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A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE SEGURANÇA E SUA INSERÇÃO NAS

RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Mayane Bento Silva1


Thainá Penha Baima Viana Nunes2
Tienay Picanço Costa da Silva3

RESUMO

A definição de segurança ficou consagrada nos estudos realistas e


permaneceu como um conceito acertado, até a proliferação de interpretações
divergentes a partir das décadas de 1980, quando se iniciou o debate
epistemológico em Relações Internacionais, suscitando críticas à inadequada
atenção empregada aos possíveis significados de segurança. Assim sendo, o
escopo deste artigo compromete-se com uma análise da evolução do conceito
de segurança como forma de superar o reducionismo anacrónico e a histórico
realista que negligenciou a trajectória do termo. Para tanto, a primeira parte
deste artigo se encarrega em descrever a história do conceito de Segurança; a
segunda revisa a relação entre o conceito de segurança e as Relações
Internacionais; na terceira parte aborda-se a ampliação da agenda dos estudos
de Segurança, visitando conceitos formulados pela Escola de Copenhague e
pela Escola Galesa de Segurança.

Conclui-se que a evolução do conceito de segurança foi de uma condição do


indivíduo a uma condição da comunidade internacional, porém, os novos
estudos de segurança resgatam o indivíduo como seu objecto referencial.

Palavras-chave: Segurança Internacional. Escola de Copenhague. Escola


Galesa de Segurança.

INTRODUÇÃO

Os estudos de segurança foram importantes para o campo das Relações


Internacionais desde o princípio. Estudar segurança era, indirectamente, a real
intenção da criação da disciplina, assim como da sua evolução. Por isso, se
mostra essencial compreender a essência do conceito de segurança e como tal
conceito se inseriu ao decorrer da história das Relações Internacionais, até
chegar no debate crítico semeado na área nos dias actuais.

Mesmo que de forma cautelosa quanto ao risco de exclusões, é essencial


problematizar o conceito de segurança, assim como analisar sua evolução
como crítica à Escola Realista das Relações Internacionais, que negligenciou a
trajectória do termo, elevando as escolas Crítica e Construtivista representadas
aqui pela Escola de Copenhague e pela Escola Galesa de Segurança.
Assim, na primeira parte deste artigo se aborda a história do conceito de
segurança com o fim de compreender de forma mais profunda a sua evolução;
posteriormente, defende-se a relevância da segurança para a disciplina de
Relações Internacionais, provando a sua inserção em seus marcos teóricos; na
terceira parte expõe-se a discussão da segurança segundo a Escola de
Copenhague e a Escola Galesa de segurança para provar a importância da
ampliação da agenda da segurança e sua inserção nas Relações
Internacionais.

Por fim, conclui-se que a ampliação do conceito e sua apropriação à figura do


Estado a partir do século XVII promoveu a antropomorfização da ideia de
segurança, que deixou de ser uma condição essencialmente do indivíduo e
passou a ser entendida como a sobrevivência do Estado. Os novos estudos de
segurança, por sua vez, visam fazer o resgate do indivíduo como objecto
referencial de segurança.

1 A HISTÓRIA DO CONCEITO DE SEGURANÇA

A abordagem histórica do conceito de segurança parte dos apontamentos da


sua origem até o âmbito de articulação com a política nacional e com as
Relações Internacionais (RI), entendendo que o conceito remonta períodos
anteriores ao século XX.

A partir do primeiro século Antes de Cristo, iniciaram-se as forças que


caracterizaram a segurança como um conceito nem sempre positivo, o que se
estendeu mesmo depois do Período Romano (MCSWEENEY, 1999). Mais
tarde, durante o Período Medieval, a segurança assumiu, preponderantemente
uma conotação negativa, o que se modifica apenas com Lutero e Calvino,
especialmente com advento do Certitudo. Apesar do sentido negativo ser
predominante, isso não significou a definição do conceito, sendo este apenas
um dos sentidos comportados pelo termo na época (WÆVER, 2004).

Na fase de transição do período medieval para o absolutismo coube o


questionamento: segurança para quem? A história pré-moderna demonstra
como este conceito tinha como objecto de referência o indivíduo, o que
paulatinamente se modificou com o nascimento dos Estados modernos, que
passam a assumir papel central para a segurança, aproximando-se do conceito
contemporâneo.

Para Hobbes, a segurança estava para o indivíduo, apesar de o Estado ter de


garantir ao mesmo direito de auto-preservação (WÆVER, 2004); Montesquieu,
por sua vez, entendia que a segurança se associava à liberdade política;
enquanto Adam Smith compreendia segurança na perspectiva de um ataque
violento à pessoa ou sua propriedade (MCSWEENEY, 1999).

Compreende-se, na perspectiva destes teóricos, que aos poucos a segurança


emergiu à uma noção comum e social, “mas o que o Estado deve fazer para
garantir tal liberdade para o indivíduo não é ‘segurança’, mas a defesa: ‘o
primeiro dever do soberano, o de proteger a sociedade da violência e invasão
de outras sociedades independentes’” (tradução nossa) (MCSWEENEY, 1999,
p. 18).

Esta já evidente transição do objecto referencial de segurança intensifica-se de


uma maneira ainda mais significativa a partir do século XVII. A próxima
ramificação relevante do termo está na ideia de segurança como objecto, como
argumenta McSweeney (1999) quando afirma ser possível identificar que
também o modo de produção capitalista passou a influenciar o substantivo
‘segurança’, passando a relacionar-se a objectos (terras, propriedades,
dinheiro), enquanto as fortificações e armas militares do Estado eram tidas
como meios pelos quais o objecto é protegido, para então proteger o indivíduo.

Até a Revolução Francesa, perdura a ideia do Estado como meio de


segurança, derivada da persistente visão crítica das propostas revolucionárias,
em especial do francês Condorcet, principal expoente da nova Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 1793, onde confere ao cidadão, sua
propriedade e seus direitos a finalidade da segurança em sociedade.
(AMARAL, 2008).

Até então, o conceito de segurança manteve-se em constante ampliação


polissémica. O termo que outrora origina-se da ideia de ausência estende-se à
ideia de certeza e até mesmo descuido. A segurança, todavia, mantinha-se
como atributo do indivíduo. Porém, com as aglomerações sociais do
absolutismo, este atributo amplia-se para a segurança da sociedade,
segurança comum que deveria ser garantida mediante acções de defesa do
Estado.

Ocorre que com advento das guerras revolucionárias e Napoleónicas na


Europa, a ideia de segurança colectiva começa, ainda que timidamente, a
sobrepor a ideia de segurança individual: “se em Condorcet a segurança
individual é requisito a segurança da comunidade política, agora a segurança
do Estado passaria a ser condição sine qua non para que se garantisse a
segurança individual” (AMARAL, 2008, p. 52). É neste período, portanto, que a
segurança da nação passa a tornar-se condição central para a segurança do
indivíduo.

A segurança como um processo político colectivo, que por sua vez concebe a
sociedade como monolítica e indivisível, é o raciocínio central para
antropomorfização do Estado, equiparando-o a atributos antes exclusivamente
individuais. Dessa operação decorre a noção de que “a segurança nacional
(individual) dos Estados (homens) deva ser obtida por meio de processos
coletivos (internacionais)” (AMARAL, 2008, p. 53). A partir deste contexto
proeminente do século XIX, as bases do uso extensivo do conceito de
segurança nacional são lançadas, cabendo aos indivíduos muitas vezes se
sacrificarem e até mesmo abdicarem de seus direitos em prol da segurança do
Estado-nação. Esse movimento torna-se ainda mais evidente com o
nascimento da geopolítica no século XIX e com o advento das teorias
expansionistas e deterministas.
Autores como Kant e acções como a defesa do equilíbrio de poder como forma
de garantir a estabilidade no século XIX, estruturado a partir do congresso de
Viena (1815), corroboram com a relação coordenada da segurança nacional
por meio de processos colectivos internacionais (AMARAL, 2008). Todavia,
como a primeira metade do concerto Europeu no decorrer do século XIX foi
marcada pela busca de consolidação interna dos Estados, manteve-se a ideia
de segurança associada mais a “paz doméstica” que propriamente aos
assuntos internacionais.

Com a crescente interacção entre as potências coloniais e o acirramento das


disputas com as nações recém-unificadas, organizava-se o palco para a
eclosão da Primeira Guerra Mundial e a consolidação da segurança no âmbito
das RI.

Após o conflito, a segurança colectiva que marcou o período entre guerras no


século XX foi uma importante ideia para a consolidação do termo segurança à
centralidade do pensamento internacional. A retórica da segurança passou a
ser utilizada pelas potências vencedoras da Primeira Guerra, especialmente
Grã-Bretanha e França, como forma de embaçar a distinção entre o nacional e
o internacional. Neste entremear, a segurança, servindo ao nível colectivo de
manutenção do status quo – antirrevisionista e pacífico – acabaria por acarretar
a garantia dos interesses de segurança nacional (WÆVER, 2004).

Paulatinamente, os departamentos de guerra transformaram-se em


departamentos de defesa, em função das alterações dos tempos de paz. Em
seguida, passam a denominar-se departamentos de segurança, directamente
vinculados aos interesses nacionais (MCSWEENEY, 1999). Essa modificação
terminológica foi essencial para manutenção de esforços militares duradouras e
para as mobilizações civis-militares que demandaria a Segunda Guerra
Mundial (SGM).

Neste momento, o projecto de segurança colectiva defendido pelo presidente


estadunidense Woodrow Wilson e materializado na Liga das Nações, visando
a coexistência entre vencedores e potenciais agressores, era minado pela
eclosão da SGM e diante deste abalo de credibilidade reforça-se a retórica de
segurança nacional (AMARAL, 2008).

Conforme argumenta Wæver (2004, p. 56) “‘segurança colectiva’ tornou-se um


slogan e uma abordagem; ‘segurança nacional’ foi estabelecida, tirando
significado da já estabelecida ‘segurança colectiva’” (tradução nossa).
Logo, a derrocada do prisma liberal da segurança colectiva contribuiu para
trazer à tona a ideia de segurança nacional e a proeminência realista na recém-
estruturada ciência das Relações Internacionais.

Ao longo e após a SGM, o conceito de segurança nacional se enraizou nos


Estados Unidos e se propagou por todo o mundo, estreitando as relações entre
as instituições agora relevantes para lidar com as vulnerabilidades e
inseguranças presentes e vindouras. Em seguida, se inicia o período da Guerra
Fria representando um mundo hostil, no qual a única opção racional parecia ser
uma política externa voltada para o temor da sobrevivência física. A
sobrevivência do indivíduo tornou-se definitivamente vinculada à sobrevivência
da nação, com altos preços a se pagar na ausência de alternativas
(MCSWEENEY, 1999).

A difusão da doutrina do primado do Estado, propagada ao longo da Guerra


Fria no ocidente, tornou-se parasita dos cidadãos que acreditavam em sua
própria primazia como sujeito de segurança. Os Estados apropriam-se
definitivamente da capacidade de “cura” e operacionalizaram seus projectos de
segurança mediante as agências nacionais e seu corpo teórico, consolidando a
partir de então a inversão semântica iniciada com o fim das Guerras
Napoleónicas (AMARAL, 2008).

A crise dos Mísseis em Cuba, em 1962, acirra drasticamente as relações entre


Estados Unidos da América (EUA) e União da Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS). É neste contexto que o termo “Segurança Internacional”
incorpora-se aos discursos correntes e tornasse cada vez mais difundido a
medida que se caminha em direcção as tenções da détence (AMARAL, 2008).

Destarte, a segurança internacional não nega ou substitui a segurança


nacional, antes, ela determina que não há como pensar em segurança nacional
sem a incursão em assuntos internacionais. Ainda neste período, o conceito de
segurança não era problematizado e a posição central assumida pelo Estado
nos assuntos de segurança mantinha-se sem contestação. A partir da década
de 1980, a segurança técnico-militar da Guerra Fria passa a ser questionada
em sua eficiência, principalmente em decorrência das investidas das grandes
potências no Vietnam e no Afeganistão (AMARAL, 2008).

O abalo da centralidade estratégico-militar nos estudos de segurança torna-se


mais significativo com as políticas de desarmamento de Gorbatchev, a
consolidação de uma comunidade de segurança entre as potências do ocidente
e o Japão e por fim, como a estabilização das relações Leste-Oeste em função
da desintegração da União Soviética (AMARAL, 2008).

Após esses eventos de transformação histórica, muitos contestadores da visão


convencional dos estudos tradicionais de segurança passaram a contribuir para
a diversificação na percepção das ameaças e ampliação da agenda, com vistas
a reposicionar o indivíduo como objecto referente dos estudos de segurança.

2 A RELAÇÃO ENTRE O CONCEITO DE SEGURANÇA E AS RELAÇÕES


INTERNACIONAIS

O fim da Primeira Guerra Mundial foi a principal motivação para os estudos


pioneiros em Relações internacionais, apesar das reflexões sobre as relações
entre diferentes comunidades políticas remontarem a antiguidade. De imediato,
“o surgimento do campo foi marcado pelo idealismo político” (JATOBÁ, 2013,
p.8), porém, ao longo das décadas de 1920 e 1930 o tema da política
internacional contrastou internacionalistas liberais e realistas políticos,
estabelecendo o primeiro grande debate teórico, que perdurou até o final da
Segunda Guerra Mundial. Paralelo a este debate, o fracasso dos mecanismos
colectivos de segurança idealizados pelos liberais e instaurados após a
Primeira Grande Guerra, frente a eclosão da SGM, foram factores garantidores
da supremacia realista sobre a disciplina de RI (JATOBÁ, 2013).

Sob este prisma teórico e de modo colateral aos esforços de paz, avançou-se
no entendimento de que “pensar as Relações Internacionais implicava pensar a
Guerra. Pensar a Guerra era pensar a violência. E pensar a violência nos
levaria a pensar a segurança” (AMARAL, 2008, p. 37-38). Nesse paralelo, as
sistematizações das Relações Internacionais confundiam-se com a subárea
dos estudos de segurança, uma vez que a ortodoxia realista, de viés
pragmático, passou a influenciar significativos conceitos-chave e visões de
mundo a partir da sua centralidade na disciplina.

A segurança ficou consagrada nos estudos realistas como a “ausência de


ameaças militares de origem externa à sobrevivência ou à soberania do
Estado-nação em um sistema internacional anárquico” (AMARAL, 2008, p. 36),
e durante a maior parte do período que compreendeu a Guerra Fria, o conceito
de segurança permaneceu como acertado até a proliferação de interpretações
divergentes a partir das décadas de 1980, quando se iniciou o debate
epistemológico em RI, suscitando críticas à inadequada atenção empregada
aos possíveis significados de segurança.

O realismo surge nas Relações Internacionais como uma vertente crítica ao


liberalismo do entre guerras que em sua fórmula idealista “recomendava a
adopção de um sistema de segurança colectiva, baseado na redução do poder
militar dos Estados, propondo uma estrutura militar alternativa conjunta, na qual
estaria representada toda a comunidade internacional” (VILLA; REIS, 2006,
p.24).

Dentre as variadas formulações realistas em RI, é possível identificar algumas


influências comuns nesta doutrina, derivadas do realismo político de Sun Tzu,
Tucidides, Tito Lívio, Maquiavel, Richelieu e Hobbes. Jatobá (2013)
também resgata importantes influências em Clausewitz e Kautilya.

A proeminência das premissas realistas no constructo teórico de RI consolidou-


se na medida em que realismo clássico foi sendo sistematizado por
importantes teóricos a partir das duas grandes Guerras Mundiais. A crítica
seminal de Carr (2001) à ausência do factor poder nas concepções liberais foi
essencial para a afirmação do realismo político como uma importante
perspectiva da nova disciplina de Relações Internacionais, mesmo não
representando até então uma sistematização teórica.

O objectivo explícito de criar uma teoria realista da política internacional se


materializa a partir de Morgenthau (2003), sendo poder e interesse nacional
suas variáveis determinantes.

Baseado na premissa de que a tendência a dominar é um componente de toda


associação humana, o teórico argumenta que a luta pelo poder na política
internacional não é um acidente histórico. Não haveria, portanto, nenhuma
distinção significativa entre a política interna e internacional, apenas distintas
condições de disputa, posto que, enquanto no ambiente doméstico existem
normas e leis, o âmbito internacional é anárquico, sendo a luta pelo poder
permeada nas instituições e expressa nas acções egoístas e individualistas dos
Estados.

Sendo o interesse a força motriz da acção soberana, o equilíbrio de poder se


torna o mecanismo mais importante, logo, a força armada se torna o mais
significante factor material de uma nação por ter um grande peso no jogo
antagónico entre potências. Isso, em conjunto com a táctica de dividir para
conquistar mais a garantia de compensações e alianças, conformam a
estratégia da balança de poder. Assim, os Estados são compreendidos como
actores racionais que, em decorrência da natureza humana, agem de modo a
maximizar seus interesses em um sistema internacional anárquico através do
equilíbrio de poder.

Observa-se, a partir de então, que das premissas realistas emana uma


ontologia individualista, materialista, fundamentada na ideia de natureza
humana a na escolha racional, que concebe a força material como
determinantes para uma política externa bem-sucedida (WENDT, 2014).

Dentre tantos outros importantes expoentes do realismo clássico, Aron (1986),


divergindo com Morgenthau, entende que existe uma significativa diferenciação
entre as relações políticas domésticas e internacionais, o que por sua vez não
descredencia a premissa realista de que o objectivo de toda unidade política é
a sobrevivência. O teórico francês também corrobora com a expressa
centralidade do Estado nos assuntos de segurança, posto que em sua
perspectiva ontológica, no centro das relações internacionais estariam as
relações inter-estatais (JATOBÁ, 2013; VILLA; REIS, 2006). Outro conceito
fundamental do pensamento realista em matéria de segurança internacional é o
dilema de segurança de Herz (1950), apresentado como condição de qualquer
sociedade anárquico, regido por um constrangimento social (JATOBÁ, 2013).
Waltz (1979), por sua vez, reformula a sistematização do pensamento realista
como resposta aos embates com as correntes behavioristas de RI,
preconizando uma análise sistémica da política internacional, em um
movimento ontológico que busca transitar do individualismo para o holismo,
mas ainda mantêm a forte influência do materialismo.

Assim, Waltz (1979) explica as regularidades e leis da política internacional


abstraindo de sua investigação as características associadas às dinâmicas
internas das unidades para que a análise pudesse acontecer a nível sistémico.
O teórico propõe que a estrutura é caracterizada em sua organização como
anárquica e descentralizada, não sendo as unidades formalmente
diferenciadas em termos de funções, mas em termos da distribuição das
amplitudes de suas capacidades (JATOBÁ, 2013).

Neste sistema anárquico apresentado por Waltz, os Estados preocupados com


sua segurança teriam duas escolhas: aumentar o próprio poder (mecanismo de
auto-ajuda) ou estabelecer alianças para compensar o poder de outros Estados
(balança de poder). Esta interpretação da segurança garantiu ao teórico a
classificação como realista defensivo, com base em sua teoria que prediz um
padrão de comportamento reactivo aos constrangimentos da estrutura (VILLA;
REIS, 2006).

Nos debates internos da teoria, o realismo ofensivo surge como corrente


divergente da noção defensiva de Waltz (1979). Para o realismo ofensivo de
Mearsheimer, seu principal expoente, a condição da anarquia teria o efeito
inverso, ou seja, encorajaria os Estados à uma posição revisionista, ofensiva,
muito mais que buscar manter a balança de poder. Somente em raros casos
existiriam potências interessadas em manter o status quo, a exemplo da
própria condição hegemónica. Outro crítico de Waltz foi o também realista
Robert Gilpin, que defendia que os Estados agem muito mais orientados por
lógica situacional que posicional (defensiva) (VILLA; REIS, 2006).

É reconhecido, porém, que nenhuma outra obra causou tanto impacto na


disciplina quanto a proposta por Waltz, suscitando também críticas de outras
vertentes teóricas, o que a partir da ascensão do neoliberalismo, veio a
conformar o terceiro debate em RI (JATOBÁ, 2013). A corrente neoliberal, por
sua vez, agrupa na realidade uma série de posicionamentos teóricos desde a
teoria da interdependência complexa de Robert Keohane e Joseph Nye.

Esta corrente, reformuladora do liberalismo do Entre Guerras, converge tanto


com a epistemologia positivista, como com a análise racionalista de Waltz.
Porém, os neoliberais posicionavam-se contrários à noção de que a
preocupação fundamental dos Estados eram os ganhos relativos. Buscaram
mostrar que a cooperação era possível mesmo entre atores racionais e
egoístas e a construção de regimes internacionais servia como ferramenta
contra os recalcitrantes (VILLA; REIS, 2006). Mais recentemente, Judith
Goldstein e Keohane passaram também a considerar que “as ideias importam”
como variáveis, mesmo que moderadoras, no cenário internacional. Contudo,
distintos do construtivismo, não chegaram a considerar o poder e o interesse
como efeito das ideias (WENDT, 2014; JATOBÁ, 2013).

No debate neo-neo, não foram superadas as questões da relação agente-


estrutura. O debate concentrou-se essencialmente entre uma visão materialista
neo-realista, que logrou significativa convergência dos neoliberais que, por sua
vez, buscavam ressaltar a importância das ideias e das instituições como uma
explicação alternativa à distribuição de poder. Ambas correntes permaneceram
enraizadas em forte ontologia individualista (WENDT, 2014).

Em referência ao diálogo teórico de Ashley e Ruggie, Wendt (2014, p. 32)


argumenta que “apesar de Waltz reconhecer o estruturalismo, ele é
fundamentalmente um individualista”, e isso se manifesta mais claramente em
sua confiança na analogia com a teoria económica neoclássica”.

Este posicionamento de Wendt (2014) não é unânime. O autor elenca teóricos


como Walker (1987), Buzan, Jones e Little (1993) que apesar de cientes da
forte presença das analogias com a economia neoclássica, ainda consideram a
teoria de Waltz como estruturalista, o que acabou por influenciar Wendt (2014)
a denominar tal estruturalismo de misto pelo seu forte teor individualista.

Maior consenso é encontrado na crítica de que o descaso de Waltz com a


interacção internacional criou um limbo teórico negligenciado pelos neo-
realistas, ou mesmo quanto a incapacidade do neo-realismo em explicar uma
mudança estrutural (WENDT, 2014). De maneira mais precisa, Waltz considera
a possibilidade de mudança de sistema quando o princípio ordenador é
modificado. Porém, sendo a anarquia considerada uma constante, passou a
considerar essencialmente as mudanças dentro do sistema, derivadas das
distribuições das capacidades, o que corresponde as condições de
unipolaridade, bipolaridade e multipolaridade (JATOBÁ, 2013).

Diante disto, a ampliação dos estudos de segurança, em conformidade com a


ampliação sociológica das Relações Internacionais de modo geral, visa superar
esse posicionamento restrito e dominante das teorias realistas diante da
multiplicação do número de actores interagindo no sistema internacional pós-
Guerra Fria e da intensificação das dinâmicas económicas, sociais, ambientais
e políticas.

Certamente, os estudos de novas unidades de análise tornam-se cada vez


mais importantes. Porém, isso não significa o abandono das teorias sistémicas,
que superadas as limitações do debate neo-neo, devem contribuir para os
desafios crescentes em RI.

3 A AMPLIAÇÃO DA AGENDA DOS ESTUDOS DE SEGURANÇA

O quarto debate no campo das Relações Internacionais situou-se no contexto


Pós-Guerra Fria, mas resultou de críticas que se desenvolviam antes deste
momento. A natureza das RI entrou em questão, o que representou uma
expansão filosófica do nível de abstracção da disciplina em função do
predomínio de questões metateóricas. As críticas ao pensamento mainstream
foram de diversas ordens e originaram-se de diversas abordagens,
denominadas pela literatura de pós-positivistas, com destaque para a Teoria
Crítica, Construtivismo Social,

Pós-modernismo, Pós-estruturalismo, as perspectivas de género e o Pós-


colonialismo, conformando o que se convencionou chamar de teorias críticas
de RI (JATOBÁ, 2013).

3.1 A Escola de Copenhague

O Copenhagen Peace Research Institute (COPRI), fundado em 1985, sob a


direção de Håkan Wiberg, conectou uma variedade de orientações e interesses
ao campo da Relações Internacionais, o que destaca uma tentativa híbrida, não
necessariamente pós-positivista, de responder aos novos desafios com vistas a
impulsionar a mudança para além dos estudos tradicionalistas de segurança e
paz (GUZZINI; JUNG, 2004).
No que tange a segurança internacional, o grupo assumiu o objectivo de
influenciar o mainstream das RI, analisando o conceito de segurança,
desenvolvendo-o e reinserindo-o nas análises atuais. Também rompeu com a
lógica objectivista de segurança ao mesmo tempo que evitou reduzir o conceito
a uma lógica subjectiva arbitrária. A segurança passou a ser disseminada como
um fenómeno intersubjectivo, cujo objecto de referência não se concentra mais
exclusivamente no Estado, mas também na sociedade que representa a
sustentação da soberania e identidade estatal (GUZZINI; JUNG, 2004).

Apresentando um recorte social-construtivista, Buzan, Wæver e Wilde (1998)


condensaram os principais conceitos e proposições da Escola de Copenhague,
dentre os quais, a concepção de segurança como uma condição emergencial
que demanda o uso de qualquer meio para bloquear uma possível ameaça.

Uma questão de segurança internacional emerge em função de uma ameaça


existencial para determinado objecto, comummente o Estado e seus
componentes sociais e territoriais. A identificação desta ameaça justifica a
adopção de medidas extraordinárias, legitimando o uso da força e abrindo
espaço para maior concentração de poder no Estado para lidar com a ameaça.

Buzan, Wæver e Wilde (1998) propõem que a ameaça existencial só pode ser
compreendida em relação ao objecto de referência, que varia de acordo com o
nível de análise e de acordo com os sectores considerados, demandando uma
investigação da natureza da ameaça existencial.

No sector militar, o objecto de referência é normalmente o Estado, podendo ser


também alguma entidade política; no sector político, a ameaça existencial é
definida em termos de soberania e muitas vezes também de ideologia; no
sector social, o objecto referencial é em larga escala a identidade colectiva, que
pode existir de modo distinto e paralelo ao Estado; no sector ambiental, o
objecto referencial sob ameaça é demasiadamente amplo, envolvendo desde
espécies ameaçadas até certos habitantes, incorrendo desde uma mínima até
uma ampla escala, como a questão das mudanças climáticas globais; por fim,
no sector económico empresas são comummente tidas como objectos
referenciais, assim como a economia nacional e o mercado global assumem
um grande potencial de sê-lo (BUZAN; WÆVER; WILDE, 1998).

Ainda no que concerne ao entendimento da segurança, para os autores, ela é


entendida como um movimento que leva a política para além das regras
estabelecidas, criando um certo tipo especial de política. A securitização, por
sua vez, é um caso extremo de politização. Os assuntos podem transitar da
não politização, até a politização ou mesmo ao extremo da securitização a
depender dos atores, local e momento. Todavia, não apenas o Estado pode ser
um agente securitizador, este movimento pode se originar em outras entidades
sociais.

Serve à compreensão de que a segurança é usada como ferramenta para


designar uma questão como mais importante que outras e essa elevação à
prioridade absoluta é a razão pela qual a questão de segurança aparenta ter
critérios tão exigentes. O critério usado por Buzan, Weaver e Wilde (1998) para
definir a securitização assume que a mesma é constituída de um processo
intersubjectivo de estabelecimento de ameaça existencial. Se o actor consegue
fazer com que a audiência ou o público em geral tolere as violações de regras
em prol de esforços contra essa ameaça existencial, o que pode ser estudado
pelos discursos e constelações políticas, estamos diante de um caso concreto
de securitização.

Importante frisar que um discurso que elege uma ameaça existencial não é
uma securitização em si mesmo, mas sim um movimento de securitização.
Apenas se a população aceitar o discurso, e aceitar não significa ausência de
coerção ou dominação, é que se considerará um caso de securitização bem-
sucedido. Os componentes da securitização são apresentados como: ameaça
existencial, acções de emergências e efeito na interacção das unidades, agora
libertas das regras normais (BUZAN; WÆVER; WILDE, 1998).

Em cada um dos sectores, o processo de securitização pode ser empreendido,


assim como nos mais diversos níveis de análise, desde uma relação familiar,
até em uma ralação entre Estados. Importante frisar que além do objecto
referencial e do agente securitizador, existem também os atores funcionais que
afectam as dinâmicas de determinado sector em função de sua significativa
influência no campo da segurança (BUZAN; WÆVER; WILDE, 1998).

Esclarecida a dinâmica de securitização, uma advertência dos autores refere-


se em não considerar cada um dos sectores como sistemas fechados. Um
problema que aparentemente apresenta-se como referente ao poder militar,
pode originar-se em medos relacionados a outros sectores, logo, estes se
relacionam através de ligações cruzadas, demandando a atenção para
percepção destes cruzamentos em casos de securitização.

Buzan, Wæver e Wilde (1998) também abordam a teoria dos complexos


regionais de segurança que, dentre suas contribuições, visa demonstrar a
intensificação e a relevância das interacções a nível sub-regional no mundo
pós-Guerra Fria. A ênfase é atribuída a esse nível sem negligenciar a
importância da análise da segurança em outros níveis, principalmente quando
capazes de gerar impactos significativos na realidade internacional.

Assim, a própria ideia de segurança, que passou por um processo de


objectivação e concentração na figura do Estado, foi repensada a partir da
pertinência de diferentes níveis de análise, ou seja, para além dos tradicionais
níveis doméstico e internacional, representando uma ampliação também dos
níveis de investigação de segurança.
____________________________________________________________
4 Quando uma questão ou tema, é apresentado como uma ameaça existencial, o que requer a adopção de medidas
emergenciais, fora ou acima dos padrões políticos normais.
5 Quando um assunto público é alocado no espectro não politizado, significa que o Estado ainda inapto a lidar com a
questão não a leva em consideração nas tomadas de decisão e debates públicos; quando o tema é alocado no
espectro politizado, representa que faz parte do debate público, demandando decisões e recursos governamentais, e
em alguns casos uma governança comum.
Um aspecto individual de segurança foi abordado por Buzan (1983), a partir do
que ele denomina ameaças sociais: "aqueles que surgem do fato de que as
pessoas se encontram inseridas em um ambiente humano com consequências
sociais, económicas e políticas inevitáveis " (tradução nossa) (BUZAN, 1983, p.
19). A ameaça social se apresenta de diversas formas, das quais, quatro são
mais óbvias: ameaça física, ameaça à garantia de direitos, ameaça económica
e ameaça à posição ou status. São nessas áreas que o autor busca fazer o link
entre o nível do indivíduo e do Estado.

A partir de então, o autor questiona: como balancear a liberdade de acção dos


indivíduos contra a ameaça que essa liberdade impõe aos outros? A imagem
do Estado de natureza em Hobbes e Locke expressa esse dilema quando
refere-se a um tipo de total liberdade e anarquia na interacção entre indivíduos:
"se a Liberdade é requerida, a insegurança deve ser aceita" (tradução nossa)
(BUZAN, 1983, p. 20).

Todavia, enquanto para Hobbes o Estado surge para defesa contra invasores e
para impedir as ofensas entre indivíduos, Locke acrescenta que o Estado é o
mecanismo que os indivíduos encontraram para garantir certo nível de
segurança contra as ameaças sociais (BUZAN, 1983). O paradoxo está em
quando o Estado torna-se uma fonte de ameaça. Mas afinal, se o Estado é
uma fonte de ameaça, isso não mina a justificativa de sua existência?

Assim, as ameaças que emanam directa e indirectamente do Estado e afectam


a vida pessoal dos indivíduos são agrupadas em quatro categorias gerais: (I)
através de leis domésticas e coacção; (II) através da acção política directa do
Estado contra grupos e indivíduos; (III) mediante disputa pelo controle da
máquina estatal e; (IV) das políticas de segurança externa do Estado.

Estas proposições de Buzan (1983) visam demonstrar que não existe harmonia
entre a segurança individual e a segurança do Estado e o próprio processo
Estatal de promover certa segurança individual só pode ser feito com a
imposição de certas ameaças.

A segurança, portanto, precisa ser pensada a nível individual e subestatal,


principalmente quando certos grupos ou localidades geográficas, diante da
instável relação com o Estado, encontram na articulação em nível transnacional
uma forma de emancipação em relação a estas ameaças sociais.

3.2 A Escola Galesa de Segurança

A ampliação do debate crítico sobre segurança conta com as proposições


teóricas de Ken Booth e Richard Wyn Jones, denominados por Weaver de
Welsh School ou Escola Galesa de Segurança (AZEVEDO, 2009). Foi
imputada à Escola Galesa o termo Crítico devido ao esforço dos autores em
trazer ao campo da segurança internacional os insights da Escola de Frankfurt,
a crítica gramsciana de Robert Cox e a retomada de clássicos como Karl Marx
e Immanuel Kant.

A contribuição dos autores ao campo da segurança antecede a formação da


escola em meados dos anos 1990. Booth (1991) referenciou as contribuições
de Buzan (1983) atento as mudanças na conjuntura internacional ao discorrer
sobre o factor de milhões de pessoas no mundo terem na figura do seus
próprios Estados sua principal ameaça, assim como a propensão de muitos
governos de sofrerem atentados de suas próprias forças armadas

Tomando o Líbano e Caxemira como exemplos, Booth (1991, p. 319)


asseverou que: “a repressão dos direitos humanos, a rivalidade étnica e
religiosa, o colapso económico e assim por diante podem criar uma
instabilidade perigosa no nível doméstico que, por sua vez, pode exacerbar as
tensões que levam à violência, refugiados e possivelmente conflitos entre
Estados” (tradução nossa).

Para Booth (1991) existe uma relação inversamente proporcional entre guerras
e democracia, liberdade e justiça social, dado que as minorias ricas do mundo
que disfrutam de justiça social parecem não lutarem entre si. Até mesmo os
pensadores mais conservadores parecem estar aceitando a relação, mesmo
que minimamente, entre ordem mundial e justiça social.

Booth (2007) também compartilha da visão de Waever (2004) em sua teoria da


securitização, de que nomear algo em termo de segurança conforma um tipo
especial de actividade comunicativa com efeitos significativos ao ouvinte, o que
derivada da noção de speech act concebida pelo filósofo J. L. Austin, como
palavras “performativas”, entendidas não apenas como declarações, mas como
tipos de acção. Todavia, existe uma sútil distinção entre Waever (2004) e Booth
(2007) quanto ao teor de uma questão de segurança.

Para Booth (2007), uma questão de segurança assume uma relação particular
com “ameaças existenciais” e “medidas extraordinárias”, que quando levadas a
situações extremas podem vir a conformar uma situação de securitização.
Todavia, para o autor, segurança assume uma conotação positiva,
principalmente quando o autor defende que nomear algo como segurança é
atribuir a isso um significado político. Segurança como um discurso político
estaria, portanto, associada a prioridades. Assim, a adopção de tempo, energia
e recursos em prol da solução de um problema, não necessariamente a acção
para além das regras políticas normais, representaria um caso de
securitização. Uma vez atribuído o rótulo de segurança a um problema, este se
converte em prioridade social, tornando-se necessário redefinir a concepção
conservadora de segurança.

O autor também defende um posicionamento crítico quanto a proposição da


Escola de Copenhague no que diz respeito a dessecuritização como uma
resposta pronta aos casos de securitização, no que concerne ao resgate das
práticas políticas normais. Para Booth (2007), é de concordância geral que a
securitização desnecessária é deplorável, todavia existem casos em que a
audiência precisa ser acordada e até mesmo criada, visto que enquanto a
segurança apresenta-se como um speech act, a insegurança é uma boca
fechada.

A operacionalização dos estudos críticos de segurança com objectivo de


desafiar a visão conservadora de segurança, sustenta-se em dois conceitos
principais: aprofundar (deeping) e ampliar (broadening) os estudos de
segurança. Destarte, “a segurança é concebida compreensivamente,
englobando teorias e práticas em múltiplos níveis da sociedade, desde o
individual até toda a espécie humana”(tradução nossa) (BOOTH, 2004, p. 15).

Um importante esclarecimento feito pelo autor defende que deeping considera


a segurança como um assunto de teoria política, levando em consideração os
assuntos estratégicos militares, sem se limitar a eles ou tomando-os como fins
em si mesmo, integrando os níveis sem negligenciar a crescente quebra de
barreiras entre assuntos domésticos e internacionais (BOOTH, 2007). O
broadening representa uma função do aprofundamento, no sentido de ampliar
a agenda para além dos assuntos militares, trazendo a segurança para o
campo da teoria política (BOOTH, 2004).

A concepção de Booth (1991) sobre segurança sustenta-se na ideia de Kant de


que devemos tomar os indivíduos como fins e não como meios. Alega que
muitas vezes é negligenciado o que Hadley Bull considerou como primordial:
uma ordem mundial entre os povos e não simplesmente uma ordem
internacional. Para tanto, trazer a segurança para o campo da política só
poderia fazer sentido a partir de um posicionamento crítico que recupere a ideia
da política como aberta e baseada na ética.

Convertendo o indivíduo a objecto referencial da segurança, Booth (2007)


finalmente propõe que segurança deve estar além dos esforços de
sobrevivência dos Estados. Acrescenta a ideia de survival plus, ou seja, algo a
mais em referência a liberdade e capacidade de escolha dos cidadãos,
garantidos pelas condições necessárias de bem-estar e uma vida feliz na
medida do possível.

A segurança é um meio, a emancipação é a finalidade: essa é a máxima da


Escola Galesa, assim como seu principal desafio teórico e conceitual. Para
Booth (1991) a emancipação está directamente relacionada com a igualdade
da liberdade. O alcance integral do ideal de emancipação depende da adopção
da reciprocidade de direitos como um princípio, baseado no entendimento
intersubjectivo de que não sou realmente livre até que todos sejam livres.

CONCLUSÃO

O histórico do termo “segurança” é de alta relevância. Tendo visto sua evolução


desde o período Antes de Cristo até a actualidade, pode-se perceber que o
termo é mais um daqueles que passam por mutações consideráveis a partir de
marcos históricos.

Tendo passado por muitas fases e questionamentos, o objecto de referência da


segurança se mostrou variável, passando do indivíduo, como na história pré-
moderna, para diferentes níveis como o do objecto, da sociedade, do Estado e
do colectivo de Estados. A partir daí ocorre a antropomorfização do Estado
como forma de coordenar a segurança nacional a partir de processos
colectivos no meio internacional, o que se intensifica no período Entre Guerras.
A partir de então, a segurança como meio de manutenção do status quo
garantiria a preservação dos interesses de segurança nacional.
Com a ineficiência da Liga das Nações como um projecto de segurança
colectiva, há o estabelecimento da segurança como nacional, sendo o indivíduo
vinculado à sobrevivência de seu Estado. A Crise dos Mísseis, porém, traz
consigo o contexto de “segurança internacional”, se difundindo cada vez mais
com as relações entre os dois lados do mundo. Assim, estreita-se o
entendimento que não se poderia pensar segurança nacional sem levar em
consideração assuntos internacionais.

Paralelo aos fatos históricos, as escolas de Relações Internacionais faziam


esforços para entender as movimentações conceituais de segurança. A escola
realista, uma das mais tradicionais debatedoras do termo, passou a perder os
debates pós-Guerra Fria principalmente após o surgimento de novas escolas
que se dispunham a discutir a segurança a partir da nova agenda das RI.

A escola de Copenhague assim se caracterizou, pois expandiu o objecto de


referência da segurança para além do Estado, passando a considerar a
sociedade. Ainda, a escola entende que uma ameaça existencial à segurança
pode ser analisada em diferentes níveis de análise. Destes, o individual e
subestatal se mostra imprescindível, haja vista que estes últimos dialogam
directamente com a figura do Estado.

A Escola Galesa compartilha da opinião da de Copenhague ao considerar os


múltiplos níveis, desde o individual. Assim, sendo o indivíduo um dos objectos
referências da segurança, entende-se que esta última está muito além dos
Estados, sendo ela um meio e a emancipação do indivíduo, a finalidade.

Desta maneira, compreende-se a construção do conceito de segurança muito


antes do surgimento das Relações Internacionais. Porém, após o nascimento
da disciplina, o conceito ganhou novas forças e definições, indo da figura do
objecto até a comunidade internacional. A evolução do conceito trouxe consigo,
portanto, a evolução dos objectos referenciais e a antropomorfização do
Estado, podendo hoje ser notadas em escritos das indispensáveis Escola de
Copenhague e Escola Galesa de Segurança.

REFERÊNCIAS

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P. Vedovelli. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2014

A(in)segurança nossa de cada dia


Num país onde até para roubar um telemóvel os delinquentes não se coíbem
de tirar a vida ao pacato cidadão, a segurança em casa e na rua figura entre as
prioridades do quotidiano. A sensação de insegurança é de tal ordem, que já
há vários anos se tornou trivial a figura do profissional de Protecção Física.

14/05/2020  ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO 08H31
 
 
Em pouco tempo, a evolução linguística, a moda de Angola, fez com que os
guardas fossem chamados “Seguranças”. Entretanto, a ineficácia dos
profissionais das empresas que deveriam realmente garantir a tranquilidade
transformou essa designação para “Inseguranças”. Por mais cruel que pareça a
acepção, ela faz todo o sentido, porquanto a figura do dito "Segurança" imana
muito pouco daquilo a que se propõe.

É comum encontra-los a dormitar nos postos. Em muitos casos, há fortes


suspeitas de sua conivência nos assaltos que se registam. Alguns dos que
fazem asseguramento aos bancos posicionam-se como pedintes, diante de
alguns clientes que vão ao Multicaixa ou estacionam as viaturas próximo do
seu raio de acção. Contentam-se com pouco, regra geral, na busca do “taxi” ou
mesmo de algo para se alimentar.

Com um salário que ronda os 40 mil Kwanzas por mês, a maioria dos
profissionais que deveriam representar a ideia de integridade e segurança de
instituições, residências ou entidades, deixa uma pálida imagem de mão de
obra explorada, num emprego que não confere dignidade. Sendo voz corrente
que a maior parte das empresas de segurança pertence ou está directamente
ligada a empresários, antigos ou actuais membros da governação, não deixa
de ser um indicador negativo para aferir o valor que os detentores do poder
financeiro e político, em Angola, dão aos seus concidadãos.

Se, de facto, o baixo salário e as más condições de trabalho resultam melhor


que o desemprego, não é menos verdade que o trabalhador deve ter um
mínimo de dignidade. Sobretudo estes que têm à sua responsabilidade
instalações ou empreendimentos de elevado valor financeiro. Em algum
momento, o ministério do trabalho ou entidades afins deveriam apurar a real
diferença entre o lucro dos patrões e a massa salarial reservada aos homens
que no terreno dão a cara pela empresa.

É inaceitável que, ao longo dos anos, tantos chefes de família não consigam o
sustento para os seus, apesar de realizarem um trabalho árduo, de enorme
responsabilidade e risco e com prejuízo enorme para a sua saúde. Aqueles que
tiveram ou têm alguma vivência do exército sabem muito bem que não é
humanamente possível manter a vigilância por largos períodos de tempo, sem
que o esgotamento físico e mental conduza à substancial redução da eficácia
do trabalho.

Deveriam, pois, os responsáveis das empresas de segurança ponderar a


modernização dos seus serviços, recorrendo mais à vigilância electrónica, que
até representaria um considerável avanço tecnológico, com melhoria
indiscutível na eficácia da prestação de serviço.

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