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XVIII Simpósio Nacional de Ensino de Física – SNEF 2009 – Vitória, ES 1

RUPTURAS NA CONCEPÇÃO TRADICIONAL SOBRE F ORMAÇÃO DE


PROFESSORES : EM BUSCA DE NOVAS DIRETRIZES

Marcos Pires Leodoro 1


Wania Tedeschi2
1
Departamento de Metodologia de Ensino – Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
[leodoro@ufscar.br]
2
Centro Federal de Educação Tecnológica de São Paulo – Unidade São Carlos
[waniated@cefetsp.br]

Resumo:

A tradicional concepção de formação continuada de professores, de matriz


positivista e fundamentada numa perspectiva técnica do ensino, mediante a
aplicação da teoria à prática, tem sido criticada nas últimas décadas. Seus resultados
também não têm sido satisfatórios. Atualmente, se propõe considerar a categoria do
saber docente como importante elemento na construção do conhecimento
educacional. Nesse trabalho, discutimos e delineamos algumas diretrizes que
possam balizar essa nova perspectiva da formação continuada de professores
articulada à investigação em ensino e ao aprendizado experencial docente.
Consideramos, dentre outras coisas, as necessidades de: diversificar e situar os
programas de formação; considerar a atividade educativa como práxis articuladora
de reflexão e aplicação da teoria; contemplar a escola como locus da aprendizagem
docente; atrelar a melhoria do ensino à profissionalização dos professores; promover
o aprendizado experencial do professor por meio da incorporação de concepções e
vivências educativas dos docentes num processo de formação contínua; evidenciar
os aspectos valorativos da profissionalização docente, tais como os pressupostos da
autonomia, da ética e do aprimoramento constante; promover a vivência investigativa
articulada aos processos de formação docente; superar a unidirecionalidade da
aplicação das pesquisas em sala de aula, contemplando-se a prática da sala de aula
como objeto privilegiado da investigação em ensino; democratizar o acesso,
circulação e produção dos saberes em ensino, a partir da reconfiguração
epistemológica da pesquisa e dos instrumentos investigativos, incorporando os
saberes docentes e, finalmente, instrumentalizar a teoria educacional, por meio da
reflexão sobre as possibilidades e as estratégias de disseminação de processos e
produtos educacionais para o conjunto dos professores, particularmente nos
programas de Mestrado Profissional em Ensino.

Palavras-chave : formação continuada de professores, pesquisa em ensino


de física, mestrado profissional em ensino.

1. Introdução

Ao refletir sobre um tema tão amplo como a formação continuada de


professores, é necessário fazê-lo mediante recortes que possibilitem o
aprofundamento de alguns pontos. No entanto, estudos panorâmicos, como o

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organizado por Menezes (2001), também revelam aspectos fundamentais da


temática. Por exemplo, a diversidade de programas de formação continuada e as
necessidades que as realidades regionais demandam.
A investigação sobre a formação de professores, nas duas últimas décadas,
tem apontado a necessidade da superação do perfil de um professor como técnico
especializado que processa informações. Essa perspectiva marcadamente
positivista da formação docente, também conhecida como “concepção técnica da
prática” (Contreras, 2002), pressupõe que os problemas do ensino podem ser
especificados para contextos genéricos e, em cada um deles, é possível formular, de
antemão, a solução, também, de caráter geral.
Um ponto fraco da concepção técnica da prática do professor é que ela não
considera o ensino e suas problemáticas como sendo situados, ou seja, é possível
formular o diagnóstico, não propriamente, a solução. Conforme assinala Contreras
(2002, p. 98):
O problema é anterior à sua solução técnica, por que o que não temos é
“um problema” na forma que a racionalidade técnica pressupõe. Os
professores devem entender as situações no contexto específico em que se
apresentam e na sua singularidade, e também devem tomar decisões que
nem sempre refletem uma atuação que se dirige a um fim, senão manter
aberta a interpretação a diferentes possibilidades e finalidades, encontrar
respostas singulares e às vezes provisórias, para casos que não haviam
previsto nem imaginado, ou que nem sequer chegamos a compreender
exatamente.
A mesma situação pode ser encontrada em outras áreas profissionais,
conforme apontou Lewin (s/d, p. 218):
O conhecimento das leis pode, em determinadas condições, servir de
guia para a consecução de certos objetivos. Todavia, para agir
corretamente, não basta que o engenheiro ou o cirurgião conheça as leis
gerais da Física ou da Fisiologia. Carece também de conhecer o caráter
específico da situação científica de fatos denominada diagnóstico.

No entanto, Géglio (2006), ao pesquisar a percepção de professores da rede


pública sobre a influência dos cursos de formação continuada em suas práticas,
conclui que os professores subordinam a prática à teoria, no sentido de que esta
confirme a primeira. Suas exp ectativas se coadunam, portanto, com a perspectiva
da concepção técnica da prática, na qual a teoria é apresentada como conjunto de
leis e conhecimentos, comprovação científica, deduções e abstrações, enfim, como
uma verdade que direciona a prática.
Por outro lado, o documento “Estatísticas dos Professores do Brasil” (INEP,
2003, p. 39-40), aponta que:
os cursos de formação continuada [...], aparentemente apresentam
pouco impacto no desempenho dos alunos, e isto significa que mudanças
sensíveis devem ser feitas nesta área, pois, como vimos, boa parte dos
professores participa desses cursos.
Contrariamente à concepção tecnicista da formação docente, a utilização do
conhecimento educacional exige a compreensão e reflexão críticas, por parte do
educador, não apenas do contexto de aplicabilidade mas, também, de produção da
teoria. Isso quer dizer que, em educação, não é possível uma prática estritamente
procedimental do professor baseada numa concepção clássica do método

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caracterizada por Morin (1994, p. 247) como “um corpus de receitas, de aplicações
quase mecânicas, que visa excluir todo o sujeito do seu exercício”.
Em contrapartida, o novo paradigma da profissionalização docente, seja a
inicial ou a continuada, é do estabelecimento de uma dinâmica de trabalho em que a
reflexão e ação sobre a prática configurem um saber, o que pressupõe capacitar os
professores a assumirem a direção de sua prática e formação contínua, numa
dinâmica de busca permanente por novos conhecimentos didático-pedagógicos,
formação cultural e política. A categoria do “saber docente” está baseada numa
epistemologia da prática, segundo a qual, o professor produz conhecimentos a partir
de sua prática, o locus de aprendizagem.
Numa perspectiva sociológica da educação, enfatizam -se os estudos dos
saberes escolar e docente. Eles têm como foco, o cotidiano escolar e a formação
prática do professor durante o desempenho da profissão. Autores como Shulman
(1987), Nóvoa (1997), Gauthier et al. (1998) e Tardif (2002), entre outros, defendem
que a esc ola é um local onde se elaboram conhecimentos, sendo os professores
produtores de saberes e de saber-fazer.
A formação de professores também responde às exigências externas que
regulam a prática docente, segundo os interesses da comunidade e do Estado. Em
relatório realizado por uma comissão especial designada pelo Conselho Estadual de
Educação de São Paulo, em 1998, há recomendações explícitas quanto à
elaboração de políticas para a formação de profissionais da educação:
Do professor exige-se (...) investimento emocional, conhecimento
científico-técnico -pedagógico, conduta ética e compromisso com a
aprendizagem dos alunos, e isso envolve o desenvolvimento de
capacidades de participação coletiva para tomada de decisões orientadas
por um modelo de professor reflexivo, ou seja, que considera seu fazer
docente e as práticas pedagógicas que ocorrem na escola como objetos de
permanente reflexão. (...) essa perspectiva de educação continuada imbrica
com o desenvolvimento da capacidade de avaliar situações e
comportamentos e integra -se ao projeto educativo constituído em cada
instituição escolar. (Palma Filho e Alves, 2003).
Neste trabalho, tecemos considerações sobre o que tem influenciado,
recentemente, a formação e atuação do professor, segundo o que se exige na
perspectiva de sua inserção profissional potencialmente transformadora do meio
social, por meio da mudança e da inovação educacionais.
Entendemos que o processo de transformação da educação está
inextricavelmente relacionado à formação dos professores. Nesse sentido, Canário
(1995) crítica a prática tradicional de inovação nas escolas, que denominada
“acrescentada”. Ela se destinada a ser acolhida pela escola, como novo recurso
(material, humano e simbólico), sem que venha ocorrer qualquer tipo de
questionamento dos recursos já existentes. E, também, desconsidera as
especificidades e a situação da instituição escolar e os impactos sistêmicos da
inovação.
Portanto, entende-se que o processo de profissionalização dos professores
e a melhoria do ensino nos sistemas escolares estão intimamente relacionados e se
alimentam mutuamente. Conforme assinala Imbernón (2000, p. 19):
A possibilidade de inovação nas instituições educativas não pode ser
proposta seriamente sem um novo conceito de profissionalização do

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professor, que deve romper com as inércias e práticas do passado assumidas


passivamente como elementos intrínsecos à formação.
Procuramos delinear algumas diretrizes que possam contribuir para o
propósito da formação continuada crítico-reflexiva do professor, aproximando-a da
atividade de investigação em educação.

2. A formação docente como contínuo experencial

A formação do educador crítico-reflexivo deve ser vista como um processo


de aprendizado experencial, no sentido de envolver não apenas as experiências
atuais do sujeito, mas todas as relações que já manteve com o contexto educativo
ao longo de sua vida e as concepções que foram produzidas, a partir dessas
vivências pessoais e coletivizadas. Conforme assinala Latham (1996, p. 63):
as preconcepções [dos professores em formação] necessitam ser
examinadas à luz das novas informações que eles estão adquirindo. Isso
corrobora a noção de Dewey de que “ensino e aprendizagem são processos
contínuos de reconstrução da experiência”.
Uma vez que os processos de mudança demandam a reconstrução contínua
da experiência, a formação do educador crítico-reflexivo, no presente, pressupõe a
ressignificação do seu passado profissional.
A carreira docente é um processo constante de novos sentidos atribuídos a
elementos que, mesmo conhecidos, ganham distintas dimensões sob a influência da
época e contexto na qual o professor está inserido. Sendo inevitavelmente vinculada
às fases da vida do professor, sujeito histórico em que a colaboração e a
comunicação são fatores centrais da prática cotidiana, é natural a re-elaboração de
concepções sobre o sentido da docência. O modo como essa re -elaboração impacta
e modifica as ações docentes é própria para cada sujeito.
A oportunidade da formação continuada pode ser vista como ponto de
inflexão da experiência profissional do professor e, também, da prática educacional,
se considerarmos que o papel da formação continuada é a promoção, na medida do
possível, da melhoria do ensino nos sistemas escolares, a partir da
profissionalização dos seus agentes, em especial, o professor.

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FUTURO
INOVAÇÃO E
MUDANÇAS
PROFISSIONAIS
E DA
EDUCAÇÃO

PRESENTE DA
FORMAÇÃO
RESSIGNIFICAÇÃO

PASSADO
VIVÊNCIAS
EDUCACIONAIS
PESSOAIS E
COLETIVIZADAS

Figura 01: O aprendizado experencial da docência como processo contínuo

A concepção atual da profissionalização docente leva em conta os


pressupostos da autonomia, da ética e do aprimoramento constante. Isso faz com
que a formação passe a considerar aspectos de caráter valorativo, ou seja, o
pensamento e as crenças dos professores passam a ser considerados objetos
centrais da formação e da auto-formação. Articulados, eles favorecem a construção
de uma práxis1 na qual a formação continuada dos professores tem papel
fundamental na medida em que puder, segundo Imbernón (2000), ultrapassar
formatos preestabelecidos estáticos, estruturas perpetuadoras de alienação
profissional, condições de trabalho e estrutura hierárquica.
Aliar teoria à prática, o fazer pedagógico com o fazer social, cultural, político
e econômico, tem o sentido de possibilitar a ampliação da experiência do pensar e
do refletir para incorporá-la como parte da profissão de professor e, também, ampliar
a contribuição dos professores no planejamento de ações educativas significativas.
Embora não tenhamos diretrizes para programas de formação continuada2, é
importante que os professores possam identificar as principais problemáticas para
poder intervir na organização de atividades relevantes em cada região, tanto do
ponto de vista administrativo como da promoção dos cursos e incentivo aos
professores.

1
A práxis é a totalidade da prática humana, inclui tanto a atividade objetiva do homem que transforma a natureza e o mundo
social, como a transformação do próprio sujeito. Suas formas de agir, sentimentos e reflexões têm origem nas interações que
consegue estabelecer com o que e com quem pertencem ao mundo. A práxis educacional escolar pressupõe, segundo
RIBEIRO (1991), a finalidade de transformação da realidade. Não é uma tarefa apenas teórica. Ela exige, inclusive, a
corporeidade daqueles que desejam operar sobre as estruturas sociais, m obilizando-se em lutas coletivamente organizadas.
2
Isso está sendo esboçado com a instituição do Conselho Técnico-Científico da Educação Básica (2008-2010), órgão
vinculado à CAPES, que tem entre as suas atribuições a assessoria na elaboração de diretrizes específicas da entidade no que
diz respeito à formação inicial e continuada.

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3. Implicações das concepções sobre profissionalização docente na


formação continuada dos professores

Demailly (1997) sugere processos de formação continuada de professores


baseados na perspectiva do aprendizado experencial e na epistemologia da prática.
Ela os denomina de interativo-reflexivos. É característica dessa modalidade, a
organização de grupos de investigação-ação e de acompanhamento de projetos.
Para a autora, esses processos possibilitam a promoção de benefícios coletivos
para os professores, já que pressupõem o compromisso dos mesmos na
aprendizagem em situação e na atividade re flexivo-teórica.
Dessa maneira, se compreende a necessidade de projetos que objetivem
tratar a formação continuada por meio de debates e ações articulando a teoria e a
prática e, desse modo, contribuindo para a construção de significados por parte dos
professores, no sentido de uma apropriação cada vez mais consciente dos
conhecimentos políticos, didáticos e pedagógicos.
Soares (1993 apud Pereira, 2000) defende a vivência com a pesquisa
durante a formação do professor, a fim de que ele apreenda, não apenas os
resultados mas, também, os processos de produção do conhecimento educacional.
No entanto, há controvérsias sobre o papel da pesquisa na atuação
profissional dos professores. Os inúmeros debates e pesquisas sobre o tema têm
denotado diferentes concepç ões epistemológicas, sociológicas e metodológicas
acerca da profissão docente e da caracterização da pesquisa educacional, seus
usos e finalidades. Por exemplo, encontramos o movimento dos educadores -
pesquisadores defendendo a prática da pesquisa segundo novos critérios de
legitimação e utilidade voltados diretamente à abordagem dos problemas da prática
docente (Pereira, 2002). Por outro lado, alguns autores têm ressalvado a atitude
reflexiva do professor durante a sua atuação profissional como estratégia de
transformação das práticas escolares, considerando que ela não constitui,
propriamente, atividade de pesquisa, pois seria considerada incompleta segundo os
cânones acadêmicos que regulam a atividade de investigação (Ludke e Cruz, 2005).
Bransford, Brown e Cocking (2007), organizadores de um documento
elaborado, nos Estados Unidos, pelo Comitê de Desenvolvimento da Ciência da
Aprendizagem, apontam problemas de articulação entre a exigência de rigorosidade
que orienta a produção acadêmica sobre o ensino e a demanda de aplicabilidade
pelos professores. Há, inclusive, dificuldades dos professores com respeito à
decodificação da linguagem adotada pela pesquisa, agravadas pelo pouco tempo de
que dispõem e pelas suas diversas atribuições profissionais. Diante dessa
problemática, o Comitê propõe que as pesquisas superem a unidirecionalidade de
sua aplicação na sala de aula e passem a contemplar a prática da sala de aula como
objeto privilegiado da investigação em ensino.
Para Perrenoud (2002), a prática de ensino oferece uma impossibilidade à
pesquisa, pois demanda decisões urgentes que são avaliadas por sua eficácia e não
pela eventual coerência teórica que possam apresentar. Ainda assim, o autor
propõe duas estratégias de aproximação entre professores e a pesquisa.
Considerando que os professores estão envolvidos em uma situação global e
complexa de ensino-aprendizagem, se trata de reconhecer que a “postura científica”
deve estar em estreita relação com a demanda prática. Isso implica em romper com

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a perspectiva da aplicação dos conhecimentos técnicos e aventurar-se pela


investigação, a partir de perguntas adequadas, observações e hipóteses que
estejam diretamente vinculadas à prática de ensino. É necessário, ainda, pressupor
uma ampla abertura quanto ao teor da investigação e não mais submetê -la aos
temas consagrados. Trata-se de compreender a atuação do professor segundo a
lógica da descoberta e não apenas da justificação dos saberes.
Para nós, a formação de professores pesquisadores representa a
possibilidade de alargamento da comunidade de investigação em ensino, desde que
considerada uma reconfiguração epistemológica da pesquisa e da circulação
intercoletiva de idéias, “a responsável pela disseminação, popularização e
vulgarização do(s) estilo(s) de pensamento para outros coletivos de não-
especialistas (...)” (Delizoicov, 2007, p. 438).
De fato, nas últimas décadas do século XX, a área de Ensino de Física (EF)
se constituiu, no Brasil, pelo desdobramento do coletivo de cientistas oriundos do
“núcleo duro” da Física e configurando o coletivo de pesquisadores em ensino de
física. Eles trouxeram, para a área recém constituída, referenciais da pesquisa em
Ciências Naturais.
Mais recentemente, com a ampliação dos programas de pós-graduação em
educação e ensino de ciências, uma nova coletividade de pesquisadores em ensino
de física (EF) vem se constituindo, com a ampliação da participação dos próprios
professores de física da educação básica. Caracterizamos esse fenômeno como
uma reconfiguração da área de ensino de física, nos dias atuais, levando à
proliferação de novas metodologias e temáticas de investigação que focalizam os
problemas da sala de aula de física. Esse processo tende a se intensificar com a
formação de professores investigadores, o que contribuirá para a ampliação da
intercoletividade constituída por eles e pelos atuais pesquisadores em EF alocados
nas universidades e outras instituições de pesquisa.

Figura 02: Formação da intercoletividade de professores pesquisadores e


pesquisadores do Ensino de Física

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Compactuamos, portanto, com o ideal da formação de professores


pesquisadores e não apenas adequados ao consumo da pesquisa, considerando
que a prática reflexiva, ainda que não configure uma metodologia de pesquisa, é
atitude necessária ao pesquisador da educação.
Saviani (2004), no clássico texto “O problema da pesquisa na pós -graduação
em educação”, propõe uma articulação entre os três níveis de investigação
pedagógica, a saber: o fundamental, o aplicado e o desenvolvimento técnico. Esse
último, de âmbito operacional, contempla a busca pela inovação pedagógica, a partir
do desenvolvimento de novos instrumentos pedagógicos. O autor propõe, então,
uma integração desses três níveis, segundo relações recíprocas mantidas entre
eles, estando todos articulados à prática educacional e integrados a uma prática
social, com a qual interagem, também, reciprocamente. Adotamos esse pressuposto
em nossas pesquisas e, consideramos que ele é relevante para a pesquisa em
ensino, de modo geral.
Queremos, finalmente, considerar as potencialidades dos cursos de
Mestrado Profissional em Ensino como proposta diferenciada de formação
continuada de professores investigadores do ensino de física.
Na perspectiva da formação continuada crítico-reflexiva do professor, não se
trata de priorizar os processos de aquisição de novos conteúdos didático-
pedagógicos ou conhecimentos específicos da área disciplinar da atuação docente.
O foco deve estar na promoção da reflexão crítica da atividade profissional, no
sentido de potencializar o aprendizado experencial do professor.
O Mestrado Profissional em Ensino apresenta grandes potencialidades em
promover o aprendizado experencial do professor, uma vez que se constitua como
espaço reflexivo e de resgate dos saberes docentes. Há exigências formais, por
exemplo, a elaboração do trabalho final, que demandam a reconfiguração dos
instrumentos de investigação, na perspectiva da incorporação do saber fazer dos
professores. Moreira (2004, p. 134) menciona o desenvolvimento de processos ou
“produtos educacionais” nos programas de Mestrado Profissional em Ensino,
associando-os a um tipo de pesquisa aplicada “visando à melhoria do ensino na
área específica, sugerindo-se fortemente que, em forma e conteúdo, este trabalho
se constitua em material que possa ser utilizado por outros profissionais”.
Diante da reflexão atual sobre a profissionalização docente a qual
delineamos neste texto, a proposta de disseminação de “produtos educacionais” pré-
elaborados nos mestrados profissionais merece questionamentos. Como ficariam a
necessidade e a importância da participação crítico-reflexiva dos professores como
c o-elaboradores desses produtos? Não correríamos o risco de corroborar a
concepção técnica da prática?
Por outro lado, não desconsideramos a importâ ncia de instrumentalização
da teoria educacional. Ao menos, no sentido de compreensão dos instrumentos, na
perspectiva do construtivismo sócio-histórico, como mediadores da apropriação
cultural pelos sujeitos. De acordo com Feldman (2001, p. 107):
(...) qu alquer posição teórica é difícil de ser assimilada por
professores e educadores se não resolve o problema prático de aprender e
ensinar. Desconfia-se de qualquer proposta que não deixe claro seu suporte
prático. Nesse sentido, a interação e a negociação si gnificativa sobre os
conteúdos instrumentais pode ser um passo necessário para a reformulação
das teorias.

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Assim, uma demanda que se coloca aos mestrados profissionais em ensino,


voltados à elaboração de produtos educacionais, é a investigação e problematização
dos processos e estratégias de disseminação desses produtos junto aos professores
nas salas de aula, de modo evitar os equívocos e problemas da concepção técnica
do ensino.

4. Conclusão

Finalizamos sistematizando algumas das diretrizes propostas para a


formação continuada de professores e ações que lhes correspondem. São elas:
• Os programas de formação continuada devem ser diversificados
e situados segundo as realidades regionais;
• É necessário superar a concepção técnica do ensino que
pressupõe o professor como técnico especializado que processa
informações;
• Contrariamente à concepção técnica do ensino, a atividade
educativa deve ser concebida como práxis que articula os contextos de
aplicabilidade e produção da teoria;
• Reconhecimento dos saberes docentes, considerando-se a
escola como um dos locus de aprendizagem dos professores;
• O processo de profissionalização do professores e a melhoria do
ensino nos sistemas escolares estão intimamente relacionados e se
alimentam mutuamente;
• Promoção do aprendiz ado experencial do professor,
considerando as ações de formação continuada inseridas numa
continuidade de concepções e vivências educativas dos docentes;
• Consideração dos aspectos valorativos da profissionalização
docente, tais como os pressupostos da autonomia, da ética e do
aprimoramento constante;
• Vivência do processo investigativo na formação do professor,
habilitando-o não apenas ao tratamento e utilização dos resultados mas,
também, para os processos de produção do conhecimento educacional;
• Superação da unidirecionalidade de aplicação das pesquisas
em sala de aula, contemplando-se a prática da sala de aula como objeto
privilegiado da investigação em ensino;
• Ampliação da comunidade de investigação em ensino, a partir
da reconfiguração epistemológica da pesquisa e dos instrumentos
investigativos, incorporando os saberes docentes;
• Articulação dos três níveis de investigação pedagógica, a saber:
o fundamental, o aplicado e o desenvolvimento técnico;
• Considerar, nas atividades de formação continuada de
professores, a necessidade da instrumentalização da teoria educacional
aliada à reflexão sobre as possibilidades e as estratégias de
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disseminação de processos e produtos educacionais para o conjunto dos


professores.

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