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Ficha de Educação Literária

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Cesário Verde, «O sentimento dum ocidental»

Nome N.o ____ o ____ Data


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11. ____/____/_____
Avaliação __________________ E. de Educação ____________________ Professor
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Unidade 6

1. Lê atentamente o excerto de «O sentimento dum ocidental» que se segue. Caso seja


necessário, consulta as notas.
Ave-Marias
I
Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício,1 o Tejo, a
maresia Despertam-me um desejo
absurdo de sofrer.

5 O céu parece baixo e de neblina,


O gás extravasado enjoa-nos, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba 2
Toldam-se d’uma cor monótona e londrina.

Batem carros de aluguer, ao fundo,


10 Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!

Semelham-se a gaiolas, com viveiros,


As edificações somente emadeiradas:
15 Como morcegos, ao cair das badaladas, Saltam de
viga em viga os mestres carpinteiros.

Voltam os calafates,3 aos magotes,


De jaquetão4 ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, 5 por
becos,
20 Ou erro pelos cais a que se atracam botes.

E evoco, então, as crónicas navais:


Mouros, baixéis,6 heróis, tudo ressuscitado!
Luta Camões no Sul, salvando um livro, a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!

25 E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!


De um couraçado7 inglês vogam os escaleres;8 E em terra num tinir de
louças e talheres
Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda.
Num trem de praça arengam dois dentistas;
30 Um trôpego arlequim braceja numas andas;
9

Os querubins10 do lar flutuam nas varandas;


Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas! Sarah Affonso, Varina (1930).

Vazam-se os arsenais11 e as oficinas;


Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as
obreiras;
35 E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.

Vêm sacudindo as ancas opulentas!


Seus troncos varonis recordam-me
pilastras;12
E algumas, à cabeça, embalam nas
canastras
40 Os filhos que depois naufragam nas tormentas.

Descalças! Nas descargas de carvão,


Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam
gatas, E o peixe podre gera os focos de
infeção!

Cesário Verde, Cânticos do Realismo – O Livro de Cesário Verde


(introd. de Helena Carvalhão Buescu), Lisboa, INCM, 2015, pp. 122-123.

1bulício: grande movimento de pessoas.


2turba: multidão.
3
calafates: operários que calafetam, por exemplo, os navios.

1 .1 Tendo em conta a primeira e a segunda estrofes, aponta o(s) motivo(s) por que
o «eu», na terceira estrofe, manifesta o desejo de evasão. Fundamenta a resposta
através de citações do texto.
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2 . 2 Identifica o recurso expressivo que está presente na quarta estrofe e explicita o seu
valor expressivo.
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3 . Com base na sexta estrofe, enuncia os sentimentos que o sujeito poético manifesta em
relação à época do passado que é evocada. Ilustra a resposta através de transcrições
textuais.
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4
jaquetão: jaqueta comprida.
1
boqueirões: ruas que desembocam num rio ou num canal.
2
baixéis: pequenos navios ou barcos.
3
couraçado: navio de guerra.
4
escaleres: pequenas embarcações para serviços de navios.
5
arlequim: personagem cómica oriunda de Itália que enverga muitas vezes um traje feito de losangos de várias cores;
palhaço.
6
querubins: anjos.
7
arsenais: edifícios do Estado para construção ou reparação de navios ou para guardar armamento ou outros objetos.
8
pilastras: pilares de quatro faces.

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4 . Comprova que na quinta estrofe e nas estrofes 7 a 11 é estabelecido um contraste


entre as classes altas e as classes baixas da sociedade portuguesa. Fundamenta a
resposta.
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Ficha de Educação Literária
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Cesário Verde, «O sentimento dum ocidental»

Nome N.o ____ o ____ Data


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11. ____/____/_____
Avaliação __________________ E. de Educação ____________________ Professor
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Unidade 6
1. Lê atentamente o excerto de «O sentimento dum ocidental» que se segue. Caso seja
necessário, consulta as notas.
III Ao gás

E saio. A noite pesa, esmaga. Nos


Passeios de lajedo arrastam-se as impuras. 1
Ó moles hospitais! Sai das embocaduras2
Um sopro que arrepia os ombros quase nus.

5 Cercam-me as lojas, tépidas.3 Eu penso


Ver círios laterais, ver filas de capelas,
Com santos e fiéis, andores, ramos, velas,
Em uma catedral de um comprimento
imenso.

As burguesinhas do catolicismo 1
Resvalam pelo chão minado pelos
canos;
E lembram-me, ao chorar doente dos pianos,
As freiras que os jejuns matavam de histerismo. 4

Num cuteleiro,5 de avental, ao torno,6


Um forjador7 maneja um malho,8
rubramente;
1 E de uma padaria exala-se, inda
quente,
Um cheiro salutar e honesto a pão no
forno.

E eu, que medito um livro que exacerbe,9


Quisera que o real e a análise mo dessem;
Casas de confeções10 e modas resplandecem; 20
Pelas vitrines olha um ratoneiro11 imberbe.

Longas descidas! Não poder pintar


Com versos magistrais,12 salubres13 e sinceros, A
esguia difusão dos vossos reverberos,14 E a vossa
palidez romântica e lunar!

25 Que grande cobra, a lúbrica15 pessoa,


Que espartilhada escolhe uns xales com debuxo!16 Sua
excelência atrai, magnética, entre o luxo, Que ao longo dos balcões
de mogno17 se amontoa.

E aquela velha, de bandós!18 Por vezes,


30 A
sua traîne19 imita um leque antigo, aberto,
Nas barras verticais, a duas tintas. Perto,
Escarvam,20 à vitória,21 os seus mecklemburgueses.22 Childe Hassam, Noite de chuva (1893).

Desdobram-se tecidos estrangeiros;


Plantas ornamentais secam nos
mostradores;
35 Flocos de pós de arroz pairam sufocadores,
E em nuvens de cetins requebram-se23 os caixeiros.

Mas tudo cansa! Apagam-se, nas frentes,


Os candelabros, como estrelas, pouco a pouco;
Da solidão regouga24 um cauteleiro25 rouco;
40 Tornam-se mausoléus as armações fulgentes.
26 27

«Dó da miséria!... Compaixão de mim!...»


E, nas esquinas, calvo, eterno, sem
repouso, Pede-me esmola um
homenzinho idoso, Meu velho
professor nas aulas de latim!

Cesário Verde, Cânticos do Realismo – O Livro de Cesário Verde


(introd. De Helena Carvalhão Buescu), Lisboa, INCM, 2015, pp. 122-123.

14
1 impuras: imorais (no texto, o termo é utilizado para fazer reverbero: reflexo da luz. referência às prostitutas).
15
lúbrico: que tem tendência para a luxúria.
16
2 embocaduras: entradas de uma rua. debuxo: desenho ou estampa.
17
3 tépidas: mornas. mogno: madeira nobre.
4 histerismo: doença nervosa antigamente associada às 18 bandós: cada uma das duas partes em que se divide o cabelo
mulheres. através de uma risca ao meio.
19
5 cuteleiro: fabricante ou vendedor de objetos cortantes. traîne: (francês) cauda do vestido.
20
6 torno: aparelho em que se colocam as peças que se escarvar: escavar superficialmente, esgaravatar. pretende
limar ou polir. 21
vitória: carruagem descoberta, com quatro rodas.
22
7 forjador: indivíduo que forja. mecklemburguês: originário de Meclemburgo, na Alemanha
8 malho: martelo grande de ferreiro. (no texto, é feita referência a cavalos importados desta região).
23
9 exacerbar: irritar, exasperar. requebrar-se: mover o corpo com requebros, saracotear-se.
24
10 casa de confeção: estabelecimento onde se fabrica roupa regougar: falar em voz áspera e gutural.
em série. 25 cauteleiro: vendedor de bilhetes de lotaria.
26
11 ratoneiro: indivíduo que pratica pequenos furtos. mausoléu: sepulcro sumptuoso.
12 magistral: perfeito, exemplar. 27 fulgente: brilhante.
13 salubre: saudável.

1. Identifica o recurso expressivo presente na expressão «Ó moles hospitais!» (v. 3) e


explicita o seu valor expressivo.
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2. Explica o objetivo da transfiguração poética do real que é realizada na segunda estrofe


do excerto.
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3. Explicita o contraste que é estabelecido nesta parte do poema entre as classes altas e as
classes baixas da sociedade, apontando a intenção crítica que lhe está subjacente.
Ilustra a resposta através de transcrições textuais.
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Fim

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