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Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Revista cientifica da ong narrativa da imaginação voltada a análise de


experiências e pesquisas sobre role playing 2

EDITOR-CHEFE RESPONSÁVEL
Rafael Correia Rocha – Universidad de la Empresa (Uruguai)

CONSELHO EDITORIAL

CONSELHO EXECUTIVO Marialva Pinto Moog - Universidade


do Vale do Rio dos Sinos

Maria do Perpétuo Socorro Calixto


Dr. Sergio Paulo Morais - UFU Marques - Unesp - Universidade
Júlio de Mesquita
Dr. Túlio Barbosa – UFU
Matheus Vieira Silva - Universidade
Ms. Rafael Correia Rocha – Tuiuti do Paraná
Universidad de la Empresa
(Uruguai) Michele Mogami - Universidad de
La Empresa (Uruguai)
Esp. Fernando Paulino de Oliveira -
UFU Rafael Carneiro Vasques - Unesp
Araraquara
Fernando José Calazan Florêncio –
UFU Rafael Duarte Oliveira Venancio -
USP

Raimundo Rangel Dinello -


CONSELHO CONSULTIVO Universidade de Bruxelas (Belgica)

Sonia Aparecida Silva Gonçalves –


Uniube
Alessandro Eleutério de Oliveira –
UFSCAR Paulo Roberto de Almeida - UFU
Carlos Eduardo Klimick Pereira - Wagner Luiz Schmit - Universidade
PUC-Rio Estadual de Londrina
Dilma Andrade de Paula - UFU Waléria Furtado Pereira – USP
Edvaldo Souza Couto - UNICAMP

Eliane Bettocchi - UFJF COLABORADORES


Fabiano Rodrigo da Silva Santos – EXTERNOS
UNESP Ana Letícia de Fiori - USP

Gercina Santana Novais - USP


Ana Letícia de Fiori – USP
Lucas Ferreira de Paula – UFU
Goshai Daian Loureiro - Fundação
Luiz Gonzaga Falcão Vasconcellos Oswaldo Cruz
– UFU
Luiz Falcão - Unicentro Belas Artes
Márcio Roberto do Prado – UNESP
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

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R349 Revista mais dados: o role playing por diferentes
olhares e contextos – Ano 1, v. 1 (2014) -
Uberlândia, MG: Narrativa da Imaginação,
2014-.

v. : il. ; 15 cm.
Anual.
ISSN: 2358-1301.

1. Educação 2. Jogos 3. Role-playing game


(RPG) I. Título
CDD 794
CDU 79
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP
Roberta Amaral Sertório Gravina, CRB-8/9167

REVISOR: Ismael Gonzaga Magalhães Neto


CAPA: Rafael Correia Rocha
PERIODICIDADE: Anual
INDEXADORES: Sumários.org.
DISPONÍVEL EM: http://www.narrativadaimaginacao.com/p/revista-mais-dados.html

CORRESPONDÊNCIA

ONG Narrativa da Imaginação


Av: Estrela do sul, 1946 – B. Osvaldo Resende - CEP 3840-399 –
Uberlândia/MG
E-mail: narrativadaimaginacao@gmail.com

MAIS DADOS é uma publicação virtual da ONG Narrativa da imaginação.


Número editado pela mesma em julho de 2014.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

ÍNDICE 2

APRESENTAÇÃO

05

Artigos 07

POR TRÁS DA MÁSCARA, OS SIGNOS DE CAIM: REMINISCÊNCIAS DO


ROMÂNTICO E DO TRÁGICO EM VAMPIRO: A MÁSCARA, DE MARK
REIN-HAGEN - Fabiano Rodrigo da Silva Santos

08

A LINGUAGEM DO ROLE PLAYING - Rafael Correia Rocha

35

POR UMA TEORIA LACANIANA DO ROLE PLAYING GAME - Rafael Duarte


Oliveira Venancio

54

ROLE-PLAYING GAME: o que é isso que me faz desejar criar e aprender?


- Eliane Bettocchi e Carlos Klimick

70

Traduções 92

LINGUAGEM CULTURAL DE ROLE-PLAYING - Angelina Ilieva – Trad.


Giovanni Barbon de Oliveira

93
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3
AS REGRAS INVISÍVEIS DO RPG: O QUADRO SOCIAL DO PROCESSO DE
RPG – Markus Montola – trad. Reynaldo Allan Fulin e Giovanni Barbon de
Oliveira

123

NOVOS SABORES NO LARP BRASILEIRO: Da coca-cola à caipirinha com


gelo nórdico – Luiz Falcão – Trad. Luiz Falcão

158

Entrevistas 179

GRUPO INTERPRETAR E APRENDER – Lucas Educardo de Freitas

180

ARTICULAÇÕES SOBRE PROJETOS DE RPG E EDUCAÇÃO EM


UBERLÂNDIA (MG) – Vinicus Rennó

185

ASSOCIAÇÃO E ENCONTROS DE RPG EM VIÇOSA (MG) - Rafael Correia


Rocha

190

Jogos 196

Álcool - Luiz Prado

197

Café amargo - Luiz Prado


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200
4

Aos Colaboradores 203


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APRESENTAÇÃO 5

Este primeiro volume, surgiu com o amadurecimento de discussões que


fomentadas em 2006 no quarto e último Simpósio de RPG e Educação. Havia
na época debates sobre as produções acadêmicas do gênero role playing,
assim como hoje e uma das questões mais comuns feitas na academia era o
por que estudar esse tema tão incipiente, ―que ninguém pesquisa‖ ou ―que
ninguém ouviu falar‖, com o tempo e muitas conversas entre pesquisadores
dois pontos se tornaram chave para compreender as questões deste tema:
organização e notoriedade.

Os materiais sobre role playing estão espalhados na internet, nem todos com
profundidade acadêmica, assim como os livros produzidos ou traduzidos sobre
o tema são poucos. Neste contexto o pensamento mais transparente era sobre
―como estudar o que não tem fontes seguras e não se identifica trabalhos
periódicos por núcleos de estudo, revistas, livros, simpósios, etc? O tema
parecia que boiava em um oceano ondulado.

Porem mesmo em um cenário aparentemente crítico e vago, os pesquisadores


Brasileiros surgem como um dos maiores produtores acadêmicos do tema na
américa latina, junta a revistas sobre educação, arte, psicologia, ciências
sociais, entre outras e eventos acadêmicos, os trabalhos sobre role playing
estão sempre presentes, mas de maneira dispersa e este é um dos principais
motivos para que o tema não seja levado a sério.

O estudo do role playing no Brasil ainda é muito jovem, e necessita de


orientação crítica, para criar distinção do campo do entretenimento sem perder
sua raiz lúdica. Esta revista vem como uma devolutiva de representação social
e cientifica sobre os saberes produzidos em relação ao tema e buscará suprir
os pré requisitos de organização e notoriedade.

Atualmente, existem dois canais evidentes, até então experimentados para


estudar role playing, o live action role playing (representação ao vivo) e o role
playing game (jogo de representação de papéis), porem estes não são padrões
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rígidos de representatividade, outros elementos lúdicos e expressivos


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interagem na composição destas práticas ou derivam das mesmas. Penso que
a revista possa criar espaços para diálogos entre LARP, RPG, MMORPG, RPG
eletrônico, BOARD GAME, CARD GAME, entre outros produtos e sub
produtos, nesta teia espiral de produção imaginativa.

Rafael Correia Rocha


Editor Chefe
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

ARTIGOS 7

Este primeiro exemplar refletiu a distinta coligação entre ensino, pesquisa e


extensão no ensino superior. Anunciando que o role playing de acordo com
as manifestações sócio-culturais e educacionais no eixo sul-sudeste, dentro
e fora das universidades, apresenta certo norteamento. Projetos de
extensão e ensino são muito mais atuantes em forma de eventos,
atividades em sala de aula e cursos, todavia se contrapõe em densidade na
relação com a pesquisa, com o devido registro de experiências e análise
crítica sobre a mesma.

Nestes breves artigos, é possvivel vislumbrar a flexibilidade de olhares


diante do campo das ciências humanas, na busca de compreender em parte
uma identificação conceitual sobre o role playing e suas variantes, seus
encontros com o posicionamento de autores de maneira transdisciplinar.

Estes encontros de produções acadêmicas se agrupam com intuito de se


tornar um eixo referencial teórico e investigativo, para os pesquisadores
que buscam compreender e trabalhar com este tema com seriedade
estabelecendo melhores parâmetros de dialogo com a academia.

Vislumbrando assim possibilidades futuras de núcleos de pesquisa e


diposição de pesquisadores que contribuam para a produção na relação
entre a experiência e a analise crítica, permitindo assim aprofundar sobre
determinados interesses, instigando questões, dúvidas e problemáticas
pertinentes ao exercício científico.

Rafael Correia Rocha

Editor Chefe
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POR TRÁS DA MÁSCARA, OS SIGNOS DE CAIM:


REMINISCÊNCIAS DO ROMÂNTICO E DO TRÁGICO EM 8
VAMPIRO: A MÁSCARA, DE MARK REIN-HAGEN.

Fabiano Rodrigo da Silva Santos

Mestre e Doutor em Estudos Literários pela UNESP-FCL.

fabianorssantos@yahoo.com.br

Resumo:

O presente artigo tem por objetivo tecer algumas considerações acerca das
reminiscências da estética romântica presentes no jogo de Vampiro: a
máscara, de Mark Rein-Hagen. Tal perspectiva é sensível aos aspectos
temáticos do jogo, que atestam vínculos com a literatura fantástica de
orientações romântica e manifestam motivos reincidentes na poética do
romantismo, tais como o tema do duplo, o elemento fantástico e modernização
do trágico. Pretende-se aqui tratar Vampiro: a máscara como um jogo, cuja
constituição vale-se de alguns expedientes próprios da literatura, matizados
pela perspectiva lúdica, é justamente nesses expedientes que residem os
nexos do jogo em que questão com a tradição da modernidade entrevista nos
produtos da sensibilidade romântica.

Palavras-chave: Romantismo, modernidade, Role Playing Games.

A dinâmica do passatempo contemporâneo conhecido como jogos de


representação, ou, na terminologia de sua origem Role Playing Games (jogo de
interpretação de papéis), desafia qualquer tentativa de categorização conforme
as disposições dos jogos ordinariamente conhecidos. Ao contrário de práticas
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lúdicas mais comuns, como jogos de cartas, tabuleiros, atividades esportivas,


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etc., os RPGs não pressupõem a adversidade entre seus participantes, ou seja,
não tem como ponto de orientação ou objetivo a competição entre jogadores e,
portanto, a vitória. Como a vitória surge como o término da maioria dos jogos,
sua ausência em uma atividade lúdica exclui também seus limites e torna
imprecisa a sua finalidade; ora, partidas de RPG não costumam terminar,
exceto quando delimitados os fins objetivados por seus jogadores.

Se a vitória não é necessariamente o norte dos jogos de RPG, seriam


eles jogos de fato? Eis um questionamento comum que geram, inclusive,
especulações a respeito de a que categoria de atividade pertenceriam os jogos
de RPG.

Como a dinâmica do jogo conta com forte participação de expedientes


narrativos e dramáticos (os jogadores vivem histórias na pele de personagens
que interpretam) é possível encontrar consonância entre os RPGs e
determinados gêneros estéticos, podendo-se levantar questões acerca de
quais seriam as fronteiras circunscritas ao conceito de jogo transpostas pelo
RPG e se essa prática poderia ser observada sob os postulados da estética.

Seria, contudo, um exagero considerar o RPG como atividade artística, visto


que faltam aos RPGs objetivos de plasmação estética, criação de produto
artístico, sem contar que eles não atendem às pretensões comuns à arte,
sejam elas quais forem; ora, RPGs não buscam efeitos catárticos sobre o
espectador, suscitar um novo olhar sobre o real ou permitir a eclosão da
transcendência. Mesmo o belo, em qualquer acepção, não é agente motriz dos
jogos de representação.

Excluída a hipótese estética volta-se à questão inicial: RPGs são, de


fato, jogos? O mais correto seria classificá-los dentro de atividades lúdicas sim,
mas que renovam o conceito de jogo, retrocedendo aos alicerces do conceito
de jogo como atividade de entretenimento, distração e destituída de objetivos
pragmáticos. Talvez, seu vínculo com a essência da atividade lúdica o
distancie, paradoxalmente, das práticas lúdicas mais comuns; Elementos como
vitórias, disputas, a superação de um jogador por outro não possuem
correlação com os RPGs, mas sim a intenção de configurar narrativas
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vivenciáveis virtualmente, de constituir um simulacro de mundo edificado na


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imaginação.

Originalmente inspirado por romances de ficção – sabe-se que o


primeiro RPG de que se tem nota, o Dungeons and Dragons, foi inspirado nas
narrativas de Tolkien – os jogos de interpretação possuem uma identidade em
comum a prática de contar histórias; de certo modo, o jogo serve de mote para
o desenvolvimento de uma atividade análoga aos velhos contos populares e
formas pré-literárias e estéticas; práticas, curiosamente, revivenciadas pelos
RPGs em épocas contemporâneas. Os RPGs, de certo modo, ecoam as
primeiras tentativas de mimesis do real, lembrando aqueles gêneros
primordiais nos quais o embrião da arte ainda repousa no seio do lúdico. Pode-
se admitir, grosso modo, que, arte, jogo e religião frutificaram do mesmo tronco
– são oriundos da tentativa de representação do mundo, estando a religião e a
arte em uma esfera mais vinculada ao transcendente (na religião, representada
pelo sacro e na arte, pelo ideal) e os jogos mais ligados ao profano. Arte e
religião seriam atividades miméticas mais pragmáticas, ao passo que os jogos
não; contudo, os três gêneros encontram-se na esfera da tentativa de criação
de um simulacro do real com o intento de explicá-lo; uma tentativa de
localização do homem na ordem cósmica e mesmo de atribuição a ele de
poderes performáticos.

A semelhança entre jogo, religião e arte é flagrante em várias atividades.


Por exemplo; jogos de azar, como dados ou cartas, se por um lado constituem
meros entretenimentos, por outro, flertam com a imprevisibilidade da fortuna –
força que, por obedecer a uma ordem desconhecida ao homem, evocam o
caráter hermético do caos, o monstro devorador que levou as religiões a
plasmarem suas cosmogonias e suscitou representações que estiveram
sempre entre o sacro e o estético. Poder-se-ia dizer que dados não são menos
que oráculos profanos, brincadeiras com as forças do destino que sempre
assombraram a humanidade em sua tentativa de depreender a ordem que ata
o universo a um eixo. Artes, práticas religiosas e jogos desfrutariam, portanto,
do mesmo status de rito; atividade humana arquetípica vivenciada
cotidianamente, de forma quase intuitiva, em práticas aparentemente
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dissociadas de suas formas originais, mas que guardam certo fundo


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transcendente.

Mesmo em nossos tempos os ritos se mantêm ativos e dotados de


função indispensável, de modo que o enfraquecimento de seu conteúdo sacro
foi percebido, e por vezes lamentado, desde o início da modernidade.

Muitos estetas, ao se depararem com o fenômeno moderno, viram a


necessidade de se recuperar a perspectiva do religioso em uma época, iniciada
em meados do século XVIII, tomada pelo utilitarismo, pela falta de referência
metafísica e pelo fenômeno definido por Max Weber como Entzauberung der
Welt (desencantamento do mundo). O romântico alemão Friderich Schlegel, em
sua Conversa sobre a poesia (1800), com efeito, vê a urgência de se recuperar
o senso de religião no cerne da estética, para que a poesia moderna
alcançasse o mesmo status da poesia dos antigos. Em suas palavras:

Afirmo que falta a nossa poesia um centro, como a mitologia o foi


para os antigos, e tudo de essencial que a arte poética moderna fica
a dever à antiga reside nessas palavras; nós não temos uma
mitologia. [...] é chegado o momento em que devemos colaborar
seriamente para produzi-la. Pois ela nos virá através do caminho
inverso da de outrora, que por toda parte surgiu como a primeira
floração da fantasia juvenil, diretamente unida e formada com o mais
vivo e o mais próximo do mundo dos sentidos. A nova mitologia
deverá ao contrário, ser elaborada a partir do mais fundo do espírito;
terá de ser a mais artificial de todas as obras de arte, pois deve
abarcar todo o resto, um novo leito para a velha e eterna fonte
primordial da poesia; ao mesmo tempo, o poema infinito, que em si
oculta o embrião de todos os outros poemas. (SCHLEGEL, 1994, p.
51)

Mais tarde, Baudelaire, no ensaio intitulado O pintor da vida moderna


(1859-1860), dissertará sobre o fenômeno moderno, materializando-o na
alegoria da transitoriedade urbana, chamando a atenção para o fato de que o
objetivo da arte moderna seria alcançar a dignidade de ser antiguidade; algo
que ocorria mediante a apreensão do elemento eterno em meio ao contingente,
ao cotidiano e ao passageiro; enfim: ―para que toda Modernidade seja digna de
tornar-se Antiguidade, é necessário que dela se extraia a beleza misteriosa que
a vida humana involuntariamente lhe confere‖ (BAUDELAIRE, 1996b, p. 27).
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Como a eternidade é a instância do sacro, Baudelaire parece buscar na


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arte um elemento além dos limites do mundo finito e físico; esse outro mundo
por ele aspirado, seja ele localizado na esfera do ideal, do eterno ou da
imaginação, encontra correspondente na religião e no mito por ser uma
instância superior, acessível apenas pela ponte da transcendência.

Os exemplos de Friedrich Schlegel e Baudelaire, apesar de incidirem


sobre a estética, refletem como há no centro da sensibilidade moderna
(sobretudo aquela parcela definível pelo conceito de romantismo) o mal-estar
quanto à perda de referência metafísica, de unidade religiosa, de sentido
transcendente, de ―encantamento‖. Tal perspectiva levou, na arte, a uma
mitificação do estético, fazendo com que o ideal artístico se tornasse cada vez
mais inacessível e hermético e que a atividade artística encontrasse
correspondência no sacerdócio, no anátema religioso ou no vaticínio. Assim, o
artista converte em demiurgo de um mundo sem Deus.

Esse fenômeno se observa desde o século XIX e contemporaneamente


ainda se preserva não apenas na arte. Em atividades mais cotidianas, na
esfera dos costumes, por exemplo, ocorre algo análogo: gosto pelo exotismo
místico, ritualização de agremiações, mitificação do ordinário, surgimento de
novas superstições, lendas urbanas, etc. Se houve de fato o Entzauberung der
Welt na modernidade, como supõe Weber, esse fenômeno não parece ter
ultrapassado muito além dos limites do imaginário oficial; e como a
modernidade se define pela autoaniquilação e pelas contradições
(COMPAGNON, 1996), o desencantamento sempre conviveu com o seu
contraponto e, hodiernamente, em uma época em que se auspicia a superação
da modernidade, a revitalização do imaginário de outros tempos se torna mais
intensa, adentrando inclusive a indústria cultural, os entretenimentos de massa
e o kitsch.

Nessa esfera, os jogos de representação parecem se inserir justificando


o caráter de rito a eles inerente. Voluntariamente, todavia, os RPGs não
parecem ter de imediato reconhecido a sua intimidade com as histórias ao pé
do fogo evocadas pela sua prática. O primeiro deles, Dungeons and Dragons,
surge na década de 1970 como uma espécie de sistema de jogo que poderia
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simular aventuras ambientadas nos universos de fantasia medieval criados por


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Tolkien, popularizados, sobretudo, entre jovens norte-americanos e ingleses
por conta do sucesso de seus romances do ciclo do Senhor dos Anéis.

No início e durante muito tempo, o paradigma dos jogos de tabuleiro


prevaleceu sobre os RPGs, sofisticado, contudo, pelo ensejo que esses jogos
davam à interpretação de personagens e ao desenvolvimento de histórias.
Trajetória essa que toma outros rumos com o desenvolvimento de uma linha de
jogos surgida no início da década de 1990, tributária às contraculturas urbanas
com ênfase no misticismo e na adaptação da tradição da literatura fantástica do
século XIX para a juventude e as ruas do século XX. É em meio à cultura
conhecida como punk-gótica que surgem os jogos da White Wolf da série
Storyteller, divisores de águas no mundo dos RPGs por pretenderem constituir
uma forma de entretenimento mais ―sério‖ que o regular entre os jogos de
fantasia, enfatizando mais a interpretação de personagens e o
desenvolvimento de histórias que seus antecessores ainda atrelados aos jogos
de tabuleiro.

O primeiro jogo da série, Vampiro: a máscara (1991) compartilha com


cultura urbana punk-gótica o cultivo de uma espécie de neo-romantismo,
misticismo apocalíptico e estetização da decadência, elementos aclimatados à
industria cultural; daí ser possível ler as particularidades desse jogo à luz de
muitos postulados estéticos do romantismo, com se pretende com as seguintes
considerações.

A linha de jogos Storyteller tem como motivo axial a invenção de


universos ficcionais nos quais os jogadores seriam capazes de interpretar
entidades sobrenaturais difundidas pelo folclore de várias culturas e,
hodiernamente, presentes em diversos veículos de entretenimento, tais como a
literatura e o cinema. Vampiros, lobisomens, fantasmas, magos e fadas, estão
entre os protagonistas desses jogos. Tais entidades, favorecidas pelo sistema
de jogo e orientações temáticas que as estruturam, são passíveis de receber
humanização na prática desses jogos. Os livros da Storyteller são concebidos
com o propósito de que essas criaturas, tradicionalmente antagonistas nos
jogos de fantasia, forneçam personagens aos próprios jogadores.
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Tanto no imaginário, quanto nos meios de entretenimento, esses seres


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surgem como alegorias de temores humanos, tais como o medo da noite, do
desconhecido, do ctônico, do macabro e dos próprios ―eus‖ soterrados nos
recessos mais profundos da subjetividade; por conta dos possíveis riscos
decorrentes de se ―brincar‖ com temas tão delicados, a proposta dos jogos da
storyteller é direcionada ao público adulto.

Com efeito, a confrontação com tais arquétipos do temor exige um grau


maior de maturidade por parte dos jogadores, tanto com fins de manter o jogo
na esfera segura do lúdico quanto para favorecer o divertimento. Tal
―maturidade‖, no caso dos jogos da linha Storyteller, parece ter como resultado
o incentivo a um maior papel da atuação e desenvolvimento das histórias. A
série Storyteller coloca constantemente em relevo que o ato de conferir
profundidade tanto às personagens quanto às tramas nas quais essas tomam
parte oferece garantias de um entretenimento mais significativo, de modo que o
jogo possa assumir novas conotações. Como o próprio nome da série supõe
(Storyteller, vocábulo que em português significa ―contador de história‖) esses
jogos seriam como motes e sugestões para a invenção de narrativas
interativas, criação de universos virtuais e de simulacros de mundos que
inevitavelmente esbarrariam em fantasmagorias oriundas do imaginário
humano. Trata-se, portanto, de um passatempo complexo e, como se pode
notar, evocador de ritos aparentemente esquecidos em épocas mais recentes.
Storyteller, apesar de se destinar a um público adulto, tem grande difusão entre
adolescentes e acaba surgindo como uma proposta na contra-corrente dos
entretenimentos imediatistas contemporâneos; trata-se de um convite para que
jovens sentem-se ao redor de si e contem histórias.

O jogo inaugural da série, Vampiro: a máscara (Vampire: the


masquerede), de autoria de Mark Rein-Hagen, já lança as diretrizes que seriam
seguidas pela série – favorecimento do desenvolvimento psicológico de
personagens, utilização dos leitmotivs do horror sobrenatural, reflexões sobre a
natureza humana e criação de uma modalidade de entretenimento cujo cerne
encontra-se na construção de narrativas. Embasado em uma tradição cultural
que remete tanto à literatura do século XIX quanto às linguagens mais
recentes, como os romances de fantasia, o cinema fantástico e a música de
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contra-cultura, Vampiro: a máscara cria uma mitologia própria de vampiros


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muito semelhante àquela encontrada nos romances de Anne Rice e em filmes
como The Hunger – nele os vampiros deixam de ser os monstros misteriosos
das catacumbas e cemitérios dos confins da Europa e das narrativas
ambientadas na Idade Média e são transpostos para o meio urbano de nossa
época. Os vampiros do jogo são também indivíduos às voltas com conflitos
psicológicos complexos, como a tentativa de adequação da natureza humana à
condição de cadáver trazido da morte e legado a uma eternidade assombrada
pela violência e pelos impulsos da vontade que os converte em predadores de
sua própria espécie.

Eternidade versus transitoriedade, monstruosidade versus humanidade,


vida versus morte, vontade indômita versus racionalidade, esses parecem ser
os conflitos paradigmáticos de Vampiro; eles exprimem a tentativa de fazer a
radiografia anímica de um monstro, tarefa análoga a da literatura do século XIX
que expressava a inadequação do homem a si próprio em tempos modernos.
Daí ser comum na leitura de Vampiro a evocação de romances tais quais The
strange case of Dr. Jekyll and Mr. Hide (1886), de Stevenson, Frankenstein or
the modern Prometheus (1818), de Mary Shelley, fantásticos de Hoffman e
Poe, entre outras obras românticas que encontrou no monstruoso e fantástico,
alegorias das tramas profundas dos dilemas próprios da condição humana.

A literatura fantástica sempre esteve às voltas com a materialização dos


conflitos particulares do indivíduo na imagem do sobrenatural; com efeito,
Tzvedan Todorov quando depreende a estrutura do gênero fantástico a
considera sob a ótica da confrontação subjetiva, dividindo tais narrativas em
dois temas fundamentais: os temas do ―eu‖ e os temas do ―tu‖ (TODOROV,
1992).

Na esfera dos temas do ―eu‖ estariam principalmente as narrativas que


tem como leitmotiv e perspectiva principal o topos do olhar. Tais histórias
expressariam o confronto do eu consigo próprio através do contato com seus
desdobramentos: o dopplegänger, os simulacros, os autômatos – formas de
plasmação da subversão da unidade individual e do isolamento do sujeito em si
– mesmo seriam as manifestações principais desse tipo de narrativa. O duplo
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obsessivo do William Wilson, de Poe, o retrato vivo, espelho da degeneração


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do Dorian Gray, de Wilde, a sombra furtada pelo diabo no Peter Schlemill, de
Chamisso, o reflexo perdido por Erasmo Spikher nas aventuras de uma noite
de São Silvestre, de Hoffmann, os duplos, reflexos, mecanismos diabólicos e
as lentes tidas como acesso a um universo fora dos eixos, do Der Sandmann,
também de Hoffmann, entre tantos outros exemplos, seriam materializações
desse motivo que representa a perda da individualidade em meio aos múltiplos
―eus‖ com os quais o homem do século XIX se deparou. Ora, nessa época, a
exploração da subjetividade pela arte, a resistência do indivíduo ao nascente
fenômeno da massificação e a futura descoberta do inconsciente mostraram
que a palavra ―eu‖ guardava em si uma polissemia inaceitável sem certo
incômodo.

Já os temas do ―tu‖, mais tradicionais desde os relatos maravilhosos de


outras épocas, expressam a confrontação do eu com o exótico e com
desconhecido. Trata-se de um horror permeado pelo fascínio, de uma atração
ambígua pelo que é funesto; o que justifica que sua expressão mais comum se
dê por meio de experiências eróticas subversivas nas quais tabus são
confrontados e o prazer se torna veículo de danação e vice-e-versa. Em torno
desses temas, orbitam conceitos como necrofilia, incesto, sadismo, auto-
aniquilação e violação de interditos, todos eles presos à vertigem erótica.
Vampiros, demônios, fantasmas, seres encantados, surgem nessas narrativas
como objetos de atração sexual, como monstros sedutores; seriam eles
figurações de um mundo ctônico e desconhecido que buscaria a integração
com a vida comum. A forma de contato da realidade conhecida com esse outro
mundo, o contrato diabólico pelo qual a fatalidade se deflagra, seria justamente
o magnetismo erótico. O Drácula, de Bran Stocker, a bruxa Mathilda do The
Monk, de Mattew Gregory Lewis, romance emblemático da literatura gótica
inglesa do século XVIII, as insinuações satânico-orgiásticas da cena da
Walpurgsnacht aos pés do Blocksberg, no Fausto, de Goethe, o Lovelace, de
Richardson, o Maldoror, de Lautréamont, os vampiros, cortesãs e marginais da
lírica baudelairiana, as femmes fatales das aquarelas de Gustave Moreau,
enfim, uma miríade vasta de seres que dão corpo a motivos ligados a uma
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sexualidade oblíqua e sinistra, que marcaram as épocas alentadas pelo espírito


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romântico, é enfeixada pelos temas do ―tu‖.

Por seu turno, o leitmotiv da confrontação do eu com uma alteridade


hostil por meio do fascínio erótico tem origens muito remotas. Em muitos mitos
e lendas encontram-se suas manifestações: as tentações do diabo e a
ambiguidade entre êxtase sagrado e prazer carnal na hagiografia dos santos,
entidades sedutoras ctônicas, símbolos da sucessão entre vida e morte que
nas farsas da Idade Média e Renascimento se transformariam em rainhas dos
diabos, como a Perséfone dos gregos e a Lilith dos hebreus, as baladas
medievais nas quais criaturas sobrenaturais surgem como sedutores que,
quando preteridos destroem seus pretendentes, tais como as baladas de elfos
que inspiraram posteriormente os poemas ―Erlekönig Tochter‖, de Herder, ―Der
Erlkönig‖, de Goethe e ―La belle dame sans mercy‖, de Keats, as donzelas
diabólicas célebres nos romances, lendas e relatos da Idade Média como as
melusinas, a sibila de Cumas, a Vênus de Tannhäuser, a Belkiss com pés de
asno do folclore muçulmana, e tantos outros, comprovam que o que Todorov
designa como temas do ―tu‖ pertence às bases do imaginário humano,
expressando a ambígua perplexidade, amálgama de terror e fascínio, que o
homem demonstra face ao desconhecido e à alteridade.

Comparando-se os temas do ―eu‖ com os temas do ―tu‖, nota-se que a


dinâmica do horror está centrada na confrontação do eu com o imprevisível, ou,
remetendo ainda a Todorov, com ―a falha da causalidade‖ que levaria ao
fantástico. Se outrora a alteridade hostil encontra-se precisamente no outro –
no outro mundo do exótico e do sobrenatural, no outro indivíduo, nos
estrangeiros, nas aberrações e nas mulheres (outro da cultura patriarcal), no
lado oculto da existência (a morte), no outro exterior à ordem cósmica (o caos)
– modernamente, contudo, o homem parece ter se deparado com o outro em
si próprio, com o monstro interior; daí surgirem os complexos temas do ―eu‖
que apresentam correlações com a mitologia criada por Vampiro: a máscara.

Como dito, a figura que mais perfeitamente encarna os chamados temas


do ―eu‖ todoroviano é o duplo. Mesmo que a confrontação com um
desdobramento de si própria seja comum ao imaginário humano de todas as
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épocas, esse motivo se torna mais sofisticado na modernidade. Tal fenômeno


18
se deve, como se pretendeu demonstrar, principalmente a descoberta do
caráter poliédrico da individualidade, que recebe relevo na modernidade por
conta do embate entre a urgência de afirmação do sujeito em uma época de
incertezas e de fundamentos difusos, em oposição a um meio externo que se
impõe como força opressora ao sujeito. Ora, o maior certame de Vampiro se dá
entre o indivíduo e si próprio, daí a importância da perspectiva do duplo para se
entender o jogo.

Em múltiplas esferas o duplo se manifesta em Vampiro, desde as mais


exteriores, nas instâncias em que se dão as relações sociais entre os cainitas
(termo utilizados pelos vampiros do jogo para se autodefinirem) até as esferas
mais particulares.

A sociedade vampírica, conforme o jogo, é dividida em grupos que


funcionam como espécies de sociedades secretas; atualmente, existiriam três
desses grupos predominantes, sendo eles a Camarilla, o Sabá e o Inconnu. O
Inconnu, dos três, é o mais singular e sua existência se justifica,
sistematicamente, apenas pela intenção de conferir uma atmosfera de paranóia
obsessiva ao jogo. O Inconnu (inspirado no vocábulo francês inconnu, ou seja,
―desconhecido‖) seria composto por vampiros muito velhos, distantes da
sociedade dos mortos vivos, dedicados à observação dessa e a atividades
absolutamente desconhecidas que, por sua natureza hermética, despertam o
terror entre os mortos-vivos. Já os outros dois grupos atendem perfeitamente
ao sistema temático do duplo.

Camarilla e Sabá estabelecem-se em perspectiva especular. Ambos


foram criados em decorrência da caçada aos vampiros que teria sido
empreendida pela humanidade nos anos da inquisição. Como a violência teria
deflagrado uma revolução entre os jovens vampiros, os anciãos dentre eles
resolveram organizar a sociedade de sua espécie, reunindo seus clãs sob a
égide de uma única sociedade que tinha como primado a proteção dos
vampiros da agressão humana por meio de uma política de esconder a
natureza vampírica da humanidade. Essa sociedade recebera o nome de
Camarilla e sua lei principal estabelece que os vampiros vivam em meio aos
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

humanos de forma velada, manipulando os rumos da sociedade mortal ao seu


19
proveito, sem que sejam descobertos. Essa existência discreta e segura se
daria sob a sombra da lei da Máscara, tradição que determina que nenhum
vampiro deve revelar a um mortal (ou permitir que outros o façam) sua real
natureza. Criada no século XV, a Camarilla tornou-se a mais bem sucedida
sociedade vampírica, e também a mais numerosa. Sua política discreta
permitiu que os vampiros vivessem entre os humanos, possibilitando, mesmo
sendo os não-vivos seres amaldiçoados e canibais, que seus membros se
mantivessem, embora muitas vezes apenas virtualmente, próximos da natureza
humana. Como a Camarilla foi fundada pelos vampiros mais velhos, sua
estrutura possibilita que as tradições dos clãs (unidades básicas da sociedade
dos mortos-vivos) sejam preservadas, desde que não afetem os interesses da
seita (esse é o termo pelo qual os vampiros designam suas agremiações
dominantes).

Comparada com seu gêmeo antípoda, o Sabá, a Camarilla é uma


sociedade mais harmônica e mesmo reacionária, já que busca a conciliação
forçada entre opostos: nela a tradição convive com a urgência dos novos
tempos, a besta vampírica com a humanidade, e assim por diante. Apesar da
aparência plácida, não se pode dizer que a Camarilla seja composta por
entidades protetoras da humanidade, pelo contrário; os membros da Camarilla
são manipuladores e dissimulados, suseranos que exploram lentamente o
gênero humano e o usa como joguete de suas intrigas. Contudo, se comparada
ao Sabá, nota-se que a hipocrisia que rege a relação da Camarilla com a
humanidade torna seus membros menos explicitamente monstruosos.

O Sabá seguiu uma diretriz oposta à da Camarilla. Formado pelos


jovens rebeldes sobreviventes da revolta eclodida nos anos da inquisição, e
atualmente aberta a todos os refugos e desajustados da sociedade vampírica,
o Sabá optou por explorar ao máximo a natureza morta-viva de seus membros.
Enquanto a Camarilla usa os valores humanos como referência moral, o Sabá
ressuscitou velhos códigos de moralidade tipicamente vampíricos,
distanciando-se dos humanos.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

A cúpula do Sabá é composta por dois clãs que desde sempre estiveram
20
mais próximos do lado obscuro da natureza dos mortos-vivos; talvez essa
característica ajude a determinar muitas das diferenças entre as duas seitas.
Enquanto a Camarilla é formada por clãs como os Toreador, vampiros estetas
e hedonistas que se julgam patronos do gênero humano pelo seu amor às
artes e às sensações mortais, os Brujah, seres empreendidos em uma
revolução constante que concebe os sistemas sociais humano e vampírico
quase como o mesmo fenômeno, os Ventrue, acostumados desde sempre a
conviver com a política mortal, ou mesmo os Nosferatu, que a despeito de
possuírem uma aparência inumana, tendem a conceber a maldição vampírica
como uma espécie de purgatório para a corrupção1; o Sabá tem com espinha
dorsal duas famílias de monstros. Uma delas, os conspiradores do Lasombra,
por um lado lançavam seus tentáculos de influência sobre a igreja católica e a
política ibérica, durante a Idade Média, e por outro travavam pacto com as
sombras em troca de poder. A outra, os Tzimisce sempre assombraram a
região balcânica como déspotas fantasmagóricos das regiões remotas do leste
da Europa. Ambos os clãs viram-se obrigados a formar o Sabá por nunca
poderem ser aceitos entre a nascente Camarilla, já que haviam derramado o
sangue de seus próprios senhores; daí terem reunido todos os anátemas e
criminosos (aos olhos dos anciões, é claro) da guerra dos vampiros para fundar
a sua sociedade. Dissidentes dos demais clãs juntaram-se ao Sabá adotando a
alcunha de anti-tribu, e desenvolvendo uma personalidade antípoda em relação
a de seus clãs oficiais.

O Sabá parece ser um duplo distorcido da Camarilla, e a recíproca também


procede. Enquanto a Camarilla é reacionária, discreta, equilibrada e tende a
1
A Camarilla ainda conta em suas fileiras com os selvagens Gangrel e os psicóticos
Malkavianos. Com efeito, esses clãs não compartilham os traços “humanistas” dos demais,
sendo mesmo corpos estranhos dentro da ideologia da seita. Provavelmente sua inclusão na
Camarilla se deva a uma intenção do jogo de permitir a seus jogadores o acesso a uma gama
variada de personagens que representem aspectos distintos da condição vampírica.
Originalmente, apenas era permitido aos jogadores criarem personagens pertencentes a
Camarilla; isso explicaria a inclusão desses excêntricos em seu meio. Em edições futuras do
jogo, contudo, a contradição das características de tais clãs com as diretrizes da Camarilla
parece ter sido reconhecida, ao menos no caso dos Gangrel que, segundo a ambientação do
jogo, viriam a abandonar, paulatinamente, a seita.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

tratar as lendas vampíricas pelo viés da objetividade ilustrada, o Sabá é


21
agressivo, desarmônico, extremista e místico. Todo membro do Sabá vê a si
como um cruzado empreendido em uma missão para o salvamento da raça
vampírica, ao passo que a Camarilla se coloca com um ponto de conciliação
das relações travadas entre os vampiros com seus semelhantes e com o
mundo. Enquanto os mais ufanos e ingênuos dentre os membros da Camarilla
nutrem a pretensão de voltarem a ser humanos, dentre o Sabá, esses mesmos
espíritos otimistas acreditam estar a um passo de se tornarem deuses mortos-
vivos. Em ambos os casos, busca-se a solução para o dilema do duplo, o
remédio ao mal de se estar cindido, localizado na zona limítrofe entre o homem
e o monstro.

Esse dilema é por excelência a pulsão fundamental de Vampiro já que


cada um dos não-vivos se vê como uma criatura divida entre dois mundos.
Seja sob a ótica da Camarilla ou a do Sabá, a condição vampírica é um grande
desconforto, o que aproxima a ontologia do jogo do mal-estar romântico-
moderno que a arte celebrizou mediante o motivo do duplo. A epígrafe inicial
de Vampiro já antecipa esse conflito que será explorado a exaustão pelo jogo;
lê-se na folha de rosto do livro: ―By becoming a monster, one learns what it is to
be a human‖ (REIN-HAGEN, 1994). Deve-se se tornar um monstro para se
aprender a ser humano, frase que ecoa no conflito central de Vampiro, entre a
sanidade e os ditames da fome canibalesca que os inclina a matar – vontade
essa definida pelo jogo como Besta.

A besta é justamente o Mr. Hyde que clama no interior de cada vampiro,


o qual não pode ser reprimido, mas liberado em doses homeopáticas. Reprimir
a besta, em termos mais práticos, não se alimentar de sangue humano, torna-a
ainda mais faminta e agressiva; no entanto, libertá-la sem qualquer orientação
pode corromper a alma de um vampiro, precipitando-o na insanidade e
decretando sua derrota sobre si mesmo. Daí, os vampiros serem obrigados a
se cercarem por todos os lados de códigos de moralidade e se manterem
vigilantes quanto aos caprichos de parcela negra de suas almas. Eles se vêem
obrigados a sustentar o equilíbrio entre seus dois lados; vampiros que queiram
preservar sua sanidade devem se entregar a um convívio doloroso com seu
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

duplo. Ao fim, todavia, a derrota sempre se anuncia, e a besta, cuja fome


22
nunca cessa de crescer, acaba por consumir seu hospedeiro.

Por mais dura que seja a convivência com a besta, Vampiro ainda lança
as esperanças de resolução do dilema; essas, contudo, residem apenas nas
esferas das lendas e das crenças. Uma delas é uma fonte de esperança e a
outra é a consumação trágica da existência dos vampiros na Terra.

A primeira, a Golgonda, consiste em um estado de espírito desenvolvido


pelo jogo, possivelmente, a partir do sistema de crenças hindus e budistas,
assim como influenciado pela filosofia schopenhauriana. Como a besta pode
ser vista como uma espécie de hipérbole da faculdade definida por
Schopenhauer como vontade (assim como o vampiro, em muitos aspectos, é
uma hipérbole do humano), a solução para o mal-estar proporcionado pela
besta é correlata aos postulados de Schopenhauer – para se vencer a vontade
deve-se tentar conviver com ela para que se possa extinguí-la juntamente com
a noção de individualidade. Com a besta dá-se o mesmo; deve-se domá-la,
inclinando-se cada vez mais aos resquícios de humanidade preservados pelo
vampiro, até que a voz da besta emudeça e então se alcance esse estado
nirvânico para os mortos-vivos – a Golconda.

O jogo frisa que não se têm registros precisos de alguém que tenha
alcançado tal estado, mesmo assim, a crença na Golconda encaminha muitos
vampiros por uma vereda de esperança e redenção. O duplo vampírico, a
besta, seria portanto uma manifestação distorcida da vontade; nesse ponto,
Vampiro, mostra-se como um jogo alegórico, uma tentativa de representação
da condição humana.

Como a perspectiva do duplo rege Vampiro, a própria redenção possui o


seu antípoda maldito; a outra saída para os vampiros seria a entrega total às
intrigas da Jyhad. Segundo as lendas vampíricas, os fundadores de seus clãs,
vampiros que de tão antigos são chamados de Antidiluivianos, estariam
aguardando em um sono sedento a noite em que retornariam ao mundo para
extinguir todos os seus descendentes, com o fim de saciar sua fome. No
entanto, eles não aguardam quietos a noite fatídica, mas preparam terreno
para tal desfecho por meio de uma guerra silenciosa, constituída por uma
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corrente de intrigas que afetam toda a sociedade vampírica; qualquer conflito


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entre vampiros, por menor que seja é tomado, de forma paranóica, como parte
dessa guerra chamada de Jyhad (nome inspirado pela guerra sagrada
islâmica). A Jyhad seria o prelúdio da noite final. Essa noite é conhecida como
Gehenna (nome extraído de umas das definições hebraicas de inferno).

Tanto Gehenna como a Golconda são encaradas como lendas pelos


vampiros; no entanto, isso não impede que alguns grupos as tomem como
crenças oficiais. A linhagem (um tipo de clã menor) dos Salubri, por exemplo,
deposita sua única razão de existência na crença na Golconda e há os que
digam que o real objetivo dos Inconnu seria alcançar esse estado. Quanto a
Gehenna, enquanto a Camarilla desacredita lendas escatológicas, o Sabá
coloca-se como o exército que há de livrar os vampiros de seus avós canibais
nessa noite apocalíptica.

Golconda e Gehenna são, de certo modo, o paraíso e o inferno dos


vampiros; por mais que a Gehenna tenha um cunho histórico – ao passo que a
Golconda é um estado metafísico – sua aceitação dentro do imaginário
vampírico parece se constituir de maneira semelhante a do Juízo Final entre os
cristãos; trata-se de um dia hipotético, além do tempo terreno, localizado,
portanto, em uma instância transcendente. Indiretamente, a Gehenna seria
uma espécie de fim dos tormentos impostos pela besta, já que traria a extinção
dos vampiros, criaturas cujo único alento, único sopro que anima seus
cadáveres, é, paradoxalmente, insuflado pela febre que os consome; ou seja,
pela besta.

Destruição e redenção, Gehenna e Golconda, são a dupla via de


aniquilação do sofrimento dos mortos vivos. Ambos os conceitos ligam-se pelo
nexo da diluição do sujeito em um esforço desesperado de conter seu duplo –
tal qual se dá nas muitas mortes trágicas e auto-induzidas das histórias de
duplo do romantismo.

Como se pode notar, a despeito de não possuir pretensões além as de


se estabelecer como jogo, Vampiro desenvolve-se em consonância com vários
expedientes artístico-literários; de fato, o jogo não apenas presta tributo à
tradição literária como busca na literatura a chancela para a proposta de
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diversão nele contida. De imediato, ao se percorrer o livro, depara-se com uma


24
série de intertextos que não servem apenas à ambientação do jogo, como
também à implementação de um estilo sofisticado ao livro. A leitura de Vampiro
surpreende por não conter apenas um manual de regras e uma apresentação
sistemática do pacto ficcional necessário às partidas do jogo; na verdade, tal
pacto se dá de forma quase espontânea, já que a leitura do livro é envolvente,
tragando o leitor para atmosfera de desolação, decadência e ânsia por
redenção que envolve a obra. Ora, o primeiro contato com Vampiro se dá por
uma epístola que pela forma e conteúdo faz referência direta àquele que pode
ser considerado o maior clássico da literatura fantástica que explora o mito do
vampiro e que, inquestionavelmente, serviu de paradigma para a visão que a
cultura mais recente tem dessas criaturas – o romance vitoriano Drácula
(1897), de Bran Stocker.

A carta inicial presente em Vampiro dialoga com o romance já pelo


próprio gênero a que pertence; como se sabe, Drácula é um romance epistolar,
constituído por cartas, páginas de diário e registros fonográficos de autoria das
personagens. A narrativa epistolar consiste em uma estratégia enunciativa
bastante utilizada, principalmente nos romances do final do século XVIII (que já
antecipavam o romantismo), com a qual sua forma se adapta perfeitamente
por, ao dar lugar às reflexões e impressões das personagens. Esse recurso
não apenas dota as narrativas de veracidade (que favorece o pacto ficcional
romanesco) e profundidade psicológica, como opera intimidade entre a
narrativa e as impressões particulares de suas personagens. Trata-se de um
gênero que, se por um lado aproxima os eventos narrados da realidade
vivenciável (já que é tutelado pelos juízos e experiências de indivíduos
plenamente desenvolvidos psicologicamente), por outro, relativiza tais fatos ao
submetê-los a impressões particulares.

Através do gênero epistolar depara-se com versões, impressões, juízos


e não se tem acesso a uma diegése próxima do inquestionável, como
aconteceria em uma narrativa objetiva e analítica apresentada por um narrador
onisciente. Romances precursores do romantismo como La novelle Éloise, de
Rousseau e o Werther, de Goethe valem-se desse expediente narrativo para
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imprimir pathos particular a suas personagens, contribuindo para o egotismo


25
acentuado que se tornaria a tônica das narrativas românticas futuras.

Se nos romances subjetivistas dos precursores do romantismo a epístola


pode ser índice de egotismo, nas narrativas fantásticas o impressionismo
favorecido pelo gênero conta ainda com outro efeito – a relativização das
certezas, a promoção da hesitação entre o possível e o impossível que,
segundo Todorov, resultam no efeito fantástico (TODOROV, 1992. p. 166) e a
identificação do universo fictício com a realidade exterior ao texto que torna
possível a cumplicidade da atmosfera de horror e sobrenatural, experimentada
pelas personagens do romance, com a vida cotidiana do leitor. Tal expediente
cria a ilusão de que, se um mundo ficcional tão semelhante ao real pode ser
palco do anômalo, o mundo real também poderia vivenciar eventos de natureza
semelhante. Nesse segundo caso favorece-se o fenômeno definido por
Wolfgang Kayser como grotesco, algo que, para o crítico alemão, definir-se-ia
pela manifestação do anormal e hostil no cotidiano, a sensação do ―alheamento
do mundo‖ conhecido (KAYSER, 2003). Tal efeito de fruição estética parece
justificar a preferência que as narrativas de Poe nutrem pelo relato confessional
em primeira pessoa, as correspondências de Nathanael no Der Sandmann
(1815), de Hoffmann, o relato de Victor Frankenstein aos marinheiros, no
romance de Mary Shelley e as já mencionadas epístolas de Drácula.

A correspondência de Vampiro (REIN-HAGEN, 1994, p. 07-17),


possivelmente escrita por Vlad Tepes e destinada a Wilhimina Harcker – algo
flagrante nas iniciais do remetente ―V.T‖ e do destinatário ―W.H‖ –, parece
nutrir-se dessa dupla potencialidade do gênero epistolar; por um lado, torna o
universo de Vampiro tridimensional, palpável, como se fosse possível nele
viver, e, em segundo – o que soa mais inovador na constituição da linguagem
do jogo – permite uma empatia entre o leitor e ―as crianças da noite‖,
mostrando que o sulco que separa o monstro do homem não é um abismo,
mas uma estreita vala.

Na carta, Drácula, como voto de arrependimento e busca por redenção


da humanidade perdida, dispõe-se a revelar a Mina todos os segredos da raça
dos amaldiçoados, apresentado, desse modo, as premissas temáticas do jogo
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em relato particular. Lá já estão presentes todas as singularidades da


26
ambientação de Vampiro: a ancestralidade de Caim sobre a espécie dos
mortos-vivos, lendas, costumes, particularidades anatômicas, a fisiologia dos
não-vivos, a maneira como vêm ao mundo; enfim, toda a matéria que o jogo
era desenvolver, surge nessa carta no ritmo em adágio de uma confissão
penitente. As particularidades psicológicas do jogo, a substância anímica de
Vampiro, também se manifestam nessas páginas; arrependimento: embate
entre o bestial e o humano, inadequação dos poderes oriundos das trevas aos
resquícios de virtude mortal; em suma, o mal-estar do entre-lugar que separa o
monstro do homem, da confrontação do indivíduo com o duplo maldito e a
consciência do trágico.

Pode-se entender Vampiro sobre os parâmetros do herói trágico,


sobretudo levando-se em conta as implicações que envolvem essa figura
estética na modernidade. O texto introdutório de Vampiro, o prelúdio intitulado
―Monstros...monstros por toda parte‖, cava a grota que as potencialidades de
Vampiro podem preencher. Nas palavras contidas nesse prelúdio, a dimensão
trágica do jogo se apresenta de forma explícita, como se pode notar pelo
seguinte fragmento:

Tal o herói da lenda, que desce ao poço do purgatório para enfrentar


o algoz, derrotar as fraquezas pessoais e finalmente ser purificado,
retornando para a casa com a dádiva do fogo, também nós
precisamos descer às profundezas de nossas almas e renascer com
os segredos conquistados. Essa é a verdadeira jornada de
Prometeu, o significado do mito. Apenas embarcando nessa jornada
podemos descobrir nossos eus verdadeiros e ver nossos reflexos no
espelho.

O fascínio desta promessa de conexão espiritual é práticamente


irresistível. Mas trata-se de uma aventura por demais perturbadora.
É preciso manter-se vigilante e caminhar com cautela – toda a
jornada reserva seus perigos. Não olhe a própria alma, a menos que
esteja preparado para enfrentar o que descobrir.

E, neste momento, lembre-se:

Monstros não existem... (REIN-HAGEN, 1994, p. 05)

A percepção da influência do fatum sobre os indivíduos e o peso dos


efeitos da violação de suas interdições são premissas de ação desde as
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primeiras manifestações da tragédia grega de que se tem registro. Uma dos


27
textos mais antigos desse gênero, a tragédia de Ésquilo, Prometeu
acorrentado, configura aquele que será o modelo do herói vítima da fatalidade
e que, posteriormente, será adotado como símbolo da genialidade insubmissa
do artista e, conseqüentemente, do indivíduo moderno – Prometeu. O titã que
desafia a autoridade suprema recentemente instaurada de Zeus e que por
hybris não se curva frente ao punho despótico do novo regente do Olimpo será
adotado, principalmente pelos poetas românticos, como alegoria do artista
demiurgo e rebelde que, em suas criações, rouba um pouco de divindade dos
céus na forma do fogo para voar na mesma esfera dos deuses e iluminar a
trajetória da humanidade rumo ao desconhecido. Como o ato de genialidade,
ou seja, de afirmação de uma individualidade autônoma, constitui uma
atividade subversiva, a punição sempre estará no cerne dessa temática.

Prometeu é ressuscitado pelo ímpeto rebelde romântico, Shelley e


Goethe prestaram-lhe tributos; no entanto, o Prometeu moderno é diverso do
da antiguidade, pois nele o signo da maldição é ainda mais acentuado, já que,
ao contrário do sistema mítico grego antigo, no qual o caráter cíclico do cosmo
implicava a futura queda de Zeus e redenção de Prometeu quando eclodisse o
retorno à Idade de Ouro. O ―sistema mítico moderno‖ do tempo moderno, por
sua vez, não admite um recomeço. A época moderna crê em uma linha
temporal progressiva ad infinitum, o que torna o cárcere de Prometeu tão
duradouro quanto o tempo e sua punição e exílio mais amargos, portanto.

John Milton em seu Paradise Lost (1665) já sugerira aos românticos uma
analogia que tornava a trajetória do herói trágico mais dolorosa – ao aproximar
o diabo precipitado no inferno de Prometeu, Milton torna o demônio medieval
mais altivo e sugere a aproximação do futuro gênio (e, portanto, o homem) do
diabo. Essa nova tônica confere ao herói trágico, somados, os pesados
estigmas do anátema, da derrota, do exílio eterno e do mal – eis a equação
que configura o herói trágico moderno que os românticos cantaram e que
inspirou, talvez de forma menos indireta do que se possa supor, a base
ontologia das personagens de Vampiro.
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O fragmento destacado comprova o caráter voltuntário da aproximação


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operada por Mark Rein-Hagen entre seu jogo e o topos do herói satânico-
prometeico. Em vampiro, esse herói desce ao fundo da garganta do mal para
extrair dessa jornada de precipitação a iluminação e o autoconhecimento.
Vampiro sugere que sua proposta central de permitir aos jogadores interpretem
monstros que alegorizam o mal em sua substância é, na verdade, um percurso
de autodescoberta, de vislumbramento dos contornos e matizes do que
definimos como mal, da forma daquela parcela negra e inconfessável da
natureza humana.

Um ensaio sobre o mal, essa seria uma forma de se resumir as


pretensões de Vampiro, um jogo que se propõe a, após cada seção, insuflar
em seus jogadores as descobertas inspiradas pelas flores nascidas do solo de
cinzas e desolação semeado pelo jogo. Como toda tragédia, Vampiro é
catártico; ele não pretende se limitar ao instante efêmero e irregistrável (exceto
pela memória) das seções de jogo.

Para que se torne mais claro o caráter trágico de Vampiro pode-se tomar
como modelo aquele que é, segundo a mitologia do jogo, o ancestral em
comum dos mortos-vivos – Caim. A ambientação de Vampiro propaga a crença
comum entre os membros (termo pelo qual os vampiros designam a si e seus
semelhantes), ao menos os ocidentais, de que Caim, por ter se tornado o
primeiro assassino teria recebido de Deus a maldição da vida eterna e da sede
canibalesca por sangue humano. O Caim de Vampiro, ao menos pelas
palavras contidas no Livro de Nod (narrativa fictícia criada para ambientação do
jogo como texto mítico de formação da sociedade dos mortos-vivos), seria
dotado de uma humanidade e de uma divinização ausentes nas sóbrias
escrituras bíblicas. Como ao Satã de Milton, a maldição da precipitação no mal
lhe atormenta, tendo manifestação máxima no exílio, não apenas determinado
diretamente por Deus em sua expulsão, mas principalmente no anátema
imposto pela vontade canibalesca e pela imortalidade contida na condição de
morto insepulto. Tais elementos seriam signos do mal, que o impediriam de
viver entre os que outrora foram seus semelhantes. O exílio de Caim o
acompanha, e essa parece ser a maior maldição legada por ele a seus
descendentes.
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Todos os vampiros trazem em si o signo de Caim e o Caim de Vampiro é


29
muito semelhante ao Caim da peça de Byron; seu pecado é o amor excessivo
e mal orientado que desafia as leis divinas, a revolta e a hybris comum aos
espíritos altivos – o Caim de Byron, assim como o de Vampiro é um Satã
miltoniano, um Prometeu gauche, um gênio moderno. E o Caim que há em
cada vampiro, imortalizado pela maldição do sangue, traz consigo o signo do
exílio. Ora, vampiros são impossibilitados de viver entre os homens de cujo
seio surgiram, assim como são impossibilitados de repousar entre os mortos;
não bastando isso, adaptam-se mal ao convívio entre seus confrades de
maldição. A sociedade vampírica estabelece-se muito mais por uma dinâmica
de necessidade e frágil tolerância, que por determinação inerente a suas
naturezas. Vampiros não são seres sociais; são predadores, mal instalados na
cadeia das relações naturais; sua única pulsão é consumir tudo que os cerca, o
que os destina à solidão. Com efeito, vampiros, mesmo que desejem, não
encontram boa acolhida entre seus pares simplesmente pelo fato de sua
sociedade ter como base o princípio da desconfiança. A Jyhad, a guerra eterna
e invisível, afeta todas as esferas das intrigas dos mortos-vivos, mesmo que
sua existência nem chegue a ser confirmada.

Vampiros não deveriam existir; Caim os teria gerado por temor à solidão
e, ironicamente, acabou criando uma raça fadada ao ermo, mesmo em meio às
metrópoles modernas. A condição de imortais torna os vampiros degredados
em meio à sucessão cronológica e o status de mortos, estrangeiros em
qualquer reino da vida. Não bastando isso, a sede da besta os exila da
natureza humana. Contudo, como na trajetória do gênio trágico, há uma
compensação para todo esse sofrimento; ora, o gênio moderno, como
demonstra a arte, seria uma entidade dividida entre a majestade e a miséria, a
exemplo do Satã de Milton. Os vampiros também possuem o seu fogo
prometeico, esse, por sua vez, extraído das grotas do inferno e não roubado
dos céus.

Imortalidade e disciplinas (poderes sobrenaturais vampíricos) são,


concretamente, as conquistas sorvidas da maldição do vampirismo; através
deles, os cainitas inscrevem-se como senhores dos homens; no entanto, tais
poderes nunca deixam de esconder sua natureza sinistra e sua relação íntima
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com a maldição. Ora, cada clã de vampiros possui poderes que manifestam
30
sua identidade particular, distinguindo-os dos demais. Paralelamente, cada clã
possui uma leve fraqueza que surge como estigma da condição de
amaldiçoado, que antes de servirem de meio para que as regras de Vampiro se
equiparem, seriam lembranças constantes da idéia de danação que cerceia a
condição de morto-vivo. São esses, precisamente, os vínculos de Caim com
sua prole. A cumplicidade de sua maldição com a de seus filhos.

Uma das características definidoras do tema do gênio moderno é


precisamente a melancolia. Desde a medicina medieval e a astrologia árabe, a
melancolia é tida como um tipo de benção diabólica; Constantinus Africanus,
baseado na teoria dos humores de Hipócrates, professa que a melancolia
tomava conta do caráter de um indivíduo quando houvesse maior produção de
bile negra no baço, órgão que, posteriormente, entre os românticos servirá de
designação do sentimento cabal do zeitgeist conhecido como mal do século;
ora, spleen (baço, em inglês), será o termo designativo do tédio, do fastio
criativo romântico. Sob influência do humor melancólico, segundo a medicina
medieval, os indivíduos tornar-se-iam pusilâmines, anti-sociais e vis;
semelhantes aos cães, buscariam a solidão e se bestializariam. No entanto, há
um benefício trazido pela melancolia; os delírios por ela provocados, poderiam
resultar na vidência, no acesso a esferas de conhecimento velados ou mesmo
proibidos; nesse sentido, a proximidade entre o melancólico e o cão dar-se-ia
pelos nexos analógicos fornecidos pelo faro do animal. A capacidade sensorial
extraordinária do cão seria metáfora para a consciência superior do
melancólico (BENJAMIN, 1984, p. 168-169).

Talvez influenciado por essas associações Aegidius Albertinus chegou a


afirmar que o órgão mais influente sobre a fisiologia do cão fosse o baço. Com
efeito, Albrecht Dürer, célebre pintor da renascença germânica, quando cunhou
a sua gravura alegórica do gênio da melancolia, retrata uma musa, com um
stylo nas mãos, cismando sobre algo que há de riscar em sua tábua de cera e
tendo por companhia uma pilha de livros e um cão.

Os livros fornecem outra associação imediata com o melancólico, visto


que, segundo a sabedoria medieval, o melancólico nasceria da solidão, daí
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

serem fontes da melancolia o amor não correspondido e as atividades


31
intelectuais.

A ligação entre melancolia e saber também é sancionada pela astrologia


árabe; o astrólogo muçulmano Âbu Ma dissera que o aumento de produção de
bile negra no organismos seria provocado pela influência de Saturno sobre os
indivíduos; planeta esse, desde os mais remotos tratados astrológicos,
identificado com o mal e com o conhecimento subterrâneo (BENJAMIN, 1984,
p. 170-171).

Para a configuração da entidade nomeada Saturno, dois deuses


amalgamam-se; o que torna clara essa associação entre o planeta e os
conhecimentos secretos. O antigo deus ceifador dos latinos, Saturno, em
contato com a cultura grega, foi associado a Cronos, divindade ctônica,
símbolo do tempo. A ligação entre os subterrâneos e a sucessão das estações
presentes no Saturno latino com a passagem do tempo, oriunda do Cronos
grego, gerou a imagem do ceifador de vidas, do esqueleto portando foice e
ampulheta das gravuras barrocas. Desse modo, imprimem-se na imagética do
melancólico as ideias de morte e acesso aos saberes ocultados dos vivos. Daí
o melancólico ser um vidente e o conhecimento portado por ele poder ser
tratado como um saber proibido – o fogo de Prometeu que arrasta mais uma
vez nossas reflexões ao topos do gênio maldito.

As personagens de Vampiro parecem ecoar esse histórico de


constituição do gênio; suas disciplinas mágicas e imortalidade são dons
malditos, punições pela hybris de Caim que, por seu turno, encontra
correspondente no orgulho individual de cada um de seus descendentes. De
bom grado, poucos vampiros abrem mão de sua condição, alguns por apreço
aos poderes das trevas, mas a grande parte por não ter mais nada a esperar,
além do vagar monótono de seus cadáveres pela vereda da eternidade.

Vampiro se compromete a cotejar os motes da morte e do mal,


parecendo serem essas as essências de seu elemento trágico. Todavia, dentro
do jogo de simulacros apresentados pelo livro, esses dois temas surgem como
reflexos exteriores do elemento mais angustiante suscitado pelo universo da
obra – a consciência da fatalidade moderna que reside no sentimento de
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

degredo em si próprio e da convivência íntima com o inimigo supremo que


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reside dentro de nós. As personagens de vampiro são exiladas, exceto pela
companhia de sua nemesis – essa parece ser a substância amarga de
Vampiro, destilada outrora pela sensibilidade romântica e que vem orvalhar
esse inquietante produto de época tão recente.

Com Vampiro, os RPGs tornaram-se coisa séria, levando-nos mesmo a


cogitar se os jogos limitam-se à esfera do entretenimento ou possuem também
potencialidades catárticas. Não gratuitamente, o autor de Vampiro esclarece no
epílogo de seu despretensioso ensaio sobre o mal: ―Vampiro é uma
exploração do mal, e como tal, é arriscado. Quando jogamos Vampiro,
cavamos fundo. Este jogo não foi criado para ser confortável, mas para
provocar e inspirar. Foi planejado para fazer você sentir, sonhar e aspirar‖
(REIN-HAGEN, 1994, p. 268).

O jogador que lança os dados ou se entretém com cartas talvez não


saiba que a dinâmica de sua diversão é regida pelas mesmas leis dos oráculos,
assim como o atleta talvez não perceba claramente que há uma essência
bélica nos treinamentos e regras adotadas por seu esporte – no entanto, não
se pode negar que a natureza grave das origens da maioria dos jogos,
eventualmente, ecoe sobre eles.

Descendente, mesmo que distante, de várias correntes estéticas,


Vampiro está para a sensibilidade romântica e para tragédia como um jogo de
dados para a profecia e o esporte para a guerra. Um jogo nunca é apenas um
jogo; isso justifica a nossa tentativa de analisar Vampiro sob uma perspectiva
de fruição diferente da fornecida pelas disciplinas destinas ao estudo dos
entretenimentos de massa. Ora, como se pretendeu mostrar, Vampiro também
pode ser visto como veículo de fruição estética.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
33

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SUZUKI, M. O gênio romântico. São Paulo: Iluminuras, 1998.


Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

A LINGUAGEM DO ROLE PLAYING


35

Rafael Correia Rocha

Mestre em Educação pela Universidad de la Empresa

narrativadaimaginacao@gmail.com

Na brincadeira, temos uma licença para explorar a nós mesmos


e a nossa sociedade. Na brincadeira, investigamos a cultura
mas também a criamos.
SILVERSTONE, 2002: pp.124-125

1. ROLE PLAYING

O termo Role Playing que na década de 80, foi traduzido como interpretação, é
um termo pobre oriundo da explicação por estabelecimento de padrões de
determinada situação, sujeito ou coisa percebida (Dicionário inFormal), ou
também, pode ser concebida como uma idéia que surge entre uma consciência
e determinada informação externa. Por meio de estudos de Schmit (2008) e
Falcão (2013) emerge uma concepção mais adequada denominada
―representação‖.

O Role Playing que debateremos aqui é encontrado comumente em dois


seguimentos distintos, no RPG - Role Playing game (jogo de representação de
papéis) também conhecido como RPG de mesa e no LARP - Live Action Role
Playing (Representação ao vivo), mas esta não é uma regra imutável, ambos
apresentam similaridades e diferenças que serão debatidas no decorrer do
texto, sua viabilidade para atuação educacional prática, tem relevância ao
abordar tal temática sendo Mayara(2004) apud Schmit(2008):

―estudar os RPGs é justificável por muitas razões, mas uma


dela é que nele estamos confrontando um fenômeno que é ao
mesmo tempo muito antigo e algo muito atual para a ruptura
que esta atravessando o nosso modo de vida atualmente. Nos
últimos anos temos presenciado um aumento poderosos de
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

publicações, currículos e atividades de pesquisa relacionada a


jogos, mas estes começaram do estudo e designers digitais. As 36
pesquisas independentes de mídia sobre RPG de mesa e
LARP em suas importantes formas multiplas ainda estao para
trás no mundo acadêmico‖ (MAYARA, 2004, p.9)

Diante deste paradigma desafiador, para uma melhor compreensão iremos


definir morfologicamente alguns pontos chave que sustentam a nossa
compreensão do que vem a ser Role Playing. Acreditando que o ato de
representar pode ser compreendido como uma das áreas de expressão
humana, e para comprovar e contestar esta afirmação, analisaremos
atenciosamente esta relação entre os conceitos de representação e expressão
com criatividade e imaginação.

Com a proximidade destes termos abordada por Abbagnano(2007), que


descreve representação como ―imagem‖ ou ―idéia‖ ou ambas as coisas, e neste
misto sugere-se pela similaridade o termo ―imaginação‖ que segundo Carlos
Ceia pode ser compreendido como:

―Uma primeira definição de imaginação, restringida a sua


referencialidade pode dizer respeito á capacidade mental para
relacionar, criar, inventar ou construir imagens. Este processo
criativo pode intervir tanto em fantasias como na criatividade
artística e intelectual. O Termo é derivado do latim imaginatio
que por sua vez substitui o grego phantasía. Aristóteles, em De
Anima (428ª 1-4), deu-nos uma primeira reflexão teórica sobre
o conceito de imaginação (phantasía) que se refere apenas ao
processo mental através do qual concebemos uma imagem
(phantasma). Amente humana, segundo Aristóteles, não é
capaz de pensar sem imagens. Este procedimento mental faz
parte da atividade de todas as formas de pensamento e não se
confunde com o que se virá a designar por criatividade ou
imaginação criativa. O conceito aristotélico dephantasía /
imaginação está ligado ao sensuscommunis, isto é, aquela
parte da mente (psyche) que é responsável pela representação
inteligível das coisas. De forma simplificada, podemos dizer
que o conceito de imaginação daqui decorrente consiste no
processo mental de representação das coisas que não são
imediatamente presentes aos sentidos. A imaginação é uma
forma de representação do que sentimos não existir no nosso
mundo próximo‖

Esta habilidade da imaginação de criar imagens mentais reais, irreais ou


surreais, se mantem interno e individual a cada sujeito, como faculdade
humana. Pode-se acreditar que a imaginação cria a partir de parâmetros
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

provenientes da inter-relação de saberes do sujeito, assim como a percepção e


37
reinterpretação das informações que se fazem conscientes.
Quando o autor descreve a mesma como uma ―forma de representação do que
sentimos não existir no nosso mundo próximo‖ merece uma atenção à parte.
Ao assumir primeiro que é uma forma de representação, nivela a imaginação
como forma de expressão, porém, o caráter de sentir fica mais adequado
quando se descreve o mundo concreto. Penso que a imaginação pertence
inicialmente ao campo abstrato, mas a representação ao plano do concreto,
tornando essa afirmação contraditória. Para ir mais além, ao aprofundar em
termos similares a imaginação e que nos remem a ela, como criar e
criatividade, que acordo com a compreensão de Dinello (2009), se pode
conhecer ambas na distinção de que:

―Criatividade: substantivo de criar, do latim crier, creare. Dar


existência, tirar do nada, conceber, imaginar, produzir, realizar
o que ainda não existia. O grito de um novo existir. Criar: como
distinto de reproduzir. Criar é engendrar, sucitar, inovar, dar á
luz o novo‖

Dinello, além de retomar a imaginação, nos faz compreender que devido a


criatividade, o sujeito pode existir além do automatismo da reprodução, tão
combatido em sala de aula maquinal. Com a imaginação o sujeito pode se criar
e se recriar quantas vezes quiser para um continuo ―novo existir‖. De acordo
com o mesmo autor ―Devemos consentir que tanto a expressão como a
criatividade são formas de manifestar a existência do sujeito humano‖, sendo
assim, essa relação ocorre em todo processo bio-psico-social do sujeito.
Por outro ângulo, a ideia de representação apresentada por SANTOS (2011)
propõe uma construção que aprimora o conceito anterior:

―Representação pode ter vários sentidos em português. Trata-


se de uma palavra de origem latina, oriunda do vocábulo
repraesentare que significa ―tornar presente‖ ou ―apresentar de
novo‖. (...) A língua alemã existe o termo ―vertreten‖,
quesignifica ―atuar comoum agente para alguém‖ (...)
Aexpansão da palavra ―repraesentare‖ começa nos séculos XIII
e XIV, quando sediz que o papa e os cardeais representam a
pessoa de Cristo e dos apóstolos. Um outroexemplo é o dos
juristas medievais que começaram a usar o termo para
personificar avida coletiva. Desta forma, uma comunidade seria
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uma persona non vera sedrepraesentata. Assim, a partir deste


momento, o termo representacao, passa a significartambém 38
―retratar‖, ―figurar‖ ou ―delinear‖.O termo passa a ser aplicado a
objetosinanimados que ―ocupam o lugar de‖ ou correspondem
a ―algo ou alguém‖.

Assim, pode-se compreender que a ação de representar gera significado e uma


aura de simbologia para objetos e sujeitos. Incutindo uma importância além do
visível, promovendo um valor subjetivo. De maneira que quando um sujeito
representa há promoção da expressão de conhecimentos objetivos por meio de
canais subjetivos sutis, que podem se concretizar como a manifestação de arte
desde a clássica tríade plástica, cênica e musical até estruturas não
convencionais.
Todavia, para que ocorra a representação existe a necessidade de um canal ou
instrumento. No caso do Role Playing trata-se do corpo e suas atribuições
expressão, fala e gestos. Diferente do teatro convencional, não existe falas pré-
definidas ou roteiros 100% lineares, tão pouco, uma platéia, representa-se para
si mesmo. Parafraseando Michel Ende em seu livro ―Historia sem fim‖ onde seu
protagonista, o garoto Bastian, descreve sua condição representativa da
seguinte maneira ―imagino histórias, invento nomes e palavras que ainda não
existem e outras coisas assim ‖. Mas, mesmo com essa produção que poderia
ficar dispersa, a criatividade se concentra em um único ponto, o personagem
ou Role. Ao qual Moreno (1993) se aprofunda na origem histórica do termo:

[...] o termo inglês role (= papel), originário de uma antiga palavra


francesa que penetrou no Francês e Inglês medievais, deriva do latim
rotula. Na Grécia e também na Roma Antiga, as diversas partes da
representação teatral eram escritas em ―rolos‖ e lidas pelos pontos
aos atores que procuravam decorar seus respectivos papéis; esta
fixação da palavra role parece ter-se perdido nos períodos mais
incultos dos séculos iniciais e intermediários da idade média. Só nos
séculos XVI e XVII, com o surgimento do teatro moderno. É que as
partes dos personagens teatrais foram lidas em ―rolos‖ ou fascículos
de papel. Desta maneira, cada parte cênica passou a ser designada
como um papel ou role (MORENO, 1993, p. 27).

Por meio do personagem a representação se manifesta um jogo entre o


universo interno do sujeito e como ele se manifesta com multiplicidade no
campo externo. O personagem, propicia forma, meios, percepções, limitações
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

e aberturas para que as imagens internas geradas pela imaginação se


39
manifestem, ou seja, à partir do momento que esta manifestação não pertence
apenas ao mundo das imagens mentais do sujeito, eleva-se ao grau de uma
representatividade social.
Todo sujeito carrega uma imagem interna do que representa para si, e para o
grupo social onde esta inserido.
A prática do Role Playing gera o exercício de múltiplas facetas do sujeito que o
permite constantemente experimentar-se. Agregando ainda mais peso a
representação, Dinello (2009) trás definições de expressão, como:

Expressão: voz do latim (1360) expressio-exprimere, de: ex e


premere (pressar) que dão lugar nas línguas vivas atuais a expressão
(substantivo de expressar e expressar-se). ‗Tirar para fora‘.
Expressar: é o fato de manifestar emoções, os sentimentos, uma
parecer pelo comportamento exterior.
Expressar-se: é a aptidão para manifestar vivamente o que se pensa
ou o que se sente. Expressar: é fazer sensível ou comunicável por
sinais (da linguagem, do pensamento, do comportamento, do gesto,
na arte, pelos gestos,...) que dão um sentido – próprio ou figurado – a
algo de si mesmo. É crescer desde dentro.
Expressar-se: é manifestar uma sensibilidade, um fazer conhecer; é
por onde passa a afirmação do ser; do contrário, seria utilizar os
sinais e a linguagem para repetir um conteúdo ensinado (colocado
em sinais pelo outro) (DINELLO, 2009, p. 13)

O Role Playing teria esse mecanismo articulado, no qual parte da criatividade


para o processo interno da imaginação e a expressão, depois dela como
representação. Em um comparativo, pode-se compreender que criatividade é o
ato de criar em si, imaginar é criar para dentro, expressar é criar para fora,
representação é o como se dá a manifestação dessa expressão. E essa
expressão vem como um conhecimento representado. Visualizamos melhor o
Role Playing como um resultado final, que o sujeito atravessa rapidamente em
um processo onde identificamos quatro estágios.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

1° Estágio 2° Estágio 3° Estágio 4° Estágio


40
Criatividade Imaginação Expressão Representação
(Role Playing)
Ato de criar Processo de Ato de exposição da (Processo) Forma
criação criação (externalização) manifesta da expressão
(interno)
Quadro 01 – Acervo da pesquisa

Para instigar um pouco mais a curiosidade sobre esse processo, pode-se dizer,
segundo alguns autores que existe um estagio zero que antecederia a
criatividade.
Dinello (2009) descreve que por meio do impulso lúdico a criatividade e a
expressão são impulsionadas a se manifestar. Já Piaget (1967) descreve que
somente um desconforto promove alterações de base biológica nos patrões
mentais antigos na busca da construção de novas estruturas mentais. Não nos
cabe apontar para um ―estagio zero‖ exato, pois cada sujeito desenvolve seus
mecanismos internos e símbolos, que estimulam a produção da criatividade.
É importante também delimitar, que o Role Playing não se enquadra como
teatro do invisível, teatro do oprimido, teatro fórum, ou qualquer nomenclatura
articulada pelos profissionais das artes cênicas. Pois, mesmo na essência
semântica, a palavra "teatro" (theastai) deriva o termo "ver, enxergar", ou seja,
é algo a ser mostrado, para ser visto por alguém, sugere-se nesta situação
sempre a existência de um observador sendo este passivo ou não. Em termos
mais conceituais:

―O Teatro do Invisível é o teatro em que os atores encenam em


um lugar público, diante de espectadores que não são
espectadores e sim pessoas que ali estão por casualidade.
Após um espetáculo de teatro invisível nunca se deve dizer que
se tratava de uma peça, pois práticada diante de pessoas que
não estão advertidas de que se trata de uma peça, a ação
passa a ser realidade. Já no Teatro Fórum é apresentado um
problema, através do espetáculo, e o espectador pode entrar
em cena e mostrar alternativas, substituindo o ator em questão.
É uma espécie de ensaio para a vida real. Portanto, o Teatro
do Oprimido é o teatro dele mesmo. É o teatro em que o
espectador deixa ser mero ouvinte e representa seu próprio
papel, descobrindo formas de libertação de sua individualidade
através do teatro.‖
(Leite, SiteAcademia.edu, p 4.)
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

A representação aplicada no Role Playing se faz pelo e para o próprio


41
participante, não existem espectadores, agindo constantemente no mecanismo
da interação. Sendo que cada sujeito dá sua forma única para cada
personagem, um mesmo personagem pode apresentar várias facetas quando
interpretado por diversos sujeitos. O teatro em si seria a representação para o
externo, enquanto o Role Playing se pauta na representação para o interno,
para o próprio sujeito e seu mundo interior subjetivo.
Toda essa disposição promove uma experiência vivencial rica devido a
simulação, atuação e imersão individual ou coletiva. Mas para compreender um
pouco mais a fundo essa questão, seguiremos por um outro caminho, não da
experiência cênica, mas da experiência histórica que se interage com o
aspecto cultural, que segundo Thompson (1891) propicia:

―com a ‗experiência‘ e ‗cultura‘, estamos num ponto de junção


de outro tipo. Pois as pessoas não experimentam sua própria
experiência apenas como idéias, no âmbito do pensamento e
de seus procedimentos, ou (como supõem certos práticantes
teóricos) como instinto proletário etc. Elas experimentam sua
experiência como sentimento e lidam com esses sentimentos
na cultura, como normas, obrigações familiares e de
parentesco, e reciprocidade, como valores ou (através de
formas mais elaboradas) na arte ou nas convicções religiosas.
Essa metade da cultura (e é uma metade completa) pode ser
descrita como consciência afetiva e moral‖. (Thompson,
1981.p.189)

Nota-se que a experiência nutre a consciência, é colocada em prática


culturalmente nas relações humanas, situa o sujeito em seu contexto, assim
como se torna o combustível de sua movimentação. Entretanto, quando no
Role Playing pode-se exercer varias linhas de pensamento, provar sensações e
emoções, resolver situações inusitadas e fora da rotina, o sujeito torna-se
sujeitos, o coletivo lhe proporciona esse afrontamento e liberdade, de tal forma
que todas as resistências criadas são questionadas, analisadas e se assim
desejar o participante, superadas.
Um dos principais pilares no Role Playing, não está no vencer, mas no
experimentar. A experiência seria a mais-valia do valor do produzido pelo
sujeito. O valor do sujeito se produzir. E, ao continuar o caminho traçado por
Thompson, encontramos:
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

―Os homens e as mulheres retornam como sujeitos, dentro


42
deste termo [experiência] – não como sujeitos autônomos,
‗indivíduos livres‘, mas como pessoas que experimentam suas
situações e relações produtivas determinadas como
necessidades e interesses como antagonismos, e em seguida
‗tratam‘essa experiência em sua consciência e sua cultura (...)
das mais complexas maneiras (sim, ‗relativamente autônomas‘)
e em seguida (muitas vezes mas nem sempre, através das
estruturas de classe resultantes) agem, por sua vez, sobre sua
situação determinada‖ (Thompson, 1981, p.182).

Retomamos a ideia no qual, por meio do Role Playing, se vive uma experiência
selecionada, consciente ou semiconsciente, mas também se questiona a
mesma, e se debate em grupo as percepções de cada sujeito sobre a
experiência individual e coletiva. De tal forma, que não se sabe onde começa o
debate sobre a experiência e quando este chega a um debate sobre cultura.
Para Thompson, ―a experiência é exatamente o que constitui a articulação
entre o cultural e o não cultural, a metade dentro do ser social, a metade dentro
da consciência social‖.
―Talvez pudéssemos chamá-las experiência I – a experiência vivida – e
experiência II – a experiência percebida‖. (Thompson, 1984, p.314). O conceito
de experiência apresentado pelo autor, torna-se complexo e ao mesmo tempo
mais completo, veja que por meio da experiência nasce a cultura e o sujeito
como produto dessa relação entre experiência e cultura, na sociedade. Pode-
se debater agora sobre a experiência vivenciada e como ela é percebida e
interpretada pelos sujeitos históricos.

Neste ponto, de acordo com Thompson, a cultura deve ser aprendida por meio
da experiência para que o sujeito seja consciente de quem é, e onde está. No
aspecto do Role Playing, o participante está conectado a uma estrutura de
conceitos e sensações contextualizadas sobre um personagem.
O personagem permite ao participante sensibilizar-se, e se inserir em mundos
sociais diversos, aproximando-o como uma linguagem sutil de interação
humana, agregando elementos de sua formação como cidadão. Este conjunto
das experiências dos sujeitos proporciona:
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―Os valores não são ‗pensados‘, nem ‗chamados‘; são vividos,


e surgem dentro do mesmo vínculo com a vida material e as 43
relações materiais em que surgem as nossas idéias. São as
normas, as regras, expectativas etc. necessárias e aprendidas
(e ‗aprendidas‘ no sentimento) no ‗habitus‘ de viver; e
aprendidas, em primeiro lugar, no trabalho e na comunidade
imediata. Sem esse aprendizado a vida social não poderia ser
mantida e toda produção cessaria‖. (Thompson, 1981, p.194)

Quando o autor define que os valores devem ser vividos, busca internamente a
idéia de exemplo modelo, diretrizes, a forma em que se vive e se decide viver
como elemento chave a vida social.
Este pensamento vai de encontro a Campbell (1990) e sua vasta obra sobre
mitologia, o qual descreve que o mito situa o sujeito onde está no tempo e no
espaço, e ao mesmo tempo lhe concede a identidade de quem é junto a
sociedade, de maneira a dar instrumentos simbólicos para compreender o
mundo em que vive, assim como dar sentido a suas experiências.
Os elementos cosmológicos, sociológicos, pedagógicos e sagrados, que
constituem o mito para Campbell, tratam a experiência em contrapartida a
Thompson, em uma leitura visual semelhante à figura abaixo:
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

44

Ou seja, a experiência é essencial ao sujeito, mas está longe de ser um


conceito simples ou formado com certezas, ocorrem sugestões sobre como ela
é absorvida e como seus valores são representados. Também pode-se falar a
seleção das experiências que o Role Playing permite livremente, possibilitando
existir experiências dentro de experiências.
Exemplificando, em um cenário de guerra, um participante pode querer ter a
experiência de vivenciar a perspectiva de um autista, um homem pacifista, um
religioso ou simplesmente alguém alheio. Eles não são do universo da guerra,
mas cria-se um sub-universo para vivenciar a experiência que optou.
Estruturando assim seus valores, desejos e necessidades dentro de seu campo
de atuação, que recorda o pensamento de Thompson:

―(...) os valores, tanto quanto as necessidades materiais, serão


sempre terreno de contradição, de luta entre valores e visões-
de-mundo alternativos. Se dizemos que os valores são
aprendidos na experiência vivida e estão sujeitos às suas
determinações, não precisamos, por isso, render-nos a um
relativismo moral ou cultural. Nem precisamos supor alguma
barreira instransponível entre valor e razão. Homens e
mulheres discutem sobre valores, escolhem entre valores, e em
suas escolhas alegam evidências racionais e interrogam seus
próprios valores por meio racionais‖. (Thompson, 1981, p.194)
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Em riqueza de detalhes Thompson descreve que esses valores representados


45
são constantemente questionados e interrogados racionalmente, mas antes
necessitam ser vivenciados, relacionados e compartilhados. Desta forma,
agregando as opiniões do filosofo e historiador, Johan Huizinga (2007), que
defende uma análise mais visceral do processo de representação, em
organizações mais primitivas na formação do sujeito, ao qual elege o jogo
como canal chave, suas observações são validas para haver uma distinção
clara entre o Role Playing e o jogo:

―Em época mais otimista que a atual, nossa espécie recebeu a


designação de Homo sapiens. Com o passar do tempo,
acabamos por compreender que afinal de contas não somos
tão racionais quanto a ingenuidade e o culto da razão do século
XVIII nos fizeram supor, e passou a ser de moda designar
nossa espécie como Homo faber. Embora fabernão seja uma
definição do ser humano tão inadequada como sapiens, ela é,
contudo, ainda menos apropriada do que esta, visto poder
servir para designar grande número de animais. Mas existe
uma terceira função, que se verifica tanto na vida humana
como na animal, e é tão importante como o raciocínio e o
fabrico de objetos: o jogo. Creio que, depois de Homo fabere
talvez ao mesmo nível de Homo sapiens, a expressão Homo
ludensmerece um lugar em nossa nomenclatura.(...) o jogo se
acha ligado a alguma coisa que não seja o próprio jogo, que
nele deve haver alguma espécie de finalidade biológica (...)
Nesta medida, situa-se numa esfera superior aos processos
estritamente biológicos de alimentação, reprodução e
autoconservação.‖

O jogo como necessidade humana, se origina por uma finalidade biológica,


mas sem poder ser explicado por analises biológicas. Tornando o jogo uma
prática intimamente ligada com a função de cultura, assim como a formação e
exercício dela. Fazendo um comparativo entre os elementos sobre jogos de
Huizinga e o Role Playing, podemos compreender que ambos apresentam
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funções da vida, sem uma definição ordenada nos campos da lógica, da


46
biologia ou da estética.
Com muita riqueza de detalhes que Huizinga(2007) consegue em seu olhar
sobre o jogo, exprimir com exatidão uma questão chave do Role Playing,
quando descreve ―permanecer distinto de todas as outras formas de
pensamento das quais exprimimos a estrutura da vida espiritual e social.‖
Pois quando se tenta compará-lo a algo, experimentado anteriormente ou
conceitualmente formado, sem ter tido com ele vivência, se perde a essência
de sua ação. Entrando na esfera do transcendente, onde Huizinga descreve
―Em sua qualidade de atividade sagrada, o jogo naturalmente contribui para a
prosperidade do grupo social.‖ Essa sacralidade da aproximação dos sujeitos
que carrega a prosperidade social e também do próprio sujeito com seu mundo
interno, ocorre com sutileza e naturalidade, quando os mesmos se dispõem a
―encarar um processo espiritual que se inicia com uma experiência inexpressa
dos fenômenos cósmicos e conduz a sua representação
imaginária‖(HUIZINGA, 2007, 13 p.).
Essa relação entre a representação e a sutilização do ser, aparece por sua
experiência transcendente aos dias cotidianos e a realidade concreta, como o
autor analisa no trecho a seguir:

A concepção deste processo espiritual defendida por Frobenius


é mais ou menos a seguinte: a experiência,ainda inexpressa da
natureza e da vida, manifesta-se no homem primitivo sob a
forma de "arrebatamento". "Acapacidade criadora, tanto nos
povos quanto nas crianças ou em qualquer indivíduo criador,
deriva desse estado dearrebatamento. "Os homens são
arrebatados pela revelação do destino". "A realidade do ritmo
natural da gênese eda extinção arrebata sua consciência e este
fato leva-o a representar sua emoção em um ato, inevitável e
como quereflexo". Assim, segundo ele, trata-se aqui de um
processo espiritual de transformação que é
absolutamentenecessário. A emoção, o arrebatamento perante
os fenômenos da vida e da natureza é condensado pela ação
reflexae elevado à expressão poética e à arte. É esta a maneira
mais aproximada para dar conta do processo de imaginação
criadora, mas está longe de poder ser considerada uma
verdadeira explicação. Continua tão obscuro como antes
ocaminho que leva da percepção estética ou mística, ou pelo
menos metalógica, da ordem cósmica até aos rituaissagrados.‖
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Esse arrebatamento ocorre e é sentido com mais intensidade no processo de


47
emersão do sujeito na representação do personagem, a expressão dessa
imaginação criadora, assemelha-se pensamento de Huizinga, o qual descreve
―o jogo serve explicitamente para representar.‖ E representar aproximando o
sujeito de um estado diferenciado de consciência da realidade social e interna,
como mostra esse recorde da obra Homo Ludens:

―A visão de uma figura mascarada, como pura experiência


estética, nos transportapara além da vida quotidiana, para um
mundo onde reina algo diferente da claridade do dia: o mundo
do selvagem, da criança e do poeta, o mundo do jogo.‖

Façamos um contraponto, o Role Playing não pode ser descrito como apenas
uma modalidade de jogo, mas o mundo do jogar pode ser compreendido em
determinada instância como Role Playing, reforçando a certeza que habita
esse mundo da criança-selvagem-poeta-jogadora, pois transporta os
envolvidos para uma realidade paralela próxima, que sempre esteve presente
sem poder ser acessada exclusivamente pelo plano concreto.

1.1 – ROLE PLAYING GAME

A raiz do RPG até onde se pode dizer com mais segurança, de acordo com
ROCHA (2013), provém de 1824 na guerra Franco-prussiana, onde as forças
miliares, tinham reuniões estratégicas ao qual utilizavam uma atividade de
simulação bélica chamada Kriegspiel, inspirado no Xadrez.
Sendo categorizado como jogo de estratégia ou jogo de guerra, esta atividade
contava tanto com planejamento quando probabilidade. O que deu vantagem (e
a vitória) a Prússia, mesmo sendo militarmente inferior a França. Este momento
foi realmente importante, pois adicionou-se aos jogos de estratégia o elemento
acaso, colocando a probabilidade como fator para a vitória.
No inicio do século XX esse tipo de atividade já havia propagado para toda a
Europa, gerando várias vertentes, chegando a popularizar-se comercialmente,
como reprodução de modelos miniaturizados de guerras históricas e ficcionais.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Um bom exemplo disso é o jogo de War. Todavia em 1974 ocorreu a


48
convergência entre esta modalidade de jogo e o Role Playing, realizado por
David Anerson e Gary Gygax, constituindo o jogo DungeonsandDragons
(dragões e calabouços). Com isso, foi possível visualizar que para a formação
do RPG, o jogo de estratégia passou por três etapas históricas, o jogo simples
com igualdade e limitação de possibilidades, ou seja, um tabuleiro de xadrez
fixo, com 32 peças, iniciando sempre com o primeiro movimento das peças
claras, em uma estrutura abstrata tão forte que era avessa a realidade do
mundo, seria a primeira era dos jogos de estratégia pré século XIX.
Logo pós ocorre a adição dos objetos geradores de probabilidades que
influenciam o resultado como a diferença no clima, território, armamentos,
numero de soldados, entre outros, onde se pode categorizar como a segunda
era dos jogos de estratégia.
E por fim, na terceira era surge o Role Playing, que agrega os elementos
anteriores e permite a representação dos mesmos como uma percepção do
jogador. Pode-se notar que nesses estágios que houve uma sutilização das
percepções dos participantes no decorrer do tempo, saindo o abstrato-irreal,
para o concreto, e depois para a abstração hipotética de realidades co-criadas
para serem experiênciadas. Se recordarmos o pensamento de Piaget (1967)
podemos acreditar que a experiência desses jogos foi maturando o
pensamento de seus jogadores-experimentadores no decorrer de seu tempo
histórico.
Nesta disposição, os jogadores de RPG (ou Rpgistas), atuam em média seis
participantes, que sentam-se ao redor de uma mesa, cada um com fichas de
seus personagens sistematizados por um código registrado em um livro de
regras, que descreve as disposições e limitações de sua atuação e que trás
consigo uma temática de jogo ou cenário.
Assim, realizam ambientações com projeções geográficas e historiográficas,
bem como resolução de situações problemas tendo acesso a ações
determinantes e a cálculo de probabilidades por lançamento de dados, que
variam o formato de quatro a cem faces.
Toda a atividade ocorre por meio de um coordenador, denominado narrador,
pois é quem contextualiza os personagens inicialmente agindo como um
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

mediador no decorrer do processo. Este narrador age de maneira equivalente a


49
um educador em sala de aula, fazendo a preparação de aula.
Ao jogar RPG cabe ao narrador fazer uma pesquisa sobre a temática ao qual
irá inserir os jogadores, e consequentemente isso faz os jogadores
pesquisarem para melhorar seus desempenhos no jogo. De acordo com Schmit
(2008) o RPG também pode ser conceituado em sua mecânica e identidade
como:

―São atividades cooperativas nas quais um grupo de jogadores,


geralmente em numero de 4 a 10, cria uma historia de forma
oral, escrita ou animada e não-linear, utilizando-se como plano
de jogo a imaginação, esboços, gestos, falas, textos e imagens.
Cada um dos jogadores, com exceção de um, representa um
personagem da história, com característicaspróprias pré-
definidas. O jogador restante, assume o papel de narrador (ou
mestre do jogo, entre outros nomes ) sendo responsável por
descrever o cenário, além de representar todos os
coadjuvantes, antagonistas e figurantes, denominados non-
player caractersou mais comumente NPC. Não existe
competição diretamente os jogadores (a não ser que faça parte
da trama). É, portanto, um jogo de socialização de pequenos
grupos.‖ SCHIMIT, 2008, p. 23.

Esta atividade descrita por Schmit com as devidas modificações para adequar
as necessidades de uma sala de aula ampla, pode atuar metodologicamente
como uma proposta de interação entre sujeitos e reavaliação da percepção do
aluno sobre o conteúdo trabalhado, independendo da disciplina selecionada,
podendo inclusive desenvolver um cunho multidisciplinar, tendo ciência que
cada processo será único pois cada classe participa e desenvolve a historia a
sua maneira. Sua conexão com a educação existe de sua chegada ao Brasil,
onde os livros eram trazidos como material didático de professores de inglês
Brasileiros em excursão aos E.U.A, mas oficialmente o debate tomou um cunho
mais profundo com a publicação da tese de doutorado de Sônia Rodrigues
(2004) ―o Role Playing game e a pedagogia da imaginação no Brasil‖
O RPG articula uma habilidade plástica de se construir e reconstruir, agregar
elementos de vários jogos e conteúdos, tendo fundamentação na cooperação,
podendo simular competição se assim for proposto. Seu maior elemento de
atuação é a narrativa, que não depende de elementos externos para se
desenvolver como multimídia e material de artes em sala de aula (mas, pode
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

assimilá-los), dependendo exclusividade da postura ativa do narrador


50
(professor).

1.2 – LIVE ACTION ROLE PLAYING

No caso do LARP, segundo a leitura do Núcleo de Pesquisa de Live action


Role Playing em São Paulo, não é compreendido apenas como um jogo, mas
como uma forma de arte participativa (FALCÃO, 2013). Já sua origem é remota
na historia humana aparecendo em diversas práticas e finalidades como rituais,
recreação, passatempos e aprendizagem, mesclando-se com as origens do
teatro.
Diferente do RPG, o LARP necessita de espaços diversos para expressão
corporal, como espaços teatrais, bares, casas, parques, restaurantes, salas
galpões, bibliotecas, entre outros, pois o número de participantes pode variar
entre no mínimo duas até mais de duas mil. Podendo atuar na representação
de contextos históricos ficcionais ou de resgate socio-histórico.
Pode ser compreendida também como uma experiência imersiva, que leva a
uma experimentação de sensações psico-afetivas e sociais, que mudam o
ângulo de percepções sobre determinados contextos e temas, mantendo o
caráter do personagem. Não mantem a linearidade de um roteiro a ser seguido,
parte apenas do conhecimento de alguns dados a serem interpretados e logo
após representados, no qual os participantes improvisam suas ações conforme
vão se relacionando uns com os outros ou também com o ambiente. Ou seja,
segundo EirikFatland apud Falcão ―Um larp é um encontro entre pessoas que,
por meio de seus personagens, relacionam-se umas com as outras em um
mundo ficcional‖.

Desta forma nota-se que não existe uma narrativa no LARP, mas um
desenrolar por meio das relações entre os participantes, em sua linguagem,
aceitando os mais diversos temas que promovem experiências vividas.
Exemplos de temáticas podem ser variadas, com inspiração de filmes, livros,
Histórias em quadrinhos, jogos de videogame e até questões de impacto social
real como câncer, aids, aborto, doença mental, bullying, entre outros. Sendo
uma atividade comum e bem conceituada no norte da Europa, Republica
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Tcheca, Nova Zelândia, Rússia, Taiwan, Portugal, França e Itália, segundo


51
Falcão (2013), complementa ao descrever:

―Existem muitos tipos e estilos de larp, alguns muito simples


(que qualquer pessoa pode fazer em casa com alguns amigos)
e outros mais complexos, chegando ate mesmo à
superproduções. Então a principio qualquer pessoa pode fazer
um LARP. No entanto existe uma grande comunidade
espalhada pelo mundo que cria, compartilha e realiza larps ‖
FALCÃO, 2013. p. 18.

O autor nos dá uma ideia de um movimento mundial, deve-se questionar


porque não ocorre uma divulgação e interação massiva. A resposta vem de
encontro com a postura do Role Playing, a representação importa e é válida
para quem representa, é um processo antes de tudo individual, se fosse outra
situação se condicionaria a um teatro do improviso, deixando de ser tão fluido.
De maneira que a participação nesta atividade diferencia-se dos jogos
convencionais ou esportes coletivos, no qual o foco não está no corpo, mas na
expressão que é transmitida pelo corpo. Falcão (2013) continua a esclarecer o
tema, ao descrever o movimento de atuação no LARP:

―o larp não é interativo como a maioria dos jogos: ele é


participativo. Interatividade implicaria em fazer escolhas em
sistemas que preveem quais respostas dar as escolhas.
Participativo não. Não há um sistema definido para lidar com as
escolhas, como num jogo de computador, por exemplo. As
reações do sistema são completamenteorgânicas, afinal, você
esta lidando com outras pessoas‖ FALCAO, 2013. P. 20.

Justamente por manter esta estrutura orgânica, o jogo se mantem natural a tal
ponto que não é necessário saber jogar, ele se desenvolve junto com o sujeito,
em uma pré disposição da própria constituição do individuo humano.
O Role Playing promove um estado de bem estar social, psicológico e
emocional, além de estímulos para imaginação e raciocínio.
Reforça-se esta argumentação, segundo o Multieducação apud Freitas (2006)

"Jogo, sonho, fantasia sempre estiveramassociados a coisas


pouco sérias ou sem importância.Nossa sociedade insiste na
divisão em dois mundosopostos onde, de um lado, estariam a
brincadeira, ossonhos, a imaginação e, de outro, o mundo sério
darazão, do trabalho.(...) Esta ideia justifica o descaso,tão
frequente na cultura adulta, pelo ato de brincar, nãolevando em
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

conta que adulto também brinca. (...)Podemos afirmar que,


independente das diferençasindividuais, todo adulto precisa de 52
brincadeira e dealguma forma de jogo para viver. (...) Por outro
lado, ojogo e a brincadeira não devem ser entendidos
apenascomo situações em que se envolvam as
criançasmenores. Qualquer aula se torna mais
interessante,quando se conhece através do jogo, quando se
reúnemjogo e trabalho." (Multieducação, cap. 6)

Neste campo de idas e vindas entre o trabalho e a brincadeira, se encontra o


Edularp ou LARP para fim educacional. Que segundo, Falcão (2013) ―Além de
ser um método mais rápido e menos trabalhoso é mais fácil de ser aprovado
pela Administração das escolas‖. Também existe um formato de LARP, curto,
rápido e simples, em uma formula instantânea que cabe em uma hora aula,
chamado Role Playing Poem ou poema de representação, originados na
Escandinávia (FALCÃO, 2013) normalmente escrito em uma página, que atua
desde a comédia até autoconhecimento, promovendo um leque de
possibilidades no campo educacional para temas transversais e debates
polêmicos.

Conclusão

Após esse processo de relação de conceitos e teorias, não se pode dizer que
existe uma noção clara e definitiva sobre o que é o role playing devido ao seu
grau elevado de abstração, porém se pode suscitar sugestões que vão de
encontro a experiência e ao campo teórico, por meio de uma alegoria. É
possível considerar o role playing como uma agulha que costura o tecido da
história dos sujeitos, sendo as linhas constituídas de experiências de valores,
sensações, ideias e desejos necessidades de produção-expressão do
individuo, o tecido a realidade habitada e o sujeito a mão que executa a tarefa.

Acentuando que para se costurar, existe a necessidade de um par de mãos,


pois o role playing não se faz sozinho, mas pela presença do conjunto, pelo
encontro, pelas relações pisco-afetivas e sociais, conscientes e inconscientes,
traçadas no tempo por sujeitos e espaços. Podendo ser encarada como uma
linguagem sociocultural que representa as necessidades humanas internas e
latentes em sua experiência.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

REFRENCIA BIBLIOGRAFIA
53

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CEIA,C. IMAGINAÇÃO. Disponível em:<


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2> acesso em 10 de nov de 2013

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2009. 204 p.

______. Expressão ludocriativa. Uberaba: Uniube, 2009. 182 p.

FALÇÃO, Luiz. LIVE! Live Action Role playing um guia prático para LARP. São
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de João Paulo Monteiro. São Paulo: Perspectiva, 2007.

RODRIGUES, Sônia. Role playing game e a pedagogia da imaginação no


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MORENO, J. L. Psicodrama. São Paulo: Cultrix, 1993.

ROCHA, R.F. NARRATIVA DA IMAGINAÇÃO: a proposta de uma metodologia


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SCHMIT, Wagner Luiz. RPG e Educação: alguns apontamentos teóricos.


Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual e Londrina, Londrina, 2008.

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sobre a inserção dos jogos de RPG dentro do currículo escolar. Dissertação
(Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2006.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

POR UMA TEORIA LACANIANA DO ROLE PLAYING GAME


54

Rafael Duarte Oliveira Venancio


Doutor em Meios e Processos Audiovisuais pela Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP)
rdovenancio@gmail.com

Resumo

O presente artigo deseja observar como a Psicanálise, notadamente a


vertente de Jacques Lacan, consegue engendrar um arcabouço teórico para a
análise do role playing game (RPG), focado no Modelo Triplo [Threefold Model]
baseado nos componentes do jogo, drama e simulação. Utilizando-se a
interface entre Lacan e a Teoria dos Jogos, o objetivo aqui é produzir um
conjunto de postulados que ajude em futuras concepções metodológicas e
analíticas de trabalhos na área.
Palavras-chave: Jacques Lacan, RPG, Teoria dos Jogos, Psicanálise,
Identificação

Abstract

This article wants to observe how psychoanalysis, notably Jacques


Lacan‘s view, can engender a theoretical framework for analyzing role playing
game (RPG), focus on the Threefold Model, based on game, drama and
simulation. Using the interface between Lacan and Game Theory, the main
objective here is to produce a set of postulates that helps in methodological and
analytical future conceptions used in papers.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Keywords: Jacques Lacan, RPG, Game Theory, Psychoanalysis,


55
Identification

O lançar de alguns dados identifica se um orc cairá em um calabouço ou


irá para a sala do tesouro. Algumas anotações em papel possuem um mapa
intricado de calabouços e dragões. Apenas o consenso indica a proteção e a
capacidade de ataque de um guerreiro.
O parágrafo acima não descreve uma história maravilhosa de George R.
R. Martin ou o incrível lirismo de Jorge Luis Borges. Acima, temos apenas uma
ordinária sessão de RPG (role playing game) que pode estar sendo realizada
logo no momento em que eu escrevo essas palavras ou que o leitor realiza a
leitura desse trabalho.

O RPG é um jogo de interpretação grupal desenvolvendo-se no


plano da imaginação. É uma atividade oral que requer leituras
diversas para fomentar a imaginação dos jogadores. Surgiu na
década de [19]70 nos EUA e no Brasil por volta da década de
[19]90. Um grupo de jovens se reúne para se divertirem sem os
aparatos da atual tecnologia, como instrumentos têm livros,
blocos de anotações, lápis, canetas e sobretudo imaginação.
De uma sessão ou encontro de RPG participam o mestre
(também chamado narrador, [GM]) e os jogadores. Aquele,
mais experiente, tem a função de apresentar ao grupo uma
história, uma aventura contendo enigmas, situações e conflitos
que exigirão escolhas por partes dos jogadores. Os jogadores,
geralmente em número de 4 ou 5, não são meros
espectadores, mas participantes ativos, que como atores
representam um papel e, como roteiristas, escolhem caminhos
e tomam decisões nem sempre previstas pelo Mestre,
contribuindo na recriação da aventura. Segundo Marcatto, o
RPG ―é um exercício de diálogo, de decisão em grupo, de
consenso‖, pois só através da interação de todos os jogadores
é possível a construção da narrativa ficcional (BRAGA, 2000,
p.1-2).

Com isso, o RPG se consolida enquanto prática lúdica baseada na


identificação. Tendo isso posto, o presente trabalho deseja especular acerca da
possibilidade do desenvolvimento de uma reflexão teórica da prática do jogo
baseada em Jacques Lacan e seu arcabouço psicanalítico.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Primeiramente, iremos analisar a relação de Lacan com a ideia de jogo,


56
muito influenciada pela Teoria dos Jogos e pelo matemático Georges-Théodule
Guilbaud. Depois isso, iremos proceder a interpretação lacaniana das práticas
básicas do RPG, buscando um conjunto de postulados que ajude em futuras
concepções metodológicas e analíticas de trabalhos na área.

Lacan e o jogo

Antes de entrarmos em Jacques Lacan, é necessário falarmos do


arcabouço da Teoria dos Jogos. Arcabouço esse que fica concentrado na obra
fundadora do campo – Theory of Games and Economic Behavior (1944), de
Von Neumann e Morgenstern – e no principal popularizador fora do campo da
Economia e da Matemática, Anatol Rapoport e os seus livros Fights, Games
and Debates (1960) e Two-Person Game Theory (1966).
No entanto, essa leitura fica em um nível muito mais normativo acerca
do que é um jogo. Para entender a reflexão aqui proposta precisamos sair do
campo norte-americano de estudos da Teoria dos Jogos para observar como
tal vertente foi introduzida na França. Estamos falando de Jean-Pierre Séris e,
principalmente, Georges-Théodule Guilbaud, matemático francês de grande
influência no pensamento de Jacques Lacan.
Considerado o pai da Cibernética de linha francesa, Guilbaud é uma
figura-chave no pensamento lacaniano, especialmente nas considerações pré-
Seminário 11 que continuariam influenciar mesmo após sua radicalização em
seu retorno a Freud. No entanto, é sabido que não foi Guilbaud que apresentou
a Teoria dos Jogos para Lacan.
Lydia Liu (2011, p. 166) indica que, já nos anos 1940, Lacan demonstrou
interesse na Teoria dos Jogos. Um de seus escritos, O tempo lógico e a
asserção de certeza antecipada: um novo sofisma, de 1945 parece ter recebido
o impacto do fundante Theory of Games and Economic Behavior, lançado um
ano antes.
Nele, Lacan reflete sobre a questão de um jogo de n-pessoas [n-person
game], inicialmente apresentado com 3 jogadores, muito parecido com a
famosa reflexão do Dilema do Prisioneiro, antecipando o famoso problema da
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Teoria dos Jogos descrito por Merril Flood e Melvin Dresher em 1950 e
57
consolidado por Albert W. Tucker.
Esse texto seria a base para o Seminário sobre A Carta Roubada (1956)
onde a própria influência de Guilbaud se demarcaria melhor graças à constante
citação lacaniana a certos interlocutores cibernéticos, no caso Guilbaud e
Jacques Riguet, outro matemático amigo de Lacan.
A influência de Guilbaud não se resume apenas a Lacan, mas também
a, práticamente, todo núcleo duro da vertente mais diletante da Filosofia
Continental de linha francesa, que ficaria conhecida como Estruturalismo.

Desde 1950, Lacan se referira em seu ensino ao saber


matemático. Sob esse aspecto, seu encontro com o
matemático católico Georges Th. Guilbaud é essencial para
compreender a utilização que ele fez progressivamente das
figuras de topologia. Esses dois homens, que tinham uma
semelhança física evidente, mantiveram durante trinta anos
uma grande amizade. Em 1951, Lacan, Benveniste, Guilbaud e
Lévi-Strauss começaram a se reunir para trabalhar sobre as
estruturas e estabelecer pontes entre as ciências humanas e
as matemáticas. Cada um utilizava a seu modo o ensinamento
do outro sobre o modo de uma figura topológica. A partir desse
trabalho coletivo, Lacan entregou-se cotidianamente a
exercícios matemáticos. Às vezes, em viagem, quando
encontrava um obstáculo, telefonava a Guilbaud para resolver
com ele o problema. Este último jamais foi ao seminário e sua
relação com Lacan permaneceu da ordem do jardim secreto.
Na intimidade, os dois entregavam-se juntos à mesma paixão,
brincando sem parar de atar pontas de barbante, de encher
bóias de criança, de trançar, de recortar... Esse domínio já
retinha portanto a atenção de Lacan, que ensinava a seu
auditório a arte de transcrever sua doutrina em figuras
topológicas (ROUDINESCO, 2008, p. 489-90).

Além da utilização de figuras como a banda de Moebius, o estudo


matemático levou Lacan a estudar o Tractatus em seu Seminário 17. Era um
movimento do ―passar do dizer ao mostrar, ou seja, incitar cada sujeito do
auditório – até mesmo o próprio Lacan – a fazer exercícios que não
dependessem mais do discurso, mas da ‗mostração‘‖ (ROUDINESCO, 2008, p.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

490). Eis a reformulação matemática da psicanálise onde o conceito de


58
matema e os quadrípodes serão essenciais.
A inserção da Matemática no núcleo duro do Estruturalismo através da
figura de Guilbaud não se estendeu apenas a Lacan. É digno de nota o estudo
de Benveniste acerca dos jogos, onde ―Jogo como Estrutura‖ (1947) se
destaca. É bom esclarecer que o jogo analisado por Benveniste não é aquele
da Teoria dos Jogos, mas sim aquele estudado por Johan Huizinga e Roger
Caillois, com mais divulgação dentro do pensamento europeu do que as ideias
de Von Neumann e seguidores.
Explicaremos a diferença entre as duas correntes em um momento mais
adiante do nosso texto. No entanto, é interessante já o leitor ter em mente essa
diferenciação que, no limite, se calca na distinção, em inglês, entre play e game
quando em francês só é representado pela palavra jeu.
Mas, voltando à relação entre Lacan e a Teoria dos Jogos, o
relacionamento do psicanalista francês com Guilbaud nesse campo foi de uma
admiração mútua. Quatro anos depois que Lacan escreveu O tempo lógico e a
asserção de certeza antecipada: um novo sofisma, Guilbaud resenhou o livro
de Von Neumann e Morgenstern para a Economie Appliquée.
Assim, nenhum dos dois pensadores induziu o outro a ter interesse na
Teoria dos Jogos, mas sabemos que, após esses dois primeiros textos, ambos
se identificaram com o texto do outro. Tanto é assim que uma das principais
fontes de pensamento para Lacan escrever Seminário sobre A Carta Roubada
fora a resenha de Guilbaud (LIU, 2011, p. 172).
Lacan e Guilbaud, em seus textos, se debruçam acerca do jogo de Par
ou Ímpar apresentado por Edgar Allan Poe em A Carta Roubada. Escrita em
1844, o texto é um dos três contos do detetive C. Auguste Dupin que o autor
norte-americano escreveu. Na história, Dupin é chamado pelo Chefe da Polícia
parisiense para resolver um caso de chantagem envolvendo uma carta
roubada, missão que o detetive realiza com facilidade, contrastando com o
amplo esforço policial em vão.
Após entregar a carta para o Chefe, Dupin explica para o narrador da
história (sem nome e em 1ª pessoa) como conseguiu obtê-la. Ele afirmou que,
apesar de esforçados, os policiais subestimavam o ladrão da carta – o ministro
D– – por ser um poeta. Para exemplificar o perigo de tal atitude, Dupin conta a
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

história de um garoto de 8 anos que era imbatível ao disputar um jogo de Par


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ou Ímpar que é uma variação possível do jogo conhecido como Morra (Poe não
utiliza essa terminologia) ou mesmo do Matching Pennies analisado por Von
Neumann e Morgenstern (1953). Conta-nos Poe (1903, p. 19-21), começando
com uma fala de Dupin:

―um estudante raciocina melhor do que ele [Chefe de Polícia].


Eu conheci um que tinha uns oito anos de idade, cujo sucesso
em adivinhar no jogo de ―par ou ímpar‖ atraiu admiração
universal. Esse jogo [game] é simples e é jogado com bolas de
gude. Um jogador segura na sua mão um determinado número
desses brinquedos e pergunta ao outro se o número é par ou
ímpar. Se a adivinhação é correta, o adivinhador ganha uma
bola; se é errada, ele perde uma. O garoto o qual faço menção
ganhou todas as bolas de gude da escola. Claro que ele tinha
alguns princípios de adivinhação e estes residiam na mera
observação e medição da astúcia de seus oponentes. Por
exemplo, um total ignorante [arrant simpleton] é o seu
oponente, e, levantando sua mão fechada, ele pergunta: 'par
ou ímpar?' Nosso estudante responde, 'ímpar,' e perde; mas na
segunda tentativa ele vence, já que ele diz para si mesmo, 'o
ignorante colocou par na primeira tentativa e sua quantidade de
esperteza é suficiente para fazê-lo mudar para ímpar na
segunda tentativa, assim eu vou dizer ímpar'—e ele diz ímpar e
vence. Agora, com um ignorante um grau acima do primeiro,
ele teria raciocinado assim: 'Esse camarada viu que na primeira
instância eu disse ímpar e, na segunda tentativa, ele vai se
propor, em um primeiro impulso, um variação simples de par
para ímpar, tal como fez o primeiro ignorante; mas, um
segundo pensamento irá sugerir que uma variação é simples
demais e que, assim, ele irá colocar par tal como antes. Assim,
eu devo dizer par'— ele diz par e vence. Agora esse modo de
raciocinar no estudantes, identificado enquanto ‗sortudo‘ pelos
seus colegas — o que é, em uma última análise?"

"É meramente", eu disse, "uma identificação do intelecto do


raciocinador com aquele do seu oponente".

"É isso", disse Dupin, "e, ao questionar o garoto por quais


meios ele efetuou a identificação cuidadosa na qual seu
sucesso se baseia, eu recebi esta resposta: 'Quando eu quero
descobrir o quão sábio ou quão estúpido, ou quão bom ou
quão sagaz é alguém ou quais são seus pensamentos no
momento, eu monto a expressão da minha face, o mais preciso
possível, de acordo com a expressão da face dele e, então,
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

espero para ver quais pensamentos ou sentimentos surgem na


minha mente ou coração, tal como se fossem igualar ou 60
corresponder com a expressão'‖.

Para Lacan (2008, p. 60), nesse momento do conto de Poe está uma
exemplificação possível do mecanismo de identificação conhecido, na letra
lacaniana, como esquema L que reproduzimos abaixo:

(Es) S ● ● a’ outro

¹ ¹ relação imaginária
² inconsciente
²
(eu) a ● ● A Outro

Resumidamente, podemos explicar o esquema acima com a seguinte


citação de Lacan (2008, p. 59): o sujeito, ―em sua forma completa, se reproduz
cada vez que o sujeito se dirige ao Outro como absoluto, isto é como o Outro
que pode anulá-lo ele próprio, da mesma maneira pela qual pode agir com ele,
isto é fazendo-se objeto para enganá-lo‖.
Detalhadamente, podemos dizer que S é ―o sujeito, o sujeito analítico, ou
seja, não é o sujeito em sua totalidade (...). É o sujeito, não em sua totalidade,
porém em sua abertura. Como de costume, ele não sabe o que diz. Se ele
soubesse o que diz não estaria aí. Ele estaria ali, embaixo, à direita [A (Outro)]‖
(LACAN, 1987, p. 307).
Só que S não se vê em S. ―Ele se vê em a, e é por isto que ele tem um
eu. Pode acreditar que este eu (...). O que a análise nos ensina, por outro lado,
é que o eu é uma forma absolutamente fundamental para a constituição dos
objetos‖ (LACAN, 1987, p. 307). Só que a questão dos objetos não finaliza
nesse ponto.
Jacques Lacan (1987, p. 309) afirma que, ―em particular, é sob a forma
do outro especular [A] que ele vê aquele que, por razões que são estruturais,
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

chamamos de seu semelhante. Esta forma do outro tem a mais estreita relação
61
com o seu eu, ela lhe pode ser superposta, e nós a escrevemos a’ ‖.
Marcamos assim, o plano do espelho (S e a’), o mundo simétrico do ego-
ais (egos iguais, S e a) e dos outros homogêneos (A e a’). No entanto, há o que
Lacan chama de ―muro da linguagem‖. Ora. ―é a partir da ordem definida pelo
muro da linguagem que o imaginário toma sua falsa realidade, que é, contudo,
uma realidade verificada. O eu, tal como entendemos, o outro, o semelhante,
estes imaginários todos, são objetos‖ (LACAN, 1987, p. 307).
―Quando o sujeito fala com seus semelhantes, fala na linguagem
comum, que considera os eus imaginários como coisas não unicamente ex-
sistentes, porém reais‖ (LACAN, 1987, p. 308). Ora, a consequência disso,
para Jacques Lacan (1987, p. 308), é que ―nós nos endereçamos de fato aos
A1, A2, que é aquilo que não conhecemos, verdadeiros Outros, verdadeiros
sujeitos. Eles estão do outro lado do muro da linguagem, lá onde, em princípio,
jamais os alcanço‖.
Isso posto, Lacan utiliza o exemplo do jogo do menino de 8 anos (e sua
analogia com os jogos Dupin-Chefe de Polícia e Dupin-Ministro D–) como
exemplo máximo da impossibilidade de se criar uma máquina-de-pensar
graças à ausência nela de um inconsciente. Ou seja, por mais tecnológica que
seja, tal máquina jamais conseguiria completar o mecanismo de identificação
que proporciona ao menino de 8 anos e a Dupin a ―vitória‖ em seus respectivos
jogos de Par ou Ímpar.
A raiz matemática da conclusão de Lacan está na resenha de Guilbaud.
Com mais de 40 páginas, Guilbaud alterna comentários acerca de Theory of
Games and Economic Behavior com considerações próprias. Uma dessas é a
análise do jogo de Par ou Ímpar descrito por Poe que não é encontrado no livro
fundante da Teoria dos Jogos.
Bem no final da resenha, Guilbaud analisa tal jogo em analogia a outro
jogo literário analisado por Von Neumann e Morgenstern: a fuga de Sherlock
Holmes para Dover no conto ―O Problema Final‖ (1893), de Arthur Conan
Doyle. O matemático francês faz isso para analisar aquilo que ele chama de
―teoria do ardil‖ (GUILBAUD, 2000, p. 37).
O ardil [ruse] – equivalente ao blefe em Theory of Games and Economic
Behavior – nos mostra que, em muitos jogos, a ignorância das possibilidades
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

(ou dos movimentos do oponente) pode dar mais vantagem diante de um


62
raciocínio mais elaborado, mais matemático.
Guilbaud (2000, p. 38) mostra que o jogo do Par ou Ímpar é muito mais
simples de ser analisado do que o jogo de ―O Problema Final‖. Enquanto Von
Neumann e Morgenstern (1953, p. 178) mostram que a solução ideal seria, em
60% dos casos: Moriarty ir para Dover (bloqueando sua derrota fatal caso
parasse em Canterbury e, ao mesmo tempo, Holmes chegasse em Dover onde
poderia pegar um barco para sair da Inglaterra) e Holmes parar em Canterbury
onde possui melhores de chances de vencer (aqui no sentido de sobreviver); o
jogo de Par ou Ímpar de Poe, quando jogado com dois players de intelecto
equivalente, não possui estratégia vencedora no âmbito matemático, sendo
mais interessante a própria randomização de jogadas pautado por algum
dispositivo (tal como um lançar de moedas buscando um cara-ou-coroa).

Ninguém precisa entender todos os detalhes técnicos da Teoria


dos Jogos para ver como o tratamento do jogo de Par ou Ímpar
em ―A Carta Roubada‖ privilegia o ―jogar‖ e as ―escolhas‖ do
que o ―jogo‖ e as ―jogadas‖ quando ele permite tanto o garoto
esperto como Dupin ganhar todas as bolas de gude e a
questão da carta. A preferência pela ordem imaginária
(identificando com o seu oponente) impede um engajamento
com os processos estocásticos. Isso pode ter sido a razão pela
qual a história de Poe foi excluída dos exemplos literários
usados por Von Neumann and Morgenstern para ilustrar a
Teoria dos Jogos (LIU, 2011, p. 176)

No entanto, apesar de tanto Lacan como Guilbaud se preocuparem com


os elementos da Ordem Simbólica (os processos estocásticos, o desenho do
Esquema L), o legado deles parece ficar mais nos efeitos proporcionados por
esses elementos no Imaginário (a identificação, o amplo âmbito entre
inconsciente e linguagem). Assim, não só ganha força o lado criticado de Poe,
mas também a tradição europeia de leitura dos jogos instaurada por Huizinga e
Caillois.
A tradição europeia indistingue os jogos. Em francês, por exemplo, isso
é bem representado pelas variações da palavra jeu que abarca tanto
brincadeiras como jogos de estratégia. Assim, o jogo é visto bem à maneira do
Homo Ludens de Huizinga (2010, p. 34), ou seja, como ―um dos elementos
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

espirituais básicos da vida‖. Além disso, Huizinga (2010, p. 221) faz a afimação
63
capital que ―no verdadeiro jogo é preciso que o homem jogue como uma
criança. Poderá isto ser afirmado de um jogo tão complexo como o bridge?
Caso contrário, esse jogo perdeu suas qualidades essenciais‖.
Assim, a ludicidade – totalizante e naïve – apresentada pelos jogos
seriam, nada mais nada menos, que índices do método de organização da
realidade social. Tal como Caillois escreve, o jogo – tanto para Huizinga como
para Piaget e Chateau – é crucial para a civilização.

As disposições psicológicas que ele [o jogo] traduz e fomenta


podem efetivamente constituir importantes fatores
civilizacionais. Globalmente, estes diferentes sentidos implicam
noções de totalidade, regra e liberdade (...). O jogo significa
que dois pólos subsistem e que há uma relação que se
mantém entre um e o outro. Propõe e difunde estruturas
abstratas, imagens de locais fechados e reservados, onde
podem ser levados a cabo concorrências ideais. Essas
estruturas, essas concorrências são, igualmente, modelos para
as instituições e para os comportamentos individuais. Não são
segura e diretamente aplicáveis a um real sempre
problemático, equívoco, emaranhado e variado onde os
interesses e as paixões não se deixam facilmente dominar mas
onde a violência e traição são moeda corrente. Contudo, os
modelos sugeridos pelos jogos constituem também
antecipações do universo regrado que deverá substituir a
anarquia natural. Esta é, reduzida ao seu essencial, a
argumentação de um Huizinga quando faz derivar do espírito
do jogo a maioria das instituições que comandam as
sociedades e das disciplinas que contribuem para sua glória
(CAILLOIS, 1990, p. 12-3).

É nesse espírito que faz, por exemplo, um Benveniste falar do jogo


enquanto estrutura. Até mesmo quando vinculamos Lévi-Strauss (outro
membro nas reuniões dos estruturalistas com Guilbaud) e Saussure à noção de
jogo, é dessa noção de que o jogo é fundante para a realidade social que
estamos falando. Aliás, é isso que Derrida faz em sua crítica ao Estruturalismo
em ―Estrutura, Signo e Jogo‖:

[O jogo é] um campo de substituições infinitas só porque é


finito, ou seja, porque ao invés de ser um campo inesgotável,
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

tal como na hipótese clássica, ao invés de ser tão largo, há


algo faltando nele: um centro que aprisiona e acalma o jogo 64
das substituições. Poderíamos dizer – rigorosamente usando a
palavra cuja significação escandalosa é sempre obliterada em
francês – que esse movimento de jogo, permitido pela falta ou
ausência de centro, é o movimento de suplementaridade
(DERRIDA, 1978, p. 289)

O livre jogo da suplementaridade é análoga à direção conclusiva


derridariana da beleza livre do Sens-Sans. Só que, se o Sens-Sans acaba
valendo mais para análises extralinguísticas, essa visão coincidente entre um
macroconceito de jogo e o modo de ordenação simbólica acaba por ressaltar
mecanismos análogos ao Imaginário de Lacan. Logo, todo o pensamento
francês acaba nesse registro de visão acerca do jogo incluindo no mesmo
espírito teórico os chamados estruturalistas e pós-estruturalistas.
Assim, toda a matemática utilizada por Guilbaud, enquanto
representante e introdutor da Teoria dos Jogos no cenário francês, tem espaço
bem definido. E ele é descrito por Caillois ao comentar em Os jogos e os
homens acerca da relação entre a noção de jogo instaurada por Huizinga no
pensamento da Filosofia Continental e o conceito de mesmo nome utilizado por
Von Neumann e Morgenstern em um movimento que ele chama de ―das
pedagogias às matemáticas‖.
O que há aqui é uma crítica àquilo que Caillois chama de Teorias
Matemáticas do Jogo que, segundo ele, acabam por automatizar o jogo e tirar,
por exemplo, a impulsividade, o desejo e o imponderável. Elementos esses que
são cruciais para um jogo à moda continental.

É precisamente aí que reside e persiste o irredutível elemento


de jogo que as matemáticas não alcançam, uma vez que nunca
foram senão álgebra aplicada ao jogo. Supondo, o que não é
muito impossível, que elas se tornem álgebra do jogo, o jogo
fica imediatamente destruído. Não se joga quando se tem a
certeza de ganhar. O prazer do jogo e o risco de perder são
inseparáveis. Sempre que a reflexão combinatória (aquilo em
que consiste a ciência dos jogos) formula a teoria para uma
situação, o interesse de jogar desaparece juntamente com a
incerteza dos resultados. O efeito de todas as variantes torna-
se conhecido (CAILLOIS, 1990, p. 199-200).
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Assim, essas matemáticas – tal como Caillois vê a Teoria dos Jogos –


65
são apenas uma forma de análise acessória, consequência do jogo e não
decodificadora dele. Tal ideia de uma essência ontológica do jogo, que é
irredutível à lógica matemática, se torna a característica de toda Filosofia
Continental, ou seja, toda a cena francesa de análise filosófica do jogo.

Lacan e o Modelo Triplo do RPG: Ontologias e Identificação no


Jogo, Drama e Simulação
Ora, se há em Lacan, tal como em Caillois e a tradição francesa dos
estudos do jogo, uma essência ontológica do jogo, o nosso estudo psicanalítico
acerca do RPG necessita de tais estruturas para se movimentar.
Com isso, o chamado Modelo Triplo do RPG [Threefold Model] é o lugar
teórico para tal empreitada psicanalítica. Sua origem remota no fórum da
Usenet rec.games.frp.advocacy em 1997, tendo o nome e principais conceitos
cunhados inicialmente por Mary Kuhner.
Kuhner, basicamente, agregou uma série de discussões que buscavam
debater a classificação de gêneros do RPG. Afinal, não poderia apenas
classificar todos os tipos de jogos em uma única classificação: RPGs. Com
isso, foi criado um tripé de enfoque dos jogos, considerando sua comunidade
de gerentes e jogadores. Assim, haveriam jogos pelos jogos (compostos pelos
gamistas), jogos pela simulação (compostos pelos simulacionistas) e jogos pelo
drama (compostos pelos dramatistas).
Tendo o tripé posto por Jogo-Drama-Simulação, o Modelo Triplo ficou
conhecido enquanto Modelo GDS de construção de RPG, focando na sigla dos
termos em inglês: Game-Drama-Simulation. A definição da distinção do tripé é
bastante clara:

 "dramatista": é o estilo que avalia o quão bem o jogo cria, em


sua ação dentro do jogo, uma linha narrativa [storyline]
satisfatória. Diversos tipos de história podem ser vistas
enquanto satisfatórias, dependendo em gostos pessoais,
variando desde a ação pulp até um drama crível de
personagem. É o resultado final da história que é o importante.
 "gamista": é o estilo que avalia quais valores são postos para
construir um desafio justo para os jogadores (em oposição aos
PCs). Os desafios podem ser combate tático, mistérios
intelectuais, políticas ou qualquer outro. Os jogadores deverão
desenvolver os problemas que são apresentados a eles e, em
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

retorno, o GM fará esses desafios serem resolvíveis se eles


agirem inteligentemente dentro do contrato. 66
 "simulationista": é o estilo que avalia os eventos de jogo a
serem resolvidos baseando-se apenas nas considerações
internas ao mundo do jogo, sem permitir que qualquer
consideração vinda do metajogo afete a consideração. Assim,
um GM totalmente simulacionista não irá modificar resultados
para salvar os PCs ou para salvar o enredo, ou mesmo mudar
fatos desconhecidos aos jogadores. Um GM assim pode usar
considerações do metajogo para decidir assuntos do metajogo,
tal como quem está jogando com qual personagem, se deve
uma conversa ser exibida na íntegra, entre outras, mas ele irá
resolver os eventos do jogo baseado naquilo que ―realmente‖
acontece (KIM, 1998, §3).

Pensando nesses três modelos e na forma que Lacan utiliza seu


esquema L para descrever discursos, podemos elencar três interpretações do
esquema lacaniano para cada um dos gêneros do Modelo Triplo. Esses
esquemas são as bases metodológicas para a avaliação de qualquer RPG de
acordo com um pensamento psicanalítico de vertente lacaniana.
Tal como pode ser constatado, no modelo ―dramista‖, o enfoque é na
própria relação imaginária que o sujeito do jogo (o jogador) possui com os
elementos da história. Afinal, o drama em si é a base de tal relação. Com isso,
a questão aqui é entender o próprio fluxo inconsciente e de identificação no ato
de jogar RPG.
Assim, as relações 1 (relação imaginária entre a‘ e o eu) e 2 (fluxo
inconsciente entre A e o sujeito), representadas em linhas transversais, se
amalgamam em uma corrente só, tal como uma Banda de Moebius, figura cara
à teoria lacaniana. A investigação aqui é no relacional da identificação e não
em seus pólos.
Já no modelo ―gamista‘, o enfoque é nos parâmetros, nos lugares do
jogo. Ou seja: qual é o lugar do Sujeito posto, qual é o lugar do Eu no jogo,
quais são os Outros e seus objetos. Aqui há uma investigação tal como Lacan
fez no exemplo de Edgar Allan Poe e, talvez seja, a forma mais tradicional de
Teoria dos Jogos de cunho psicanalítica.
É um enfoque clássico na Teoria da Identificação aplicada ao jogo. Aqui,
onde a paixão pelo jogo está no jogo, reside basicamente a essência da
virtualização posta pelo inconsciente. Afinal, se nossa realidade, tal como o
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

inconsciente, é estruturada tal como linguagem, a realidade do jogo não seria


67
igual, sendo ele no limite, uma estrutura lógica.
Por fim, há os ―simulacionistas‖. Nessa vertente de RPG, há claramente
uma paixão pela diegese, pelo mundo narrativo. Assim, a paixão é pela
arquitetônica da identificação. Ou seja, não é pelos mecanismos de fluxos ou
lugares, mas sim pelo ―riscado‖ construído por esses elementos, o próprio
esquema em si.
Assim, o estudo aqui é pela quadratura feita pelas linhas horizontais
entre Sujeito e a‘ e o Eu e o Outro, bem como a ausência posta pela
verticalidade entre S e Eu e entre os Outros. É um estudo sob o risco do Real
posto pelo jogo.

Considerações Finais
O três esquemas aqui formulados compõem um postulado importante
para futuras pesquisas de cunho psicanalítico acerca do RPG. Todas elas
acabam por considerar a dimensão posta por Lacan da identificação, base do
mecanismo de construção da fantasia da realidade.
Eis aqui um conceito que é fruto da processo de virada linguística da
Filosofia do qual a Psicanálise faz parte. A partir daí, há a concepção de que a
linguagem não é mais ação do pensamento, mas, ao contrário, é fator de
fundação no pensamento daquilo a que chamamos realidade. A realidade,
portanto, define-se como realidade discursiva, necessariamente discursiva. Tal
movimento pode ser melhor entendido no sistema RSI, desenvolvido por
Jacques Lacan.
Ora, sabemos que n‘A Interpretação dos Sonhos, Sigmund Freud afirma
―que aquilo que o debate psicológico (…) nos leva a presumir não é a
existência de dois sistemas próximos da extremidade motora do aparelho
[cerebral], mas a existência de dois tipos de processos de excitação ou modos
de sua descarga‖ (FREUD, 1998a, p. 216). Nisso consiste o jogo entre
consciente e inconsciente, onde ―o inconsciente é a base geral da vida
psíquica‖ (FREUD, 1998a, p. 216). Freud prossegue: ―O inconsciente é a
esfera mais ampla, que inclui em si a esfera menor do consciente‖ (FREUD,
1998a, p. 218).
Freud vai além quando afirma que
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

68
tudo o que é consciente tem um estágio preliminar
inconsciente, ao passo que aquilo que é inconsciente pode
permanecer nesse estágio e, não obstante, reclamar que lhe
seja atribuído o valor pleno de um processo psíquico. O
inconsciente é a verdadeira realidade psíquica (FREUD, 1998a,
p. 218).

Isso destrona o primado da Razão Humana e do próprio Pensamento


dentro desse Projeto, normalmente referido como Moderno. As demandas não
são mais conscientes, racionais, mas vêm de um lugar ingovernável e – de
certa maneira, para o indivíduo – incognoscível. Para Freud, com essa
descoberta, após Copérnico e Darwin,

a megalomania humana terá sofrido seu terceiro golpe, o mais


violento, a partir da pesquisa psicológica da época atual, que
procura provar ao ego que ele não é senhor nem mesmo em
sua própria casa, devendo, porém, contentar-se com escassas
informações acerca do que acontece inconscientemente em
sua mente (FREUD, 1998b, s/n).

O inconsciente se coloca como instituição primeira do homem e da


própria realidade na qual o indivíduo se inscreve. No entanto, essas conclusões
já não são rigorosamente freudianas – a bem da verdade, escapam do discurso
freudiano e levam ao limite as conclusões de Freud, para florescer de modo
mais desabrido na obra de Jacques Lacan. A constatação aqui é radical, pois
―é toda a estrutura da linguagem que a experiência psicanalítica descobre no
inconsciente‖ (LACAN, 2008, p. 225). E é experiência que, com o debate aqui
posto, que queremos levar para os estudos de RPG, do jogo, do esporte e de
outras tecnologias lúdicas.

Referências Bibliográficas
BRAGA, J. M. ―Aventurando pelos caminhos da leitura e escrita de jogadores
de Role Playing Game (RPG)‖. Pesquisa RPG – UFPA. Belém: UFPA, 2000.
Disponível em: http://pesquisarpg.ufpa.br/material/rpg-artigo-BRAGA-Jane.pdf.
Acesso em 27/02/2014.
CAILLOIS, R. Os jogos e os homens. Lisboa: Cotovia, 1990.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

DERRIDA, J. Writing and Difference. Chicago: University of Chicago Press,


69
1978.
FREUD, S. A Interpretação dos Sonhos – segunda parte. In: FREUD, S. Edição
Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol.
V, Rio de Janeiro: Imago, 1998a.
FREUD, S. Conferência XVIII. In: FREUD, S. Edição Eletrônica Brasileira das
Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. XVI, Rio de Janeiro:
Imago, 1998b.
HUIZINGA, J. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva, 2010.
KIM, J. H. The Threefold Model FAQ (Usenet forum post), 1998. Disponivel em:
http://www.darkshire.net/~jhkim/rpg/theory/threefold/faq_v1.html
LACAN, J. O Seminário – Livro 2. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1987.
LACAN, J. O Seminário – Livro 17. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1987.
LACAN, J. Escritos. São Paulo: Perspectiva, 2008.
LIU, L. H. The Freudian Robot. Chicago: UCP, 2011.
POE, E. A. The Works of Edgar Allan Poe (v. 2, The Raven Edition). NY: Collier
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RAPOPORT, A. N-Person Game Theory. Ann Arbor: U of Michigan Press,
1970.
RAPOPORT, A. Fights, Games and Debates. Ann Arbor: U of Michigan Press,
1974.
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ROUDINESCO, E. Jacques Lacan. São Paulo: Cia das Letras, 2008.
VON NEUMANN, J. & MORGENSTERN, O. Theory of Games and Economic
Behavior. Princeton: Princeton University Press, 1953.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

ROLE-PLAYING GAME (RPG): O QUE É ISSO QUE ME FAZ


70
DESEJAR CRIAR E APRENDER?

Eliane Bettocchi

Doutora em Design pela PUC-Rio.

Carlos Klimick

Doutor em Letras pela PUC-Rio com pesquisa na Formação do Leitor

carlosklimick@gmail.com

RESUMO

O artigo propõe que o RPG é uma forma de narrativa interativa articulada sob a
forma de um jogo cooperativo fazendo uma articulação com conceitos de
narratividade e interatividade estabelecidos por autores consagrados como
Janet Murray, Muniz Sodré, Paul Ricoeur, Roland Barthes, Júlio Plaza e Johan
Huizinga. As possibilidades de uma criação poética que motive uma
aprendizagem criativa a partir do que foi aprendido e não apenas sobre o que
foi aprendido são propostas em relação a postulados teóricos desses autores e
também de Paulo Freire e JRR Tolkien, tendo como possibilidade de
concretização o Projeto Incorporais e a TNI (Técnicas para Narrativas
Interativas).

PALAVRAS CHAVE

Role-Playing Game, mímesis, TNI, Incorporais

ABSTRACT

The article proposes that RPG is a form of interactive narrative articulated in the
framework of a cooperative game. It presents a dialogue between the concepts
of narrative and interactivity as established by respected authors such as Janet
Murray, Muniz Sodré, Paul Ricoeur, Roland Barthes, Julio Plaza and Johan
Huizinga. The possibilities of a poetic creation that motivate creative learning
from what was learned and not only about what was learned are proposed in
relation with theoretical postulates of these authors and also from Paulo Freire
and JRR Tolkien. The project Incorporais and TNI (Techniques for Interactive
Narratives) are presented as options to materialize these possibilities.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

71
KEYWORDS

Role-Playing Game, mímesis, TNI, Incorporais

ROLE-PLAYING GAME: O QUE É ISSO QUE ME FAZ DESEJAR CRIAR E


APRENDER?

ERA UMA VEZ uma Aluna que, assim como muitos outros alunos, se
sentia sem luz quando ia para a escola. Isso era estranho, pois ela gostava
muito de aprender, descobrir e inventar, tanto que, em vez de uma festa de
quinze anos, preferiu ganhar uma bicicleta e o livro ilustrado Cosmos, de Carl
Sagan, o qual lia e relia sem cansar.
Naquele tempo não havia internet, e ela economizava sua mesada para
comprar revistas sobre música, artes visuais, cinema e ciências, muitas em
inglês, que eram vendidas nas bancas de jornal lá no centro da cidade, e para
chegar lá tinha que pegar dois ônibus muito cheios e demorados.
Por que tanto esforço se a escola era do lado de casa?
Por mais que não gostasse do QUE e do COMO da escola, a Aluna
passou no vestibular (naqueles tempos analógicos era assim que se entrava na
universidade). Custou a se decidir sobre uma carreira - na escola não
explicaram direito PARA QUE se estudava certos assuntos e outros não - e,
finalmente, apesar de adorar desenhar e contar histórias com imagens, acabou
optando por Biologia, pois seus pais se preocuparam com a hipótese de ela se
tornar artista e não conseguir emprego.
Na universidade ela encontrou o mesmo COMO da escola: aulas com
cara de palestra, desconectadas, para as quais muitas vezes se viu forçada a
decorar. A biblioteca era muito maior que a da escola, mas não tinha quase
nada de interessante, só muita poeira e mofo e muitos colegas iam pra lá
dormir, afinal, era silencioso. Pelo menos agora ela tinha uma bolsa de
iniciação científica para gastar em revistas e livros que não eram usados no
curso.
Porém, na universidade a Aluna encontrou uma coisa que mudaria sua
vida para sempre: RPG.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

72
ERA OUTRA VEZ um Aluno que gostava de estudar e, tirando acordar
cedo, gostava de ir à escola. História, Geografia e Literatura eram suas
paixões, assim como a Física, mas, curiosamente, não tinha um bom
desempenho em Matemática. Por quê? Porque na Física era muito claro para
ele o que as fórmulas significavam: o movimento de um corpo no espaço; o
aquecimento de um material; a refração na luz. Enquanto que na Matemática
tudo era muito nebuloso, ele não entendia bem o PORQUÊ daquelas fórmulas
e muito menos COMO aplicá-las em sua vida. Como não se apaixonou pela
Matemática e nem entendia muito bem porque era importante aprendê-la, ele
não se empenhava.
Qual não foi sua surpresa um belo dia quando descobriu que o gás
metano que ele conhecia da Química Orgânica era o mesmo gás metano da
Biologia. Então os conhecimentos não são estanques? Fascinante!
Apesar de amar histórias foi fazer faculdade de Administração em vez de
Letras, Histórias ou Cinema. Por quê? Porque o pai tinha um negócio e
precisava de um herdeiro, ora essa. Essa história teve um final triste com o fim
do negócio. Porém, como cada ponto de chegada é ponto de partida, e quem
entra por uma porta sai pela outra, é hora e contar outra história
Depois da faculdade, um dia com os amigos ele conheceu o RPG.
Essas poderiam ser a histórias que fariam parte da descrição de duas
personagens criadas, respectivamente, por uma jogadora e um jogador para
iniciar uma campanha de Role-Playing Game ambientada em um cenário
contemporâneo. Mas é, na verdade, a descrição de uma jogadora e um jogador
que se preparavam para iniciar uma campanha de aprendizagem que
culminaria em método poético-didático que eles atualmente utilizam tanto nas
suas produções artísticas como nas suas práticas pedagógicas.
O RPG, aproximadamente traduzido como "Jogo de Interpretação de
Papéis" é uma forma de jogo narrativo surgido nos EUA em 1974, a partir dos
jogos de guerra que simulavam batalhas em tabuleiros. O primeiro cenário
usado e o mais popular é a chamada ―fantasia medieval‖, inspirada na obra
―Senhor dos Anéis‖ de J.R.R. Tolkien. Em sua fase atual, há uma grande
diversidade de cenários (fantasia, ficção científica, terror, histórico etc.), que se
aproximam dos cenários das narrativas ditas de ação e aventura do cinema,
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

dos quadrinhos, das animações e dos videogames. Nos suportes se encontra


73
parcialmente descrito um cenário, no qual se passarão as histórias vividas
pelas personagens criadas pelos jogadores e pelo/a Mestre ou Narrador/a:
bandeirantes e índios num cenário de Brasil colonial; cavaleiros num cenário de
Europa Medieval etc. A história começa a ser contada pelo Mestre, mas os
jogadores são livres para decidir o que suas personagens falam e fazem na
história. Assim, os rumos da história são freqüentemente alterados pelas ações
das personagens, sendo na verdade uma história contada em conjunto pelo
Narrador e jogadores. É papel do Narrador preparar o enredo, representar as
demais personagens e coordenar as ações durante a prática de RPG. Narrador
e jogadores representam as ações de suas personagens descrevendo-as e
enunciam suas falas de modo direto ou indireto. As dúvidas sobre os
resultados das ações das personagens dos jogadores, quando há possibilidade
de falha ou sucesso parcial, são resolvidas pelo sistema de regras, daí o RPG
ser considerado um JOGO:
Jogo (lat. jocus: brincadeira) 1. Em seu sentido geral, o
jogo é uma atividade física ou mental que, não possuindo um
objetivo imediatamente útil ou definido, encontra sua razão de
ser no prazer mesmo que proporciona. Esta atividade,
começando na criança ou no pequeno animal como gasto de
energia, tendo valor de treinamento ou de aprendizagem, muda
de natureza com o desenvolvimento do subjetivo humano:
jogos de imitação, nos quais a criança projeta seus desejos
(bonecas etc.); jogos com regras ou socializados, nos quais o
prazer se vincula ao respeito às regras, às dificuldades de
vencer uma competição.2 (JAPIASSÚ & MARCONDES, 2001:
150).

Então, o RPG é um jogo?


Ao expor suas dificuldades de traduzir o termo jeu no texto Aula, de
Roland Barthes, Leyla Perrone-Moisés (in: BARTHES, 1977:82-85)3 esclarece
o próprio conceito de ―jogo‖ que, dentro da teoria e prática barthesianas
consiste de uma atividade ao mesmo tempo sem finalidade senão o próprio
jogo e de uma tática de crítica às cristalizações da linguagem, característica

2
JAPIASSÚ, Hilton & MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 3a. ed., 2001.
3
BARTHES, Roland. Aula. Tradução e Posfácio: Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Editora
Cultrix, 1977.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

que aproxima este ―jogo‖, então, do teatro, do ―faz-de-conta‖. O termo ―jogo‖,


74
no contexto do RPG, não se refere à disputa, mas à interação, ao próprio ato
de representar uma personagem. Os participantes de uma sessão de RPG,
narrador e "jogadores" cooperam entre si em vez de competir, sendo este um
dos principais motivos do termo "jogo" ser questionado por profissionais de
RPG em relação à sua prática. Lembremos que, assim como jeu, o verbo play
tem entre seus significados "jogar", "interpretar" e "brincar", permitindo um
"jogo de sentido" de difícil tradução para o português. Podemos então entender
o RPG como um ―jogo de construção de narrativas‖, entendendo narrativa no
sentido proposto por Paul Ricoeur (1983)4 dentro da sua análise da Poética de
Aristóteles: a narrativa é o ―o quê‖ da atividade mimética, da imitação criativa
da ação.
As histórias então vão acontecendo conforme os participantes vão
jogando, interagindo, criando. Deste modo, é primordial que essa dinâmica seja
fundamentada no prazer e na diversão que um jogo sempre deve proporcionar,
independentemente de sua finalidade, pois, como define Johan Huizinga:

O jogo é uma atividade ou ocupação voluntária,


exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de
espaço, segundo regras livremente consentidas, mas
absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo,
acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de
uma consciência de ser diferente da 'vida quotidiana"
(HUIZINGA, 1938; 2001:33).5

Nesse sentido, destacamos o potencial poético e didático residente na


diversão de superar desafios que o RPG pode proporcionar.
A construção coletiva de histórias dos RPGs demanda a cooperação e
não a competição entre os jogadores, pois todos cooperam para superar os
desafios da história propostos pelo Narrador. Este tem como papel movimentar
e ajustar a trama e garantir que os objetivos da atividade sejam alcançados.
Além disso, o RPG é calcado no discurso oral, no diálogo e troca de ideias,
desenvolvendo habilidades de comunicação naturalmente; ser uma narrativa

4
RICOEUR, Paul. Temps et Récit, Tome I. Paris: Editions du Seuil, 1983.
5
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. Tradução João Paulo Monteiro. São Paulo:
Perspectiva, 2001.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

coletiva e socializante faz do RPG um jogo interativo e aberto, em que um


75
relato - uma aventura - não produz um único texto, mas vários, abrindo espaço
para a criatividade dos jogadores que podem contribuir com textos de vários
tipos, imagens, diários de personagens etc, e realizar sessões individuais com
os mestres de jogo.
Podemos dizer que uma história construída por meio da dinâmica lúdica
do RPG é, portanto, uma obra aberta, em eterno processo, que só existe se
houver interatividade, aqui entendida como um tipo de interação em que é
solicitada uma ação por parte dos sujeitos baseada na autonomia, na
criatividade e na imprevisibilidade (MACHADO, 1997)6, resultando em co-
criação e co-autoria.

Então, o RPG é um jogo interativo?


A relação entre interatividade e narrativa pode ser entendida fazendo-se
uma analogia com os três níveis de abertura da obra de arte propostos por
Júlio Plaza em seu artigo "Arte e Interatividade: Autor-Obra-Recepção"
(PLAZA, 2003)7. O primeiro nível de abertura da obra é aquele que permite
diversas interpretações por parte do leitor ou receptor da narrativa. Por
exemplo, no romance ―Dom Casmurro‖, de Machado de Assis, a personagem
Capitu traiu ou não o seu marido Bentinho? A decisão fica por conta do leitor.
Por vezes histórias são explicitamente trabalhadas nesse sentido pelos autores
que propõe assim um jogo narrativo a seus leitores.
No segundo nível de abertura proposto por Plaza, o público pode fazer
intervenções na obra, mas sem alterar suas características estruturais, o que
ele exemplifica com as esculturas de Lígia Clark e os parangolés de Hélio
Oiticia. Nas histórias interativas, este conceito pode ser exemplificado nas
aventuras-solo ou livros-jogos, onde o leitor pode escolher dentre alternativas
propostas para a trama, porém, já pré-definidas pelo autor. Conforme lê a

6
MACHADO, Arlindo. Formas Expressivas da Contemporaneidade. In: Pré-cinemas &
Pós-cinemas. Campinas: Papirus, 1997.
7
PLAZA, Júlio. Arte e Interatividade: Autor-Obra-Recepção. In: Concinnitas - Revista do
Instituto de Artes da UERJ, ano 4, n.4, p.7-34. Rio de Janeiro. Mar/2003.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

história, o leitor-jogador simultaneamente a joga, escolhendo opções para o


76
desenrolar da mesma, mas sem poder criar opções.
No terceiro nível de abertura proposto por Plaza, o receptor pode fazer
alterações estruturais na obra, criando opções e alterando o enredo a seu
critério. Um bom exemplo são os flash-mobs em que artistas convocam pelas
redes sociais "simples mortais" para inventarem e executarem suas ações em
locais públicos. Plaza identifica este nível de abertura principalmente para a
mídia digital. "Nas artes da interatividade, portanto, o destinatário potencial
torna-se co-autor e as obras tornam-se um campo aberto a múltiplas
possibilidades e susceptíveis de desenvolvimentos imprevistos em uma co-
produção de sentidos.‖ (PLAZA, 2003: 22). Nas histórias interativas, esta
abertura pode ser identificada na prática das sessões de RPG, onde a
ambientação trazida no suporte é retrabalhada pelo "mestre" e jogadores em
histórias criadas coletivamente num jogo interativo entre os participantes, a
obra e referências extratextuais.

Então, o RPG é um jogo interativo narrativo?


Muniz Sodré define narrativa como um ―discurso capaz de evocar,
através da sucessão temporal e encadeada de fatos, um mundo dado como
real ou imaginário, situado num tempo e num espaço determinados. [...] Como
uma imagem, a narrativa põe diante de nossos olhos, nos apresenta, um
mundo‖ (SODRÉ, 1988:75).8
Roland Barthes (1977) observa que a literatura, por extensão as
narrativas, tem os poderes de mathesis (vários saberes se entrelaçando) e
mimesis (representação/recriação do real), destacando seu potencial na
educação. As narrativas permitem o encontro lúdico de diversos saberes em
sua fruição, facilitando a concretização de um trabalho multidisciplinar ou
interdisciplinar. A mathesis torna possível saber, por exemplo, com quantas
disciplinas se faz uma canoa ou se estuda o metano. Pela mimesis uma
história pode mostrar onde, como e porque se usa uma equação do segundo
grau na vida de uma pessoa.

8
SODRÉ, Muniz. Best-Seller: a Literatura de Mercado. Série Princípios. São Paulo,
Editora Ática: 1988.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

É importante ressaltar que a mimesis barthesiana visa uma


77
representação criativa do real que vai além de reproduzi-lo. A mimesis de
Barthes (1967)9 não se limita a tentar mostrar como a realidade é, objetivando
mostrar como a realidade pode vir a ser, assumindo, portanto, um
compromisso poético.
O potencial de aprendizado das narrativas é conhecido há bastante
tempo. Antoine Compagnon aponta que associar diversão ao aprender,
tornando o saber prazeroso, é uma das características atribuídas à poética
desde a Antiguidade. ―Aristóteles, além disso, colocava o prazer de aprender
na origem da arte poética: instruir ou agradar, ou ainda instruir agradando,
serão as duas finalidades, ou a dupla finalidade, que também Horácio
reconhecerá na poesia, qualificada de dulce et utile" (Ars Poética in
COMPAGNON, 2001:35).10
Janet Murray postula que as controvérsias sobre conteúdo e formato de
videogames se devem a dois fatores: o poder da narrativa e a experiência
singular das narrativas participativas. Para a autora, ―A narrativa é um de
nossos mecanismos cognitivos primários para a compreensão do mundo. É
também um dos modos fundamentais pelos quais construímos comunidades,
desde a tribo agrupada em volta da fogueira até a comunidade global reunida
diante do aparelho de televisão‖ (MURRAY, 2003:9)11. É através dessas
histórias que compartilhamos valores, tradições, cultura, que nos
compreendemos. Histórias que nos inspiram a ir além, que nos dão forças para
viver e pelas quais muitas vezes somos capazes de morrer.
Há certo consenso entre educadores que as pessoas aprendem quando
gostam do assunto ou quando entendem sua aplicabilidade. A grande pergunta
de muitos aprendizes seria "para que estou aprendendo isso?" Pergunta que
não existe quando a pessoa se apaixona pelo que busca aprender, História,
Matemática, futebol, etc, porque a paixão lhe basta. A narratividade pode

9
BARTHES, Roland. A Atividade Estruturalista. In: O método estruturalista. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1967, pp. 57-63.
10
COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Tradução de
Cleonice Paes Barreto Mourão, Consuelo Fortes Santiago. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001.
11
MURRAY, Janet. Hamlet on the Holodeck. New York: Free Press, 2000.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

buscar trazer prazer à aprendizagem ou, se não lograr esse intento, pode ao
78
menos pela mimesis mostrar a aplicabilidade daquele saber. Como o aluno que
teve de aprender Matemática para poder usar as fórmulas da Física cruzou
esse obstáculo para alcançar sua paixão.
Como forma de narrativa interativa, o RPG pressupõe não uma
produção sobre o que foi narrado, mas múltiplas produções A PARTIR do que
foi narrado, ou seja, uma história plural construída por meio do jogo que
permite diferentes escritas.
Segundo Barthes (1992)12, o texto plural ideal se constituiria de redes
múltiplas que se entrelaçam sem que uma possa dominar as outras; uma
galáxia de significantes em vez de uma estrutura de significados. Reversível,
sem início, pode ser penetrado por várias entradas sem que haja uma principal.
No texto plural não há nada fora dele, mas também não há um todo do texto:
ele está liberto simultaneamente da exterioridade e da totalidade. Por isso, não
têm estrutura narrativa, gramática ou lógica da narrativa. Os textos plurais são
―multivalentes, reversíveis e francamente indedutíveis‖.
Barthes afirma que "quanto mais plural é o texto, menos está escrito
antes que o leia, onde a leitura é um trabalho de linguagem em que escrevo a
minha leitura" (BARTHES, 1992:43). Eliana Yunes sustenta a ―hipótese de que
a leitura precede a escrita e de que não há escritor ou artista que produza sem
antes ter vivido com densidade a condição de leitor‖ (YUNES, 2002:33)13,
hipótese que dialoga bem com a proposição de Barthes que todo ―eu-leitor‖ é
constituído por um emaranhado de outros textos em que a leitura é uma
escrita. O texto escrevivel, do qual é difícil dizer algo, está do lado do que é
possível escrever, da prática do leitor, de que textos desejar fazer avançar no
mundo. Podemos então ampliar o conceito de produtividade do texto, pois, se
esta se refere a diferentes leituras possíveis e leituras são escritas, também
pode incluir o poder de mobilização do texto para diferentes escritas a partir
dele.

12
BARTHES, Roland. S/Z. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992. [1970]
13
YUNES, Eliana (org.). Pensar a Leitura: complexidade. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio.
2002.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Fantasia e Extase: potências lúdicas e narrativas do RPG no processo


79
criativo
Vamos nos deter sobre o que consideramos a grande potência do RPG:
aquela fagulha que irrompe do encontro entre o prazer de jogar e o prazer de
fantasiar capaz de disparar todo um desejo de busca - uma "quest" - por
conhecimentos, ou seja, o DESEJO - prazer ou gozo - de aprender e de, nesse
processo, se transformar.
Para tecer essa potência lançamos mão de dois fios principais: o da
trama fica por conta do conceito de prazer/gozo escritural de Roland Barthes; e
o da urdidura por conta do conceito de Fantasia de J.R.R. Tolkien.
Em artigo publicado anteriormente (BETTOCCHI & KLIMICK, 2005)14,
construímos uma relação entre o conceito de jouissance como força resultante
de um processo escritural, proposto por Roland Barthes (2002) capaz de
promover um deslizamento poético no jogo de inovação e sedimentação da
tradição postulado por Paul Ricoeur (1983). Como exemplo deste processo
escritural, propusemos o conceito de Fantasia apresentado por Tolkien.

Êxtase, Gozo: a fenda escritural


Segundo Roland Barthes (1977), é no deslizamento entre significante e
significado que o poder se infiltra, congelando o signo, é aí, também, que se
pode - e se deve - trapacear a linguagem, jogar com ela e com os signos: não
na mensagem, mas no uso de seus códigos formais - o visível. Neste
momento, Barthes (1977, 1999)15 ressalta a responsabilidade (não a
supremacia) da forma como promotora deste deslizamento: a escritura - toda
manifestação de linguagem humana capaz de promover um
"descongelamento" dos signos.
Assim, a escritura não se define pelos conteúdos e nem mesmo pelos
sentidos que cria, e sim pelo aspecto formal, que em Barthes não remete ao

14
BETTOCCHI, Eliane & KLIMICK, Carlos. Fantasia e Êxtase: um exercício de resistência
através da forma. In: Anais do IV Simpósio do Laboratório da Representação Sensível: O
(In)Visível. Rio de Janeiro: Laboratório da Representação Sensível, Puc-Rio, 2005. Disponível
em http://www.historias.interativas.nom.br/artigos/lars05.pdf.
15
BARTHES, Roland. Mitologias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, (1957) 1999, 10a. ed.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

estilo, e sim a uma materialidade do texto. Deste modo, é definível apenas por
80
um discurso ele mesmo escritural: "[...] a ciência dos gozos da linguagem, seu
Kamasutra [...]" (BARTHES, in: PERRONE-MOISÉS, 1983:53)16.
Daí a responsabilidade da forma escritural: abrir uma fenda para que se
ouça a voz única de um corpo que se receba como um êxtase (gozo ou fruição
segundo diferentes traduções de jouissanse), "sentido como intensidade, como
perda do sujeito pensante e ganho de uma nova percepção das coisas."
(PERRONE-MOISÉS, 1983:56).
Uma vez que o sujeito se modifica em contato com a escritura, podemos
dizer que o êxtase ou gozo se completa numa dimensão ética de retorno ao
campo prático. Leyla Perrone-Moisés (1983:56) diz que "A escritura é poesia
no sentido moderno do termo: aquele discurso que acha sua justificação na
própria formulação, e não na representação de algo prévio e exterior [...]".

O eterno jogo entre inovação e sedimentação


O abismo poético que se abre como resultado do processo escritual
convida a um salto no vazio para a inovação. Assim como Barthes, Paul
Ricoeur (1983) fala deste ato poético ao analisar o processo de configuração
da narrativa onde a constituição de uma tradição reside no jogo ou tensão entre
inovação e sedimentação. A sedimentação consolida o repertório de
paradigmas que constituem a tipologia da configuração: esquemas narrativos
ocidentais que se combinam causalmente a partir de uma herança aristotélica,
gerando um código paradigmático e uma tipificação de formas que se repete
tradicionalmente. A tradição, entretanto, não se resume à repetição, mas
desliza em dois sentidos: sedimentação e inovação. A sedimentação consolida
a linguagem, mas pode cristalizar-se; a inovação avança a linguagem, mas
pode causar estranhamento e afastamento, como tem acontecido, em alguns
casos, na arte contemporânea.
Se a sedimentação universaliza, a inovação singulariza, pois cada
poética produzida, cada maneira pessoal de operar os códigos de
configuração, oferece desafios e transgressões às normas que acabam retro-

16
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Roland Barthes: o saber com sabor. São Paulo: Brasiliense,
1983.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

alimentando o repertório sedimentado. Isto pode soar como um ciclo vicioso,


81
mas Ricoeur lança mão da estética da recepção de Wolfgang Iser da relação
prazer/gozo do texto de Roland Barthes (2002)17 para demonstrar que o jogo
entre transgressão e apropriação, que tem como um de seus grandes
referentes o receptor que aceita ou rejeita a inovação, é vital para a
constituição de um ciclo virtuoso da linguagem.

Criação escritural e poética: configurar para refigurar


O ato poético - como diria também Haroldo de Campos (1977) sobre o
"poetar" - é o próprio ato de configurar, ou de formular a escritura. As obras
poéticas, como qualquer discurso, acontecem na linguagem; entretanto, não se
pode negar seu impacto sobre a experiência cotidiana devido ao seu poder de
ataque subversivo contra a ordem moral e social. Esta interação do poético
com o prático abre um leque de opções que vai da confirmação ideológica da
ordem estabelecida (sedimentação, ou prazer) à crítica e problematização
(inovação, ou êxtase), incluindo a alienação em relação ao real, uma interação
de ordem ética.
Voltamos a Paul Ricouer (1983) com seu processo de configuração de
narrativas como um exemplo de processo criativo, entendendo o fazer poético
como mimese no sentido aristotélico de recriação, assim como Roland Barthes
(1967). Neste processo mimético, Ricoeur propõe três estágios interligados: na
Mímese 1 (M1) temos a prefiguração dos elementos, na M2 a configuração das
relações entre esses elementos e na M3 uma fruição da linguagem que leva à
refiguração do sujeito e da sua realidade seja via gozo, seja via prazer,
promovendo, portanto, algum deslizamento no jogo inovação-sedimentação.

Fantasia e Imaginação de mundos: ato poético refigurador


Robin Law, game designer dos EUA, observa que os RPGs costumam
buscar referências em outros produtos da mídia de massa como filmes,
seriados, histórias em quadrinhos, animações etc. Law responde a crítica sobre
a forte presença de clichês e estereótipos em cenários e enredos de RPG com
o conceito de fantasias pré-existentes: "Quanto mais o cenário se parecer com

17
BARTHES, Roland. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 2002, 3a. ed.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

algo que eles (os jogadores) já conhecem do entretenimento popular, mais


82
provável se torna que eles consigam se valer de uma fantasia pré-existente
que sempre tenham querido exercer." (LAW, 2002:9)18. Em um cenário de
ficção científica um jogador que gosta muito da personagem Sr.Spock de
Jornada nas Estrelas pode criar uma personagem similar para se divertir. Em
um cenário medieval, uma jogadora pode interpretar uma personagem
inspirada em Joana D'Arc ou Robin Hood. A atração também pode ser por um
estilo de história, resolver um mistério ou um crime como num romance policial,
desfrutar uma aventura emocionante como num thriller. Personagem, cenário
ou enredo, tratam-se de fantasias que os jogadores já possuíam, fantasias pré-
existentes que, de alguma forma, agora podem vivenciar via RPG.
Defendemos, assim, que a narrativa atua como o encontro lúdico de
diversos saberes na medida em que este lúdico remete ao jogo do ―faz-de-
conta‖, acionando fantasias pré-existentes que geram interesse, identificação e
afeto (no sentido geral de resposta emocional, não necessariamente
prazerosa), e transformando tais fantasias na Fantasia, segundo J.R.R. Tolkien
(1966), a atividade humana de representar, por meio da arte, aquilo que não
existe no "mundo primário", cotidiano, criando "mundos secundários" tão
narrativamente consistentes que se tornam críveis.
J.R.R. Tolkien, lingüista britânico, foi autor de vários textos literários
entre eles a série O Senhor dos Anéis (The Lord of the Rings, 1954/1988;
Unwin Hyman Lt), principal fonte de inspiração para a ambientação do primeiro
RPG publicado, Dungeons and Dragons (EUA, 1974).
Segundo Portinari (2003)19, Imaginário para Tolkien é a própria
Imaginação: a atividade humana de ―representar‖ que alcança sua melhor
expressão a serviço da Fantasia, por meio da criação de um ―Mundo
Secundário‖.

18
LAW, Robin. Robin´s Laws of Good Game Mastering. EUA: Steve Jackson Games Inc,
2002.
19
PORTINARI, Denise B. A Construção do Cenário da Terra Média por J.J.R. Tolkien.
Palestra conferida no I Histórias Abertas: Simpósio de RPG em Educação, Laboratório de
Pedagogia do Design - Departamento de Artes e Design, Departamento de Letras e
Coordenação Central de Educação a Distância, PUC-Rio, 2003. Disponível em
http://www.historias.interativas.nom.br/artigos/tolkien.pdf.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Para Tolkien (1966)20 a arte é o elo operativo entre Imaginação e o


83
produto final, que ele chama de "sub-criação" em virtude da formação católica
("Criação" é um ato de Deus; o ser humano só pode "sub-criar"). O universo
que envolve a criação do ―mundo secundário‖ apresentado por Tolkien em suas
obras de ficção engloba ainda outros elementos da sua vida pessoal, como
interesses em diferentes áreas de conhecimento, principalmente as línguas, a
botânica, a caligrafia e os contos-de-fada.
A palavra escolhida por Tolkien para abarcar tanto a arte criativa
(entendamos daqui para diante que "criativo" para nós é "sub-criativo" para o
autor), quanto o estranho e o maravilhoso derivados da faculdade de imaginar,
é "Fantasia". Fantasia passa a ser, deste modo, a mais alta criação artística: a
representação daquilo que não existe no "Mundo Primário" (por oposição a
"Mundo Secundário", o mundo banal, rotineiro).
O Mundo secundário é alcançado pela suspensão voluntária do
descrédito (willing suspension of disbelief), exercício em geral mais fácil para
crianças. Operação que no adulto moderno resvala, por força cultural, na
confusão entre Fantasiar e Sonhar, mas enquanto no Sonhar normalmente não
há arte no sentido de elo operativo aqui descrito, a Fantasia é uma atividade
racional. Construir um Mundo Secundário capaz de evocar a crença literária
(literary belief) é, para Tolkien, tarefa artística das mais difíceis e requer muito
trabalho e pesquisa e uma busca quase heroica para conferir ao fantástico uma
consistência de realidade.
Fantasiar é ser bem sucedido em fazer ou vislumbrar outros mundos.
Não mundos possíveis, mas mundos desejáveis. Tolkien não desejou viver as
aventuras de Alice, elas apenas o divertiram. Mas as antigas lendas do Rei
Artur e as sagas nórdicas despertaram-lhe o desejo. O dragão tem, para ele, a
marca de Faërie: "I desired dragons with a profound desire." (TOLKIEN,
1966:64). Não, obviamente, na vizinhança da sua casa, ameaçando sua
integridade, mas na Fantasia, a permissão de vislumbre de "Outros-Mundos",
quaisquer mundos que dragões habitassem. O "drama faérico", para Tolkien, é
aquele que pode produzir Fantasia com realismo, cujo resultado é a suspensão

20
TOLKIEN, J.R.R. The Tolkien Reader. New York: Ballantine Books, 1966.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

da descrença, permitindo a imersão "corporal" no Mundo Secundário. Para


84
Tolkien essa é a arte élfica, melhor expressa pela palavra Encantamento.
Tal processo não ganha força, entretanto, sem aquilo que o autor chama
de recuperação histórica da fantasia: nem abandonar o passado, nem mitificá-
lo: "Recovery (which includes return and renewal of health) is a re-gaining -
regaining of a clear view." (TOLKIEN, 1966:77). Um processo que nos parece
muito similar ao ato poético discutido anteriormente, sobretudo sob a ótica de
Ricoeur: uma configuração que leva a uma refiguração do sujeito e da própria
linguagem, deslizando uma tradição no sentido da inovação abrindo uma fenda
da qual o sujeito retorna marcado pelo êxtase, conferindo-lhe novas
perspectivas, ou da sedimentação, na qual o sujeito, pelo prazer recupera
origens que lhe conferem uma clareza de perspectiva.

Fantasia e Transversalidade: potências criativas do RPG no processo de


aprendizagem
Podemos exemplificar este processo de criação poética na entrevista
veiculada no Youtube com o escritor norte-americano George R.R. Martin,
autor da série de livros Songs of Fire and Ice, transposta para a série televisiva
Game of Thrones, na qual menciona como suas fantasias se converteram em
narrativas (In: BIENIA, 2012; http://bienia.wordpress.com/2012/07/23/what-is-
role-playing-as-a-state-of-mind/) e mundo secundário, ou seja, em Fantasia,
segundo Tolkien, criação que tem sido capaz de mobilizar vários sujeitos em
suas próprias atividades fruidoras e criadoras.
Em sendo uma forma de narrativa, o RPG possui os elementos
levantados por Cardoso [(2001)] (tema, personagens, ação, tempo, espaço,
ponto de vista, conflito), possuindo unidade de ação, tempo e lugar, e
desenvolvendo-se através da relação de causa e efeito, etc. Entretanto, devido
às suas características interativas, o RPG difere do conceito tradicional de
narrativa por se tratar de uma plataforma operacional não só para contar uma
mesma história de diferentes maneiras, mas para contar diferentes histórias a
partir de elementos comuns: regras e ambientação.
Pensemos, então, o RPG como um meio de comunicação que, segundo
Marshall McLuhan e a Teoria da Comunicação, dispõe de linguagem ou
sistema simbólico (códigos e repertórios), tecnologia (veículo, canal e suporte
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

material) e modos de recepção (condições de fruição). Qualquer mudança em


85
um destes três elementos é suficiente para diferenciar um meio de
comunicação de outro, em razão das diferenças identificadas no impacto no
meio social.
Se considerarmos as características de interatividade e hipertextualidade
pressupostas na fruição do RPG, podemos pensar cada elemento narrativo
destes como potencial link cujo propósito é abrir as possibilidades para a
construção de significados e elementos próprios do receptor (BETTOCCHI &
KLIMICK, 200321; BETTOCCHI, 2008, 201322). Os processos interativos e
hipertextuais de fruição e de construção de um RPG se caracterizam pelas
colagens, apropriações e reinterpretações (BETTOCCHI, 200223). Parece muito
pertinente o termo ―pilhagem narrativa‖, aplicado por Sônia Mota ao RPG
(199724), em que histórias e imagens são tecidas a partir de elementos de
outras histórias e de outras imagens, apropriadas de autores que não são
citados, aproximando essa narrativa da narrativa oral ―sem dono‖.
O ato de configurar via pilhagem qualquer um destes elementos
narrativos pode ser pensado sob a perspectiva mimética de Paul Ricoeur e
levado, ou não, aos extremos da Fantasia tolkiniana e da escritura barthesiana.

21
BETTOCCHI, Eliane & KLIMICK, Carlos. O lugar do virtual no RPG, o lugar do RPG no
Design. In: Anais do II Simpósio do Laboratório da Representação Sensível: Atopia. Rio de
Janeiro: Laboratório da Representação Sensível, Puc-Rio, 2003. Disponível em
http://www.historias.interativas.nom.br/artigos/lars03.pdf.
22
BETTOCCHI, Eliane. Incorporais RPG: Design Poético para um jogo de representação. Tese de
Doutorado do Departamento de Artes e Design, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2008.
Disponível em http://www.historias.interativas.nom.br/tese/index.html________. Design Poético: um
modo de fazer – arte – educação – design – tudo ao mesmo tempo. Blogue disponível em
http://historias.interativas.nom.br/designpoetico/. Textos capturados em 29 de março de 2013.

23
BETTOCCHI, Eliane. Role-playing Game: um jogo de representação visual de gênero.
Dissertação de Mestrado do Departamento de Artes e Design, Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro, 2002. Disponível em
http://www.historias.interativas.nom.br/lilith/dissert/index.htm.
24
MOTA, Sônia Rodrigues. Roleplaying Game: a Ficção enquanto Jogo. 1o. sem. 1997.
Tese de Doutorado do Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, 1997.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Assim como J.R.R. Tolkien, Gary Gygax & Dave Arneson (autores do
86
RPG Dungeons&Dragons), George R.R. Martin, J.K. Rowlings, Machado de
Assis, Guimarães Rosa e tantos outros criadores de mundos secundários,
aquele que joga e/ou cria um RPG também faz uma recuperação histórica das
suas fantasias pré-existentes, pilhando diversas fontes, para que estas venham
a se converter em Fantasia, consistente e coerente, capaz de promover
refigurações.

Criar para aprender em vez de aprender para criar


Pré-fantasiar, jogar, pilhar, recuperar, configurar, refigurar, Fantasiar,
pré-fantasiar... Podemos, depois disso tudo, sugerir que o processo de jogar
RPG implica um ciclo disparado pelo desejo/prazer/gozo, figura-se no lúdico,
configura-se na narrativa e refigura-se novamente no desejo/prazer/gozo, que
dispara novo processo.
Esse processo criador pode ser comparado ao processo de aprender se
entendermos aprender como entrelugar de fruição estética, de diversão e de
construção de conhecimento, entendendo educação, em acordo com Paulo
Freire (199625), como desenvolvimento de autonomia e senso crítico, onde o/a
aprendiz é estimulado a sair do papel de receptor passivo de conhecimentos
―encaixotados‖ para o papel ativo de construtor/a de seus próprios significados,
protagonizando sua história de maneira holística e integrada, pois, como afirma
Joseph Beuys, ―Todo ser humano é um artista" (198526).
O ato criador-poético implica um aspecto multidisciplinar, referente à
multiplicidade de disciplinas com seus conteúdos, conhecimentos e habilidades
(NICOLESCU et all, 2001:1427) e um aspecto interdisciplinar, referente ao uso
de métodos de diferentes disciplinas para a mobilização de competências
(NICOLESCU et all, 2001:15). A demanda Multi- e Interdisciplinar das

25
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
26
BEUYS, Joseph. Falando sobre o próprio país: Alemanha III. Tradução Lia do Rio.
Discurso proferido no Münchner Daucmerspiele. Munique, 1985.
27
NICOLESCU, Basarab, et all. Educação e Transdisciplinaridade. Tradução Judite Vero,
Maria F. de Mello e Américo Sommemman. Brasília: UNESCO, 2001.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

produções A PARTIR DO conteúdo requer mais esforço do usuário,


87
promovendo a Transdisciplinaridade (NICOLESCU et all, 2001:15), não
significando somente que as disciplinas cooperam entre si por um projeto de
conhecimento em comum, ―Mas, significa também que há um modo de pensar
organizador que pode atravessar as disciplinas e que pode dar uma espécie de
unidade. [...] A transversalidade ou transdisciplinaridade é qualquer coisa que é
mais profundamente integradora. Agora, para que haja transversalidade é
necessário um pensamento organizador. É o que chamo de pensamento
complexo‖ (MORIN, 2006: vídeo28).
Ou seja, podemos sugerir que jogar e/ou criar RPG mobiliza, a partir de
fantasias pré-existentes dos participantes, a articulação de conhecimentos e
competências para a produção da Fantasia, favorecendo a construção de
novos conhecimentos e competências em um círculo virtuoso (NEVES, 200529).
Este processo vem ao encontro de uma postura autônoma e crítica dos
participantes, respeitando seus desejos e mobilizando-os para atitudes de
transformação de suas realidades pessoal e social, visando criar as condições
para a construção de conhecimentos e não sua simples transferência (FREIRE,
1996).

Projeto Incorporais: nossas experiências com essas potências do RPG.


O Projeto Incorporais é uma plataforma lúdica, multidisciplinar e
multimidiática que dá suporte à aplicação das Técnicas para Narrativas
Interativas (TNI) como interface didática. As TNI compõem um método de
utilização de histórias interativas e jogos de representação de papéis, do tipo
RPG para a construção de conhecimento e competências por meio da
participação e co-autoria em narrativas nesse formato (KLIMICK, 2006, 2007,

28
MORIN, Edgar. In: Coleção Grandes Educadores. Apresentação Edgard de Assis
Carvalho e participação especial de Edgar Morin. São Paulo: Paulus, ATTA Mídia e Educação,
2006.
29
NEVES, Carmen Moreira de Castro. Pedagogia da Autoria. In: Boletim Técnico do
Senac. Rio de Janeiro: Órgão Oficial do Senac/ Departamento Nacional. V.31, n.3, set/dez.
2005, pp. 19-27.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

201330). Os participantes atuam construindo coletivamente e de forma


88
cooperativa a narrativa devendo incorporar produções de sua autoria aos
suportes utilizados para as sessões de RPG. Esta produção, que pode ser
expressa em diferentes linguagens e suportes, é feita durante e entre sessões
de RPG. O objetivo é que os participantes apresentem mais do que uma
produção sobre o que foi vivenciado, partindo para uma criação a partir do que
foi construído durante as histórias. Para atingir este propósito criativo,
propomos, como método para nortear e estimular esse processo, o Design
Poético, um método projetual que objetiva a configuração de objetos que
promova uma refiguração dos sujeitos e de seus contextos (BETTOCCHI,
2008, 2013).
A aplicação do RPG para fins educacionais foi para nós sistematizada
na TNI (Técnicas para Narrativas Interativas) em profunda relação com o
Design Poético, de forma que os alunos não apenas apreendam o conteúdo,
transmissão e aprendizado sobre, como também partam para a construção de
um raciocínio crítico e criação A PARTIR DE em uma poética da
aprendizagem. Desde 2008 pesquisamos as potencialidades da plataforma
Incorporais com estudantes e professores do Ensino Médio e estudantes de
graduação e pós-graduação (BETTOCCHI, KLIMICK & REZENDE, 201231).
O Projeto Incorporais vem sendo uma proposta de sistematização para
aplicação do potencial educacional e estético do RPG na promissora interface
da Arte com a Educação, sobretudo no que toca sua potência poética.

30
KLIMICK, Carlos. RPG & educação: metodologia para o uso paradidático dos role playing
games. In: COELHO, Luiz Antônio L. (Org.). Design & Método. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio;
Teresópolis: Novas Idéias, 2006. pp. 143-161.________. TNI (Técnicas para Narrativas Interativas). In:
Boletim Técnico do Senac. Rio de Janeiro: Órgão Oficial do Senac/ Departamento Nacional. v. 33, n.3,
set./dez. 2007, pp. 72-85.
________. Técnicas Narrativas Interativas (TNI). In: Design Didático & Jogos. Blogue
disponível em http://historias.interativas.nom.br/klimick/?page_id=160. Texto capturado em 29 de março
de 2013.

31
________ & REZENDE, Rian. Projeto Incorporais: método e material lúdico-didático para
professores e estudantes do ensino médio. In: Tríades: Transversalidades, Design, Linguagens, vol. 2.
Revista do Programa de Pós-graduação em Design da PUC-Rio, 2012. Disponível em
http://www.revistatriades.com.br/blog/?page_id=962. Capturado em 29 de março de 2013.BIENIA,
Rafael. What is … role-playing? A Comparison of Creative Playing and Writing. In Bienia on Games.
Disponível em http://bienia.wordpress.com/2012/07/23/what-is-role-playing-as-a-state-of-mind/.
Capturado em 23/07/2012.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Atualmente estamos conduzindo uma pesquisa com estudantes de graduação


89
do Bacharelado Interdisciplinar em Artes e Design do Instituto de Artes e
Design da UFJF sobre o uso de fantasias pré-existentes no desenvolvimento
de um cenário de fantasia tolkiniana como forma de estímulo à criatividade,
partindo da necessidade de experimentação de práticas pedagógicas que
possam instrumentalizar uma formação interdisciplinar e integrada do
graduando dos dois ciclos deste Bacharelado. Uma vez que estamos no
contexto das Artes e do Design, lançamos mão dos Projetos de Trabalho de
Fernando Hernández (199832), professor da Faculdade de Belas Artes de
Barcelona, que se refere a ―projeto‖ no mesmo sentido que arquitetos,
designers e artistas compreendem o ―procedimento de trabalho que diz
respeito ao processo de dar forma a uma ideia que está no horizonte, mas que
admite modificações, está em diálogo permanente com o contexto, com as
circunstâncias e com os indivíduos que, de uma maneira ou outra, vão
contribuir para esse processo.‖ (HERNÁNDEZ, 1998:22), tomando como
premissas o conceito de pilhagem narrativa e de antropofagia visual, segundo
Oswald de Andrade, para disparar o processo de criação poética que deverá
implicar a construção de conhecimentos e competências, ou seja, em
aprendizagem crítica e transformadora.

Bibliografia:

BARTHES, Roland. A Atividade Estruturalista. In: O método estruturalista. Rio


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32
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Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

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Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

TRADUÇÕES 92

A estrutura de traduções neste volume, seguiU por dois caminhos, inicialmente


de respeito as produções internacionais, que são referência, mas também
partindo do reconhecimento sobre as figuras importantes dentro do cenário
nacional.

Agradecimentos a International Jornal of Role-Playing, uma excelente revista


que já está em seu quarto volume, sendo solicita, assim como seus
colaboradores, em permitir a tradução dos artigos The Invisible Rules of Role-
Playing. The Social Framework of Role-Playing Process e Cultural Languages
of Role-Playing. Pretendemos em contínuos diálogos traduzir, se possível,
todos os artigos produzidos, e promover diálogos mais concisos entre
pesquisadores internacionais, visto que a mesma tem ideias convergentes com
nossa revista.

―O objetivo do The International Journal of Role-Playing é atuar como


uma rede de conhecimento híbrido, e reunir os diversos interesses nas
redes de conhecimento associadas role-playing, e, por exemplo,
pesquisa acadêmica, os jogos e as indústrias criativas, as artes e as
fortes comunidades de RPG. O International Journal of Role-Playing é
uma resposta a uma necessidade crescente de um lugar onde a
existência dos vários campos de investigação role-playing e
desenvolvimento, abrangendo as universidades, a indústria de jogos,
as artes e as fortes comunidades de RPG não acadêmicos todo o
mundo, podem trocar conhecimentos e investigação, redes de
formulário e se comunicar.‖ (http://journalofroleplaying.org/)

Porém, algo ainda mais curioso se apresenta a seguir, uma tradução de um


artigo de autoria nacional primeiramente publicado no exterior, em uma revista
relacionada ao evento itinerante Knutpunkt, que circula por quatro países no
norte da Europa (Finlândia, Suécia, Noruega e Dinamarca). Por fim, descrevo
que foi um desafio ajustar normas as quais não distituissem o artigo de sua
forma original e ao mesmo tempo, constituissem sentido ao leitor.

Rafael Correia Rocha – Editor Chefe


Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

LINGUAGEM CULTURAL DE ROLE-PLAYING


93

Angelina Ilieva

Academia de Ciências da Bulgária

johanvladimir@mail.bg

Tradução: Giovanni Barbon de Oliveira

Ideia geral

A interação dos Role Playing Games em jogos "Live Action" também é uma
interação de linguagem. A linguagem dos jogos de Role playing é diferente da
linguagem do dia-a-dia, porque as palavras criadas nos RPGs não são só um
reflexo ou extensão do dia-a-dia. Examinamos três exemplos de interação nos
RPGs de Live-Action. Em todos os três, os jogadores confiaram nos
conhecimentos culturais compartilhados. No primeiro caso, dois jogadores
empregaram convenções culturais sobre o significado das cores, objetos e
espaço tão bem quanto os materiais que pegaram emprestados dos mitos e
folclores a fim de ordenar/decretar o encontro entre um mago e um dragão. No
segundo os organizadores prepararam cenas da literatura clássica para
construir o enredo do jogo. No terceiro, os jogadores empregaram estereótipos
culturais de personalidades e comportamentos para apresentar personagens
de diversas idades e status sociais.

Resumo

O objetivo do trabalho é explorar a ligação entre RPGs Live Action como


sistemas culturais e o contexto cultural em que eles existem, por meio de
análise do material empregado no processo de interação do Role playing: as
funções e os usos dos códigos culturais, memória cultural, e conceitos culturais
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

de identidade. Três casos de interações comunicativas em LARPs (Live Action


94
Role playing) específicos, chamadas "cenas", são analisados de diferentes
perspectivas. Na primeira cena, os jogadores usam códigos culturais e
convenções na construção semiótica de um evento imaginário: um encontro
com um Dragão. Os participantes chegam a diversos segmentos culturais que
contém interpretações do tema para pegar emprestados materiais semióticos.
Portanto, o Role playing se torna um mediador para a reprodução ativa e
transformação de informação cultural, identificado como pertencente a diversos
sistemas culturais. O LARP também é um meio de utilizar "formações estáveis"
de memória cultural, como discutido na análise da segunda cena. Fragmentos
de literatura clássica não são apenas relidos e reescritos no esforço de
interpretação colaborativa, mas também são internalizados, e se tornam parte
de uma experiência biográfica pessoal. As interações comunicativas nas
seções de Role playing são baseadas nos estereótipos culturais de discurso e
comportamento que projetam personalidades e papéis; este é o foco da análise
na terceira cena. Considerados como sistemas abstratos, códigos culturais,
memória cultural, e conceitos culturais de identidades constroem a linguagem
cultural do Role Playing.

1.Introdução

Estudos sobre jogos os examinam como ambientes interativos; jogos


são interativos a um ponto em que é tautológico usar a expressão "jogos
interativos". (Mayra 2008, p6). Jogos acontecem pela comunicação: nenhuma
interação é possível sem a troca de informação, seja ela direta ou mediada por
tecnologia, sincronizada ou não, e entre jogadores ou entre um jogador e uma
interface. Dependendo do tipo ou design do jogo, a interação pode ser rica ou
relativamente limitada (veja e.g. Manninen 2003), respectivamente construindo
sobre a comunicação que é complexa e multicanal ou simplificada. Enquanto
tanto a natureza da interação e das particularidades da comunicação são
baseadas em descrever as especificidades do conceito de "mestre", elas
podem também definir as várias formas de jogar nos sistemas de RPGs.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

A interação comunicativa em uma sessão de Role playing


95
é baseada nos estereótipos culturais de discurso e
comportamento que projetam personalidades e papéis

LARPs (de mesa ou não) envolvem colaboração entre jogadores através


de atividades sociais face a face, baseado numa comunicação sincronizada e
direta. Nos jogos de mesa, essa interação é principalmente verbal, e a
ferramenta de comunicação que prevalece é a nossa linguagem oral 2. Foi Gary
Alan Fine quem primeiro pontuou (1983), "porque a fantasia de jogar é
baseada na experiência compartilhada, esta deve ser construída através da
comunicação" (p. 3). No processo comunicativo do jogo, os participantes têm
oportunidades de mobilizarem todas as ferramentas da vida real para uma
expressão verbal dos pensamentos, emoções e imagens durante a coleção
decretada de suas "fantasias compartilhadas". Sean Q.Hendricks (2006)
argumenta que a linguagem é uma ferramenta para ambos criarem o
imaginário do mundo do jogo e serem envolvidos nele. Ele explora várias
"estratégias discursivas incorporativas": o uso do pronome de primeira pessoa
por misturar a entidade jogador com a entidade personagem; o uso das
referências da cultura popular como estratégias para fortalecimento da visão
compartilhada do mundo do jogo estreitando as possíveis variações; e o uso de
formas de línguas de um mundo específico como uma estratégia para
assegurar o envolvimento dos jogadores por reivindicar a língua do mundo
fantasiado como a sua própria. Um estudo comparativo de Tychsen et al.
(2006) demonstra que é necessário visualizar o mundo ficcional através da
comunicação de linguagem; encoraja os jogos Role playing de mesa (papéis e
caneta), e eles aparentam ser mais engajados ou imersivos que jogos Role
playing de computadores, onde os jogadores se distanciam do mundo virtual.

Em mais um nível abstrato, Montola (2008) distingue entre um "mundo


do jogo" como uma construção coletiva, e "diegese" como uma leitura e
interpretação subjetiva do mundo do jogo, complementada pelos sentimentos e
ideias internas que permanecem implícitos. Assim, ele introduz a sutil, mas,
ainda importante, distinção entre aspecto intersubjetivo e intrasubjetivo no
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

processo criativo do Role playing. Ele então conceitualiza a interconexão entre


96
os dois lados do sistema comunicativo, o interpessoal e o pessoal, como um
laço das três atividades básicas: interpretação, ajuste, e comunicação. Assim,
"o mundo ficcional ou a verdade sobre o que existe em um mundo ficcional"
(Montola 2003, p. 82) não é uma entidade tão clara e estável, mas um (pelo
menos parcialmente) entendimento compartilhado, alcançado em um desigual
e complicado processo de negociação e (des) acordo. Assim como Kristian
Bankov (2008) pontuou, verdade não é uma parte das coisas por sí; a verdade
requer afirmação, que é um discurso. O mundo do jogo e a diegese não são
discursivamente construídos; eles são sujeitos à transformações devido à
atividade discursiva dos jogadores.

Esse estudo se concentra nos aspectos interpessoais de, sem dúvida, a


mais complicada e difícil de generalizar e analisar nas interações do jogo:
aspectos de Live Action Role Playing Games (LARP). No LARP, a
comunicação é heterogênea; a interação é multimidiática. Mensagens visuais
constituídas em formas e cores que complementam a interação verbal e
paralinguística (i. e. através da entonação, volume ou suspiro). Jogadores
devem se comunicar somente com gestos ou se expressarem através de sons
ou danças (ver e.g. Fedoseev and Kurguzova 2012). O design dos espaços,
cenários, e adereços e sua interpretação e utilização também fazem parte das
trocas comunicativas. As mensagens geradas (ou textos) não são apenas
verbais, são também para serem vistas no sentido mais amplo do termo
semiótico: gestos e posturas corporais, exclamações, sons, músicas e danças,
trajes, imagens, diferentes tipos de objetos e seu uso. Lotman (1980) diria que
eles formam um conjunto semiótico.

Nesse processo comunicativo, a linguagem não é meramente uma


ferramenta de interação. A linguagem de Role playing não é uma camada
externa no topo da essência do Role playing; toda interação no Role playing
em sua forma comunicativa é interação de linguagem. Contudo, a linguagem
de Role playing é diferente da linguagem cotidiana, porque as palavras criadas
nos Role playing não são meramente uma reflexão ou extensão da vida
cotidiana, elas são ficcionais. A essência do Role playing reside na tentativa de
ser outra pessoa, e/ou em outro lugar, e/ou em outro tempo, e frequentemente,
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

necessita de uma simulação de um mundo muito diferente do cotidiano; o


97
conhecimento de que esse mundo está fora do alcance da memória individual e
indisponível na experiência biográfica dos indivíduos. Em um processo de
construção discursiva de entidades de ficção, linguagem cotidiana não é
suficiente. Se os LARPs são palavras temporárias no mundo cotidiano (Stenros
2010, p 300), sua manifestação discursiva deve empregar superestruturas
semióticas construídas sobre a linguagem natural.

2. Enunciado do problema

Vários pesquisadores que tem estudado Role playing games discutem a


tendência dos jogadores incorporarem ao processo interativo elementos ou
materiais emprestados de vários sistemas culturais. Em seu trabalho de
seminário Shared Fantasy (Fantasia Compartilhada), Gary Alan Fine (1983)
anota, "cada grupo de jogos interpreta, define, e transforma elementos culturais
em sua esfera de conhecimento no quadro cultural de uma sociedade
imaginada" (p. 2). Jogadores não criam mundos fantasiados inteiramente de
sua imaginação; em vez disso, eles moldam e adicionam um nível a mais de
significado a materiais culturais derivados de seu conhecimento de mundo. Os
membros de um grupo utilizam cultura para imbuir os acontecimentos em seu
mundo com significado e para criar eventos recém significados; assim, cada
grupo de jogo é um intérprete da cultura maior da sociedade no contexto de
que o grupo existe (pp. 238-239) Daniel Mackay (2001) argumenta que tais
elementos culturais são os blocos de construção do desempenho do Role
playing. Tudo, da interação do dia-a-dia com outros que deixam impressões
sobre os jogadores até imagens memoráveis coletadas a partir de experiência
dos jogadores com a arte, pode ser usado para criar seus personagens. Linhas
famosas, posturas apropriadas, traços vívidos de passagens literárias ou cenas
de filmes são encontradas na memória dos jogadores como blocos fictícios
descontextualizados. Todo o desempenho do jogador pode ser uma
manipulação consciente de alegorias e convenções ou uma repetição
inconsciente de blocos fictícios para os quais os jogadores tenham sido
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

expostos. Uma vez divorciada de seu contexto, blocos fictícios funcionam como
98
tiras de comportamento imaginário - comportamento não real que ocorre em
um ambiente de imaginário - e são a própria substância do jogo (pp.76-79). Da
mesma forma, Sarah Lynne Bowman (2010) observa que o conteúdo das
narrativas de jogos de Role playing "frequentemente emerge do fundo,
símbolos arquétipos cultivados nas fontes da experiência humana coletiva" (p.
13).

Este estudo discorre sobre a noção de uma ligação entre o jogo de Role
playing como um sistema cultural e do contexto cultural em que ele existe
através da análise dos materiais culturais empregados no processo de
interação Role playing. Estudando exemplos concretos, vamos discutir a
incorporação de diversos "elementos culturais" na comunicação do LARP.
Vamos examiná-los como sistemas abstratos de elementos e regras para a sua
utilização no processo de comunicação, ou seja, como linguagens. Nosso foco
será não tanto sobre os próprios elementos ou a sua origem, mas em sua
interpretação dentro da específica situação comunicativa, sua interligação
semântica na criação de novos significados. As pantufagens33 inerentes a tal
discussão decorrem do caráter da análise: examina não exclusivamente
elementos verbais, mas toda a multimidialidade de interação Role playing.
Pedindo emprestado de Frans Mayra (2008): "No contexto dos estudos sobre
jogos, é tão importante pensar sobre o significado que está relacionado as
ações, ou imagens, como é para encontrar significados nas palavras "(p. 13).

3. Conceitos e métodos chave

Influenciados pelos trabalhos do linguista dinamarquês Louis Hjelmslev


sobre o uso primário (literal, 'denotativa') e secundário (figurativo, metafórico,
'conotativo') de palavras e expressões, Roland Barthes (1972) e Juri Lotman
(1970), sem dúvida, independentemente um do o outro, elaboraram a noção de

33
Original Slepperiness; slepper = pantufa/ um tipo de sapato confortável para se usar
em casa (http://dictionary.cambridge.org/us/dictionary/british/slipper?q=slipper acesso em
1/3/2014 às 4:04bra)
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

sistemas semióticos secundários. De acordo com isso, no topo da linguagem


99
natural - o sistema semiótico básico através do qual nos comunicamos - que
construímos sistemas adicionais de significado, mais ou menos convencionais,
servindo para organizar e expressar nossa experiência social. Em sua
conclusão para Mitologias, Barthes define mito como um sistema de segunda
ordem semiológica (em francês, systèm e sémiologique second), onde
diferentes matérias primas (a própria linguagem, fotografia, pintura, cartazes,
rituais, objetos, etc.) são utilizadas como um idioma secundário para a
expressão de significados ideológicos adicionais.

Esta noção também permeia os trabalhos de semiótica cultural de Juri


Lotman. Ele vê toda a cultura como informação, coletada, armazenada e
transferida, em toda sociedade humana, de uma geração para a seguinte. A
cultura é um agregado de textos, na qual a memória coletiva é armazenada; a
cultura é um sistema de comunicação onde os textos são trocados através de
diversos canais; a cultura é um mecanismo de criação de textos e textos são a
realização de cultura (Lotman e Uspensky 1978). Todos os textos da cultura
podem ser lidos e compreendidos com a ajuda de códigos culturais, que são as
bases de diferentes "línguas" culturais. Cada texto cultural pode ser
considerado um único texto com um código único e, simultaneamente, um
agregado de textos com um agregado de códigos correspondentes (Lotman,
1967). Lotman presta atenção especial à arte e as 'línguas' da literatura -
teatro, cinema, artes plásticas, música - como sistemas de comunicação de
informações artísticas específicas, que são semelhantes à linguagem natural,
mas muito mais complexas, uma vez que elas são construídas sobre ela e
servem como sistemas de modelagem secundárias (Lotman 1970, 2002).

No entanto, "linguagem" e "código" não são sinônimos:

"O termo 'código' traz consigo a ideia de uma estrutura recém-criada


e artificial, introduzida pelo acordo instantâneo. Um código não implica
história, isto é, psicologicamente nos orienta a linguagem artificial, que é
também, em geral, considerado como um modelo ideal de linguagem.
'Língua', ainda que inconscientemente, desperta em nós uma imagem do
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

alcance histórico de existência. Linguagem - é um código mais a sua


história." (Lotman, 2009, p. 4) 100

Se uma linguagem consiste de um código e de sua história, a discussão


de linguagens "culturais" deve envolver a ideia de cultura como memória. Em
seu trabalho seminário Sobre o "Mecanismo Semiótica da Cultura" (1978),
Lotman e Uspensky definem a cultura como a memória não hereditária da
comunidade (p. 213). Cultura é um mecanismo para preservar a informação na
consciência da comunidade. A longevidade dos textos forma uma hierarquia
dentro da cultura, geralmente identificado com a hierarquia de valores. Os
textos considerados mais valiosos são os de longevidade máxima: os textos
pancrônicos34. Aleida Assmann (2008) posteriormente distingue entre duas
formas de memória: uma mais ativa, as instituições que preservam o passado
como presente; e uma mais passiva, que trata o passado como passado. Ela
refere-se à memória ativamente circulada como o cânon e à memória
passivamente armazenada como arquivo. Jan Assmann (1995, 2008)
apresenta outra distinção em suas obras - entre duas formas diferentes de se
lembrar: a memória comunicativa e a memória cultural, que ele ilustra com sua
metáfora dos estados "líquido" e "sólidos" da memória coletiva. Memória
comunicativa não é formalizada e estabilizada por quaisquer formas de material
simbólico; é difusa e vive em interação cotidiana. Memória Cultural é
caracterizada pela sua distância do cotidiano; é mediada através de textos,
ícones, danças, rituais e performances de vários tipos; ela tem formações
"estáveis" para garantir a objetivação ou cristalização de significados
comunicados.

34
original "panchronic" pan = sufixo no sentido de pluralidade
(http://dictionary.reference.com/browse/pan-)

chronic = adjectivo de longa


duração(http://dictionary.cambridge.org/us/dictionary/british/chronic_1?q=chronic)ambos
visitados 1/3/2014 às 5:02 bra
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LARPs constituem um sistema semiológico de segunda ordem devido à


101
própria natureza do "brincar de faz de conta." Ele pega emprestado uma ampla
gama de materiais semióticos crus (palavras e frases, posturas e gestos, ritmos
e melodias, símbolos e imagens) e os modela, atribuindo um significado
adicional, secundário a eles no ato de interpretar um papel. Este sistema é
caracterizado pela fusão de dois recursos: "teatralidade" e "interatividade‖. A
teatralidade é uma característica semiótica fundamental das performances
dramáticas, a sua definição é baseada na observação de que todos os signos
teatrais funcionam como sinais de sinais. No palco, a coroa e o anel não são
símbolos do poder real, eles são sinais dos símbolos do poder real, ao mesmo
grau que os gestos régios do ator realizando o papel do rei. Signos teatrais
apresentam a mobilidade (ou seja, são substituíveis entre si) e poli
funcionalidade. Por exemplo, a chuva pode ser indicada por sons, acessórios
ou palavras, ou seja: pelo barulho do cair de gotas de chuva, por um guarda-
chuva aberto ou simplesmente dizendo: "Está chovendo"; uma cadeira pode
ser usada não só como uma cadeira, mas como uma montanha, escada, carro,
ou uma criança dormindo. Cada símbolo teatral pode executar várias funções
para criar uma grande variedade de significados (ver Fisher-Lichte 1992, pp
129-141). Assim como em um espetáculo teatral, em um LARP, "todos os
objetos no espaço físico e todo ato realizado é um símbolo" (Loponen e
Montola 2004, p 42.); mas a diferença crucial aqui é que eles estão envolvidos
em "um ciclo de criação e consumo" (Sandberg 2004, p. 276), ou seja, em um
processo de geração de sentido de interação direta. Os participantes de um
evento LARP, mais frequentemente assumem os papéis ativos de
interlocutores do que as posições dos artistas / plateia. O significado de cada
mensagem em LARP é produzido pela comunicação entre os participantes
agindo juntos em uma situação particular.

Todos os objetos no espaço físico e todo ato realizado é um


símbolo
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Interpretando role-playing como um sistema de modelagem secundário


102
permite-nos evitar duas noções potencialmente redutoras. A primeira afirma
que a inclusão de diversos materiais culturais no processo de comunicação é
uma mera referência, "citar", que preserva o seu significado original intacto.
Visualizando role-playing como um sistema de modelagem nos permite
considerar os elementos culturais nele como uma linguagem; um conjunto
abstrato de signos cujo uso é, por vezes, em parte, não intencional, muitas
vezes improvisado e estimulado pela situação concreta, e cujo significado não
tenha sido pré-estabelecido mas é criado em conjunto pelos participantes do
discurso role-playing. A segunda noção diz que a origem destes elementos
deve ser procurada apenas em certos textos e gêneros da cultura popular,
como Dungeons and Dragons, literatura de fantasia ou filmes de ficção
científica. O empréstimo de elementos que podem servir como códigos na
interação role-playing pode, de fato, acontecer através de uma grande
variedade de sistemas de signos a que os jogadores têm acesso, então vamos
discuti-los sob a proteção geral de códigos culturais, memória cultural e noções
culturais de identidades.

Os casos que examinaremos, chamados de Cenas, foram extraídos dos


jogos LARP búlgaros. Eles foram documentados durante o trabalho de campo
através de métodos etnográficos qualitativos, tais como a observação
participante, gravação de áudio e vídeo. A abordagem é baseada na
etnometodologia (Garfinkel 1967) e da etnografia da fala (Hymes 1974) e seu
interesse em como as pessoas interagem e mantem contatos sociais; como
utilizam a linguagem para criar e sustentar realidades. Um aviso metodológico
é necessário aqui: embora a interpretação tenha, geralmente, sido verificada
nas discussões pós-jogo com os participantes do evento LARP relevante
(particularmente em Cena 2) ela ainda se mantém em grande parte uma
interpretação subjetiva do pesquisador. Outras interpretações são possíveis
para qualquer um que seja falante nativo e esteja familiarizado com as
peculiaridades da cultura LARP búlgara.

A análise dos três casos escolhidos será realizada em diferentes níveis,


a abordagem analítica é baseada em extensa pesquisa de Teun A. van Dijk em
macroestruturas discursivas: as estruturas semânticas ou conceituais de nível
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

superior que organizam as microestruturas locais de discurso, a interação, e o


103
seu processamento cognitivo (ver por exemplo, Van Dijk, 1980). Na primeira
cena, uma interação entre dois atores será discutida como uma sequência de
atos comunicativos, ou seja, como macroestrutura narrativa (Van Dijk, 1976).
Na segunda cena, uma sessão de LARP inteira será vista como um evento
comunicativo global, na medida em que os dois lados do processo
comunicativo são dois grupos (macro participantes): o dos organizadores e o
dos jogadores. Na terceira cena, desceremos ao nível de análise de
conversação, mas traremos em consideração outro conceito: o de modelos de
contexto como representações subjetivas de situações sociais (Van Dijk 2007):

"Os modelos de contexto estrategicamente controlam o processamento


do discurso, de tal forma que um discurso é produzido ou entendido como
apropriado em uma dada situação comunicativa. Isto significa que qualquer
coisa que pode variar no discurso pode, assim, tornar-se controlada pelo
modelo de contexto, como expressões dêiticas, fórmulas de polidez, estilo,
estruturas retóricas, atos de fala, e assim por diante" (p. 7, grifo original).

4. Cena um: mago e dragão

Na periferia da área de jogo, em uma seção arborizada úmida, um grupo


de jogadores se depara com uma única NPC. O NPC usa um vestido
vermelho-vivo, com miçangas e fitas, vermelho brilhante. Ela é hostil e
tenta assustar o grupo; ela cospe e sibila. Somente quando confrontada
por um membro do grupo, portando um cajado e usando pingentes de
couro, madeira e conchas, que ela se acalma. O início do encontro
funciona como uma introdução: os dois se apresentam como um mago e
um dragão. O Dragão fala em cadências e com sintaxe ímpar, uma
reminiscência de poesia. O Mago divulga seus objetivos: ele tem que
cruzar as portas do Outro Mundo, mas para isso ele precisa de um
pergaminho de runas35 mágicas. O Dragão admite ter o pergaminho, mas

35
Original “runes”um tipo de alfabeto antigo do norte da Europa, normalmente usado para se
referir à segredos ou significados mágicos
(http://dictionary.cambridge.org/us/dictionary/british/rune?q=runes acessado 1/3/2014 às 15:45)
2
O caso Asckolt 2008: ErtanMušov et al. A 28 de junho, Varna, Bulgária. Notas de campo.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

somente o entregará se o Mago lhe contar mais sobre o mundo dos seres
104
humanos ou se ele encontrar uma maneira de lhe distrair. O Mago aceita
o desafio e decide cantar uma canção popular/folclórica para o Dragão. O
Dragão aprova a música e a atuação, e dá o pergaminho para o Mago. O
mago agradece lhe, o Dragão deseja lhe sucesso e cada um segue seu
caminho2.

Eirik Fatland (2006) escreve sobre "uma vasta gama de ideias culturais";
aprendidas com a experiência pessoal, a partir de livros, brincando ou
assistindo filmes, o qual serve como um conjunto de conhecimentos a partir do
qual jogadores de role-playings extraem padrões de improvisação. Fatland
define esses padrões como "códigos de interação" e sistematiza alguns deles
em dois tipos: os códigos de convenções (convenções do gênero e referência,
convenções de situação, convenções de cenas LARP), e códigos de enredo
(língua falada, a linguagem corporal, personagens e histórias estereotipados,
etiqueta e rituais sociais). Na cena descrita acima, podemos identificar alguns
dos códigos citados de interação, por exemplo, a regra de que só os magos
podem falar com os dragões, que é uma convenção de "alta" fantasia familiar a
partir dos romances Earthsea de Ursula Le Guin; o encontro entre os
participantes começa com uma introdução e termina com despedidas, duas
características obrigatórias de etiqueta social; a insistência do grupo em se
comunicar com o dragão é necessária em virtude de convenções dentro da
cena LARP búlgaro em que NPCs são destinadas a servir os jogadores, como
fonte de informações e itens.

Antes de interação verbal começar, os dois jogadores, através de códigos


de cor, objetos e comportamento, sinalizaram para o outro o que cada um é. O
texto visual recém- criado tem uma denotação totalmente ficcional: um jogador
reconhece o outro apenas pela força da convenção cultural: o vermelho
simboliza o fogo e dragões são criaturas de fogo, que são serpentes, daí o silvo
e o cuspe; cajados e pingentes são os apetrechos de magos e assim por

**original “singsong”
(http://dictionary.cambridge.org/us/dictionary/british/singsong_1?q=singsong acesso 1/3/2014 ás
16:53)
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

diante. Dentro da interação verbal dos jogadores, uma linguagem "cantada**"


105
específica é estabelecida: de um lado, o discurso estranho do Dragão, ritmado,
e característico das criaturas mágicas em contos de fadas búlgaros
(Parpoulova, 1978), do outro, o Mago escolhe a canção com a qual "conta o
conto" sobre o mundo dos humanos. O texto que emerge desta língua
"cantada" é por si só um sinal complexo: um sinal para um tipo raro de
comunicação, uma interação mágica. Baseia-se em concepções mitológicas
compartilhadas; poderíamos dizer que o pressuposto desta interação é o
código mitológico, segundo o qual é preciso mágica para passar para o Além e
criaturas como o Dragão habitam as margens do mundo humano. Nesse
espaço remoto, o Dragão guarda os portões para o Outro Mundo; ele é
estranho para as pessoas e elas com ele, e isso é por que ela precisa ouvir um
conto sobre eles, o que o Mago faz na sua qualidade de mediador, de
intermediário entre o mundo dos seres humanos e seres míticos. A narrativa
segue um enredo familiar. Ele está sujeito ao código narrativa do conto de
fadas: o Dragão é um auxiliar mágico e concede um item mágico para o herói,
mas primeiro ele deve testá-lo, o Mago tem que cumprir a tarefa e passar no
teste para ganhar o item mágico: funções XII, XIII e XIV, de acordo com
Morfologia do conto popular (1968) de Vladimir Propp.

O role-playing game se transforma em um meio para a


existência e recriação de informação cultural herdada

Os participantes chegam a um acordo completo: a interação é bem


sucedida. Elementos separados são combinados ecleticamente: material
semiótico de procedência diversa é livremente emprestado e estruturado. O
empréstimo não é arbitrário, mas segue o tema "encontro com um dragão": os
interlocutores buscam todos os segmentos culturais que eles podem pensar
que contenham interpretações no tema: literatura (fantasia), jogos de RPG
mitologia e folclore. O RPG se transforma em um meio para a existência e
recriação da informação cultural herdada, conhecida por suas diferentes
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

origens culturais, mas compartilhada por todos os participantes desse evento


106
comunicativo particular. A comunicação se dá em dois níveis: por um
específico, entre os interlocutores, e no abstrato, entre vários textos dentro de
uma cultura e entre diferentes culturas - "diferentes", no sentido dado por
Lotman sobre a tipologia de culturas: remota no tempo ou no espaço. O
mosaico de todo e qualquer elemento é aceitável, do ponto de vista dos
participantes tentando alcançar seus objetivos - se é compreensível para o
interlocutor. Além disso, por causa da tensão em cada vínculo sintagmático
criado, a comunicação é garantida a ter lugar aqui e agora, como um diálogo
de forma espontânea e, juntamente, criando novos significado, e não como um
conjunto de monólogos montados uns nos outros para criar significados de
forma premeditada.

A interação entre os dois jogadores é completamente improvisada, e suas


participações são espontâneas, uma resposta direta às ações do parceiro. O
gênero da narrativa criada em conjunto por eles pode ser facilmente
reconhecido como fantasia, e isso é provavelmente o porquê dele conter os
arquétipos colocados em primeiro plano por lendas e mitologia (ver também
Bowman 2010, pp 143-154). Igualmente fácil, pode ser reconhecido como parte
da cultura do LARP búlgaro, não só por causa da língua natural da interação,
mas também por causa da inclusão de elementos do folclore local. Ao
desenhar ativamente as informações culturais heterogêneas e vinculando-as
em conjunto para produzir significados, os jogadores LARP situam sua micro-
cultura ao longo das fronteiras da semiosfera cultural (como por Lotman 2005),
uma área de maior geração de significativa. Um fenômeno global, que
incorporou as tradições dos gêneros literários populares, como fantasia e
também as características da cultura de jogos norte-americanos, encontra,
absorve e é realizada através dos textos e códigos da cultura local, "formando
uma espécie de crioulização das estruturas semióticas" (p. 211). Usando as
bases estabelecidas por Lotman, estamos conscientes de que esta ligação não
pode ocorrer mecanicamente, é sempre uma interpretação gerando novos
significados. Construir mundos imaginários só é possível na interpretação,
porque mesmo os mundos mais fantásticos sempre foram mediados através de
línguas muito semelhantes às nossas.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

107
5. Cena dois: Máscaras e enigmas

O salão é festivamente iluminado, uma orquestra de cordas toca. No final


do corredor, o anfitrião da vez, Dom Delgado, se senta. Duas de suas
companhias misteriosas estavam ao seu lado: um homem alto, de cartola
e uma garota bonita. O terceiro companheiro fica na porta do salão e
pede a todos os convidados a apresentarem os seus convites e dizer o
seu nome e título. Depois disso, ele anuncia em voz alta a sua chegada.
Os convidados entram na sala e esperam pacientemente pela sua vez
para se apresentarem ao anfitrião. Todos estão vestidos a rigor, e
mascarados. Don Delgado lhes dá as boas-vindas, beija as mãos das
senhoras, mas não se levanta de sua cadeira por um momento sequer.
Seu alto companheiro repete o mesmo elogio repetidamente: "Estamos
muito satisfeitos", "O Dom está encantado", "Ela está encantada",
"Estamos todos encantados."2

Para os fãs do romance de Bulgakov O Mestre e Margarita que


participaram no jogo LARP "The Spring Ball of Don Delgado‖ (O Baile da
Primavera de Don Delgado), o início do qual está descrito acima, esses
elogios, juntamente com os nomes dos três companheiros misteriosos -
Azazelo, Korovieva e Behemoth36 - são suficientes para fazê-los agir com
extrema cautela e evitar a interação com aqueles que interpretam os elementos
acima referidos. Poucas coisas agradáveis acontecem aos outros.

Cerca de duas horas após o início, o anfitrião Delgado anuncia uma


pequena atuação - um show de marionetes - para o entretenimento de seus
convidados, dos quais amantes de Hamlet seguem com particular atenção. No
verso, a interpretação dos bonecos fala sobre como era uma vez o pobre jovem
Delgado, muito parecido com o personagem de Dumas, o Conde de Monte
Cristo, foi acusado e condenado para que a noiva pudesse lhe ser tirada. O
espetáculo provoca reações iradas dos convidados descritos nele.

36 3
“O Baile da Primavera de Don Delgado 2010”: Lyubomira Stoyanova et al. The 17 of April, Sofia, Bulgária. Notas de campo
e gravação de vídeo
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Durante o jogo, a vida de todo mundo depende se eles vão ou não


108
descobrir que seu anfitrião cordial vendeu sua alma para o Príncipe das Trevas
– talvez eles consigam acompanhar o diálogo entre dois textos: o romance de
Bulgakov e Fausto, de Goethe - e também se, com a ajuda de um código
especial, eles podem encontrar e destruir o pacto de sangue. Para conseguir o
código, composto de referências bíblicas, no entanto, eles têm que responder a
um enigma: "O que é o que é tão alto, porém tão baixo?".

O design do jogo LARP inclui elementos das obras do cânone literário


europeu. Cada elemento é destinado a carregar um significado particular,
incitando uma reação particular nos jogadores. Juntos, estes elementos
formam um código literário específico, composto de sinais que, no espírito do
jogo, vamos chamar máscaras. Neste caso, os criadores dependem
principalmente da habilidade dos participantes em construir conexões
associativas, para associar, que é a forma mais fraca de codificação. A
decodificação segue definindo processos interpretativos que se movem em
muitas direções diferentes, fazendo com que os jogadores tenham uma série
de expectativas mutuamente contraditórias.

O conflito sócio romântico, ou a máscara "O Conde de Monte Cristo", está


associativamente ligado à expectativa de vingança, mas, ao mesmo tempo
exclui a presença de personagens e eventos "sobrenaturais". Reconhecer que
os três companheiros misteriosos são demônios, ou a máscara "The Master
and Margarita", cria expectativas de um conflito do tipo ―bem contra o mal‖, o
que implica em uma decisão ética (ou afiliação); mas a revelação pública de
pecados passados, sendo expostos em verso, ou a máscara "Hamlet", introduz
uma hesitação onde linhas divisórias no conflito são precisas. O código literário
traz com ele uma teia de conexões (con) textuais: cada elemento é interpretado
não apenas no contexto do jogo, mas também dentro do texto a partir do qual
ele é retirado. A escolha dessas obras não é arbitrária: clássicos são
superinterpretados e neles cada elemento é um sinal rico em conotações.

Associações literárias são "os componentes do enigma", cuja solução


torna-se o aspecto de jogo deste LARP, inicialmente anunciado para ser um
―encontro social‖. O jogo é uma das inteligências: para os criadores, é sobre
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gerar "enigmas", e para os jogadores, é sobre encontrar todas as respostas,


109
que são deliberadamente complexas, resistentes à interpretação simples e
inequívoca. A multiplicidade de leituras, a maneira como elas se contradizem, a
incerteza interpretativa provocam e mantém o suspense, até que as "máscaras
caiam" e os lados se tornem claros. Em outras palavras, o fraco sistema de
codificação e a fraca congruência garantem a tensão do jogo. O sentido das
máscaras literárias torna-se uma base para a longa relação de escolhas entre
os criadores e participantes. O que torna "O Baile da Primavera de Don
Delgado" um jogo é o jogo de interpretação de código literário. A solução não
segue uma lógica linear, ao contrário, diferentes interpretações das referências
literárias minam, cancelam e, até mesmo, se contradizem. O resultado, no
entanto, é um texto role-playing coerente (como por Stenros 2004). A
reconstrução do texto deve incluir um mosaico intertextual de obras literárias,
amalgamadas dentro da dinâmica de interação discursiva e (re) escrito em um
esforço interpretativo colaborativo. Para as sessões de larp de duração
limitada, partes destes clássicos deixam de existir como textos fossilizados e
são trazidos à vida na pragmática da interação imediata.

Experimentar obras clássicas em primeira mão destrói as


aberturas verticais na cultura

Se nos voltarmos para a terminologia de Jan Assmann, poderíamos dizer


que estamos testemunhando uma transformação da memória cultural na
memória comunicativa. Elementos textuais de estáveis, "objetivadas" formas de
memória cultural, carregando significados "cristalizados", são trazidos e
reconstruídos dentro de um contexto particular. Eles, no entanto, não são
interpretados como cânone; após a sua liquefação, os jogadores são imersos
neles, os experimentando em primeira mão, como se fossem uma parte da
realidade cotidiana mundana. Particularmente, vemos fragmentos de clássicos
incorporados à experiência biográfica pessoal dos participantes.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Tanto a noção de cânone de Aleida Assmann de (2008) quanto a


110
definição descritiva da memória cultural de Jan Assmann de (2008), se referem
predominantemente a textos, símbolos e práticas atribuídas a cultura "alta" ou
elitista. A hierarquia dos valores estabelecidos através dos textos pancrônicos
do cânone e da estrutura de participação da memória cultural, que nunca é
estritamente igualitária, implicam modos um tanto distantes, cultivados e
ritualizados, de recepção e interpretação. Experimentar obras clássicas em
primeira mão destrói as aberturas verticais na cultura e, em um nível mais
abstrato, vemos como durante esta sessão larp, a ―alta‖ cultura é assimilada a
cultura popular. O cânone é articulado nas línguas formais de role-playing; seus
personagens e encontros dramáticos são incluídos nas macroestruturas
semânticas e pragmáticas de um evento de jogo, e, assim, (alta) memória
cultural e a memória cultural popular (como por Kukkonen 2008) se misturam
são utilizadas em uma experiência criada coletivamente.

6. Cena três: Aldeões e as Samodivas37

Jogador A: E v-v-você a-a-aprendeu sobre os animais?

Jogador C: Perdão?

Jogador A: Animais. Você aprendeu sobre eles?

Jogador C: Eu aprendi sobre as pessoas, mas é o mesmo princípio...

Jogador B: Então você sabe sobre sapos.

Jogador C: Sobre sapos - não.

Jogadores A e B (partilhando um olhar): Não? Nããão...

Jogador C (Estudando um pedaço de papel): Eu sei sobre


carneiros... sobre...

37
Segundo a Wikipédia “Samodiva” são fadas das florestas encontradas no folclore e mitologia
sul-eslávicas acesso 12-03-2014 às 17:094 Legend of Taermonn 2010: A Ordem dos Oitos. A 17 de Julho,
Sofia, Bulgária. Gravação de vídeo.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Jogador A: Quem sabe sobre saaaapos?


111
Jogador C (acariciando seu nariz e queixo): O mendigo da aldeia,
talvez.

Jogadores A e B (Compartilhando outro olhar): O mendigo? O


meeeeendiiigo...

Jogador C: O mendigo, muitas vezes come sapos, então eu acho


que ele os conhece melhor.

Jogadores A e B, em conjunto: Obrigado! Agradecemos!

Jogadores A e B fogem.

Jogador C: Não há de quê. (Senta-se à mesa, onde seus itens são


organizados, e se vira para o jogador X, que se senta à sua frente.)
Por favor, me dê sua mão. Abre uma jarra e com um par de alicates
de madeira pega um objeto que ele coloca sobre o pulso de Jogador
X.

Jogador D se aproxima e diz algo que é incompreensível na


gravação.

Player C: Em um minuto, por favor, Eu estou com um paciente


agora, como vós podeis ver. (To Player X.) De onde você é?

Jogador X: Dos bosques locais.

Jogador C: A única aldeia por aqui é esta, Taermonn, e eu tenho


vivido aqui tempo suficiente para saber que você não é local.
(Derrama uma parte do líquido do frasco para um pequeno copo).

Jogador X: Eu não sou de uma aldeia. Quem gostaria de viver em


suas aldeias? Em seus bosques há mais espaço para viver do que
você pensa.

Jogador C: Você não vai desaparecer de novo, vai, como você fez
antes com o padre? (Usando o alicate de madeira, ele arranca o
objeto fora do pulso do jogador X e mergulha no copo.)
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Jogador X: Aaai!4
112

Michael Silverstein (2004) argumenta que os conceitos culturais ou


estereótipos de identidades informam eventos interacionais específicos com
um esquema aparente de diferenciação social: "Como receptor, um sempre
tem um ‗Aha!‘ de reconhecimento: ‗fala assim e assim, como um _______!‘
(Preencher a categoria de identidade). E a gente sempre se esforça para
projetar uma auto identificação de alinhamentos categóricos para os outros
descobrirem sobre si mesmos como remetentes." (p. 638) A interação
comunicativa em uma sessão de RPG é baseada em estereótipos culturais de
discurso e de comportamento que projetam personalidades e papéis. O
objetivo final e essência da atuação é alcançar uma perspectiva compartilhada
de "fulano de tal fala assim e assim." Isso não significa que RPG é
estereotipado, isto significa que role-playing utiliza estereótipos culturais de
"tipos de pessoas", como ferramentas na atuação.

O jogador A faz a pergunta "E você aprendeu sobre os animais?"


timidamente, gaguejando. O jogador A e o jogador B mudam constantemente
de lugar como parceiros comunicativos do Jogador C, e suas ações atingem
um nível de sincronização onde se falam e gesticulam simultaneamente e de
forma idêntica. Esses atos coordenados incluem conexões estranhamente
lógicas (você aprendeu sobre as pessoas, logo você sabe sobre sapos), uma
série de reações afetivas (interesse, decepção, surpresa, alegria) e
expressividade sem entraves. O conteúdo semântico daquela interação verbal
desenvolve o tema da erudição do personagem do jogador C e sua
competência no campo das espécies biológicas. Através da etiqueta nos
gestos e na fala, jogador C apresenta seu personagem como um homem bem
educado, muito ocupado, mas não menos sensível à persistência dos
jogadores A e B. Jogador C até mesmo começa a ―falar" a língua deles,
demonstrando uma espécie de lógica semelhante (o mendigo come sapos,
logo, sabe sobre eles).
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Jogadores A e B executam as partes de duas crianças38 de 13 anos,


113
Clara e sua melhor amiga Eleanor, respectivamente, e do Jogador C, a parte
do médico, Alexandre Romualdo. Na cena em questão, podemos concluir que
as noções de comportamento compartilhados dos jogadores A, B e C revelam
a identidade "criança" identificando por atributos tipológicos como "tímido,
respeitoso, expressivo, ilógico", e aqueles do "doutor", por atributos como
"educado, bem-educado, condescendente, ocupado". Os participantes
constroem essas noções em conjunto, observando-se o princípio da
cooperação, e a expressão paralinguística e verbal não está necessariamente
vinculado por um objetivo comum: por exemplo, na primeira linha do Jogador A,
a forma de expressão codifica a sua própria identidade, e o seu conteúdo, a
identidade do interlocutor.

Na segunda parte da cena, durante a interação entre os jogadores C e X ,


o modelo contextual é estabelecido pelos participantes como uma determinada
situação social: "uma visita ao médico." Os papéis sociais são estritamente
definidos (um é explicitamente nomeado pelo jogador C: "paciente");
comportamento também é estritamente definido: Jogador C executa uma
manipulação complexa na qual o jogador X perdura, até mesmo simulando dor;
interação verbal procede dentro das restrições da etiqueta situacional, incluindo
a forma polida de endereçamento5, que o jogador C falha ao observar em
apenas uma de suas linhas (um lapso comportamental). A direção pragmática
da conversa é inteiramente para revelar a identidade do personagem do
jogador X. O tema é introduzido por Jogador C, e suas perguntas e
comentários contém a seguinte implicação: você é um estranho ("Eu sei que
você não é daqui", "você não vai desaparecer, vai"). O que fica subentendido
na resposta do jogador X é: eu sou diferente ("Eu sou dos bosques locais",
"quem gostaria de viver em suas aldeias"). O jogador a quem nós chamamos X

38
Original “children” que pode ser crianças ou filhos, mas sempre no sentido de filhos, é que no
caso não se tem referencia de quem são os pais.5 Na Bulgária, o pronome singular segunda pessoa, junto
com verbos no singular, é uma marca de estilo de interação informal entre as pessoas que estão perto.
Interação formal impõe uma "forma educada de endereço", que é o uso da segunda pessoa do plural,
juntamente com os verbos e particípios, no plural. No caso, em inglês não existe a tal diferenciação da
segunda pessoa no plural/singular, então deixei como “você” e “vós” para que o texto se aproxime do
original e não do inglês
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

de propósito realiza a parte de um dos enigmas personificados do jogo: a


114
Samodiva, uma fada da floresta do folclore búlgaro. Ambos os parceiros de
comunicação constroem juntos a identidade "diferente, estranha" do caráter do
jogador X sem invocar diretamente sua essência imaginária.

Quando pensamos em comunicação LARP, temos que ter em mente o


seu personagem duplo, a combinação de objetivos pragmáticos e senso
artístico e sua possível realização como jogo-de-linguagem (Ilieva 2010).
Seguindo de perto as reações do jogador C, podemos descobrir certos atos
característicos espalhados por todos os subentendimentos da interação, que
não podem ser lidos e compreendidos exclusivamente através das convenções
da identidade do "doutor". Por exemplo, na primeira parte da interação, ele
nega enfaticamente saber sobre sapos, apesar da alegação de que ele
"aprendeu sobre as pessoas" e "sabe sobre carneiros" e que "o princípio (seja
ele qual for) é o mesmo." Então segue uma improvisada, se não segura,
declaração sobre os hábitos alimentares do mendigo. Na segunda parte da
interação, ele inadvertidamente quebra a etiqueta comportamental, passando
da segunda pessoa plural formal para a segunda pessoa singular informal se
dirige ao presumivelmente desconhecido "paciente". Se tivermos que apontar o
assunto do pronunciamento nestes casos, seria a matéria de jogabilidade, o
jogador se divertindo, e o objeto social, o participante conversando com um
amigo e um parceiro de jogo. O reconhecimento destes papéis é novamente
derivado de uma noção cultural que reúne "brincar" e "se divertir" ou a partir da
convenção social que define a interação entre amigos íntimos como informal.

Kristian Bankov (2004) é de opinião que a nossa identidade é a nossa


"interface social" através da qual nós nos comunicamos com os outros, e por
isso é em grande parte uma função da nossa rede social. Mas a rede de
identidade em um evento larp é mais mediada através da teatralidade: ela é
composta de signos de identidade. Noções culturais (ou estereótipos) são
expressos nas estruturas discursivas como códigos comportamentais (incluindo
a fala), que no processo de desempenho são identificados e reconhecidos,
tanto pelos participantes quanto pelos observadores que partilham os mesmos
conceitos. Identificar os temas de comunicação, respondendo às perguntas
"Quem sou eu?" E "Quem é você?" ocorre simultaneamente com o processo de
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

comunicação em si, que é realizado em comunicação e é, por vezes, o seu


115
objetivo final.

Em RPGs de computador, os personagens dos jogadores são simulações


simplificadas, modelos criados através de uma escolha cuidadosa dos
recursos. As possibilidades limitadas acentuam gênero e raça como diferença,
no entanto, há um número de diferentes modelos de gênero ou de raça
(Corneliussen 2008). Os desenvolvedores de jogos usam estereótipos
etnoculturais de familiaridade e alteridade para projetar identidades
manualmente dirigidas39 (Langer 2008). Mas os mundos sociais de larps são
mais resistentes ao projeto, as identidades apresentadas em suas estruturas
discursivas são mais espontâneas, ainda muito mais complexas. A atuação
improvisada de papéis em um ambiente socialmente regulado pressupõe uma
mobilização do sujeito social, o objeto jogabilidade e o objeto ficcional** (o
personagem), que coexistem ao mesmo tempo no processo interativo; eles
estão sempre disponíveis como opções para o jogador. A escolha e o
reconhecimento dos diferentes papéis dependem de esclarecimento mútuo e
articulação por parte dos interlocutores. O RPG é uma figura de interação
discursiva, uma imagem criada na comunicação, um sinal complexo destinado
a ser percebido e interpretado de uma maneira particular.

7. Conclusão

Nas três cenas acima, observou-se a integração de diversos elementos


culturais na interação role-playing. Em todos os três casos, os elementos não
têm nenhuma observação oblíqua ou referências; eles formam a base da
comunicação. Na primeira cena, os participantes empregaram as convenções
culturais sobre os significados das cores, objetos e espaço, bem como
materiais emprestados do folclore mítico, a fim de decretar um encontro entre
um mago e um dragão. Na segunda cena, os organizadores fizeram uso de
cenas e motivos tirados do cânone da memória cultural (clássicos da literatura

39
Original: “menu-drivers”** original: “Playing subject” and “fictional subject”
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

e da Bíblia), a fim de tecer uma teia de enigmas cuja solução constitui o


116
aspecto do jogo larp. Os participantes da terceira cena, conscientemente ou
não, empregaram estereótipos sociais de identidades na interpretação de seus
personagens ficcionais. Considerados como sistemas abstratos de códigos e
convenções, esses elementos e materiais constituem as linguagens culturais
do role-playing.

Role-playing é um tipo de bricolagem40 cultural

Role-playing é um tipo de bricolagem cultural (como por Genette 1982).


Todo texto - tanto como um modo de expressão e como um portador de sentido
- é criado espontaneamente, num processo colaborativo de análise: extração
de elementos de várias totalidades já constituídas, e síntese: a combinação
destes elementos heterogêneos em um novo todo em que nenhum deles
mantém o seu significado e função original. Os elementos-signos extraídos são
reconfigurados em novas estruturas dinâmicas que são também estruturas
(signos) convencionais: fala e os gestos do jogador representam a fala e os
gestos do personagem; adereços e figurinos representam a aparência do
personagem; fragmentos de espaço físico representam o espaço ficcional, etc.
A diferença ou desvio de forma e sentido, as estruturas originais são figuras de
interpretação. O estudo da interpretação é uma abordagem possível para o
estudo da cultura LARP. Se adotarmos o ponto de vista da cultura como um
sistema de significado (ver, por exemplo Mayra 2008, p. 13), então é
precisamente interpretações e confecção de novos significados...

40
Bricolagem no original “bricolage” é um tipo de montagem feita com o material que
se tem à mão (qualquer coisa) http://dictionary.reference.com/browse/bricolage?s=t pra que
não seja entendida no português como “faça você mesmo”
http://www.dicionarioinformal.com.br/bricolagem/ ambos os acessos em 17-03-2014
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

O estudo da interpretação é uma abordagem possível para


117
o estudo da cultura larp

...que constituem as especificidades de cada cultura LARP. Mesmo se


assumirmos que os significados explícitos comunicados são um caso particular
de tomada de significado e grande parte do sentido ou significado permanece
implícito ou apenas indiretamente aparente para um observador externo (14
ibid., p.), estudar os aspectos interpessoais do processo ainda compensa os
esforços do pesquisador, uma vez que são eles que fazem a fantasia
compartilhada.

Examinando RPGs como sistemas culturais (conforme Fine 1983) implica


que devemos sempre colocá-los nas teias de relações culturais, em que cada
elemento do sistema leva a outros sistemas, outras culturas e outros discursos.
Hoje em dia, ninguém assume a homogeneidade de uma cultura ou a
existência de uma única língua em que ele é criado, mas a noção clássica de
sistemas de Ferdinand de Saussure ainda é útil, para lembrar-nos que nada na
cultura existe em separado, por si só. Quase um século após a publicação do
Cours de linguistique générale (1916), linguistas ainda defendem a opinião que
o sentido só pode existir dentro de um sistema, mas, enquanto isso, os
pesquisadores têm chegado à conclusão de que um sistema pode existir
apenas em relação a outros sistemas, e que cada discurso no mundo
contemporâneo é sempre uma bricolagem de discursos (ver, por exemplo
Collins 1989, pp 65 - 89). No mundo da informação pós-moderna, a relação de
um sistema cultural ou discurso para outros nunca é clara com antecedência,
ou mesmo previsível. Em um mundo mediado onde o acesso é um conceito-
chave, a noção de limites é muitas vezes reduzida a uma ferramenta analítica.
Cultura LARP poderia destruir completamente as fronteiras e distâncias
existentes entre os textos, gêneros e meios de comunicação, para se
transformar em uma ponte entre ou um terreno comum para as diferentes
culturas. As linguagens naturais provavelmente servem para distinguir culturas
LARP de uma outra mais claramente. Culturas LARP, no entanto, são muito
mais intimamente ligados por linguagens culturais. Ao estudar suas
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

semelhanças e diferenças, poderíamos descobrir se existem códigos universais


118
de culturas LARP e onde originam: talvez da vida cotidiana moderna e das
relações sociais, talvez a partir do sistema de jogo Dungeons and Dragons,
talvez a partir de O Senhor dos Anéis, ou clássicos da literatura, ou mitologia,
ou contos de fadas. Não importa se eles funcionam como línguas perfeitas ou
decompõem-se em dialetos regionais; se aprendermos a identificá-los,
podemos perscrutar os horizontes da imaginação, compartilhada dentro e entre
culturas.

8. Agradecimentos

Eu gostaria de agradecer aos participantes do seminário de RPG por seus


comentários úteis sobre o projeto do presente artigo.

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Angelina Ilieva: PhD é Professora Assistente Sênior e pesquisadora do


Instituto de Etnologia e Estudos Folclóricos com Museu Etnográfico - Bulgarian
Academy of Sciences. Ela tem estudado LARPs desde 2008 e atualmente está
escrevendo um livro sobre cultura Larp búlgaro.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

AS REGRAS INVISÍVEIS DO RPG: O QUADRO SOCIAL DO


PROCESSO DE RPG 123

Markus Montola
Universidade de Tampere
Finlândia
markus.motola@uta.fi

Tradução: Reynaldo Allan Fulin e Giovanni Barbon de Oliveira

Ideia geral

Este artigo visualiza o processo do RPG que ocorre em vários jogos. O RPG é
uma atividade social onde três elementos estão sempre presentes: Um mundo
imaginário, uma estrutura de poder e personagens personificados dos
jogadores. Em resumo, todas as atividades sobre pessoas imaginárias atuando
num ambiente imaginário; a estrutura de poder é necessária para diferenciar
essa atividades de uma brincadeira de faz de conta de criança. Após os
elementos básicos, esse artigo segue para a discussão dos vários
componentes em detalhes, passando por como se desempenham as regras,
objetivos, mundos, poder, informação e identidade no RPG. Apesar deste
artigo não chegar a uma simples conclusão, ele procura apresentar uma base
sólida para pesquisa.

Resumo
Esse artigo apresenta um quadro1 estrutural para o RPG que pode ser
usado como fundamento para desenvolver estudos teóricos sobre o assunto.
Esse quadro está baseado na suposição que todos os jogos se baseiam em
regras, e tenta fazer visíveis as regras invisíveis do RPG propondo três regras.
Comparado com jogos tradicionais, o RPG será visto como um processo
qualitativo ao invés de quantitativo, diferenciando-se da maioria dos jogos
tradicionais.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

124
1. Introdução [^note1]

No estudo de jogos, uma diferença fundamental deve ser feita


separando o estudo dos jogos como sistemas formais do estudo dos jogos
como processos sociais. No sistema formal do Pôquer Texas hold'em o
jogador2 tem um conjunto bem limitado de opções legais influenciando suas
chance de ganhar uma rodada: além de cobrir a aposta, pode-se trocar
algumas cartas ou fugir de cara.
No processo social do jogo, as alternativas são muito mais amplas. Os
jogadores podem influenciar cada um em milhões de maneiras, começando por
um blefe ou ameaça, com ou sem a intenção de afetar o resultado do jogo.
Claramente, olhar para o Pôquer como um sistema formal não conseguiria
nunca alcançar toda essência do todo: o jogo como é jogado é bem diferente
do jogo no papel.
O RPG tem sido frequentemente definido como um sistema de jogo (ex:
Mackay 2001), apesar de algumas tentativas de vê-lo como como um processo
de jogo (ex: Hakkarainem & Stenros 2002) terem sido feitas também. Baseado
em Heliö (2004), pode-se argumentar que qualquer sistema formal de jogo
pode ser utilizado como base para o processo de RPG, dado que os jogadores
tenham esse entendimento, e que qualquer sistema formal de jogo não é
propriamente necessário. Por outro lado, tem se notado que qualquer sistema
de RPG — quer estejamos discutindo RPGs de mesa tradicionais, larps (RPG
ao vivo)3 ou RPGs online — pode ser jogado sem a interpretação de papéis
propriamente dita. Bartle (2004) por exemplo julga que mundos online não são
jogos, mas sim lugares, já que estes carecem de muitas características dos
jogos enquanto dispõem de várias características de lugares.
Em parte devido à essa confusão, a discussão ludológica tem sido
confusa sobre role-playing ser um jogo ou não. Normalmente, as análises tem
focado nos RPGs como um sistema de regras. RPG tem sido visto como caso
limite dos jogos por várias razões. Devido a influência do mestre do jogo, falta
no RPG regras fixas (Juul 2003), e muitos sistemas de RPG não permitem que
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

os jogadores classifiquem os sucessos ou falhas de seus personagens no jogo


125
como algo "positivo" ou "negativo" (Montola 2005).
Nesse artigo eu vejo a mentalidade do RPG como um método de se
jogar, que pode opcionalmente ser combinado com outros diferentes sistemas
de jogos. Não é a única mentalidade distinta de jogo. Por exemplo, alguns
jogos são para serem jogados supondo uma mentalidade de uma diplomacia
conspiratória e falsidade nas relações, enquanto outros pressupõem jogo limpo
ou priorizando um estilo ao invés do sucesso da ação.
Hakkarainem and Stenros (2002) definem o jogo de RPG 4 como aquele
que ―é criado na interação dos jogadores entre si ou com o mestre(s) dentro de
um quadro diegético específico". Essa definição aborda o RPG pelo angulo da
comunicação. Se os RPGs serão estudado como jogos, uma definição mais
ludológica é necessária, uma que demonstre as características semelhantes do
jogo e os atributos de todas as diferentes formas de RPG. Também há de
entender que a noção de mundo persistente de Bartle como sendo lugares em
vez de jogos é apropriado para todas as formas de RPG de certa forma.
Para esse fim, precisamos fazer visível as regras implícitas do RPG.
Normalmente, os contextos de RPG como mundos virtuais, regras de RPG de
mesa e eventos de larp só proveem regras algorítmicas do sistema formal
usado como plataforma do jogo, mas não explicam as regras da expressão do
RPG propriamente. Neste artigo, eu observo o jogo como ele é jogado, e não o
jogo apresentado nos livros de regras dos RPGs.
A discussão seguinte inclui diversas formas de RPG, focando em RPG
de mesa, larp e RPG virtual (veja Montola 2003). [^ref2] Outras formas também
existem, incluindo RPG de forma livre (que combina elementos do larp e RPG
de mesa) e RPG pervasivo (Montola 2007b), e vários outros podem ser
inventados. Além disso, há um grupo de formas de expressão e jogos situados
nas fronteiras da definição que podem constituir-se RPG na maneira que está
definido nesse artigo. Entre eles estão improvisação, psicodrama e
Happenings.[^ref3]

2. As Regras Invisíveis
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Björk e Holopainen (2003) divide as regras e objetivos do jogo nas


126
categorias endógenas e exógenas — as regras e objetivos definidas na
estrutura do jogo, e as regras e objetivos trazidas pelo jogadores ao jogo para
dar-lhe sentido. Earlier, Fine (1983) propôs um estrutura para RPG em 3
camadas5, consistindo de um quadro primário (social) habitado pelas pessoas,
um quadro secundário (jogo) habitado pelos jogadores e um quadro terciário
(diegético) habitado pelos personagens.
Combinando a abordagem de Fine com a de Björk e Holopainen, fica
claro que as regras endógenas são parte da estrutura do jogo, enquanto as
regras exógenas são parte da estrutura social. Entretanto, precisamos
adicionar uma terceira categoria, a das regras e objetivos diegéticos, para
regras e objetivos existentes dentro da ficção do jogo (veja Montola 2005).
Ilustrando as 3 camadas de Fine com exemplos, eis como elas se
parecem:
 "Não discuta assuntos fora do jogo durante o jogo" — exógena.
 "A espada causa d10 pontos de dano" — endógena.
 "Carregar uma espada dentro dos limites da cidade é punível com multa"
— diegético.
Nas suas várias formas, os processos de RPG parecem seguir certas
regras endógenas e ainda implícitas, fazendo simultaneamente uma forma
relativamente formal de expressão e uma forma relativamente informal de jogo.
Essas regras não foram explicadas como tais nos jogos de RPG publicados,
mas permeados nas seções dos livros que tentam explicar o que é RPG ou
como um RPG deve ser conduzido.
Para todos os RPGs em geral, eu proponho as seguintes três regras, que são a
regra do mundo, a regra do poder e a regra do personagem:
1) RPG é um processo interativo de definir [^nt-definir] e redefinir o estado,
propriedades e conteúdo de um mundo imaginário do jogo.
2) O poder de definir o mundo do jogo é alocado aos participantes do jogo.
Os participantes reconhecem a existência dessa hierarquia de poder.
3) Os participantes do jogo definem o mundo do jogo através construção de
personagens personificados, de acordo com o estado, propriedades e
conteúdo do mundo do jogo.
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Dependendo da plataforma e metodologia usada, os possíveis papeis


127
dos participantes incluem jogador, mestre do jogo, ator, músico ao vivo,
administrador do sistema, etc. O papel do jogador é um caso especial entre
esses, já que a presença de um participante no papel de jogador é
requerimento lógico para um "jogo". RPG como definido nesse artigo não é
possível sem alguns dos jogadores personificando personagens. Essa
distinção é feita de maneira a separar o RPG das várias formas colaborativas
de contagem de história.
As regras 1, 2, e 3 também definem o RPG: Todos os jogos conduzidos
de acordo com elas são RPGs, enquanto todos os jogos não baseado nelas
não são. Assim, pode se dizer que RPG é um jogo de faz de conta formal.
Dessa forma, o mundo do jogo é fluido e passa por um constante processo de
redefinição, as redefinições estão restritas pelo estado atual deste mundo.
Assim, o processo de constante iteração não permite mudanças aleatórias ou
completamente arbitrárias (veja também Kellomäki 2004). Essa natureza
iterativa é necessária para as experiências lúdicas, semelhante aos jogos, e
criadas no RPG, já que ela muda o foco de criar uma ficção externamente para
atuar dentro dela. A ficção existente provê as restrições e oportunidades
fazendo a experiência ter um sentido como jogo. O mestre do jogo e os
personagens são estruturas usadas para estabelecer os limites do poder de
definição do jogo. Como as restrições das regras dão sentido ao jogo ordinário,
no RPG as restrições do poder definido dão sentido para a ação dentro do
mundo do jogo. Essas restrições também diferenciam RPG de brincadeiras de
faz de conta.
Eu também apresento quatro regras adicionais e opcionais que
frequentemente complementam as três primeiras regras. Estas não são
critérios que definem o RPG, mas elas são usadas tão comumente que seu
valor garante sua inclusão aqui. As possibilidades de regras adicionais são
infinitas, mas estas são provavelmente as mais típicas e descritivas delas.
* i) Normalmente o poder para definir as decisões feitas por um personagem
com livre arbítrio é dada ao próprio jogador do personagem.
* ii) O poder de decisão de definição que não é restrito pela construção do
personagem é frequentemente dado para as pessoas que estão no papel de
mestre do jogo.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

* iii) O processo de definição é governado frequentemente por um conjunto de


128
regras quantitativo.
* iv) A informação relativa ao estado do mundo do jogo é frequentemente
disseminada hierarquicamente, numa maneira correspondente à estrutura de
poder do jogo.
Há infinitas maneiras de dividir o poder de definição nos jogos de RPGs.
As maneiras de se fazer a divisão podem ser desde um mestre de jogo
ditatorial e onipotente, à um sistema totalmente coletivo, sem nenhuma
autoridade suprema (ver Svanevik 2005). Essas divisões são mudadas
algumas vezes durante o jogo. Por exemplo, o papel de mestre do jogo pode
mudar de um participante para outro, ou um certo participante pode receber o
poder de definição para certas áreas ou acontecimentos no jogo. Os jogadores
participantes também recebem, comumente, mais poderes do que os
declarados na terceira regra.
Adicionalmente, estas três regras endógenas (baseadas em Loponen &
Montola 2004, Montola 2003) diferenciam certas formas de RPG uma das
outras:
 m1) No RPG de mesa o mundo do jogo é definido predominantemente por
comunicação verbal.
 l1) No larp, o jogo é sobreposto num mundo físico, o qual é usado como
base para definição do mundo do jogo.
 v1) No RPG virtual, o jogo é sobreposto numa realidade virtual
computacional, a qual é usado como base para a definição do mundo do
jogo.
Por essa definição, jogos de RPG conduzidos em salas de bate papo na
internet, como por exemplo RPG no IRC, normalmente não é RPG virtual, mas
uma forma mais próxima ao RPG de mesa. Se a conversa é parte do um larp
encenado no mundo físico, a conversa é parte do larping, e se ela é parte de
um mundo virtual, então é parte do RPG virtual. O RPG virtual requer uma
representação virtual computadorizada da realidade (tipicamente textual ou
gráfica). Deve ser notado que por conta disso, todos os jogos de RPG virtuais
são governados por um conjunto de regras quantitativo (iii) em alguma
extensão, já que todos os mundo virtuais são sistemas de regras matemáticos.
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Enquanto as regras 1, 2 e 3 definem o RPG, as regras i-iv proveem


129
descrições aditivas típicas para as três primeiras regras. No entanto, as últimas
regras não são poderosas suficientes para definir o RPG. As regras m1, l1 e v1
podem ser combinadas com as regras 1,2 e 3 para se definir certas subformas
de RPG, então elas também são definitivas em sua natureza.
Apesar das regras do jogo serem vistas comumente como matemáticas,
lógicas ou algorítmicas, as estruturas de um jogo podem ser na verdade
classificadas em estruturas quantitativas e qualitativas, dependendo se podem
ser reduzidas à números ou não. Em esportes que aspiram por um valor
estético — como no salto de esqui e patinação artística — as atividades
qualitativas são quantificadas por um quadro de júri, as quais transformam as
partes qualitativas do desempenho em pontos.
As regras de RPG (1, 2, 3) são obviamente qualitativas e não
algorítmicas, E, neste sentido, o RPG difere-se da maioria dos jogos. Algumas
vezes, especialmente em RPGs de mesa, o mestre atua como entidade
quantificadora, avaliando as ações dos personagens e determinando os dados
que os jogadores devem rolar para determinar o sucesso das ações dos seus
personagens. Discussões de personagem e ações não competitivas
normalmente são lidadas dentro do sistema qualitativo, enquanto todas as
ações de combate são frequentemente bem qualitativas, especialmente dentro
das culturas de RPG de mesa fortemente orientado a regras. O RPG não
precisa da parte quantitativa para funcionar, mas realizar ações qualitativas é
necessário para o processo de definição do mundo do jogo.
Salen e Zimmerman (2004) diferenciam as regras do jogo em três
categorias: regras operacionais, regras constitutivas e regras implícitas. As
regras operacionais dizem aos jogadores como o jogo supostamente deve ser
jogado, enquanto as regras constitutivas definem o sistema lógico e
matemático por detrás das regras operacionais. As regras implícitas são as
regras sociais não escritas que governam o jogo. Assim como a jogabilidade
social é importante para o processo do Pôquer, as regras do RPG trazem um
problema para o sistema de classificação de Salen e Zimmerman, sendo
constitutivo mas qualitativo, e implícito mas ainda operacional de alguma forma
[^ref5]. Usando a divisão de Björk e Holopainen (2003) acima, o conjunto de
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regras usado como base para o RPG são regras endógenas, assim como são
130
estas regras do processo de RPG.

3. RPG e Objetivos
Uma estrutura de camadas similar a das regras existe também para os
objetivos [^ref6]. Entretanto, o RPG tipicamente não possui nenhum objetivo
endógeno inerente à ele. As regras do RPG somente proveem a estrutura para
a atividade, mas não fornecem finalidade ou meta. As regras dos RPGs de
mesa clássicos ou mundos virtuais as vezes implicam em oferecer algumas
ocupações para os jogadores seguirem, normalmente envolvendo
sobrevivência ou desenvolvimento do poder do personagem. Estas são
raramente verdadeiros objetivos endógenos também: como ninguém pode
vencer ou perder num RPG, a ênfase da ação não está nem mesmo focado no
sistema do jogo.
Os objetivos mais centrais que proveem contentamento com o RPG são
definidos e aceitos dentro do sistema diegético, pelos jogadores definindo o
mundo e seus personagens. Esta distinção é uma das questões chaves na
discussão sobre jogos de RPG serem considerados como jogos ou não.
 "Eu quero me divertir nesse jogo" — exógeno.
 "Eu quero explorar refugiados políticos Noruegueses neste jogo" —
exógeno
 "Eu quero tornar-me o mago mais poderoso no reino" — diegético
 "Eu quero interpretar o homem caindo tragicamente na sua procura em se
tornar o mago mais poderoso do reino." – exógeno.
A contradição dos objetivos dos diferentes sistemas é um elemento
comum gratificante no RPG. Assim como um espectador aprecia a experiência
de um teatro de Tragédia trazida à ele pelos atores no palco, um jogador de
RPG aprecia criar uma por ele mesmo.
Os objetivos endógenos explícitos num sistema escrito somente tornam-
se uma parte importante do processo de RPG se os jogadores os interpretam
no mundo como objetivos diegéticos. Os jogos de RPG mais tradicionais
deixam intencionalmente os objetivos endógenos indefinidos ou vagos, e
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mesmo quando eles são explicitados claramente, eles são normalmente


131
ignorados inteiramente pelos grupos de jogadores.
Em alguns jogos de RPG há objetivos endógenos explícitos que são
críticos para o jogo como um todo. Exemplos incluem muitos jogo ao estilo de
"Forge" como My Life with Master (Czege 2003) e larps estilos Circle of Death
(Tan 2001), como por exemplo Killer (Jackson 1981). Enquanto My Life with
Master é feito para seguir um certo arco na história praticamente toda vez que
é jogado, terminando na morte do mestre pelas mãos dos seus servos
favoritos, Killer é um jogo de assassinato onde os jogadores realmente tentam
ganhar o jogo [^ref7]. My Life with Master e Killer apresentam objetivos
endógenos tais como os seguintes:
 "Quando o amor de um servo favorito pelos aldeões cresce e torna-se forte
suficiente, assassinar o seu mestre torna-se seu objetivo" — endógeno.
 "O jogador cuja personagem matar mais inimigos é o vencedor" —
endógeno.
Como eu havia discutido anteriormente (Montola 2005), os objetivos
endógenos dominam o design da cultura dos RPGs online contemporâneos. Os
jogadores as vezes traduzem os objetivos endógenos em objetivos diegéticos.
O seguinte exemplo é (da versão original) de Star Wars Galaxies:
 "Ao completar as tarefas e colecionar pontos de experiência suficientes, o
personagem se torna um jedi" — endógeno.
O valor dos objetivos endógenos derivam dos objetivos exógenos dos
jogadores. Se a meta de um jogador é ter uma boa experiência de RPG, tal
objetivo endógeno só é valioso se ele pode transforma-lo num objetivo
diegético também. Caso contrário, ele pode ser simplesmente ignorado.
Os objetivos a nível social variam imensamente de uma cultura dos
jogadores para outra. Às vezes, a dissonância explícita do social e dos
objetivos diegéticos é uma fonte de entretenimento, enquanto frequentemente
o sucesso diegético do personagem é atrelado com o sucesso do que o grupo
social busca. Como o RPG não toma lugar no domínio da vida normal,
experiências trágicas podem ser altamente prazerosas.
Os objetivos exógenos não se restringem ao entretenimento — a
alegação normativa sobre diversão6 ser o único propósito de role-play (ex: Laws
2002, Duguid 1995) é simplesmente errônea. Numa abordagem mais
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construtiva, Mäkelä & al (2005) propõe uma lista de seis gratificações que
132
permitiriam um estudo mais aprofundado: entretenimento, aprendizado,
sentido, apreciação estética e benefícios físicos e sociais.

4. O Enganoso mundo do jogo


Ryan (2001, 91) resume o conceito de mundo com quatro
características, definindo-o como um conjunto conectado de objetos e
indivíduos, um ambiente habitável, uma totalidade razoavelmente inteligível
para os observadores externos e um campo de atividade para seus membros.
No role-playing a construção mundo pode ser vista como um processo
textual[^ref9], onde os diferentes atores produzem elementos que estão
combinados no processo em novos textos (Aarseth 1997 Kellomäki, 2004).
A discussão anterior sobre o mundo do jogo de RPG, o discutiu tanto
com uma ênfase coletiva (Hakkarainen & Stenros 2002 Pohjola 1999, Hélio de
2004) quanto subjetiva (Montola 2003, Andreasen 2003 Loponen & Montola
2004). Neste artigo, eu chamo a estrutura coletiva um "mundo de jogo", como é
um termo ludologicamente adequado para descrever a arena onde o jogo é
jogado, enquanto a estrutura subjetiva é "diegese", uma visão subjetiva criada
pela interpretação colocada por outros participantes e meio ambientes,
complementada por próprias adições criativas dos participantes. [^ref9]
Percepções do jogador no mundo do jogo são construídas na interação
textual interpessoal. Como Ryan (2001) explica, a base cultural e a imaginação
são usadas na construção de um mundo baseado em dados textuais.
"A ideia de mundo textual pressupõe que o leitor constrói na
imaginação um conjunto de objetos independentes da linguagem,
utilizando-o como um guia para as declarações textuais, mas
construir esta sempre incompleta imagem em uma representação
mais viva através da importação das informações fornecidas pelos
conhecimentos culturais internalizados, incluindo o conhecimento
derivado de outros textos. "
Como já discuti anteriormente (Montola 2003 Loponen & Montola 2004)
os problemas inerentes à comunicação significam que cada jogador tem uma
leitura diferente do mundo do jogo fornecida por outros jogadores. Além da
leitura do mundo do jogo, cada jogador complementa sua percepção do mundo
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

do jogo com ideias e sentimentos internos nunca expressos. Este elemento


133
combinado com a leitura constitui a diegese subjetiva do participante, que é o
resultado final criado pelo jogador no processo de jogo: A diegese subjetiva é
tanto o produto primário criado no role-play quanto o objeto transitório de valor
estético[^ref10]. Nenhum participante do processo pode sempre entender o
mundo do jogo completamente, pois partes dele são inacessíveis - criadas por
outros jogadores, mas nunca expressas em voz alta.
O processo interativo[^ref11] de arbitragem produzindo a diegese e o
mundo do jogo é geralmente baseado em negociação e cooperação, em vez de
luta ou competição.6 Normalmente, este processo de arbitragem está implícito,
mas a negociação explícita é usada para reconciliar as diferenças radicais na
diegese do jogador. Talvez contra intuitivamente, a natureza imaginária e
arbitrária do mundo do jogo é a força guia dos jogadores para cooperar na
construção da diegese. Embora o conflito muitas vezes é simulado no quadro
do jogo, ele se origina a partir do quadro diegético.
O mestre do jogo[^ref12] e a mecânica de jogo são os dois métodos
centrais criados especificamente para evitar a luta no nível da forma, a fim de
mantê-lo no nível de conteúdo do jogo. Normalmente, o conflito começa a partir
do mundo do jogo, potencialmente escalando para o quadro do jogo e,
ocasionalmente, até mesmo para o quadro social. Isso acontece se os
jogadores primeiro precisam de regras para resolver o conflito entre os
personagens, e, em seguida, se os jogadores começam a discutir além das
regras conforme o conflito se agrava.
Se a construção do mundo do jogo é encarado como um sistema de
comunicação, isto pode ser visto como um ciclo de interpretações de três
atividades básicas:
1 Interpretando por fora da diegese subjetiva.
2 Fazendo mudanças na diegese
3 Comunicando as mudanças aos outros participantes
Este ciclo das três atividades é um modelo teórico; na prática, todas
estas funções são realizadas simultaneamente. No LARP, por exemplo, o
jogador andando em uma rua muda constantemente a diegese (por ela mesma
em movimento), ao obter uma nova entrada (vê coisas novas) e comunicar a
mudança para outros jogadores (que veem seu movimento). No RPG de mesa
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este modelo de tomada de decisão aparece mais claramente, elaborando o


134
ciclo contínuo de reinterpretação iterativa do mundo no circuito de comunicação
do jogo.
Para manter-se o ciclo de interpretação os jogadores devem estar aptos
a compreender o mundo que estão definindo e redefinindo. Eles têm que
entender as leis diegéticas da natureza e do estado do mundo diegético, a fim
de manter a lógica do mundo do jogo, construindo seu futuro com base em
suas propriedades, estado e história. Para que o mundo do jogo funcione como
um lugar ou um espaço, o mundo não precisa ser "realista", mas sensível; as
leis da natureza podem ser muito diferente da nossas. [^ref13] Na classificação
de Juul (2003, 117) de mundos de jogos, isso significa que o mundo do jogo
tem que ser coerente - o que significa que não deve haver nada que impeça
uma pessoa de imaginar o mundo em detalhes. Só jogos extremamente
experimentais podem ser feitos em mundos abstratos, icônicos ou incoerentes.
É difícil ou mesmo impossível de atuar em mundos como os retratados em
Super Mario Bros ou xadrez. [^ref14]
Seria uma simplificação dizer que o uso de um artefato (tal como um
espaço virtual ou realidade física) na base do mundo do jogo restringiria a
utilização da imaginação do jogador, embora o artefato proporcione fortes
definições iniciais para diversos elementos diegéticos. No entanto, como eu
argumentei que o RPG é um processo de interação social que ocorre em um
mundo de jogo imaginário, deve-se ressaltar que no processo de RPG
elementos explícitos no artefato são muitas vezes redefinidas quando eles são
interpretados em diegeses dos jogadores. Como Ryan (2001) colocou, as
crianças brincando de faz de conta selecionaram um objeto real x₁ e
concordam que representa um objeto virtual x₂. Uma ação é legal quando o
comportamento que isso implica é apropriado para a classe de objetos
representados por x₂. Uma ação legal gera uma verdade ficcional.
Esta redefiniçao acontece em um processo de arbitragem regida pelas
possíveis regras e instruções do jogo, e é baseada nas divisões que definem o
poder usado no jogo. Em LARP, o jogador não precisa voar fisicamente para
que o seu personagem o faça. Em comparação, nem precisa do avatar virtual
para voar no mundo virtual para que o personagem interpretado representado
pelo avatar faça isso.
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Estas práticas de redefinição também são culturais. Muitas comunidades


135
de RPG em mundos virtuais habitualmente fingem utilizar e manusear objetos
relacionados à trama e faz-de-conta, que não podem ser representados como
artefatos virtuais por arquiteturas de jogo limitados (Montola, 2005). Alguns
LARPers preferem ter conexão direta entre a realidade física e diegética o
quanto possível, enquanto outros não têm problemas em tratar espadas de
látex como espadas de metal. (Veja Loponen & Montola 2004 para uma análise
semiótica).
Alegando que os mundos de RPG tem de ser coerentes não quer dizer
que o mundo do jogo de role-playing precisa ser completo - na verdade, como
mundos ficcionais são sempre incompletos, uma vez que não é possível definir
todas as peças de informações imagináveis em um mundo coerente (Juul
2003, 111). Distinção é certamente teórica especialmente em relação LARPs,
desde que o mundo físico é sempre infinitamente detalhado de qualquer
maneira.
McCloud (1993) discute o modo como as imagens sequenciais de
quadrinhos são entendidas pelo processo de encerramento. Enquanto uma
revista em quadrinhos é composta de imagens imóveis e justapostas, o leitor
preenche os elementos que faltam no processo de leitura, criando as
impressões de tempo e movimento, também preenchendo de elementos não
mostrados nas imagens. Um sorriso está contido em uma cara sorridente na
mesma forma que um espectador que assiste a um filme fecha a porta da sala
em que os personagens estão discutindo. A imagem do filme não está fechada
com as impressões dos cinegrafistas e equipamentos do estúdio, mas com
paredes e paisagens extrapoladas a partir dos exibidos na tela. [^ref15] Mesmo
sem qualquer evidência visual, um expectador usa sua experiência anterior
para assumir que o âncora de um telejornal tem duas pernas, mesmo que elas
não são mostradas na tela.
No role-play, um processo de fechamento semiconsciente é
fundamental, pois os jogadores estão constantemente lidando com uma
representação incompleta do mundo do jogo. Na primeira fase do ciclo de
interpretação, os jogadores fazem suposições sobre o mundo, extrapolando e
interpolando suas diegeses baseados no discurso do jogo explícito.
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A exigência de um mundo coerente pode ser vista na definição de role-


136
play por Björk e Holopainen (2005): "Os jogadores têm personagens com
personalidades pelo menos um pouco desenvolvidas. A peça é centrada na
tomada de decisões sobre como esses personagens tomariam medidas em
situações imaginárias encenadas." [^ref16] Salvos os fechamentos muito
significativos que são feitos pelos jogadores, o mundo do xadrez é muito
incompleto para permitir que os jogadores façam ações significativas ou tomem
decisões sensatas. Para a maioria dos jogadores, o mundo do xadrez é
abstrato demais para sequer permitir fechamentos lógicos: Mesmo que nós
sabemos que há bispos e reis, é difícil saber se os sacerdotes e príncipes
existem também.
Devido à sua natureza, que é baseado em arbitragem, imaginação e
encerramento, os mundos de jogos de RPG podem ser muito livres e
completos em relação a mundos criados em outros jogos ou em mídia estática.
Cada elemento imaginável pode ser descrito qualquer detalhe. Em um filme a
quantidade de informações disponíveis sobre o mundo diegético é muito
limitado em comparação. As possibilidades de jogadores afetarem qualquer um
dos recursos do mundo do jogo dos jogadores não é restringido por limitações
artificiais, como o escopo do conjunto de regras ou a programação do espaço
virtual, mas todas estas limitações são puramente diegéticas.
Na regra iii propus que o processo de definição do mundo de jogo é
muitas vezes governado por conjunto de regras quantitativas. Enquanto uma
função do conjunto de regras é permitir que os jogadores a seguir alguns
interesses no quadro do jogo, também é um método valioso de proporcionar
aos participantes uma estrutura lógica para redefiniçao do mundo do jogo. Juul
(2003) afirma que, enquanto as regras não são dependentes da ficção do jogo,
a ficção é dependente das regras. Entre outros métodos, conjuntos de regras e
convenções de gênero e estilo são frequentemente usados para fornecer
estruturas tangíveis para simular a lógica alternativa do mundo do jogo (ver
Montola 2003 Stenros 2004, Kim 2006).

5. Estruturas de poder
No alcance contínuo de Caillois "(1958, 13) que vai desde o jogo formal
(ludus) para o jogo livre (paidos8), roleplaying reside em algum lugar no meio
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termo. Faz de conta espontâneo com pouco de moderação do mestre do jogo é


137
altamente paidéico, enquanto os sistemas de regras complicadas permitem
jogos ludus meticulosamente formais também. Esta é uma razão pela qual
discutir RPG às vezes é difícil: Existem muitos estilos diferentes.
Assim como as regras e estruturas de objetivos, as estruturas de poder
de role-plays podem ser analisadas usando a divisão ampla para quadros
exógenos, endógenos e diegéticas. Poder exógeno é o poder do participante
para influenciar o jogo de fora do jogo; o mais importante, o poder exógeno não
está definido dentro do sistema de jogo. Poder endógeno é o poder dado ao
jogador pelas várias regras do jogo. Como todas as regras e objetivos
endógenos e diegéticos estão subordinados a regras e objetivos exógenos, o
poder endógeno e diegético é subordinado ao poder exógeno. A voluntariedade
e obstinação dos participantes são necessárias para criar o círculo mágico do
jogo (Huizinga 1938, Salen e Zimmerman 2003) onde existem as estruturas
endógenas e diegéticas.
Muitas vezes, a estrutura do poder para influenciar na diegese fica muito
implícita e com base em convenções culturais. Iniciantes em role-plays muitas
vezes não estão mesmo cientes do fato de que a estrutura de poder pode ser
feita propositalmente diferente, tendo frequentemente derivada sua
compreensão dessas convenções do discurso implícito de conjuntos de regras
de RPG e comunidades de larp locais. Uma razão para isso é que a descrição
do sistema de energia em detalhes é uma tarefa meticulosa, como tem sido
demonstrado pelas tentativas de criar campanhas de RPG globais, onde os
personagens podiam ser movidos sem problemas a partir do domínio de um
mestre do jogo para outro. [^ref17]
 Estes exemplos ilustram as atividades exógenas, endógenas e
diegéticas que podem para exercer poder sobre a diegese:
 Propor uma alteração às regras do jogo - exógena.
 Mostrando aos outros jogadores um filme que influencie suas
percepções do mundo do jogo - exógenos.
 Mover uma rainha dois quadrados na diagonal sobre o tabuleiro
de jogo - endógena.
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 Tomar uma ação de combate para atacar um inimigo com uma


138
espada - endógena
 Atacar uma pessoa com uma espada - diegético
 Um personagem coronel emitindo uma ordem militar para suas
tropas - diegético.
Deve notar-se que a mesma ação pode ser uma exibição de poder
diegético e endógena, dependendo de como ele é realizado no jogo. No quarto
exemplo acima o poder de atacar um inimigo com uma espada é derivado das
regras explícitas do sistema de jogo, enquanto o quinto exemplo é derivado dos
fatos diegéticos que o personagem tem uma espada na mão e o alvo está
dentro do alcance dele. Mesmo o último caso é, então, talvez resolvido no nível
endógeno, mas a diferença tem relevância quando tentamos analisar os fatos
que capacitam o participante a propor uma mudança na diegese.
Ambos (os mestres do jogo e os jogadores) podem usar poder exógeno,
endógeno e diegético para redefinir o mundo do jogo. Ambos interpretam
personagens do mundo, ambos frequentemente têm privilégios sobre a diegese
e ambos podem mudar o entendimento dos outros do mundo do jogo com os
métodos extra lúdicos também. Endogenamente poderes concedidos podem
ser classificados em dois grupos, poder concedido pelo sistema de regras do
jogo e poder concedido pelas regras do processo de role-play. Um exemplo de
comparação:
 Tomando uma ação de combate para atacar um inimigo com uma
espada para d10 pontos de dano - endógena.
 Mestre do jogo declarando que começa a chover - endógena.
Às vezes, o uso de energia nas três camadas é contraditória. O LARP
dispõe de uma pobre esportividade por ser fisicamente mais rápido que outro
personagem que deveria ser mais ágil no jogo e na diegese. No RPG de mesa
o mesmo conflito é exibido se um jogador com personagem de baixa
pontuação de inteligência engana outro jogador. As regras endógenos de um
cassino de Pôquer são capazes de lidar com a situação em que um jogador sai
da sala/mesa no meio do jogo (como ela é considerada ter uma pausa ou
desistido da mão), mas se ela trai, marcando os cartões, o jogo encontra uma
crise que não é capaz de resolver dentro de seu próprio sistema formal. [^ref18]
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Os jogadores de RPG muitas vezes implicitamente concordam em dar ao


139
mestre do jogo autoridade social e exógena de conciliar muitas crises
potenciais (Brenne 2005, Fine 1983).
A divisão reconhecida de poder para definir o mundo do jogo é um
elemento chave para dar o toque de jogo de role-play. Juul (2003) aponta que
as regras não apenas restringem as opções que os jogadores têm em jogo,
mas também dão um sentido às ações realizadas dentro dela. O mesmo se
aplica às limitações da definição do poder: pode-se dizer que os limites das
opções do jogador - se eles tomam a forma de conjunto de regras ou de maior
autoridade do jogo - fazem as escolhas do jogador significativas.
No RPG de mesa a divisão de poder entre os participantes raramente é
exata. Normalmente os jogadores são mais restritos ao uso do poder diegético
de seus personagens e um repertório limitado, explicitamente definido de
opções endógenos -mas o alcance dessa restrição é ambíguo. Às vezes, os
jogadores também estão autorizados a definir os familiares, amigos e
propriedades de seus personagens, enquanto uma rigorosa cultura de jogos
pode restringir seu poder de definição às decisões conscientes feitas por seus
personagens (ver Boss 2006 e Kellomäki 2004). Até mesmo o poder de definir
as atividades mentais dos personagens às vezes é limitada por regras
discutindo as forças diegéticas como o medo ou telepatia.
Uma divisão de poder endógeno muito típica concede ao jogador a
autoridade final sobre os sentimentos de sua personagem e pensamentos,
autoridade dependente de regras sobre os atributos quantitativos da
personagem, e poder limitado para definir elementos estilísticos relativamente
inconsequentes relacionados aos objetos físicos no mundo do jogo. Todos
esses poderes são endógenos, já que eles são definidos no nível endógeno,
explícita ou (geralmente) de forma implícita.
Por outro lado, em RPGs online a interface do jogo normalmente dá ao
jogador apenas o poder de mover o seu avatar e participar de ações como
conversas, brigas, negociações e criações/elaborações (de objetos). No
entanto, as comunidades de jogadores de role-play muitas vezes concedem
aos seus participantes poderes diegético-definidos avançados, como criar
objetos não existentes no banco de dados do jogo.
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Como a diegese é um mundo imaginário construído no processo de


140
arbitragem coletiva, o seu conteúdo pode estar em contradição explícita com o
ambiente virtual ou real usado como base na sua construção. Isto significa que
todos os elementos diegéticos não precisam ser representados com artefatos
virtuais. Assim como um vampiro larp pode controlar sombras ou ficar invisível,
o jogador de RPG virtual lida com itens inexistentes e ações intangíveis. Uma
briga de bar ou uma cena de sexo podem ser encenadas com emoticons,
deixando ontologicamente claro se alguma coisa realmente aconteceu na
realidade virtual. Ou, uma personagem pode agir como se ela tivesse um
cartão de identificação que nem existe dentro da arquitetura do jogo. (Montola
2005.)
Definir e restringir o poder do jogador é uma característica
onipresente[^ref19] no campo de jogos, mas não nas áreas de artes narrativas
e performativas. No capítulo sobre regras e objetivos eu incluí a exigência de
que, em RPG o jogador-participante do jogo define o mundo do jogo através de
construções de personagens personificados, em conformidade com o estado,
propriedades e conteúdo do mundo do jogo. Esta terceira regra é fundamental,
uma vez que liberando o personagem personificada, constrói-se turnos de
atividade no campo dos jogos regulares, e liberando as restrições na definição
de poder mudaria a atividade para contagem colaborativa de história.

6. Poder e informação
Como RPGs são vistos como construções de comunicação, a
informação é o elemento básico do mundo imaginário do jogo. É trivial que um
jogador não pode incorporar um elemento de jogo em sua diegese, se ele não
tem conhecimento de sua existência. Como mencionado acima (em Loponen &
Montola 2004 e Montola 2003), nenhum participante de um RPG pode ter
acesso a todas as informações presentes no jogo. [^ref20]
A divisão em três camadas de poder aborda o uso de poder com base
em quadros sociais, o que é conscientemente feito na segunda fase do ciclo de
interpretação. Há ainda uma forma muito significativa do uso de poder no jogo:
o encerramento.
Como discutido acima, o encerramento do processo semiconsciente de
adicionar detalhes a interpretação. Eu chamo isso de processo semiconsciente,
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uma vez que geralmente fazem isso inconscientemente - quando interpretamos


141
figuras palito como pessoas (McCloud, 1993) - mas também se pode tomar
decisões criativas ao fazer encerramentos. Entrada externa pode ser
interpretada em uma diegese de maneiras muito diferentes, na medida em que
os mestres do jogo de RPG, muitas vezes explicam as expectativas de gênero
e recomendações de estilo de jogo para os jogadores, a fim de gerenciar os
processos de preenchimento. Fazer interpretações leves/calmas em um[^ref21]
jogo de terror é um exemplo perfeito desse tipo de uso do poder - que é muitas
vezes usado de forma passiva, mas pode ser usado voluntariamente também.
O uso contínuo do poder interpretativo ocasionalmente leva a um
conflito, que ocorre quando os participantes descobrem que seus
entendimentos sobre o mundo do jogo se contradizem. [^ref22] Nesses casos,
é necessário uma negociação explícita conciliando as diferenças nas diegeses,
geralmente levando a redefinições do passado e do presente diegético. (Veja
Loponen & Montola 2004.) É claro que todas as diferenças de interpretação
não forçam o jogo a ser interrompido, embora às vezes interrompem o
gameplay seriamente. Como um exemplo desses problemas ocorrem
geralmente quando os participantes do jogo não compartilham um nível comum
de conhecimento histórico que seria necessário para jogar em um cenário
histórico articular.
O papel do processo de encerramento é especialmente crítico na mesa
de RPG tradicional, onde os jogadores têm muita margem de manobra na
interpretação dos sinais verbais sobre o estado e as propriedades do mundo do
jogo. No entanto, este processo é constantemente significativo em todas as
formas de RPG. Baseando o jogo no mundo real ou uma realidade virtual
diminui a necessidade de inventar novos elementos de jogo. Ainda assim,
mesmo elementos, tais como reações de personagens e acontecimentos
sociais são criados em um processo de encerramento.
Usar um mundo real (L1) ou (v1) virtual como a base da diegese
restringe as escolhas do jogador poderosamente: para fazer espontaneamente
um "café"9 uma pessoa requer desconsiderar os artefatos físicos ou virtuais por
processo de arbitragem (como discutido acima). No entanto, os elementos que
não estão atualmente presentes - como a história diegética ou lugares
distantes - são comumente improvisados e feitos durante o jogo. Muitas vezes
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estes tipos de elementos são definidos ou pelo menos aprovados pelo mestre
142
do jogo, antes do jogo, mas durante o jogo, o jogador pode precisar de
informações adicionais. Nesses casos, os jogadores muitas vezes definem (e
redefinem) o mundo do jogo, inventando elementos diegéticos de uma forma
muito semelhante ao jogo de mesa.
Enquanto o processo de encerramento é uma estrutura
democrática[^ref23] no sentido de que ele força a todos os participantes do
jogo a uma arbitragem mútua da verdade diegética, a gestão da informação
também é comumente empregada como uma ferramenta de alocação de
poder. A distribuição de informação é apresentada na quarta regra opcional,
uma vez que uma onipresença variável, que é implementada de forma muito
diferente em diferentes jogos e culturas de role-play. Em um extremo da
escala, é o estilo em que os jogadores são permitidos somente o conhecimento
que seus personagens têm (ver Pettersson 2005), enquanto no outro extremo
da escala, o mestre do jogo faz tudo praticamente possível para dotar os
participantes de todas as informações possíveis (ver Fatland & Wingård 1999).
Mesmo nos estilos de RPG onde o fluxo de informação é livre entre os
jogadores, os personagens são apenas esperados para usar as informações
que adquiriram diegeticamente.
A distribuição da informação é uma estrutura que influencia
consideravelmente o uso de energia por diferentes participantes no jogo.
Especialmente no RPG de mesa de o mestre do jogo muitas vezes permite o
privilégio de acessar todas as informações do jogo disponíveis. Isso não
significa que o mestre do jogo é onisciente em relação ao estado do mundo do
jogo, mas ele pode possuir o direito de até mesmo pedir aos jogadores para
fornecer informações ocultas sobre as emoções de seus personagens, planos
e raciocínios.
Muito do poder social do mestre jogo nas arbitragens sobre o estado do
mundo do jogo é derivado deste acesso à informação. À medida que os
participantes tendem a agir da forma que mantém os diegeses semelhantes e a
ilusão de um mundo de jogo coletivo intacto, a informação é um requisito
importante para o processo de definição. Se um jogador não pode ter a certeza
sobre se alguém já tiver um elemento definido do mundo do jogo, definir corre o
risco de uma contradição. Esta estrutura também é problemática em LARPs,
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

onde os jogadores muitas vezes precisam fazer as coisas de modo a


143
complementar as histórias ficcionais de seus personagens durante o jogo.

7. O personagem personificado
Parece que a exigência de personagem é o menor denominador comum
de várias definições de role-playing (por exemplo, Björk e Holopainen de 2005,
Pohjola 2004, Mackay 2001 Fatland & Wingård 1999, Fine 1983); só
Hakkarainen e Stenros (2002) deixam fora do núcleo de sua definição - e
mesmo eles dependam pesadamente nas seções explicativas do seu modelo.
No entanto, o termo tem muitos significados diferentes, por isso muitas
vezes não é claro o que os autores querem significar realmente com ele. Um
"personagem" pode indicar um grupo de atributos quantitativos dentro do
conjunto de regras formal, uma representação do jogador no mundo do jogo ou
uma pessoa fictícia no mundo do jogo.
O primeiro significado é derivado da história jogos de guerra de RPG,
onde os personagens heróis lutaram batalhas junto dos soldados de baixa
patente e com personagens heroicos. Alegadamente a primeira versão de
Dungeons & Dragons foi um jogo sobre como esses heróis se tornarem heróis,
em primeiro lugar (Pettersson, 2005).
O segundo, visão representacional é comum ao pensamento do mundo
virtual, onde o personagem é usado às vezes como sinônimo de "avatar".
Normalmente, o avatar não é percebido como tendo uma personalidade distinta
da sua própria, mas é visto como uma extensão do jogador, o corpo do jogador
dentro do mundo do jogo. Às vezes, o avatar é visto para incluir apenas os
aspectos visuais e físicos do personagem, mas, ocasionalmente, a mecânica
de jogo está ligada a isso também.
Os significados acima não são essenciais para este trabalho; o primeiro
deles deve ser refutado por esta discussão, porque eu anteriormente declarei
que a regra iii é opcional, e o último porque as construções de personagens
especificamente personificados são fundamentais para a interpretação.
Isso nos deixa com a palavra "personagem" que significa uma pessoa
diegética; uma combinação de propriedades físicas, sociais e mentais, como
por exemplo Lankoski (2004) discutiu (com base em Egri (1965)).
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Vejo o personagem como identidade diegético do jogador, ao longo das


144
linhas traçadas por Hakkarainen e Stenros (2002). Sua definição baseia-se na
teoria pós-moderna de identidade[^ref24], vendo o personagem como um
conjunto de papéis ligados por ficção. Um papel[^ref25] é "qualquer posição do
assunto dentro de um discurso conjunto, um fechamento artificial articulando o
jogador dentro do quadro diegético do jogo ou em uma situação da vida real".
O personagem é "um quadro de papéis por meio do qual o jogador interage
dentro do jogo, e para o qual ela constrói a ilusão de uma identidade contínua e
fixa, uma fictícia "história de si mesmo" ligando os desconectados, separados
papéis, juntos."
Na visão pós-moderna de Hakkarainen e Stenros, o personagem
interpretado em funções é tanto fictício e não fictício quanto "identidade normal"
do jogador. A única diferença do personagem para a pessoa é construída
unicamente pelo fato de que um é construído dentro de um quadro de jogo,
enquanto o outro não. Como Hakkarainen e Stenros rejeitam a ideia de
identidade estável, abrangendo apenas as funções de mudança ligadas por
ficção pessoal, eles concluem que as ações realizadas pelo personagem são
ações executadas pelo próprio jogador, agindo no modo "ficção". A
consequência lógica de endossar o pós-modernismo seria que, assim como
personagem não é um personagem em relação a "verdadeira identidade", jogo
também não é mais um jogo em comparação com não-jogo. Embora este
relativismo pode - e deve - ser questionada, uma interpretação um pouco mais
moderna deste modelo de personagem é uma representação viável de como
uma identidade diegética é construída. [^ref26]
A identidade diegética aborda essencialmente o equivalente ao
personagem com o jogador, com a alegação de que o jogador cria o
personagem, fingindo ser outra pessoa. Neste Hakkarainen e Stenros refutam
a abordagem idealista de muitos idealistas imersionistas, [^ref27] que alegaram
que o personagem é uma entidade separada e externa a ser adotada para a
duração do jogo. Para dizer que o personagem é o jogador também significa
que todos os personagens apresentam o pensamento humano; mesmo quando
o personagem é uma pedra, uma árvore ou um elfo antigo, é antropomorfizado
para os efeitos do jogo. O homo sapiens não pode replicar a identidade ou o
pensamento de um cão. Essa abordagem também refuta as afirmações de
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

imersão completa ou perfeita no personagem, como a pretensão é a atividade


145
autoconsciente pouco consciente de tanto a ficção fingida e a existência fora
dela; tem-se argumentado que os jogadores essencialmente fingem acreditar
que eles são os seus personagens (Pohjola 2004).
Harviainen (2005) propôs um ponto de vista sobre o conceito de caráter
que pode ser colocado entre o imersionista idealista e aquele apresentado por
Hakkarainen & Stenros, escrevendo:
"Um personagem de RPG é o senso de auto existência de seu
jogador em um estado onde cada um é influenciado pelo outro. O
personagem deriva novas informações do jogador e é, quando
necessário, de forma espontânea expandido para novas direções
por ele. Ao mesmo tempo, o jogador experimenta coisas novas com
o personagem atuando como uma máscara que permite eventos
normalmente impossíveis para o jogador e como um filtro através do
qual o jogador experiências apenas as partes dos eventos do jogo
que julgar necessárias (ou apenas interessante) "(Harviainen 2005).
Em sua caracterização Harviainen mantém um pouco do idealismo
imersionista, vendo que a máscara sociocultural que é um personagem fornece
ao jogador com alguma agência genuína permitindo-lhe realizar ações ou
acessar informações que não poderia ser feito sem ele. A abordagem de
Harviainen não está em contradição com a visão pós-moderna sobre
personagens de Hakkarainen e Stenros, exceto pelo fato de que ele é baseado
no entendimento moderno de uma identidade.
É importante compreender que uma identidade diegética e um
personagem do filme são estruturas fundamentalmente diferentes. O
personagem do filme é uma entidade externa interpretada pelo espectador, e,
assim, ele pode ter propriedades que o observador não poderia ter-se
inventado sozinho. A personagem do filme pode ter juízo mais rápido e
vocabulário mais amplo do que o espectador tem. Jogadores de RPG precisam
usar sistemas de regras e estilos de jogos descritivos e distantes para retratar
esses personagens. Ao invés de contar uma boa piada, um jogador de RPG de
mesa só poderia descrever que sua personagem conta uma boa piada, e talvez
até role um dado para justificar a bondade da piada no quadro jogo.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Outra diferença é que enquanto os personagens de mídias são


146
apresentados no contexto de um mundo de história, personagens de RPG são
apresentados no contexto de um mundo de jogo. "Cachinhos Dourados" é
definida pela sua aventura: É difícil imaginá-la em uma outra história. O
contexto da narrativa fornece Cachinhos Dourados com suas qualidades típicas
de Cachinhos Dourados. Para os jogadores de personagens de RPG, o mundo
cheio de oportunidades e potencialidades é o contexto significativo e muito
mais central do que a história. [^ref28]
Somente em retrospectivas o contexto narrativo torna-se central.
Quando os jogadores relembram as carreiras de seus personagens mais tarde,
eles o fazem narrativizando as histórias jogadas. Na verdade, muitas vezes os
mestres de jogo planejam intencionalmente a intriga[^ref29] de uma forma que
é susceptível de produzir histórias atraentes (ver Hélio 2004).
Assim como o conceito de identidade de um modo geral, o conceito de
identidade diegéticas pode ser visto a partir de vários ângulos. As múltiplas
faces da personagem têm funções diferentes no processo de role-play.
Parecia com uma coleção de papéis ligados por ficção pessoal, o
personagem age como um intermediário10 para o jogador, diferenciando o
sucesso exógeno do jogador a partir do sucesso diegético do personagem
(veja Montola 2005). Corpo físico não pode ser totalmente excluído desta ficção
pessoal; muito opostamente, isso é uma base importante na construção da
identidade. Mesmo que a história diegética de si pode ser uma tragédia,
história exógena do jogador de si pode ser uma história de sucesso. Esta
construção personificada serve como base de identificação dentro do jogo,
permitindo a tomada de decisões diegéticas, que Björk e Holopainen (2005)
caracterizam como o elemento essencial do role-play.
Vendo o personagem como a presença do jogador no mundo do jogo
implica que o personagem age como os olhos, ouvidos e mãos para o jogador
no jogo: o personagem é o ponto focal da diegese do jogador e uma peça de
jogo que ela usa para afetar seus arredores.
Finalmente, o personagem é uma medida de energia do jogador sendo
uma combinação de atributos físicos e mentais, história pessoal e as relações
sociais. Definindo o personagem como um arquimago ou um chefe da máfia
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

coloca limites muito claros de ações permitidas para o jogador e que tipo de
147
consequências que possam ter.

8. Conclusão

A multiplicidade de culturas de roleplay faz suas definições e descrições


muito problemática. As diferenças de, por exemplo, jogadores performativos,
competitivos e imersionistas são vastas. A visão apresentada aqui é centrada
na cena nórdica de RPGs de mesa e LARPs, mas o meu objetivo tem sido o de
acomodar uma ampla gama de atividades de RPG.
Quando RPG é discutido a partir do ângulo ludológico, é relevante para
contemplar a posição de atividades de RPGs como jogos. Juul (2003) oferece
seis requisitos para o que ele chama de um jogo clássico. São regras fixas:
resultado variável; valorização do resultado; o esforço do jogador; apego do
jogador aos resultados e negociabilidade das consequências extra lúdicas.
Com base nestes critérios, Juul argumenta que "role-play de papel e caneta
não são jogos normais, porque, com um mestre de jogo humano, suas regras
não são fixas e fora de discussão." Na verdade, as três regras apresentadas
aqui são muito abertas, e não fazem um bom jogo em seu próprio conjunto de
regras.
Como já demonstrado anteriormente (Montola 2005), roleplays não
inerentemente exigem valorização de resultados de qualquer um. Com
valorização Juul (2003, 34) quer dizer que aos resultados do jogo são
atribuídos valores positivos e negativos de acordo com sua conveniência. Em
role-plays a prioridade geralmente é a importância diegética de resultados
diegéticos, enquanto a valorização dos resultados do quadro de jogo é
altamente ambígua, dependendo de objetivos exógenos dos jogadores. Na
verdade, a mentalidade de roleplays geralmente significa que as atividades
realizadas no quadro do jogo estão longe de ser o ideal, o que está em
contradição tanto com a valorização do jogador quanto ao apego ao resultado
do jogo.
A coisa mais importante para compreender como abordagens
ludológicas podem ser usadas com sucesso para promover a compreensão
dos RPGs. A intenção deste artigo é esclarecer que, se RPG é um jogo, que
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

tipo de jogo é, e se ele é olhado ludologicamente, quais cuidados devem ser


148
aplicados.

Agradecimentos
Durante a escrita deste artigo, recebi uma infinidade de críticas valiosas,
ideias e comentários de várias pessoas, tais como J. Tuomas Harviainen, Simo
Järvelä, Petri Lankoski e Jaakko Stenros. O trabalho feito para este artigo foi
financiado pelo Projeto Integrado em Gaming Pervasive, bem como a
Fundação Cultural finlandesa. A versão do projeto foi apresentada no seminário
Desempenhando Papéis (20 de março de 2006, Tampere).

NOTAS

[^note1]: Esse artigo foi originalmente escrito em 2005 e atualizado em 2008.


Meus outros 2 artigos (Montola 2007a, 2007b) já referenciaram-lhe.
[^note2]: RPG de mesa algumas vezes é chamado de RPG de caneta e papel
(pen’ n’ paper). Live-action RPG (RPG ao vivo) é muitas vezes chamado de
larping, e RPG virtual inclui RPGs em mundos virtuais persistentes, como
MUDs e MMORPGs.
[^note3]: Veja por exemplo Kaprow 1966 e Boal 2002 para fontes diretas, e
Morton 2007 e Harviainen 2008 para abordagens de RPG.
[^note4]: Mackay (2001) propôs uma versão com cinco camadas, dividindo o
quadro diegético em 3 camadas dependendo do estilo de parole usado.
Kellomäki (2004) tem um modelo similar ao do Mackay's, com quatro camadas
de interação: social, jogo, narração e personagens.
[^note5]: O tácito conhecimento de como jogar Pôquer não é comunicado nas
regras escritas do jogo, mas os jogadores continuam expressando que a tática
social é uma parte legítima e importante do jogo.
[^note6]: Eu tenho discutido os objetivos dos RPGs mais profundamente em
Montola (2005), e em particular, o contexto do RPG dentro dos mundos
virtuais.
[^note7]: Há muitas curiosidades semelhantes entre Killer e My Life with
Master, além do fato de Killer poder ser considerado um RPG extremamente
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

jogável, enquanto My Life with Master é um jogo explicitamente narrativista


149
(veja Kim 1998 para discussão sobre gamismo, narrativismo e simulacionismo)
[^note8]: Apesar de Aarseth (1997) diferenciar cybertextos de hipertextos por
requerendo os cybertextos em ter um elemento computacional na sua criação,
ele ainda trata atividades de RPG como "cybertexto oral".
[^note9]: O que eu chamo de mundo do jogo também tem sido chamado de
espaço imaginário compartilhado — shared imaginary space (SIS). De acordo
com Mäkelä & al. (2005) os espaços imaginados — imagined spaces (IS) dos
participantes se sobrepõem para criar o espaço imaginário compartilhado. Por
consequente, o seu espaço imaginário seria equivalente a minha diegese. A
ideia de um espaço compartilhado imaginário contém um paradoxo, já que algo
imaginário nunca poderia ser verdadeiramente compartilhado.
[^note10]: Sandberg (2004) discute a ideia de uma "audiência em primeira
pessoa", com a ideia que somente o jogador pode compreender propriamente e
apreciar sua própria criação subjetiva.
[^note11]: Meu uso do termo "interação" denota que A pode afetar a maneira
que B afeta A de forma não predeterminada e não trivial, e vice versa. De fato,
essa decisão exclui jogos de computador simples: Esse artigo discute RPG
como um processo social, requerendo dois participantes sencientes.
[^note12]: O papel do mestre de jogo originou-se do papel de árbitro em jogos
de guerra (wargames). Nesses jogos de guerra, a disputa era supostamente
para acontecer entre os jogadores no nível do jogo, e não pessoas brigando
sobre regras num nível social. A inclusão de um árbitro facilitaria esse
processo.
[^note13]: Um exemplo inovador de regras retratando o gênero do mundo
diegético assim como suas leis da natureza é Amber: Diceless Role-Playing
(Ambar: RPG sem dados). O autor Erick Wujcik (2004) enfatiza que o jogo não
é sem dados devidos a algumas "razões teóricas obscuras", mas mostra o jeito
dos livros Amber de Roger Zelazny."Nos livros originais, nada nunca acontece
por acaso; todo momento que alguma coisa parece acontecer ao acaso, é
revelado que alguém estava manipulando os eventos por de trás das cenas.
Em Amber o tema deve ser o mesmo, portanto os dados não são necessários".
Em muitos casos como esse, a física do mundo do jogo estão misturadas com
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

elementos do gênero: ler as regras é impossível dizer como a mecânica da


150
probabilidade funciona dentro do mundo de Amber.
[^note14]: Xadrez pode ser usado com RPG em diversas formas. Por exemplo,
os jogadores podem construir uma diegese imaginando uma partida entre
Kasparov e Karpov, ou eles podem usar algumas peças como construções de
personagens personalizados. RPG dentro do mundo do xadrez se refere à
última alternativa.
[^note15]: Alguns filmes, é claro, quebram a quarta parede intencionalmente
mostrando equipe de filmagem ou com os atores falando direto com o público.
[^note16]: Ryan (2001) chama essencialmente a mesma coisa como
estimulação mental. De acordo com ele, estimulação pode ser descrita como
uma de pensamento contrassenso na qual o sujeito se coloca ele mesmo na
mente de outra pessoa. Ela ilustra com o seguinte exemplo: "Se eu fosse tal e
tal, acreditasse em p e q, faria eu x e y?"
[^note17]: Organizações como Camarillha (White Wolf) e RPGA (Wizards of the
Coast) criaram sistemas de regras extremamente detalhados para isso,
utilizando através de regras endógenas e exógenas para determinar quem
pode afetar a diegese e como. Eles também fornecem penalidades exógenas e
endógenas para as infrações.
[^note18]: Em vez disso, o problema é resolvido dentro do sistema social ou do
sistema legal.
[^note19]: Pode se argumentar que no Tetris o poder do jogador não é restrito,
já que o jogador é permitido manipular os blocos tão eficientemente quanto
possível. Entretanto, o sistema computacional do Tetris inclui uma multidão de
funções desabilitando os melhore métodos se se colocar os blocos em fileiras
perfeitas.
[^note20]: Fatland (2005) notou que antes do larp ser jogado, há um trabalho
do mestre do jogo em estabelecer uma pré-diegese, um ponto inicial do larp.
Esse é o ponto final aonde qualquer indivíduo poderia acessar todas as
informações a respeito do jogo. Assim que a informação é dada para os
jogadores, o mundo unificado é quebrado nas várias diegeses as quais tenham
pessoas acessando-as.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

[^note21]: Este tipo de resistência interpretativa é comum em todo o consumo


151
de mídia. Rir pode ser usado como uma estratégia para refutar o medo
causado por um filme de terror.
[^note22]: Afirmei mais cedo (Loponen & Montola 2004) que, enquanto
diegeses subjetivas dos jogadores são equivalentes - ou seja, as diegeses
produzem consequências indistinguíveis - a crise pode ser evitada. A
equivalência é perdida quando os jogadores avisam sobre uma contradição, e
as diferenças devem ser conciliadas. Muitas vezes, essa reconciliação é
liderado pelo mestre de jogo, com o poder exógeno e endógeno dado a ela
pelos jogadores.
[^note23]: Democrática, no sentido de que ela tende a dar quantidades
semelhantes de poder para todos os participantes. Deve notar-se que a
democracia não é necessariamente uma característica desejável na estética do
role-play. (cf. Svanevik 2005 e Pohjolae 1999.)
[^note24]: Este tipo de abordagem tem sido incentivada dentro dos estudos de
cinema e literatura anteriores. Citando Smith (1995, 20-21): "James Phelan
apontou que qualquer 'conversa sobre personagens plausíveis como pessoas
possíveis pressupõe que nós sabemos o que uma pessoa é. Mas a natureza
do ser humano é, naturalmente, uma questão altamente contestada entre os
pensadores contemporâneos.' Enquanto isso seria considerado como um
truísmo pela maioria dos teóricos contemporâneos de cinema e literatura,
apenas uma fração da volumosa literatura sobre identidade pessoal a que
Phelan fala foi elaborado em cima."
[^note25]: Alguns autores escandinavos (Fatland & Wingård 1999 Brenne
2005), ocasionalmente, usam a palavra "papel" como sinônimo de
"personagem", devido às influências linguísticas das línguas locais
[^note26]: " A visão de Fine (1983) é que os jogadores têm uma identidade real,
que está entre colchetes durante o role-play. Se esta experiência é ilusória ou
não, não é central para esta discussão, o ponto é que as identidades diegéticas
e "reais" são construídas de forma semelhante.
[^note27]: Tal como Pohjola (1999), que mais tarde (2004) mudou sua postura.
[^note28]: Paul Czege (2003) Minha Vida com o Mestre é uma exceção a essa
regra.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

[^note29]: Aarseth (1997) usa a "intriga" para designar "um plano secreto em
152
que o usuário é o inocente, mas voluntariamente, alvo (vítima é um termo muito
forte), com um resultado que ainda não está decidido - ou melhor, com vários
resultados possíveis que dependem de vários fatores, tais como a inteligência
e a experiência do jogador ". Em outras palavras, a intriga é a estrutura
planejada de possíveis parcelas que poderão ser realizados durante o jogo.
(2005) fábula LARP do Fatland praticamente igual a intriga de Aarseth.

Notas de tradução

1 Não traduzimos a palavra do inglês quadro pois ela mostrou-se sem nenhum
equivalente na língua portuguesa, além de ser razoavelmente disseminada em
vários grupos. Quadro mais literalmente significaria quadro, moldura, suporte,
estrutura. Nesse sentido, ele é usado em várias áreas como um sistema que
estrutura vários elementos como num suporte para outros usos. Neste caso
especifico, de conceitos, definições e outros elementos base que dariam
suporte à outros estudos da área.
2 No texto original em inglês o autor, que é Finlandês, usa pronomes femininos
(she, her) onde normalmente se usaria pronomes neutros (it, its). Não
conseguiu averiguar-se a razão de tal uso, se intencional (e qual intenção) ou
não.
3 Larp (Live Action Role-Playing Game), é uma forma de RPG jogado ao vivo,
normalmente encenado num cenário físico real, com uso de figurino e outros
elementos cênicos.
4 Apesar de RPG incluir a palavra jogo no seu nome (jogo de role-playing),
algumas vezes ela é repetida de forma redundante, como jogo de RPG para
enfatizar ou realçar a natureza de jogo do RPG, que fica implícita na sigla mas
é explícita no texto original.
5 Mackay (2001) propôs uma versão com cinco camadas, dividindo o quadro
diegético em 3 camadas dependendo do estilo de parole usado. Kellomäki
(2004) tem um modelo similar ao do Mackay's, com quatro camadas de
interação: social, jogo, narração e personagens.
6 "ser divertido", do original "fun being" na mesma ideia de "ser humano"; "ser
..."
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

7 esse trecho tem dois problemas na tradução, o primeiro é referente ao termo


153
arbitrário, pois tem o sentido de arbitro, como alguém de fora que comanda e
não arbitrário no sentido de probabilidade, como fica claro na frase seguinte; o
segundo problema é que no original o verbo é o to be na terceira pessoa do
singular ("is"), mas parece se referir aos três pontos da frase: "'o processo
interativo...' 'a diegese' e o 'mundo do jogo'", na dúvida deixei como no original,
"é".
8 paidos é o ideal de educação grego, como uma escola hoje que tivesse com
qualidade o ensino não só das matérias regulares, mas também esportes, artes
e etc.
9 café no sentido de um lugar tipo lanchonete ou padaria que sirva café da
manhã ou no final da tarde muito comum nos EUA.
10 intermediário do original proxy que significa a autoridade dada a uma
pessoa a agir por outra pessoa.

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Markus Montola (M.Soc.Sc.) é um pesquisador de jogo e doutor pela


Universidade de Tampere, na Finlândia. Depois de trabalhar por 3,5 anos em
um projeto de jogos de penetrantes, ele agora é financiado por doações da
Fundação Cultural finlandesa e se concentra em sua tese de doutorado em
role-playings e jogos generalizados. Ele coeditou Parque Worlds (2008) e Além
Role and Play (2004), com Jaakko Stenros. Durante os últimos 20 anos, ele
experimentou a maior parte das diversas formas de role-playing. Ele é membro
do Conselho Editorial principal do IJRP. www.iki.fi/montola
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

NOVOS SABORES NO LARP BRASILEIRO


Da coca-cola à caipirinha com gelo nórdico 158

Luiz Falcão

Tradução: Luiz Falcão

Resumo: O artigo reflete brevemente sobre a tajetória do larp no Brasil: desde


sua chegada, juntamente com RPGs, e os longos anos de larps orientados a
diversão sem grande apofundamento, até 2011, com a crescente interação
com as práticas e teorias do larp nórdico e mundial. Essa influência está
construindo uma nova identidade do larp brasileiro, com base na ideia de que o
larp é uma linguagem, uma mídia e um tipo de arte.

Palavras-chave: larp, Brasil, live-action role playing, Larp Nórdico;

Abstract: The article reflects briefly on the path of larp in Brazil: from its arrival
along with RPGs and long years of ―for fun‖ larps without far reaching outcomes
until 2011, with the growing interaction with practices

and theories of Nordic and world larp. This influence is building a new

identity of Brazilian larp, based on the idea that larp is a language, a

medium and a kind of art.

keywords: larp, Brazil, live-action role playing, Nordic Larp;


Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

O larp no Brasil já tem mais de 20 anos, mas até recentemente muito


159
pouco se sabia sobre ele — as primeiras tentativas de edificar uma memória
coletiva ou historiografia do larp brasileiro começaram muito recentemente e
esbarram, até hoje, na principal dificuldade de entusiastas e pesquisadores: a
memória do larp no Brasil é privada. Associados aos jogos de RPG, os jogos,
registros, histórias e materiais diversos sobre os larps circularam em grupos
restritos, apenas entre aqueles que os realizaram, até muito recentemente,
quando o larp passou a ser visto como uma atividade cultural de acesso
público, para além de um hobby práticado a portas fechadas.
Este artigo, portanto, não pretende dar conta da historiografia do larp
brasileiro, mas ser o registro de um ponto de vista possível, construído a partir
das trajetórias, diálogos, pesquisas e tradições nos quais estão inseridos o
autor e seus colaboradores. O foco deste ponto de vista é a cidade de São
Paulo, que tem tido certo protagonismo na construção desse cenário nacional
do larp, mas inevitavelmente deixará de lado muitos episódios relevantes dessa
história que começa a tomar forma.

A Primeira Onda

Ao que tudo indica, o larp chegou no Brasil de carona com o jogo de


RPG Vampiro: a Máscara, na primeira metade dos anos 1990. Rapidamente,
conquistou centenas e talvez milhares de adeptos pelo país. Alguns jogos eram
ainda integrados ao projeto One World by Night, que pretendia unir todos os
larps do cenário de Vampiro em uma única e coesa história oficial. Espalharam-
se pelo território nacional, não apenas entre as 27 capitais do país, mas
também em muitas cidades do interior. Em São Paulo, contam até hoje, não
eram raros eventos que ultrapassassem as duas ou três centenas de
jogadores. Os enredos eram contínuos (que chamamos aqui de larp de
campanha) e muitos deles com periodicidade mensa.
O modelo "One World" foi enfraquecendo com o tempo, devido em parte
a suas próprias contradições e obstáculos. A oficialidade das tramas gerava a
necessidade de aprovação das histórias depois que elas já tinham acontecido
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

regionalmente, dessa maneira, sessões inteiras poderiam ser anuladas por não
160
se encaixarem na cronologia oficial. A rígida hierarquia diegética (e não-
diegética) inflada e distribuída globalmente muitas vezes impedia ou
desestimulava a progressão local de personagens e tramas. A necessidade de
coerência e cumprimento de diretrizes — para aprovação e validação das
tramas locais — coibia a liberdade e criatividade dos grupos, engessando-os a
modelos muitas vezes alienantes. Aliados à característica regionalista e
pessoal, íntima e privada (de grupos ou clubes de jogo), esses complicadores
fizeram com que o ―modelão‖ fosse perdendo adeptos para jogos mais
reservados.
Pouco tempo depois, a popularização da internet trouxe ao Brasil
também o boffer larp americano — tendo em sua maior representação até hoje
o mítico grupo Graal, que teve origem em São Paulo em 2000, alugando sítios
aos finais de semana para cerca de 50 pessoas. Larps medievais com espadas
de espuma existem no Brasil até hoje (e estão se multiplicando).
Essa primeira onda do larp no Brasil trouxe o que eram as duas
principais vertentes do larp estadounidense, muito ligadas ainda ao RPG de
mesa e seus títulos comerciais, seja prática ou tematicamente. Desde seu
surgimento no Brasil, esse modelo coca-cola experimentou inúmeras variações
— apesar da hegemonia do Vampire, sempre houve outras temáticas, estéticas
e assuntos abordados — mas sempre dentro da lógica dos jogos de RPG, com
abordagens aventurescas ou pulp, produções muito singelas, fichas de
personagens, regras e pontuações para descrever ações e personagens e a
duração de ―uma sessão de RPG‖. O larp era, afinal, visto no país como uma
―modalidade‖ de RPG.
Sobre o modo de jogar, ainda que as fórmulas fossem norte americanas,
a contaminação por sabores regionais é inevitável. O ―dogma‖ do larp
americano ―não toque‖, por exemplo, parece ter se disseminado no Brasil de
maneira atenuada — ao invés de aderir a ele, os jogadores pareceram adotar a
regra do ―bom senso‖ que, sim, é absolutamente subjetivo, mas ilustra de forma
bastante clara o tipo de apropriação comum a cultura brasileira.
Em alguns casos, como é o exemplo da cidade de Londrina por volta de
2000 (com larps de Matrix e X-Files, por exemplo), e da Confraria das Ideias
em São Paulo, os jogos adquiriram uma característica quase freeform: a ficha
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

consistia de um nome, algumas informações e objetivos do personagem, e, em


161
caso de conflito, o mestre decidia a ação ou eram usados sistemas pouco
complexos de resolução. É o caso de Tempos de Chumbo [Fig. 1 ], primeiro
larp da Confraria das Ideias, sobre a ditadura militar brasileira dos anos 60 e
70, que marcaria a identidade de toda a produção do grupo até meados de
2012.
Os larps se tornaram muito comuns e difundidos também em eventos e
convenções de RPGs e cardgames, na maioria das vezes em versões one shot
(histórias com começo meio e fim na mesma sessão). Com o declínio da
frequência e popularidade dos larps de Vampire e boffer larps (que de certa
maneira entraram em hiato no Brasil alguns anos depois de seu surgimento,
dando lugar a grupos de swordplay, sem larp, por um longo período), esses
larps curtos e casuais realizados em eventos tornaram-se provavelmente o
território de maior desenvolvimento e consolidação da prática no Brasil. Dos
grupos que participaram desse movimento, que pode ter constituído uma
marola em relação a primeira onda, são conhecidos e atuantes até hoje o
grupo Megacorp e a Confraria das Ideias.

A Segunda Onda

Então o larp americano chegou no Brasil fazendo certo estardalhaço,


dentro da comunidade de jogadores de RPG e fora dela também, mas logo se
tornou menos visível, menos (re)conhecido e sem dúvida menos práticado.
Como acontece com os jogos de RPG, a cultura do larp era pessoal, privada.
Em sua grande maioria — excetuando os já mencionados larps em eventos —
o larp era uma coisa para ser práticada entre amigos e amigos de amigos, de
portas fechadas e não publicamente.
O ponto de virada para uma segunda onda estava em fazer do larp uma
atividade cultural, pública e reconhecida para além de um jogo entre amigos. E
esse passo foi dado pelo grupo Confraria das Ideias em parceria com a
Secretaria de Cultura da Prefeitura do Município de São Paulo. Em 2005 e
2006 com um curso especializado em larp promovido pela parceria; e a partir
de 2007, com a entrada do larp para a programação cultural oficial da cidade.
Realizado em bibliotecas públicas por toda a mancha urbana, essa
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

programação se estende até hoje. Além do reconhecimento como atividade


162
cultural, tal passo concedeu ao larp brasileiro outro fator inédito: verba
destinada a produção e realização dos larps. Isso se refletiu ao longo do tempo
nos larps que se seguiram, em qualidade, alcance e registro documental, que
passou a ser disponibilizado pulverizadamene em redes sociais, sites e blogs
na internet.
O exemplo da Prefeitura de São Paulo e da Confraria das Ideias
alimentou e alicerçou outras iniciativas ao redor do país, dando novo fôlego à
linguagem. Arraiá de Assumpção [Fig. 2], larp de temática mítica e regionalista,
criado na ocasião do aniversário de um músico popular brasileiro, Luiz
Gonzaga; O Maior Passo de Humanidade, larp de ficção científica criado para o
contexto da comemoração da chegada do homem à Lua, ambos da Confraria
das Ideias; e O Pomo de Ouro, do Grupo Megacorp, recriação do mito grego
para o MASP (Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand), são bons
exemplos que ilustram esse período.
Até 2011, o larp no Brasil conheceu um processo tímido de
amadurecimento e diversificação. A maior parte de sua memória e sua parca
documentação permaneceu em caráter privado, mas iniciativas de publicização
começaram a aparecer no horizonte. As formas rígidas dos larps baseados em
RPGs de mesa começaram a dar ainda mais espaço a formas livres, e até
mesmo a associação com os RPGs foi dando lugar a uma maior autonomia da
linguagem. As temáticas, no entanto, embora não estivessem mais presas a
cenários de RPG, continuaram girando em torno do mesmo eixo: histórias
aventurescas, temas pulp, de mistério e horror. Ficção de gênero das mais
caras ao público já familiarizado a outros jogos de representação.

A Terceira Onda

Se a segunda onda consiste em um momento de sedimentação e


progressão sutil, a terceira onda é marcada pelo irrompimento vigoroso e
efervescência produtiva que, mesmo que a princípio engendrados por um
pequeno grupo, têm provocado discussões e quebras de paradigmas — e
motivado cada vez mais pessoas a experimentarem com a linguagem.
Marco desse momento do larp brasileiro pode ser identificado como o
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

projeto Boi Voador. Um pequeno grupo, saído de dentro da Confraria das


163
Ideias inicia um novo projeto com foco diferenciado. Se a Confraria conseguiu,
nos anos anteriores, reconhecer o larp como atividade cultural, o grupo
entendeu que havia mais um passo adiante: reconhecer o larp como uma
forma de arte. Foi na pesquisa de fundamentos para um projeto formal a ser
apresentado para a prefeitura de São Paulo que o grupo descobriu o Larp
Nórdico.
Em 2011, este grupo teve aprovados dois projetos irmãos por um
pequeno edital de financiamento a arte e cultura da cidade de São Paulo.
O Boi Voador, que consistia em um núcleo de produção de larps, tendo
como referência o modelo de companhias teatrais e o trabalho que os
membros já vinham realizando em anos anteriores dentro da Confraria das
Ideias — mas com objetivos e metas de design muito claros. O objetivo era
produzir larps que pudessem ser técnica e esteticamente comparados a peças
de teatro ou performances profissionais e cujos designs fugissem da receita até
então sedimentada no Brasil de larps para 15-40 pessoas com personagens
bastante elaborados e relacionados entre si, ou criados pelos próprios
jogadores como em uma campanha de RPG (modelo herdado dos larps de
Vampire e boffer, mas até este momento já desenvolvido à sua própria maneira
no país).
E o NpLarp — Núcleo de Pesquisa em Live-Action Role playing — que
tinha por objetivo pesquisar, discutir e tornar público a maior quantidade de
material relevante sobre a linguagem no Brasil, além de promover encontros do
larp com outras linguagens (o teatro de máscaras, os RPGs indies e os jogos
de tabuleiro foram alguns dos tópicos escolhidos para esses encontros) e entre
os próprios criadores e jogadores de larp que, divididos em grupos, até aquele
ano nunca tinham se encontrado para discutir a linguagem ou mesmo suas
práticas e experiências.
O Boi Voador e o NpLarp não foram o primeiro contato brasileiro com o
Larp Nórdico. Antes disso, em 2009, o pesquisador Wagner Luiz Schmit
chegou a visitar o Knutepunkt e publicar artigo no livro daquele ano e outro
pesquisador, Renato Alves, apresentou um trabalho acadêmico a respeito da
teoria nórdica. Mas nenhum desses casos, até então, tinha tido grande
repercussão ou influência sobre a cultura de larp brasileira, nem mesmo
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

chegando a tornarem-se conhecidos.


164
Tango para Dois, um chamber game de Even Tømte e Tor Kjetil Edland,
foi o primeiro jogo nórdico a ser traduzido e aplicado publicamente no Brasil,
em 2011, como o primeiro larp realizado pelo grupo Boi Voador. Também de
origem nórdica, os role-playing poems foram bastante usados pelo grupo, nos
mais diferentes contextos (a saber, especialmente os jogos Mystério ama
Companhia e Boa Noite Queridinhas).
As histórias, jogos e teorias do larp nórdico começaram a chamar a
atenção de outros grupos, produtores e jogadores, mas a influência não se
restringiu à aplicação de jogos traduzidos ou adaptados. Convivendo com a
literatura nórdica, do Manifesto Dogma 99 ao livro Nordic Larp ou os artigos de
Lizzie Stark, o Boi Voador desenvolveu também seus próprios jogos,
Caleidoscópolis e A Clínica - Projeto Memento.
Caleidoscópolis [Fig. 3], de Cauê Martins, foi uma experiência radical de
criação improvisada de personagens e enredos in-game partindo apenas de
alguns sorteios e maquetes dispostas pelo ambiente (em uma proposta de
representação não mimética do espaço).
A Clínica — Projeto Memento [Fig. 4 e 5], de Luiz Falcão, tentava
integrar o experimentalismo pretendido pelo grupo aos gostos e preferências
do público de larp de São Paulo na época. Nesse jogo, os personagens
começavam sem memórias, trajados com roupas de internos de hospital, em
uma sala fechada. Conforme interagiam uns com os outros e com os objetos
dispostos no espaço, recuperavam aleatoriamente fragmentos de memória. Os
jogadores deveriam então preencher as lacunas entre as memórias que
coletassem, muitas vezes desconexas ou contraditórias. Bastante focado na
experiência (com tempos de espera estendidos, início gradativo do larp,
experiências cinestésicas), A Clínica não deixou de lado a elaboração de um
enredo um pouco mais tradicional, com direito até mesmo a um mistério para
ser resolvido pelos personagens.
Ao final do projeto, o grupo publicou os resultados de seu trabalho em
forma de uma retrospectiva comentada e um guia de 80 páginas, o livro LIVE!
Live Action Role playing, Um Guia Prático para Larp [Fig. 6], feito a partir do
trabalho de pesquisa do NpLarp, que aborda o larp enquanto linguagem, uma
grande gama de formas e variantes existentes do larp (e atividades
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

semelhantes), links para cenários prontos para jogar, grupos no Brasil que
165
práticam larp, e um capítulo final dedicado à prática do larp pelo mundo. É o
maior guia de referência do gênero em língua portuguesa, gratuito e em
creative commons, e tem sido até hoje responsável por aproximar (e
reaproximar) muitas pessoas da linguagem.
A influência desse projeto no cenário brasileiro vai sendo percebida
gradativamente, primeiro na Confraria das Ideias, posteriormente, em outros
grupos, de outras partes do país. São grupos que se inspiraram, motivaram ou
ou simplesmente estão alinhamento com o trabalho do Boi Voador ou as
pesquisas do NpLarp, como é o caso de Fronteiras de Akitan em Viçosa e da
BCS (Batalha Cênica Salvador), em Salvador. No larp Macondo, da Confraria
das Ideias, por exemplo, a mudança de luz provocava alterações na identidade
dos personagens (inspirado na mecânica muito semelhante de Tango para
Dois), um tipo de experimentação completamente inédita na tradição do grupo
que criou e aplicou o jogo. No larp Funeral, houve também o uso de recursos
imersivos e cinestésicos e da transição gradativa entre ambiente off-game e in-
game, como em A Clínica.
A influência dentro da Confraria das Ideias se aprofunda em 2012. O
principal escritor do grupo naquele ano, Luiz Prado, integra também o NpLarp
e, muito próximo às reflexões do Larp Nórdico, mas atento às características do
público local, é um dos principais fomentadores de novas experiências
estéticas e formais. O conceito do larp Funeral, a estrutura dramática e
mecânica em Drácula — Um conto sobre poder e Monstros, ambos de 2012,
ou os personagens escritos ―em nuvem de tags‖ de a.experiência.quimera, de
2013, inspirados pelo larp The Mothers, são alguns exemplos de apropriações
formais e estéticas do período.
Em 2013, o NpLarp publicou nova versão de seu guia e convidou o
pesquisador Wagner Luiz Schmit [Fig. 7] para uma palestra em São Paulo na
qual falou sobre larp em sua cidade, Londrina, sua pesquisa com jogos de
representação e educação, sobre sua visita a Noruega em 2009, sobre o
knutepunkt e o Larp Nórdico. No mesmo ano, Goshai Daian e Leonardo
Ramos, organizadores do larp Fronteiras de Akitan, em Viçosa, publicaram um
breve artigo no livro do Knutepunkt.
Também em 2013, passamos a nos comunicar em São Paulo com um
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

grupo de larp de Salvador, Bahia — o grupo de swordplay e boffer larp Batalha


166
Cênica Salvador (BCS) — que começou a utilizar Ars Amandi em seu larp de
campanha Zalius. Em semelhança ao que acontece em Fronteiras de Akitan,
os organizadores do larp em Salvador preocupam-se em dar forma a uma
fantasia medieval que não fique completamente estranha às terras e
sonoridades brasileiras, partindo da história nacional do país colônia e império
e criando um cenário fantástico, inspirado pela idade média europeia mas
valendo-se da cultura local — e com mais profundidade emocional do que
apenas um ―larp de combate‖.
Paralelamente, o boffer larp mais convencional também ressurge em
São Paulo (onde ele esteve sumido desde o início dos anos 2000, ao contrário
do que aconteceu no Rio de Janeiro e em Minas Gerais) e diversos grupos de
vampire larp, independentes entre si, ganham força e relevo localmente —
alguns novos, outros retomando as atividades. A fidelidade às regras e aos
modelos do larp oficial dos jogos Vampire (seja sua versão mais atual
Requiem, como a mais antiga Masquerade, ainda muitíssimo popular) varia
muito de grupo para grupo. Em Belo Horizonte, o grupo Projeto Requiem BH
usa muito pouco das regras e orientações presentes nos manuais,
aproximando-se muito mais de um freeform. Enquanto aproveita a ambientação
e cenário, recolhendo toda a influência possível de outras fontes, incluindo aqui
o Larp Nórdico, seja em seu vocabulário e debates (como o termo bleed), seja
realizando jogos pontuais em outras ambientações e cenários próprios ou
experimentando formatos como role-playing poems em encontros especiais,
voltados também para o debate e a reflexão das possibilidades do larp.
Em 2013 aconteceu também, em Belo Horizonte, Minas Gerais, a
primeira edição do evento Laboratório de Jogos, dedicado a desenvolvedores
de ―jogos narrativos‖. O labJogos, como ficou conhecido, foi promovido por
pessoas ligadas ao cenário do RPG Indie brasileiro (que ganhou destaque
internacional esse ano com o jogo Pulse, de Vinicius Chagas, vencedor do
concurso Game Chef de RPG e jogos analógicos) e atraiu também larpers de
Minas Gerais e estados vizinhos. O encontro foi importante para o cenário do
larp no Brasil, aproximando realizadores que ainda não se conheciam,
promovendo o debate e a troca de experiências e resultando na criação de um
grupo de discussão em rede social, provavelmente o primeiro ―fórum‖ nacional
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

de larp. E claro, houve larp no Laboratório de Jogos — os jogadores puderam


167
conhecer os role-playing poems (com destaque especial para o Boa Noite
Queridinhas, novamente), o protótipo do larp Jogo do Bicho, do grupo Boi
Voador, e o larp Ouça no Volume Máximo, de Luiz Prado.
O encontro deu origem, de volta a São Paulo, a uma nova iniciativa, o
LabLarp, uma série de encontros que se estenderam durante todo o segundo
semestre com o objetivo de experenciar e debater a linguagem do larp. O
LabLarp acontecia em encontros noturnos às quartas feiras, duas vezes por
mês, em um espaço privado mas aberto na medida do possível a qualquer um
que estivesse interessado em participar. A experiência foi responsável tanto
por trazer novos jogadores, quanto por promover maior frequência e reflexão
entre aqueles que já práticavam larp. Com uma programação focada em role-
playing poems, os encontros abrigaram também o larp Limbo, de Tor Kjetil
Edland (em um sábado), e jogos brasileiros, inéditos, como Café Amargo, de
Luiz Prado, Retalhos, de Tiago Braga e Cegos, de Jonny Garcia, entre outros.
Cegos [Fig. 8] foi talvez o larp mais longo realizado no Brasil até então.
Baseado no romance do escritor português José Saramago, Ensaio Sobre a
Cegueira, o larp se estendia durante 28 horas em um fim de semana. Os
jogadores eram cegados com vendas após criarem seus personagens (usando
o conceito close to home, segundo o qual os personagens não devem ser
muito diferentes dos jogadores que os representarão) e então viveriam durante
esse tempo em quarentena, vigiados por militares e com recursos escassos.
Com enredo minimalista, o objetivo do jogo era colocar os participantes em
uma situação desagradável, de tensão física e psíquica.
2013 também foi o ano do surgimento dos larps leia-e-jogue brasileiros.
Breves Encarnações, de Goshai Daian, Retalhos, de Tiago Braga, Três
Homens de Terno, Café Amargo e Ouça no Volume Máximo, de Luiz Prado,
são os grandes exemplos desse tipo de jogo surgindo no cenário nacional,
todos disponíveis gratuitamente na internet.
Se a segunda onda já representou um grande avanço em termos de
identidade e diversidade no larp brasileiro, a terceira onda parece romper de
vez com as barreiras formais e de eixo temático do larp no Brasil. Até 2011, era
comum dizermos que um larp, ―Detetives — Mistérios e Mentes Criminosas‖,
por exemplo, era ―sobre um circo sombrio e investigadores do desconhecido‖,
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

ou que ―Piratas — Muito Além dos Mares Conhecidos é um larp sobre, er…
168
piratas‖. Hoje é mais comum encontrarmos coisas como ―RedHope é um larp
sobre horror, medo, paranoia e claustrofobia.‖ (ainda que seja um live que
tenha zumbis como parte do enredo), que ―Ouça no Volume Máximo é um jogo
de representação sobre nostalgia, mágoas e recomeços‖ ou ―Café Amargo é
sobre despedidas e a importância do outro em nossas vidas‖. Os exemplos
demonstram um deslocamento da lógica aventuresca, ―de gênero‖ — a bem da
verdade, derivada da tradição dos RPGs de mesa no Brasil — para um campo
mais dramático, autônomo e pessoal, algumas vezes até mesmo cotidiano.
Formalmente, o Brasil começa a conhecer, nos últimos anos, larps de
estrutura diversificada — para além dos 20 ou 30 personagens criados
previamente pela organização ou em conjunto com os jogadores —, seja
motivado por experiências como Tango para Dois e outros chamber games,
pelos role-playing poems, jeepforms e pela leitura da literatura nórdica sobre
larp ou seja pelo resultado de experiências locais realizadas de lá para cá.
Muitas das variações de estrutura dramática, narrativa, de fichas de
personagem e o uso de metatécnicas que eram até então inéditas no país ou
que encontravam grande resistência entre o público brasileiro, hoje estão se
tornando cada vez mais comuns e procuradas por jogadores e criadores.
Mais de dois anos depois de o projeto Boi Voador / NpLarp ter
aproximado o larp nórdico do brasileiro, a ideia de que o larp é mais que um
hobby, mas uma linguagem autônoma, uma mídia e uma forma de arte está se
fortalecendo no país. O cenário vem se agitando de forma exponencial de 2011
para cá. Há novos autores e organizadores, uma comunidade crescente de
jogadores cada vez mais ativa, participativa e interessada nos conteúdos e
debates sobre os jogos. Há a aproximação de criadores e organizadores em
nível nacional (e estamos falando de um grande país!) e o começo de uma
crítica e debate nas redes sociais e blogs, além do surgimento de manuais
gratuitos e abertos na internet.
O Brasil entra em 2014 com um cenário agitado, diverso e em pleno
desenvolvimento. Ainda há espaço para os modelos ―americanos‖, que sempre
sofreram aqui suas adaptações e seus ―jeitinhos brasileiros‖, mas novas formas
de larp chegaram para ficar e conquistaram seus públicos. A identidade de um
larp brasileiro provavelmente começa a tomar forma nos próximos episódios
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

dessa história — ao que tudo indica com uma forte influência da tradição
169
nórdica.

Agradecimentos

Tadeu Andrade, Wagner Luiz Schmit, Jon Back e Carina Carvalho, estiveram
envolvidos na adaptação e revisão deste texto. Com a colaboração de Wagner
Schmit, Ricardo Izumi, Luiz Prado, Goshai Daian, Krishna Farnese e Paulo
Merlino.
Salvador, 2010-2013.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Bibliografia
170

DAIAN, Goshai; & RAMOS, Leonardo. Looking Back to Move Foward. In


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Paulo: NpLarp, 2013. Disponível em: < http://nplarp.blogspot.com.br/p/guia.html
> Acessado em: 18 jan 2014

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Letras.

Ludografia

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Arraiá de Assumpção. São Paulo: Confraria das Ideias, 2009.

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FALCÃO, Luiz. A Clínica - Projeto Memento. São Paulo: Boi Voador, 2011.

Detetives — Mistérios e Mentes Criminosas. São Paulo: Confraria das Ideias,


2010.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Drácula - Um conto de poder e monstros. Sao Paulo: Confraria das Ideias,


171
2012.

Fronteiras de Akitan. Viçosa: Associação dos Jogadores de RPG de Viçosa,


2013.

Funeral. São Paulo: Confraria das Ideias, 2012.

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HOLTER, Matthijs. Boa Noite Queridinhas. Disponível em <


http://nplarp.blogspot.com.br/2011/07/role playing-poems.html > Acessado em
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BERNER, A; HOLM, K; MIKKELSEN, J; MUNTHE-KAAS, P; NYLEV, F;


PETERSEN, R. Kapo. Copenhagen, Denmark, 2011.

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EDLAND, Tor Kjetil. Limbo. São Paulo: LabLarp, 2013

Macondo. São Paulo: Confraria das Ideias, 2011.

O Maior Passo da Humanidade. São Paulo: Confraria das Ideias, 2009.

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http://jeepen.org/games/modregruppen/ >. Acessado em 01 mar 2014.

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Piratas — Muito Além dos Mares Conhecidos. São Paulo: Confraria das Ideias,
172
2010.

O Pomo de Ouro. São Paulo: Grupo Megacorp, 2010.

FARNESE, Krishna. LEMOS, Marcele. Projeto Requiem BH. Belo Horizonte:


Projeto Requiem BH, 2009 - dias atuais.

RedHope Terra dos Mortos, 2013. Sao Paulo, Brazil: Confraria das Ideias.

BRAGA, Tiago Campanário. Retalhos. São Paulo, 2013. Disponível em <


http://partoproduc.blogspot.com.br/2014/01/fotos-do-retalhos-e-guia-atualizado-
na.html > Accessado em 12 jan 2014

TØMTE, Even; Edland, Tor Kjetil. Tango para Dois. São Paulo: Boi Voador,
2011. Disponível em < http://chambergames.wordpress.com/2008/10/29/tango-
for-two/ > Accessado em 25 jan 2014

Tempos de Chumbo, 1999. São Paulo: Confraria das Ideias, 1999.

PRADO, Luiz. Três Homens de Terno. São Paulo, 2013.

MERLINO, Paulo. Zalius. Salvador: Batalha Cênica


Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Imagens
173

[Fig. 1] Tempos de chumbo, 1999 (Foto: Confraria das Ideias)

[Fig. 2] Recriação do larp Arraiá de Assumpção em 2010 (Foto: Luiz Falcão)


Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

174

[Fig. 3] Caleidoscópolis, jogadores representando em torno das maquetes


que compunham o expaço não-miméticopretendido pelo jogo (Foto: Luiz Falcão)
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

175

[Fig. 4] A Clínica, Projeto Memento - jogadores vendados durante o


processo de imersão pré-game. (Foto: Leonardo França)
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

176

[Fig. 5] A Clínica, Projeto Memento - in-game, grupo de jogadores reunidos


em torno de objetos encontrados na sala. (Foto: Leonardo França)
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

177

[Fig. 6] Iniciativa inédita no Brasil, LIVE! é um dos poucos materiais a


disposição em língua portuguesa (Imagem: Luiz Falcão)

[Fig. 7] O pesquisador Wagner Luiz Schmit, o primeiro à esquerda na foto,


como ―João, o blogueiro‖ durante o larp ―13 à mesa‖, no evento A Week in Norway,
que antecedeu o Knutepunkt em 2009 (Foto: Britta K. Bergensen)

[Fig. 8] Cegos, livremente baseado no romance de José Saramago e


Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

178

inspirado por larps como Kapo (Foto: Jonny Garcia)

Texto original:FALCÃO, Luiz. New Tastes in Brazilian Larp, From Dark


Coke to Caipirinha with Nordic Ice. In The Cutting Edge of Nordic Larp.
Denmark: Toptryk Grafisk, 2014. Disponível em
<http://nordiclarp.org/wiki/The_Cutting_Edge_of_Nordic_Larp> Acessado em 1
abr 2014.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

ENTREVISTAS 179

As entrevistas, ao meu ver, são um dos pontos mais relevantes da revista, pois
atendem diretamente um problema geográfico a muito debatido entre os
pesquisadores que ocorre no Brasil, o espaço.

Pesquisadores traballham em cidades muito distantes, o que faz o role playing


florecer em diferentes contextos e demandas, mas ao mesmo tempo dificulta a
comunicação entre eles. O olhar sobre o tema no sul, se difere no sudeste e
centro oeste, alguns problemas são similares outros divergentes. Devido a isso
as entrevistas permitem, um olhar mais próximo diante das diferentes
realidades vivenciadas no país, assim como múltiplas histórias que vão dando
forma gradativamente as figuras do role playing regional.

Neste volume, exploramos três casos interessantes, o projeto ―interpretar e


aprender‖, que atua dentro de escolas particulares em São Paulo, a
contextualização das práticas sociais, culturais e educativas do RPG em
Uberlândia (MG) e a ação progressiva da cidade de Viçosa (MG) que já esta
em seu 19° encontro de RPG, vinculado a Universidade Federal de Viçosa.

Nestas entrevistas três formas distintas sobre o role playing com sua
intervenção social surgem e se desenvolvem, sendo referencias para futuras
práticas e propostas em municípios que ainda bsucam estabilizar determinada
identidade junto ao role playing.

Rafael Correia Rocha

Editor chefe
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

GRUPO INTERPRETAR E APRENDER


180

Entrevistado: Thiago Oliveira - Grupo interpretar e aprender ( composto por


Thiago Oliveira, Paulo Gallina e Daniel Aidar).

Entrevistador: Lucas Eduardo de Freitas

Entrevista realizada em: 07/09/2013

Um grupo que surgiu na Universidade de São Paulo formado por três


estudantes do curso de História que tiveram o desejo de unir RPG e Educação.
Além de poder se divertir jogando, se pode também educar crianças, jovens e
adultos. Vamos então a entrevista!

Como surgiu o projeto de vocês?

Daniel: À época, nós três trabalhávamos ou já tínhamos trabalhado com


educação de alguma forma. Tínhamos acabado de concluir nossas
licenciaturas e já havíamos jogado RPG juntos, mas não éramos, à época, um
grupo de fato. Foi quando o Thiago lançou a ideia para uma amiga dele que era
educadora e ela bancou a aposta de que poderíamos apresentar o RPG como
instrumento educativo na bienal da escola em que ela trabalhava. Nós
adoramos a experiência e decidimos nos tornar, de fato, um grupo, produzindo
conteúdo em nosso blog e aventuras para escolas interessadas.

Thiago: Quando minha amiga propôs uma aventura para 80 crianças já vi que
não conseguiria sozinho. Logo pensei no Daniel e no Paulo pois joguei
aventuras divertidíssimas com ambos e sabia que levavam jeito pra coisa. Não
deu outra, dez estafantes horas depois de começarmos sabíamos que não
poderíamos mais parar por ali.

Muito bom, e como vocês vêm a interação entre o RPG e a educação?

Thiago: O RPG apresenta soluções para vários problemas da educação atual:


Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

a autoridade falha de professores desmotivados, a falta de interesse de alunos


181
desmotivados, a falta de escrita e leitura, a sistematização extrema e a
desvinculação do conteúdo trabalhado com a vida em sociedade, e trabalho
cooperativo, etc. Em si só ele traz, quando bem utilizado, benefícios que
poucas ferramentas ou métodos conseguem suprir. Ainda assim, não pode ser
tratado como uma solução única e definitiva.

Daniel: Depois de nossas experiências em grupo e de algumas outras


experiências particulares, bem como de algumas leituras, penso que o RPG é
uma ferramenta extremamente poderosa, mas que não faz milagres e que ele
pode atuar como complemento, mas não como um substituto às formas
tradicionais de ensino de conteúdo. O RPG pode incentivar o aluno a querer
aprender mais, a querer saber, mas é perigoso pensar nele como uma
panaceia para os problemas educacionais. Dito isso, contudo, não se pode
subestimar a ajuda que ele é capaz de empreender. Ele oferece uma
plataforma interativa fantástica para a fixação de conteúdos e, sobretudo,
oferece aos alunos a possibilidade de 'saírem de si', de considerarem outras
perspectivas. Neste sentido, o RPG pode auxiliar a fomentar habilidades
cognitivas difíceis de se trabalhar dentro dos limites da educação tradicional,
como a empatia e a sensibilidade, ao mesmo tempo em que estimula a
criatividade e a espontaneidade.

Vocês acham que ainda existe um certo tipo de preconceito na nossa


sociedade acerca do RPG?

Daniel: Com certeza, existe. Já foi muito pior, contudo. Hoje, ele sofre algum
desprezo por ser uma forma de entretenimento que está um pouco fora de
moda, por não ser virtual e nem envolver atividade física. É uma brincadeira
que envolve um esforço mental que lida com habilidades importantes, mas que
têm sido pouco estimuladas hoje em dia. É muito estranho pensar que, por
exemplo, o League of Legends e o World of Warcraft, jogos conhecidos no
mundo inteiro, extremamente populares entre jovens (e entre alguns dos
alunos que tive), só são o que são porque foram construídos sob preceitos
cunhados pelos jogos de RPG tradicionais, não-virtuais, tabletop, como dizem
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

os anglófonos, mas que muitos de seus jogadores não tenham qualquer


182
interesse nestes RPGs tradicionais por não quererem trabalhar aquelas
habilidades cognitivas de que falei na última resposta. Por outro lado, creio que
setores mais tradicionais veem o RPG com ressalvas pelo mesmo motivo que
enxergam problemas em jogos de videogame, por exemplo, por associarem
tais atividades a um passatempo de crianças e não terem interesse em
aprender sobre ela. A questão do RPG como 'coisa do demônio' ainda deve
existir, mas não creio que ela paute a opinião da sociedade como à época da
tragédia de Ouro Preto.

Thiago: Eu vejo o preconceito acerca do RPG apenas no âmbito educacional.


A geração que está formando os jovens adultos de nossa sociedade teve um
contato muito grande com RPG´s ao longo da vida, principalmente com o vídeo
games. A escola, entretanto, ainda vê o RPG como uma ferramenta de
entretenimento, como disse o Daniel, e não acredita na potencialidade do novo.
É inegável que as novas tecnologias revolucionarão o ensino nas próximas
décadas e a escola deve abrir-se para o novo.

O RPG deveria ser uma matéria escolar, ou mesmo um momento dentro


das escolas de ensino fundamental visando estimular o aprendizado e
leitura e a interação social?

Daniel: Tenho algumas ressalvas quanto a torná-lo uma matéria ou algo assim.
Acho que ele poderia ser uma oficina alternativa, um curso extracurricular,
similar a um curso de teatro dentro de uma escola. Não questiono que ele
possa estimular o aprendizado, a leitura e a interação social - ele pode e é
eficaz neste sentido. Tenho dúvidas quanto a torná-lo algo obrigatório, sabe?
Mas as experiências que tive foram quase todas positivas... Só que, ainda que
seja uma forma muito mais estimulante de se passar conteúdo, não vejo como
ela seria capaz de substituir totalmente uma aula expositiva, um trabalho, um
exercício. Em uma escola adequada, com um número de alunos baixo e
professores tanto bem motivados quanto bem assessorados pela direção
escolar, estes métodos tradicionais ainda são mais eficientes. Por isso, tenho
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

fé no RPG como um excelente acessório, mas não como "solução" para os


183
problemas da educação. Estes, creio, passam antes pela valorização do
docente, tanto financeiramente quanto funcionalmente.

Thiago: Também tenho minhas dúvidas quanto à obrigatoriedade do RPG em


sala de aula. Em nossas experiências, nunca houve um caso de recusa de
participação. Claro que um aluno empolga-se mais que outro, mas todos
sempre receberam bem a atividade. Não é difícil encontrar casos de sucesso
quando o RPG é jogado no contra-turno como um curso extra-curricular.
Mesmo sem inserir conteúdos escolares, há benefícios socio-cognitivos
riquíssimos na prática do jogo de interpretação. Não acredito, entretanto, que
deva tornar-se uma matéria. Há, cada vez mais, escolas democráticas
extinguindo matérias. Acredito que o conhecimento se dá de forma
transdisciplinar, e o RPG pode ser uma poderosa ferramenta nessa direção. É
bastante claro, nas aventuras que criamos, a potencialidade de trabalhar-se
conteúdos de várias áreas do conhecimento.

Qual é o maior objetivo do trabalho de vocês hoje?

Daniel: Em minha opinião, difundirmos o RPG como ferramenta educacional,


explicarmos suas possibilidades e oferecermos nossos serviços às escolas
interessadas.

Thiago: E me divertir enquanto faço tudo isso

Qual é o RPG preferido de vocês e por que?

Daniel: Entre os sistemas que joguei, meus favoritos são o Sistema Daemon e
o Unisystem, que são mecanicamente simples e eficientes, mas que também
incentivam a interpretação por parte dos jogadores, mas tenho lido sobre
outros sistemas e estou muito curioso para experimentar um chamado Burning
Wheels - vou me presentear ano que vem com ele, creio. Já quanto a
ambientação, gosto muito de criar as minhas próprias, mas, dentre as
'estabelecidas' a do oWoD é a minha favorita, de longe. Eu sempre volto para
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

ela, em algum momento. O nWoD parece muito legal, mas me é difícil


184
abandonar os Tremere, os Presas de Prata, a Ordem de Hermes...

Thiago: Meu preferido, sem dúvidas é o mundo das trevas. Foram as


aventuras nas quais mais me diverti. O D&D também conseguiu me conquistar
de alguma maneira. Mas o sistema ou o cenário de nada importam quando se
está em um ambiente confortável e divertido. Comecei a jogar (e nem sabia
que estava jogando) quando fizemos um simulador de Dungeon Keeper
(aquele antigo mesmo) no papel no ensino fundamental II.

Galera foi muito bom poder fazer essa entrevista com o pessoal do Interpretar
e Aprender. Espero que você também tenha gostado e lembrando como é bom
vermos que além de ser extremamente divertido jogar RPG, ele pode ser uma
ferramenta na área da educação, desenvolvendo no indivíduo a criatividade e
estimulando a interação social. Parabéns ao pessoal do Interpretar e Aprender,
muito sucesso com a iniciativa de vocês, e mais uma vez aqui vai o blog do
grupo e a página no facebook. Visita lá e dê aquela curtida!
http://grupointerpretareaprender.blogspot.com.br/
https://www.facebook.com/InterpretarEAprender?fref=ts
http://grupointerpretareaprender.blogspot.com.br/
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

ARTICULAÇÕES SOBRE PROJETOS DE RPG E EDUCAÇÃO EM


185
UBERLÂNDIA (MG)

Entrevistador: Vinícius Rennó - google.com/+ViníciusRennó

Entrevistado: Rafael Correia Rocha - narrativadaimaginacao@gmail.com

Entrevista realizada em 26/02/2013

Como foi o processo de reconhecimento do uso do RPG na educação


pela Prefeitura de Uberlândia?

Bom na época do reconhecimento, eu fazia parte do conselho municipal de


educação, então levei a proposta que já era testada na universidade para lá, o
conselho gostou, e de lá fui apresentar para a secretaria da educação, que me
pediu para mostrar para um centro de projetos pedagógicos, que ficaram um
pouco divididos, mas ao final de um mês de analise, deram o aval final
favorável, demorou cerca de três meses. O reconhecimento pela prefeitura foi
muito importante, todavia ainda existem muitas barreiras a serem rompidas por
conta da mentalidade provinciana da cidade.

Como se sente a esse respeito? Foi algo inesperado? Por quê?

Acredito que dentro do eixo universidade-educação-cultura-sociedade, seja


familiar ao RPG por isso não vejo como uma surpresa, e quando o mesmo é
tem embasado e articulado não existe um real motivo barrar. As barreiras são
de preconceito e não sobre resultados. Sinto-me bem porem incompleto, pois a
cidade não quer enxergar além da própria fronteira, Patos de Minas tem 10
vezes menos habitantes que Uberlândia, já esta com uma confraria lúdica e
entrando no quinto evento regional de RPG e quadragésimo primeiro live.

Quantas e quais premiações ou menções o projeto recebeu?


Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Houve o premio projeto destaque no 1° simpósio de educação de Uberlândia,


186
e o reconhecimento, somos chamados muito por empresas e universidades
para algumas atividades, mas na maioria das vezes é batendo na porta para
tentar mostrara os resultados e propondo intervenções, estamos tentando gerar
uma ONG, para poder efetivar e legitimar com mais propriedade as ações do
projeto.

Quais as perspectivas futuras para o projeto? Ele continuará? Há outros


projetos similares? Por quê?

Então como estava comentando acima, o foco este ano é formata-lo como
ONG, dando liberdade para atuação em todo território nacional, focando na
qualidade das relações humanas, sustentados pela tríade educação/promover
prazer em aprender e ensinar-cultura para fazer arte, no campo social
interação do jovem, família e comunidade com reforço filantrópico.

O Encontro de RPG de Uberlândia pode ser considerado um dos


resultados/consequências do projeto? Por quê?

Consequência com certeza, ele surgiu porque queríamos que a comunidade


olha-se para as possibilidades do RPG, e conhece-se o projeto também,
simplesmente um ''olhe para nós, fazemos parte de vocês e vocês de nós' a
partir dele conseguimos conversar com famílias e o jogo pode ser usado para
melhor interação de jovens e adultos, o jogo cria uma linguagem comum, no 1°
encontro um pai me disse; eu vim para melhorar minha convivência com meu
filho - o garoto nunca havia jogado RPG entrou na mesa e eu perguntei para
pai; olhe seu filho como você o vê agora/ - ele disse; feliz - então falei, - vá
jogar com ele, faça parte da vida dele e da felicidade dele... O pai não quis ir,
mas notou a importância.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

No 2° encontro a entrada será 2 kg de alimento e teremos um bazar de roupas


187
usadas de uma ONG de proteção à mulher e a família, amostra de uma oficina
de padaria, junto com um xadrez de 8 metros quadrados, cards, games e muito
RPG, fora sorteios e palestras.

Você ainda é membro do Conselho Municipal de Educação de


Uberlândia? Se não, o que está fazendo/trabalhando agora?

Não sou mais, por problemas de saúde em família e mudança de gestão no


município sai do conselho; atualmente trabalho em uma escola preparatória
para concurso público, trabalho com os projetos da Narrativa da Imaginação
isoladamente. Em 2012 devido à greve na universidade federal não foi possível
fazer muita coisa, estamos atuando no auxilio a projetos acadêmicos sobre
RPG ou narrativa, pequenos eventos, atividades em empresas, ainda estamos
engatinhando.

Qual seria o nome dessa ONG que vocês estão tentando criar? Não seria
melhor uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público)?

Ótima pergunta uma OSCIP esta dentro da categoria ONG, e você acertou em
cheio é uma OSCIP, no caso o projeto Narrativo da Imaginação, sendo
regulamentado nestes padrões.

Poderia explicar melhor essa "tríade educação/promover prazer em


aprender e ensinar-cultura/fazer arte - sociedade/ interação do jovem,
família e comunidade com reforço filantrópico", por favor? Não
compreendi muito bem.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Claro, vamos por partes, na educação, promover o prazer em aprender e


188
ensinar e a narrativa da imaginação tem como uma viga de fundação melhorar
a qualidade das relações professor-aluno, pois alguém só aprende se esta
predisposto a isso e escolhe aprender, se permite aprender, fato esse
complicado quando existem atritos sócios afetivos entre educador e educando.

Prazer de aprender é o aprender divertido que buscamos na ludicidade da


narrativa. Cultura/fazer arte; a narrativa e a formação de histórias são uma
forma de arte, que deve ser destacada, em toda produção cultural de criação
coletiva, sempre damos destaque e relevância, valorizando as produções e
desta forma valorizamos os sujeitos.

Sociedade, interação do jovem, família e comunidade com reforço filantrópico;


existe um distanciamento do jovem de uma devolutiva produtiva para a
sociedade, nossa intenção de aproximar as atividades de jogos, no caso RPG,
e mostra-los a família e a sociedade, ao mesmo tempo em que mostramos aos
jovens os trabalhos sociais promovidos no municipio, para que ambos se
olhem, e conheçam, sem medo. A família e a sociedade têm medo do que não
conhecem, e o jovem não se mostra para não ser subjugado, quando temos
momentos de diálogos e convivência, isso pode gradativamente ser amenizado
e esclarecido. Começamos inclusive a gerar diálogos com ONGs para estamos
cada vez mais próximos e atualizados sobre as demandas sociais.

Você ainda faz mestrado em educação pela Universidad de la Empresa?


Quando defende ou defendeu sua dissertação? (No seu Currículo Lattes
diz que ainda está em andamento, mas parece desatualizado.) Já tem
vistas para algum doutorado na área?

Sim, no Uruguai a estrutura do mestrado é um pouco diferente do Brasil, um


pouco mais demorado pela burocracia. Irei defender agora em julho (2013),
deveria ter defendido antes, mas como disse tive problemas de saúde em
família, e isso atrasou minha defesa. Estou de olho no doutorado em História
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

da UFU onde fui convidado, queria desenvolver aqui em Minas, porque em São
189
Paulo as coisas já esta indo bem, precisamos desenvolver o pais como um
todo.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

ASSOCIAÇÃO DE RPG DE VIÇOSA


190
Entrevistado: Alexandre Saraiva Soares, Presidente da Associação de
RPGístas de Viçosa

Entrevistador: Rafael Correia Rocha - narrativadaimaginacao@gmail.com

Entrevista realizada em 01/04/2014

Como é composta a associação de RPG de Viçosa? Como ela se


desenvolveu durante esses 19 anos?

A Associação de RPGístas de Viçosa, ARV, é uma associação sem fins


lucrativos composta por pessoas físicas de qualquer lugar do Brasil que, seja
por terem criado algum vinculo com a cidade em algum momento de suas vidas
e conhecido a Associação ou por convite e indicação de membros já
associados, decidiram preencher o requerimento de associação e foram
aprovados pela Diretoria Executiva vigente.

Inicialmente, e por muito tempo, tratou-se de algo que existia apenas no


imaginário coletivo. As poucas decisões e ações requeridas de uma diretoria
eram realizadas por um pequeno grupo de fundadores e amigos próximos mais
engajados, tidos como membros. Eventualmente, à medida que essa ideia se
fazia conhecer, novos membros iam surgindo, pedindo associação e recebendo
aprovação, mas, até então, sem nenhuma formalidade ou registro oficial de
controle dos associados.

Recentemente, em 2013, após mais de dois fracassos em tentativas de registro


da ARV em cartório, sempre por falta de documentação ou detalhes legais,
conseguiu-se fazer oficial um sonho de anos e, finalmente, a Associação de
RPGístas de Viçosa oficializou-se em 2014, cerca de dezenove anos após sua
primeira idealização.

Quantos membros a ARV tem atualmente?


Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

191
Como reflexo do recente registro em cartório da Associação, no momento ela
conta oficialmente apenas com seus trinta e cinco membros fundadores para
fins oficiais, mas dispõe paralelamente de outros vinte indivíduos que já
requereram associação e estão aguardando deferimento do pedido, além de
outros tantos colaboradores que ainda não se manifestaram ou preferiram não
se associar, mas que estão sempre dispostos a ajudá-la em seus eventos e
desafios diários.

Como teve inicio o Encontro de RPG de Viçosa?

Os Encontros de RPG de Viçosa tiveram suas primeiras edições bem humildes


e simples, onde pequenos grupos de amigos RPGístas se reuniam em locais
públicos como o espaço de convivência do DCE para jogarem juntos em um
dia pré-marcado. Mal podiam ser chamados de eventos, até que começaram
aos poucos a chamar atenção e arrecadar seguidores e aficionados pelo
hobby, de modo que tais espaços começaram a ficar pequenos e a
necessidade de infra-estrutura e pré-organização foram surgindo, chegando
aos moldes do que temos hoje. Eventos programados para durarem dois dias,
com média de público esperado de mais de 600 pessoas por dia, para o 19º, e
perspectivas reais de crescimento para os Encontros vindouros.

Qual é a relação entre a Associação e a Federal de Viçosa?

A partir do momento em que o cenário RPGístico da cidade começou a crescer


significativamente, e sua maior parte era composta por estudantes da
Universidade Federal de Viçosa, foi natural para a Associação procurar ajuda e
apoio cultural junto aos órgãos competentes da instituição para a realização de
seus eventos. Seja Live Actions na Biblioteca Central, Encontros de RPG no
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Pavilhão de Aulas II ou no Centro de Vivência, um dos nobres espaços de


192
eventos do campus, até como liberação de espaços para as Mostras de
Animação Japonesa, organizadas anualmente pela ARV. Ao contrário do que
se esperaria em outras cidades, em Viçosa não sofremos preconceito por parte
da UFV, e atualmente temos o Encontro de RPG de Viçosa reconhecido como
uma das atividades oficiais de recepção de calouros, integrando o programa
Trote Solidário desenvolvido pela Universidade.

Quais os principais problemas do RPG na cidade?

Certamente a falta de interesse do comércio local pelo mercado RPGísta deixa


uma lacuna frustrante para quem passa a depender de internet ou encontros
anuais de RPG para abastecer seus estoques de dados, livros e demais
produtos do gênero. No mais, a falta de espaços públicos onde os jogadores
podem se encontrar e montar uma mesa sem incomodar transeuntes, sem ser
incomodados por estes, e onde não haja cobrança de consumação para
permanência no local é um problema recorrente enfrentado em Viçosa.

Como se estruturam os lives?

A cultura de Live Actions na cidade é quase tão antiga quanto a ARV em si,
senão mais, e foi retomada no XV ERPGV como uma das atrações do evento.
Desde então, ocorreu mensalmente durante quase três anos ininterruptos,
sempre retomando suas forçar junto aos Encontros anuais, onde participantes
veteranos e iniciantes eram introduzidos ao cenário, fomentando a história com
novos personagens e enredos.

Divulgado para leigos como um ―evento de teatro improvisado onde há


interação ativa e construtiva por parte dos participantes na construção da
história‖, os Live Actions viçosenses organizados pela Associação possuem
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

apoio da Divisão de Assuntos Culturais da Universidade, e registro como uma


193
atividade de extensão da UFV.

Como os RPGistas se dispõem na cidade? Onde e quando jogam com


maior frequência?

Infelizmente, em sua grande maioria, reclusos dentro de suas próprias casas.


Por um lado há certas vantagens de conforto, mas nem sempre é o ideal
quando o resto da família está em casa ou o colega de república quer estudar
para uma prova. O único evento que os reúne todos em um só lugar é mesmo
o Encontro de RPG de Viçosa, e, quando em outras épocas do ano, raramente
há o encontro de dois grupos (nunca mais) no restaurante de um shopping que
deixa suas mesas e cadeiras em um hall ou em algum espaço do Campus da
Universidade.

Quais são as atividades promovidas pela ARV?

Atualmente, três principais: encontros anuais de RPG (ERPGV), Mostra de


Animações Japonesas (MAJ) e os Live Actions. Em segundo plano, a
Associação de RPGístas de Viçosa também já promoveu pequenas versões do
Encontro em finais de semana, com duração de apenas uma tarde,
desprovidos de verba e compromisso com divulgação em massa, nos moldes
de suas primeiras edições, onde espalhava-se informalmente a intenção de
reunir grupos de RPG em um só local e todos combinavam um dia para
comparecerem. Em adição, apoiou a execução de LARPS Medievais e trabalha
atualmente em um novo projeto de torneio envolvendo RPG (e atividades
relacionadas), sobre o qual divulgaremos informações assim que a viabilidade
de execução se tornar uma realidade.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

A ARV atua junto a outros campos como educação e cultura?


194

Dentro da Universidade Federal de Viçosa, a ARV já recebeu apoio de vários


setores como a Divisão de Assuntos Culturais (DAC), a Pró-Reitoria de
Extensão e Cultura (PEC) e a Biblioteca Central da UFV (BBT), além da UFV
em si e a Fundação Arthur Bernardes, tendo suas atividades reconhecidas
como eventos culturais e atividades de extensão com apoio institucional. Sobre
RPG na Educação, é algo que vem sendo explorado e pelo qual a Associação
e associados têm buscado obter mais conhecimento, mas que ainda não
dispõe de nenhum projeto ou evento em planejamento.

Como é a estrutura das lojas especializadas em jogos em Viçosa?

Inexistente. Como comentado anteriormente, Viçosa é defasada


comercialmente no setor de RPG e lojas de jogos no geral. O único ponto de
vendas de dados e livros de RPG não faz pedidos desse tipo de material há
mais de cinco anos, tendo ficado sem estoque e vários exemplares encalhados
de suplementos sem livros base ou sequências sem precursores, por não se
manterem atualizados ou interessados no nicho. Fato curioso, pois
definitivamente há interesse por parte dos consumidores de adquirirem artigos
do gênero, fato comprovado periodicamente em eventos promovidos pela ARV.

Como esta representada a estrutura do Card game e Board game na


cidade?

Ascendente seria a palavra mais adequada. Com o crescimento dos Encontros


de RPG de Viçosa, nós da ARV estamos descobrindo outros setores com
defasagem de atenção da sociedade viçosense e, através de sugestões de
associados interessados em diversificar, atrair cada vez mais público e
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

desmistificar o RPG, temos acolhido setores órfãos como K-Pop, cultura


195
Japonesa (animes, origami, culinária), jogos de cartas colecionáveis e não-
colecionáveis, assim como jogos de tabuleiro e softcombat. Com isso, temos
descoberto interessados em desenvolver e estruturar esses setores para
fortalecê-los de forma independente, mas tendo o RPG como um elo em
comum, sempre com o apoio da Associação e seus voluntários, compartilhando
interesses de forma construtiva.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

JOGOS 196

A proposta de publicar jogos nesta revista, quebra um pouco o modelo


convencional da academia, mas ao mesmo tempo atende aos pesquisadores e
curiosos que buscam compreender a mecânica e tendências dos jogos de
representação. Além de servir como registro para resguardar autores.

Uma das principais reclamações que chegou até a revista, foi o fato de
pedirmos uma bibliografia ou ludografia do jogo; esclareço que, qualquer jogo
atual, tem inspiração de jogos anteriores que proporcionaram mecânica e
estrutura necessárias para seu desenvolvimento. Neste caso buscamos aqui a
valorização dos jogos de base, mantendo o rigor cientifico, ao mesmo tempo
que valorizamos as produções nacionais. Com preferência para os jogos que
promovam discussões mais profundas no campo social, cultural e educacional,
com a descrição clara de sua função.

É possível publicar um breve manual de regras (RPG ou LARP) com contexto


de cenários, disposições A4 de print & play para boardgame e cardgame, ao
qual permita uma análise profunda e crítica no campo da ludicidade,
originalidade, competências, saberes, literatura, estética e mecânica.

Rafael Correia Rocha

Editor Chefe
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

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ÁLCOOL
Autor: Luiz Prado

RESUMO
Álcool é um jogo de representação, para 2-5 pessoas, sobre o significado do
álcool em nossas vidas.

PALAVRAS-CHAVE
larp, álcool, memórias, freeform, live action roleplay

ABSTRACT
Álcool is roleplay game, for 2-5 people, about the meaning of alcohol in our
lives.

KEYWORDS
larp, alcohol, memories, freeform, live action roleplay

Este é um jogo de representação sobre o significado do álcool em


nossas vidas. Participam de duas a cinco pessoas e você precisa de uma
mesa, uma cadeira e um copo com a bebida alcoólica que desejar. Evite
problemas legais e jogue apenas com maiores de idade.
Um dos participantes senta-se à mesa, diante do copo. Ele representará
um personagem que reflete se deve ou não tomar aquela dose. Por motivos
que serão construídos ao longo do larp, bebê-la significa a continuidade de
certo modo de vida que ele estuda abandonar. Por isso hesita, e as memórias
da relação com o álcool vêm a sua mente.
Os demais formam um círculo amplo ao redor da mesa e são
responsáveis por propôr essas memórias, que serão representadas durante o
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

jogo. Sem decidir previamente uma ordem, algum participante anuncia uma
198
destas cenas do passado, indicando o ambiente onde se passa, as pessoas
envolvidas e o nível alcóolico do primeiro personagem (que pode variar
amplamente da sobriedade ao coma alcoólico). Esses elementos começarão a
definir sua biografia.
Por exemplo: happy hour da empresa. Jorge e Renato - colegas de
setor. Marcela - secretária. Pacheco - supervisor. Levemente embriagado.
Não tenha medo de errar: o personagem será mesmo montado aos
poucos e você pode adicionar os elementos que julgar mais significativos para
a experiência. Lembre apenas de manter-se próximo da realidade - lidar com
situações possíveis é a proposta desse larp.
Quando anunciar os personagens, indique também quais jogadores irão
representá-los, apontando-os. A pessoa à mesa, contudo, desempenha o
mesmo papel em todas as memórias. Não é preciso que todos participem - se
quiser, você pode propor um monólogo ao primeiro personagem. Contudo, não
coloque mais papéis que jogadores em cena.
Após ambiente, personagens e nível alcoólico terem sido definidos, o
participante sentado à mesa se levanta e a cena começa. O proponente da
recordação é também o responsável pela primeira fala, que fornecerá o início
da interação.
Por exemplo: Douglas, conta pro pessoal aquela história do novo
estagiário com o cara do rh.
Os personagens e suas relações são revelados pelo improviso, à
medida que a cena se desenrola, e os participantes adicionam elementos aos
papéis uns dos outros, construindo-os coletivamente. Nome, idade, hábitos,
temperamento e qualquer outra característica podem ser sugeridos e devem
ser incorporados ao personagem. Se alguém afirmar que sua esposa é
insuportável, assuma que você é casado. Por outro lado, torne pública qualquer
ideia que tiver sobre seu papel, não guarde-a para si. Só assim ela fará parte
do jogo. Se você definiu que seu personagem tem três filhos, diga isso em
algum momento da representação.
Cada memória transcorre até o jogador no papel de quem está
relembrando dizer em voz alta e clara VOLTAR. Isso indica que o personagem
se afastou da recordação. Ele então retorna à mesa e ao copo, enquanto os
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

outros re-organizam em silêncio o círculo. É a vez de outro participante


199
anunciar uma cena. As lembranças sugeridas podem estar separadas por
décadas ou pertencer a um espaço tão curto quanto a mesma noite. Além
disso, os personagens podem mudar a cada cena ou se repetir por todo o jogo,
os participantes conservando os mesmos papéis ou revezando-se entre eles.
Lembre apenas de não pré-definir a ordem de quem indica a cena: expectativa
e incerteza são partes do jogo. Se duas pessoas falarem ao mesmo tempo,
parem e decidam com o olhar de quem será a vez.
Quando todos tiverem proposto uma memória, o jogador volta mais uma
vez a sentar-se. Após encarar o copo pelo tempo que julgar necessário, deve
tomar a bebida ou levantar-se, abandonando o espaço do jogo. É o fim do larp.
Conversem sobre a experiência.

JOGOS DE REFERENCIA: Good Night Darlings, de Matthijs Holter; When Our


Destinies Meet, de Morgan Jarl e Petter Karlsson; New Voices in Art de Tor
Kjetil Edland, Arvid Falch e Erling Rognli; 13 at the table de Kristin Hammerås e
Solveig Malvik; The Mothers de Frederik Berg Olsen; e Ouça no Volume
Máximo de Luiz Prado.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

CAFÉ AMARGO 200

Autor: Luiz Prado

RESUMO
Café Amargo é um jogo de representação, para 2-6 pessoas, sobre despedidas
e a importâncias do outro em nossas vidas.

PALAVRAS-CHAVE
larp, despedidas, freeform, live action roleplay

ABSTRACT
Café Amargo is a roleplay game, for 2-6 people, about goodbyes and the
meaning of the others in our lives.

KEYWORDS

larp, goodbyes, freeform, live action roleplay

Introdução

Cedo ou tarde, as pessoas queridas nos dizem adeus. Café Amargo é um jogo
de representação sobre despedidas e a importância do outro em nossas vidas.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Neste jogo vocês precisam de:


201
- 2 a 6 pessoas
- 1 a 3 horas (dependendo do número de participantes)
- rolo de barbante ou lã
- café forte, sem açúcar (ou outra bebida amarga, como chá verde bem forte)
- garrafa térmica

- 2 xícaras
- 3 cadeiras (opcionais)

Café Amargo acontece em cenas dramáticas sucessivas, executadas


em duplas, que apresentam momentos de separação entre pessoas com fortes
laços afetivos. Um dos participantes está indo embora e decide comunicar sua
partida ao outro. A relação entre os dois pode ser de qualquer natureza -
familiar, amorosa, amizade, trabalho - mas é certo que o vínculo emocional é
forte o bastante para que a separação seja dolorosa para ambos. O que é a
partida também está em aberto: um filho saindo de casa, uma esposa que
comunica uma doença terminal, um amante anunciando sua mudança para
outro país. Sabe-se apenas que a separação põe fim ao relacionamento e que
não há perspectivas de vocês voltarem a se encontrar.

O jogo começa com os participantes sentados em círculo, passando uns


aos outros um rolo de barbante ou lã para estabelecer quais serão os pares em
cada cena. Quando todos tiverem recebido o rolo, cada pessoa estará ligada
pelo fio a outras duas, com as quais representará duas cenas distintas, ora no
papel de quem vai embora, ora como quem recebe a notícia da partida.
Lembre-se que cada cena é diferente da anterior, com novos papéis, relações,
local e motivos para a separação. Todas as cenas acontecem no meio do
círculo, com os participantes em pé ou sentados em cadeiras.

As cenas têm início com o personagem que partirá enchendo duas


xícaras de café, ficando com uma e entregando a outra para sua dupla. Feito
isso, ele então anuncia o motivo da conversa para o outro, estabelecendo ao
mesmo tempo qual é a relação entre eles e qual é a natureza da separação.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

Por exemplo: Carlos, estamos casados há 10 anos e jamais te escondi nada,


202
por isso, em nome desse respeito que sinto por você, preciso dizer que não te
amo mais e preciso ir embora. A construção de cada personagem e da relação
existente entre eles acontece durante a própria cena, através da interação com
o outro e do desenvolvimento dos elementos propostos pelo parceiro. Usando
o exemplo acima, a pessoa que recebe a notícia, agora sabendo que é um
homem casado chamado Carlos, poderia responder evocando momentos dos
10 anos de casamento, que deverão ser assimilados pelo outro participante.

Uma cena termina quando o personagem que vai embora beber todo
seu café, que deverá estar frio, e anunciar algo como - já disse tudo o que tinha
para dizer. Ele então senta-se de volta no círculo e deixa o outro sozinho com
sua bebida. O personagem abandonado pode levar o tempo que quiser para
tomar seu café, refletindo sobre a cena. Quando terminar, é hora de encher
novamente as xícaras, enquanto a próxima pessoa assume seu lugar no centro
do círculo. Assim que a bebida for entregue, a nova cena começa.

Quando a última pessoa abandonada terminar seu café, o jogo acaba.


Com todos de volta ao círculo, é então o momento de conversar sobre as
sensações e reflexões vividas durante o jogo. Recomenda-se reservar entre
meia e uma hora para esse momento.

JOGOS DE REFERENCIA: Good Night Darlings, de Matthijs Holter; When Our


Destinies Meet, de Morgan Jarl e Petter Karlsson; New Voices in Art de Tor
Kjetil Edland, Arvid Falch e Erling Rognli; 13 at the table de Kristin Hammerås e
Solveig Malvik; The Mothers de Frederik Berg Olsen; Ouça no Volume Máximo
de Luiz Prado, Violentina, de Eduardo Caetano.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

AOS COLABORADORES NORMAS DE PUBLICAÇÃO


203

DA REVISTA MAIS DADOS

1. A Revista MAIS DADOS aceita apenas artigos inéditos para publicação.

2. Os artigos poderão ser enviados por meio eletrônico para o e-mail da revista:
narrativadaimaginacao@gmail.com

3. Os textos encaminhados para publicação deverão ter de 15 a 30 laudas,


aproximadamente com 30 linhas cada uma, excetuando-se as resenhas, que
deverão ter de 5 a 8 laudas e jogos de uma á 30 laudas

3.1. Os artigos deverão ser acompanhados de resumos, em português e inglês


ou espanhol, com extensão entre 5 e 10 linhas, acompanhados por 3 á 5
palavras-chave nos dois idiomas.

3.2. A formatação da primeira página deverá seguir os seguintes parâmetros:


título em caixa alta, centralizado, em negrito, fonte Arial tamanho 14; subtítulo
centralizado, em negrito, fonte Arial 12, com primeira letra maiúscula e o
restante em caixa baixa; nome do autor, alinhado à margem direita, em negrito
e em fonte Arial tamanho 12; seguido de RESUMO, PALAVRAS CHAVE,
ABSTRACT e KEYWORDS, todos em fonte Arial tamanho 12. Em nota de pé
de página, deverão exercer, a instituição em que trabalha e a titulação
acadêmica.

3.3. O texto deve ser formatado em:

a) fonte: Arial tamanho 12;

b) espaçamento entre linhas: 1,5;

c) margens: 3 cm superior e esquerda, 2 cm inferior e direita;

d) Alinhamento: justificado

e) parágrafo: recuo de 1,25 cm na primeira linha e espaçamento de 0 ponto,


antes e depois.

3.4. As citações constituem-se de transcrições de materiais com mais de três


linhas. Devem aparecer abaixo do texto, em fonte Arial tamanho 10, sem
aspas, com recuo de 4 cm da margem esquerda, sem recuo da margem direita,
que permanece alinhada ao resto do texto, e com menção ao trabalho
consultado em nota de rodapé.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

3.5. As ilustrações (fotos, tabelas e gráficos) quando forem absolutamente 204


indispensáveis, deverão ser apresentada no corpo do texto, acompanhadas da
respectiva legenda (de acordo com a respectiva legenda) na sua forma
definitiva.

3.6. As notas de rodapé deverão ser indicadas no corpo do texto por algarismo
arábico em ordem crescente e listadas no rodapé da página, em fonte Arial
tamanho 10, com alinhamento justificado e espaçamento entre linhas simples;

3.7. A publicação de jogos devem manter os seguintes elementos: titulo, nome


do autor, justificativa, objetivos, estrutura de funcionamento e referencia
bibliográfica ou ludografia.

3.8. Fazer citação bibliográfica completa quando o autor e a obra estiverem


sendo indicados pela primeira vez; em caso de repetição, utilizar:

a) SOBRENOME, Nome. Op. cit., p.


b) Id., data, p.
c) Ibid., p..

4. A bibliografia é dispensável, se não incorpora outras citações às ja listadas


nas notas. Em caso de necessidade, a bibliografia deve ser relacionada ao final
do texto em alfabética, obedecendo os seguintes modelos:

4.1. Livro:
SOBRENOME, Nome. Título em negrito. Local de publicação:
Editora, data.
Ex.:
PORTELLI, Alessandro. República dos Sciuscia. São Paulo:
Salesiana, 2004.

4.2. texto em coletânea:


SOBRENOME, Nome. Título. In: SOBRENOME, Nome
(Org.). Título do livro em negrito. Local de publicação: Editora, data. p.
inicial-final.

Ex.:
KHOURY, Yara Aun. Muitas memórias, outras histórias:
cultura e o sujeito de história. In: ALMEIDA, Paulo Roberto
de; FENELON, Déa Rirbeiro; KHOURY, Yara Aun; MACIEL,
Laura Antunes (Orgs.). Muitas memórias, outras histórias.
São Paulo: Olho d‘Água, 2004. p. 116-138.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

4.3. artigo em periódico:


SOBRENOME, Nome. Título. Título do periódico em negrito, 205
Local de publicação, volume, número, página inicial-página final, mês e ano da
publicação.

Ex.:
SOBRENOME, Nome. Titulo. Titulo do periódico em negrito. Local de
publicação, volume, número, página inicial- página final, mês e ano da
publicação.

EX: MARTINS, Estevão. Historiografia: o sentido da escrita e a escrita do


sentido.Historia & Perspectivas, Uberlândia, n. 40, p. 55-80, jan.-jun. 2009.

4.4. Trabalho acadêmico:

SOBRENOME, Nome. Título em negrito: subtítulo. Ano de Depósito. Folhas.


Teses/Dissertação/Monografia/Trabalho de conclusão de curso (Nome do
Curso)–Unidade onde foi defendida, Universidade, Local, ano de defesa.

Ex.:
FREITAS, Sheille Soares. Por falar em cultura: história
que marcam a cidade. 2009. 209 f. Tese (Doutorado em
História Social)–Instituto de História, Universidade Federal

4.5. Artigo e/ou matéria de jornal:


SOBRENOME, Nome. Título. Título do jornal, Local, data.
Caderno, p.

Ex.:
HOFLING, E. Livro descreve os 134 tipos de aves no campus
da USP. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 15 out. 1993.
Cidades, Caderno 7, p. 15. Depoimento a Luiz Roberto de
Souza Queiroz.

4.6. Imagens em movimento:


TÍTULO: subtítulo. Diretor, produtor. Local: Produtora,
Data. Especificação do suporte em unidades físicas. Notas complementares.

Ex.:
BAGDA Café. Direção: Percy Adlon. Alemanha: Paris Vídeo Filmes, 1988. 1
filme (96 min)

4.7. Documento iconográfico ( fotografias, cartões postais, gravuras e outros):


Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

SOBRENOME, Nome. Título. Data. Características físicas (especificações do


suporte, indicação de cor, dimensões). 206

Se o documento estiver em forma impressa ou meio eletrônico, acrescentam-


se os dados da publicação (local, editora, data) ou endereço eletrônico.

Ex.:
COMETA de Harley, 1986. 1 fotografia, p&b., 12cm x 8 cm. NORMANDIA:
Lago Caracaranã. Normandia: Desenho Letra e Música, 1986. 1 cartão-postal,
color., 11cm x 15cm.

RAUSCHER, B. B. da S. Dublê de Corpo. 1985. 10 gravuras,


xirograv., p&b., 61cm x 92cm. Coleção Particular.

4.8. Documento eletrônico:

Para documentos em suporte eletrônico, são necessárias, ainda, as


informações sobre o endereço eletrônico, apresentado entre os sinais < >,
precedidos da expressão ―Disponível em:‖ e a data de acesso ao documento,
precedida da expressão
―Acesso em:‖.

Ex.:
AUTONOMIA universitária: anteprojeto da Andifes.
Disponível em: <http://www.ufba.br/autonomia-andifes.html
>. Acesso em: 30 abr. 1989.

4.9. Jogo

Desenvolvedor. Titulo. Categoria. Local: ano.

Ex: Grow. Perfil 5. Tabuleiro. São Paulo: 1997

5. Ao final do texto, em página anexa, informar o endereço anexo completo


para correspondência e telefone de contato.

6. A simples remessa dos originais implica em autorização para publicação,


que fica condicionada a provação de pelo menos 2 pareceristas do conselho
executivo. Todos os trabalhos serão previamente apreciados pelo Conselho
Executivo da Revista e enviados, para análise, aos pareceristas indicados por
ele.
Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

7. Os originais submetidos à apreciação do Conselho Executivo não serão


devolvidos. A Revista compromete-se a informar os autores sobre a publicação 207
ou não de seus artigos.

Revista MAIS DADOS

Endereço:
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) Narrativa da
Imaginação
Revista MAIS DADOS
Av. Estrela do Sul, 1946 – Bairro: Martins
CEP.: 38400-399 – Uberlândia – MG
(34) 3239-4068; Fax: (34) 3239-4396

Home page:
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E-mail:

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Revista Mais Dados – Volume 01 - 2014

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