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Motrivivência Ano XX, Nº 31, P. 143-162 Dez.

/2008

Proposta Curricular para a Educação


Física: uma experiência a partir da
formação continuada

Marina Ferreira de Souza Antunes1


Gislene Alves do Amaral2
Angela Rodrigues Luiz3

Resumo Abstract
A atualização da prática pedagógica The update of the pedagogical
da Educação Física deve avançar na practice of physical education should
construção de novos argumentos que be advance the construction of new
justifiquem sua presença na escola arguments to justify their presence
em função dos saberes escolares que at school on the basis of school
lhe são específicos, constituindo- knowledge peculiar to it, making it
lhe uma identidade que não a an identity that is not subordinate
subordine a outros componentes. to the other components. Because it
Por se tratar de um movimento is a movement completely inside in
enraizado na formação continuada, the continuing education, this paper
este artigo apresenta uma proposta presents a proposal for curriculum or-
de organização curricular que ganization that expresses the constant
expressa a busca permanente de quest for updating of teaching by
atualização dos processos de ensino the collective of teachers and teach-
por parte do coletivo de professores ers involved, within a perspective of
e professoras envolvidos; dentro de human development that overcomes

1 Professora da Faculdade de Educação Física, Universidade Federal de Uberlândia; mestre em


Educação (área de concentração Educação Escolar)
2 Professora da Faculdade de Educação Física, Universidade Federal de Uberlândia; mestre em
Educação: currículo, pela PUC/SP.
3 Professora da Rede Municipal de Ensino de Uberlândia, mestre em Educação.
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uma perspectiva de formação humana the instrumented with logic that this
que supere a lógica instrumentalizada curricular component has traditionally
com que este componente curricular been aborted.
tem sido tradicionalmente tratado.
Key-words: Curricular proposal;
Palavras chaves: Proposta curricular; School Phisycal Education; Continu-
Educação Física escolar; Formação ous education
continuada

Introdução os esportes, a expressão corporal, as


Este artigo apresenta uma danças, as lutas, as ginásticas).
proposta de organização curricular Conforme nos alerta Freire
para o ensino da Educação Física na (1997) o momento fundamental da
escola, resultante de um trabalho de formação continuada está exata-
formação continuada desenvolvido mente no movimento dinâmico e
por professores da Faculdade de dialético que envolve o fazer e o
Educação Física da Universidade pensar sobre o fazer, o instante es-
Federal de Uberlândia, com profes- pecial em que se dá a reflexão cons-
sores da Rede Municipal de Ensino ciente e crítica sobre a prática.
desta cidade. O estudo das práticas
docentes como elemento central na ... o conhecimento fundado
construção e reconstrução de pro- na reflexão das experiências é
tomado como ponto de partida
postas curriculares vem ganhando
para o diálogo com o conheci-
fôlego em diferentes contextos, in-
mento já sistematizado. A rela-
dependentemente do alcance de tais
ção pedagógica que se estabe-
iniciativas, seja em nível municipal
lece entre as partes diferencia
(Recife, Juiz de Fora, Florinópolis) ou os saberes da prática e da expe-
Estadual (Minas Gerais, São Paulo, riência dos saberes considera-
Paraná, Rio Grande do Sul). Embo- dos científicos, relativamente à
ra com diferenças, todas apontam sua metodologia e sistematiza-
alternativas para o tratamento dos ção, mas não os qualifica como
elementos da “cultura corporal”, ou melhores ou piores, ou verda-
“cultura corporal de movimento”4, deiros ou menos verdadeiros
tidos como objeto de ensino (o jogo, (DALBEN, 2006, p. 137).

4 Estas expressões forma colocadas entre aspas porque, considerando que não iremos, nos limites
deste trabalho, entrar no debate sobre qual delas (entre outras) deveria ser utilizada para referir-se
aos conhecimentos de que trata a Educação Física na escola.
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Neste sentido, ao se optar dução. Além disso, em função do


por um tipo de metodologia que longo tempo de existência, não se
coloque em evidência o que o pode também desconsiderar, como
professor já faz, ou consegue fazer, mais um elemento condicionante,
estar-se-á procurando, ao mesmo as entradas e saídas constantes de
tempo, compreender a realidade, professores no grupo, exigindo,
contextualizando-a e, também, assim, um esforço permanente para
produzindo ações que possam ser a manutenção do caráter coletivo,
desencadeadas a partir desta mesma pela necessidade de aproximação
prática, que resultem em mudanças dos que chegam e de paciência
significativas. pedagógica dos antigos, permitin-
É justamente nesta pers- do, assim, que se re-criassem as
pectiva que procuramos enfrentar condições de igualdade garantindo
o desafio de construir, a partir do a participação.
trabalho de formação continuada, O trabalho foi direcionado
um projeto político comprometido para construção e reconstrução de
com uma concepção crítica de um modelo curricular que expres-
educação, estimulando o envolvi- sasse o entendimento coletivo
mento e a organização coletiva de acerca das referências estudadas,
professores de Educação Física das
com a perspectiva de que o grupo
escolas públicas e buscando mini-
participante se identificasse, efeti-
mizar algumas das dificuldades que
vamente, como autor do processo,
eles mesmos identificam em seu
sendo, portanto capaz de explicar
cotidiano docente.
o caminho percorrido e justificar o
Este grupo de formação
modelo elaborado. É este modelo
continuada existe desde 1996,
que pretendemos apresentar aqui,
tendo passado por diferentes mo-
mentos políticos, enfrentando as juntamente com algumas reflexões
mais variadas dificuldades, sendo, sobre os fundamentos da concepção
portanto, fundamental destacar que de Educação Física que o orienta e
o trabalho em construção é resul- as questões de ordem teórico-meto-
tado de movimentos de conflitos, dológica que pretende responder.
de lutas, de rupturas, enfim, carac-
terísticas que, embora não possam O grupo de formação continu-
ser aqui explicitadas, foram funda- ada: o lugar de onde falamos
mentais para os rumos assumidos
pelo grupo que persistiu até este A Educação Física, desde
momento envolvido com esta pro- o final da década de 1970, vem
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sendo palco de importantes debates pela área, aspectos que também são
travados na produção acadêmica, atestados por Kunz (2001). Resta-
num movimento intenso de ques- nos, portanto, buscar caminhos para
tionamentos e contestação das prá- preencher as lacunas advindas des-
ticas de caráter instrumental. Neste tes problemas, no sentido de estudar
contexto, as concepções ligadas ao a realidade educacional para além
desenvolvimento da aptidão física, da velha e sombria relação teoria e
impostas pela pedagogia tecnicista, prática (Amaral, 2003).
deixaram de ser a única referência Segundo Caparróz (2001),
para pensar a prática pedagógica, o tensionamento em torno da iden-
passando a conviver com novas tidade da Educação Física, que
leituras, que trazem em suas bases resultou no chamado movimento
contribuições da filosofia, da socio- renovador, favoreceu o surgimento
logia e de outras áreas das ciências de inúmeras abordagens, nomea-
humanas, as quais buscam construir das segundo sua matriz teórica de
uma outra legitimidade para a área, origem como: Desenvolvimentista,
respondendo e justificando social- Humanista, Construtivista, Fenome-
mente qual seu papel na formação nológica, Antropológico-cultural,
dos sujeitos e na transformação da Histórico-crítica, Histórico-social,
sociedade. Sistêmica, Crítico-superadora, Crí-
Este movimento na produ- tico-emancipatória.
ção teórica, na medida em que vem Dialogando também com
incorporando as diferentes teorias o contexto destas produções, Cas-
de conhecimento, se materializa na tellani Filho (1998, apud Caparróz,
forma de diferentes abordagens de 2001) apresenta uma proposta de
ensino elaboradas de acordo com organização destas abordagens
as perspectivas epistemológicas de a partir de uma classificação que
seus representantes. Em que pesem chamou de não propositivas, propo-
as importantes contribuições destas sitivas sistematizadas e propositivas
experiências, identificamos, ao lon- não sistematizadas, dando a enten-
go dos últimos 14 anos trabalhando der que, apesar de constituírem
como professoras de escolas públi- um grande movimento na área, as
cas, e também na formação inicial, abordagens apresentam, do ponto
que a organização do trabalho peda- de vista da sua relação com a prática
gógico, a seleção de conteúdos e o pedagógica, um diferenciador que é
trato com o conhecimento científico dado pelo seu caráter de apresentar
na construção do currículo continu- ou não propostas de conteúdos e
am sendo problemas enfrentados metodologias de ensino.
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Por outro lado, o que se e na prática social dos professores,


pôde constatar a partir da década de confirmando, portanto, o hiato
1990 em relação ao potencial destas apontado por Caparróz (2001) entre
abordagens para a transformação da as prescrições da produção teórica
prática pedagógica é o que o próprio e a realidade do professor.
Caparróz (2001) passou a chamar Se o desafio inicial era
de viés prescritivo: “Não deve ser construir e implementar uma pro-
assim” indicando a necessidade de posta curricular que estivesse funda-
ir além da dimensão exortativa ou mentada numa perspectiva crítica,
da prescrição por negação. Segundo seria também necessário dialogar
ele, em função desse viés, a propo- com as diferentes leituras e níveis
sições pedagógicas não ajudaram a de compreensão acerca da realida-
fundamentar a prática cotidiana; não de, e da própria produção da área,
buscaram compreender a Educação presente entre os professores. Cien-
Física por aquilo que os professores tes deste quadro, não foi adotado
fazem no cotidiano - estudaram a nenhum caminho preestabelecido,
prática pedagógica apenas a partir antes, perseguiu-se o objetivo de
dos discursos oficiais. Caparróz avançar na construção e reconstru-
(2001) afirma, ainda, que a presença ção permanente de uma proposta
de um discurso opositor à racionali- curricular comprometida com a
dade tecnocrática não foi capaz de realidade da escola pública local.
conter o aumento do tecnicismo e Como fazer? Esta foi uma
da racionalidade burocrática; por questão que não poderia ser res-
fim, questiona os limites que aquelas pondida de uma vez por todas e,
abordagens tiveram para considerar longe de estar totalmente satisfeita,
as formas de estruturação das institui- permanece hoje na ordem do dia,
ções e para decodificar as condições uma vez que o estudo da dinâmi-
institucionais de escolarização. ca e complexidade do fenômeno
Em Uberlândia as influ- social requer a aceitação de que
ências destas abordagens, ainda toda previsão não passa de uma
que de forma confusa e eclética, já aproximação, limitando o conhe-
estavam presentes desde 1992/93, cimento da realidade ao “campo
sendo inclusive referências utiliza- das incertezas”, no sentido de que
das em concurso público no municí- estamos em permanente “vir a ser”
pio. Porém, tais influências também individual e social.
não estavam sendo convertidas em Como foi dito na introdu-
propostas que dessem conta de mu- ção deste artigo, nestes últimos anos
danças efetivas no cotidiano escolar o trabalho de formação continuada
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avançou na elaboração de um mo- muito mais complexa do que aqui-


delo curricular, resultante da revisão lo que podemos ou conseguimos
constante das propostas produzidas dela interpretar, podemos também
no grupo em momentos anteriores. afirmar que nossas visões de mun-
De 2007 em diante, foram organiza- do devem sempre ser consideradas
dos quatro cursos de extensão com provisórias, passíveis de questiona-
temáticas pensadas coletivamente mento, de ampliação ou aprofun-
em função da necessidade da con- damento, no sentido de uma busca
tinuidade do processo, de forma pela aproximação e confronto entre
que o sentido do que se estava nossas explicações ou interpreta-
produzindo pudesse ser percebido a ções e a realidade concreta, para
partir do caminho percorrido e fosse superação de possíveis equívocos
atrelado ao estudo da realidade dos ou incoerências.
professores participantes. Neste sentido, torna-se fun-
Ao longo deste percurso, damental para o desenvolvimento
alguns aspectos têm dificultado de um projeto pedagógico coletivo,
a implementação desta estrutura o constante aprofundamento e/ou
curricular, um deles é o fato de que nivelamento teórico, desde que seja
muitos professores da rede muni- uma necessidade percebida pelo
grupo a partir da sistematização
cipal não participam deste espaço
da sua própria prática pedagógica.
de estudo, reflexão e debate e,
Portanto, a descrição e análise das
portanto, apresentam dificuldades
experiências de ensino sempre se
em compreendê-la. Entretanto, é
constituíram como aspecto central
importante ressaltar que este distan-
para direcionar os estudos, repetidas
ciamento se dá por diversos fatores:
vezes, e por diferentes caminhos,
alta rotatividade de professores con-
sobre as teorias críticas de educação
tratados, professores que desacredi- e de educação física.
tam do tipo de formação oferecida, A adoção deste percurso
professores que atuam em outros tem como pressuposto que não
espaços de trabalho formal e não basta o professor “escolher” uma de-
formal, dentre outros. terminada abordagem de educação
física, unicamente pela via do dis-
O diálogo com os referenciais te- curso. Antes, a incorporação de no-
óricos: algumas aproximações vos princípios político-pedagógicos
deve ser fundamentada e refletida à
Se aceitarmos o fato de luz daquilo que o professor já faz,
que a realidade social será sempre ou sabe fazer, entendendo assim o
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planejamento do currículo como parte constitutiva do movimento do


um processo permanente de análise pensamento que o grupo vem de-
sobre os problemas e dificuldades senvolvendo em direção ao modelo
encontrados no cotidiano escolar. curricular proposto.
Vale ressaltar que, em úl- 1. Que concepção de exis-
tima instância, o que está proposto tência humana deve-se to-
pelas teorias críticas de currículo é mar como referência para
que a prática educativa seja subme- re-interpretar a prática pe-
tida a um exame rigoroso de seu im- dagógica no sentido de sua
pacto na constituição dos sujeitos, transformação?
dando resposta à suas implicações 2. Que perspectiva de forma-
explícitas e/ou ocultas, de tal forma ção humana deve orientar o
que seja possível identificar a favor processo pedagógico?
de quem e contra quem se está no 3. Que princípios político-
momento de elaborar um modelo pedagógicos devem guiar a
pedagógico. definição de procedimentos
Portanto, se são muitas metodológicos?
as perguntas que ainda temos que 4. Que critérios devem ser
responder, não se deve perder de utilizados para selecionar os
vista que a forma como estas per- temas e organizar/produzir
guntas são formuladas aponta para os conteúdos de ensino?
um determinado modo de pensar e A reflexão sobre a primeira
interpretar o fenômeno educativo. questão nos levou a identificar que
Além disso, as decisões sobre o que a tentativa de explicar o que é o ser
e quando perguntar deve resultar humano por meio da idéia dos do-
de um diálogo do qual participam mínios Cognitivo – capacidade de
todas as vozes. A transformação da fazer uso de informações diversas
prática pressupõe aprender a elabo- por meio do pensamento (intelec-
rar boas perguntas para a realidade, to), Afetivo-social – capacidade de
para o cotidiano, para nós mesmos, expressar sentimentos e emoções
para a teoria... no nível comportamental e Psico-
Arriscamos-nos a apre- motor – capacidade de aprender a
sentar aqui algumas das questões movimentar-se em uma escala cada
que conduziram o grupo no estudo vez mais complexa, é limitada e
dos referenciais teóricos, embora tem contribuído muito pouco para
não pretendamos dar respostas uma fundamentação crítica do fazer
definitivas às mesmas, mas tratá-las pedagógico. A conseqüência desta
de forma contextualizada e como visão tem sido a fragmentação da
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existência humana expressa, in- O existir é, antes de tudo des-


clusive, no conceito de Formação dobrar-se pelo agir numa intera-
“integral” como a soma dos domí- ção permanente e intensa com
nios, sendo o Domínio Cognitivo a os dados da natureza material,
finalidade da educação. com os outros sujeitos na so-
ciedade e com as construções
Ao contrário desta visão,
simbólicas, subjetivamente pro-
encontramos outras formas de ex-
duzidas por sua consciência e
plicação da existência humana que guardadas na memória e objeti-
tomam como referência a compre- vamente conservadas pela cul-
ensão do que caracteriza e constitui tura (SEVERINO, 2001, p. 44).
a realidade social. Bracht (2005),
citando Oliveira (1998), afirma que A compreensão de como
a corporalidade se consubstancia na se configura a existência humana,
prática social a partir das relações na perspectiva deste autor, se com-
de linguagem, poder e trabalho, pleta com a introdução do conceito
estruturantes da sociedade. Nesta de tridimensionalidade. As raízes
perspectiva, a vida humana é a desta leitura podem ser encontra-
base para a compreensão do tipo das, do ponto de vista filosófico, na
de formação que a educação deve explicação materialista sobre a ori-
promover, reconhecendo aquilo gem da consciência humana como
que nos torna um ser social; de dimensão da subjetividade que
como devem ser nossas relações
com a natureza e com a sociedade, (...) emerge como uma função
no sentido da emancipação. plenamente integrada aos pro-
Outra interessante análise cessos das atividades que os
homens passaram a desenvol-
que toma também a vida concreta
ver para cuidar da própria so-
para pensar o ser humano e como
brevivência material. (...) É por
ele se constitui pode ser encontra- isso também que pensamento e
da em Severino (2001), segundo ação se misturam e se vinculam
o qual a existência humana só em suas origens (SEVERINO,
se efetiva pela mediação do agir 1994, p. 33).
histórico-social, de tal forma que os
diferentes modos de “ser humano” Em seu percurso de rela-
decorrem das diferentes formas de ções mediadas, o homem vai se
agir constituídas historicamente, constituindo e conservando sua
sendo, portanto, a prática a essência existência concreta na medida em
deste existir. que se relaciona com a natureza
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(prática produtiva - trabalho) com que se organizam segundo as par-


os outros (prática política - poder) ticularidades culturais e históricas
e com seu próprio modo de pensar dos sujeitos.
(prática simbólica - linguagem). Neste contexto de análise,
Neste sentido a concep- a autora apresenta o conceito de
ção de formação humana (segunda mediação, como categoria funda-
questão) deve pautar-se: no reco- mental que permite entender como
nhecimento do processo simbólico se dá “a apropriação do mundo
de representação da realidade, pelos sujeitos em suas relações e
seja ela verbal ou não-verbal, por a emergência de processos psico-
meio de uma racionalidade cuja lógicos internos” (ROCHA, 2000,
materialização pressupõe relações p. 31). Humanização, portanto, é o
intencionais e, portanto, devem movimento dialético de produção
ser aprendidas; na identificação da da vida cultural em suas diferentes
dimensão produtiva da existência, manifestações e se dá por meio de
que resulta em conhecimento de três formas de mediações interco-
caráter técnico-normativo; no co- nectadas: a instrumental, a semió-
nhecimento dos mecanismos que tica e a social:
regulam a vida social, ou seja, as A mediação instrumental
relações políticas estabelecidas a refere-se à utilização de apoios
partir de interesses (troca por lucro/ externos pelo homem para agir no
busca consenso). mundo; a mediação semiótica refere-
Sustentando ainda as re- se à linguagem, que é o sistema de
flexões sobre a formação humana, signos, através dos quais se transmite
avançando para a terceira ques- o conhecimento produzido pela hu-
tão entendemos, segundo Rocha manidade (sendo, portanto um instru-
(2000), que, do ponto de vista da mento) e ao mesmo tempo é instancia
perspectiva histórico-cultural, o fundamental para a compreensão das
desenvolvimento humano ou “mo- relações humanas (mediação social);
vimento de humanização” não pode a mediação social refere-se à parti-
ser explicado pelo viés da atualiza- cipação do outro e opera por duas
ção de capacidades dependentes formas: a atividade conjunta com
apenas do aspecto maturacional objetos (mediação instrumental) e a
e nem de aquisições acumulativas comunicação por meio da linguagem
que se ampliam de forma gradual e (mediação semiótica)
linear. O desenvolvimento precisa Rocha (2000) dialoga tam-
ser compreendido na relação com bém o conceito vigotskiano de Zona
as condições concretas de vida, de Desenvolvimento Proximal,
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resultado de experiências comparti- O ato de ensinar é,


lhadas entre o sujeito que ainda não portanto, uma forma de mediação
é capaz de realizar determinadas (chamada por Rocha de mediação
atividades sozinhas, com sujeitos pedagógica), que, do ponto de vista
mais experientes do desenvolvimento humano, se
contrapõe à perspectiva psicolo-
A Zona de Desenvolvimento gicista que serviu de base para a
proximal é, portanto, o encon- construção de justificativas que su-
tro do individual com o social, punham uma possível “integração”
de que retoma a concepção de destes domínios, a partir de uma ló-
desenvolvimento não como gica de interdependência entre eles.
processo interno da criança, Entretanto, se tomarmos o conceito
mas como processo resultante de mediações em Rocha (2000), en-
da sua (da criança) inserção em
tendemos que podemos avançar na
atividades socialmente compar-
compreensão da indissociabilidade
tilhadas com outros (ROCHA,
entre as dimensões instrumental, se-
2000, p. 40).
miótica e social, na medida em que
interpretamos cada uma delas como
Neste processo, as mu-
sendo processos interligados que
danças acontecem como resultado
se efetivam a partir e no contexto
de relações inter (entre sujeitos) e
histórico-cultural. Por este motivo,
intrapsicológicas (singulares), sen- nos referimos à formação humana
do, assim, internalizadas. Daqui se como sendo resultado de aquisição/
depreende a idéia de que “apren- internalização de conhecimento
der” e “desenvolver” podem ser de natureza instrumental, social e
considerados processos dinâmicos comunicativa, ao que chamamos
de internalização da cultura, que formação humana ampliada.
se relacionam ao longo de toda a Portanto, a organização do
vida. Nesta relação, que é dialé- processo pedagógico e a definição
tica, a aprendizagem possibilita de procedimentos metodológicos
desenvolvimento, que por sua vez deverão favorecer os saltos quali-
permite aprendizagens novas e dife- tativos do aluno em sua trajetória
renciadas. Entretanto, este processo escolar. Neste caminho, consegui-
não é natural ou espontâneo, nem mos estabelecer alguns consensos
pode ser explicado por leis causais, acerca dos seguintes elementos
sendo esta compreensão fundamen- do planejamento: processo peda-
tal para repensarmos a nossa prática gógico: consiste na identificação
pedagógica. do caminho do pensamento que
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possibilita a aquisição/construção históricas, o que significa estudá-


do conhecimento pelos alunos ten- las a partir de reflexões advindas
do como base o projeto curricular das ciências sociais e humanas,
(perspectiva dialética: síncrese – compreendendo os sentidos e
análise – síntese); procedimentos significadas a elas atribuídos nos
metodológicos: são ações que o contextos culturais em que foram/
professor irá adotar para tornar sig- são produzidas.
nificativo o processo metodológico, Nesta mesma direção,
podendo, portanto variar de acordo dialogamos também com Aranha
com o desenvolvimento da turma, (1996) e sua explicação sobre o
as condições materiais da escola, processo de produção da cultura
dentre outros aspectos. como resultado de relações que o
Na discussão sobre a pro- homem estabelece com a natureza
dução de saberes escolares e sua e consigo si mesmo (relações de
organização no currículo ao longo trabalho, relações políticas e rela-
do processo de escolarização, parti- ções culturais/comunicativas). O
mos da pergunta: O que a educação conceito de cultura, segundo ela
física ensina?, buscamos identificar se distingue da idéia de “acesso à
os aspectos que caracterizam a instrução/erudição”, expressando,
especificidade de nosso objeto de por um lado, o resultado de tudo
ensino na escola, com a finalidade o que o homem produz para cons-
de ampliar o olhar sobre esta ques- truir sua existência, e por outro o
tão, auxiliando-nos na revisão do conjunto de representações simbó-
modelo curricular. licas, por meio do qual os homens
Por meio de uma chuva se comunicam de forma cada vez
de idéias identificamos quais eram, mais elaborada e que permite tanto
para o grupo, os elementos consti- a produção quanto a conservação
tutivos que caracterizam o ensino da cultura.
da educação física na escola. Um A partir deste conceito, a
primeiro diálogo, nesse momento, autora evidencia os aspectos que
se deu com Bracht (2005), onde diferenciam as ações humanas das
aponta a perspectiva de se utilizar atividades dos animais. No segundo
a categoria cultura para referir-se caso, as ações são determinadas
àquilo que caracteriza o objeto de pelas condições biológicas, que
ensino do componente curricular lhes permitem adaptar-se ao meio
educação física. Destacamos aqui em que vivem, não sendo livres
a necessidade de entendermos prá- para agir em discrepância com sua
ticas corporais como construções natureza. Por esta razão não tem
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história, não dominam o tempo, sentidos e significados culturalmen-


porque seu ato se esgota no mo- te a elas atribuídos e das condições
mento em que o executa. concretas de sua organização no
O homem, ao contrário, é contexto social.
capaz de agir sobre a natureza e so- Estas reflexões, na medida
bre si mesmo, por meio da atividade em que dialogam com a prática
chamada trabalho. Neste processo pedagógica, na formação conti-
pode reproduzir atividades de outros nuada, tem nos conduzido a um
homens e inventar novas, tomando movimento constante de formular
sua própria ação como fonte de novas perguntas que, por sua vez,
idéias – a isto Aranha (1996) chama exigem novos estudos, permitindo
de “experiência humana”. o “retorno” à prática pedagógica,
num processo de realimentação do
As relações que os homens es- currículo.
tabelecem entre si para produ- Portanto, o que apresen-
zir a cultura se dão em diversos tamos como proposta para a Edu-
níveis que não se excluem, mas cação Física resulta, não de uma
se complementam e se interpe- apropriação linear da teoria ou, de
netram. Apenas por questões uma possível “aplicação” da mes-
didáticas costumamos separar e ma, mas do que tem sido possível
distinguir essas relações em: re- desenvolver por meio do confronto
lações de trabalho, (...) relações com a realidade. Por este motivo, é
políticas, (...) e relações cultu- necessário reafirmar o entendimen-
rais (...) (p. 17). to de que

Tomando a cultura como [...] o professor não deve apli-


fonte e substrato tanto para a com- car teoria na prática, e sim, (re)
preensão quanto para produção do construir (reinventar) sua prá-
conhecimento, podemos afirmar tica com referência em ações/
que as práticas corporais devem experiências e em reflexões/
constituir-se como fenômenos a teorias. É fundamental que esta
apropriação de teorias se dê de
serem estudados pelo componente
forma autônoma e crítica, por-
curricular Educação Física, com
tanto, como ação de um sujei-
a finalidade de identificar o co- to, de um autor (CAPARROZ &
nhecimento necessário para uma BRACHT, 2007, p. 27).
apropriação crítica das mesmas do
ponto de vista das possibilidades de A constante revisão dos
sua vivência no tempo de lazer, dos referenciais teóricos nos permite
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chegar a momentos de síntese, antropologia, filosofia), muitas vezes


como este, nos quais a prática pe- negado ou rejeitado em função, den-
dagógica indica as contribuições da tre outros aspectos, da lógica frag-
teoria, para sua compreensão e/ou mentada com que tradicionalmente
transformação, e não o contrário. foi tratada a relação teoria e prática.
Além disso, estas reflexões devem É por este motivo que temos insistido
conduzir a compreensão de como na prática da problematização, do
o conhecimento deve ser organiza- questionamento aos conhecimentos
do, na forma de saberes escolares cristalizados em nosso imaginário,
produzidos de forma autônoma e na medida em que consideramos
não copiados ou reproduzidos a ser este um passo fundamental para
partir de currículos impostos ou aprendermos a estudar a realidade,
programas prontos. elaborando sempre novas perguntas
Na medida em que com- que poderão indicar por onde tere-
preendemos que o movimento/exer- mos que caminhar na construção de
cício do pensamento não é linear e nossa autonomia científica, política
que dele depende nossa capacidade e pedagógica.
de descrever, explicar, problematizar
e transformar a realidade (neste caso Apresentação de um modelo
a prática pedagógica), não podemos
curricular para a Educação
mais abrir mão de uma apropriação
crítica e reflexiva do conhecimento Física
produzido sobre nosso objeto de
ensino. Esta atitude implica, num Como preâmbulo para
primeiro momento, reconhecer os apresentação desta proposta, é im-
limites da formação técnico-instru- portante chamar atenção para o fato
mental a que fomos submetidos, a de que, para nós, o estabelecimento
qual nos impôs uma ação educativa de uma forma de pensar a estrutura
reduzida a mera reprodução das curricular é o que, de certa forma,
práticas corporais hegemonicamente permite uma visualização da mate-
aceitas como válidas. rialidade do componente curricular,
E num segundo momen- conferindo-lhe identidade e expres-
to, implica também assumirmos a sando seu sentido no processo de
disposição de aprender aquilo que escolarização.
desconhecemos, ou conhecemos Já é antigo o debate sobre
superficialmente, em especial, o co- a especificidade da Educação Física
nhecimento advindo das ciências hu- em termos do seu conhecimento
manas e sociais (história, sociologia, e dos conseqüentes conteúdos de
156

ensino. As discussões no grupo de a incorporação de conhecimentos


formação continuada nos levaram a advindos de diversas áreas, repre-
rever alguns aspectos deste debate, sentando campos de conhecimento
pois identificamos a presença de que agrupam produções culturais
uma linguagem ainda muito con- que podem ser identificadas como
trovertida em relação aos termos o objeto de ensino na Educação
que se utiliza para dizer o que cada Física Escolar.
elemento significa no modelo cur- Eixo 1 - Educação Física
ricular, em função, principalmente, tem a Escola e a Educação Física
do nível diferenciado que cada como temas a serem abordados
participante se encontra, alguns da educação infantil ao 9º ano do
estão desde 1996 no grupo, outros ensino fundamental. Deve apre-
são recém contratados e outros já ciar tanto conhecimentos sobre a
não participam mais. Entretanto, instituição escola quanto do com-
observamos que o debate acadêmi- ponente curricular educação física
co expresso nas produções da área no cenário da educação formal
e que tem sido problematizado em em nossa sociedade, apontando e
diversos artigos publicados nos pe- justificando a educação física como
riódicos, também tratam a questão conhecimento a ser ensinado na
dos conteúdos de ensino de formas escola, bem como a contribuição
diferenciadas (BRACTH, 1996; SO- da escola e da educação física no
ARES, 1996; OLIVEIRA, 1999). processo de formação humana, coo-
A elaboração da estrutura perando em primeira instância para
curricular não se caracterizou como a justificativa e valorização desta
uma mera escolha de termos “ade- última, no contexto escolar;
quados”, mas sim num processo de Eixo 2- Manifestações
ressignificação dos temas e conteú- Corporais compreende o estudo
dos, uma vez que, a terminologia sobre as manifestações corporais
utilizada deve refletir os conceitos tradicionalmente atribuídas como
que nos orientam na elaboração do objeto a ser ensinado na escola
modelo. Optamos, portanto pela pela disciplina Educação Física,
organização de três elementos: Ei- cujos elementos constitutivos são
xos Temáticos, Temas de Ensino e reconhecidos socialmente e estão
Conteúdos de Ensino. inseridas na realidade a partir de ca-
Eixos Temáticos passaram racterísticas comuns como: possuir
a significar para nós, determinados gestos e técnicas próprias, regras,
contextos da vida social, cujas práti- locais, vestuários, equipamentos
cas sociais, ali agrupadas, implicam pré-definidos. Busca a identificação,
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experimentação e reflexão sobre es- diferentes possibilidades de práticas


tas manifestações, com a finalidade de lazer, identificando os locais e
de compreender suas relações com equipamentos de lazer, bem como
os aspectos históricos, políticos e a relação entre o público e o privado
com a formação humana, apontan- no âmbito do lazer como direito so-
do a possibilidade de elaboração, cial. A discussão sobre estes temas
reconstrução e permanente reinven- deve nos remeter também ao estudo
ção das mesmas de maneira crítica das diferentes práticas sociais levan-
e coletiva; do em consideração os aspectos
Eixo 3- Corporeidade Hu- políticos, sociais, econômicos e da
mana contempla o conhecimento formação humana;
sobre o corpo, em suas diferentes Eixo 5- Atividade Física/
dimensões, como elemento cons- Qualidade de Vida se caracteriza
titutivo da existência humana, pelo estudo da Atividade Física
relacionando os estudos existentes em suas diferentes possibilidades
sobre a concepção da corporeidade e limites de materialização na vida
humana com o agir social, levando social, compreendendo-a como uma
em conta os modismos e influên- construção histórica que se funda-
cias da mídia na construção de menta no conhecimento advindo
uma visão de corpo nos contextos das ciências naturais, atendendo a
histórico-culturais. Os temas de interesses políticos, sociais e eco-
ensino, neste eixo, devem tratar o nômicos. Considera-se, ainda, para
corpo a partir de uma perspectiva a reflexão neste eixo, as múltiplas
estética, histórica e social, para além relações entre Atividade Física e
do conhecimento biológico, com a Qualidade de Vida, nos remetendo
finalidade de romper com a visão ao campo da Saúde, especialmente
fragmentada “corpo-mente” que, pela visão tradicionalmente presente
historicamente, predominou na área neste, de uma possível relação de
da educação física; causa e efeito entre ambas. Neste
Eixo 4- Lazer na educa- sentido, torna-se fundamental que, na
ção física escolar deve contemplar escola, os alunos sejam conduzidos à
o estudo sobre as manifestações uma compreensão dos aspectos que
corporais que podem ser materia- definem Qualidade de Vida em di-
lizadas no tempo do não trabalho. ferentes contextos histórico-culturais
Abordando aspectos do conheci- e sócio-econômicos, pois trata-se de
mento que permitam compreender um conceito que deve ser justificado
as implicações do desenvolvimento por critérios definidos a partir das con-
tecnológico no campo do lazer, as dições concretas da vida social..
158

Os Temas de Ensino são as da realidade cultural. Além disso, os


diferentes atividades humanas que aspectos atribuídos aos Conteúdos
podem e devem ser reconhecidas, de Ensino são comuns aos diversos
compreendidas e problematiza- Temas, pois apontam o tratamento
das nas aulas de Educação Física, que pode ser dado ao conhecimen-
de acordo com a concepção de to acerca dos mesmos.
educação que nos orienta, sendo, Os Conteúdos de Ensino
portanto, agrupadas em Eixos Temá- são aspectos do conhecimento
ticos, expressando, assim, a leitura sobre cada tema, tomados como
da realidade, justificada com base referência para a produção de sa-
no projeto político pedagógico da beres escolares, os quais podem
área. Na atual estrutura curricular contribuir para uma compreensão
são apresentados os seguintes temas crítica acerca da realidade social.
de ensino, distribuídos nos eixos te- Sua compreensão passou a ser
máticos: Educação Física: A Escola entendida na lógica da produção
e A educação Física como com- de saberes escolares, sendo um
ponente curricular; Manifestações processo que ocorre antes durante
Corporais: Esporte, Jogos, Ginásti- e depois do ato de ensinar, do qual
ca, Danças, Lutas, Brincadeiras de participam professores e alunos.
Rua, Teatro, Capoeira, Circo e Jogos Para orientar organização do conhe-
Olímpicos; Corporeidade Humana: cimento por meio dos conteúdos
Órgãos dos sentidos, Produção Mi- foram definidos cinco aspectos:
diática, Mundo do Fitness, Corpo 1- Elementos constitutivos – des-
e Indústria da Moda; Lazer: Racha/ crição dos fenômenos a partir da
pelada, Ruas de Lazer, Colônia de identificação de sua materialização
Férias, Jogos Eletrônicos, Atividades na realidade concreta (aparência),
de “aventura” e Políticas públicas visando reconhecer o que, como,
do lazer; Atividade Física e Qua- quem e onde; 2- Classificação-
lidade de Vida: Alimentação, As- caracterização – agrupamento dos
pectos biológicos, Exercício Físico, elementos da cultura tomados como
Patologias associadas ao exercício objeto de estudo-ensino a partir de
físico e Fisioterapia desportiva. critérios previamente definidos, de
Vale ressaltar que a orga- forma a identificar os aspectos que
nização dos temas não é estática, permitem saltos qualitativos na for-
permitindo sua mobilidade entre ma de explicá-los, dependendo dos
os eixos, dependendo dos objetivos objetivos de estudo; 2- Conceitua-
de ensino, sendo possível, também lização – processo de organização
a criação de novos temas advindos do pensamento para a produção de
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novas sínteses teóricas, avançando candos; e o método refere-se à


para uma compreensão mais apro- necessária trajetória a ser per-
fundada da realidade; 4- Contextu- corrida para que isto seja garan-
alização sócio política – a relação tido (SAVIANI, 1998, p. 10).
dos temas estudados com o modelo
de sociedade, as formas de intera- Entendemos que as discus-
ção humana e as relações de poder sões sobre a organização curricular
e 5- Institucionalização – processo devem resultar de uma permanente
por meio do qual as práticas sociais reflexão sobre a realidade escolar,
são organizadas e reorganizadas na sistematizada nos estudos realizados
sociedade, por meio de diferentes na formação continuada, visando
modelos institucionais, permeados sua reformulação sempre que avan-
de interesses sociais, econômicos ços teórico-práticos são alcançados.
e políticos. Vale destacar que neste processo
O diálogo que nos per- permanente de busca de alternativas
mitiu avançar na explicação desta curriculares, é fundamental reco-
estrutura curricular se deu com nhecer a autoria dos professores e
Saviani (1998), especificamente na sua autonomia político-pedagógica
discussão que ela faz das relações na produção do currículo; ter clare-
entre conteúdo e método de ensi- za, tanto da função docente, quanto
no. Esta relação é abordada pela do que deve ser ensinado e do
autora a partir de sua aproximação sentido e significado de se aprender
com a relação currículo-didática, determinada prática social para a
implicando numa compreensão dos formação do aluno.
processos de produção dos saberes
O quadro abaixo apresen-
escolares, e sua organização numa
ta um exemplo da apropriação desta
matriz curricular; e do processo de
organização curricular para o plane-
escolarização por meio do qual a
jamento do ensino, explicitando a
trajetória pedagógica é desenhada à
concepção resultante da produção
luz de uma visão sobre o desenvol-
vimento do aluno. Segundo ela coletiva na formação continuada
e que vem sendo utilizada para a
[...] o conteúdo do processo elaboração do planejamento no
pedagógico refere-se, funda- cotidiano das escolas da Educação
mentalmente, ao conjunto de Básica. Este quadro é parte de um
conhecimentos e técnicas cuja documento que denominamos pla-
assimilação/apropriação a es- no anual e que a cada ano passa
cola deve propiciar aos edu- por reformulações, incorporando os
160

avanços coletivos5. O Plano Anual alguns aspectos na produção do


materializa um esforço coletivo de currículo, é preciso reconhecer que
distribuição dos Temas de Ensino os quadros elaborados pelos grupos
ao longo do processo de escolari- de trabalho não estão prontos e de-
zação oferecido na Rede municipal vem ser tomados como uma versão
(Ed. Infantil e Ensino Fundamental). provisória desta nova organização
Ainda que tenhamos avançado em curricular.

5 Desde o ano de 2000 o grupo de formação continuada tem feito um esforço para elaborar um
documento, que a partir do processo vivenciado durante o ano, oriente a prática pedagógica
dos professores. No entanto reproduzir toda esta materialização não foi possível, pelo limite de
espaço deste artigo, por isso colocamos esta sistematização a título de exemplo daquilo que vimos
produzindo com os professores.
Ano XX, n° 31, dezembro/2008 161

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