paz no final da Guerra Fria e, até certo ponto, entre ambos e alguns ampliadores, mas as corrente principais jamais aceitaram “todas” as perspectivas ampliadoras. Em um primeiro momento, após a Segunda Guerra Mundial, o novo conceito de segurança nacional foi pensado para ampliar o raciocínio e distanciá-lo da tradição de guerra e defesa nacionais. Na visão neorrealista, China e os EUA devem, então, tornar-se inimigos, inclusive rivais militares, com o resultado que, dentre outras coisas, a agenda tradicional no contexto dos ESI se reaproxime do cenário central. Durante suas primeira décadas, as pressões da estratégia da Guerra Fria denotavam que os ESI eram altamente forçados para a conjuntura de setor militar e, consequentemente, não desenvolviam nada que chegasse perto do estilo completo de potencial do tema central da segurança, que era seu conceito construção.
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