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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

Trabalho de Conclusão do Curso

A formação de professores na Escola de


Educação Física e Desportos da UFRJ nos
anos de 1979 – 1985

Guilherme Gonçalves Baptista

Rio de Janeiro, 2012.


Guilherme Gonçalves Baptista

A formação de professores na Escola de


Educação Física e Desportos da UFRJ nos
anos de 1979 – 1985

Trabalho de Conclusão do Curso Apresentado


como Requisito Parcial à Obtenção do Grau de
Licenciado em Educação Física
Escola de Educação Física e Desportos
Centro de Ciências da Saúde
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Orientador(a): Profª. Drª. Sílvia Maria Agatti Lüdorf

Rio de Janeiro, 2012.


UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
ESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA E DESPORTOS

O Trabalho de Conclusão do Curso: A formação de professores na


Escola de Educação Física e Deportos da UFRJ nos anos de 1979 -
1985

elaborado por: Guilherme Gonçalves Baptista

e aprovado pelo professor responsável pelo R.C.C., professor


orientador e professor convidado foi aceito pela Escola de
Educação Física e Desportos como requisito parcial à
obtenção do grau de:

LICENCIADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA

PROFESSORES:

Orientador(a): Profª. Drª. Sílvia Maria Agatti Lüdorf

Convidado(a): Prof. Dr. Antonio Jorge Gonçalves Soares

Responsável pelo R.C.C.: Profª. Sônia Hercowitz

Data: 05 de Outubro de 2012


RESUMO

Título: A formação de professores na Escola de Educação Física e Desportos da UFRJ


nos anos de 1979 – 1985

Autoria: Guilherme Gonçalves Baptista

Orientador(a): Prof.ª Dr.ª Sílvia Maria Agatti Lüdorf

A Escola de Educação Física e Desportos (EEFD) da UFRJ é herdeira da primeira escola de


Educação Física (EF) ligada a uma universidade, sendo considerada uma das mais importantes
instituições da área. O presente estudo objetivou compreender os discursos de educação do
corpo propagados no processo de formação de professores na EEFD entre os anos de 1979 e
1985, a fim de interpretar e refletir acerca dos saberes legitimados e difundidos. Para alcançar
tais fins, utilizou-se a análise de documentos, especialmente as Atas de Congregações, do
Conselho Departamental da EEFD e os Ofícios Circulares. Observou-se que a EF no período
discutido continua fortemente ligada a vertente biológica, caracterizando uma permanência
histórica do caráter médico-higienista. Enfatizava-se que as atividades físicas eram (ou são)
ditas como um dos principais meios para manter a saúde e, dessa forma, a EF apresentava
justamente o papel de criar o gosto e o hábito pelo exercício físico. Além disso, a utilização do
Teste de Habilidade Específica era indício de que aspectos técnicos e de desempenho eram
características consideradas essenciais pela instituição para a formação de um professor
executor do movimento. A análise dos documentos permitiu identificar indícios da “crise da
Educação Física”, onde se entendia que faltava cientificidade à área. Observou-se na EEFD a
entrada dessas discussões que explicitam a preocupação em tratar a EF como ciência, havendo
um boom de cursos de pós-graduação e outros eventos na Escola. A incorporação dos
discursos pedagógicos, vinculados às ciências humanas e sociais, por volta da década de 80,
também se evidenciou na EEFD. Assim, viu-se a necessidade de modificação do processo de
formação de professores para atender a esses novos discursos. A partir desse estudo, observa-
se que a EEFD, como EF, apresentou-se pautada principalmente pelo caráter médico-
higienista. Com isso, o estudo corrobora com a ideia de que a EF, pelo menos até a primeira
metade da década de 80, não teve mudanças significativas acerca de seu papel social. Os
discursos de educação do corpo permanecem quase que exclusivamente pautados pelos saberes
advindos da área médica que preconizam a busca por um corpo saudável de acordo com o
modelo de saúde legitimado.

Palavras-chave:

Educação do corpo Formação de professores Ditadura civil-militar


SUMÁRIO

Pág.

INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 5

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................................. 9

1. A Educação Física na época da ditadura civil-militar: quadro histórico ..................... 9

2. Educação do corpo: limites e possibilidades ............................................................. 18

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................. 25

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS: Reflexões a partir da análise documental


........................................................................................................................................ 27

1. Educação do corpo performático ............................................................................... 27

2. A busca por uma educação do corpo “científica” ...................................................... 30

3. Corpo como um lugar de conflitos: outras maneiras de pensar a Educação Física


........................................................................................................................................ 32

4. Corpo uniforme ou uniforme do corpo? .................................................................... 35

CONCLUSÃO ............................................................................................................. 37

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 41
5

INTRODUÇÃO

Durante o período de 1964 a 1985, o Brasil vivenciou a ditadura civil-militar1,


caracterizada pela dominância do poder político por parte das Forças Armadas. A intervenção
ocorreu com apoio de parcela da população com a premissa de livrar o país da corrupção e do
comunismo, restaurando, deste modo, a democracia. No entanto, observa-se que estes anos
foram também marcados pela violação de princípios democráticos básicos, como, por
exemplo, a liberdade de expressão (FAUSTO, 2002).
Essa realidade levou à revolta parte da sociedade brasileira, arrastando diversos
segmentos da sociedade a se mobilizarem contra o governo na luta pela redemocratização.
Nas universidades, professores e alunos envolvidos em atividades políticas conviviam com o
medo de delações, visto que ameaças a política vigente eram prontamente reprimidas.
De acordo com Betti (1991), o Decreto-Lei 477 foi baixado, prevendo o desligamento
e a suspensão de estudantes, professores e funcionários que se envolvessem em atividades
políticas. Além disso, o campo acadêmico era visado também como mecanismo de
propagação dos ideais militares (CASTELLANI FILHO, 1988).
Já no que tange mais especificamente ao âmbito da Educação Física (EF), ressalta-se,
segundo Brasil (1997), que:
Na década de 70, a Educação Física ganhou, mais uma vez, funções importantes
para a manutenção da ordem e do progresso. O governo militar investiu na Educação
Física em função das diretrizes pautadas no nacionalismo, na integração nacional
(entre os Estados) e na segurança nacional, tanto na formação de um exército
composto por uma juventude forte e saudável como na tentativa de desmobilização
de forças políticas oposicionistas (p. 22).

Mesmo ocorrendo em épocas diferentes, uma analogia pode ser feita entre o discurso
supracitado e o da figura notável e de grande repercussão no âmbito educacional, o deputado
Rui Barbosa. Ele avaliou, no final do século XIX, que seria imprescindível para a formação
de uma população trabalhadora e produtiva a prática de uma educação higiênica e física desde
o primeiro ensino até o ensino superior, o que se daria pela Educação Física (PAIVA, 1985).
Vemos, portanto, uma permanência histórica da Educação Física. Nota-se que no
período da ditadura civil-militar, a EF permanece consonante aos ideais dos anos 20, pautados
no movimento higienista. Conforme Soares (2003), nesses anos, “médicos e educadores viam
a EF e os esportes como importantes fatores de higiene pessoal e de coesão social e os campos
de recreação e de esportes como possibilidade concreta de saneamento do meio” (p. 129).

1
Segundo Reis (2012), houve segmentos da população - civis – que apoiaram a instauração do regime ditatorial.
6

Soares, no mesmo texto, também salienta que os profissionais de EF nos anos 20 são
representados como anunciadores da saúde, vendedores de força e beleza, robustez e vigor.
Logo, apesar de muitos autores afirmarem que a EF foi um mecanismo propagador dos
ideais ditatoriais e desmobilizador de correntes contrárias ao governo, vemos uma
continuidade na função da Educação Física do início do século XIX e nos anos marcados pela
ditadura civil-militar. Ademais, alguns autores (SOARES, 2007; GÓIS JUNIOR &
LOVISOLO, 2003), destacam que essa permanência histórica não se restringiu até o período
civil-militar, afirmando que a Educação Física focada em práticas do movimento higiênico
está presente até os dias atuais.
Esses autores salientam que a única coisa que muda é a denominação das tendências,
porque essas mudanças de nomes valorizam seus profissionais ao passo que credencia ao
olhar leigo novas interpretações da área, caracterizando um “avanço” científico que provoca
uma legitimação dos argumentos e a valorização da intervenção desse profissional na
sociedade (GÓIS JUNIOR & LOVISOLO, 2003).
Dessa forma, a Educação Física ao adquirir status de anunciadores da saúde,
vendedores de força e beleza, robustez, vigor e formador de caráter alcança uma nova
importância na sociedade. Assim, houve um maior apelo da mesma pelos educadores.
Consequentemente, surge à necessidade de formar mão de obra qualificada na área. Pois, “no
Brasil do início do século XX não havia escolas de formação de educadores físicos, e o saber
dos professores geralmente se limitava à instrução prática” (GOELLNER, 2010, p. 528).
Para sustentar esse projeto da EF, cria-se então a Escola Nacional de Educação Física
e Desportos (ENEFD) na Universidade Brasil2, no Rio de Janeiro. De acordo com Pintor
(1995), a ENEFD nasce com a premissa de: “formar pessoal técnico em Educação Física
Desportiva (EFD); imprimir ao ensino de EFD, unidade teórica e prática; difundir
conhecimentos e realizar pesquisas sobre EFD, indicando os métodos mais adequados à sua
prática no país” (p. 67).
Ao longo do processo de formação de professores, inúmeros discursos de educação do
corpo são propagados buscando adequar os indivíduos aos objetivos almejados, como
pudemos perceber no caso da ENEFD. De acordo com Soares (2006):
Histórias das múltiplas formas de educação dos corpos, portanto, sejam na escola ou
em outros espaços de socialização dos indivíduos, são fundamentais para a
compreensão de espaços e tempos que formam e conformam indivíduos, grupos e
classes em uma dada sociedade e em um dado recorte temporal. (prefácio X).

2
A ENEFD dará lugar a Escola de Educação Física e Desportos (EEFD) na Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Esta é herdeira da Universidade Brasil.
7

Dada à essência dos discursos de educação do corpo, que agem formando e


conformando indivíduos, grupos e classes, percebeu-se a necessidade de uma melhor
compreensão dos discursos de educação do corpo propagados no processo de formação de
professores na Escola de Educação Física e Desportos (EEFD) da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ) entre os anos de 1979 e 1985, a fim de interpretar e refletir acerca dos
saberes legitimados e difundidos durante o processo de formação profissional.
Essa compreensão de qual educação do corpo era propagada na EEFD é indispensável
para o entendimento da área e de sua função social, uma vez que Soares (2006) explica que o
corpo e suas distintas expressões são um meio imprescindível para a consolidação de práticas
sociais desejadas ao longo do tempo. Entretanto, essa educação percorre inúmeros caminhos,
estes nem sempre lineares e por muitas vezes contraditórios e ambíguos.
Nesse sentido, é fundamental investigar qual (ou quais) tipo(s) de educação do corpo
era(m) propagado(s) no processo de formação profissional de uma instituição de reconhecida
importância no cenário da EF, como a EEFD. Vale lembrar que apesar do caráter de
continuidade da EF ao longo dos anos, diversos autores atrelam que a Educação Física foi
utilizada pelo regime ditatorial civil-militar para a desmobilização social contrária ao regime,
como já destacado.
Algumas questões foram formuladas no intuito de buscar respostas no decorrer deste
estudo, a saber: os contextos políticos e sociais durante a ditadura civil-militar influenciaram
no cotidiano da EEFD (funcionamento pedagógico e administrativo da Escola)? Qual o papel
da Educação Física no recorte temporal do estudo? Algum conteúdo prevalecia sobre os
demais? Como repercutiu (e se repercutiu) na EEFD a maior influência das ciências humanas
e sociais no campo educacional? A influência médico-higienista era predominante na
Educação Física nessa época? Que educação do corpo era privilegiada na formação de
professores na Escola?
Assim, a partir da descrição do cenário da Educação Física no contexto da ditadura
civil-militar e transpassando pelo entendimento de educação do corpo, pretendemos contribuir
para ampliar as possibilidades de compreensão sobre as práticas pedagógicas, presentes na
Educação Física em um dos momentos mais importantes da história do Brasil e da Educação
Física. Além disso, enfatiza-se a escolha da EEFD como objeto de estudo uma vez que esta é
herdeira de uma das mais importantes escolas de formação profissional de Educação Física no
Brasil, a ENEFD da Universidade Brasil.
O recorte temporal entre 1979 e 1985 ocorreu por ser um período marcado pelo
contexto de (re) abertura política no país, assinalado pelo governo do General João
8

Figueiredo. E, também, porque vários autores já reconheciam nesse período que havia uma
tendência de maior influência das ciências humanas e sociais no âmbito educacional e pela
necessidade da cientificidade da Educação Física.
Observou-se também a inexpressiva quantidade de pesquisas apresentadas sobre a
relação entre formação de professores e a educação do corpo no período destacado. Em
relação à formação de professores no período destacam-se: Ghiraldelli Junior (1988), Betti
(1991), Castellani Filho (1994), Bracht (1999, 2000), Taborda de Oliveira (2002, 2003, 2004).
Já sobre educação do corpo, parece que esta temática surge de modo disperso, como
pode ser observado nas contribuições de Vaz (2002, 2006), Soares & Fraga (2003), Moreno &
Segantini (2006), Soares (2006, 2011), Taborda de Oliveira (2006, 2011), Gomes & Silva
(2007), Goellner (2010), Taborda de Oliveira & Linhales (2011). Entretanto, não foi possível
detectar trabalhos referentes à temática de educação do corpo no processo de formação de
docentes.
Em relação à trajetória histórica da EEFD, um número irrisório de pesquisas foi
detectado. Desses, sobressaem-se os de Paiva (1985), Pintor (1995), Melo (1996) e Fonseca
(2009) que apesar de não serem trabalhos com o objetivo principal de resgatar a trajetória
histórica da Escola, lançam um olhar acerca do processo de construção da EEFD, ao longo de
seus estudos. Esse número inexpressivo impossibilitou um regaste histórico da instituição no
que se refere ao período proposto no presente estudo. Os trabalhos garimpados nessa pesquisa
discutiam apenas a construção da EEFD até sua transferência da Praia Vermelha ao novo
campus universitário da Ilha do Fundão, o que se deu em 1969.
Para melhor organizarmos a elaboração do trabalho e a execução do objetivo proposto,
foram desenvolvidos dois capítulos de fundamentação teórica, são eles: (a) Educação Física
na época da ditadura civil-militar: quadro histórico e (b) Educação do Corpo: limites e
possibilidades. O primeiro capítulo caracteriza-se por ser um balanço historiográfico da
Educação Física brasileira no período do regime ditatorial. Posteriormente, foi realizada uma
revisão literária a respeito do significado, dos limites e das possibilidades do termo educação
do corpo. Em seguida, são apresentados os procedimentos metodológicos e, por fim, a análise
dos dados derivados das fontes de pesquisa.
9

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1. A Educação Física na época da ditadura civil-militar: quadro histórico

Neste capítulo, buscou-se lançar um olhar acerca da Educação Física (EF) na época da
ditadura civil-militar, resgatando discussões, debates, tendências, além de algumas diretrizes e
leis tanto do sistema educacional quanto da própria EF. Isso, sem deixar de lado o panorama
econômico, social, político e do sistema educacional como um todo em que se encontrava
engajado o país.
No período entre 1950 e 1980, o Brasil passa por um intenso processo de
modernização, alterando-se toda fisionomia social, econômica e política do país. Entre essas
mudanças, destaca-se a inversão da relação da população rural/urbana, uma vez que em 1950,
a população rural representava 64% da total e a urbana apenas 36%, e em 1980, a rural passa
para 33% e a urbana 67% da população total (SILVA, 1990). Assim, a população urbana
torna-se predominante, consequentemente aceleram-se e intensificam-se as relações de
produção capitalista.
Porém, desde 1961, a alta inflação, que neste ano era de 47,7 % e em 1964 (ano do
golpe civil-militar) chegou a 91,9%, compromete o projeto de industrialização e
modernização que vigorava no país. E, a partir disso, surgiram diversas propostas para
“desbloquear” a economia brasileira, através, principalmente, da reforma agrária (SILVA,
1990). Consequente à alta inflação dá-se uma ampla paralisação dos investimentos privados
no país, resultando numa grande crise econômica. Essa situação afetou intensamente a
realidade brasileira, tornando insustentável a situação do país, principalmente a economia.
Isso abriu espaço para uma interferência no governo a fim de restabelecer a ordem econômica.
O que se dá em 1964 (FAUSTO, 2002; SILVA, 1990).
Em 1964, com a instalação do regime civil-militar no governo, houve a nova etapa de
modernização do país, dando continuidade aos governos de J. Kubitschek e Jânio Quadros,
visando desenvolver-se tanto no âmbito nacional quanto internacional através de um
planejamento do Estado. Para este desenvolvimento, a educação deveria responder,
adequadamente, às demandas crescentes da urbanização e industrialização do país
(CIAVATTA, 2002; SILVA, 1990).
Entretanto, aliado a essas demandas crescentes, a educação também sofria mudanças.
A partir dos anos 60, houve uma discussão em nível internacional no campo educacional que
questionava como as escolas e as universidades tratavam as bases da educação. Conforme
10

Taborda de Oliveira (2003), essa discussão trazia a marca de uma crítica radical da cultura,
que ressoava com a mesma força que a crítica às formas políticas de gestão do globo,
manifestas na polarização da Guerra Fria. E, além disso, “políticas, economia e cultura
sofriam críticas radicais de intelectuais, políticos dissidentes, minorias políticas, étnicas e
sociais e, sobretudo naquele momento, de “uma” juventude apaixonada” (p. 154). Aliás,
pontuando, agora, a realidade nacional, os próprios estudantes brasileiros em meados da
década de 50 reivindicavam uma educação mais pautada na realidade, na técnica, na ciência, e
menos na obsoleta tradição livresca da universidade brasileira (TABORDA DE OLIVEIRA,
2003). Com isso, houve uma grande apologia, tanto dos civis quanto dos militares, à técnica e
a ciência para modificar a base da educação visando uma melhor preparação do indivíduo
para atender o mercado de trabalho.
Nesse contexto, a Lei n. 5692/71 estabelece a profissionalização universal e
compulsória, modificando o sistema de ensino vigente. Essa lei interviu para a desativação
das escolas técnicas, pois se entendiam que as habilitações profissionais deveriam ser
ministradas em toda e qualquer escola de 2º grau, sendo intrínseca ao seu papel na sociedade
(CIAVATTA, 2002). Isto deixa clara a intenção de ajustar a educação ao uso de técnicas,
almejando uma educação pautada na realidade que se volta para satisfazer o processo de
industrialização e urbanização do país.
A EF como toda educação brasileira, também, encontrava-se submersa nessa tensão
social. Contudo, a EF que, de acordo com Bracht (1999), foi constituída a partir de grande
influência das instituições militares e da medicina, ganha, em 1961, na iminência do golpe de
64 e sob os debates mundiais acerca da educação, contornos para uma afirmação em âmbito
nacional a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases (LBD) da Educação Nacional
pela lei nº 4.024/61. Essa lei, em seu artigo 22, estabelece que “será obrigatória a prática da
educação física nos cursos primário e médio, até a idade de 18 anos” (BRASIL, 1961, não há
página por ser retirado de um endereço eletrônico). Mais tarde, em 1969, altera-se a redação e
a lei é estendida: será obrigatória a prática da educação física em todos os níveis e ramos de
escolarização, com predominância esportiva no ensino superior. (BRASIL, 1969).
Com essa afirmação a EF também se submete aos pilares (valorização das técnicas e
da ciência) propagados durante a ditadura, como menciona Taborda de Oliveira (2004):
“fazia-se apologia da técnica e da ciência em nome de um desenvolvimento tido como
indiscutível. A “modernização” – mote da ditadura militar – tinha chegado para ficar.” (p. 13).
Vale destacar que os ideais ditatoriais estavam propagados de maneira intensa em grande
parte da América, como ilustra Rouquié (1984): “em 1980, dois terços da população total da
11

América considerada latina viviam em países de regimes militares ou sob o domínio militar”
(p.122). Assim, a EF, que nasceu sob o signo da técnica e do rendimento, alinhou-se, no
período do regime autoritário, aos ideais vigentes em todo campo educacional, sendo
elaboradas diversas políticas públicas para a EF brasileira.
Taborda de Oliveira (2003) cita que esse momento marca a expansão dos cursos
superiores no Brasil. Assim, o autor lista diversos fatores que colaboraram para expansão dos
cursos superiores de EF e consequentemente sua afirmação no cenário nacional:
A reforma universitária proposta pela lei 5.540/68, que expandiu a oferta de vagas
no ensino superior no Brasil; a expansão da escolarização obrigatória, no seu
aspecto quantitativo, que gerou a necessidade de mais escolas e, consequentemente,
a necessidade de mais professores para atender o aumento do número de vagas; a
mudança de referência paradigmática na Educação Física brasileira, que passa a
buscar cada vez mais uma identidade científica; o debate mundial sobre a
importância da Educação Física para a sociedade e sua vinculação com a
universidade; à organização crescente dos professores de Educação Física em torno
de sua necessidade de reconhecimento profissional e status social; a perspectiva
centralizadora e planejadora do poder central; a consolidação mundial do esporte
como forma de atividade física privilegiada (p. 154).

Aliás, com a obrigatoriedade em todos os níveis de ensino, estabeleceu-se, pela Lei nº


5.540/68, obrigações para as instituições de ensino superior, principalmente para a EF, em seu
artigo 40. Esta teve sua redação alterada no item ‘c’ em 1969, estabelecendo que:
a) por meio de suas atividades de extensão, proporcionarão aos corpos discentes
oportunidades de participação em programas de melhoria das condições de vida da
comunidade e no processo geral do desenvolvimento; b) assegurarão ao corpo
discente meios para a realização dos programas culturais, artísticos, cívicos e
desportivos;
c) estimularão as atividades de educação física e de desportos, mantendo, para o
cumprimento desta norma, orientação adequada e instalações especiais. (BRASIL,
1969, não há paginação porque foi retirado de um endereço eletrônico).

Como já visto, nas instituições de ensino superior, houve a predominância por


atividades esportivas. E, com a Lei nº 69.450/71, como nos diz Paiva (1985), fixaram-se
amplas diretrizes referentes à Educação Física Desportiva. Esta lei, ainda, salienta que as
turmas deveriam compor-se por alunos do mesmo sexo, cuja seleção far-se-ia por níveis de
aptidão física.
Embora seja uma lei referente ao ensino superior, esta, como outras já citadas, propõe
atividades com predominância da natureza desportiva mais pautada no rendimento, na
melhora da aptidão física, atrelando-se com a discussão em âmbito internacional nos anos 60.
E, ainda, de acordo com Brasil apud Betti (1991):
Pelo Decreto 69.450, de 1 de novembro de 1971, a “educação física, desportiva e
recreativa” deve integrar como atividade escolar regular o currículo dos cursos de
todos os graus de ensino, entendendo a Educação Física como a “atividade que por
seus meios, processos e técnicas, desenvolve e aprimora forças físicas, morais e
cívicas, psíquicas e sociais do educando” (p.104).
12

Essa integração da Educação Física como atividade escolar oriunda do Decreto


69.450, estabelece, conforme argumentado por Taborda de Oliveira (2002), a educação como
instrumento para a promoção do mercado de trabalho e do desenvolvimento econômico do
país, tão aclamados no período. Nessa linha de raciocínio pode-se constatar que o objetivo é
desenvolver a aptidão física, onde o conhecimento que se pretende que o aluno apreenda é o
exercício de atividades corporais que lhe permitem atingir o máximo rendimento de sua
capacidade física.
Desse modo, o Parecer nº 504/76 (BRASIL, 1976 apud BETTI, 1991) propôs dois
objetivos para a Educação Física: (a) cultura física, em que estimule o desenvolvimento
harmonioso de órgãos e funções, de modo que alcance o máximo de eficiência e resistência
orgânica; (b) educação social, pela aquisição do senso de ordem e disciplina, através de
exercícios e competições esportivas (p. 105).
Todavia, torna-se leviano analisar este período sem ponderar as discussões que
cercavam a Educação Física. Assim, Gerez e David (2009) enfatizam que na década de 70
entendia-se que faltava à EF um viés científico; e nos anos 80, houve a conhecida “crise de
identidade da EF”, sendo esta marcada por críticas contundentes, pautada nos ideais humanos
e sociais, à prática pedagógica na área escolar, que culminou com a maioria das práticas
pedagógicas presentes, ainda hoje, na EF. Segundo Bracht (2000), referente à necessidade da
cientificidade da Educação Física:
A Educação Física, enquanto prática social, conquistava legitimidade social a
medida que aqueles que a propunham podiam demonstrar “cientificamente” sua
necessidade imperiosa, apelando e vinculando-a, além disso, a valores desejáveis
como a educação (formação) e a saúde. (p. 54 e 55).

Assim sendo, Taborda de Oliveira (2004) afirma que, na época da ditadura no Brasil,
mais especificamente nos finais dos anos 60 e na década de 70, existia um grande debate
internacional sobre a importância da Educação Física para a sociedade e sua vinculação com a
universidade, discutindo-se a sua organização, finalidades, objetivos e métodos. A partir desse
debate e de todo contexto que cercava à época, o discurso, no Brasil, direcionava-se para a
necessidade de uma “maior padronização da formação inicial para professores de EF e o
combate à incúria que grassava nas práticas escolares naquele período” (TABORDA DE
OLIVEIRA, 2003, p. 158). Não obstante, indicava-se que a EF deveria ter um caráter
formativo e educativo, acentuando a importância da formação dos educadores e da pesquisa
científica. É importante mencionar que a produção do conhecimento na área pautava-se pelos
referenciais das Ciências Biomédicas, priorizando o corpo fracionado, medido por partes, e
13

exposto a quantificações. (MENDES, 2009).


Logicamente, o resultado desses debates repercutiu intensamente no campo acadêmico
e, consequentemente, o esporte ganha destaque como conteúdo primordial das aulas de EF ao
ser considerado uma atividade educativa de excelência. Como bem destaca Taborda de
Oliveira (2004), “(...) o esporte foi a coroação de um mundo de competição, concorrência,
liberdade, vitória, consagração. Sugerido de forma exclusiva pelos órgãos oficiais para a
educação física escolar (...)” (p. 13). Portanto, este passou a ser conteúdo indicado por
diversos órgãos educativos relacionados à Educação Física escolar. Inclusive, tornando-se
referência praticamente exclusiva para a prática de atividades corporais no plano mundial,
seja dentro ou fora da escola (TABORDA DE OLIVEIRA, 2002), reduzindo as possibilidades
corporais a algumas poucas técnicas estereotipadas.
Apesar da valorização dos aspectos técnicos e de desempenho que se volta para a
realidade, levando a indicação do esporte como conteúdo de destaque pelas políticas públicas
vigentes, a utilização deste não pode ser considerada uma imposição, visto que foi resultante
dessa discussão acadêmica de abrangência internacional. Mesmo assim, diversos autores
(CASTELLANI FILHO, 1994; BETTI, 1991; GHIRALDELLI JUNIOR, 1988) acentuam
que, no Brasil, coube à EF e ao esporte o papel de colaborar com o esvaziamento de qualquer
tentativa de rearticulação política do movimento estudantil. Ghiraldelli Junior (1988),
exemplarmente, afirma que a EF servia como um instrumento alienador, com “o objetivo
claro de atuar como analgésico no movimento social” (p. 32). Estes autores destacam que a
utilização do desporto advoga uma neutralidade acerca dos conflitos político-sociais,
colaborando para a desmobilização de organizações populares contrárias ao regime ditatorial.
O argumento utilizado é de que a tendência pauta-se na “racionalização do ensino” 3,
defasando uma formação de um indivíduo crítico e reflexivo, ou seja, prevalece a formação de
cidadãos não contestadores da política vigente.
No entanto, vincular apenas ao regime ditatorial a Educação Física direcionada à meta
da máxima eficiência e da resistência orgânica para propagação dos ideais ditatoriais, torna-se
um tanto exagerado. Pois, “a tendência esportivizante, centrada na aptidão física, já era
desenvolvida desde meados dos anos 50” (TABORDA DE OLIVEIRA, 2002, p. 63). Vale
ressaltar que neste período o país também passou por um processo para a formação de um
Estado nacional forte. E, além disso, um dos pilares para a implantação da ditadura seria,
justamente, o resgate de princípios morais que estariam sendo deturpados na sociedade

3
Segundo Libâneo (1994), a racionalização do ensino consiste no uso de técnicas e meios mais eficazes para a
qualificação profissional, acarretando apenas verificações quantitativas dos objetivos.
14

brasileira (CIAVATTA, 2002). Entretanto, não se nega “que, dada a “essência” de um regime
autoritário, a Educação Física no Brasil também foi pensada numa perspectiva de controle
social” (TABORDA DE OLIVEIRA, 2004, p. 13).
Desta maneira, com a valorização do esporte, vinculada ao grande “avanço científico
nas áreas de Fisiologia do Exercício, da Biomecânica, do Treinamento Desportivo etc.”
(GHIRALDELLI JUNIOR, 1988, p. 30), houve, não de forma monolítica, uma intensa
valorização de uma tendência Competitivista. Nesta tendência, o desporto refreia o conceito
de EF, tornando-se, sobretudo, uma verificação de performance. Ou seja, o desporto passa a
ser o significado da própria Educação Física.
Isto realça a consonância da EF com a educação em geral, pois esta concepção
competitivista alinha-se a alguns aspectos importantes, como a valorização do rendimento e
da ciência. Essa concepção Competitivista, também, ia ao encontro da nova etapa de
modernização do país, do ‘BRASIL GRANDE’, visionada pelo regime ditatorial e parte da
população, possibilitando mostrar a força do país através de feitos (aqui estão incluídos os
feitos esportivos, como a conquista de medalhas, recordes etc.) com abrangência internacional
e de passar a ideia de progresso tanto no desenvolvimento econômico quanto no campo social
do país (CASTELLANI FILHO, 1994). Portanto, o Brasil tornando-se uma potência esportiva
seria, também, um grande instrumento representativo do desenvolvimento social do país. Vale
salientar que essa modificação, apesar de não ser conclusiva, incidia-se de um consenso entre
a maioria dos especialistas da área, que viam nessa abordagem competitivista a melhor forma
para trabalhar a EF.
Porém, vimos que a visão disciplinadora, calcada no adestramento físico e na saúde
física4 do indivíduo, advém desde os primórdios da Educação Física escolar brasileira. Bracht
(1999) nos diz que estes primórdios da EF, higiênicos e militaristas, teriam contribuído para a
construção de corpos saudáveis e dóceis, com o intuito de adequá-los ao processo produtivo
ou a uma política nacionalista. Góis Junior & Lovisolo (2003) são ainda mais enfáticos em
relação à Educação Física, argumentando que a EF continua, na atualidade, a buscar os
princípios e valores voltados para o desenvolvimento do hábito de atividades físicas
sistemáticas em prol da saúde. Logo, esta educação do corpo é fruto de uma construção
histórica da própria EF e não, unicamente, uma imposição do regime civil-militar.
Antes de relatar sobre essa construção, a partir da implantação da EF nas escolas

4
A compreensão de saúde pela Organização Mundial de Saúde é dada pelo resultado das condições dignas de
vida, tanto na esfera biológico quanto na social (SOARES,1993). Esta compreensão é de 1986, na I Conferência
Internacional sobre Promoção da Saúde.
15

brasileiras, Gerez & David (2009) apontam que, na Idade Contemporânea, o contexto era
marcado pelo desenvolvimento científico e industrial, pela ascensão da burguesia ao poder e
pela valorização dos ideais iluministas, portanto, como consequência, a escola precisa se
modernizar para acompanhar as mudanças sociais. Logo, o trabalhador deveria ser
“disciplinado” nos moldes do mundo burguês. Deste modo, em 1858, a EF escolar, no Brasil,
é implementada com o objetivo principal, a partir de seu “currículo ginástico” provenientes
dos métodos alemão, sueco e francês: a formação de uma geração forte, saudável (física e
moralmente), capaz de suportar, de modo disciplinado, a longa jornada de trabalho nas
fábricas, além de consolidar o sentimento nacionalista e patriótico entre a nação (GEREZ &
DAVID, 2009). Não se pode deixar de notar as semelhanças dos contextos da implantação da
EF escolar em 1858 e do período do regime civil-militar estudado, onde ambos destacam,
segundo a literatura pesquisada (TABORDA DE OLIVEIRA, 2002, 2003, 2004; GEREZ &
DAVID, 2009; GHIRALDELLI JUNIOR, 1988; CASTELLANI FILHO, 1994; BETTI,
1991), a EF buscando a aptidão física em prol de um desenvolvimento econômico e de uma
sociedade forte e saudável.
De tal modo, que quando se evidencia a realidade escolar da EF na ditadura, destaca-
se que esta esteve em consonância com os ideais propagados pelo campo educacional na
época, tanto pelo governo como por uma parcela da população, que viam a necessidade de
uma educação mais técnica para suprir a exigência do mercado de trabalho, como já fora
elucidado. Em relação a seu conteúdo, este foi sugerido a partir de diversas reflexões sobre a
área, com a escolha, não sem conflito, do esporte como o principal conteúdo. Mas, lembrando
as palavras de Taborda de Oliveira (2004), ”todo professor (...) tem pelo menos um espaço de
autonomia – a aula propriamente dita.” (p. 12). Ou seja, mesmo o esporte sendo sugerido
como um dos principais conteúdos por órgãos relacionados à EF e por parte de seus
especialistas, havia a possibilidade de preferência por outro conteúdo nas aulas de EF, como a
ginástica, jogos, danças, lutas etc.
Aliás, nessa busca pela consolidação de um Estado poderoso e saudável, de um país
forte economicamente e de uma educação mais pautada na realidade, a Educação Física
juntamente com toda a escola passaram por inúmeras adaptações a fim de subsidiar esse
desenvolvimento. No entanto, no final dos anos 70 e na primeira parte dos anos 80, o país
estava passando por um período de transição processual entre regime ditatorial e democracia
no governo. Essa transição deu-se por diversos fatores, sendo alguns de ordem interna e
outros de ordem externa ao país, como por exemplo:
16

o esgotamento do nacional-desenvolvimentismo, implementado no país desde 1930;


as consequências sociais do fim do “Milagre Econômico”; a derrocada do regime
ditatorial, instaurado no país pelo golpe civil-militar de 1964; a “Crise da Dívida”,
vivenciada nos países periféricos devedores dos países centrais do capitalismo,
devido à alta dos juros instituída por estes últimos; a rearticulação do poder entre os
sujeitos políticos, na disputa pelo poder estatal (HOTZ, 2008, p. 20).

Fausto (2002) complementa que a crise do petróleo, a dúvida de muitos empresários,


em especial de São Paulo, quanto aos rumos da política econômica que originaram uma
campanha contra a intervenção excessiva do Estado e os altos índices de desemprego
creditaram o fim do regime ditatorial. Aliás, Silva (1990) escreve que “a partir de 1980/82, o
crescimento econômico estagnou em toda América Latina, levando a maioria dos países a
rever suas políticas econômicas e sociais.” (p. 385).
Buscando novas soluções para minimizar a discrepância social e econômica, a
educação e o próprio sistema econômico entram na pauta das discussões. Ambos são
discutidos perante o criticismo crescente em todo mundo, pautado principalmente pela base
marxista (em suas diferentes vertentes) e pela fenomenologia. Essas novas teorias críticas
abrem espaço para a formulação de novas tendências pedagógicas a partir dos novos
referenciais vinculados às ciências humanas e sociais. Desta forma, passa-se a adotar também
um discurso de transformação da sociedade através de uma educação crítica/reflexiva. Como
se pode notar no discurso da Gerez & David (2009), a passagem da consciência alienada para
a crítica, a partir de suas observações, dar-se-ia por uma educação crítica, contextualizada
historicamente.
Nessa linha de transição, as políticas públicas de educação, também, responderam ao
novo quadro social do país. Novos programas, planos, diretrizes foram formulados tanto no
campo da educação como na EF.
No campo da educação em geral, destaca-se o III Plano Setorial de Educação, Cultura
e Desporto (III PSECD) 1980-1985, que propõe:
Na esfera da EDUCAÇÃO, em termos gerais, persegue-se o objetivo de ampliar as
oportunidades educacionais e reduzir as disparidades regionais, dentro do princípio
da educação permanente e do desenvolvimento sócio-político-econômico. (...) Ao
mesmo tempo, continua importante a meta de elevar a qualidade das ações
educativas, não só introduzindo mudanças significativas nos conteúdos curriculares,
mas também valorizando a função docente, mediante a adoção de uma política
correlata de atendimento às necessidades econômicas, sociais, políticas e culturais
do professor. Embora a profissionalização não seja a finalidade única da educação, é
relevante conseguir adequada relação educação-trabalho, no sentido de uma
aproximação crescente da estratégia de sobrevivência da população mais pobre
(BRASIL, 1980, p. 19).

Percebe-se que o discurso de valorização do docente está em alta e a educação exibe-


se como um instrumento reducionista das desigualdades sociais e dos desequilíbrios regionais
17

conforme o IIIPSECD. A valorização do docente está presente em todas as pautas de regiões.


Na região Sudeste sugere-se a oferta de pagamentos indiretos e a procura por uma essencial
participação do corpo docente no processo de decisão da Escola, juntamente com programas
complementares que apreciem a carreira de professor, como por exemplo: facilidade de
aquisição de livros e outros instrumentos educacionais (BRASIL, 1980).
Agora, mais especificamente no campo da EF, o III PSECD descreve que:
A educação física e o desporto se apresentam, sob seus numerosos aspectos, como
um fenômeno social de amplitude e forças excepcionais, bem como de marcante
universalidade, atingindo a pessoa, quer como participante, quer como espectador.
Podem e devem contribuir, no futuro, de maneira mais decisiva do que no passado,
para o desenvolvimento do homem e sua melhor integração social, apoiando o
esforço geral de educação básica, primordialmente orientado para as populações
pobres (BRASIL, 1980, p. 24).

Nesse período de tensão entre vertentes educacionais, surgem na EF novas propostas


pedagógicas, como: Psicomotricidade, Desenvolvimentista, Construtivista, Crítico-
Superadora, Crítico-Emancipatória, Saúde Renovada etc. (GEREZ & DAVID, 2009). Essas
novas propostas estão explícitas em alguns documentos elaborados por órgãos
governamentais, como por exemplo, nas Diretrizes de Implantação e Implementação da
Educação Física na Educação Pré-escolar e no Ensino de Primeira a Quarta séries do Primeiro
Grau elaborada pela Secretaria de Educação Física e Desportos (SEED)/ Ministério de
Educação e Cultura (MEC) em 1982. Esse documento aponta nos objetivos para uma EF
pautada na psicomotricidade, como destaca o item 2: “oferecer subsídios sobre o conceito de
educação psicomotora no desenvolvimento normal da criança no contexto geral da Educação
Física” (BRASIL, 1982, p. 11). E, de acordo com as Diretrizes Gerais para Educação Física e
Desportos 1980/1985 apresentadas pela SEED/MEC, a EF surge como “um conjunto de
atividades educativas que visam a criar o gosto e o hábito do exercício físico regular”
(BRASIL, 1982, p. 12).
A pesquisa científica na área não fica a margem dessa entrada dos novos referenciais.
Há indagações a respeito do significado de ciência, do reducionismo da mesma a apenas uma
abordagem metodológica – empírico-analítica -, a dimensão biológica ser a hegemônica na
análise do ser humano. Assim, Mendes (2009) escreve que:
Nesse contexto de problematizações à perspectiva biologicista que emerge a partir
de meados da década de 80 do século XX, as críticas à compreensão de corpo,
pautada no pensamento clássico são diversas. Referem-se aos dualismos e
reducionismos, à determinação de padrões corporais, à compreensão de que o corpo
é somente um objeto, uma máquina que está isolada do mundo em que vive; dentre
outras (p. 6).
18

Trata-se de um período conturbado na EF brasileira. Esta se encontra em um campo de


tensão com diversos fatores que a influenciam: momento político do país, novos referenciais,
necessidade de legitimar-se socialmente, necessidade de se afirmar enquanto ciência,
expansão dos cursos superiores etc.
Dessa maneira, iremos a seguir discutir a respeito do(s) significado(s), do(s) limite(s) e
possibilidade(s) do referido termo ‘educação do corpo’, a fim de subsidiar uma melhor
compreensão a respeito do corpo como um constructo sociocultural.

2. Educação do corpo: limites e possibilidades

Desde os primórdios da existência humana, “o corpo vem sofrendo modificações ao


longo dos anos, sendo produto de uma construção simbólica e da experiência social” (SILVA,
BAPTISTA & MAIA, 2012, p. 795). Este revela a diversidade e a polissemia da existência
humana por meio de sua materialidade ao passo que a cultura também se refere ao corpo.
Desta maneira, observa-se que “pelo seu corpo, o ser humano está em comunicação com os
diferentes campos simbólicos que dão sentido à existência coletiva" (LE BRETON, 2011, p.
37). Sendo assim, como bem define Soares (2006):
Os corpos [...] podem traduzir, revelar, evidenciar formas bem precisas de educação,
modos bastante sutis de inserção de indivíduos e grupos em uma dada sociedade,
formas múltiplas de socialização. Trata-se de lugar que revela o que há de mais
íntimo, mais profundo no humano, trata-se mesmo de sua possibilidade única de
estar no mundo. (p. prefácio XI).

Afinal, o corpo caracteriza-se como um importante elemento na construção das


subjetividades na sociedade. Este caráter encontra-se em evidência porque o corpo é, cada vez
mais, um fenômeno de especulações, manipulações e fontes de desejos (VAZ, 2002; GOMES
& SILVA, 2007).
Dentro dessa perspectiva, onde o trato com corpo humano recebe importância ao ser
considerado, por exemplo, um construtor das subjetividades, busca-se na educação - que
ocorre em todos os espaços e não somente na escola - o instrumento necessário para inscrever
as marcas da modernidade na sociedade. Apesar de a escola não ser o único lugar e o único
meio educativo é nela que a sociedade moderna trata como local para a inscrição de novos
hábitos, valores, condutas e comportamentos. Para Vago (1999), a escola “seria o locus do
saber legitimado e autorizado como necessário à prosperidade da nação, em face dos desafios
19

postos pela complexidade social” (p. 32), sendo “um dos dispositivos mais mobilizados na
direção da consolidação da “modernidade”” (TABORDA DE OLIVEIRA, 2006, p. 16).
Nesse sentido, o corpo ganha destaque no processo de escolarização. Taborda de
Oliveira (2006) afirma que “o corpo era inscrito como possibilidade efetiva de conquista da
vontade, do pensamento e da ação dos indivíduos." (p. 12). Seguindo a mesma ideia, Gomes
& Silva (2007) salientam que o “homem é portador de determinações sócio-econômicas-
políticas, sensações, percepções e sentidos atribuídos às suas ações” (p. 2). Portanto, cabe-nos
perguntar: que determinações são essas?
Nesse ínterim, Soares (2006) afirma que o corpo e suas distintas expressões, “são
objetos de constante intervenção do poder” (prefácio XII), passando a ser um meio
imprescindível, a partir de diversas técnicas, para a chamada educação do corpo. Soares &
Fraga (2003) destacam que o corpo carece de uma sólida educação para poder traduzir, na
aparência, os códigos de civilidade, uma vez que, desde o século XVIII no Ocidente e mais
largamente a partir do século XIX, o discurso de que o corpo em sua exterioridade exprime
uma posição moral do indivíduo tem sido amplamente difundido.
Dessa maneira, os discursos sobre educação do corpo ajustam-se visando à
incorporação de determinadas visões e modelos de homem, erradicando tanto questões físicas
quanto comportamentais não condizentes com o modelo propagado. De tal modo que Gomes
& Silva (2007) enfatizam que a compreensão de corpo na atualidade, a partir dos significados
atribuídos aos modos de “viver bem” ou “viver mau”, podem influenciar os hábitos dos
indivíduos. Ademais, Vaz (2002) cita que diversos esforços pedagógicos têm sido
empreendidos para o controle e disciplinamento dos corpos, almejando incansavelmente o
alinhamento dos hábitos sociais ao modelo propagado. Um entre muitos desses esforços
pedagógicos centra-se, por exemplo, na questão do currículo, como nos aponta Taborda de
Oliveira (2006) ao afirmar que o currículo é um dos artefatos representativos da modernização
da escola.
Mas o que seria exatamente educação do corpo e como a literatura aborda a essa
expressão?
Referente à questão notou-se, a partir da revisão de literatura, que existe uma ampla
utilização dessa expressão, contudo, diversos significados foram identificados em seu
emprego. Moreno & Segantini (2006) em seus estudos já haviam despendido sua atenção para
a compreensão das possibilidades e limites desse termo. Suas análises apontam para uma
diversidade de significados, como: referindo-se à “civilidade, processo civilizatório, polidez,
educação dos comportamentos, pedagogia das boas maneiras, educação física, educação dos
20

gestos, práticas corporais, produção e formação de sensibilidades, desenvolvimento de


habilidades, etc” (idem, p. 2). Além disso, observou-se uma visão bastante ampla do seu
significado, muitas vezes no sentido de “modos de viver”, como encontrado nos estudos de
Taborda de Oliveira & Linhales (2011); Vaz (2002); Soares (2011). Embora, certas vezes,
também utilizado para representar a “educação do físico”, “das práticas corporais”, como
acima destacado por Moreno & Segantini (2006).
Todavia, apesar dos diferentes usos dessa expressão, parece existir um consenso entre
os autores aqui estudados de que a educação do corpo está relacionada diretamente com a
ideia de civilização. Uma vez que, como citado por Soares & Fraga (2003), os discursos sobre
educação do corpo visam “a normalização do alinhamento, corrigindo as deformidades
físicas, mas também, e especialmente, os desvios morais” (p. 80). Assim, diversos autores
(TABORDA DE OLIVEIRA & LINHALES, 2011; TABORDA DE OLIVEIRA, 2006; VAZ,
2002; MORENO & SEGANTINI, 2006) destacam que a educação do corpo delineia um
verdadeiro projeto civilizatório a partir da disseminação cultural, onde o corpo possui marcas
referentes à cultura.
Dessa forma, Lüdorf (2008) argumenta que ler e interpretar essas marcas passa a ser
“um exercício dialético onde se busca construir e desconstruir o corpo e a própria cultura” (p.
64).
Nesse processo de (re) construção e desconstrução do corpo, podemos perceber que os
discursos de educação do corpo precisam ser remodelados ao passo que a sociedade passa por
transformações. Com isso, Gomes & Silva (2007) afirmam que a história do corpo e sua
constituição mudam ao longo dos anos alterando as significações em relação ao corpo. Vale
lembrar, que esses valores sociais legitimados por esses discursos não seguem uma forma
linear de aceitação. Eles são modificados, rejeitados e (re) construídos no decorrer do tempo e
a educação do corpo acompanha essas transformações. Como afirma Foucault: "cada época
elabora sua retórica corporal” (apud Soares, 2006, XIII) e, ainda, pode-se acrescentar que em
cada sociedade há sua ‘retórica corporal’.
De tal modo, compreende-se que cada sociedade possui seus próprios hábitos e que os
mesmos vão sofrendo transformações ao longo dos anos devido às novas experiências
socioculturais ocorridas no ambiente em que a sociedade está inserida, sendo a educação do
corpo um veículo fundamental para essas mudanças. Por isso, Taborda de Oliveira (2011)
destaca que “a educação do corpo tem veio privilegiado para a compreensão da mudança ou
da permanência no âmbito da cultura, no que se refere à educação dos sentidos e de novas
sensibilidades” (p. 4).
21

Essa busca pela permanência ou mudança no âmbito da cultura ratifica a ideia de


civilização a partir dos discursos de educação do corpo, onde Soares & Fraga (2003) falam
que o corpo educado torna-se sinônimo de civilização. Aliás, a procura pela formação humana
nos moldes de “viver bem” (ou civilizado) por valores legitimados pela sociedade faz parte de
um processo cada vez mais complexo de desenvolvimento societário. Conforme Taborda de
Oliveira (2006) dá-se ênfase sobre a necessidade de algum tipo de “direção social” para a
formação humana nas sociedades complexas, sendo que o corpo destaca-se nesse cenário.
Esse direcionamento social se dá, principalmente, pela intervenção no corpo. Soares &
Fraga (2003) descrevem que “o corpo, mais do que nunca, constituía-se em um território
aberto às mais variadas possibilidades de intervenção, responsáveis por formas mais
sofisticadas de coerção e disciplinamento” (p. 84). Dessa forma, um longo processo de
coerção e disciplinamento atinge o corpo através de práticas educativas direcionadas para a
busca do “viver bem” - retidão das formas e dos comportamentos. Ou seja, numa sociedade
em que o corpo exprime a moral do indivíduo, como supracitado, só aquilo que estivesse em
consonância com as características valorizadas e almejadas pelo processo educativo deveria
ser digno de exibição, aquilo que se encontra fora dos padrões deveria ser escondido.
Portanto,
Exibir-se corresponderia a uma declaração de fidedignidade aos inúmeros cuidados:
exercícios físicos, adoção de regimes alimentares, regulação do sono, etc. Esconder-
se passaria a ser imperioso quando o relaxamento e a fraqueza física assumissem
formas protuberantes indesejáveis no corpo: flacidez, obesidade, insônia, etc. É aí
que se movem os ideais contemporâneos de boa forma, beleza e felicidade, como
também as frustrações e ansiedades que produzem um sem número de enfermidades
(SOARES & FRAGA, 2003, p. 86).

Esses inúmeros cuidados que caracterizam a boa forma, a beleza e a felicidade, bem
como analisado, são tratados como uma questão moral dentro da sociedade. Cada desvio
dessas formas e comportamentos – desvio da conduta padrão - são acusados e dignos de
notas, levando a um controle moral dos indivíduos em relação a si e ao coletivo. Conforme
Stephanou (2004) “o tom moral prevalece e recomendam-se, sob advertências, ameaças,
ironia ou zombaria, os procedimentos “naturalmente” adequados, apenas desapercebidos da
tola ignorância” (p. 3). Além de serem vistos como uma questão moral, existem diversos
mecanismos que ajudam na propagação desses valores, exibindo os que seriam o molde a ser
seguido, como por exemplo: a mídia, a escola, a ciência etc. Caracterizando alguns desses
valores, Taborda de Oliveira (2006) destaca questões indicativas do bom funcionamento do
organismo - anatomia, fisiologia, biomecânica, termodinâmica. Sendo assim, alguns dos
produtos da ciência moderna estão na base das preocupações sobre o caráter formativo do
22

indivíduo. O autor ainda exalta que essa base biológica dos pressupostos compreende-se
devido à primazia das ciências da natureza.
Entre outros mecanismos, Soares (2007, p. 14) alerta para a criação da disciplina
Educação Física (EF), que se constitui como um “valioso objeto de disciplinarização da
vontade, de adequação e reorganização de gestos e atitudes necessários à manutenção da
ordem”, a partir de estruturas e dispositivos que transmitem valores socialmente aceitos. A
mesma autora (2003) atrela a origem da EF aos exercícios físicos, principalmente a ginástica.
Ela afirma que com estes conteúdos busca-se a preservação e manutenção da saúde individual
e social, o que se configuraria na “construção de uma retidão de comportamentos e posturas”
(p. 4).
De acordo com Góis & Lovisolo (2003), a EF até hoje persiste na influência médico-
higienista, contribuindo para a formação de corpos saudáveis e dóceis. Essa visão da
funcionalidade da EF – ideia de possuir um corpo saudável através, principalmente, de
exercícios físicos - consiste com a ideia de que é preciso tornar os corpos úteis e
disciplinados. Esta característica acaba por promover uma legitimação social da Educação
Física. Essa legitimação ocorre porque o conhecimento, pautado na saúde, preenche a sua
essência: ser “útil, racional, despido de sentimento e capaz de produzir eficácia social” (LE
BRETON, 2011, p. 101).
Desse modo, a EF compartilha da ideia de que a saúde está fortemente ligada, quase
que unicamente, pela prática de atividades físicas. Assim, a Educação Física corrobora na
formação de símbolos para sociedade a partir de uma educação do corpo pautada,
principalmente, pelos conhecimentos das ciências da saúde. Contudo, é importante salientar
que nem toda educação do corpo remete-se ao conceito de adestramento, no sentido de
conformação/alienação, como se pode levar a pensar levianamente. Como bem analisou
Ghiraldelli Junior (2007), “não é porque o corpo adquire um lugar proeminente que a
educação se torna irracional ou um processo de adestramento” (p. 135).
Como já fora supracitado ao longo do texto, há muitos entendimentos pela
compreensão da expressão “educação corporal”. Por isso, certas dúvidas podem vir à tona.
Mas duas merecem atenção especial, são elas: qual a diferença entre educação e educação do
corpo? E, por que considerar a EF um objeto privilegiado na educação do corpo?
Referente à questão levantada, Le Breton (2011) indica que a existência humana é
corporal. Faz, portanto, sentido considerar a educação uma ação que age sobre o corpo. A
partir desta concepção de corpo, onde toda educação é corpórea, não haveria motivo para a EF
sobressair como um mecanismo privilegiado. Desconstruindo um pouco mais a utilização do
23

termo educação do corpo, vê-se que a diferenciação dos termos educação e educação do corpo
torna-se um tanto problemática quando não há um prévio esclarecimento na literatura acerca
da expressão analisada.
Ainda analisando o contexto de a Educação Física possuir um papel privilegiado na
educação do corpo, Goellner (2010) demonstra que:
Desde meados do século XIX constata-se a importância das atividades físicas como
forma de potencializar a saúde dos brasileiros e das brasileiras, nos discursos da elite
política e cultural do país. Tal necessidade era indicada para o fortalecimento da
raça, pois a constituição homogênea do povo brasileiro passou a ser o pilar
fundamental de um projeto de humanidade centrado na eliminação de tudo aquilo
corporalmente intolerável. A crença na transformação da sociedade por meio da
educação do corpo adquiriu contornos mais sofisticados com a recorrência aos
preceitos da higiene e da eugenia, identificados como saberes científicos necessários
para a consolidação desse intento (p. 528).

A partir deste detalhamento e do consenso entre os autores, como já fora relatado, da


expressão “educação corporal” passar sempre pela ideia de civilização, vê-se no discurso da
Silvana Goellner que a educação do corpo, por constituir um projeto de humanidade que visa
eliminar “tudo aquilo corporalmente intolerável”, precisa se legitimar como saber científico
para consolidar o projeto nacional via educação.
Assim, a EF ganha força como disciplina dedicada a uma educação do corpo voltada
quase que exclusivamente, como relatou Hunger e Souza Neto (2003), a vertente biológica,
atrelando-se a busca indispensável pela saúde. E, ainda, se lembrarmos de que o corpo serve
como expressão da moral do indivíduo, devendo ser firme e ereto para corresponder às
condutas e formas adequadas, deve-se haver também um trabalho meticuloso para sustentar a
boa postura ao longo da vida.
Por fim, Stephanou (2004) argumenta que desde as primeiras décadas do século XX, a
formação do homem exalta uma crescente importância dos cuidados pessoais – em especial
aqueles relacionados à saúde e à higiene - nos domínios da urbanidade ou da civilidade. Estes
cuidados pessoais, como alenta a autora, referem-se à “à polidez das condutas, os rituais de
uma estética esmerada, asseio pessoal, cuidado com o corpo, a intimidade e a sexualidade, os
novos modos da sociabilidade urbana” (p. 2).
Desse modo, a crença na transformação da sociedade via educação do corpo, com
esses saberes legitimados (principalmente advindos da área médica e quase sempre voltados
para a questão da saúde), corroboraram para diversos estudiosos, como Taborda de Oliveira
(2006; 2011), Vaz (2002; 2006), a entenderem a EF como veículo privilegiado na educação
do corpo. Uma vez que o discurso da saúde, como supracitado, está amplamente ligado ao
aspecto da prática de exercícios físicos e julga-se como papel do profissional de EF o trato
24

com o corpo e com o movimento humano. Entretanto, precisa-se sublinhar que a educação do
corpo não se dá apenas na escola e muitos menos só na Educação Física.
25

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O estudo objetivou uma melhor compreensão sobre qual educação do corpo foi
propagada no processo de formação de professores na Escola de Educação Física e Desportos
(EEFD), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no período do regime civil-
militar do governo do General Figueiredo (1979 – 1985).
Para investigar tais práticas realizou-se uma pesquisa de caráter teórico-empírico
empregando-se como fonte de informações para a coleta de dados, além do levantamento
bibliográfico, a análise de documentos. Especificamente serão analisadas atas de
Congregações, atas do Conselho Departamental da EEFD da UFRJ e os Ofícios Circulares.
Em relação ao levantamento bibliográfico, que tem por finalidade “colocar o
pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado
assunto” (LAKATOS & MARCONI, 1991, p. 183), este ocorreu através de diversos livros,
revistas, artigos de periódicos, teses e dissertações relacionados ao problema abordado.
Buscou-se, a partir da revisão literária, uma melhor compreensão de como a literatura
descreve o período de recorte, a fim de refletir sobre continuidades e rupturas e a consonância
entre os dados apresentados pelos documentos e os autores estudados.
Já para a pesquisa documental, como mencionado, recorreu-se às fontes primárias
escritas: as atas (de Congregação e do Conselho Departamental) e os Ofícios Circulares entre
1979 e 1985, a fim de assegurar tanto a validade quanto a fidedignidade do objeto de estudo.
Como bem define Lakatos & Marconi (1991), as fontes primárias de documentos oficiais
“constituem geralmente a fonte mais fidedigna de dados” (p. 178). Concordamos com
Bacellar (2011), quando afirma que “documento algum é neutro, e sempre carrega consigo a
opinião da pessoa e/ou órgão que o escreveu” (p. 63). Dessa forma, tivemos como
preocupação principal analisar os documentos lançando-lhes um olhar crítico e respeitando a
natureza de seu contexto histórico.
Estes documentos foram considerados fontes de estudo por serem registros dos
colegiados mais representativos da instituição em análise, onde as principais questões são
debatidas e deliberadas; e/ou por serem documentos de grande representatividade do cenário
da Educação Física a nível nacional. A Congregação, por exemplo, é a reunião que envolve
representantes de todos os segmentos da Escola: docentes, discentes, funcionários etc.. É
nesta reunião que são definidas as diretrizes da Escola. O Conselho Departamental
26

representava5 o debate entre os chefes de departamentos e o diretor da Escola acerca de


questões da instituição, levantando-se questões e opiniões de cada departamento que seriam
encaminhadas à Congregação. Já os Ofícios Circulares, aqui estudados, são os meios que
serviram para algum órgão exprimir opiniões acerca de questões referentes à realidade
nacional da Educação Física e também da EEFD.
Este processo de análise consistiu no estudo de oitenta e nove (89) documentos, sendo:
catorze (14) atas de Congregação, sessenta e sete (67) atas do Conselho Departamental e oito
(8) Ofícios Circulares. Todos os documentos aqui destacados foram obtidos com o apoio do
6
Centro de Memória Inezil Penna Marinho (CEME) que permitiu a utilização da fotografia
digital7. Esta opção por meio da fotografia, como indica Bacellar (2011), tem sido uma opção
crescente na reprodução dos documentos, porque produz imagens com a possibilidade de
ampliação, o que facilita em alto grau a leitura e diminui as possibilidades de danos ao
documento devido ao seu manuseio. Aliado a esses fatores, existe a comodidade de se poder
trabalhar em outros ambientes e em horários alternativos quando se possui digitalmente a
fonte de estudo.
Vale destacar que não foi possível a análise de todos os documentos existentes do
dado período, porque apenas parte desta documentação está sob salvaguarda do CEME. O
Centro de Memória ainda está em processo de organização, onde esforços estão sendo
empreendidos no sentido de localizar o restante dos documentos, ainda dispersos em outros
locais da EEFD.
Assim, a partir das fontes selecionadas, buscou-se interpretar e problematizar os dados
dos documentos com o escopo de fornecer subsídios para reflexões acerca do problema do
estudo.

5
O Conselho Departamental não existe mais. Agora, as decisões são tomadas diretamente nas Congregações.
6
O Centro de Memória Inezil Penna Marinho foi criado em 2001 pelo Prof. Dr. Victor Andrade de Melo.
Atualmente está sob coordenação da historiadora Carolina Torres Alves de Almeida Ramos, e dentre outros
objetivos, se propõe a preservar e resgatar fontes documentais e orais da Escola de Educação Física e Desportos
(EEFD) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
7
Todos os cuidados necessários para a preservação dos documentos foram tomados, como por exemplo: o não
uso do flash, por ser danoso ao papel.
27

REFLEXÕES A PARTIR DA ANÁLISE DOCUMENTAL

Nesta etapa, a partir da leitura das Atas de Congregação e do Conselho Departamental,


buscou-se analisar e discutir a educação do corpo propagada na EEFD entre os anos de 1979 e
1985. Desta maneira, procuramos dialogar com a realidade nacional da Educação Física
brasileira e com as práticas e diretrizes próprias da Escola estudada a fim de alcançar o
objetivo proposto.

1. Educação do corpo performático


Nessa pesquisa apontaram-se aspectos curiosos em relação à educação do corpo
propagada na Escola. Como já discutido e sinalizado pela revisão literária, a EF no período
discutido continuou fortemente ligada a vertente biológica, caracterizando uma permanência
histórica do caráter médico e higienista (SOARES, 2007). Vale enfatizar que as atividades
físicas eram (ou são) ditas como um dos principais meios para manter a saúde e, dessa forma,
a EF apresenta justamente o papel de criar o gosto e o hábito pelo exercício físico.
Góis Junior e Lovisolo (2003) destacam que o discurso da Educação Física, tanto no
início do século XX quanto em seu final, exaltava que a prática de atividades físicas fortalecia
o homem e afastava a doença, sendo símbolo da saúde. Além disso, os autores sustentam que
os higienistas da saúde continuam a tratar o corpo como máquina, atrelando a prática de
atividades físicas sistemáticas à questão de ser saudável.
Neste contexto, os documentos destacaram a consolidação de alguns aspectos em voga
durante a ditadura civil-militar na EEFD, como a valorização deste caráter médico e higienista
da EF. Percebe-se essa valorização nos documentos, conforme mencionado abaixo:
a) em 1979, antes da integração do Laboratório de Fisiologia do Exercício
(LABOFISE) à Escola, já havia uma espécie de parceria entre ambos, pois o laboratório
realizava exames médicos nos alunos ingressantes (CONSELHO DEPARTAMENTAL,
reunião de 30 de janeiro de 1979)8;
b) no mesmo ano, todos os professores participantes da reunião defendiam a instalação
de um laboratório nas dependências da escola, com a manutenção da interpendência entre a
escola e o LABOFISE, porque na escola haveria a possibilidade da utilização de suas

8
Nem todos os documentos apresentam página e ano de publicação. A partir de agora, todos os documentos
citados que não contenham essas informações é porque não as apresentavam.
28

dependências para a realização de teste em alunos e atletas (CONGREGAÇÃO, reunião de 17


de janeiro de 1979);
c) houve a integração do laboratório com a instituição no ano corrente (1979) como
fora pretendido (CONGREGAÇÃO, reunião de 25 de junho de 1979);
d) em 1984 o LABOFISE passou a ser um setor da Escola (CONSELHO
DEPARTAMENTAL, p. 53 – 54, reunião de 06 de fevereiro de 1984).
Além disso, a partir do Teste de Habilidade Específica fica evidente que aspectos
técnicos e de desempenho eram elementos considerados pela instituição como essenciais para
um futuro profissional da área, que caracterizavam e valorizavam a formação de um professor
executor do movimento.
Esta valorização dos aspectos técnicos e de desempenho também se apresentou na
questão de transferências de alunos para a faculdade, onde o Corpo Deliberativo da Escola
acompanhava a legislação vigente, que indicava, de acordo com o artigo 100 da lei 7.037/82:

A transferência de alunos, de uma para outra instituição de qualquer nível de ensino,


inclusive de país estrangeiro, será permitida de conformidade com os critérios que
foram estabelecidos: a) pelo Conselho Federal de Educação, quando se tratar de
instituição vinculada ao sistema federal de ensino; b) pelos Conselhos Estaduais de
Educação, quando se tratar de instituições estaduais e municípios; c) pelo colegiado
máximo, de natureza acadêmica, em cada instituição, quando inexistirem normas
emanadas dos órgãos previstos nas alíneas anteriores. (BRASIL, 1982).

Na mesma lei, a redação indicava que cada estabelecimento deveria fixar normas
específicas que disciplinem a concessão e o recebimento das transferências. Assim, a Escola
instituiu alguns critérios para a transferência de alunos, são eles:
1) Para funcionários e dependentes destes, deferimento automático, desde que
sejam aprovados na entrevista e no exame de aptidão física; 2) Intercâmbio
universitário desde que sejam aprovados na entrevista e no exame de aptidão
física; 3) Necessidade-capacidade – após analisa (sic) digo após a análise
minuciosa do currículo, constatação da existência de vaga e após aprovação na
entrevista e no exame de aptidão física (CONSELHO DEPARTAMENTAL, p.
33 – 34, reunião de 11 de julho de 1982).

Deste modo, nota-se que apesar de seguir as normas estabelecidas pela legislação, a
EEFD exerce seu direito, previsto na lei 7.037/82 supracitada, apresentando critérios que
enfatizaram em todas as categorias o exame de aptidão física, que dialoga com um caráter
médico e higienista. Esse caráter estava minuciosamente destacado em inúmeras práticas da
Educação Física nacional e da própria EEFD, apresentando um processo de coerção e
disciplinamento que atinge o corpo na busca pela retidão das formas e dos comportamentos,
conforme dito por Soares & Fraga (2003).
29

A exigência por um corpo saudável e sua constante vinculação com a prática de


atividades físicas realçaram e justificaram em parte a obrigatoriedade da EF em todos os
níveis de ensino no período debatido, e explicou a preferência pelo esporte como conteúdo
principal. Quanto a isso, Lüdorf (2008) comenta que
A essência do esporte, até então, figurava atrelada principalmente aos valores do
esporte de rendimento, tais como competitividade, supremacia, respeito às regras,
refinamento técnico e desempenho. O corpo desportivo, para corresponder a tais
expectativas, necessitava ser forte, rápido, ágil, vencedor e, acima de tudo,
competitivo. (p. 13).

Em consonância com esse corpo desportivo e, por conseguinte, explicitando-o, vimos


à importância dada aos desportos nas festividades da Escola. Visto que em todas as
festividades, detalhadas em atas, relacionadas à instituição, havia demonstração de alguma
equipe desportiva da Escola (dentre as modalidades, a equipe de ginástica prepondera). Aliás,
nessa mesma linha, em 1980, o Reitor da universidade exigiu a elaboração do programa das
Competições Universitárias. Diante desses fatos, evidencia-se a importância dada as equipes
formadas pela instituição, uma vez que as mesmas participavam de importantes campeonatos
(também destacados em ata pelo próprio Reitor da UFRJ) e de grandes demonstrações
festivas. Cabe ressaltar uma destas que foi realizada para o presidente General João
Figueiredo.
Ainda a respeito de uma educação do corpo voltada à performance (valorização do
corpo produtivo, capaz de render o máximo possível), nesse caso, esportiva, de acordo com os
dados levantados, houve fortes indicativos que as Olimpíadas internas9 ocorridas na EEFD
possuíam grande relevância para a instituição:
a) em todo recorte temporal do estudo (1979-1985), a EEFD tinha as olimpíadas
internas (O. I.);
b) as O. I. eram organizadas a fim de permitir um maior acompanhamento dos jogos
(CONSELHO DEPARTAMENTAL, p. 14, reunião de 08 de maio de 1981);
c) os professores também ajudavam na organização das olimpíadas e eram convidados
a assisti-las (CONSELHO DEPARTAMENTAL, reunião de 07 de fevereiro de 1980);
d) sua realização durava cerca de uma semana (CONSELHO DEPARTAMENTAL, p.
38 – 39, reunião de 10 de agosto de 1982);

9
As Olimpíadas internas consistem na disputa de diversas modalidades desportivas entre equipes formadas por
alunos da EEFD.
30

e) a Reitoria não só tinha conhecimento das olimpíadas como também a acompanhava


de perto, conforme trechos que mostram o pedido da programação à Escola e a presença do
próprio Reitor na abertura das O.I. (CONGREGAÇÃO, reunião de 13 de novembro de 1979).
Além disso, observou-se uma quantidade expressiva da participação de docentes e
discentes em eventos ligados ao esporte, como atletas e/ou organizadores. Inclusive, no ano
de 1982, a UFRJ sagrou-se campeã do Campeonato Universitário realizado em São Paulo.
Nesses eventos, ratificando o prestígio do profissional da Escola e de seus alunos, estavam
registrados alguns convites para organização/participação de diferentes órgãos, como:
Confederação Brasileira de Pugilismo, MEC, SEED, Confederação Brasileira de Atletismo,
CBDU, ACM. Esses dados ajudam a corroborar para uma interpretação da EF mais voltada a
vertente biológica tão marcante em sua história.
A EEFD, como era de se esperar por ser uma instituição de serviço público, manteve
alianças com o governo neste período. Esta relação, de acordo com os dados levantados,
esteve em evidência com constantes convites recebidos pelos professores da Escola para
participarem de programas esportivos desenvolvidos pelo governo, como por exemplo, o EPT
(Esporte Para Todos), caracterizando mais uma vez a importância da instituição e a EF
voltada para o caráter técnico/desportivo. Notou-se que a EEFD esteve engajada na
implementação do Programa Desportos de Massa - Esporte para Todos (EPT). Este apoio
significou, segundo a ata de Congregação (reunião de 30 de agosto de 1979), com a indicação
de uma comissão formada por docentes da Escola para tratar da organização e com o
propósito de difundir o programa EPT, além de seleção de um professor para palestrar em
outros ambientes sobre o programa e sua importância social.

2. A busca por uma educação do corpo “científica”


Os documentos também mostraram indícios do momento, por volta da década de 70,
da chamada “crise da Educação Física”. Àquela época, entendia-se que faltava cientificidade
a área, e, também, questionava-se a legitimidade social e a validade do objeto de estudo da
EF. Assim, a partir da análise dos documentos identificou-se a entrada dessas discussões na
Escola, onde se explicitou claramente a preocupação em tratar a EF como ciência, havendo
um boom de cursos de pós-graduação na Escola e relatos de outros cursos Brasil afora, como
por exemplo:
a) a integração do LABOFISE estava também ligada à instalação do Mestrado em EF
na Escola, haja vista que as pesquisas científicas ainda eram pautadas às perspectivas de saúde
e desempenho caras à época (CONGREGAÇÃO, reunião de 17 de janeiro de 1979);
31

b) viagens da então diretora Fernanda Beltrão para discutir o Mestrado no Brasil e sua
implantação na Escola com várias entidades como MEC, CND, SEED;
c) instalação do Mestrado em Educação Física na Escola no ano de 1979
(CONGREGAÇÃO, reunião de 04 de dezembro de 1979);
d) ajuda financeira do MEC e da CAPES para o Mestrado;
e) representante da Pós-Graduação começa a participar das reuniões de Congregação
em 1983, evidenciando o destaque adquirido por esse setor dentro da instituição
(CONSELHO DEPARTAMENTAL, p. 41, reunião de 04 de janeiro de 1983);
f) inúmeros cursos de Especialização são sugeridos e aprovados nas reuniões de
Departamento e da Congregação entre 1979 a 1985.
Das atas constava, também, a divulgação de outros cursos de pós-graduação que
serviam como modelo e/ou parâmetro para a elaboração de tais cursos na Escola.
Contudo, necessita-se salientar que esta fase de cientifização da EF não se restringiu
apenas a novos cursos oferecidos dentro da EEFD. O próprio corpo docente da casa buscou
qualificação acadêmica. Sendo assim, houve relatos de professores que pediram afastamento
da faculdade para fazer o Mestrado e/ou o Doutorado, como: o caso do Professor Vernon que
solicitou licença da faculdade para fazer o Mestrado e mais tarde pediu a prorrogação para
ingressar no Doutorado; igualmente, Professor Attila pediu prorrogação de sua licença porque
tinha encerrado o Mestrado e queria ingressar no Doutorado; a Professora Elizabeth também
ingressa no Mestrado.
Aliás, destaque-se o grande número de cursos, congressos, palestras e seminários
disseminados no Brasil, que mereceram relevo nos assuntos das pautas das reuniões da EEFD,
retornando a questão das tentativas de conformação da EF como ciência. Entre esse extenso
número, houve diversos convites ao corpo docente da casa para ministrarem cursos e
palestras, caracterizando a importância da instituição analisada no cenário nacional. E, ainda,
foi notória a vantagem da área biomédica e desportiva como eixos temáticos em relação à área
didático-pedagógica, histórica, social etc. nos dados aqui analisados. No total de vinte e oito
(28) eventos de palestras, cursos e seminários, contabilizaram-se o número de dezessete (17)
referentes ao eixo biomédico/desportivo, enquanto no eixo das ciências humanas e sociais
encontraram-se seis (6), sendo que dois desses também perpassaram pelo eixo
biomédico/desportivo. Completando essa lista houve cinco (5) eventos em que não foi
possível definir a sua natureza pela interpretação das atas.
Com isso, fica claro que apesar de a Escola apresentar traços de outras abordagens e
vertentes, a proposta mais voltada ao caráter médico, técnico e desportivo estava em evidência
32

na instituição. Pode-se, também, evidenciar essa proposta mais voltada ao caráter supracitado
da EEFD ao citar os nomes de alguns departamentos da instituição, exemplarmente:
Departamento de Desportos Aquáticos e Atletismo, Departamento de Biologia da Atividade
Física, Departamento de Ginástica e Acrobacia, Departamento de Jogos. Justificando essa
prevalência pelo caráter médico-higienista, Góis Junior & Lovisolo (2003) argumentam que a
mídia é um dos principais atores de legitimação e de reconhecimento atualmente, de tal modo
que com o discurso da EF voltada para promoção da saúde, a profissão ganha argumentos
legitimadores e reconhecimento social, uma vez que há um grande mercado ligado a saúde.
No entanto, no quesito pesquisa houve outro aspecto bastante interessante que mostra
a importância dada à pesquisa científica: a preocupação da Escola em relação às produções de
estudos. Esta preocupação confirmou-se na ata do Conselho Departamental que reproduz a
opinião do professor Luiz Guilherme Baird Abtibol:
(...) chamou a atenção para o fato de que a Escola não está elaborando pesquisas.
Alertou aos Chefes de Departamentos para o problema, que poderia repercutir
negativamente para a instituição. No ato, explicou que só o LABOFISE estava
elaborando pesquisas e os méritos ficam para o Instituto de Biofísica, visto que este
órgão ainda não está oficialmente ligado à Escola. Finalizou dizendo que para o bem
da Escola, será necessária a elaboração de pesquisas, inclusive para uma melhor
captação de recursos financeiros. Por último, o professor Luiz Guilherme Baird
Abtibol, sugeriu até que os departamentos fizessem pesquisas em conjunto
(CONSELHO DEPARTAMENTAL, p. 47, reunião de 01 de junho de 1983).

Vale salientar que a instituição, como todo país, passava por uma grave crise
financeira e por um processo de cientifização da Educação Física. Esta crise impossibilitou a
publicação do periódico da Escola, Revista Arquivos, que pedia apoio financeiro para
sobreviver, como consta na ata do dia 3 de agosto de 1983. A Revista teve sua edição em
1980 como a única dentro do período demarcado. Isto demonstra que a EEFD mostrava-se
preocupada em relação ao processo de mudança do status quo da EF, almejando dar base
científica para a mesma. E, ainda, com a escrita reproduzindo a opinião do professor Abtibol,
identifica-se que o LABOFISE ocupa um lugar de destaque dentro da instituição.

3. Corpo como um lugar de conflitos: outras maneiras de pensar a Educação Física


Apesar dessas fortes marcas dos paradigmas da aptidão física e desportiva pautada
principalmente pelos saberes das ciências naturais e biomédicas, há um consenso entre os
estudiosos, como fora elucidado anteriormente, que a partir dos anos 80 ocorreram diversas
transformações no campo educacional que provocaram novas propostas pedagógicas na área
da EF. Estas transformações estabeleceram uma nova realidade no ensino superior brasileiro,
fruto do amadurecimento do debate educativo. Com a incorporação dos discursos
33

pedagógicos, sobretudo vinculados às ciências humanas e sociais, houve repercussões na EF


como nos informa o Ofício Circular de proposta de reformulação do currículo do curso de
graduação de licenciatura plena em Educação Física: “sobressai uma nova maneira de pensar
a EF, que se apresenta, como fenômeno social de marcante universalidade, no quadro de uma
educação permanente e objetiva, capaz de contribuir para o desenvolvimento integral de
indivíduos autônomos, críticos e participativos a níveis de decisão”.
Assim, viu-se no interior da Educação Física e da própria Escola a necessidade de
modificação do processo de formação de professores para atender a esses novos discursos,
principalmente no que concerne a transformação da sociedade por meio de uma educação
crítica e reflexiva. Desta forma, a EEFD e toda Educação Física apresentaram-se imersos em
diversos debates a fim de satisfazer esses novos discursos, como por exemplo: o Encontro de
Florianópolis em 1981, o Encontro de Curitiba em 1982, o II Encontro Nacional de Educação
Física, em Brasília no ano de 1983. Todos esses eventos citados abrangem a discussão sobre o
processo de formação de professores no ensino superior.
Dentre esses debates, como podemos perceber na análise dos documentos, alguns eixos
de discussão estavam em pauta na EF nacional, como: a fixação ou não de um currículo
mínimo para a EF, necessidade de definir as atribuições ou o perfil dos graduados em EF,
formas de melhorar e dinamizar os cursos de graduação em Educação Física, a valorização do
docente etc. Essas questões apareciam em quase todas as pautas de debates dos eventos
relacionados à formação profissional.
Vale destacar que a valorização do docente era um dos principais pontos debatidos no
cenário nacional, uma vez que era considerada como “o único componente que pode
efetivamente produzir um rápido e amplo processo de mudanças que conduzam à obtenção de
níveis de qualidade mais elevados que os atuais” (OFÍCIO CIRCULAR DO MEC/SEED).
Aliás, em relação ao perfil do profissional da área, salientou-se que este deveria:
a) possuir destacada capacidade de análise e síntese, com ampla visão da realidade e
atitude crítica diante dela;
b) dominar instrumentos, métodos e técnicas que permitam desenvolver sua profissão,
respondendo a situações concretas e gerais, com condições de liderança e comportamento
ético, que se ajuste à dinâmica de processo de sociedade em permanente transformação;
c) ser capaz de identificar as necessidades regionais; refletir e decidir de forma autônoma,
propor e aceitar mudanças, mantendo-se sempre atualizado no campo do ensino formal e não
formal;
34

d) ser capaz de usar adequadamente os conteúdos, materiais, equipamentos, espaços e


lugares, a fim de auxiliar os alunos a atingirem competência para viver cooperativamente no
mais complexo dos mundos (OFÍCIO CIRCULAR DA COMISSÃO CENTRAL DE
CURRÍCULO DA EEFD, 1984; OFÍCIO CIRCULAR DE PROPOSTA DE
REFORMULAÇÃO DO CURRÍCULO DO CURSO DE GRADUAÇÃO DE
LICENCIATURA PLENA EM EDUCAÇÃO FÍSICA).
Especificamente no caso da EEFD, alunos e professores durante esse período de debates
em torno da EF destacaram alguns pontos negativos ainda presentes na Escola visando uma
educação crítica e reflexiva. Essa participação de alunos e professores durante esses períodos
de debates subsidiou a reformulação curricular da Escola (ocorreu em 1991), pois, de acordo
com o documento o Ofício Circular referente à Reformulação do Curso de Educação Física
(1991), as exigências são as mesmas referidas em outros documentos. Eles relataram, por
exemplo: a inadequação dos conteúdos, a disparidade de carga horária nas disciplinas, falta de
integração entre as Unidades do Fundão da Praia Vermelha (onde se localizavam as matérias
de educação), predominância da visão positivista dos professores, a avaliação voltada para o
rendimento e performance (a fala dos alunos e professores enfatiza que no processo de
formação de professores, o principal objetivo é formar professores e não atletas). Isso
demonstra que as ideias vinculadas aos saberes humanos e sociais influenciaram de forma
intensa o campo educacional e da própria EF.
No entanto, deve-se destacar que apesar dos reflexos desses saberes na EEFD, apenas
em 1991 houve a reformulação curricular na instituição. Isso indica que a EEFD embora
estivesse sendo influenciada pelos saberes humanos e sociais, ainda grassavam práticas não
condizentes com o objetivo de seu corpo discente e docente, como:
a) a forma de avaliação das matérias, onde o rendimento do aluno e suas habilidades
motoras eram, em grande medida, os principais norteadores;
b) apesar da reintegração em 1980 do Campus da Praia Vermelha (PV) à Escola10,
pelo discurso de professores e alunos, esta não ocorreu de forma adequada;
c) permanência de uma compreensão biologicista do corpo.
Porém, acerca do resultado desses diversos debates que tanto influenciaram a EF, os
especialistas da área consentiram que a fixação de um currículo mínimo em EF, em 1969,

10
Destaca-se que na PV, na Faculdade de Educação, são ministradas as disciplinas de caráter didático-
pedagógico, como por exemplo: Didática e Prática de Ensino.
35

pelo CFE/MEC não teve uma avaliação satisfatória. Com isso, esses especialistas indicaram
um sistema sensível às mudanças, que se caracteriza:
a) pela abolição da exigência de um currículo mínimo;
b) pela volta à autonomia das instituições universitárias na elaboração de seus próprios
currículos;
c) fixação de uma carga horária mínima para concluir o curso;
d) pela fixação de um limite máximo e de um limite mínimo.

Desta forma, em 1984, o CFE decidiu pela não fixação de um currículo mínimo,
dando autonomia às instituições de ensino para formularem seus próprios currículos em
função de seus objetivos e suas peculiaridades regionais, do contexto institucional e das
características da comunidade escolar.

4. Corpo uniforme ou uniforme do corpo?


Ademais, apesar de ser um período conturbado, repleto de conflitos políticos, a análise
documental pouco mencionou questões disciplinares tanto de alunos quanto de professores e
funcionários. Entretanto, os dados, ainda que reduzidos, indicam a existência de problemas na
segurança da Escola. Essa situação fica clara ao avaliarmos as sugestões do Conselho
Departamental sobre o roubo de dinheiro e identidade de um aluno de Engenharia no vestiário
da Escola. O Conselho informou
(...) não ter meios de imediatamente sanar estes problemas, pois não temos recursos
humanos para operarem nos vestiários da Escola após às 15 horas. Foi sugerido que
os alunos que usam os vestiários após às 15: 00 horas levem seus pertences para o
local em que estejam fazendo suas aulas. Aos que fazem aula antes do horário
acima, os mesmos entreguem seus valores e documentos ao funcionário. Estas
medidas visam diminuir os incidentes acima, até podermos obter meios para
solucionar tais problemas (p. 31, reunião de 11 de maio de 1982).

Além do quesito segurança, que também teve um caso de sumiço da máquina de


escrever, houve queixa de professor acerca de desrespeito de aluno, de falta de interesse nas
aulas e dos trajes utilizados, com calção e sem camisa, dentro das dependências da faculdade.
A pesquisa apresentou em ata, a obrigação, a partir de 1982, do uso de uniformes pelos
alunos e professores. Conforme:
Depois de várias exposições e sugestões, foi aprovada por unanimidade que será
obrigatório o uso do uniforme pelos alunos, com fiscalização na Portaria, como
também, os Professores deverão transitar uniformizados pela Escola. Sobre o
assunto, foi também sugeridos (sic) que os alunos do Esporte Universitário também
tivessem um uniforme (CONSELHO DEPARTAMENTAL, p. 29, reunião de 11 de
maio de 1982).
36

Todavia, o Diretor da Escola, professor Jorge Reis, após ser informado pelo
representante estudantil sobre uma reunião dos alunos sobre a obrigatoriedade do uso de
uniformes, exibiu a justificativa para esta obrigação e, a partir desta, pode-se alinhar o
discurso do diretor com o da falta de segurança:
O Senhor Diretor informou que a exigência do uniforme da Escola, não é no sentido
de pressionar o aluno, e assim, digo e sim, resguardá-lo contra incidentes e pediu ao
representante estudantil que transmitisse aos alunos (CONSELHO
DEPARTAMENTAL, p. 33, reunião de 28 de maio de 1982).

Contudo, a análise do motivo da obrigatoriedade do uniforme não é tão simples. Uma


vez que ao sugerir o uniforme para o Esporte Universitário, a preocupação não se restringiu
apenas a questão da segurança. Não obstante, isso não descarta o argumento utilizado pelo
diretor, porque tal justificativa encontrou-se consonante com os dados apresentados sobre a
questão da segurança na Escola. Porém, fica evidente a vontade de criação de um ambiente
mais organizado, e porque não dizer, mais disciplinado. Pela análise da ata, constatou-se que
foi uma decisão que partiu de forma unilateral, do corpo deliberativo da Escola para alunos e
professores.
De acordo com Farias (2010), a presença do uniforme abre a possibilidade de
inúmeros significados, podendo caracterizar-se, como: um objeto de prestígio e vantagens;
objeto vinculado à criação de uma identidade escolar; mecanismo pela busca da solidariedade
entre os membros dessa identidade; serve como um instrumento coercitivo, porque seu
usuário estaria em constante supervisão etc.. No aspecto coercitivo, o uniforme também
colaboraria com a diminuição da distração dos alunos devido às roupas utilizadas pelos
próprios, como foi destacado em ata como problema na instituição.
Nas atas disponíveis e analisadas da EEFD, pouco se relatou quanto ao sentimento dos
alunos e professores acerca dessa obrigatoriedade. Mas, analisando a ata do Conselho
Departamental de 10/08/1982 (p. 38), exatamente 43 dias após a reunião em que o diretor
explicitou os motivos do uso do uniforme, o representante estudantil solicita maior divulgação
sobre a decisão. Esta demora pode ter sido influenciada por um período de férias, contudo,
percebe-se que a nova exigência, pelo menos no começo, não foi tão rígida.
37

CONCLUSÃO

Quando nos propusemos a pesquisar os discursos de educação do corpo propagados


durante o processo de formação dos professores de Educação Física na EEFD entre os anos de
1979 e 1985, buscamos esclarecimentos acerca do papel social da Educação Física. Tal
proposta mostra-se importante ao passo que os discursos de educação do corpo consolidam
práticas ao longo do tempo, como demonstrado por Soares (2006).
Nesse sentido, pretendemos analisar os discursos de educação do corpo com o intuito
de caracterizar quais saberes e práticas eram legitimados e difundidos no processo de
formação de professores da EEFD. Ao mesmo tempo, ambicionamos contribuir para uma
maior compreensão sobre as práticas pedagógicas, ainda presentes, na Educação Física atual
ao nos debruçarmos sobre os discursos que a Escola propagava em um dos momentos mais
importantes da história do Brasil e da Educação Física.
Contudo, é importante mencionar que não tivemos a pretensão de esgotar as
possibilidades de análise acerca do tema, pois entendemos que todo trabalho difere em
interpretações à medida que novos olhares são lançados para o mesmo. Assim, almejamos
lançar um novo olhar acerca do objeto de estudo, permitindo que novas reflexões sejam
elaboradas e que possam vir a contribuir para um melhor entendimento da Educação Física.
Dessa maneira, o presente estudo confirma que a Educação Física de forma geral
permanece ancorada a uma vertente biológica, pelo menos até o período demarcado pelo
regime civil-militar, pautando-se no discurso que a caracteriza como um dos principais meios
para manter a saúde.
Em um plano maior, se pensarmos em uma sociedade que legitima e valoriza os
saberes advindos das ciências da natureza, por exemplo: a medicina, pode-se perceber que os
discursos de educação do corpo que tratam da questão da saúde são intensamente postos em
evidência. Uma vez que para ser saudável, precisa alinhar-se a um projeto de sociedade em
que a classe médica e dos profissionais de saúde constroem um modelo, que julgam como
melhor, e tentam colocá-lo em prática conscientizando a sociedade dos benefícios de uma
vida saudável, lançando diversas estratégias (GÓIS JUNIOR & LOVISOLO, 2003).
Logo, depara-se nos discursos de educação do corpo com diversos cuidados
educativos que são tratados como uma questão moral na busca pela saúde. E, quem ousar não
enquadrar-se nessas características ditas saudáveis é acusado e digno de nota. Ainda mais, em
uma sociedade, como bem define Soares & Fraga (2003), em que o corpo exprime a moral do
indivíduo.
38

Nesse sentido, conforme os dados, a EEFD no período do estudo encontrava-se


submersa nesse entendimento. Ao privilegiar aspectos de caráter médico-higienista e de
rendimento, como: a exigência do teste de habilidade específica, a avaliação das disciplinas
pelo rendimento e pela técnica do aluno, a exigência de exames médicos para o ingresso etc.,
a Escola corrobora com os discursos de educação do corpo voltados à performance. Sendo
que o discurso de que a prática de atividades físicas sistemáticas, que consequentemente
levam a uma maior performance, é indicativa de saúde está em proeminência. Assim, o
rendimento também está alinhado ao entendimento de saúde na sociedade.
Simultaneamente, ao exigir a formação de um professor executor do movimento, a
EEFD confirma o discurso de que o corpo exprime a moral do indivíduo. Esse entendimento
se dá ao passo que a valorização de um corpo performático que se encaixa nos discursos de
saúde propagados seria a declaração de fidedignidade da EF como uma disciplina dedicada à
saúde. Assim sendo, o profissional seria naquele espaço o maior exemplo de pessoa saudável,
passando credibilidade e legitimidade social à EF.
Essa relação da EF com o corpo performático aparece inclusive quando discutimos a
questão do conteúdo. Pois, dentre as características almejadas pelo discurso de saúde, a
questão do corpo forte, ágil e veloz, por exemplo, aparece como indicativos para o “viver
bem”. Dessa forma, a EF nessa época explicitou a preferência por alguns conteúdos que
valorizassem a técnica e o rendimento. Ou seja, houve o prevalecimento de conteúdos que
enfatizassem a performance do corpo.
Nesse ínterim, o esporte ganhou destaque como um dos principais conteúdos da EF ao
abarcar os atributos ditos essenciais para a formação profissional.
Na EEFD não foi diferente, diversas são as práticas que demonstram a valorização das
características do corpo “performático”, como: as Olimpíadas Internas, a forma de avaliação
das disciplinas vinculadas ao rendimento, todas as festividades relacionadas à instituição,
detalhadas em atas, continham apresentações de equipes desportivas, etc..
Desse modo, ao vermos a escolha dos conteúdos pela EEFD atrelada aos discursos do
corpo performático, notamos que os principais norteadores do processo de formação de
professores da Escola eram as habilidades motoras e o rendimento do aluno, ou seja,
valorizava-se o professor executor do movimento.
O presente trabalho também abarcou a repercussão da “crise da Educação Física”, em
que se questionava a legitimidade da área e alegava-se que faltava cientificidade à mesma, na
EEFD.
39

Os documentos demonstram a preocupação da Escola em tratar a EF como ciência,


consequentemente, almejando a legitimidade da área. Isto, porque na sociedade em que
vivemos predomina o racionalismo, e o conhecimento obtém legitimidade ao passo em que é
comprovado por dados e/ou números pela ciência. Assim, há diversos relatos nessa época de
cursos que envolvem a formação do profissional de EF.
Entre esses cursos, os mais voltados para área biológica/desportiva prevaleciam em
questão de números. Portanto, esse dado está em consonância com o argumento de Bracht
(2000), que indica que a EF, como prática social, conquistava legitimidade à medida que
pudesse comprovar cientificamente sua necessidade social e, para isso, atrelou-se a valores
desejáveis como educação e saúde. Mais uma vez, vemos a EF e a EEFD difundindo os
discursos propagadores do modelo de saúde visando à legitimação social da área.
Apesar das fortes marcas dos paradigmas da aptidão física e desportiva no campo da
Educação Física, o estudo confirma que a área na década de 80, com a incorporação de
referenciais pedagógicos vinculados às ciências humanas e sociais, entra em crise e levanta
questionamentos quanto ao seu papel na sociedade.
Questiona-se o papel exercido pela área, como instrumento voltado à busca da saúde e
desempenho. A partir desses novos ideais, passa-se a adotar um discurso de transformação da
sociedade através de uma educação crítica/reflexiva.
Observa-se, sobretudo nos ofícios regidos ou direcionados pela/à Escola e nos debates
entre alunos e professores, que este contexto mais amplo repercutiu na EEFD. Esta passou por
um período de transição tanto nas diretrizes quanto nas suas práticas relacionadas ao processo
de formação dos professores.
Embora, os documentos comprovem esses reflexos dos saberes humanos e sociais na
instituição, evidencia-se que os discursos de educação do corpo pautados no caráter médico-
higienista permanece como predominante na época e os quesitos norteadores do curso
continuaram sendo as habilidades motoras e o rendimento.
Por fim, apesar de parte da literatura apontar para o uso da EF pelo regime civil-
militar, não há nenhum indício que comprove a influência do regime na consolidação de seus
ideias dentro da EEFD. Nos documentos analisados, não foram encontrados registros que
comprovassem que o funcionamento administrativo e pedagógico da EEFD sofresse
interferências do regime ditatorial, o que mereceria ser mais bem investigado em outra
oportunidade.
A partir desse estudo, percebemos que a EEFD, como a Educação Física de forma
geral, apresentou-se pautada principalmente pelo caráter médico-higienista e por discursos
40

que valorizavam o corpo performático. Com isso, o estudo corrobora com a ideia de que a EF,
pelo menos até a primeira metade da década de 80, não teve mudanças significativas acerca
de seu papel social.
Os discursos de educação do corpo, portanto, permaneceram quase que
exclusivamente pautados pelos saberes advindos da área médica que preconizavam a busca
por um corpo que renda o máximo possível de acordo com o modelo de saúde legitimado.
41

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45

FICHA DE AVALIAÇÃO DO TCC – EEFD/UFRJ


Aluno 1: Guilherme Gonçalves Baptista__________________Nº de registro:109037770__________
Aluno2: ______________________________________________Nº de registro:________________
Professor
CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO Professor Orientador
Convidado
1. Impressão geral: (1,5 pontos) Aluno 1 Aluno 2
a) O trabalho contribui para a área, apresenta uma forma
produtiva de conhecimento?
b) Nota-se, no trabalho, a capacidade/elaboração crítica
dos alunos?
c) Os alunos se envolveram no processo de elaboração do xxxxxx
trabalho? Demonstraram organização e independência
intelectual?
d) O trabalho está bem encadeado?
NOTA 1 =
2. Formatação, organização, redação: (1,5 pontos)

a) Os critérios básicos de formatação foram seguidos?


b) A redação é clara e organizada, inclusive as citações?
c) As referências são adequadas e atuais?
NOTA 2 =
3. Conteúdo: (7 pontos)
a) A Introdução apresenta claramente os elementos
básicos?
b) A Fundamentação Teórica é coerente, consistente e
atual?
c) A Metodologia é apropriada? Está bem explicitada e
organizada?
d) A apresentação e discussão dos dados é realizada de
forma organizada e articulada com a teoria?
(no caso de pesquisa teórico-empírica)

e) A Conclusão é coerente com os objetivos?


NOTA 3 =
Soma das notas (1 + 2 + 3) =

Nota Prof. R.C.C (Processo + Apresentação = Máx. 10)


MÉDIA FINAL = Aluno 1 Aluno 2
(Nota Orientador X 2 + Nota Convidado + Nota RCC / 4)
Assinatura Prof. Orientador:
Assinatura Prof. Convidado:
Ass. Prof. RCC: Data:

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