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Os saberes da Educação Física na perspectiva de alunos do ensino


fundamental: o que aprendem e o que gostariam de aprender

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4 authors:

Mauro Betti Willer Soares Maffei


São Paulo State University São Paulo State University
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Marcos Roberto So Tatiana Zuardi Ushinohama


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais Universidade Federal Fluminense
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REBESCOLAR 155

OS SABERES DA EDUCAÇÃO FÍSICA


NA PERSPECTIVA DE ALUNOS
DO ENSINO FUNDAMENTAL:
o que aprendem e o que
gostariam de aprender
Mauro Betti1 os alunos gostariam de aprender
Willer Soares Maffei2 e o que professor propõe ensi-
Marcos Roberto So3 nar. Conclui-se que a ampliação
Tatiana Zuardi Ushinohama4 dos conteúdos tratados nas au-
las de Educação Física favorece o
potencial de mobilização do su-
Resumo jeito para a aprendizagem.
Palavras-Chave: saberes,
Apresenta resultados parciais Educação Física, alunos, ensino
de uma investigação mais ampla fundamental.
que busca compreender as rela-
ções que os alunos da educação Introdução
básica estabelecem com os sabe-
res propostos pela Educação Físi- Do ponto de vista da literatu-
ca. Especificamente, busca con- ra brasileira contemporânea, pa-
frontar os depoimentos de 445 rece haver um certo consenso em
alunos do Ensino Fundamental,de relação aos conteúdos que de-
escolas públicas da rede estadu- vem ser tematizados nas aulas
al de São Paulo, obtidos por meio de Educação Física, um dos frutos
de questionário, com relação ao dos diversos projetos pedagógi-
que os professores ensinam e o cos apresentados para a disciplina
que gostariam de aprender nas na década de 1990 (BETTI, 1991;
aulas de Educação Física. Os re- COLETIVO DE AUTORES, 1992;
sultados indicam que o esporte é KUNZ, 1994; BRACHT, 1997; den-
o núcleo central das aulas, em- tre outros), que geraram intensos
bora outros conteúdos também debates e tentativas de inovações
tenham sido relatados. Apare- didático-pedagógicas.
ceram divergências entre o que Essas proposições foram ge-
radoras de pontos aglutinado-
1 Doutor em Educação, Universidade Estadual Paulista, res para a concepção da área.
maurobetiunesp@gmail.com Em consequência das inten-
2 Doutor em Educação, Universidade Estadual Paulista, sas discussões promovidas des-
willemaffei@fc.unesp.br
3 Mestre em Educação, Faculdades Orígenes Lessa, de aquele período encontrou-se
marcosrobertoso@gmail.com um elo capaz de reunir o conte-
4 Mestre em Comunicação Social, Universidade Estadual
Paulista, tatianazuardi@globo.com údo dos diversos projetos então
156
apresentados para a Educação Dessa forma, urge compre-
Física, no qual o termo cultura ender como se dá a relação en-
ganhou destaque, embora a par- tre os alunos e os saberes da
tir de diferentes pontos de vista Educação Física. Para orientar
(DAOLIO, 2004) . pesquisas nessa direção, Bet-
Se esse processo gerou trans- ti e Ushinoma (2014) sugerem
formações na Educação Física as seguintes questões: Como é
brasileira, com relação à funda- despertado o interesse do alu-
mentação teórica, proposições di- no por determinados conteú-
dático-metodológicas e currículos dos? Por que o mesmo conte-
de Educação Física para os vários údo não interessa a outros? Há
ciclos de escolarização da educa- aproximação ou afastamento
ção básica, permanece uma im- entre alunos e professores com
portante lacuna: como os alunos relação à importância de cer-
se relacionam e se apropriam dos tos conteúdos/conhecimentos,
saberes propostos, de como per- e por quê? Enfim, cabe pergun-
cebem e avaliam as aulas de Edu- tar se não estaria havendo um
cação Física que vivenciam. Esta distanciamento entre as expec-
lacuna dificulta realizar inferências tativas dos alunos e os conhe-
a respeito da qualidade pedagógi- cimentos de que a Educação Fí-
ca das aulas, se elas conseguem sica trata, ou tem a intenção de
proporcionar aos alunos oportuni- tratar pedagogicamente.
dades para aprendizagens signifi- Portanto, partimos do pressu-
cativas, isto é, que tenham, de al- posto que a escola não é um lo-
gum modo, relação com suas vidas cal que apenas ensina, mas que
e que contribuam para a constru- principalmente propõe aos alunos
ção de uma autonomia crítica no aprenderem algo. Desse modo, é
âmbito das manifestações da cul- imprescindível considerar o aluno
tura corporal de movimento5. como agente central no proces-
Também muito se tem fala- so de ensino e aprendizagem, que
do saberes profissionais docen- mobiliza e produz saberes.
tes que configuram as práticas Sugerem então Betti e Ushi-
pedagógicas da Educação Fìsica, noma (2014, p. 4) que é preci-
mas pouco se tem considerado so ouvir o próprios alunos, “de
na pesquisa educacional o aluno modo a possibilitar uma melhor
como sujeito ativo no processo compreensão de seus pontos de
de ensino e aprendizagem, que vista frente à disciplina, e assim
constrói relações singulares com contribuir com um diagnóstico
as obrigações e conhecimentos mais aprofundado e teoricamen-
propostos pela instituição escolar. te mais elaborado dos problemas
didático-pedagógicos enfrenta-
dos por essa disciplina”.
5 Por “cultura corporal de movimento” entendemos,
conforme Betti (2009), as formas culturais que se Todavia, a perspectiva dos alu-
vêm historicamente construindo mediante o exercício nos com relação à Educação Física
sistemático e intencionado da motricidade humana – jogos,
esportes, ginásticas, atividades rítmicas/danças, e lutas.
ainda é tema pouco aprofundado
REBESCOLAR 157
na literatura especializada, que é construídos pela humanidade.
constituída majoritariamente de Mas, isso não significa que a cri-
estudos descritivos-quantitativos se ou sucesso da escola é de res-
com pouca consistência e pro- ponsabilidade do aluno e, muito
fundidade teórico-metodológica menos que não exista um po-
(BETTI; USHINOHAMA, 2014). der coercitivo-social que condi-
Nesse pano de fundo, com o cione o sujeito a apropriar-se de
intuito de avançar teoricamen- um saber em detrimento de ou-
te na compreensão deste tema, tros; pelo contrário, nascemos
adotamos como referencial a “te- e nos relacionamos em um con-
oria da relação com o saber” pro- texto sociocultural (família, bair-
posta por Bernard Charlot, para ro, escola). Sendo assim, o gran-
quem, considera que os conhe- de trunfo da “teoria da relação
cimentos curriculares devem ser com o saber” é a compreensão
compreendidos nas relações que que somos, ao mesmo tempo,
os sujeitos aprendentes estabele- sujeitos sociais e singulares; tra-
cem com o mundo, com ele mes- ta-se, então, de uma “sociologia
mo e com os outros. do sujeito”.
De modo geral, a “teoria da Se somos seres sociais e sin-
relação com o saber” surge como gulares, aprender faz sentido por
contestação ao determinismo referência à história do sujeito, o
presente nas teorias reproduti- que inclui: suas expectativas, re-
vistas, que correlacionam o su- ferências, concepção de vida, re-
cesso/fracasso escolar com as lações com os outros, a imagem
condições socioeconômicas dos de si mesmo e para os outros. A
pais dos alunos. Em outras pala- partir disso, Charlot utiliza as no-
vras, quanto melhor condição so- ções de “mobilização”, “sentido”,
cioeconômica dos alunos, maior “desejo” e “atividade” como con-
seria o índice de sucesso esco- ceitos centrais para construir as
lar. No entanto, Charlot (2000) suas bases teóricas.
prefere direcionar seu olhar para O conceito de atividade está
os casos ambíguos; por exem- relacionada ao conjunto de ações
plo, em filhos de famílias de bai- que objetivam uma meta, que no
xa renda obtiveram sucesso es- caso da educação, seria a apren-
colar, ou vice-versa. dizagem. Aprender é um proces-
Para tanto, o autor considera so de interiorização de algo ex-
o termo “fracasso escolar” como terno (patrimônio humano) ao
algo polissêmico e genérico. Por sujeito, ensinar é uma ação ex-
isso, talvez não exista “fracas- terna (do outro) que precisa en-
so escolar”, mas sim, alunos que contrar um movimento interior
estão em situação de fracasso do sujeito. O termo “movimento
ou de êxito. Nota-se que Char- interior” é o que Charlot (2000)
lot (2000) traz o sujeito como chama de mobilização, isto é, pôr-
elemento principal e ativo (o su- -se em movimento para aprendi-
jeito está em fracasso/sucesso), zagem de algo.
o qual se relaciona com saberes
158
Entretanto, a mobilização pe- Método e resultados
las coisas do mundo é seletiva,
ou seja, o sujeito prefere apren- Foram aplicados questionários
der determinadas coisas ao in- para 455 alunos do segundo ciclo
vés de outras, por dois motivos: do Ensino Fundamental de nove
(a) o patrimônio humano acumu- escolas públicas da rede estadual
lado é infinito e, portanto, o su-
da região centro-oeste do estado
jeito é incapaz de apropriar-se de
de São Paulo, localizadas nos se-
tudo, e, principalmente; (b) o su-
guintes munícipios: Alfredo Mar-
jeito só se mobiliza/apropria da-
quilo que lhe desperta interesse, condes, Bauru, Jaú, Macatuba,
isto é, das coisas que lhe façam Penápolis, Santo Expedito e São
sentido, ou seja, o sentido é fon- Manuel. Os dados aqui apresen-
te de mobilização entre “sujeito” e tados são parte de uma investi-
“aprender”. Por sua vez, ter senti- gação maior, denominada “Os
do é considerar algo significante, saberes da Educação Física nas
de valor, de desejo: “não há sen- perspectivas dos alunos”6.
tido senão do desejo” (BEILLEROT Apresentaremos aqui os re-
et al., 1966 apud CHARLOT, 2000, sultados e interpretação de duas
p. 57). E, segundo Silva (2001), questões abertas, presentes no
“desejo” é entendido por Charlot questionário utilizado na referi-
ao modo psicanalítico: desejo de da investigação mais ampla: (a)
ser o desejo do outro. O que seu professor mais ensi-
A partir desses pressupostos na nas aulas de Educação Físi-
da teoria da relação com o sa- ca?; e (b) O que você gostaria
ber, no caso da educação, uma de aprender nas aulas de Educa-
aula interessante é aquela que ção Física?
consiga estabelecer uma relação As respostas foram agrupadas
com o mundo, uma relação con- em categorias e quantificadas em
sigo mesmo e uma relação com termos absolutos e proporcionais.
o outro, que levam o aluno a mo- Percentuais inferiores a 5% em
bilizar-se em uma atividade, dar
ambas as questões foram agru-
sentido e desejar aprender.
pados na categoria “Outros”.
Ora, já que para Charlot (2001,
A figura 1, a seguir apresen-
p. 26): “ninguém pode aprender
no lugar da criança, mas que a ta os resultados comparativos
criança só aprenderá se houver das duas questões, em ordem de
solicitações externas”, é de inte- percentuais decrescentes, exce-
resse particular da atual inves- to para a categoria “Outros”.
tigação confrontar, a partir das
respostas dos alunos, o que os
professores ensinam (ação ex-
terna que pode encontrar ou não
um sujeito mobilizado) e o que 6 Pesquisa em desenvolvimento no âmbito do Grupo de
os alunos gostariam de aprender Estudos Socioculturais, Históricos e Pedagógicos da
(mobilização/interiorização das Educação Física (CNPq), vinculado ao Departamento
de Educação Física da Faculdade de Ciências da
coisas que fazem sentido). UNESP – campus de Bauru.
REBESCOLAR 159

Figura 1. O que o professor mais ensina e o


que os alunos gostariam de aprender

Nota-se a maior presença da


categoria “Esportes”, tanto em que gostariam em relação à cate-
relação ao que os alunos decla- goria “capacidades e condiciona-
raram ser mais ensinado nas au- mento físico”.
las de Educação Física, como Destaca-se ainda a categoria
em relação ao que gostariam de “aula expositiva”, a quarta mais ci-
aprender. No entanto, é também tada pelos alunos com relação ao
possível observar a presença sig- que os professores ensinam nas au-
nificativa de outros conteúdos, las. Palavras como “apostila”, “aula
(jogos e brincadeiras, capacida- téorica”, “trabalho” foram relatadas
des físicas, lutas e atividades rít- pelos alunos para referenciar sa-
micas/danças), com destaque beres enunciados linguisticamente.
para o fato de que, no caso de lu- Mas não se trata do que gostariam
tas, atividades rítmicas/danças/ de aprender, pois nenhuma respos-
músicas e ginásticas, há uma dis- ta dos alunos à questão “b” foi con-
crepância: os alunos mais gosta- tabilizada nesta categoria.
riam de aprender este conteúdos
do que declararam tê-los efeti-
vamente aprendido nas aulas. E,
inversamente, declararam maior
presença no ensino proposto do
160
Os dois quadros a seguir discriminam as respostas obtidas, respec-
tivamente, nas questões “a” e “b”.

Quadro 1. Respostas à questão “O que seu professor


mais ensina nas aulas de Educação Física?”

Categoria Respostas

arremesso, atletismo, basquete, corridas de obstáculos, barreira e bastão,
Esportes corridas rasas, esportes, esporte coletivo, fundamentos do esporte, futebol, 
futsal, handebol, jogos olímpicos/olimpíadas, saltos verticais e horizontais, vôlei

brincar/brincadeira, jogos, jogos coletivos, jogos com bola/jogos de bola, Jogos


Jogos e brincadeiras competitivos, jogos cooperativos, jogos individuais, jogo naval, jogos mais
conhecidos, jogos  populares, jogos pré esportivo, ping‐pong, queimada

Capacidades físicas e agilidade, alongamento, aquecer/aquecimento,capacidade atlética, capacidade


condicionamento físico física, condicionamento físico,flexibilidade, força, resistência, velocidade

apostila, aula teórica/teoria, caderno do aluno exercício na apostila, diferença 
Aula expositiva entre jogos e esporte, história do esporte/história dos esportes antigos, textos, 
trabalhos extras, trabalho em equipe/trabalho em grupo

atividades físicas, exercícios, exercícios corretos/movimentoscertos, movimento, 
Movimento e exercício
movimento na prática

Lutas artes marciais/lutas, capoeira, judô, karatê

Danças, atividades
dança, dança típica,  hip hop, street dance , música,  ritmo, tipos  de  música
rítmicas e música

Ginásticas ginástica, ginástica artística, ginástica rítmica

- Estratégias e conteúdos:
aula livre, cada bimestre um tema, coisas novas, de tudo de tudo
um pouco, diferente assuntos, muitas coisas, nada,quase  nada, outras coisas
- Corpo e saúde: alimentação, beleza corporal, condições do corpo/condições
do corpo humano, cuidados, jeito certo de sentar, músculo, partes do corpo,
Outros postura/postura correta, saúde,vida saudável
- Táticas, técnicas e regras de jogos: como jogar/jogar direito, estratégias de
jogo/táticas/táticas e jogos, regras/regras de jogos, técnica de jogo
- Interação social: colaboração, cooperativo, coletividade, disciplina, respeito,
respeito às regras, ser legal com o colega
- Habilidades: coordenação motora, habilidade
- Aula com movimento corporal: atividades na quadra, prática
REBESCOLAR 161
Quadro 2. Respostas à questão “O que você gostaria
de aprendere nas aulas de Educação Física?”
Categoria Respostas
atletas brasileiros da antiguidade, atletismo, basquete, beisebol, corrida de
obstáculo, ensinamento sobre esporte, esporte novo, esportes diferentes,
esportes, esportes estrangeiros, outros esportes menos conhecidos no
Esportes Brasil, futebol, futebol americano, futebol de areia, futevôlei, futsal, handebol,
levantamento de peso, mais movimentos de esportes, maratona, natação,
olimpíada, regras do futsal, regras do vôlei, regras dos esportes, tênis, tênis de
mesa, vôlei, xadrez
lutas, artes marciais, boxe, capoeira, esgrima, jiu-jitsu, judô, karatê, kung-fu, luta
Lutas
livre, MMA, muay-thai
bets, brincadeira, damas, esconde-esconde, jogo, jogos cooperativos, jogos de
Jogos e brincadeiras antigamente, jogos de rua, jogos diferentes, jogos livres, jogos populares, pega-
pega, pinbolim, ping-pong, queima/queimada, regras dos jogos, soltar pipa
Danças, atividades rítmicas
cantar, dança,dança elaborada, ritmos de dança
e música
dar mortal de costas, ginástica, ginástica artística, ginástica rítmica, musculação,
Ginásticas
virar estrelinha
Capacidades físicas e
alongamento, aquecimento, capacidades físicas, condicionamento físico
condicionamento físico
Movimento e exercício exercícios, exercício para saúde
Aula expositiva apostila
- “Negatividade”: nada, nenhuma brincadeira
- “Positividade”: bastante coisa, de tudo/de tudo um pouco, eu já aprendi tudo,
nada mais, o mesmo que estou aprendendo agora
- Novidades: atividades diferentes e atuais, coisas legais, coisas novas,
novidades, países diferentes
- Aprendizagem de habilidades: aprender a jogar, aprender a jogar bola, na
queimada não consigo jogar a bola direito, nadar, no gol
Outros
- Conhecimento sobre o corpo: caminhar correto, fazer coisas correto, corpo
humano, músculo e outras partes do corpo, saúde
- Estratégias e conteúdos: como aprender a jogar, profundidade do conteúdo
- Interação social: atividade em grupo, colaboração dos colegas na aula
- Esportes radicais: BMX
- Aulas com movimento corporal: aulas na quadra
- Outros: corrida, líderes de torcida, não sabe, yoga
Observa-se a grande amplitu- na categoria “Esportes”. No que
de de tipos de, conteúdos apren- diz respeito ao que os professo-
dizagens e perspectivas sobre as res propõem ensinar, nota-se a
aulas referidas pelas respostas presença de conteúdos habitu-
dos alunos em ambas as ques- ais da Educação Física, tais como
tões, que não se restringiram os esportes coletivos com bola
ao entendimento tradicional de (basquete, futebol/futsal, volei-
“conteúdo”, e incluíram aspectos bol e handebol); além da pre-
relativos a sociabilidade e estra- sença de provas do atletismo
tégias didáticas. (arremessos, saltos e corridas).
É sobretudo notável a dife- Já com relação aos esportes que
rença, entre as duas questões, os alunos gostariam de apren-
dos conteúdos das respostas der, as modalidades habituais
162
apresentam-se novamente, mas considerar a maciça presença do
em concorrência com outras mo- esporte nas mídias.
dalidades não mencionados na Assim, é preciso que o profes-
questão anterior, como é o caso sor esteja atento ao fato de que
de “esportes estrangeiros”, “le- há uma relação dialética entre ex-
vantamento de peso”, “tênis”, ou periência anterior e interesse/mo-
seja os alunos clamam por es- bilização de aprendizagem. O pa-
portes “novos”, “diferentes”. pel da Educação Física é propor
“motivos geradores de sentido” e,
Considerações finais isso se dá na apropriação crítica
de diversos elementos da cultura
A constatação de que o espor- de movimento (BETTI, 1994), de
te é o núcleo central das aulas modo que, o aluno não permane-
compactua com diversos estudos ça apenas “gerando sentido” no/
na área da Educação Física esco- sobre o esporte.
lar que já afirmaram que o espor- No entanto, como houve inci-
te é o conteúdo mais ensinado dência entre 1% e 12% de ou-
pelos professores (DEVIDE; RI- tros conteúdos que os alunos
ZZUTTI, 2001; PEREIRA; MOREI- declararam que os professores
RA, 2005; SCHNEIDER; BUENO, ensinam, e entre 2 e 13% de ou-
2005; MELO; FERRAZ, 2007). tros conteúdos que gostariam
No nosso entendimento, tra- de aprender, além do esporte, é
ta-se de um círculo vicioso, possível inferir que alunos e pro-
como se o interesse de apren- fessores começam a dar sentido
der um conteúdo fosse condi- e mobilizar-se em direção à am-
cionado às experiências anterio- pliação dos vários elementos da
res. E de fato o é, pois o aluno cultura de movimento.
mobiliza saberes que lhe fazem Como se trata de escolas es-
sentido, que lhe dão prazer. To- taduais de São Paulo, cuja se-
davia, a mobilização, o sentido cretaria de educação implemen-
e o desejo estão em referência tou um currículo base para toda a
a um sujeito, por sua vez social rede escolar de ensino fundamen-
e que partilha do patrimônio hu- tal (a partir do 6° ano) e ensino
mano. Portanto, o que leva ao médio, podemos também cogitar
desejo de aprender de algo em a hipótese de que esta ampliação
detrimento de outro, é a relação de sentido, ao menos em parte,
que o sujeito estabelece consigo deva-se a esta implementação,
mesmo, com os outros e com o pois este currículo “oficial” propôs
mundo (CHARLOT, 2000). Quer o jogo, esporte, atividades rítmi-
dizer, se o professor (o “outro”, cas, luta e ginástica como eixos
neste caso) ensina habitualmen- de conteúdo para a Educação Fí-
te conteúdos relacionados ao es- sica, com a expectativa de “levar
porte, o “mundo” da Educação o aluno, ao longo de sua escolari-
Física apresentado ao aluno limi- zação e após, as melhores oportu-
tar-se-á ao ele. Ademais, há de nidades de participação e usufruto
REBESCOLAR 163
no jogo, esporte, ginástica, luta e Os dados indicam que, em
atividades rítmicas (SÃO PAULO, certa medida, professores e alu-
2008, p.42). nos tem expectativas diferentes.
Todavia, as relações que o alu- Dessa forma, em estudo recente,
no faz com o movimento corporal Toshioka (2015) menciona que
abrangem um universo maior do um dos motivos alegados pelo
que as aulas de Educação Física. professores para que professores
Não podemos desconsiderar que não ensinem lutas nas aulas de
o aluno é influenciado pelo espe- Educação Física é a hipótese de
táculo esportivo nas diversas mí- que alunos não se sentiriam mo-
dias, que talvez pratique alguma tivados com este conteúdo. Por
atividade física ou esportiva em outro lado, em estudo de caso
clubes ou outras instituições for- que investigou como os alunos se
mais etc. relacionam com o conteúdo lu-
Nessa perspectiva, constata- tas, So (2014) concluiu que elas
mos que muitas modalidades de provocaram grande mobilização e
esportes desejadas pelos alunos participação dos alunos.
não estão presentes nos conteú- De fato, não é possível infe-
rir exatamente quais são os reais
dos que declararam ser ensinados
motivos para a pouca presença de
em aula, e dentre estes alguns
conteúdos como lutas e ginásticas,
também não estão presentes no
por exemplo, pois diversos fatores
curriculo “oficial” das escolas es-
podem levar a isso, como a falta
taduais (por exemplo, futebol de
de material, espaço físico precá-
areia, futvôlei, maratona, nata-
rio, formação inicial deficitária, etc.
ção, tênis de mesa, xadrez) indi- Mas, a partir dos dados analisados
cando o interesse pela aprendi- na atual investigação, concluímos
zagem de “conteúdos novos”. Tal pela necessidade de um melhor
situação nos remete novamen- diagnóstico dos alunos, o que im-
te a Charlot (2000), quando as- plica entender as relações que es-
segura que aprender faz sentido tabelecem com os saberes propos-
por referência à história do sujei- tos pelos professores.
to e às suas expectativas, quan- Outro resultado que de modo
to ao que ele estabelece com o significativo demonstra essa diver-
mundo e com o outro. gência entre professores e alunos
Portanto, tanto para os alunos refere-se à categoria “aula expo-
quanto para o currículo da rede sitiva” (trabalhos em sala, uso da
estadual, espera-se a ampliação lousa, resolução de tarefas escritas,
e abordagem de diversos ele- etc), a quarta mais citada pelos alu-
mentos da cultura de movimen- nos na questão “a” (o que os pro-
to. Diante disso, resta-nos pro- fessores mais ensinam nas aulas),
blematizar quais são os motivos porém é estratégia de aula indese-
que justificam a preferência dos jada pelos alunos, já que nenhum
docente pelas modalidades habi- delas a contemplou na questão “b”
tuais, como o futsal, basquete- (o que gostariam de aprender) me-
bol, volibol e handebol. nos desejado pelos alunos.
164
Há aí uma confusão. Várias para caminharmos em direção aos
proposições teórico-metodológi- aprenderes discentes a eles obri-
cas da Educação Física que surgi- gatoriamente relacionados.
ram na década de 1990 apontam Então, diante das aprendiza-
como finalidade desta disciplina a gens apontadas e desejadas pe-
apropriação e apreciação crítica los alunos, entendemos que a
dos elementos da cultura corpo- ampliação dos conteúdos trata-
ral de movimento: “formar o ci- dos nas aulas de Educação Física
dadão que vai usufruir, produzir favorece o potencial de mobili-
e reproduzir as formas culturais zação do sujeito para a aprendi-
das atividades corporais de mo- zagem, visto que, alcança uma
vimento”, nas palavras de Bet- maior condição de interiorização
ti (1994, p.38). No entanto, tal das “coisas que fazem sentido”.
perspectiva pode também ser cri-
ticada sob a égide do “pré-con- Referências
ceito” de que se quer transformar
a Educação Física em discurso te- BETTI, M. Educação física e
órico e, consequentemente, des- sociedade. São Paulo: Movi-
considerar o movimento corporal mento, 1991.
como núcleo central da Educação
Física (BRACHT, 1996). ______. O que a semiótica inspi-
Mas não se trata disso. É preci- ra ao ensino da Educação Física.
so enfatizar que a Educação Físi- Discorpo, São Paulo, n. 3, p.25-
ca lida com dois saberes, segun- 45, 1994.
do Bracht (1996): (a) saber do
movimento (práticas corporais); ______. Educação física e so-
(b) saber sobre o movimento (in- ciedade. 2. Ed. São Paulo: Hu-
corporação via discurso). Con- citec, 2009.
tudo, isso não significa que am-
bos devem ser tratadas de modo BETTI, M.; USHINOHAMA, T. Z.
fragmentado ou dicotômico - por Os saberes da Educação Física
exemplo, falar em “aula teórica” nas perspectivas dos alunos: pa-
versus “aula prática”. norama da literatura e uma pro-
Nesse sentido, o desafio da Edu- posta de investigação a partir
cação Física seria “relacionar orga- da ‘teoria da relação com o sa-
nicamente o saber-movimentar e ber’. Revista Pulsar. Jundiaí,
o saber-sobre esse movimentar- v.6 n.4, p. 1-18, 2014. Dispo-
-se” (BETTI, 1994), e neste sen- nível em <http://www.esef.br/
tido, compreender os pontos de images/stories/arquivos/pdf/re-
vista dos alunos sobre a Educação vista/Artigos/Volume6_Nume-
Física é indispensável. Trata-se de ro04_2014/artigo11.pdf/> Aces-
ir além das intencionalidades pe- so em: 08.04.2015.
dagógicas pensadas pelo profes-
sor e dos saberes docentes consi-
derados como fim em si mesmo,
REBESCOLAR 165
BRACHT, V. Educação física no Revista da Educação Física/
1º grau: conhecimento e espe- UEM, Maringá, v. 16, n. 2, p.
cificidade. Revista Paulista de 121-127, 2005.
Educação Física, São Paulo, n.
2, p. 23- 28, 1996. SÃO PAULO (Estado). Secreta-
ria da Educação. Proposta cur-
_______. Educação física e ricular do estado de São Pau-
aprendizagem social. Porto lo: educação física – ensino
Alegre: Magister, 1997. fundamental ciclo II e ensino
médio. São Paulo: SEE, 2008.
CHARLOT, B. Da relação com o
saber: elementos para uma te- SCHNEIDER, O.; BUENO, J. G. S.
oria. Porto Alegre: Artmed, 2000. A relação dos alunos com os sa-
beres compartilhados nas aulas
COLETIVO DE AUTORES. Meto- de educação física. Movimento,
dologia do ensino da educação Porto Alegre, v. 11, n. 1, p.23-46,
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