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RESUMO
O conteúdo lutas tem sido vítima de restrição nas aulas de Educação Física. É nesse pano de
fundo que a Proposta Curricular de Educação Física do Estado de São Paulo sugere as lutas
como um dos conteúdos próprios da disciplina. O objetivo do trabalho é refletir sobre
questões do ensino de lutas nas aulas de Educação Física com o foco nos saberes profissionais
docentes. Os resultados permitem concluir que a luta é uma manifestação da cultura de
movimento e não pode ser negada, sendo assim também consideramos que na escola, não se
exige que o professor seja um treinador ou especialista em lutas e artes marciais, mas sim que
os alunos se apropriem e apreciem elementos das lutas como manifestações da cultura de
movimento.
INTRODUÇÃO
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nem entre estes com os professores da escola, sobre quais conteúdos da cultura de movimento
seriam mais adequados para serem ensinados: o jogo, esporte, a atividade rítmica/dança, a
ginástica e a luta.
A relação entre as propostas idealizadas e a face da rotina escola é bem distante já que
tudo que se pretende aplicar são ideologias feitas por docentes universitários ou pós-
graduandos que, muitas vezes, apenas apresentam um pensamento artificial sobre o dia-a-dia
escolar. A isto se soma o fato de terem envolvido períodos de tempo muito curtos em suas
pesquisas, impossibilitando a avaliação de efeitos duradouros que as intervenções porventura
poderiam ocasionar.
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conhecimento curricular, que é o conjunto de conteúdos a ser ensinado nos diversos níveis e
séries escolares e os respectivos materiais didáticos.
Entretanto, conforme advertem Fiorentini, Souza Jr. e Melo, (1998, p. 110), dicotomia
ou hierarquização entre conhecimento do conteúdo específico e conhecimento pedagógico;
pelo contrário, este último “vai se construir na relação com aquele que aprende”. Desse modo,
é na mediação do professor entre o conhecimento previamente construído e o aluno que se
situa o conhecimento pedagógico, constituindo-se, portanto, de modo indissociável do
conhecimento específico.
É baseado inicialmente nessas reflexões que temos conduzido a nossa atual pesquisa,
cujo interesse maior está em compreender como o conteúdo lutas, no contexto da Proposta
Curricular de Educação Física do Estado de São Paulo, recentemente implantada nas escolas,
está sendo concebida e dinamizadas pelos professores. Em outras palavras, o que temos
buscado entender é como os professores constroem os seus saberes frente ao conteúdo lutas
sugerido pela Proposta.
O PROBLEMA DE PESQUISA
1
Expressão francesa que significa, literalmente, "deixar fazer", "deixar ir"; na educação, costuma ser utilizada
para denominar práticas educativas espontaneístas, que deixam os alunos fazerem o que bem quiserem, sem
orientação.
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Essa nossa afirmação se baseia – sem entrar no mérito valorativo das propostas
curriculares: se são legítimas, coerentes, incoerentes, boas ou ruins... – no fato de ainda não
haver uma efetiva parceria e compartilhamento de responsabilidades, entre os acadêmicos, o
poder público e os professores escolares.
É por este motivo que elegemos, na pesquisa que ora conduzimos, a recente Proposta
Curricular de Educação Física do Estado de São Paulo (PPC-Educação Física) para o segundo
ciclo do Ensino Fundamental até o término do Ensino Médio, em vigor desde 2008, como
foco investigativo. A PPC-Educação Física apresenta temas e conteúdos mínimos que devem
ser desenvolvidos ao longo das séries, vinculando-os a habilidades e competências que se
espera que os alunos desenvolvam. Para tal, sugere “situações de aprendizagem” em cada
tema/conteúdo (na forma de um “percurso de aprendizagem” que inclui sugestões de
atividades, estratégias e recursos materiais ao longo de certo número de aulas), bem como
atividades avaliadoras.
O conteúdo temático lutas, que por sua vez constitui em nosso enfoque de pesquisa,
está incluído na PPC-Educação Física. Contudo, vale ressaltar, embora a PPC- Educação
Física aponte as lutas, no plural, como conteúdos a serem desenvolvidos nas aulas, o que ela
frisa como necessidade obrigatória é apenas a Capoeira, por esta ser, além de luta, uma ampla
expressão cultural eminentemente brasileira, merecedora, portanto, de obrigações
pedagógicos na escola. Além desta obrigatoriedade, a PPC-Educação Física, apresenta como
lutas opcionais o Karatê, o Judô, a Esgrima e o Boxe, de forma a permitir que outras lutas
sejam contempladas de acordo com interesses e adequações de contextos, professores e
alunos singularmente situados.
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É também sabido que, com a disseminação das lutas nas sociedades, mediante sua
crescente esportivização e midiatização, elas ficaram conhecidas muito mais pelo seu aspecto
técnico e tático do que pelos seus princípios filosóficos, como também aponta o documento
do Estado do Paraná.
Por outro viés, Nakamoto (2005), afirma que a luta é uma prática corporal com qual
objetiva-se atingir um ou mais alvos, os quais são os próprios praticantes. Além disso, a luta
permite a possibilidade dos adversários atacarem ao mesmo tempo, sem a necessidade de
seguir a ordem “um ataca, o outro defende”, como nos esportes coletivos com bola
(basquetebol, futebol etc.), ou em jogos como o xadrez, em que não acontece o ataque
simultâneo; pelo contrário, cada um ataca ou defende a sua vez.
Para Nascimento e Almeida (2007), a presença das lutas nas escolas é pequena, e,
quando existe, é ministrada por terceiros e desvinculada da disciplina de Educação Física, em
atividades extracurriculares ou por meio de grupos de treinamento. Os autores citam duas
justificativas apresentadas por professores de Educação Física para esta restrição da prática de
lutas na escola. A primeira é a falta de vivência dos docentes sobre o tema tanto na formação
acadêmica e em suas histórias de vida; a segunda é que a violência seria intrínseca às lutas, e
sua prática estimularia a agressividade dos alunos. Sabemos, porém que existem outras
justificativas, como a falta de estudos sobre o tema, formação docente indesejável, a falta de
materiais, etc. De fato, a agressividade, indisciplina e violência são apontados por
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pesquisadores e educadores como alguns dos grandes problemas da Escola atual (Aquino,
1996; Marriel et al. 2006; Sposito, 2001).
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OBJETIVO
O objetivo geral deste trabalho é refletir sobre questões do ensino de lutas nas aulas de
Educação Física, com o foco nos saberes profissionais docentes. O objetivo específico é
diagnosticar, do ponto de vista de professores de Educação Física e de especialistas em luta,
quais saberes docentes são necessários para o ensino de lutas na escola.
METODOLOGIA
Professor 2: Professor de Educação Física em escola que não tem histórico de práticas com
lutas;
Professor 3: Professor de Educação Física em escola que tem histórico de práticas com lutas;
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RESULTADOS PARCIAIS
3
Informamos que já estabelecemos contato com o professor 3 e resta apenas agendar a entrevista.
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Porque existe toda uma educação que vem do ser humano que se entenda por gente,
nos instintos de natureza dele...o aspecto da luta, pela sobrevivência e na medida que
a pessoa se conhece, é mais difícil que ela entre em conflitos por estupidez. O fato
de você está podendo canalizar nas aulas de Educação Física esse aspecto da luta,
vai fazer com que o aluno, ele perca um pouco a necessidade de se impor pela força
em outros aspectos da vida dele, seja com os colegas, na própria escola, porque ele
vai entender as limitações do corpo.
Em nossa análise inicial dessa fala do professor 1, percebemos que sua defesa das
lutas como conteúdo escolar volta-se para suas possibilidades como atividade de canalização
e controle de energias, o que evitaria as atitudes de se “impor pela força” e de conflitos
“estúpidos” com os colegas. Do ponto de vista desse professor, com o desenvolvimento das
lutas na escola, as possibilidades de brigas e as necessidades de os alunos agirem com
violência, diminuiriam muito, tanto na escola como em outros contextos sociais. O professor
1, experiente com prática de lutas, deixou-nos claro sua defesa, ao contrário da opinião de
muitos pais e professores, de que na luta em si, não é essencialmente violenta:
Como já falei, ela [a pessoa] vai ficar mais serena, não vai ter necessidade de expor
sua agressividade, porque ela vai começar a se compreender, ver o que tem dentro
dela e não usar isso para ferir os outros [...] cito as pessoas que não estudam isso,
nunca viram, nunca praticaram uma arte marcial... que conhecem aquilo que muitas
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vezes a mídia divulga ou de um parente que ouviu falar: que você aprende arte
marcial e sai batendo e tomando soco na cara, essas coisas... são coisas que geram
preconceito nas pessoas, esse preconceito baseado na ignorância, muito pelo
contrário, se você pegar e olhar as forças hierárquicas (da arte marcial) não existe
violência em aspecto algum, existe um tratamento de respeito para com as pessoas.
Na trilha desse raciocínio, o professor 1 também explicitou que não seria necessário o
professor ser especialista ou possuir um histórico de lutas para ministrar este conteúdo nas
aulas de Educação Física. Mas, como saberes, o professor deveria buscar compreender os
aspectos filosóficos e culturais da luta, pois, caso o professor não tenha um conhecimento
básico dos valores que estão intrínsecos à luta, aumenta-se o risco de ocorrência de brigas,
rivalidades e confrontos agressivos. Ainda sobre os saberes necessários ao professor, afirma
que a diferença entre um especialista em lutas e um não-especialista estaria na prática, no
tempo de vivência e experiência com a luta; entretanto, na escola isto não faria muita
diferença, pois neste ambiente não se pretende formar atletas, mas sim apresentar diversar
possibilidades da cultura de movimento. Reforça que é preciso a vontade do professor em
buscar coisas novas, ser criativo e não colocar barreiras em casos de falta de material e
infraestrutura para as lutas, como vestimentas e local apropriado, e enfatiza concluindo que o
papel da escola não é especializar os alunos.
O professor 2 trabalha na rede estadual do Estado de São Paulo, tem a visão que as
lutas devem ser um conteúdo trabalhado nas aulas de Educação Física, pois é integrante da
cultura de movimento, e a escola deve abrir um leque de possibilidades para o aluno. Em
especial, a luta, permitiria aprofundar um pouco um tema polêmico na sociedade, e contribuir
para desmistificar o significado de lutas, diferenciando-as dos termos “briga” e “violência”.
Quando questionado se o professor sem vivência em lutas poderia ministrar aulas deste
conteúdo na escola, a resposta foi positiva, justificada principalmente em função da utilização
de alguns recursos como a demonstração de um aluno que possua vivência em lutas, além da
utilização de recursos audiovisuais, como vídeos, figuras, fotos. Apesar da afirmação, assume
que o conhecimento de um especialista em lutas seria o diferencial nos saberes da experiência,
o que se justifica também pelo fato das lutas e das artes marciais não serem tão acessíveis na
mídia e outros espaços sociais, principalmente quando comparadas com alguns esportes como
o futebol, o vôlei etc. Justamente por isso, ele acredita que a posse de conhecimentos em lutas
gera um diferencial, porém, isso nem sempre vai ser decisivo no ensino, já que na escola o
conhecimento técnico do movimento não é o protagonista. Como saberes, seria suficiente para
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CONCLUSÃO
Com estes dados parciais, conclui-se que o conteúdo lutas é pertinente no contexto da
Educação Física, e que os saberes destes professores, no sentido de conhecimento específico
do conteúdo, assemelham-se bastante em alguns aspectos.
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Entretanto, ambos concordam que não é necessário ser especialista em lutas para
ensinar o conteúdo, amparados pelo argumento que a escola não tem a intencionalidade de
especialização e nem formação de atletas/lutadores. Além disso, o professor 2 acrescenta que
é necessário trabalhar os conceitos relacionados ao ambiente das lutas: a formação de valores
adequados, a distinção entre luta e briga. Ainda em concordância, os dois acreditam que o
professor especialista detém o diferencial da prática, da vivência. Ou seja, possui o saber da
experiência, e consegue converter com mais facilidade os conhecimentos pedagógicos do
conteúdo. Porém, no ambiente escolar talvez a maior necessidade não seja o domínio desses
saberes, que são mais associados ao gesto técnico, mais ligados ao desempenho esportivo.
Além disso, o professor dever conhecer aspectos filosóficos, a história, as regras das
lutas, conhecimentos nem sempre disponibilizados na sua formação acadêmica, ou nas
propostas pedagógicas escolares. Portanto, fica claro que este professores precisaram estudar,
confrontar e reformular seus saberes docentes para ministrar o conteúdos luta em suas aulas.
Portanto, entendemos que a luta é uma manifestação de cultura de movimento que não
pode ser negada, e seu ensino na escola não exige que o professor seja treinador ou professor
de artes marciais, já que não se pretende formar um atleta/lutador, mas sim que os alunos se
apropriem e apreciem elementos das lutas como manifestações da cultura de movimento.
REFERÊNCIAS
FIORENTINI, D.; SOUZA Jr.; MELO, G. F. A. de. Saberes docentes: um desafio para
acadêmicos e práticos. In: GERALDI, C.M.G.; FIORENTINI, D.; PEREIRA,E.M. de A.
(Org.). Cartografias do trabalho docente: professor (a)-pesquisador (a). Campinas: Mercado
das Letras, ALB, 1998. p. 307-335.
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OLIVIER, J. C. Das brigas aos jogos com regras: enfrentando a indisciplina na escola. Porto
Alegre: Artmed, 2000.
PARANÁ (Estado). Educação física: ensino médio. 2ª ed. Curitiba: Secretaria de Estado da
Educação, 2006.
SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Proposta curricular do estado de São Paulo:
educação física – ensino fundamental ciclo II e ensino médio. São Paulo: SEE, 2008.
SOARES, C. L et al. Metodologia do ensino da educação física. São Paulo: Cortez, 1992.
ANEXO I
PROFESSOR 1: ENTREVISTA PARA PROFESSOR/TREINADOR DE LUTAS/ARTES
MARCIAIS DE ACADEMIAS OU OUTROS AMBIENTES NÃO-ESCOLARES
1- Fale sobre a sua história de envolvimento e trabalho com as lutas (especificar
modalidade ou modalidades)
2- Você acha que as lutas devem ser ensinadas nas aulas de Educação Física? Por quê?
3- Você acha possível para o professor que não tenha vivenciado/praticado lutas dar aulas
deste conteúdo? Por quê?
4- Em sua formação acadêmica (qual foi?) você teve disciplinas de lutas (quais)?
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1- Você acha que as lutas devem ser ensinadas nas aulas de Educação Física? Por quê?
2 -Você acha possível para o professor que não tenha vivenciado/praticado lutas dar aulas
deste conteúdo? Por quê?
3- Em seu curso de Licenciatura você teve disciplinas de lutas (quais)?
4- O que você acha da PPC incluir o ensino das lutas nas aulas de Educação Física?
5- Você trabalhava lutas antes da PPC?
6- Você acha que informações e sugestões apresentadas pela PPC para o ensino de lutas
são boas e suficientes?
7- Você procura outras fontes de informação para preparar suas aulas de lutas?