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A PÓS-GRADUAÇÃO BUSCA O FOGO DO CONHECIMENTO


Solange Puntel Mostafa
PUCCAMP (Biblioteconomia)
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RESUMO

MOSTAFA, SolangeP. A p6s-araduacãobuscao fogo do conhecimento.Trans-in-for-


mação. Campinas, PUCCAMP, 1 (1): 13.23, jan./abr. 1989.
Em linguagem coloquial, a autora analisa as relações entre teoria e prática com os
cursos de graduação e pós-graduação. Utiliza para isso as imagens do filme "Quest for fi-
re".

Unitermos:
Pós-graduação,Pesquisa.Transferênciada Informação.

o excelente filme intitulado Guerra de fogo (5), "Quest for fire", ajuda
na compreensão do discurso oficial sobre a Universidade e a interminável
discussão sobre a legitimidade da pós-graduação e a não menos controver-
tida relação entre a doutora pesquisa, o mestre ensino e a estagiária ex-
tensão universitária.
A pós-graduação é luxo ou necessidade? Essa pergunta tem norteado
a discussão no Brasil em todos os nrveis, desde a reforma universitária de
1968. Equivale a perguntar: pesquisar é necessário? E nesse caso, a pes-
quisa necessita vincular-se à extensão? O irmão mais velho do tripé recla-
ma, aflito: e o ensino, como fica na relação? Não é o ensino a base e o co-
meço de tudo, confundindo-se até mesmo com o conceito de escola?
Falar, portanto, em pós-graduação desvinculada de graduação é o
mesmo que tentar tocar na questão da Universidade ou suas atividades sem
relacionar o tripé dialeticamente, tendo em vista a busca do fogo.
"A Universidade busca o fogo do conhecimento". A frase é de Jamil
Cury (6). Mas, embora o autor refira-se ao mito do Prometeu para aludir a ta-
refa prometeica da Universidade, a frase suscitou-me as imagens do filme
dos primatas, onde os ensinamentos sobre a relação entre teoria e prática
são acertadrssimos. E aplicam-se muito bem à discussão da Universidade.
A relação entre graduação e pós-graduação pode ser analisada como
a própria relação entre teoria e prática, ou, se preferirem, entre técnica e tec-
nologia, ou ainda entre o pensamento e as feições da realidade exteriores ao
pensamento. Isto extrapola de longe a questão histórica da Universidade.
Tanto mais os 20 anos de pós-graduação brasileira.

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Se a finalidade da graduação é a formação profissional, a pós-gra-


duação não visa outra coisa senão o aprimoramento daquela formação.
Se a formação visa a habilitação na sociedade, a pós-graduação,
através da pesquisa, informa melhor a formação/atuação profissional do ci-
dadão na sua área especifica.
O discurso oficial está repleto de definições e mesmo posições acerca
do que deve ser cada uma das atividades da Universidade: graduação,
pós-graduação, especialização, ensino, pesquisa e extensão são categorias
analisadas quer por autores individuais, quer pelos próprios planos gover-
namentais(1). Mas a minha intensão não é o cotêjo dos documentos. Ao
contrário, é voltar ao primitivismo da época do fogo, quando não existia nem
a graduação nem a pós-graduação da forma institucionalizada como conhe-
cemos hoje. Mesmo assim, os homens primatas se graduavam e se pós-
graduavam em suas áreas especfficas. E se lá na Idade do Fogo já existia
pós-graduação, porque será que hoje, somente após 20 anos de tentativa
brasileira, a gente questiona a sua legitimidade...
Observemos o homem primata: ele sabe que o fogo é importante. Mais
do que isso, ele sabe que o fogo é fundamental. Ter o fogo é ter a vida: pro-
teção contra os animais e proteção contra os outros homens, as outras tri-
bos; o fogo aquece o corpo, afugenta o perigo, cozinha a carne. Na fala tec-
nocrática das burocracias modernas (weberianas ou personianas), o homem
primata diria que o fogo é ''fator de desenvolvimento".
A vida passa a ser a vida pelo fogo, quer no sentido de ser através do
fogo que se tem a vida, quer no sentido de ser a busca do fogo toda a razão
de viver. Dar o tftulo do filme: Guerra do fogo. Além de se ter que buscá-Io na
natureza, tinha-se que proteger o fogo do vento, da chuva.
Três grandes mensagens filosóficas são possrveis nas entrelinhas da
linguagem onomatopéica do homem primata:
1) A prática é anterior à teoria (esse é um dos alicerces do materialis-
mo histórico - postura oposta ao idealismo filosófico).
2) A teoria só existe para aprimorar a prática (lembrar as teses de
Marx contra Feuerbach, especialmente a décima primeira, ou a célebre de
Sertolt Brecht sobre a ciência e o alrvio da miséria humana).
3) A relação entre teoria e prática é uma rua de mão dupla.
Isto significa que a graduação é prática no sentido de ser uma habili-
tação e que a pós-graduação é teórica no sentido de ser aprimoramento, re-
finamento, depuração das habilidades técnicas (ainda que estejamos falando
em pós-graduação na área de tecnologia, por exemplo).
A graduação é técnica. A pós-graduação é tecnológica. (A ciência que
não se arvore agora a entrar na discussão pois o seu loges já está embutido
na tecnologia, para efeito de discussão - enquanto a terminologia acadêmica
.Doutora em Educação (Filosofia da Educação)
Professora do Curso de Mestrado em Biblioteconomia da PUCCAMP
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persegue as diferenças entre ciência e tecnologia /Solla Price fez isso até
com brilhantismo inovador em seus trabalhos/, Sales vai dizer de forma bem
mais simples (12): "O modo de sentir/pensar/agir é um modo de atuação. É
uma tecnologia". E mais: "A Universidade... estA, portanto, convocada a
produzir tecnologias técnicas, polfticas/sociais de afirmação dos construto-
res da sociedade").
O homem primata não é um homem homogêneo, isto e; o mesmo ho-
mem para toda a face da Terra. HA um homem ali, que por razões de clima e
região desenvolveu habilitações diferentes das desenvolvidas acolá, visto
que o homem, bem como todos os seus sentidos e sentimentos são históri-
oos; o processo de hominização - -
diferenciação da natureza também o é.
Donde a grande mensagem deixada pelas imagens da descoberta do fogo:
quando o primeiro homem primata observa, perplexo, o outro primata fazer o
fogo, o espanto e a perplexidade do primeiro não cabem na expressão cor-
poral do artista. Não era o fogo algo que se achava na natureza? Podia-se
fazer o fogo, a qualquer hora, prescindindo dos caprichos da natureza que
nO-lo oferecia, às vezes em paisagens tão distantes, quase miragens.
A posse de um saber tão fundamental desnorteia a mente do homem
primitivo. E nesse momento o seu pensamento se alarga enormemente. Pois
o pensamento só vai pensando o possrvel, o imaginAvel... Fazer o fogo para
esse homem era o impensAvel até aquele momento. De agora em frente, tu-
do vai ser diferente: a teoria estava pronta! Fogo era algo que se fazia.
A decepção não demora a surgir, quando, mesmo de posse da teoria,
o primata não consegue realizar a grande façanha de botar fogo na vara,
porque para isso é necessArio ter jeito. Não pode ser qualquer jeito. É preci-
so técnica, é preciso habilidade: a fricção da vareta na pedra para provocar
calor necessita de uma dada velocidade nas mãos do fazedor de fogo. É ho-
ra do manual de procedimentos. A técnica é importante e da mesma maneira
que não existe tecnologia sem técnica, a técnica, sem os princfpios raciona-
6zadores da ciência, não consegue se fazer diferente. Mas no momento em
que ele domina o fazer e o porque fazer desta forma, ele estA em condições
de criar inúmeras outras maneiras de proceder. É por isso que no 11Plano
Nacional de Pós-Graduação dos anos 80 estA:
por alta qualificação deve ser entendida a capacidade de mover-se
com segurança e agilidade na fronteira de uma especialidade, não só
ao ponto de estar em condições de reproduzir o conhecimento gerado
em outras partes, o que representaria a capacidade efetiva de incor-
porA-lo, mas também de colaborar para o seu avanço, com contri-
buições significativas, o que representaria o domrnio real daquela es-
pecialidade" (1)
Quando Sales insiste tanto em ampliar o conceito de tecnologia para
"um modo de sentir pensar/agir", a gente entende a graduação e a pós-gra-
duação como momentos diferentes mas ainda assim momentos de um
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mesmo processo. E como tal, o tripé pesquisa, ensino, extensão. Apesar de


diferentes, concorrem para uma mesma coisa: a barra de viver.
No fundo, as tecnologias buscadas pela Universidade através da es-
treita vinculação entre graduação e pós-graduação devem ser aquelas "a-
propriadas à produção de um modo de sentir/pensar/agir adequado a fazer
valer interesses negados, resgatar auto-estima e a altivez de quem não está
conseguindo sentir/pensar/agir cemo construtor da sociedade e detentor de
um saber"(p.5).
O esforço nesses 20 anos de refonna universitária brasileira foi gran-
de na tentativa de pelo menos definir o que seria, afinal, os limites e as pos-
sibilidades da pesquisa, do ensino e da extensão universitários.
Tentou-se até fazer a permutação dos termos, por exemplo, LEITE
LOPES (8), fala em "prestação de ensino" enquanto DURHAM (3), mais
conservadora, entende a demanda social por "demanda de ensino", numa
tentativa explrcita de denegrir a extensão universitária. Há conservadores
cultos. FAGUNDES (4) questi(;na a extensão usando uma argumentação
mais procedente que DURHAM: a extensão não é inerente à Universidade
como querem o MEC e o CRUS mas circunstancial e provisória; durará até
que a Universidade se desilitise quando então os resultados do ensino e
pesquisa forem repassados para toda a sociedade.
Quem sabe ar a gente sai da condição de consciência culpada com
que DURHAM nos analisou, nós, os extensionistas.
Se fosse o caso de cotejar opiniões, chamaria em minha defesa a lu-
cidez de uma LEITE (7) que é quem seria indicada para "dialetizar certas
posições que, muitas vezes, dependendo de que posição se fala, aparecem
como inconciliáveis: a pesquisa e o ensino, a pesquisa teórica e a sua utili-
zação prática na sociedade: a graduação e a pós-graduação; a ciência e a
tecnologia; as ciências exatas e as humanas; a produção e a transmissão
do saber; o professor e o aluno; a licenciatura e o bacharelado" (p.104).
Aqui voltamos. às teses materialistas que a descoberta do fogo encer-
ra: ver fazer o fogo foi fundamental ao homem primata. A teoria é impor-
tantrssima. Ele viu com os olhos e com o pensamento. É o mesmo caso da
Eva que viu a uva. Ver é importante. Mas não é ainda fazer. Em que pese a
importante função da teoria, a teoria não surge do nada; ela é sempre e ne-
cessariamente ad(vinda) da prática. A prática, por sua vez, sem a teoria, não
caminha, não vira praxis.
Mas o que é a prática e onde ela está para poder virar "demanda de
ensino" como quer DURHAM e, assim ser apropriada pela Universidade?
A prática está lá na vida: na fábrica, no posto Shell, no banco, no pla-
nalto central do pars. E em qualquer dessas instituições, há produção de sa-
ber. "Pouco importa se tem origem acadêmica ou em outras partes", o im-
portante é que haja "transformação de saberes" (12, p.8).
"O saber que funciona como transfonnador de saberes não é o saber
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da; autores e professores. É o saber de quem, independentemente do


grau de instrução e da função técnico-administrativa no processo de
produção, esteja transformando saberes...(p.3)... O que diferencia uma
universidade de uma fábrica? E de uma empresa comercial ou finan-
ceira? E de uma instituição de planejamento ou de prestação de servi-
ços?... por produzir um saber todas as instituições são educadoras...
além de educadoras como todas as instituições, a universidade é uma
instituição de educação (p.2 e 3)... A universidade, portanto, não é livre
para estudar o que quiser (p.6)... A produção do saber se identifica
com o confronto de saberes (p.7)... Pelo modo de produzir saber, a
universidade aprofunda ou superficializa saberes... Ao não aprofundar
o saber, a universidade deixa de prestar um serviço aos trabalhadores
que ainda não podem substituir a universidade, como o fazem os em-
presários, que têm seus assessores, seus centros de pesquisa, seus
laboratórios, etc. (p.5)... A universidade deve ajudar a entender/solu-
cionar os problemas dos trabalhadores que, não por acaso, são a
maioria da sociedade. Como identificar os problemas a serem entendi-
dos/solucionados? Saindo da universidade..," (p.6)
Extensão... expansão. Saindo para a periferia ou para o buraco negro
da atmosfera? Extensão horizontal ou vertical?
Há uma famosa frase no ideá rio bibliotecário de Jesse Shera, um bi-
bliotecário americano, que diz assim: A biblioteconomia ajuda a maximizar a
utilização dos registros gráficos da humanidade, e sua preocupação deve ir
desde a criança absorta em seus pensamentos até o cientista perdido em
n suas indagações esotéricas.
,- Quem em sã consciência duvidaria de um Stephen W. Hawking quan-
a do pergunta de onde surgiu o universo? Como e por que ele começou?
o Chegaria a um fim e, como seria isso?"
Perguntas desse tipo precisam ser contempladas pela Universidade
r- até porque são perguntas universais: dizem respeito ao Universo, ao nosso
r- Universo. É pesquisa pura. Quem leu o livro sentiu a pureza do cientista. As
a respostas a perguntas desse tipo são de tal complexidade que poucos de
a nós temos acesso até às próprias perguntas. Não quer dizer que são per-
guntas sem sentido. É uma breve hist6ria do tempo como diz Hawking
10 ao intitular o seu livro. Mas há histórias e histórias. Há tempos e tempos. A
hist6ria e o tempo é subtrtulo de um livro de História do Brasil para escola-
le res da sexta série do primeiro grau (10) que começa assim:
"A História expressa a vida dos homens em seu conjunto: como traba-
a- lham, produzem as riquezas e usufruem delas. A História está sempre
em movimento,"
a-
n- O conjunto e o movimento do conjunto só foi possrvel captar após a
obra de Hegel. Marx deu conta da produção e da apropriação das riquezas.
er Mas nenhum desses autores puderam ser estudados em nfvel de iniciação
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cientlfica. Foi a pós-graduação dos últimos 20 anos no Brasil que possibilitou


uma nova filosofia da história, agora sendo absorvida no ensino de 1Qgrau.
Naturalmente que a história do 1empo espacial é tão importante quanto
a história dos homens na terra. Soa sem sentido polemizar entre pesquisa
pura e aplicada, tecnologia de ponta ou de meio, realidade ffsica ou social,
porque tudo é ~ealidade humana. E vive melhor quem melhor conhece a rea-
lidade. A melhor teoria é a que melhor fala da realidade, a que melhor se
aproxima da realidade; por isso é que não tem sentido desprezar a teoria só
porque ela é teórica. A rigor, ela é sempre teórico-prática. É interessante que
o desprezo se estende quer para a realidade ffsica quer em relação à reali-
dade social. É como se a receita fosse menos importante que o bolo pronto
ou a teoria de mais-valia valesse menos que a mercadoria que a gente com-
pra no supermercado. Um e outro são expressão de ambos. Um representa
o outro. É outra forma de apresentar a coisa. É representação. Está junto. É
mais do mesmo.
O sentido da teoria? Igualzinho o sentido da pós-graduação em re-
lação à graduação e dessa em relação aos ensinos de 2!1e 1Qgraus. Des-
cendo mais um pouco a gente chega na pré-escola e nas primeiras letras,
nas primeiras falas. Por que será que falamos? Perguntar pela importância
da teoria é perguntar pela importância da linguagem. A gente fala porque é
constitutivo em nós. Nós somos do tipo que ainda mandamos flores. Nós fa-
lamos sobre o mundo. Porque pensamos! Mas antes, nós existimos. Primei-
ro a gente existe. Depois a gente fala sobre a existência. E essa ordem é ri-
ca de consequências. A briga filosófica sobre isso é enorme. Não só porque
há uns que acham que existem porque pensam (qualquer lembrança a Des-
cartes procede), mas sobretudo porque para existir, é necessário discutir
quem tem direito à existência. E ar entra a confrontação do saber aludida por
Sales (12, p.?):
"A produção do saber S3 identifica com o confronto de saberes. Há
saberes sobre campos diferentes da atividade humana. São os saberes so-
bre prcessos trsicos, qurmicos, biológicos, sociais, psrquicos, polfticos, s o-
bre produção do saber, etc. Há saberes de classes e grupos sociais diferen-
tes. São os saberes diferenciados de operários, camponeses, técnicos, em-
presários, etc. Há saberes que se originam da construção material do mundo
(produção de bens e serviços) e saberes que se originam na construção
simbólica do mundo (produção de saber nas escdlas, universidades, centros
de pesquisa, etc.). Em qualquer campo de atividade, qual o lugar dos diferen-
tes saberes na produção de um novo saber?"

CONFRONTAÇÃO DE SABERES

Muito já se falou sobre a neutralidade cientffica. É tema epistemológico


dentro da teoria filosófica da ciência. Ora, se a ciência não é neutra, a tecno-
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tou
J. logia também não o é. Por mais que funcione. Há várias formas de fazer o
Into fogo. Umas interessam a uns. Outras a outros. O confronto é constitutivo da
existência humana. Por isso o cerne da discussão não pode ser a prioridade
lisa
:ial, da ciência pura sobre a aplicada ou vice-versa. Ambas são fundamentais. A
'ea- briga refere-se aos interesses norteadores do desenvolvimento de uma e ou-
se tra.

I só Por exemplo, o movimento ecológico vem propondo a nfvel mundial um

que tipo de tecnologia dita leve, barata e feita por ar (tesão), em contraposição à
~afi- tecnologia pesada, cara e poluente. Junto com isso vem o discurso da natu-
mto reza (o verde) e a respectiva filosofia de sustentação: holismo, integração
om- homem/natureza, equillbrio entre as forças yang/ying, isto é, equillbrio entre
~nta razão e intuição (ninguém fez isso melhor que F. CAPRA em O ponto de
o.É mutação).
Mas por desconsiderar o confronto de saberes como sendo antes um
I re- confronto de classe social, a nova tecnologia proposta afasta-se dos inte-
)es- resses.da maioria dos homens até porque não questiona as bases materiais

Iras, sobre as quais a nova tecnologia se assentaria: como é possfvel falar em


ncia descentralização da produção e travagem do consumo sem mexer na re-
ue é lação de trabalho, ou, para usa o jargão, no modo de produção? Dá para
5 fa- falar no consumo sem mexer na produção? Não, e os ecologistas sabem
mei- disso. É na produção mesma que eles querem chegar. Como? Mudando a
é ri- tecnologia.
A proposta ecológica nos quatro cantos do mundo quer uma coisa só:
rque
Des- mudar a produção mas sem mexer nas relações de produção. Uma nova
icutir tecnologia mas em relações de produção antigas, como se tecnologia fosse
~por algo só material, apenas ciência aplicada como ensinam os dicionários.
Se para criar a nova tecnologia verde, artesanal e pueril vigorarão as
i. Há mesmas premissas das relações sociais antigas que geraram a tecnologia
5 so- pesada, a gente vai cair no buraco negro de Hawking. Senão vejamos:
i,SO- As relações sociais legitimam essa ou aquela tecnologia. Quando se
eren- fala em tecnologia barata é preciso perguntar barata prá quem, pois o valor-
de-troca não se identifica com o valor.de-uso no modo de produção capitalis-
, em-
lundo ta. O capitalismo é o único sistema econômico que se assenta na produção
de mercadorias, isto é, onde os bens são produzidos com a finalidade única
'ução
,ntros de sua venda. Enquanto nos modos de produção anteriores, produção e
eren- comércio eram atividades conjuntas, unidas, cindidas, isto é, produzia-se al-
go para o uso - o produto valia pelo seu valor de uso, aqui entre nós, pro-
dução e consumo são aleatórios: produz-se para a venda. Venda para o lu-
cro. Lucro por causa do aumento da produtividade. As empresas precisam
saber como fazer mais e melhor do mesmo produto. E isso só é possfvel
lógico com a absoluta interdependência tecnológica das empresas. Se no modo de
ecno- produção anterior, as empresas eram independentes umas das outras, no
modo de produção capitalista, a interdependência tecnol6gica é fator de so-
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brevivência: quem não souber fazer melhor que o outro cai no buraco negro.
É claro que o fazer melhor implica em estar a par dos. outros fazeres.
Qualquer nova tecnologia dentro do mesmo modo de produção implica
em concorrência e, consequentemente, lucro. Por isso, no confronto de tec-
nologias, não resolve muito discutr-Ias passando por cima das relações so-
ciais. A proposta ecológica e tantas outras alternativas orientais para nos
devolver o equillbrio perdido só é válida na confrontação de saberes. Falar
do saber social é falar do fazer. O saber e o fazer estão juntinhos. Travar o
consumo para criar uma nova produção é gerar uma tecnologia burguesa
e tão elitista quanto a anterior. A grande maioria dos homens famintos da
humanidade morreria verde. A crise atual da economia capita6sta desenca-
deada na década de 70 se expressa na crise da produtividade e, portanto,
do consumo. Foge a esse artigo aprofundar o tema, pois terramos que anali-
sar as várias formas de reorganização da economia capitalista nos últimos
40 anos, especialmente a remodelação das condições gerais de produção
no pós-gu~rra com a expansão do sistema de consumo particular o que,
hoje, sabemos esgotados. Por isso é que o movimento ecológico é suspeito
do ponto de vista dos trabalhadores: a ecologia propõe ~ levantada geral,
aumento da produtividade com o necessário estancamento do consumo,
através de hábitos frugais. É mais uma forma de reorganizar a economia ca-
pitalista da produção. As contradições inerentes a essa economia são muito
bem percebidas pelos ecologistas. (impossfvel de analisar nesse artigo a
contradição capitalista fundamental entre o aumento da produtividade e a
baixa tendencial da taxa do lucro).
O importante é perceber que ao propor remodelações técnicas sem
remodelações nas relações sociais (e relações sociais são algo bem mais
material do que passeios matinais e hábitos frugais), o ben6ficiamento de
certas empresas em detrimento de outras pelo reforço da concorrência e da
concentração monopolista é inevitável. Para o modo de produção capitalista
é totalmente indiferente que a tecnologia seja leve ou pesada. Para os ecolo-
gistas é também totalmente indiferente que a tecnologia leve proposta esteja
em relações de produção capitalistas ou socialistas. O homem frugal está
acima de qualquer suspeita.
Pois os ecologistas confundem capitalismo com industrialização. Já
que o equillbrio perdido entre o homem e a natureza se deu por culpa da in-
dustrialização, é mister inventar outra indústria menos poluente. Só que ca-
pitalismo é muito mais do que a indústria em geral. Indústria, porém. é qual-
quer sistema de aplicação de máquinas à produção. O que está em jogo é
um dado sistema social. A contradição fundamental não é entre os homens e
a natureza. Entre eles, desde o homem primata, tem havido infinidade de
equillbrios possfveis. E sempre com desiquihbrio/equillbrio, depre-
dação/construção. O esgotamento da natureza é um mito: o homem não só
tira da natureza mas também a repõe incessantemente. O esgotamento das
- . -- - --
21

:1egro. relações capitalistas de produção. esse sim, dá mostra de cansaço. Dis-


cussão complexa. Mesmo assim hâ que falar:é infinitamentemelhorque a
nplica exploração entre os homens se dê num mundo menos polufdo.Só que a
le tec- gente quer respirar mais fundo, sem o risco do capitalsufocar o trabalho. In-
es so- troduzio tema apenas para exemplificara não-neutralidadeda tecnologia.
ra nos Serv.etambém para mostrar a necessária ligação entre teoria e prática ou
. Falar entre as ciências puras (ffsicas e sociais) e as ciências aplicadas (ffsicase
'avaro sociais). O que no tema de debates ficousendo a questão do conhecimento
'guesa no sistema de pós-graduação.
ItOSda
senca- MESTRADOS, DOUTORADOS E ESPECIALIZAÇÕES
>rtanto,
e anali- Todos são importantes? Sim. É LOBO E SILVA FILHO (9) quem res-
últimos ponde, destacando a melhoria da iniciação cientffica e dos cursos de espe-
odução cialização como formas de acelerar a formação pós-graduada.
o que, "Internamente, é preciso reduzir o tempo - excessivo - consumido nos
;uspeito programas de pós-graduação. Um pós-graduado está levando em média,
a geral, cinco anos e meio para obter o mestrado e mais cinco adicionais, para dou-
,"sumo, torar-se. Assim, um pesquisador formado no Brasil só completa sua for-
>miaca- mação acadêmica dez anos e meio depois de completar o bacharelado, aos
30muito 35 anos de idade."
artigoa E a colocação mais geral:
ade e a
"A pós-graduação, institucionalizada no Brasil no final dos anos 60, ti-
~as sem nha como objetivos principais o aperfeiçoamento de professores universitá-
em mais rios e a formação de pesquisadores para o sistema de ciência e tecnologia.
nentode Secundariamente, ela visava o aperfeiçoamento de profissionais para o mer-
~ciae da cado de trabalho, que se previa, seria cada vez mais sofisticado e competiti-

apitalista vo... A pós-graduação não se esgota, entretanto, com a formação de - por


os ecolo- melhor que ela seja - de pesquisadores e docentes universitários através do

;ta esteja mestrado e doutorado. O que era secundário em 1968 é, hoje, tão prioritário
quanto os demais objetivos da pós-graduação - a formação de profissionais
ugal está
altamente qualificados para o mercado de trabalho. Para estes os cursos de
especialização são indispensáveis."
zação. Já
Jlpada in- Tentei discutir a questão de fundo, a de ser a pós-graduação um refi-
6 que ca- namento das habilitações da graduação. LOBO discute a formalidade de se
m.é qual- conseguir isso: será via mestrados, doutorados ou tudo isso com ênfase es-
em jogoé pecial para as especializações?
homense
Outro ponto é o problema das vocações das instituições.
Inidadede
), depre- "Em resumo, parece haver um consenso em torno da soma de três
em não s6 condições para que uma Universidade seja uma Universidade: produção de
mentodas conhecimento, transmissão e aplicação. Não são os numerosos prédios que
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dizem se uma reunião de escolas é uma Universidade. Não é a existência


de diferentes áreas do conhecimento que a conceituam; não é o ensino, dito
superior, que a caracteriza. O que parece consenso é que uma Universida-
de deva SOMAR condições, ser um centro de produção de conhecimento e
através do ensino e pesquisa formar seus quadros de pesquisadores, formar
os profissionais de que a sociedade necessita e também os educadores do
1", 2" e 3" graus de ensino; aplicar a "ciência que produz ao ensino que efe-
tiva..." (11, p.13 2).
Mas tudo é possfvel, junto e de uma só vez? LEITE LOPES (8) res-
ponde:
"Uma Universidade terá assim necessariamente institutos de pesquisa
básica, institutos de ciência aplicada e pesquisa tecnológica e faculdades de
I
formação profissional. Nela poderão ainda integrar-se escolas de ensino
técnico de nfvel superior. Mas se a Universidade se tornar muito grande,
será mais diffcil a eficácia do seu funcionamento. Poderramos, assim, propor
i que se criassem, além das Universidades, e fora das Universidades, institu-
tos universitários de tecnologia ou escolas superiores de formação de técni-
J
cos... (p.105). Por que deveriam existir Universidades, com a mesma estru-
tura e idênticas escolas de formação, em todos os cantos do Brasil?...
(p.106).

PRODUTIVIDADEACADÊMICA E VOCAÇÃO
INSTITUCIONAL

Como se define o bom uso do tempo? CASTRO (2, p.32) responde:

"Entre aulas, pesquisa, administração, extensão e aplicações práticas,


tem que ser negociado o uso do tempo dos professores. É preciso, ad limi-
ne, redefinir as vocações de cada unidade. O que vem a ser produção do-
cente em cada caso? De um ffsico teórico espera-se que publique nos me-
lhores periódicos do mundo. O que se espera de um arquiteto? Que escreva
ou que faça bons projetos? Espera-se um bom recital de um músico ou mais
um ensaio sobre um dos 56 compositores da famnia Bach? Engenheiros de-
vem fazer engenhos ou dissertar sobre eles? Um parecer jurfdico importante
é menos produção do que um ensaio sobre Direito Romano? Ajudar uma es-
cola da comunidade pode ser mais da vm:ação de um departamertlo de edu-
cação do que escrever ensaios sobre teorias da moda. É preciso redesco-
brir uma pesquisa menos patensiosa mas que possa ser útil e respeitável. A
tradução de novas teorias ao nfvel dos alunos ou sua aplicação do cotidiano
deve ser estimulada. A idéia de prestação de serviços à comunidade vem se
revelando como uma possibilidade interessante"...
Assim caminhamos. Na confrontação de saberes. Na confrontação de
fazeres.
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tência REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


o, dito
!rsida- 1- BRASIL. Conselho Nacional de Pós-Graduação, 11Plano Nacional de Pós-Graduação.
Brasnia, 1980. In: SAMPAIO, Roosevelt P. Pesquisa na Pós-Graduação: como
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B) res-
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125 mino (video).
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escreva
ou mais
~irosde- ABSTRACT
portarite
umaes- MOSTAFA, Solange P. The post-graduation seeks the fire 01 knowledge. Trans-in-for-
de edu- mação. Campinas, PUCCAMP. 1(1): 13-23jan.lapr. 1989.
In a colloquial way, lhe author analyses the relations between theory and pratice re-
'edesco-
lerring to the undergraduate and graduate courses. The images 01the filme "Quest lor lire"
~itável.A were used lor the analogies.
cotidiano
KEY WORDS:
~vem se University, science and technology theory and pratice.

Itaçãode

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