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12/09/2018 Novas reflexões em torno da teoria geral dos procedimentos especiais GEN Jurídico
Advocacia
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por Heitor Vitor Mendonça Sica
26.abr.2017
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12/09/2018 Novas reflexões em torno da teoria geral dos procedimentos especiais GEN Jurídico
1. Nota introdutória
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Nosso objetivo não é outro senão aprofundar o exame de alguns pontos que, segundo
nos consta, não têm merecido a devida atenção, sobretudo no tocante à subsidiariedade
das normas do procedimento comum aos procedimentos especiais e à cumulabilidade
de demandas sujeitas a procedimentos diversos, quando ao menos um deles é especial.
Embora haja relativo consenso quanto a esses três conceitos, nem por isso a definição
do que se entenderia por procedimento especial está livre de dúvidas.
Embora sejam bem conhecidas as dificuldades de separar com absoluta clareza o que
são normas processuais e procedimentais[9], pode-se dizer[10] que tais adaptações são
feitas tanto no plano do procedimento (ou seja, atinentes à forma, sequência,
encadeamento e sumarização dos atos praticados pelos sujeitos processuais), quanto no
plano do processo (relativo às situações jurídicas processuais, isto é, ônus, poderes,
deveres e sujeições das partes). Em todos os casos veem-se técnicas empregadas pelo
legislador, com a finalidade de promover a adequação do instrumento de prestação de
tutela jurisdicional ao conflito a ser dirimido[11].
4. Análise do Título III do Livro I Parte Especial do CPC/2015 à luz das premissas
até aqui assentadas
Outros dois instrumentos regulados nessa parte do CPC – habilitação (arts. 687 a 692)
restauração de autos (arts. 712 a 718) – constituem meros incidentes processuais[28], e
não procedimentos especiais, pois neles não se veicula demanda, na acepção estrita do
termo[29], não encerrando objeto litigioso próprio. O primeiro (restauração de autos) é
empregado em qualquer situação em que os autos do processo se percam,
independentemente do direito material nele versado, e não tem por objetivo solucionar
um conflito, mas apenas restabelecer a documentação dos atos processuais pretéritos.
Do segundo (habilitação) se valem os litigantes que pretendam alterar a formação
subjetiva do processo em razão de sucessão ocorrida no plano do direito material,
independentemente de qual é a situação litigiosa, igualmente sem o objetivo de
solucioná-la, mas apenas a de permitir o prosseguimento do processo em direção a esse
fim. Nesse passo, ambos os instrumentos estão mal colocados no Título III do Livro I
da Parte Especial do CPC de 2015. A restauração de autos deveria ter sido tratada na
Parte Geral, notadamente no Capítulo I (“Da forma dos atos processuais”) do Título I
(“Da forma, do tempo e do lugar dos atos processuais”) do Livro IV (“Dos Atos
Processuais”)[30]. Já a habilitação deveria figurar no Capítulo IV (“Da sucessão das
partes e dos procuradores”) do Título I (Das Partes e dos Procuradores”) do Livro III
(“Dos sujeitos do processo”) [31].
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Os embargos de terceiro constituem remédio para todo aquele que não for parte no
processo combater ato de constrição ou ameaça de constrição de seus bens,
independentemente do direito material versado; trata-se, pois, de instrumento atípico de
defesa de terceiro[32]. Se entendermos que os embargos de terceiro pertencem ao rol
dos procedimentos especiais em sentido estrito, também o seriam os embargos à
execução. Ademais, a proximidade entre os embargos de terceiro e as ações
possessórias, visível à luz do CPC de 1973, fornecia munição para a doutrina sustentar
que se trataria, de fato, de um típico procedimento especial. Entretanto, ao ampliar
claramente o cabimento dos embargos de terceiro para a tutela petitória (art. 674), o
CPC de 2015 fez com que essa semelhança se reduzisse.
Por fim, a ação monitória se presta a exigir qualquer modalidade de obrigação com
base em prova escrita sem eficácia de título executivo, de modo que é conotada por
atipicidade[33]. Se entendermos que a ação monitória é procedimento especial, com
maior razão também deveria sê-lo a execução de título extrajudicial (mormente porque
o art. 784 do CPC de 2015 encerra diversas hipóteses específicas de direito material,
tais como os incisos V a IX).
Exatamente por isso é que existem no sistema procedimentos especiais que são “mais
especiais” que outros,[37] por apresentarem mais ou menos diferenças em relação ao
procedimento comum regrado no Código de Processo Civil.[38]
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Por um lado, deixar de alterar regras gerais do Código de Processo Civil inadequadas
ou insuficientes para tutelar os litigantes em determinadas situações de direito material
conspira contra a efetividade do processo, que pressupõe adequação de seus
instrumentos em relação ao direito material.
Em uma primeira vista, nosso sistema incorreu mais frequentemente no segundo erro
aqui apontado, pois prevê uma quantidade exagerada de procedimentos especiais,
muitos deles injustificáveis tecnicamente. As causas dessa descontrolada proliferação
são também conhecidas: (i) a crônica ineficiência do procedimento ordinário[41]; (ii) o
apego injustificado a tradições históricas[42]; e (iii) razões de conveniência política.
[43]
Naturalmente que essas explicações não passam de especulação, mas não encobrem o
fato de que os procedimentos especiais com frequência instituem normas que não se
prestam, apenas, a adequar a prestação da tutela jurisdicional às vicissitudes do direito
material controvertido, trazendo também novidades cuja utilidade se espraia para todo
o sistema processual.
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Outro aspecto de que cuida a “teoria geral dos procedimentos especiais” refere-se à
subsidiariedade das normas gerais do procedimento comum regulado pelo Livro I do
Código de Processo Civil. Trata-se de um princípio aplicável a todo e qualquer
procedimento especial, mesmo naqueles casos de procedimentos “muito especiais”
(como o mandado de segurança ou as “ações coletivas”).
No entanto, esse fenômeno não é tão comum quanto o inverso, em que as normas
subsidiárias do Código de Processo Civil, embora efetivamente aplicáveis, não são
observadas, principalmente nos procedimentos especiais da legislação extravagante.
[…] convém reiterar asserto que há muito tempo vimos pondo como premissa
de qualquer argumentação em torno de problemas do mandado de segurança:
esse instituto não é um monstrum sem parentesco com o resto do universo, uma
singular esquisitice legislativa, uma peça exótica, uma curiosidade a ser exibida
em vitrine ou em jaula para assombro dos passantes.[46]
Mesmo os procedimentos disciplinados pelo CPC de 2015 não ficam imunes a esse
fenômeno. Ainda ecoa o entendimento de que não se aplicariam a procedimentos
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À luz do CPC/1973, o referencial normativo obrigatório está no art. 292, § 2.º, que
assim dispunha: “Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de
procedimento, admitir-se-á a cumulação, se o autor empregar o procedimento
ordinário”.
Já sob a vigência do CPC/2015, a norma que rege a espécie está no art. 327, § 2.º,
assim redigido: “Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de
procedimento, será admitida a cumulação se o autor empregar o procedimento comum,
sem prejuízo do emprego das técnicas processuais diferenciadas previstas nos
procedimentos especiais a que se sujeitam um ou mais pedidos cumulados, que não
forem incompatíveis com as disposições sobre o procedimento comum”.
Por fim, à luz de ambos os diplomas também se deve reconhecer que existe uma
margem limitada de liberdade do autor em escolher o procedimento. A análise do art.
292, § 2.º, do CPC/1973 indicava certa liberdade do autor em preterir o procedimento
especial em favor do comum, ao passo que o art. 295, V, do mesmo diploma revelava
que a margem de escolha do autor quanto ao procedimento era reduzida, dado que,
segundo doutrina largamente majoritária produzida com base naquele diploma, as
normas procedimentais eram de “ordem pública”, não podendo ficar à livre disposição
das partes.[60] Diante dessa aparente antinomia, ponderamos, à luz do CPC/1973, que
haveria que se reconhecer uma solução intermediária, de modo que a escolha do
procedimento a ser adotado não é inteiramente livre, mas há alguma “margem de
manobra” por parte do demandante[61].
À luz do CPC de 2015, o cenário se altera um pouco. De um lado, o art. 327, § 2.º,
continua a atribuir ao autor o poder de preterir o procedimento especial aplicável em
favor do procedimento comum, embora com “adaptações” a respeito das quais se falará
no item seguinte. Por outro lado, não figura no art. 330 do CPC/2015 hipótese de
indeferimento da petição inicial fundada em inadequação do procedimento escolhido
pelo autor. Acrescente-se o art. 785 do mesmo Código, que permite que o autor munido
de título executivo extrajudicial pode optar por ajuizar demanda de conhecimento.
Somando-se todos esses elementos à maior amplitude da adaptação procedimental por
força da vontade das partes (cujo ponto culminante se encontra no art. 190 do diploma
atual), tem-se um cenário de maior liberdade na escolha do procedimento por parte do
autor.
Contudo, ainda assim, a exemplo do que sucedia à luz do CPC/1973, essa liberdade
não é total.
como manda o art. 327, § 2.º, do CPC/2015. Nessa linha, não há como aceitar que se
cumulem, em uma mesma demanda, pedidos de tutela coletiva com pedidos de tutela
individual, em face da evidente incompatibilidade, o que impede a aplicação do § 2.º
do mesmo diploma, na linha do § 1.º, III, do mesmo dispositivo.[62]
Por outro lado, para delimitarmos a categoria dos procedimentos especiais fungíveis, é
necessário procurar no sistema hipóteses em que ao autor é facultado renunciá-los em
favor do procedimento comum.
O primeiro exemplo que nos ocorre é o mandado de segurança, pois, a nosso ver, não
se poderia negar ao autor o direito de veicular sua pretensão pelo procedimento comum
mesmo que munido de prova documental pré-constituída e amparado por direito
líquido e certo. Não se pode cogitar de falta de interesse processual nesse caso porque
se reconhece legítimo ao autor preferir não correr riscos quanto ao juízo de
admissibilidade do writ, que depende, em última análise, da formação do
convencimento do juiz quanto à suficiência da prova documental pré-constituída.
Por razões muito similares, há que se reconhecer ao autor a possibilidade de optar entre
o procedimento comum e o procedimento monitório. Ao autor é legítimo se acautelar
quanto ao risco de dúvida acerca da suficiência ou não da prova documental
apresentada.
Essas constatações ainda não são suficientes para resolver todos os problemas
decorrentes da cumulação de demandas submetidas a procedimentos diversos, sendo
um deles especial.
A solução dada pela letra fria do referido art. 292, § 2.º, do CPC/1973, era a aplicação
do procedimento comum ordinário tout court. Tratava-se de solução insatisfatória, pois
implicava o descarte de técnicas presentes no procedimento especial, sem considerar
sua eventual compatibilidade com o padrão do Código de Processo Civil.
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Contudo, nesse ponto o art. 327, § 2.º, do CPC/2015, apresenta real avanço, pois
permite que se preservem “as técnicas processuais diferenciadas previstas nos
procedimentos especiais a que se sujeitam um ou mais pedidos cumulados, que não
forem incompatíveis com as disposições sobre o procedimento comum”.
Eis, então, exemplos em que se adotaria o procedimento comum com algum tipo de
adaptação, mas sem o desfigurar, dando-se ao art. 327, § 2.º, do CPC/2015 uma
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Em resumo, resta evidente que a aplicação do art. 327, § 2.º, do CPC/2015 enseja
dificuldades que exigem profunda reflexão. Estas linhas tiveram por objetivo contribuir
para essa empreitada, sem a pretensão de esgotá-la, até porque, a nosso ver, o ideal
seria proceder a um exaustivo exame casuístico dos diversos procedimentos especiais
espalhados em nosso ordenamento processual, tarefa evidentemente trabalhosa e
incompatível com os acanhados limites deste trabalho.
9. Síntese conclusiva
Referência bibliográfica
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[1] Há muito, o tema dos procedimentos especiais destaca-se como aquele que recebe menor
atenção da doutrina processual civil, o que é particularmente visível entre os autores que se
dispuseram a publicar cursos, manuais ou tratados, seja ao longo dos mais de quarenta anos de
vigência do CPC/1973, seja à luz dos quase dois anos de promulgação do CPC/2015. Não raro, os
procedimentos especiais são ignorados. Para comprovar essa assertiva, bastam alguns eloquentes
exemplos de obras reiteradamente reeditadas à luz do CPC/1973 (Amaral Santos, Primeiras linhas
de direito processual civil, em 3 volumes; José Frederico Marques, Manual de direito processual
civil, em 3 volumes e Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, em volume único), bem
como à luz de obras que foram publicadas ao tempo do CPC/1973, mas que já foram readaptadas
ao CPC /2015, como as obras de Fredie Didier Jr. e outros (Curso de processo civil, com 5 volumes
editados à lume do CPC/1973, quatro dos quais já atualizados à luz do CPC/2015), Cândido
Dinamarco (Instituições de direito processual civil, com 4 volumes editados ao tempo do CPC/1973 e
um deles já atualizado em face do CPC/2015).
[2] No âmbito da jurisdição voluntária há o procedimento “comum” regrado pelos arts. 719 a 724
do CPC (aplicável aos casos do art. 725 e em todos os demais em que não houver previsão legal
expressa), ao lado dos procedimentos especiais (arts. 726 a 770). Além da execução por quantia
certa “comum”, há os procedimentos especiais, como aqueles aplicáveis à Fazenda Pública na
condição de credora (Lei 6.830/1980) e de devedora (arts. 534, 535 e 910), e à cobrança da
prestação alimentar fundada no matrimônio, união estável ou parentesco (arts. 528 a 533 e 911 a
913). De forma similar, o Livro III do CPC/1973 (sem paralelo no CPC/2015) abrigava normas
relativas à cautelar “inominada” (arts. 796 a 812) e às “cautelares em espécie” (arts. 813 a 889).
[3] Luigi Paolo Comoglio assim sintetiza esse raciocínio: “A ‘ação’, em sentido constitucional,
como não é mais apenas ‘direito ao processo’ (mas é um ‘direito ao justo processo’), é também um
‘direito à tutela’ (ou, se se preferir, o ‘direito a uma efetiva tutela’), bem se podendo aspirar inseri-
lo […] entre os ‘princípios supremos’ do ordenamento constitucional, ou até mesmo entre os
‘direitos invioláveis do homem’, reconhecidos e garantidos pela República (art. 2.º da Constituição
italiana)” (Riforme processuali e poteri del giudice. p. 95, já traduzido por nós). Em sentido similar,
José Roberto dos Santos Bedaque pontua: “[a]ssim, direito de ação não é direito a uma sentença
favorável, a uma sentença qualquer ou à sentença de mérito. (…) [o] direito de ação deve ser visto
como garantia da efetividade, isto é, deve conferir ao seu titular a possibilidade de exigir do Estado
instrumento apto a solucionar as controvérsias de maneira adequada e útil” (Garantia de
amplitude da produção probatória. In: José Rogério Cruz e Tucci (coord.). Garantias
constitucionais do processo civil. p. 166-167). Sobre o tema, confira-se ainda o nosso O direito de
defesa no processo civil brasileiro – um estudo sobre a posição do réu, cap. 3.
[4] Não se pode olvidar, também, que o exercício do direito de ação não anima, exclusivamente, a
instauração do processo, mas, sobretudo, o seu desenvolvimento. Primeiro, porque sempre se
reconheceu o exercício incidental do direito de ação em processos já instaurados (caso da
reconvenção, da denunciação à lide etc.). Segundo, porque a moderna doutrina processual tem
afirmado que a amplitude do direito de ação não se esgota apenas na instauração do processo,
desdobrando-se em um leque de poderes e faculdades exercitáveis até que o Estado-juiz tenha
efetivamente proferido decisão definitiva sobre o litígio e tendo-a executado forçosamente quando
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assim necessário. Assim, a instauração do processo seria decorrência de um ato praticado pelo
autor – denominado “demanda” – que constitui importante, mas não única, manifestação do
direito de ação. Nesse sentido, confira-se, e.g., Cassio Scarpinella Bueno (Curso sistematizado de
direito processual civil. v. 1, p. 325): “[n]ão há mais espaço para entender o ‘direito de ação’, ou,
simplesmente, a ‘ação’ como a mera ruptura da inércia da jurisdição, quando o tema é inserido em
seu devido contexto, do ‘modelo constitucional do direito processual civil’. Muito mais do que isto,
é importante entendê-lo e associá-lo com o próprio agir, durante todo o processo, para a obtenção
da tutela jurisdicional e de seus efeitos concretos no plano material. O ‘direito de ação’, nestas
condições, deve ser entendido como o direito subjetivo público exercitável contra o Estado-juiz ao
longo de todo o processo como forma de garantir àquele que o exerce a prestação da tutela
jurisdicional de acordo com um processo ‘devido’, assim entendido o processo em que se
assegurem todos os direitos assegurados pelos princípios constitucionais do processo civil”.
Registre-se apenas que Scarpinella Bueno não emprega o termo “demanda”, preferindo referir-se
ao ato postulatório que rompe a inércia da jurisdição (inicial ou incidentalmente) como “pedido”.
[5] Referimo-nos aos três escopos (social, jurídico e político) a que alude Cândido Rangel
Dinamarco, na clássica obra A instrumentalidade do processo, passim..
[6] Nesse sentido, vejam-se Humberto Theodoro Jr. (Curso de direito processual civil, v.1, p.134-
135) e Flávio Luiz Yarshell (Curso de direito processual civil, v.1, p.298-299).
[7] O CPC de 1939 falava em “processo ordinário” (Livro III, arts. 291 e seguintes). Já os CPCs de
1973 e 2015 preferiram a denominação “procedimento comum” (art. 272, do CPC/1973 e art. 318
do CPC/2015), sendo que o primeiro diploma o dividia em duas espécies (ordinário e,
originalmente, sumaríssimo, mas, após reforma operada pela Lei n. 9.245/95, simplesmente
sumário). O CPC/2015 eliminou essa dicotomia, mantendo apenas o procedimento comum.
[8] Veja-se, a respeito, Andrea Proto Pisani (Lezioni di diritto processuale civile, p.32 ss.) ao
considerar que a adequação da prestação jurisdicional ao direito material invocado é consequência
natural e necessária da superação da ideia de ação como direito unitário e completamente
autônomo (que é impregnada da concepção de igualdade formal do Estado liberal do século XIX)
para a ideia de efetiva tutela jurisdicional (própria do Estado social do século XX, que se baseia em
critérios de igualdade substancial). No mesmo sentido, entre nós, Fredie Didier enaltece a
importância do chamado “princípio da adequação” (Sobre dois importantes, e esquecidos,
princípios do processo: adequação e adaptabilidade do procedimento. Ajuris, n. 83, p. 166-178).
[9] Esse tema foi objeto de reflexões de importantes monografias, tais como as de Fernando da
Fonseca Gajardoni (Flexibilidade procedimental, esp. p. 30-41), Paula Sarno Braga (Norma de
Processo e norma de procedimentos – O problema da repartição de competência legislativa no
direito constitucional brasileiro, passim.) e Maria Carolina Silveira Beraldo (Processo e
procedimento à luz da Constituição Federal de 1988: Normas processuais e procedimentais civis,
passim.).
http://genjuridico.com.br/2017/04/26/novas-reflexoes-em-torno-da-teoria-geral-dos-procedimentos-especiais/ 27/40
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[12] Vide, sobre o tema, teoria acerca dos microssistemas jurídicos elaborada por Natalino Irti
para descrever a lógica interna das leis especiais em sua obra L’età della decodificazione, p. 65 e ss.
Cf. também Ricardo Luis Lorenzetti, Fundamentos do direito privado, p. 42 e ss.
[14] O microssistema de tutela coletiva acha-se pautado primordialmente nas leis n. 4.717/1965,
7.437/1985 e 8.078/1990 (CDC). A respeito, confiram-se José Afonso da Silva (Ação popular
constitucional: doutrina e processo. p. 210), Rodolfo de Camargo Mancuso (Jurisdição coletiva e
coisa julgada: teoria geral das ações coletivas. p. 180) e Bruno Garcia Redondo et al. (Juizados
especiais).
[16] Esse fenômeno nada tem de novo. Deixando-se de lado os monumentos legislativos que
vigeram no Brasil antes de 1939 (tema tratado por José de Moura Rocha. Sobre os procedimentos
especiais. Revista de Processo, n. 53, p. 22-25), temos que o nosso primeiro Código de Processo Civil
nacional tratava dos “Processos Especiais”, em posição de destaque, ocupando nada mais, nada
menos, do que 376 artigos (ou 35% dos 1.047 artigos do Código). Somando-se esses àqueles
constantes do rol bastante heterogêneo de instrumentos lançados no Livro IV do Código sob a
rubrica “Processos Acessórios”, tem-se quase metade dos artigos do Código de Processo Civil de
1939, e ao todo 61 procedimentos especiais. Alfredo Buzaid, na Exposição de Motivos ao atual
Código de Processo Civil (Capítulo II, item 4), já criticava essa técnica legislativa. Ao publicar seu
Anteprojeto, em 1964, Alfredo Buzaid publicou os Livros I, II e III, referentes aos processos de
conhecimento, de execução e cautelar, sob a justificativa de que se deveria reservar para momento
posterior o livro referente aos procedimentos especiais, que somente se poderia escrever depois de
estabelecidos os rumos da reforma do direito substantivo (Anteprojeto de Código de Processo Civil,
p. 12 e ss.). Ao fim, no entanto, adotou um “tratamento contemporizador” em matéria de
procedimentos especiais (Sálvio de Figueiredo Teixeira, Inovações e estudos do Código de Processo
Civil, p. 47), de modo que Buzaid nada fez para mudar o estado de multiplicidade e fragmentação,
dado que dedicou o Livro IV do Código aos Procedimentos Especiais, com mais de 300 artigos (do
art. 890 ao art. 1.210), manteve em vigor normas relativas a 16 procedimentos especiais do Código
de Processo Civil de 1939 (CPC/1973, art. 1218), e não trouxe para o corpo do Código de Processo
Civil nenhum dos procedimentos especiais instituídos pelas leis extravagantes editadas de 1939 a
1973. O CPC/2015 excluiu todos os procedimentos especiais do CPC/1939 que ainda subsistiam
(art. 1.046, §3.º), suprimiu seis procedimentos especiais previstos pelo CPC/1973 (ação de depósito,
ação de anulação e substituição de títulos ao portador, ação de dar contas, ação de nunciação de
obra nova, ação de usucapião de terras particulares e ação de busca e apreensão de bem com
reserva de domínio), realocou procedimento que antes figurava no processo cautelar (homologação
de penhor legal) e, por fim, criou outros três capítulos que não tinham equivalentes no CPC/1973
(ação de dissolução parcial de sociedade, ações de família, ação de regulação de avaria grossa,
sendo que esse último figurava em dispositivos do CPC/1939, mantidos em vigor pelo CPC/1973).
Essa opção mereceu severa crítica de Barbosa Moreira, para quem a “exigência de unidade e de
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sistematização… levaria, a meu ver, à conclusão diametralmente oposta, à de que toda a matéria
processual deve ter como sede natural e própria o Código de Processo.” (Estudos sobre o novo
Código de Processo Civil, p. 32.)
[17] Convém destacar, nesse particular, uma questão de ordem terminológica. O Livro IV do
CPC/1939 era intitulado “Processos especiais”, mas essa expressão foi abandonada pelo Livro IV
do CPC/1973 em favor de “Procedimentos especiais”, que gozava da preferência da doutrina (v.g.,
Adroaldo Furtado Fabrício. Justificação teórica dos procedimentos especiais. Ensaios de direito
processual. p. 34), e foi mantida no CPC/2015. Tal variação, contudo, não pode encobrir o fato de
que as adaptações do procedimento comum a determinadas necessidades do direito material ora
são feitas no plano do processo, ora no plano do procedimento.
[18] O sistema processual civil brasileiro continua a se referir aos procedimentos especiais como
“ações”. Trata-se, contudo, de uma impropriedade terminológica, já que as diferentes naturezas do
procedimento não implicam exercício de diversos tipos de “ações”, enxergando-se aí reminiscência
histórica de um período, superado há muito, em que a ação era reputada remédio típico, taxativa e
especialmente criado pela lei para proteger um determinado direito subjetivo, cujo “rótulo” era
considerado indispensável para sua admissibilidade. Cruz e Tucci (A causa petendi no processo
civil. p. 46) registra a constituição romana emitida por Diocleciano e Maximiniano, de 290 d.C.,
recolhida no Código Justinianeu (2.10.1), que assentou justamente ser dispensável que o autor
atribuísse um nomen iuris à ação proposta, como decorrência das máximas iura novit curia e da
mihi factum dabo tibi ius. A mesma diretriz foi prestigiada pelos glosadores e comentadores, na
Baixa Idade Média, e acolhida expressamente pelo direito canônico de então (idem, p. 56-59).
Ainda hoje a mesma diretriz continua prestigiada na jurisprudência, cumprindo mencionar três
acórdãos do STJ nesse sentido, de diferentes épocas: “O nome com o qual se rotula a causa é sem
relevância para a ciência processual” (REsp 7591/SP, 4.ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo
Teixeira, j.: 26.11.91); “A natureza da tutela jurisdicional não está vinculada à nominação dada
pelo autor à ação, e sim ao pedido” (REsp 198144/MT, 4.ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, j.:
19.05.05) e “A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que é irrelevante a denominação,
quando possível o julgamento da ação, sem mudança da causa de pedir ou do pedido” (AgRg no
REsp 1169019/RS, 4.ª Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 19.05.15). Entretanto, não se
pode negar que o manejo dessas denominações é bastante útil no dia a dia forense, de modo que
vêm bem aqui a calhar as palavras de Cândido Rangel Dinamarco, que pontuou: “enquanto o
desvio é meramente terminológico, não há nada a temer” (Das ações típicas. Fundamentos do
processo civil moderno, v.1, p. 484).
[19] Na exposição clássica de Alberto dos Reis, “Os processos destinam-se ou a fazer declarar em
juízo os direitos substanciais, ou a dar realização efetiva a direitos já declarados. Compreende-se
facilmente a necessidade ou a conveniência de que a forma do processo se ajuste à substância do
direito que se pretende fazer reconhecer ou executar. Ora, se a grande massa dos direitos materiais
pode perfeitamente fazer-se valer em juízo mediante a ritologia do processo comum…, a verdade é
que alguns direito substanciais, dada a sua natureza, feição e estrutura peculiar, demandam
formas e ritos especiais de processo.” (Processos especiais, v. 1, p. 1-2.)
[20] Conforme tratamos em outro texto (Direito processual civil colombiano, In. Cruz e Tucci, José
Rogério (coord.), Direito processual civil americano contemporâneo, p.105-107), trata-se de solução
encontrada pelo CPC colombiano, que prevê três tipos de procedimentos – proceso ordinário,
abreviado e verbal – os quais se sujeitam a normas processuais e procedimentais especiais a serem
observadas em determinados tipos de litígios (arts. 406 e 407, 415 a 426 e 441 a 450,
respectivamente). Isso significa que o CPC colombiano preferiu estabelecer, para esses numerosos
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[21] Os incisos I e II do art. 259 do CPC/2015 contêm regras atinentes a dois procedimentos
especiais presentes no CPC/1973 e que restaram extintos, quais sejam, a “ação de usucapião” (arts.
941 a 945) e a “ação de anulação e substituição de títulos ao portador” (arts. 907 a 913). O primeiro
procedimento já poderia ser considerado um “falso procedimento especial” pois, com as alterações
que a Lei n. 8.951/1994 trouxe ao art. 942 do CPC (mormente a extinção da chamada “audiência
preliminar de justificação”), corria, por completo, sob o procedimento comum ordinário, sendo
conotado apenas por normas diferenciadas no tocante aos sujeitos a serem citados (arts. 942 e 943).
No entanto, o art. 1.071 do CPC/2015 inseriu o art. 216-A na Lei de Registros Públicos (Lei
6.015/73), regulando o procedimento extrajudicial de declaração de usucapião. Já o art. 311, II, do
CPC/2015 substitui o procedimento da “ação de depósito”, antes regulado pelos arts. 901 a 906 do
CPC/1973.
[22] Conforme notaram, por exemplo, Frederico Marques (Manual de direito processual civil. v. 2,
p. 131 e ss.) e Antonio Carlos Marcato (Procedimentos especiais, p. 73-74), existem procedimentos
“mais especiais” e outros “menos especiais”, por apresentarem mais ou menos diferenças em
relação ao procedimento comum regrado no Código de Processo Civil.
[23] Tal como pontuou Calmon de Passos, o sistema conotado pela pluralidade de procedimentos
especiais desnecessários é “desigualizador e complicador” (Teoria geral dos procedimentos
especiais, cit., p. 4. Adiante, o autor completa: “[p]éssimo, política e tecnicamente, será optarmos
por deixar inadequadamente regulado o que deve servir para a quase totalidade dos litígios, e nos
perdermos em elucubrações cerebrinas para institucionalizar excepcionalidades” (idem, ibidem).
No mesmo sentido, Moniz de Aragão (Procedimento: formalismo e burocracia. Revista Forense, n.
358, p. 49-58) e Carlos Alberto Alvaro de Oliveira (Procedimento e ideologia no direito brasileiro.
Ajuris, n. 33, p. 82-833).
[25] Não temos dúvida de que essa proposição teria maiores chances de sucesso se o grau de
oralidade do processo civil brasileiro fosse maior, de modo que as adaptações procedimentais
pudessem ser objeto de diálogo imediato entre as partes e o juiz. Contudo, a possibilidade legal de
o juiz substituir a maior parte dos atos orais por atos escritos e a cultura largamente disseminada
de assim proceder relegaria as adaptações procedimentais ope judicis para serem submetidas às
partes e decididas por decisões “de gabinete”, com inegável atraso na marcha do processo.
[26] Durante a tramitação do Projeto, diversos senadores propuseram emenda para excluir o
dispositivo sob o fundamento de que causaria insegurança e ampliaria o autoritarismo judicial.
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[27] Tais como o “saneamento consensual” (art. 357, §2.º) e a escolha consensual de perito (art.
471).
[28] Segundo lição lapidar de Antonio Scarance Fernandes, incidente se define como “um momento
novo no processo, formado por um ou mais atos não inseridos na cadeira procedimental prevista
pela lei” (Incidente processual, p. 147-148). Em outo texto (Breves comentários ao art. 20 do CPC, à
luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Revista de Processo, v.37, n. 207, mai. 2012,
p.358-359) propusemo-nos a definir o que seria incidente e o que seria demanda incidental e,
embora o foco fosse o CPC/1973, as conclusões lá alcançadas mostram-se úteis e pertinentes aqui:
“Parece-nos suficiente afirmar que o ‘incidente’ é palco para solução de questão de cunho
processual, que não toca os direitos controvertidos no plano material (o meritum causae), e que
notadamente se encerra por decisão interlocutória. O incidente processual não se confunde com a
‘demanda incidente’, a qual é portadora de pedido de tutela jurisdicional quanto ao direito
material controvertido. A demanda incidente é apresentada em processo já instaurado (o qual
contém a demanda original) e pode ou não implicar instauração de um novo processo incidente. O
que importa é que a demanda incidente é destinada a ser resolvida por sentença (…). Na primeira
categoria (incidente processual), encaixa-se, por exemplo, a exceção de incompetência, a
impugnação ao valor da causa, a expedição de precatório complementar em execução contra a
Fazenda Pública, a suscitação de impenhorabilidade de bem por simples petição etc. Na segunda
categoria (demanda incidental), incluem-se a reconvenção, a oposição e os embargos à execução.”
[29] Conforme pontuamos em outro trabalho (O direito de defesa no processo civil brasileiro, p. 83-
86), com apoio em literatura estrangeira (Vittorio Colesanti, Eccezione (diritto processuale civile).
Enciclopedia del diritto. v. 14, p. 188 e Luigi Paolo Comoglio, Note riepilogative su azione e forme di
tutela, nell’ottica della domanda giudiziale. Rivista di Diritto Processuale, v. 48, 1993, p. 471) e
nacional (Dinamarco, Litisconsórcio, p. 71 e Flávio Yarshell, Tutela jurisdicional, p. 56-57), entende-
se por demanda o ato processual decorrente do exercício do direito de ação, que ativa o poder
jurisdicional (na expressão de Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele Taruffo, Lezioni sul
processo civile, p. 228). É o ato de postulação que encerra uma pretensão processual, informada
por seus três elementos: partes, pedido e causa de pedir, tendo como objetivo um bem da vida
disputado entre as partes no plano material (assim, e,g., Ovídio Baptista da Silva, Curso de
processo civil, v. 1, p. 157, e Milton Paulo de Carvalho, Do pedido no processo civil, p. 78).
[30] Tal como se vê dos arts. 232 a 235 da LEC espanhola de 2000.
[32] Tal como previsto nos arts. 342 a 350 do CPC português.
[34] À guisa de exemplo, veja-se as ações de separação e divórcio, que podem assumir caráter de
jurisdição contenciosa ou de jurisdição voluntária (arts. 5º ao 8º da Lei n. 6.515/77 e arts. 731 a 733
do CPC/2015).
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[35] Entende-se que a ação de investigação de paternidade adota o procedimento comum, com as
peculiaridades determinadas na Lei n. 8.560/92, especialmente arts. 2o, 2o-A e 7o, ao passo que a
ação de alimentos conta com procedimento especial (Lei n. 5.478/68).
[36] Já há algum tempo Adroaldo Furtado Fabrício, com amparo em vários estudiosos, fez essa
observação: “Em princípio, aliás, pelo menos do ponto de vista da operacionalidade prática do
processo, a generalização do procedimento ordinário deveria ser a maior e a mais ampla possível,
com a redução do elenco dos especiais; estes, ainda nos limites do referido critério, só se
justificariam quando fosse absolutamente inadequado ou suficiente para o tratamento em juízo da
matéria considerada” (Comentários…, cit., p. 7). Calmon de Passos afirmou que “A especialidade
do procedimento deve ser, portanto, uma exceção, só justificável em face da absoluta necessidade
de se atender a algo tão específico que seria disfuncional e até lesivo adotar-se em sua inteireza o
procedimento ordinário” (Teoria geral dos procedimentos especiais. In: Cristiano Chaves de Farias
e Fredie Didier Jr. (Coord.). Procedimentos especiais cíveis, legislação extravagante. p. 3 e ss.).
[37] Assim notaram, por exemplo, Frederico Marques (Manual de direito processual civil. v. 2, p.
131 e ss.) e Antonio Carlos Marcato (Procedimentos especiais. p. 73).
[38] Nesse sentido, Pontes de Miranda (Comentários ao Código de Processo Civil. t. 13, p. 4) leciona
que “[a] especialidade nem sempre significa exclusão da ordinariedade; às vezes, essa
ordinariedade persiste e apenas se modifica em algum momento inicial; ou apenas se alude a que se
manteve a forma ordinária, a despeito da especialidade da pretensão e da ação”. Exemplo clássico
é a ação de manutenção ou reintegração de posse de força nova (arts. 554 e ss. do CPC/2015), na
qual o desenvolvimento normal da fase postulatória abre espaço para a análise acerca da concessão
ou não de liminar (inclusive mediante a designação da audiência de justificação, com prévia da
citação do réu, conforme art. 562 do CPC/2015). No entanto, superada essa questão, o
procedimento “converte-se”, por assim dizer, ao comum (art. 566 do CPC/2015), pois, daí em
diante, seguir-se-á inteiramente o que prescreve o Livro I da Parte Especial do Código vigente. Há,
por fim, determinados procedimentos que, realmente, são especiais, do começo ao fim, como é o
caso, evidentemente, do mandado de segurança, entre outros. Essa classificação tripartida já era
sugerida por Luís Machado Guimarães (Comentários ao Código de Processo Civil. v. 4, p. 14) na
vigência do Código de Processo Civil de 1939, e vem abraçada também, entre outros, por
Dinamarco (Instituições…, cit., v. 3, p. 340).
[39] A já mencionada “ação de usucapião” era um exemplo dessa afirmação, conforme nota 22,
supra. O mesmo se diga quanto à “ação de nunciação de obra nova”, cuja grande peculiaridade – a
possibilidade de embargo liminar da obra (art. 935 e ss. do CPC/1973) – tornou-se obsoleta em face
do advento da antecipação de tutela (art. 273 do CPC/1973 com redação dada pela Lei n. 8.952/94),
sendo as demais normas especiais pouco relevantes para justificar sua subsistência. Aliás, a
possibilidade de o réu prestar caução para continuação da obra (art. 940 do CPC/1973) tornava, a
nosso ver, a medida urgência prevista nesse procedimento especial menos efetiva que o regramento
geral constante do art. 273 do CPC/1973, que não continha regra similar.
[40] No campo das “ações coletivas,” há um exemplo eloquente dessa afirmação. Referimo-nos aos
§§ 7.º a 9.º do art. 17 da Lei n. 8.429/1992, introduzidos pela Medida Provisória 2225-45, de
04.09.2001 (ainda em tramitação, eis que não atingida pela EC 32/2001). É certo que essa disciplina
sofreu influência do processo penal (CPP, arts. 513 a 518 e dos arts. 4.º ao 7.º da Lei n. 8.038/90),
como bem lembrou Teori Albino Zavascki (Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela
coletiva de direitos. p. 129). Essa alteração não se justifica em face da possibilidade de
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“indeferimento da inicial“ (arts. 267, I e 295 do CPC/1973 e arts. 485, I, e 331 do CPC/2015) e do
“julgamento antecipado do mérito” (art. 330 do CPC/1973 e art. 356 do CPC/2015).
[41] Essa circunstância não apenas enseja a proliferação de procedimentos especiais, mas também
a largueza da lista de títulos executivos extrajudiciais (art. 784 do CPC/2015), como destaca
Adroaldo Furtado Fabrício (Comentários…, cit., p. 7).
[42] Claríssima prova disso é a ação de reintegração de posse de “força nova” que, com contornos
muito similares (mormente o do requisito de posse de menos de “ano e dia”), já vinha prevista
desde a legislação de Afonso III, em 1254-61 (Portugaliae Monumenta Historica: Leges et
Consuetudines, v. 1, p. 246) e consagrada pelas Ordenações Afonsinas, de 1446 (Livro III, Título
106).
[43] Podemos destacar, para comprovar tal afirmação, a criação da ação de busca e apreensão de
bem móvel alienado fiduciariamente. Como se sabe, essa modalidade de contrato foi criada por um
artigo (art. 66) inserido, totalmente fora de contexto, no corpo da Lei n. 4.728/65 (editada no início
do regime militar para regular o mercado de capitais). Depois, o Decreto-lei n. 911/69 alterou sua
redação e conferiu ao credor (instituição financeira) procedimento especial absolutamente célere e
sumário, que permite a concessão de liminar de busca e apreensão com a simples apresentação de
documento que satisfaça os módicos requisitos formais do art. 2.º, § 2.º, do Decreto para o fim de
provar a mora do devedor. Alvaro de Oliveira (Procedimento e ideologia no direito brasileiro, cit.,
p. 82-83) vê, nesse e em outros exemplos lá listados, traço da influência da ideologia que inspirava o
aparelho estatal, e se traduzia em uma criação de vários procedimentos especiais tendentes à
proteção dos interesses das classes dominantes.
[44] Exemplos dessas afirmações não faltam. Não se pode negar que a tutela antecipada se inspirou
em diversos procedimentos especiais, principalmente no mandado de segurança. Do mesmo modo,
parece inegável que as regras atinentes à execução específica das obrigações de fazer, não fazer e
dar (arts. 461 e 461-A do CPC/1973 e arts. 497 a 501 e 536 a 538 do CPC/2015) sofreram forte
influência do art. 11 da Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85) e do art. 84 do CDC. A já
bastante referida lei de locações de imóveis urbanos (Lei n. 8.245/91) inovou quanto à possibilidade
de citações e intimações pela via postal para pessoas físicas (art. 58, IV), que acabou generalizada
para o CPC/1973 pela Lei 8.710/1993 (art. 222), solução ainda prestigiada pelo CPC/2015 (arts.247
e 248). A mesma lei de locações também inovou ao estabelecer que, nas causas por ela regidas, a
apelação, como regra, não teria efeito suspensivo (art. 58, V), mas até hoje o Congresso Nacional
tem relutado em generalizar essa norma para todo o sistema (o que se revela na leitura do art.
1.012 do CPC/2015), a despeito dos vistosos resultados práticos obtidos a partir desse dispositivo
legal. É fato notório que o (extinto) Segundo Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, a
quem competia (até a EC 45/2004) julgar as causas em matéria de locação predial urbana,
experimentou uma queda vertiginosa no número de recursos de apelação, que refletiu numa
diminuição sensível do trabalho de seus juízes, permitindo-se que para aquela Corte fossem
transferidas matérias cuja competência recursal cabia, antes, ao (também hoje extinto) Primeiro
Tribunal de Alçada (como cobranças de despesas condominiais).
[45] Tais problemas deviam-se a uma má compreensão dos arts. 19 e 20 da Lei n. 1.533/51. O
primeiro dispositivo previa que as normas sobre litisconsórcio previstas no Código de Processo
Civil de 1939, vigente à época, se aplicavam, ao mandado de segurança, passando a falsa impressão
de que as demais regras do Código não o seriam. O segundo dispositivo limitou-se a revogar as
disposições que o Código de Processo Civil então vigente continha sobre o mandado de segurança,
sem afastar sua aplicação subsidiária em face do silêncio da Lei n. 1.533/51.
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[47] Conforme Francisco Carlos da Rocha Barros (Comentários à lei do inquilinato. p. 538 e 609). A
tese encontra eco também no TJSP: Agravo de instrumento n. 2119952-80.2016.8.26.0000, 36ª
Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Jayme Queiroz Lopes, j.: 30/06/2016).
[48] Para amplo exame da matéria, confira-se Luis Guilherme Aidar Bondioli (Reconvenção no
processo civil. passim.).
[49] À guisa de exemplo, vejam-se acórdãos proferidos em ações de despejo (TJSP, Agravo de
instrumento n. 1170221002, 25ª Câmara de Direito Privado, Rel.: Des. Vanderci Álvares; j.:
29/07/2008 e TJSP, Agravo de Instrumento n. 0453047-72.2010.8.26.0000, 26ª Câmara de Direito
Privado, Rel. Des. Vianna Cotrim, j.: 29.09.2010 e Agravo de Instrumento n. 2143659-
77.2016.8.26.0000l, 30ª Câmara de Direito Privado, Rel.: Des. Andrade Neto; j.: 03/08/2016), bem
como em ação de reintegração de posse de “força velha” (TJSP, Agravo de Instrumento n.
0229289-14.2011.8.26.0000, 12ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Cerqueira Leite, j.:
19.10.2011).
[50] Para ilustrar essa afirmação, convém servirmo-nos de outro exemplo extraído da lei de
locação de imóveis urbanos. A ação revisional de aluguéis foi disciplinada pela Lei n. 8.245/91, que
estabeleceu a aplicação supletiva do procedimento comum sumaríssimo (art. 68 da Lei n. 8.245/91),
que foi profundamente alterado e rebatizado de sumário pela Lei n. 9.245/95 e, finalmente, abolido
pelo CPC/2015. É bem verdade que o art. 1.046, §1.º, do CPC/2015, determina que apenas às ações
propostas e não sentenciadas até o início da vigência do CPC/2015 se aplicam as disposições
relativas ao procedimento sumário e que o § 4o do mesmo artigo contém uma cláusula geral de
conversão, pela qual as remissões ao CPC19/73 na legislação pátria passam a se entender como
remissões aos dispositivos correspondentes no CPC/2015. No entanto, quando há remissão em
legislação extravagante sem estrita correspondência entre os códigos, como é o caso do art. 68 da
Lei de Locações Urbanas, a cláusula geral é insatisfatória. Sobre as dificuldades geradas nesse caso
específico, cf. Guilherme Tambarussi Bozzo, Repercussões do Novo Código de Processo Civil nos
procedimentos da Lei de Locações, Legislação extravagante p. 199-202.
[51] Aliás, esse microssistema das ações coletivas também carece de melhor sistematização
legislativa, em face da multiplicidade de leis dedicadas ao tema. Referimo-nos à Lei da Ação
Popular (Lei n. 4.717/65), à Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.437/85), ao Código de Defesa do
Consumidor (Lei n. 8.078/90) e à Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/92).
[52] Logo após promulgação do Código de Processo Civil de 1973, Barbosa Moreira lembrou que a
Exposição de Motivos do seu Anteprojeto prometera unificar todos os procedimentos especiais no
mesmo diploma, o que não foi cumprido no projeto apresentado ao Congresso Nacional e que veio
a se converter em lei. A propósito, o notável jurista assim se manifestou: “[…] quando se anunciou
a reforma do nosso processo civil, uma das aspirações generalizadas entre todos aqueles que lidam
com esses problemas – professores, advogados, juízes –, era a de que se aproveitasse a
oportunidade para proceder à reunificação de todas as normas processuais em um corpo único,
sob uma única sistemática”. Contudo, o autor manifestou sua “decepção” com o fato de que
Buzaid não apenas deixara de incluir, no projeto, a disciplina desses procedimentos especiais
regulados por leis extravagantes, mas até fizera mais: retirara ou deixara de “contemplar no
projeto ações que, atualmente, são reguladas pelo C. Proc. Civ. Isto é, não apenas não se tomou a
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providência de fazer voltar ao redil as ovelhas tresmalhadas, mas até se chegou ao requinte de
afugentar outras ovelhas [os procedimentos referidos pelo art. 1.218 do CPC de 1939]” (A
estrutura do novo Código de Processo Civil. Revista Forense, v. 246, p. 40, abr.-maio-jun. 1974).
[53] Araken de Assis entende que “[o] art. 327, § 1o, III, veta a cumulação simples de duas ações
dotadas de procedimento especial, ou uma ação de rito especial com outra de rito comum,
conquanto empregado para tal efeito o rito comum,” (Processo civil brasileiro, volume 1, p. 786)
sendo apenas admitida a cumulação sucessiva ou eventual, “ficando as ações sucessivas ou
subordinadas, tratando-se de cúmulo inicial de pedidos, presas ao rito da ação principal, quer seja
comum, quer seja especial” (Processo civil brasileiro, volume 1, p. 787.) Trata-se de reafirmação de
posição doutrinária já defendida pelo autor sob a égide do CPC/1973 (Cumulação de ações, p.
273.), que não nos parece admissível dada a redação do art. 327, § 2o, que muda substancialmente
o art. 292, § 2o, do CPC/1973. Adotar o parti pris da não cumulabilidade representaria um
verdadeiro regresso ao ius ciuile clássico. Na lição histórica, mas sempre atual, de Pascoal de Mello
Freire: “A cumulação de ações em um só libelo era desconhecida do direito romano, l. 6, de except.
rei judic. [Digesto, 44, 2]; na praxe, no entanto, se obtêm. E primeiramente porque hoje todas as
ações se consideram actiones in factumm não havendo fórmulas constritivas e não sendo necessário
declinar seus nomes… Assim, podem-se cumular as ações que tendem ao mesmo fim, e essa é a
regra máxima.” (Institutiones iuris civilis lusitani, v. 4: De obligationibus et actionibus, § XXXIV, p.
94.)
[54] Aspecto destacado, à luz do CPC de 1973, por, v.g. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade
Nery (Código de Processo Civil [de 1973] comentado e legislação processual em vigor. p. 293).
[55] Conforme leciona Cassio Scarpinella Bueno (Código de Processo Civil interpretado. Antônio
Carlos Marcato (Coord.), p. 957).
[57] Nesse sentido se manifestaram Adroaldo Furtado Fabrício (Comentários ao Código de Processo
Civil. 8.. ed. v. 8, t. 3, p. 19-23) e Luiz Orione Neto (Teoria geral dos procedimentos especiais.
Procedimentos especiais cíveis, legislação extravagante, cit., p. 30-34).
[59] A nota de sumariedade que marca alguns dos procedimentos especiais seria o âmbito a que se
aplicaria a noção de tutela jurisdicional diferenciada, no entender de Ricardo de Barros Leonel:
“A sumariedade da cognição, em síntese, seria a essência da qual partiria o conceito de tutela
jurisdicional diferenciada.” (Tutela jurisdicional diferenciada, p. 21.)
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[60] Confiram-se, e.g., Gajardoni (Flexibilidade procedimental, p. 80-84), e Sidnei Amendoeira Jr.
(Fungibilidade de meios. p. 79-100), ambos com ampla referência doutrinária.
[61] No texto já referido: Reflexões em torno da teoria geral dos procedimentos especiais. Revista
de Processo, n. 208, p.61-90
[62] No microssistema dos Juizados Especiais – Cíveis, Federais e da Fazenda Pública – as coisas se
passam de modo um tanto diverso. Se uma das demandas cumuladas não observar a competência
estabelecida pelo art. 3.º da Lei n. 9.099/95, art. 3.º da Lei n. 10.259/2001 e art. 2.º da Lei n.
12.153/2009, respectivamente, aplicar-se-á o procedimento comum. No mais, o Juizado Especial
Cível tem competência concorrente à da “Justiça comum”, de modo que, embora inserto em um
microssistema, o seu procedimento é renunciável. No âmbito dos outros dois Juizados, já há norma
expressa quanto à irrenunciabilidade.
[63] Adroaldo Furtado Fabrício, com apoio em Pontes de Miranda, prefere a expressão
“procedimentos irredutíveis ao ordinário” (Justificação teórica dos procedimentos especiais, cit., p.
33).
[64] Não logramos encontrar excerto doutrinário ou jurisprudencial que corroborasse essa
proposição. Ainda assim, entendemos que ela pode ser adequadamente demonstrada. Poderíamos
cogitar de o autor formular pedido de obrigação de fazer (consistente na exibição de livros,
documentos e registros contábeis) cumulado com pedido de cobrança do valor que o autor supõe
lhe seja devido pelo réu. Outra alternativa seria desmembrar esses pedidos em um pedido de
exibição de documentos e em uma ação de cobrança, respectivamente. Ou ainda se cogitaria de o
autor pedir o valor que entende que lhe é devido, relegando-se para a fase instrutória a conferência
de documentos em poder do réu. Aliás, tais alternativas apresentariam ao menos uma vantagem
em relação ao procedimento especial, que seria dispensar a sua primeira fase (no caso em que, na
contestação, o réu nega a obrigação de prestar contas, mas é vencido pelo autor), que é encerrada
por sentença apelável com efeito suspensivo.
[65] Como propôs Antônio Cláudio da Costa Machado (Código de Processo Civil interpretado:
artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. p. 306): “a especialidade de um procedimento pode ser
tão acentuada de forma a inviabilizar o desenvolvimento do processo pelo rito ordinário (v.g.,
consignação, anulação e substituição de título, usucapião)”. Aliás, os exemplos dados, a nosso ver,
sequer caracterizam procedimentos muito diferentes do procedimento comum.
[66] Nessa linha, não há que se cogitar de conversão do procedimento. Nas hipóteses tratadas, a
escolha feita pelo autor seria considerada legítima, não podendo o juiz suprimi-la pela conversão.
como disciplinada na Lei n. 8.429/92, pode perfeitamente trazer cumulado o pedido de nulidade do
ato reputado ímprobo, para o que o Ministério Público detém legitimidade ativa mercê do art. 25,
IV, “b”, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n. 8.625/93).
[69] A título de exemplo, vejam-se dois julgados do TJSP: Agravo de Instrumento 890.733-0/4, 26.ª
Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Felipe Ferreira, j. 02.05.2005, e Agravo de Instrumento
990.10.526528-6, 12.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Osvaldo de Oliveira, j. 13.04.2011.
[70] Vide os seguintes julgados recentes do TJSP em matéria de despejo (Agravo de instrumento n.
2197885-32.2016.8.26.0000, 35ª Câmara de Direito Privado, Rel.: Des. Morais Pucci, j.: 31/10/2016)
e reintegração de posse de “força velha” (TJSP, Agravo de Instrumento n. 2210961-
60.2015.8.26.0000, 21ª Câmara de Direito Privado, Rel.: Des. Silveira Paulilo, j.: 09/06/2016).
[71] Desenhar-se-ia, assim, um horizonte em que “as normas abertas permitem a construção da
ação e do procedimento adequados à tutela do direito material no caso concreto.” (Marinoni-
Arenhart-Mitidiero, Novo curso de processo civil, v. 3, p. 54)
Veja também:
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