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NOME: Gael de Oliveira

DATA DE NASCIMENTO: 08/10/2021


NASCIMENTO PREMATURO: Não
NOME: Francielle Oliveira Silva
Data de Avaliação: 18/08/2023

A família procurou atendimento preocupada com o desenvolvimento da criança.


A preocupação começou com a fala quando ele estava com 12 meses. Aos 14 procurou
a pediatra, pois ele não fazia nenhum som. Mãe percebeu que ele não gostava muito de
crianças. Interagia melhor com adultos, mas mesmo assim, a interação não era tão boa.
Aos 19 meses, mãe procurou fono, que sugeriu contato visual pobre, imitação ruim e
pouco repertório de jogo. Mãe notou que ele começou a andar na ponta dos pés, era rígido e
perseverativo (já chegou a pedir para ler o mesmo livro 12 vezes). Procurou, então, por
neuropediatra, que fechou diagnóstico de TEA e sugeriu 20h de terapia (falou de sinais de
risco, mas deu laudo). A mãe fez um curso ABA e começou a estimular em casa com excelentes
respostas da criança.
A principal preocupação atual refere-se à dificuldade de fala. Preocupa-se de estar
oferecendo tratamento pra algo que ele não tem e negligenciando as dificuldades.
Terapias:
Começou numa clínica em Santos, mas interrompeu porque foi uma experiência muito
ruim.

Quanto ao desenvolvimento global, Gael foi avaliado por meio do teste IDADI1
(anexo). O teste evidencia atraso significativo no desenvolvimento em algumas áreas,
especialmente em cognição, habilidades socioemocionais e de comunicação, conforme
evidenciado pelos excertos abaixo. O desempenho da criança encontra-se muito distante da
média estatística esperada para a faixa etária.
O domínio cognitivo envolve os principais processos que permitem que a criança de
interprete o seu meio ambiente e responda de maneira pertinente. Alguns dos processos
avaliados foram: atenção, percepção, velocidade de processamento de informação,
processamento visuoespacial, formação de conceitos, abstração e simbolização. Os
resultados de Gael indicaram que ela possui atrasos quando comparado ao esperado para sua
faixa etária.
O mesmo acontece no domínio socioemocional. Os resultados do Gael foram abaixo
do esperado para sua idade, ou seja, ao considerarmos as habilidades envolvidas na regulação
emocional e comportamental, no entendimento dos sentimentos e emoções próprios e dos
outros e nos processos envolvidos no estabelecimento e manutenção da interação social o
desempenho dele evidenciou dificuldades significativas.
Os resultados de Gael no domínio de comunicação expressiva, que incluem as
habilidades referentes a fala e de uso da comunicação não oral (unidades de significado da
língua falada, gestos e expressões) para expressar tendo em vista transmitir informações e
interagir socialmente apresentaram atraso significativo com repertório de aquisição muito
inferior ao de crianças da mesma idade.
Gael apresenta habilidades dentro da média no domínio de motricidade ampla, ou
seja, a aquisição das capacidades envolvidas nas atividades que envolvem os grupos
musculares maiores como o andar, sentar-se, correr, permanecer em pé, equilibrar-se e
coordenar as atividades estão com desenvolvimento típico. O mesmo acontece ao
considerarmos as aquisições no domínio de motricidade fina relacionadas ao uso dos grupos
musculares menores (músculos dos pés, mãos, dedos, pulsos, lábios, olhos e língua) e seu uso
para alcançar, agarrar e manipular objetos seu desempenho de acordo ao esperado para sua
idade.
Gael também apresenta habilidades dentro do esperado para a idade nos aspectos
relacionados ao comportamento adaptativo, ou seja, seu desempenho foi aquém da média
esperada em tarefas do dia a dia, que contemplam o ganho de autonomia pessoal e social e
envolvem os cuidados pessoais de higiene, aspectos sensoriais e de relacionamentos.
Além do IDADI, foi aplicado também o check list de desenvolvimento do ESDM2. De
acordo com os resultados desse teste, Gael apresenta lacunas importantes em habilidades de
comunicação receptiva e expressiva, competências sociais, imitação e habilidades de jogo.
Essas lacunas referem-se ao esperado para uma criança típica entre 9 e 18 meses de idade
cronológica, o que sugere um atraso considerável no desenvolvimento atual de Gael.
Gael apresenta produção de fala restrita em número de fonemas e frequência de
produção, o que pode sugerir um futuro diagnóstico de transtorno motor de fala.

Conclusão e conduta:

Gael apresenta déficits em comunicação (intenção comunicativa reduzida em


frequência) e interação social (déficits em orientação social), além de padrões de
comportamento restrito, repetitivo e estereotipado (comportamento perseverativo). Seu
perfil desenvolvimental confirma os achados da avaliação comportamental.
Tais características confirmam o diagnóstico médico de transtorno do espectro
autista. Há risco para transtorno motor de fala.
Não obstante o foco no desenvolvimento da comunicação, entendemos que a fala
funcional é fruto do desenvolvimento global e que, sem isso, é bastante improvável que essa
comunicação plena seja adquirida. Daí a necessidade de intervenções comportamentais e
intensivas, que são – segundo estudos robustos – as abordagens com maiores garantias de
resultado4, 5.
Contudo, para além da intervenção comportamental, entendemos que as
intervenções sensório-motoras também são essenciais para a aquisição e desenvolvimento
da linguagem6,7,8. Diversos estudos têm demonstrado a correlação entre déficits motores,
sensoriais, cognitivos e de linguagem. Diante disso, sugerimos também avaliação
fisioterapêutica e de terapia ocupacional.

Para crianças pequenas como Gael, as abordagens mais indicadas seriam as aquelas
como o ESDM. A fim de definir a eficiência de uma proposta de intervenção, a metodologia
de pesquisa mais confiável são os estudos controlados randomizados. Estes et al (2015)9
acompanharam 39 crianças com TEA num ensaio clínico randomizado para testar a eficácia
do ESDM entre 18 a 30 meses de idade. A terapia foi realizada em alta intensidade (mais de
dez horas de terapia) em casa por 2 anos e mostrou evidências de eficácia imediatamente
após o tratamento. Os grupos foram randomizados e divididos entre o grupo ESDM e o grupo
que recebeu intervenção comportamental comum. As mesmas crianças foram reavaliadas
aos 6 anos de idade (ou seja, dois anos após o término da intervenção), por avaliadores cegos
(que não conheciam as condições anteriores). Os resultados obtidos sugerem que o grupo
ESDM, manteve os ganhos obtidos na intervenção precoce durante o período de
acompanhamento de 2 anos na capacidade intelectual geral, comportamento adaptativo,
gravidade dos sintomas e comportamento desafiador. Não foi percebida diferença nos
sintomas centrais do autismo logo após o término da intervenção, mas apenas dois anos
depois, quando o grupo ESDM apresentou melhora dos sintomas autísticos e de
comportamento adaptativo em comparação com o grupo de intervenção comportamental
convencional. Os grupos mantiveram desempenho similar quanto ao funcionamento
cognitivo aos 6 anos. Outra consideração importante é que os dois grupos receberam horas
de intervenção equivalentes durante o estudo original, mas o grupo ESDM recebeu menos
horas durante o período de acompanhamento.

Gael ainda não fala e não apresenta os pré-requisitos fundamentais para


aquisição da fala de modo consistente, o que sugere a necessidade de intervenção em
linguagem, por meio de estratégias de comunicação alternativa e aumentativa.
Um dado alarmante é que entre 25 e 30% dos indivíduos com TEA sem
intervenção permanecerão minimamente verbais até a idade escolar13. Por isso, destacam-se
estudos que trazem evidências de melhoras com intervenções estruturadas.

Um recente estudo clínico randomizado11 demonstrou que as crianças que têm


dificuldades de fala moderadas a graves, apresentam melhora significativa com a intervenção
motora estruturada no programa PROMPT. Ele sugere que a intervenção PROMPT foi
associada a melhorias notáveis no controle motor da fala, articulação da fala e inteligibilidade
da fala no nível da palavra. Apesar da melhora, elas precisarão de terapias prolongadas para
mostrar mudanças relacionadas ao seu funcionamento em casa e em outros lugares de
convivência. Outro estudo10 demonstrou que um grupo de crianças que recebeu intervenção
mais intensiva durante 08 semanas de uma abordagem fonológica de oposições múltiplas
apresentou resultados melhores do que um grupo de crianças que recebeu intervenção uma
vez por semana durante 24 semanas. Essa última condição apresentou o mesmo resultado de
crianças que não receberam intervenção alguma. Da mesma forma que o estudo citado
anteriormente, apesar da melhora significativa, essas crianças ainda precisariam continuar o
tratamento para além das 8 semanas, pois apenas uma manutenção periódica obteve o
mesmo resultado que a não intervenção, sem avanços em termos de inteligibilidade na fala.

Outro estudo de Namasivayam et al. (2015)13 indicou que apenas o tratamento


de intensidade mais alta levou a resultados significativamente melhores para a articulação e
comunicação funcional em comparação com a intervenção de 1x/semana (intensidade mais
baixa) e Fiori et al. (2021)14 referem modificações na estrutura do cérebro a partir de
intervenções motoras (PROMPT), com melhora dos padrões de fala.

O PROMPT é um modelo multidimensional e cientificamente comprovado, sendo


indicado para os transtornos motores de fala, que envolve não apenas os aspectos físico-
sensoriais do controle motor, mas também os aspectos cognitivo-linguísticos e sócio-
emocionais. A literatura existente sobre o tratamento de transtornos motores, também
recomenda tratamento intensivo usando uma abordagem motora, com algumas das
melhores evidências apoiando o uso de dicas dinâmicas temporais e táteis (DTTC)15.
Visando um melhor prognóstico em relação ao aprimoramento da comunicação
e estimulação do desenvolvimento das habilidades de linguagem, sugerimos a
implementação da Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA). Segundo a American
Speech-Language-Hearing Association (ASHA, 1991)17 a Comunicação Alternativa e
Aumentativa (CAA) é uma área da prática clínica, educacional e de pesquisa, que se destina a
compensar e facilitar, temporária ou permanentemente, os prejuízos e incapacidades em
sujeitos com distúrbios da compreensão e da comunicação expressiva.
Em um estudo recente18 foi possível observar aumento na produção de atos
comunicativos nos sujeitos da pesquisa com a utilização da CAA. Os autores concluíram que
o uso da Comunicação Aumentativa e Alternativa na clínica fonoaudiológica mostra-se
promissora e eficaz no que se refere à promoção do desenvolvimento das habilidades
comunicacionais do indivíduo com Transtorno no Espectro do Autismo – TEA.
Sugerimos então:
Avaliações dos demais profissionais para intervenção complementar (fisioterapia e
terapia ocupacional).
Intervenção comportamental intensiva baseada no modelo de Denver (ESDM),
orientada por supervisor experiente, realizada por assistente terapêutica em ambiente
domiciliar.
Intervenção fonoaudiológica intensiva (5X por semana) com profissional experiente
em Prompt, CAA e DTTC. Caso o profissional não possua essa expertise, sugere-se a supervisão
profissional. A intervenção pode ser feita em domicílio.

Edinizis Belusi
CRFa. 3-17.344
Fonoaudióloga – USP
Mestre em Linguística – UnB
Formação para diagnóstico de TEA (ADOS-II) e
para intervenção precoce (ESDM – Modelo de Denver)
Referências:

1. Silva, M. A. Construção do inventário dimensional de avaliação do desenvolvimento


infantil (IDADI). Psico-USF 24 (1). Jan 2019
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