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Aprender a ensinar antes de ensinar


Uma experiência na formação didática de futuros professores de Ciências

José Luís Coelho da Silva & Flávia Vieira


zeluis@ie.uminho.pt ; flaviav@ie.uminho.pt
Universidade do Minho. 4710-057 Braga, PORTUGAL

Resumo— No contexto da formação incial, aprender a ensinar desenvolver esse tipo de ensino, o que implica
antes de ensinar apresenta desafios aos formadores e aos experienciar estratégias formativas que promovam uma
futuros professores, sendo importante promover uma visão crítica da educação (em ciências), a predisposição
aproximação à prática, assim como o questionamento de para identificar e superar constrangimentos, a capacidade
conceções prévias na construção do conhecimento profissional.
de centrar o ensino na aprendizagem e a interação com os
No presente texto, apresenta-se e discute-se uma experiência
desenvolvida na formação didática de futuros professores de pares para a partilha e confronto de conceções e práticas
Biologia e Geologia, no âmbito de uma disciplina de (Jiménez Raya, Lamb & Vieira, 2007). Coaduna-se com
metodologia de ensino de um mestrado em ensino, na qual o esta perspetiva a noção de professor como intelectual
formador procurou promover uma reconcetualização do ensino crítico e agente de mudança, condição necessária à
das Ciências, nomeadamente através de uma estratégia transformação profissional e à inovação pedagógica
reflexiva e dialógica que permitiu o confronto entre conceções (Contreras, 2002; Mellado, 2011; Smyth, 1987), assim
prévias dos estudantes, casos de ensino autênticos e como uma noção realista da formação, na qual se procura
conhecimento didático atual. Concluiu-se que a estratégia trabalhar com base em situações reais de ensino,
favoreceu mudanças concetuais e atitudinais nos estudantes, promover a imaginação de práticas alternativas às
potenciadoras de futuras práticas educativas de orientação
tradicionais e encorajar a construção dialógica de teorias
transformadora. A experiência representa não só um caso de
como os formadores podem ajudar os futuros professores a pessoais que sustentem a futura ação profissional
aprender a ensinar antes de ensinar, mas também um caso de (Korthagen, 2011). Neste cenário, a análise de casos reais
indagação da pedagogia da formação profissional, através da de ensino assume particular relevância, já que eles podem
sua exploração, investigação e disseminação. assumir uma função ilustrativa mas também teorizadora,
promovendo movimentos de discussão e compreensão
Palavras chave: Formação inicial de professores, didática das situações educativas descritas, por referência a
das Ciências, aprender a ensinar conceitos ou princípios que vão além da prática em
análise (Shulman, 2004a).
INTRODUÇÃO Este tipo de formação aproxima os futuros professores
dos contextos educativos e é especialmente pertinente na
O enquadramento do ensino das Ciências numa formação didática prévia ao estágio, quando eles ainda
perspetiva da educação escolar como processo de não se encontram a lecionar e por isso têm dificuldade
transformação implica a formação de professores em articular a teoria e a prática na sua aprendizagem
reflexivos para o desenvolvimento de pedagogias do profissional. Trata-se, então, de aprender a ensinar antes
envolvimento (Barnett & Coate, 2005), essencialmente de ensinar, o que coloca desafios importantes aos
marcadas pela participação dos alunos na construção do formadores e aos próprios estudantes, nomeadamente o
conhecimento e na reflexão sobre as aprendizagens. de evitar que as suas experiências prévias enquanto
A nível internacional, reconhece-se hoje que ensinar alunos (de Ciências, mas não só), frequentemente
Ciências implica criar oportunidades para que os alunos marcadas por um paradigma transmissivo, sejam mais
se envolvam em atividades autênticas e baseadas na tarde reproduzidas nas suas práticas de ensino.
pesquisa, na resolução de problemas e no trabalho Estes pressupostos subjazem ao desenho de uma
laboratorial, através de sequências de aprendizagem experiência pedagógica no contexto da formação didática
autorreguladas e promotoras da sua autonomia, nas quais de professores, desenvolvida pelo primeiro autor em
possam reconstruir o seu conhecimento prévio e também 2011/2012 na unidade curricular de Metodologia do
desenvolver capacidades de comunicação e de Ensino da Biologia e Geologia, uma disciplina semestral
argumentação discursiva com os pares (S-TEAM, do 1º ano do Mestrado em Ensino de Biologia e Geologia
2010a,b; NCTL, 2011). Assim, na sua formação inicial, no 3º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário
os professsores devem ter a oportunidade de aprender a (Universidade do Minho - Portugal)1. A intervenção

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envolveu um grupo de nove alunos, quatro do sexo  (Re)construir conceções de “ensino”,
masculino e cinco do sexo feminimo, e decorreu ao longo “aprendizagem”, “natureza da ciência”, “trabalho
de sete aulas (35 horas), o que corresponde a metade do laboratorial” e “trabalho cooperativo”;
período de lecionação atribuído a esta unidade curricular.
 Desenvolver o pensamento crítico e a capacidade
Essencialmente, pretendeu-se criar condições para de autorregular a aprendizagem profissional.
uma reconcetualização do ensino das Ciências através do
Estes objetivos inscrevem-se globalmente numa
confronto entre conceções e experiências prévias dos
abordagem reflexiva da formação profissional (Zeichner,
estudantes, dois casos práticos de estratégias de ensino
1993). Esta abordagem pode ser desenvolvida de
desenvolvidas por ex-estagiárias e informação teórica
diferentes formas, tendo-se privilegiado uma estratégia
sobre metodologias de ensino, acompanhando-se esse
de mudança concetual relacionada com as conceções dos
trabalho com momentos de reflexão metacognitiva acerca
futuros professores sobre o ensino das Ciências e
dos processos de construção do conhecimento didático.
associada ao uso de casos reais de ensino como forma de
Privilegiou-se a aprendizagem cooperativa através do
promover o confronto entre teorias pessoais, práticas de
trabalho de grupo, do debate em grande grupo e da
ensino e conhecimento didático (Shulman, 2004a;
interação com as ex-estagiárias.
Korthagen, 2011). Contrariando a dicotomia entre teoria
Nos dois pontos seguintes, descrevemos a experiência e prática e a separação entre conhecimento académico e
desenvolvida e apresentamos os principais resultados conhecimento profissional, procurou-se criar um terceiro
decorrentes da sua avaliação pelos estudantes, com espaço, ou seja, um espaço híbrido de confluência de
ênfase na reconcetualização do ensino das Ciências. Nas diversos tipos saber que favorecesse a construção de um
conclusões, evidenciamos as potencialidades formativas saber profissional complexo (Zeichner, 2010).
da abordagem e tecemos algumas considerações sobre a
Apresentam-se, em seguida, as tarefas que
necessidade de encarar a pedagogia da formação de
corporizaram a intervenção pedagógica:
professores como um campo de indagação crítica, com
efeitos na melhoria das práticas, na reconfiguração da 1. Análise no grupo turma das representações dos
profissionalidade dos formadores e na valorização futuros professores sobre Ensinar Ciências,
institucional da formação profissional. identificadas a partir de um questionário individual
de resposta aberta acerca das práticas de ensino das
EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA Ciências por eles vivenciadas durante os ensinos
Básico e Secundário (práticas preferidas e a
A unidade curricular de Metodologia do Ensino da replicar, práticas a não reproduzir) e acerca de
Biologia e Geologia faz parte do 1º ano do plano de novas práticas a introduzir no ensino das Ciências.
estudos do Mestrado em Ensino, constituindo um espaço
privilegiado de preparação didática dos estudantes, que 2. Planificação de uma aula sobre um assunto das
no ano seguinte realizam o estágio em escolas da região temáticas Morfofisiologia do Sistema Circulatório e
com a supervisão de um docente de didática da Morfofisiologia do Sistema Respiratório,
universidade e um professor cooperante da escola. respectivamente, em dois grupos de trabalho.
Espera-se que os estagiários sejam capazes de explorar e Análise das planificações no grupo turma e
avaliar abordagens centradas nas aprendizagens dos confrontação com as representações iniciais sobre
alunos, através do desenvolvimento de projetos de Ensinar Ciências.
investigação-ação que são objeto de um relatório final 3. Reflexão conjunta sobre as estratégias
defendido em provas públicas. desenvolvidas e as aprendizagens realizadas.
A intervenção desenvolvida esteve orientada para a 4. Análise de dois casos de intervenções pedagógicas
consecução dos seguintes objetivos de formação: implementadas em contexto real de sala de aula por
 Estabelecer relações entre teoria e prática; duas professoras estagiárias2 do ano letivo anterior,
sobre os mesmos temas da tarefa 2: Morfofisiologia
 Compreender o ensino das Ciências como um do Sistema Circulatório e Morfofisiologia do
processo assente na pluralidade metodológica; Sistema Respiratório. As estratégias de intervenção
 Compreender a aprendizagem das Ciências como ilustradas estão alicerçadas em princípios de uma
o desenvolvimento integrado de competências pedagogia para a autonomia em contexto escolar (v.
disciplinares e tranversais/ transferíveis; Vieira, 1998; Jiménez Raya, Lamb & Vieira, 2007).
A primeira conjuga um modelo de ensino orientado
 Reconhecer que à planificação do processo de para a mudança concetual com a regulação da
ensino-aprendizagem subjaz sempre uma aprendizagem e a segunda estrutura-se segundo a
determinada visão de educação;

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aprendizagem cooperativa (v. Torrego Seijo & AVALIAÇÃO DA EXPERIÊNCIA
Negro Moncayo, 2012). As respostas dos estudantes indicam mudanças
Esta fase da estratégia dividiu-se em vários passos: concetuais relevantes à sua futura atividade profissional:
a. Leitura da descrição das duas intervenções  Passagem de uma conceção de Ciência de cariz
pedagógicas; positivista para uma perspetiva de cariz pós-
positivista:
b. Análise das intervenções pedagógicas em
diálogo com as professoras responsáveis pela  Ciência como actividade dinâmica e produto
sua concepção, implementação e avaliação; da actividade humana;
c. Discussão de textos teóricos e grelhas de  pluralidade metodológica e influência dos
análise incidentes em conceitos didáticos e contextos internalista e externalista na
epistemológicos relativos à natureza da construção da Ciência;
ciência, trabalho laboratorial e trabalho  integração de conjeturas como um fator
cooperativo, para aplicação na análise das promotor da evolução do conhecimento
intervenções; científico.
d. Levantamento e análise de princípios e  Passagem de uma conceção de ensino das
conceitos didáticos e epistemológicos Ciências essencialmente caracterizada pela
subjacentes às intervenções pedagógicas, transmissão de conceitos para uma conceção de
relativos a conceções de “ensino”, ensino que contempla:
“aprendizagem”, “natureza da ciência”,
“trabalho laboratorial” e “trabalho  mobilização das ideias pessoais dos alunos,
cooperativo” (aplicação das grelhas de exploração e descontrução de ideias prévias,
análise referidas em c); e exploração positiva do erro;
e. Comparação das conceções anteriormente  uso de estratégias de ensino diversificadas e
analisadas com as representações iniciais dos desenvolvimento de competências
alunos sobre o ensino das Ciências. disciplinares e transversais (por exemplo, a
reflexão, a criatividade, a problematização, a
5. Reflexão conjunta sobre as estratégias comunicação);
desenvolvidas e as aprendizagens realizadas.
 interação entre alunos e com o professor;
6. Avaliação da intervenção pedagógica pela análise
de conteúdo das respostas dos estudantes a um  regulação da aprendizagem.
questionário individual e anónimo, aplicado no final  Passagem de uma conceção de professor como
da lecionação da unidade curricular. O questionário um profissional exigente, intransigente e
era constituído por quatro perguntas de resposta autoritário para uma conceção que valoriza:
aberta, a seguir enunciadas:
 interação com os alunos;
Que alterações ocorreram nas suas concepções de
Ensinar Ciências, de Professor de Ciências e/ou de  papel de orientação, incentivo à participação
Ciência que perfilhava no início das aulas de e curiosidade dos alunos, mantendo a
Metodologia do Ensino de Biologia e Geologia? exigência e o respeito mútuo;
O que é que mais contribuiu para a mudança que  auto-reflexão necessária à melhoria da
experienciou? qualidade das práticas letivas e ao
desenvolvimento profissional.
Qual foi a tarefa em que sentiu mais dificuldades?
Apresente as suas razões. Os fatores de mudança apontados pelos estudantes
reportam-se a diversos aspectos da estratégia de
Que vantagens atribui à análise de intervenções intervenção, o que reforça a ideia de que a experiência de
pedagógicas desenvolvidas em contexto real de sala formação influencia fortemente a natureza do
de aula (Tarefa 4) na sua formação pessoal e conhecimento profissional desenvolvido. Salientam o
profissional? diálogo na aula, a oportunidade de expressar, questionar e
No ponto seguinte, apresentamos e discutimos os confrontar as ideias pessoais e o ambiente motivador/
resultados deste questionário. facilitador da sua participação. Referem ainda as
atividades desenvolvidas, com destaque para a análise de

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casos, a qual favoreceu os seguintes processos de exemplificadas, a conceções prévias distorcidas sobre a
aprendizagem profissional: natureza da Ciência, à dificuldade na seleção e
organização de tópicos científicos relevantes para a
 aproximação à realidade dos contextos
planificação de aulas, à dificuldade em expressar por
educativos e perspetivação de modos de
escrito as suas ideias pessoais e, ainda, ao receio em
intervenção em cenários pedagógicos idênticos
expressar ideias erradas no debate.
aos explorados;
Estas dificuldades reforçam a necessidade de
 transposição de estratégias educativas exploradas
desenvolver estratégias formativas centradas nos
para contextos de educação não formal;
estudantes, que promovam competências de reflexão e
 reflexão sobre situações educativas nunca antes ação necessárias à sua futura atividade profissional, e que
experienciadas ou discutidas, consciencialização os predisponham e capacitem a experimentar, com os
e problematização de ideiais prévias, seus futuros alunos, estratégias didáticas baseadas numa
aprendizagem de novas metodologias de ensino e visão da educação como processo de transformação, um
reconfiguração de conceções acerca do papel do processo dialógico no qual as ideias e experiências dos
professor e dos alunos; alunos sejam igualmente tomadas em consideração para a
(re)construção do seu conhecimento científico e o
 compreensão de novos conceitos e princípios
desenvolvimento das suas capacidades de aprender a
didáticos e epistemológicos, configuradores de
aprender. Em suma, propõe-se que os processos de
uma abordagem de ensino multimetodológica,
aprender a ensinar sejam, em certa medida, homólogos
dialógica e promotora do desenvolvimento de
aos processos de ensinar a aprender nas escolas, pois só
competências diversificadas;
dessa forma se poderá evitar um dos graves problemas da
 desenvolvimento de capacidades de planificação, iniciação à prática profissional: a reprodução de modelos
de diálogo, de argumentação e de articulação de transmissivos dominantes nas experiências anteriores dos
ideias; estudantes-futuros professores. Neste caso, e em função
dos resultados apresentados, podemos afirmar que este
 sentimento de maior segurança na interação
problema foi colmatado e que o modo como estes
futura com os alunos.
estudantes aprenderam a ensinar os preparou para um
Como se pode concluir, a análise dialógica de casos determinado modo de ensinar a aprender.
de ensino pode favorecer a mobilização e o
questionamento de ideias e experiências anteriores, a CONCLUSÕES
aquisição de conhecimento pedagógico de conteúdo, a
articulação entre esse conhecimento e o conhecimento Aprender a ensinar antes de ensinar é uma tarefa
educacional relevante à compreensão do ensino, e a complexa, para a qual não há fórmulas únicas e
antevisão de práticas alternativas a uma visão reprodutora definitivas. As pedagogias da formação de professores
da educação. Ao favorecer uma aproximação aos devem ser construídas em função dos contextos em que
contextos profissionais, aqui reforçada com o diálogo se desenvolvem e dependem de inúmeros fatores, como
entre os estudantes e as ex-estagiárias, esta abordagem as políticas educativas e de formação, os modelos de
mostra-se especialmente adequada à sua introdução nas formação no ensino superior, as ideologias profissionais
culturas profissionais, não para os socializar em práticas dos formadores, as culturas profissionais das escolas, as
dominantes nas escolas, mas antes para promover uma trajetórias anteriores e futuras dos estudantes, as áreas de
visão crítica dessas práticas e desenvolver o seu sentido docência em que se profissionalizam e as tradições de
de agência profissional na sua transformação (Korhagen, investigação e de formação nas áreas científicas
2009, Shulman, 2004a). correspondentes, entre outros.

A abordagem seguida apresentou dificuldades para Sabemos que a formação inicial de professores é
alguns dos estudantes. Nas suas respostas ao questionário afetada por um conjunto de problemas relativamente
final, os factores de dificuldade apontados revelam que generalizados e que não podemos ignorar, entre os quais
algumas das tarefas realizadas eram pouco familiares na salientaríamos o divórcio entre teoria e prática, e entre
sua experiência de aprendizagem anterior ou presente: conhecimento profissional e conhecimento académico,
reflexão sobre ideias pessoais; reflexão sobre o perfil de assim como o predomínio de pedagogias de formação de
‘bom’ e ‘mau’ professor e sobre práticas educativas teor transmissivo que se revelam inadequadas a uma
consideradas ideais; planificação de aulas; análise de formação profissional capaz de responder aos desafios
experiências didáticas. Outras dificuldades reportam-se das escolas (Korthagen, 2011; Sikes, Bird & Kennedy,
ao baixo domínio prévio de alguns conceitos científicos e 2010; Zeicher, 1993, 2010). Assim, e sobretudo em áreas
didáticos, ao desconhecimento das abordagens didáticas de interface com a prática de ensino, como é o caso das

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metodologias de ensino ou didáticas específicas, expandir as aprendizagens profissionais agora realizadas.
frequentemente lecionadas sem que os estudantes tenham
um contacto direto com a realidade escolar, será A experiência aqui relatada representa um exemplo de
fundamental desenvolver estratégias dialógicas e como podemos criar condições para que os futuros
reflexivas no sentido de apoiar a mudança concetual dem professores aprendam a ensinar antes de ensinar, cabendo
domínios diretamente relevantes à sua prática futura, aos leitores avaliar a sua resssonância nos seus contextos
assim como favorecer uma visão crítica da educação e profissionais e ajuizar sobre a sua transferibilidade para
uma atitude favorável à exploração de estratégias esses contextos. Contudo, ela representa também um caso
didáticas de orientação transformadora. de indagação da pedagogia da formação, a qual implica
que os docentes explorem, investiguem e disseminem a
A estratégia de formação didática aqui relatada,
sua ação pedagógica, contribuindo para a valorização do
desenvolvida no ano anterior ao estágio dos estudantes,
ensino no meio académico, para a reconfiguração da sua
procurou cumprir esses propósitos. A avaliação efetuada
profissionalidade docente e para a melhoria da qualidade
por eles permite-nos concluir que se operaram mudanças
da aprendizagem dos estudantes (Shulman, 2004b;
significativas nas suas conceções de Ciência e de ensino
Vieira, 2009; Vieira, Silva & Almeida, 2010).
das Ciências, assim como uma expansão do seu potencial
repertório de estratégias para ensinar Ciências, o que Assim, embora este texto relate uma experiência
parece estar relacionado com a experienciação de individual e circunscrita no espaço e no tempo, procura
processos de aprendizagem dialógicos e cooperativos, também ilustrar um modo de trabalho pedagógico no
associados à análise de casos de ensino autênticos, cuja qual os formadores de professores investigam as suas
análise possibilita a criação de um espaço de práticas de formação numa modalidade de auto-estudo
conhecimento híbrido (Zeichner, 2010) através da (Loughran, 2009), assumindo-se como produtores de
confluência e confronto de diversos tipos de saber: as conhecimento sobre processos de ensinar a ensinar e
teorias pessoais dos estudantes, as racionalidades aprender a ensinar, o que pode contribuir para elevar
profissionais que subjazem aos casos, as teorias pessoais gradualmente a qualidade da formação e também para lhe
dos professores que os desenvolveram, a informação dar visibilidade nas instituições de ensino superior.
teórica de suporte à sua análise e o posicionamento ético- Como afirma Shulman (2004a), os casos de ensino
concetual do formador face ao ensino e à formação. podem constituir uma espécie de “língua franca” na
Os estudantes apresentavam inicialmente uma visão formação de professores, na medida em que a sua análise
redutora do que significa ensinar Ciências, radicada numa permite que eles estabeleçam pontes com as suas
visão positivista de Ciência e num paradigma de experiências passadas e presentes, e imaginem
educação como reprodução, ambos enraizados nas suas experiências futuras, situando-se num espaço intermédio
experiências anteriores de aprendizagem escolar. Ao entre o que a educação é e o que deve ser. Diríamos o
longo da intervenção, foram-se aproximando de uma mesmo relativamente aos casos de formação de
visão de Ciência mais atual e de uma conceção de professores, esperando que este relato promova essas
educação como praxis problematizadora e pontes e inspire outros formadores a investigarem e
transformadora, ou seja, como prática ética, reflexiva, disseminarem as suas experiências de formação.
historicamente constituída e socialmente situada, que dá Agradecimentos
expressão a um compromisso com propósitos educativos
válidos (Carr, 2007; Freire, 2003). Expressamos aqui um agradecimento público aos alunos
Ângelo, Cristiana, Filipa, João Miguel, João Pedro,
Contudo, trata-se apenas de um movimento de Juliana, Luisa, Márcio e Sofia pelo entusiasmo e
aproximação, na medida em que o percurso desenhado comprometimento assumidos durante o estudo.
com esta intervenção é demasiado curto para que se
pudessem obter resultados mais significativos. Por outro Notas
lado, e apesar de haver sinais claros de mudança aos 1. Experiência realizada no âmbito de um projeto do
níveis concetual e atitudinal, não sabemos que Grupo de Trabalho-Inovação Pedagógica no IE (Coord.
repercussões terá essa mudança na prática futura em sala F. Vieira, A. Flores e F. Ilídio).
de aula, a qual terá início em 2012/2013 no estágio, ou 2. Judite Gonçalves, responsável pelo projeto “Mudança
até se perdurará no tempo que medeia o momento Concetual e Aprender a Aprender: Uma abordagem
presente e esse momento futuro. Seria importante integrada na temática Morfofisiologia do Sistema
acompanhar estes estudantes e dar continuidade ao Circulatório”, e Joana Salazar, responsável pelo projeto
trabalho aqui iniciado, no sentido de consolidar e “As Competências de Cooperação na Aprendizagem: Um

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estudo de caso na temática Morfofisiologia do Sistema do autor editada por S. Wilson). The wisdom of
Respiratório”.Os projetos foram desenvolvidos pelas practice - essays on teaching, learning, and learning
professoras no âmbito do seu estágio, na Escola to teach. San Francisco: Jossey Bass, 463-482.
Secundária/3 de Barcelinhos (Portugal) em 2010/2011,
com a colaboração da orientadora cooperante Maria Shulman, L. 2004b. Teaching as community property –
Emília Poças e do primeiro autor enquanto supervisor da essays on higher education. San Francisco: Jossey-
universidade. Bass.

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA COMPLETA

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