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SEROPÉDICA
DEZEMBRO DE 2018
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SEROPÉDICA
DEZEMBRO DE 2018
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Dedicatória
AGRADECIMENTOS
Depois a Aline Borges de Souza, minha namorada, que sempre está ao meu
lado tanto nos bons momentos quanto nos mais difíceis, e que contribuiu de várias
formas para que este trabalho fosse realizado.
Sou muito grato por ter sido orientado pela professora Grasiela Cristina da
Cunha Baruco. Uma pessoa maravilhosa, com quem eu aprendi muito. Aproveito
também para agradecer aos professores Pablo Bielschowsky e Antônio José Alves
Júnior por terem aceitado o convite para compor a banca avaliadora deste trabalho.
E por fim, não menos importante, agradeço a todos os colegas da minha turma
e de outras turmas; ao departamento, em especial, à profa. e atual coordenadora do
curso de Economia, Rubia C. Wegner, que, de alguma forma, contribuiu na minha
formação acadêmica; à Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ; ao
Programa de Educação Tutorial – PET; ao Programa de estudante-Convênio de
graduação – PEC-G; e ao Brasil como um todo por ter me acolhido, oferecendo a mim a
oportunidade de viver essa experiência incrível.
5
EPÍGRAFE
RESUMO
ABSTRACT
In December 1492, Europe landed in Hispaniola, which, after independence from 1804,
became Republic of Haiti. The second independent country of the American continent.
Contrary to Toussaint L'Ouverture, who only fought for the end of slavery, without
breaking with French domination, his successor, Jean-Jacques Dessalines, dreamed of a
free, equal and sovereign Haiti capable of making its own decisions without any foreign
interference; he fought for it, but unfortunately failed. The country was again dominated
by Europe throughout the nineteenth century, especially from 1825 until the United
States undertook its first military intervention in 1915, remaining in the country for
nineteen years. More than five United Nations peacekeeping missions were established
in Haiti during the 1990s; in February 2004, the MIF (Interim Multinational Force) was
created on the same day that a constitutional president was struck. This was replaced
three months later by MINUSTAH (United Nations Stabilization Mission in Haiti). The
latter remained for thirteen years and in October 2017 was replaced by MINUJUSTH
(United Nations Mission for Support to Justice in Haiti). However, even with all these
external interventions, the rate of intentional homicide continues to increase, and
socioeconomic indicators have worsened, making the country increasingly vulnerable
and dependent on the outside world. Thus, the main objective of this work is to discuss
the importance of MINUSTAH to Haitian society and simultaneously analyze its
impacts on the country's economy.
RÉSUMÉ
En Décembre 1492, l'Europe a atterri sur Hispaniola, qui, après l'indépendance en 1804,
est devenue République d'Haïti. Le deuxième pays indépendant du continent américain.
contrairement à Toussaint Louverture qui menait la lutte contre l'esclavage sans rompre
avec la domination française, son successeur, Jean-Jacques Dessalines, rêvait d'une
Haïti libre, égal et souverain, capable de prendre leurs propres décisions sans aucune
influence étrangère. Il s'est battu pour cela, mais malheureusement il a failli. Le pays
s’est encore dominé par l'Europe tout au long du XIXe siècle, principalement à partir de
1825, jusqu'à ce que les Etats-Unis ont tenu leur première intervention militaire en
1915. Une occupation qui a durée dix-neuf ans. Plus de cinq missions de maintien de la
paix des Nations Unies ont été établies en Haïti au cours des années 1990; en Février
2004, le même jour qu’un coup d’État a été donné à un président constitutionnellement
élu, Le MIF (multinationale Force intérimaire), qui fut remplacé trois mois plus tard par
la MINUSTAH (Mission des Nations Unies de stabilisation en Haïti), a pris naissance.
Cette dernière a passé treize ans sur le territoire haïtien et, en Octobre 2017, s’est
remplacé par la MINUJUSTH (Mission des Nations Unies à l'appui de la justice en
Haïti). Cependant, même avec toutes ces interventions extérieures, le taux d'homicide
volontaire ne cesse pas d'augmenter, et les indicateurs socio-économiques se sont
aggravés, et le pays est devenu plus vulnérable et dépendant de l'extérieur. Ainsi,
l'objectif principal de ce travail est discuter l'importance de la MINUSTAH à la société
haïtienne et analyser à la fois son impact sur l'économie du pays.
REZIME
An Desanm 1492, Lewòp te ateri sou Hispaniola, ki devni Repiblik Ayiti aprè
endepandans 1804 la. Dezyèm peyi endepandan nan kontinan amerik la. Kontèman ak
Toussaint L'Ouverture ki te sèlman ap goumen pou met fen ak esklavaj, san wete peyi a
sou dominasyon blan fransè, siksesè li, Jean-Jacques Dessalines, te reve viv yon Ayiti
lib, egal epi souveren, ki tap kapab pran pwòp desizyonl san okenn enfliyans etranje. Li
goumen anpil pou sa, men malerezman li pa reyisi. Peyi a tounen domine pa Lewòp
diran tout XIXe syèk la, soti depi lane 1825 pou jouk rive nan lane 1915 lè Etazini rive
fè premyè entèvansyon militè li nan peyi a. Yon okipasyon ki te dire diznèf lane. Plis
pase senk misyon lapè Nasyonzini te etabli an Ayiti pandan lane 1990 yo; nan mwa
fevriye 2004, yo etabli MIF (Interim Multinational Force) nan menm jou ke yon
prezidan eli, de fason konstitisyonèl, frape pa yon kou deta. Twa mwa pita MIF ranplase
pa MINUSTAH (Misyon Nasyonzini pou Estabilizasyon an Ayiti), ki pase trèz lane sou
teritwa Ayisyen an. Nan mwa oktòb 2017, MINUJUSTH (Misyon Nasyonzini pou Sipò
Jistis an Ayiti) ranplase MINUSTAH. Sepandan, malgre tout entèvansyon etranjè sa yo,
pousantaj omisid entansyonèl nan peyi a kontinye ogmante; endikatè sosyoekonomik yo
vin pi mal. Sa ki koz peyi a deplizanpli vin pi vilnerab epi depann de eksteryè. Konsa,
objektif prensipal travay sa a se diskite sou enpòtans MINUSTAH pou sosyete ayisyèn
nan epi analize tou enpak misyon an sou ekonomi peyi a.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Índice de paz global dos quinze Estados independentes menos violentos do
mundo em 2017 .............................................................................................................. 40
Tabela 2– Taxa de homicídio intencional por 100 mil habitantes do Haiti e de outros
países do continente americano (2005-2012) ................................................................ .44
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 4 – Número total de casos de homicídio intencional no Haiti por ano (2007-
2012) ------------------------------------------------------------------------------------------------ 46
Gráfico 5 – variação anual em (%) dos casos de homicídio intencional no Haiti (2007-
2015) ------------------------------------------------------------------------------------------------ 47
Gráfico 9 – Comparação entre o déficit comercial e o PIB anual do Haiti (em milhões de
gourdes) -------------------------------------------------------------------------------------------- 57
Gráfico 16 – Doações recebidas do exterior nos anos 2005 a 2016 (em milhões de
dólares US) ----------------------------------------------------------------------------------------- 65
Gráfico 17 – A dívida externa haitiana de 2005 a 2017 (em milhões de dólares US) -- 67
12
LISTA DE SIGLAS
BP Balanço de Pagamentos
BRH Banque de la République d’Haïti
CSNU Conselho de Segurança das Nações Unidas
CTC Conta de Transações Correntes
FMI Fundo Monetário Internacional
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IEP/GPI Institute for Economics & Peace/ Global Peace Index
IHSI Institut Haïtien de Statistique et d’Informatique
MANUH Missão de Apoio das Nações Unidas para o Haiti
MICIVIH Missão Civil Internacional no Haiti
MIF Força Interina Multinacional
MINUHA Missão das Nações Unidas no Haiti
MINUJUSTH Missão das Nações Unidas de Apoio à Justiça no Haiti
MINUSTAH Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti
MIPONUH Missão de Polícia Civil das Nações Unidas no Haiti
MITNUH Missão de Transição das Nações Unidas para o Haiti
MONUC Missão da Organização das Nações Unidas na República
Democrática do Congo
MONUSCO Missão de Estabilização da Organização das Nações Unidas na
República Democrática do Congo
MRE Ministério das Relações Exteriores
OEA Organização dos Estados da América
OMD Objetivos do Milenário para o Desenvolvimento
ONG Organização não Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
ONUVEH Organização das Nações Unidas para a Verificação das Eleições
no Haiti
PIB Produto Interno Bruto
PKO Peacekeeping Operations
PNH Polícia Nacional do Haiti
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
RNDDH Reseau National de Défense des Droits Humains
13
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ----------------------------------------------------------------------------------- 15
CONCLUSÃO------------------------------------------------------------------------------------- 69
INTRODUÇÃO
A pérola das Antilhas foi invadida, colonizada e explorada pela Europa por
mais de três séculos. Embora ela tenha sido desejada por todas as potências europeias,
somente a França, em 1697, com o tratado de Ryswick, conseguiu oficializar a posse e
manter sob seu controle a colônia próspera e rica em termos de recursos naturais. Em
agosto de 1791, iniciou-se a luta armada contra o sistema escravocrata, que representava
a base da economia de plantation praticada nas colônias à época, e, em 01 de janeiro de
1804, treze anos depois, nasceu um Haiti livre e independente, sendo a primeira
república negra do mundo, o primeiro país do continente americano a abolir a
escravidão e o primeiro a espalhar por todo canto do universo o espírito revolucionário
contra a escravatura.
Uma independência sangrenta, porém, não reconhecida pelos Estados-nação à
época, que custou toda a riqueza do país e resultou em um embargo comercial. Este
último durou até 1825 quando o então presidente haitiano Jean-Pierre Boyer aceitou
pagar aos colonos franceses, pelos “danos” causados, uma indenização cujo valor foi
imposto pelo então rei francês (Carlos X) à jovem república.
Assim, mesmo com sua economia destruída, o Haiti dedicou grande parte do
século XIX, mais a primeira metade do século XX, ao pagamento de uma suposta
dívida equivalente a cerca de 90 milhões de francos à antiga metrópole. Durante esse
período que durou mais de um século, 80% do orçamento haitiano era destinado a esses
pagamentos, que, por sua vez, foram efetuados somente por empréstimos tomados com
bancos franceses a juros exorbitantes (HALLWARD, 2004).
Finalmente, a independência foi reconhecida, contudo, somente no papel. Pois
o país continuou sendo tratado como antes. Contrário ao que Jean-Jacques Dessalines
(um dos principais heróis da revolução haitiana) pregava: um país igualitário, soberano
e livre de qualquer interferência estrangeira, o Haiti passou a registrar um conjunto de
intervenções externas, por parte da França, Alemanha, Inglaterra, etc., entre o século
XIX e o início do século XX, até a chegada da primeira invasão/ ocupação militar dos
Estados Unidos da América, em 1915, que transformou-se em dezenove anos de
exploração, humilhação, opressão/ repressão, de torturas e assassinatos, fazendo com
que o Haiti voltasse a ser uma colônia.
16
1
Com a ratificação da Carta de São Francisco, em outubro de 1945, a Organização das Nações Unidas,
oficialmente, passou a existir. Literalmente, o principal organismo no âmbito internacional nasceu para
substituir seu antecessor, a Liga das Nações que foi criada em 1919 após o fim da Primeira Guerra
Mundial, com o propósito de manter a paz entre as nações e a segurança internacional, Estimular a
cooperação internacional na área econômica, social, cultural e humanitária. Desta forma, as missões de
estabilização da ONU (intervenções militares e/ou civis) surgiram como forma de evitar que conflitos
internos gerem grandes riscos à paz mundial. Portanto, na teoria, qualquer estado membro é sujeito de
receber missão de paz, em caso julgado necessário.
17
2
A última batalha, denominada “Bataille de Vertières”, na qual as tropas francesas, lideradas pelo general
Rochambeau, foram derrotadas pelos indígenas (as tropas haitianas), ocorreu em 18 de novembro de
1803.
3
Disponível em <http://mjp.univ-perp.fr/france/1802esclavage.htm>. Acesso em: 25 out. 2018.
19
4
Acte d’indépendance d’Haïti. Disponível em <http://mjp.univ-perp.fr/constit/ht1804.htm>. Acesso em:
25 out. 2018.
5
Toussaint apenas queria criar um Estado autônomo sem romper o vínculo com a França, como é o caso
atual da Guiana Francesa, Martinica e Guadalupe (ROSA e PONGNON, 2013).
6
Disponível em <http://mjp.univ-perp.fr/constit/ht1805.htm>. Acesso em: 26 out. 2018.
7
Artigo 13 da constituição: “o artigo anterior não poderá produzir nenhum efeito sobre as mulheres
brancas que são naturalizadas haitianas pelo governo, e as crianças já nascidas ou que nascerão destas
mulheres. Estão inclusos nas disposições deste artigo, os Alemães e Poloneses naturalizados pelo
governo”.
20
8
Em resposta às reclamações da elite descendentes dos colonizadores em favor de heranças, Dessalines
perguntou: “e os pobres negros cujos pais estão na África, eles não terão nada então?”.
9
Artigo 25 da constituição imperial de 1805 (disposições gerais): “o governo garante a segurança e a
proteção às nações neutras e amigas que virão manter com esta Ilha relações comerciais, cabendo a elas
[nações] se acomodarem às regras, hábitos e costumes deste país”.
10
Ato cometido pela camada da sociedade que se sentia ameaçada com as propostas do imperador que
visavam fortalecer a justiça social e a igualdade. Ver <https://tiloujeanpaul.com/blog/2016/10/16/17-
octobre-mort-assassinat-de-dessalines/>. Acesso em: 26 out. 2018.
21
(2006), toda a historia do Haiti república é desenhada por disputas inacabadas, tanto
pelo poder quanto por questões culturais e religiosas, entre negros oriundos da África, e
miscigenados descendentes de colonos e affranchis11 que, logo após a independência,
transformou-se em uma elite privilegiada existente até os dias atuais; como
consequência, foram registrados inúmeros golpes de estado, corrupção alarmante,
intervenções militares estrangeiras, como a MINUSTAH e as outras missões que
antecederam, e todas as precariedades existentes até hoje:
A aliança entre estes dois extremos poderia ter sido o maior legado desta
revolução, o que poderia ter levado o país a um grande desenvolvimento, mas
o hiato entre estas duas classes era profundo demais. O que podemos
perceber também (…) era que a elite mulata ainda se identificava com as
ideais de civilização vindas da França, reproduzindo todo um estilo desta
sociedade (…). Já os negros, principalmente os ex-escravos africanos,
pensavam em estabelecer um elo de ligação mais intenso com a África, e a
prática do vodu explicitava bem isso, um caráter homogeneizador das
diversas etnias africanas encontradas na ilha (VIEIRA e ASSUNÇÃO, 2006,
p. 03).
11
Termo utilizado para designar escravos/ servos que recebiam de seu mestre a liberdade. Ver o
dicionário de francês LAROUSSE.
12
Nem Simon Bolívar, que havia sido refugiado e ajudado, em 1815, pelo Haiti, mostrou gratidão ou
reciprocidade. Apesar de ter dado a ele armas, dinheiro e outros materiais para que ele pudesse continuar
com a luta pela independência da América do Sul, o mesmo “não convidou o Haiti para participar junto
com outros países latino-americanos à Conferência de 1826”, que ocorreu no Panamá. Sinal de que
Bolívar também não reconheceu a independência haitiana (NÓVOA, 2010; e PONGNON, 2013).
13
Mais de um século foi dedicado ao pagamento desta suposta dívida ao colonialismo francês. A última
parcela foi dada somente em 1947. O valor passou de 150 milhões para 90 milhões de francos. Segundo
Hallward (2004), esses pagamentos representavam cerca de 80% do orçamento anual do país, e foram
efetuados somente com empréstimos tomados em bancos franceses a juros exorbitantes.
22
14
“A intervenção estadunidense do Haiti de 1915 a 1934 desenvolve-se, então, por um lado, como parte
da política estratégica dos Estados Unidos, norteada pela doutrina Monroe e no corolário Roosevelt, que
buscava defender seus interesses políticos e econômicos do país na região caribenha e latino-americana
(…) e, por outro, como uma consequência da fragilidade sociopolítica e econômica do Estado haitiano,
que acabava reforçando, ainda mais, os motes anti-haitianistas que recaíam sobre o país”
(VASCONCELOS, 2015, p. 57).
23
15
Ver Convention de 1915 entre Haiti et les États-Unis. Disponível em <http://mjp.univ-
perp.fr/constit/ht1915.htm>. Acesso em: 01 nov. 2018.
16
Ver Haiti et L’occupation Américaine. Disponível em <http://www.caraibeexpress.com/la-
une/article/haiti-et-l-occupation-americaine>. Acesso em: 01 nov. 2018.
25
pertencia quase toda a riqueza do país e, por conseguinte, todo o poder político e
econômico, que se distanciava do campo, tentando se aproximar cada vez mais da
cultura e da civilização europeia.
Durante toda a ocupação, eles – os camponeses – eram obrigados a trabalhar no
mínimo dez horas por dia para manter a sua sobrevivência; e mesmo assim, a maioria
não possuía um lar ou um emprego digno. Por isso, tinham como única alternativa
migrar para o país vizinho – a República Dominicana – ou para Cuba em busca de uma
vida melhor17. O que continua sendo comum no cenário atual do país.
Outra tragédia ocorrida durante a presença dos EUA no território haitiano foi o
‘Massacre de Marchaterre’. Este último refere-se à morte de 22 pessoas e mais o
ferimento de 51 outras que, em 06 de dezembro de 1929, estavam se manifestando
contra a miséria e as más condições de vida. Cerca de 1500 pessoas estavam na rua, na
cidade “Les Cayes”, situada no Sul do Haiti, gritando “abaixo a miséria”, abaixo a
pobreza e liberdade para os três líderes políticos, que haviam sido presos; em meio a
uma confusão, os soldados americanos que acompanhavam a manifestação atiraram na
multidão, causando a morte e o ferimento do número de pessoas supracitado18. Assim,
O dia 06 de dezembro de cada ano relembra sempre aos progressistas
haitianos que colocam seu amor pelo país acima das vantagens das potências
estrangeiras, duas péssimas lembranças. Em 06 de dezembro de 1492,
Cristóvão Colombo liderando três navios de mercenários desembarcou na
ilha, invadiu o território de seus primeiros habitantes para em seguida
submetê-los à escravidão. Em menos de 50 anos, mais de um milhão de
Tainós e de Incas foram dizimados pelos Europeus. Era o tempo das
premissas do capitalismo que Marx chamou “a acumulação primitiva do
capital”. Em 06 de dezembro de 1929, com o massacre de Marchaterre o
capitalismo havia atingido seu estágio imperialista. Torna-se imperativo a
todos os patriotas de se juntarem ao campo popular, não somente com o
19
propósito de expulsar os ocupantes da MINUSTAH para fora do nosso
território, mas também para que o país nunca mais conheça qualquer tipo de
ocupação (FILS-AIMÉ, 2008, p.04).
17
Ver Haïti/1915-100 ans : La paysannerie, l’une des premières victimes de l’occupation américaine
(Multimédia). Disponível em <http://www.alterpresse.org/spip.php?article18500#.W-JSnZNKjZY>.
Acesso em: 03 nov. 2018.
18
Ver Kethly Millet : Les paysans haïtiens et l’occupation américaine 1915- 1934. Collectif Paroles.
1978.
19
Liderada por contingentes militares brasileiros, a MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para
Estabilização do Haiti), que será tratada com detalhes no capítulo 2, foi mais uma missão militar da
Organização das Nações Unidas que durou 13 anos no Haiti.
26
ocupação. Além dos inúmeros jornais de oposição à invasão que foram criados neste
período (como la Patrie, Haiti intégrale, La tribune, La Ligue, e outros), havia os
camponeses que, incansavelmente, apesar de suas vulnerabilidades e as situações
críticas, mobilizavam-se contra a presença dos americanos no território haitiano.
Charlemagne Péralte, herói da resistência camponesa que liderou um grupo de
revolucionários20, iniciou em 1917 a luta armada anti-ocupacionista. Porém, sem o
apoio da elite política e econômica do país, o conflito durou apenas três anos e não
houve sucesso nenhum. Ele foi capturado e assassinado, em 1º de novembro de 191921.
Alguns parlamentares se posicionavam contra a invasão americana. E, havia
também intelectuais (como Jean Price-Mars, Pauléus H. Sannon, Georges Sylvain,
Sténio Vincent, etc.), de uma pequena elite liberal, que se expressavam através do grupo
“União Patriótica”, criado por eles para discutir, combater a dominação dos EUA e
resgatar a soberania nacional. Nesse sentido pediam
o fim imediato da lei marcial, a revogação da Convenção de 1915 [aquele
tratado que fora assinado] que legalizava a ocupação, a criação de uma
assembleia constituinte e a retirada das tropas americanas no país, em um
curto período. […] assim, como a resistência armada era a peculiaridade do
campesinato, a luta política em Porto Príncipe [a capital do Haiti] acabou
tomando uma dimensão puramente intelectual e ideológica (ÉTIENNE, 2007,
p. 165-166).
20
Conhecidos como CACOS, os revolucionários eram massacrados em grande número. Segundo o
cientista político, Sauveur Pierre Étienne (2007), apenas três meses após a invasão, 200 mortos já haviam
sido registrados. Outros 250 cacos foram assassinados pelo exército americano, entre 1916 e 1918.
Somente em 1919, durante os últimos ataques do Charlemagne Péralte, mais de 1.800 guerrilheiros foram
massacrados pela força armada nacional – la gendarmeie – com o apoio dos americanos.
21
Após a morte de Péralte, Bénoit Batraville, outro camponês, assumiu a luta, mas, em 19 de maio de
1920, ele também foi assassinado e a resistência armada encontrou seu fim.
27
que era preciso manter a segurança do mesmo. Depois, países como Nicarágua, Cuba,
Porto Rico, República Dominicana, Honduras, México e outros, foram atingidos pelas
políticas externas norte-americanas que se davam por meio de operações de polícia
internacional, controle das relações comerciais do país em questão, interferências diretas
nas decisões políticas e econômicas, intervenções militar, entre outros22.
No entanto, cada país supracitado consegue, de alguma maneira, enumerar os
principais impactos que essas intervenções estrangeiras tiveram na sua formação
sociopolítica e em seu processo de desenvolvimento, assim como no caso do Haiti que,
mais de um século depois da primeira invasão militar americana, sofre ainda com as
consequências.
22
“[…] Aliás, a necessidade de assegurar a segurança do canal [do Panamá] os levou a ocupar a zona
deste canal, no mesmo ano. Em 1905, eles [os EUA] realizaram uma operação de polícia internacional na
Nicarágua; em 1907, os americanos tomaram o controle das alfândegas da República Dominicana; em
1909, foi a vez do Honduras; em 1912, a segunda intervenção deles na Nicarágua se transformou em uma
ocupação militar [que durou doze anos, 1912-1924]; em 1914, as marines pisaram no solo do México,
desembarcando em Veracruz; em 1915, foi a ocupação do Haiti, seguida daquela da República
Dominicana em 1916; em 1917, os Estados Unidos compraram da Dinamarca as ilhas Virgens. Esses
fatos tendem a provar que nesta época havia um plano geral dos Estados Unidos da América visando a
assegurar o controle estratégico do Caribe e da América central (ÉTIENNE, 2007, p. 160-161)”.
28
dominicano Rafael Leonidas Trujillo, em outubro de 193723, três anos após a partida
dos EUA do solo haitiano (SILVA, 2017). Percebe-se que a jovem potência à época, os
Estados Unidos, apenas tinha por finalidade transformar o Haiti no que ele é hoje: um
país vulnerável, incapaz de garantir sua própria autodefesa; e, consequentemente, gerar
um estado de dependência externa perpétua. Dito de outra forma, a nação que era o
símbolo da liberdade (o Haiti) tornou-se de repente, para o resto do mundo, um péssimo
exemplo que, logo, deveria ser freado em seus impulsos libertários e emancipatórios.
Durante os dezenove anos da dominação do ‘Tio Sam’24, muitos investimentos
foram realizados em infraestrutura. Escolas, estradas, praças públicas e muitas outras
obras foram construídas. Entretanto, os dominantes não mostravam nenhum interesse
em desenvolver uma indústria nacional sólida, com base tecnológica, para que o país
pudesse recuperar seu espaço no mercado internacional, competindo com as potências
comerciais à época. Ou seja, não foi desenvolvida internamente sequer uma economia
com alguma dinâmica que pudesse sustentar investimento, emprego e renda.
Uma das principais consequências da ocupação foi, sem sombra de dúvida, a
abertura oficial para a “chuva” de intervenções militares estrangeiras no país. Tudo em
nome da “paz” e do humanitarismo. Depois vem a migração massiva de haitianos para
outros países. Fenômeno que se iniciou no mesmo período em que os ocupantes
estavam presentes no território, enquanto a miséria, a pobreza, o trabalho forçado e as
más condições de vida não paravam de crescer.
A pesquisadora e escritora, Myrtha Gilbert (2018), afirma que os impactos da
invasão e colonização americana se dividem em três: político, econômico e ideológico e
cultural. Segundo ela, a ocupação foi um dos principais fatores que contribuiu para a
expansão da hegemonia americana, tornando os Estados Unidos um centro no qual o
23
Tal tragédia é conhecida como “Massacre da Salsinha” [massacre del Perejil, em espanhol]. O fluxo de
imigrantes haitianos na República Dominicana aumentou significativamente durante a ocupação; isso
assustou bastante os dominicanos que, por sua vez, temiam que a presença dos haitianos gerasse crise no
país ou então que, no futuro, a maior parte da população fosse haitiana. Desse modo, o presidente
Leonidas deu ordem aos seus soldados para matar todos os haitianos que se encontrassem no país. Ver
<https://operamundi.uol.com.br/historia/31558/hoje-na-historia-1937-massacre-da-salsinha-ditador-
dominicano-ordena-erradicacao-de-haitianos>. Acesso em: 06 nov. 2018.
24
Surgido pela primeira vez em meio do século XVIII, na canção intitulada “Yankee Doodle”, Tio Sam
[Uncle Sam, em inglês] é utilizado, até hoje, para referir-se aos Estados Unidos da América. A história
nos conta que um velho vendedor de carne, cujo nome era Samuel Wilson (1766-1856), residente de
Nova Iorque, fornecia alimentação aos soldados americanos durante a guerra anglo-americana de 1812.
Assim, o U.S (United States) que era colocado nas caixas para identificar a origem da alimentação, foi
confundido com o nome do fornecedor, que por sua vez, sendo desconhecido pelos soldados e pela
população em geral, passou a ser chamado de Uncle Sam. Ver ‘Les mensonges de l’histoire: Oncle Sam’.
Disponível em <http://www.histoire-fr.com/mensonges_histoire_oncle_sam.htm>. Acesso em: 06 nov.
2018.
29
Haiti faz as devidas consultas antes de tomar qualquer decisão político-estratégica. Uma
relação de dependência que se estende até nas eleições presidenciais, cujo eleito, em
hipótese alguma, não pode ser contra a vontade e os interesses do Tio Sam; senão a
consequência será um golpe de estado. Desde 1915 até os dias atuais, somente um
presidente, Jean-Bertrand Aristide, chegou a ser eleito pelo povo, em 16 de dezembro de
1990, sem a aprovação de Washington25. Como resultado, o líder mais popular,
Aristide, sofreu um golpe em 1991; foi eleito novamente em 2000, mas sofreu um
segundo golpe em 2004, gerando instabilidade política e, por conseguinte, o surgimento
da MINUSTAH (HALLWARD, 2004).
Ainda sob a ótica da política, Andrade (2016) entende a ditadura militar
sangrenta do “Papa Doc” e “Baby Doc”, entre 1957 e 1986, “como resultado mais
profundo” da invasão americana no Haiti. O autor continua afirmando que “hoje, o país
está reduzido a quase uma neocolônia sob ocupação militar desde 2004 por tropas
majoritariamente brasileiras, mas sob comando de fato dos EUA e cobertura
institucional da ONU”.
Na esfera econômica, a extrema pobreza foi a consequência mais brutal que
boa parte dos haitianos passou a sofrer a partir da intervenção militar de 1915.
Obviamente, já existia a vulnerabilidade socioeconômica no país antes do desembarque
da marine americana, como foi discutido anteriormente, mas isso foi aumentando em
progressão geométrica com a exclusão dos camponeses do suposto projeto de
reconstrução nacional apresentado pelos invasores. A base produtiva do campesinato, a
produção agrícola, que representava – e continua representando – o principal meio de
sobrevivência para os camponeses, foi destruída, em nome da modernidade, sem
oferecer nenhuma alternativa aos mesmos. Assim, sem outra opção, eles foram
obrigados a trabalhar como escravos em grandes usinas de produção de açúcar em
República Dominicana ou em Cuba.
Outros impactos citados por Gilbert (2018) são a exploração dos recursos
naturais26, a destruição do “Kochon Kreyòl”27 e os milhares de Organizações
25
Ver ‘Les Impacts de l’ocupation américaine d’Haïti 1915-1934’. Disponível em
<https://lenouvelliste.com/article/182657/les-impacts-de-loccupation-americaine-dhaiti-1915-1934>.
Acesso em: 07 nov.2018.
26
Gilbert: “A pilhagem das minas graças aos contratos devastadores com as firmas como a REYNOLS
em Miragoâne e a SEDREN perto de Gonaïves; elas começaram a explorar em meio dos anos 1950”.
“Em 1965, a produção mineira delas atingia 427 000 TM. E somente quando elas obtiveram um lucro de
US 10 milhões, concederam uma maldita soma de US 240 000 ao Estado Haitiano”.
27
Porco crioulo, na tradução literal. No início da década de 1980, foi dada a ordem de matar todos os
porcos do país, em detrimento do porco americano e da importação de “sondeble” (farelo de trigo) e
30
diversos outros produtos americanos, com a justificativa de que os mesmos eram doentes e iam
contaminar a população.
31
bloqueio comercial cruel,28 que, como resultado, arruinou de vez a economia do país
gerando escassez até de produtos alimentícios e, consequentemente, deixando milhares
de pessoas sem condição de vida.
Numa segunda resolução, de 08 de outubro de 1991, os Ministros reunidos
em uma nova reunião ad hoc decidiram impor um embargo comercial
voluntário e o congelamento dos recursos financeiros destinados ao Haiti e
ainda, declararam o não reconhecimento por parte da organização de
qualquer representante do governo de facto. Atendendo ao pedido do
presidente Aristide, os Ministros também solicitaram ao Secretário-Geral que
organizasse e enviasse uma missão de caráter civil ao Haiti (a OEA DEMOC)
e mantivesse aberto o diálogo com grupos e instituições democráticas
29
naquele país .
28
Esse embargo, que durou três anos, fez com que o Haiti conhecesse mais um momento de tristeza em
sua história. Com a destruição total do setor agrícola, foi o período em que o PIB do país mais sofreu
queda. Ver ‘Aristide Asks U.N. to Place a Total Embargo on Haiti’. Disponível em
<https://www.nytimes.com/1993/10/29/world/aristide-asks-un-to-place-a-total-embargo-on-haiti.html>.
Acesso em: 07 nov. 2018.
29
Ver ‘A Resolução 1080 e as lições dos anos 1990’. Disponível em <https://www.maxwell.vrac.puc-
rio.br/10852/10852_5.PDF>. Acesso em: 10 nov. 2018.
30
Ver Pongnon (2013, p. 22). E ‘VI. – Résolutions adoptées sur les rapports de la Troisième
Commission’. Disponível em <http://undocs.org/fr/A/RES/46/138>. Acesso em: 10 nov. 2018.
31
Ver ‘Haiti MICIVIH’. Disponível em <http://www.un.org/Depts/DPKO/Missions/micivih.htm>. E
‘United Nations Archives’. Disponível em <https://search.archives.un.org/international-civilian-support-
mission-in-haiti-micah>. Acesso em: 09 nov. 2018.
32
expulsa também pelas Forças Armadas nacionais, fez companhia da volta do presidente
Aristide e aproveitou da substituição do exército haitiano pela Polícia Nacional do Haiti
– PNH – para reestabelecer-se. Em seguida, o novo presidente eleito pelo povo em
1995, René Garcia Préval, pediu que a MINUAH permanecesse por mais tempo para
garantir que o país se recuperasse completamente da crise. Assim, para atender ao
pedido, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução no 1.063 que fez com
que a MANUH – Missão de Apoio das Nações Unidas para o Haiti – entrasse em ação
em julho de 1996. Depois, pela aprovação da Resolução no 1.123, foi a vez da MITNUH
– Missão de Transição das Nações Unidas para o Haiti, em novembro de 1997. E por
fim, para fechar o século com “alegria”32, o CSNU aprovou a Resolução no 1.141,
anunciando a chegada da MIPONUH – Missão de Polícia Civil das Nações Unidas no
Haiti, que entrou em vigor em dezembro de 1997 e foi até março de 2000 (OLIVEIRA e
SILVA, 2010; ALENCAR, 2012; PONGNON, 2013).
Como visto, as intervenções estrangeiras no Haiti, tanto militares quanto civis,
não são uma novidade. Desde a chegada de Cristóvão Colombo na Hispaniola (ilha de
São Domingos, onde foi estabelecida a primeira colônia da América: la Navidad), em
dezembro de 1492, até o surgimento da MINUJUSTH – Missão das Nações Unidas de
Apoio à Justiça no Haiti –, em outubro de 2017, é absurdo o número de interferências
externas registradas no país. Todas elas com a mesma finalidade: estabelecer uma
relação de domínio e posteriormente exploração econômica, sem constituir, no entanto,
qualquer autodeterminação política e sequer qualquer dinamismo econômico interno.
A primeira república negra da história de toda a humanidade só é vista, hoje
em dia, como um Estado fraco, precário, miserável, incapaz de sobreviver sem
assistências “humanitárias”33, vindas daqueles que nunca tiveram como verdadeiro
objetivo vê-la desenvolvida e emancipada. Entretanto, com o passar do tempo, a história
32
Aqui se faz uso da palavra ‘alegria’ em um contexto irónico para expressar o quanto foram maquiadas e
politizadas todas essas missões “humanitárias” desnecessárias. Lembrando que a década de 90 foi a
década em que foi elaborado e apresentado aos países Latino-americanos o Consenso Washington como
um conjunto de medidas e princípios neoliberais a serem adotadas por eles (como por exemplo, a abertura
externa – comercial e financeira, na esteira da defesa do Estado mínimo) cujo principal
beneficiário/ganhador foi os Estados Unidos, que, por sua vez, nunca tratou o Haiti como um país
soberano (inclusive demorou mais de 50 anos para enfim reconhecer a independência conquistada do
Haiti) e foi, no entanto, o país protagonista de todas as Resoluções citadas nessa seção. Ver ‘Porque os
EUA devem milhares de milhões ao Haiti’. Disponível em
<http://resistir.info/a_central/divida_haiti_jan10_p.html>. Acesso em: 10 nov. 2018.
33
“No Brasil, [e não só aqui] Haiti virou sinônimo de miséria e das piores mazelas da pobreza”
(Schwartsman, 2010 apud Vasconcelos, 2015).
33
tende a ser esquecida, reescrita e até apagada, assim, os maiores inimigos se disfarçam,
apresentando-se como amigos e voluntários na busca da dignidade que eles mesmos
tiraram, do progresso que eles mesmos impediram e da paz em meio da guerra criada
por eles mesmos. Basta lembrar que o maior “presente” recebido pelo Haiti por ter se
tornado um Estado-nação foi o não reconhecimento da sua independência conquistada e
o bloqueio comercial, que foi suspenso somente em 1825 quando o presidente Boyer
concordou em pagar indenização à França. Daí por diante o país voltou, tecnicamente, a
ser uma colônia.
34
CAPÍTULO 2 – A MINUSTAH
34
A MIF também surgiu para atender ao pedido do novo presidente, Boniface Alexandre, para o qual não
havia nenhuma alternativa. Em conversa por telefone, Boniface disse ao então secretario geral da ONU,
Kofi Annan: “peço que me ajudem. Precisamos de uma força de intervenções para deter a desordem que
reina atualmente”. Ver ‘ONU se reúne para autorizar força multinacional no Haiti’. Disponível em
<https://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u69832.shtml>. Acesso em: 05 nov. 2018.
35
Ver « La MINUSTAH: 13 ans au service d’Haiti ». Disponível em <https://minustah.unmissions.org/la-
minustah-13-ans-au-service-d%E2%80%99ha%C3%AFti>. Acesso: nov. 2018.
36
Tal sucesso não se deu por ter atingido completamente aqueles objetivos postos no papel, mas sim, por
ter conseguido manter o Haiti sob o controle dos imperialistas (exemplo: dos Estados Unidos e França) e
subimperialista (exemplo: Brasil), fazendo com que o país deixasse de ser soberano para tornar-se
“quintal” dos mais de 20 países integrantes da MINUSTAH.
35
composição, sua trama”. Os discursos que sustentam a ideia de que países ditos
pequenos, vítimas de frequentes invasões, como o Haiti, representam ameaças à
democracia e à segurança internacional e, portanto, necessitam de assistências
estrangeiras para resolver supostos conflitos internos e estabelecer a paz, são elaborados
e reproduzidos olhando apenas para a situação vigente do país em questão, sem nenhum
interesse em buscar conhecimento e/ou comentar sobre as principais e verdadeiras
causas desses conflitos apontados. Geralmente, tais discursos são fomentados pelos
próprios interventores/ invasores, que, por sua vez, criam e/ou alimentam cenários de
confrontos dentro desses países, resultando em crises e vulnerabilidade socioeconômica.
Desse modo, Vasconcelos, (2015, p. 62) explica o porquê do Haiti ser visto sempre,
pelo senso comum, como uma nação debilitada que vive eternamente em crise,
necessitando, portanto, de um branco ‘salvador”, detentor da sabedoria, para resgatar a
paz, a ordem pública, ensinar a boa governança e promover o desenvolvimento:
Trata-se, assim, da apropriação e da reprodução de determinados discursos
com o propósito de, por um lado, fortalecer determinados estereótipos que
pesam sobre o Haiti e seu povo, e, por outro, isentar a comunidade
internacional pelos sucessivos fracassos experimentados no Haiti. (…) É,
portanto, pelo agenciamento desses discursos (textuais ou imagéticos) pela
mídia – ou pelo colonizador –, que dada tradição de identidade sobressai e se
mantém. (…) A partir dos trechos apresentados, podemos depreender a
existência de uma tendência em se reforçar ou perpetuar essa imagem
negativa do Haiti, retratando-o como um Estado em permanente anarquia e
caos.
Peter Hallward segue o mesmo raciocínio afirmando que os golpes contra o ex-
presidente Aristide, principalmente o de 2004, embora tenham sido claramente obras
38
Ver <https://undocs.org/fr/S/RES/2410(2018)>. Acesso: nov. 2018.
37
dos Estados Unidos, foram também utilizados como critérios para concluir que o Haiti,
por ser um país de negros, não merece ser um Estado livre e independente, pois até hoje,
os haitianos continuam dependendo da comunidade internacional para garantir uma boa
governança no seu território:
(…) a derrubada de Aristide foi apresentada, a maior parte das vezes, como
mais uma demonstração do tema talvez mais constante nos comentários
ocidentais sobre a ilha: aquele pobre povo negro continua incapaz de
governar a si mesmo (HALLWARD, 2004, p. 221).
É importante lembrar que não se trata de uma novidade, como também não é
surpreendente. Apenas é a história que está se repetindo; pois, o próprio Nicolau
Maquiavel, mais de cinco séculos atrás, já dizia que a humanidade funciona como um
círculo, os homens são os mesmos e o presente nada mais é uma fotografia do passado.
Essas práticas, que se reproduzem ainda nos dias atuais, surgiram na época da
escravidão – onde os negros africanos escravizados na América eram considerados seres
irracionais e, portanto, somente os brancos europeus possuíam inteligência.
Enquanto Simões (2011) enxerga a MINUSTAH como um “elemento
fundamental na preservação do ambiente de segurança propício à reconstrução do país
[Haiti]”, Motta (2016), não só considera a missão improdutiva e ineficiente nas suas
funções, mas define também os recursos investidos em sua manutenção como um
desperdício. Milhares de dólares foram investidos para sustentar uma operação militar
que, além de ferir a integridade nacional, levou para o Haiti uma epidemia que matou
mais de 30 mil pessoas, enquanto mais de 700 mil outras ficaram doentes. O próprio
General Ajax Porto Pinheiro, ex-comandante da MINUSTAH (2015-2017), afirmou que
os capacetes azuis, especialmente os soldados nepaleses, foram a principal causa do
surgimento da epidemia de cólera39. Mais um motivo que explica a ineficiência e o
fracasso das operações de “paz” da ONU.
É importante salientar que não é apenas a cólera que está inclusa no histórico
das tropas das Nações Unidas no Haiti, como também os abusos sexuais, o massacre de
Cité Soleil que deixou cerca de 30 mortos cujo 72,4% deles eram mulheres, e sem falar
dos diversos outros tipos de violência cometidos dentro do território haitiano durante os
39
Ver ‘Após 13 anos, Brasil deixa o Haiti entre paz frágil e miséria’. Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=Dwqs-E3rub0>. TV FOLHA, youtube. Duração 05min21s. Acesso:
set. 2018.
38
treze anos da missão. Foram registradas mais de 2 mil denúncias de estupro, no qual
300 envolveram crianças40.
Em vez de gastar aproximadamente USD 500 milhões por ano para alimentar
uma intervenção militar estrangeira no território de uma nação livre e independente há
mais de 200 anos41, valeria muito mais a pena se esse dinheiro fosse utilizado para
promover a “paz positiva”. Esta última, de acordo com Alencar (2012), é um conceito
que vai muito “além do significado de paz como ausência de guerra ou conflito, pois
traz a ideia de um modelo de paz que busca o desenvolvimento e justiça social”.
Portanto, principalmente após o terremoto de 2010, o Haiti não precisava de reforço
militar, que é uma máquina de guerra e de repressão social; mas sim, de solidariedade,
de médicos, escolas, hospitais, etc., ou seja, era necessário receber da comunidade
internacional “uma verdadeira colaboração” que seria fundamental para a reestruturação
e a reconstrução do país (MOTTA, 2016).
40
Ver ‘Estupros, cólera e 30 mil mortos: conheça o legado da Minustah no Haiti’. Disponível em
<https://www.brasildefato.com.br/2017/09/01/estupros-colera-e-30-mil-mortos-conheca-o-legado-da-
minustah-no-haiti/>. Acesso em: 26 nov. 2018.
41
Ver ‘Missão de paz no Haiti custa quase US$ 500 milhões por ano à ONU’. Disponível em
<https://www.tribunapr.com.br/noticias/missao-de-paz-no-haiti-custa-quase-us-500-milhoes-por-ano-a-
onu/>. Acesso: nov. 2018.
42
Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco, em 26 de Junho de 1945. Disponível em
<https://www.cm-vfxira.pt/uploads/writer_file/document/14320/Carta_das_Na__es_Unidas.pdf>.
43
De acordo com o autor, as primeiras missões de paz foram a UNSCOB (1947) – United Nations Special
Committee on the Balkans, em Bálcãs –, a UNTSO (1948) – United Nations Truce Supervision
39
Embora seja difícil dizer explicitamente o que é uma missão de paz, do ponto
de vista acadêmico, é notório que, basicamente, pelo senso comum, uma das principais
razões da sua existência é promover a paz, a estabilidade, o estado de direito e a
segurança coletiva, garantindo que os Direitos humanos não sejam violados, em
hipótese alguma, e, simultaneamente, evitando possíveis consequências que conflitos
sociopolíticos dentro de um país possam ter sobre as relações interestatais e a segurança
internacional. Nisso, o papel da MINUSTAH, como o de todas as outras PKO ao redor
do mundo, foi específico e bem definido.
Ao desembarcar no Haiti em 2004, conforme salienta o General Floriano
Peixoto, ex-comandante da MINUSTAH (2009-2010)44, a missão se deparou com uma
situação caótica, em que não havia um acordo político entre os partidários pró e contra o
regime que fora destituído; o que fez com que a mesma adotasse medidas drásticas em
prol do restabelecimento da paz e da ordem pública, diminuindo significativamente a
violência. Contudo, treze anos após essas medidas terem sido adotadas, estudos feitos
pelo Institute for Economics & Peace (da Global Peace Index – GPI), em 2017,
mostram que, dentre 163 Estados independentes analisados, o Haiti é o 83º menos
violento. Posição bastante crítica para um país cuja redução da violência foi objeto
principal dos treze anos da MINUSTAH, que, por sua vez, recebeu milhares de dólares
americanos para resolver essa questão.
A pesquisa elaborada pela equipe IEP/GPI revelou o grau de violência em
cada um dos Estados analisados (dito de outra forma, o quão seguro é um país em
comparação ao resto do mundo, particularmente a seus vizinhos) atribuindo, portanto,
uma pontuação geral a cada um. Quanto menor for a pontuação, melhor a classificação
do país, portanto, menos violento ele é. Os quinze países que lideram a classificação
geral da pesquisa, cuja maioria é do continente europeu, conforme consta na tabela 1,
nunca tiveram a presença de uma missão de “paz” da ONU dentro do seu território. Ou
seja, eles mesmos tomaram medidas apropriadas para combater a violência interna,
fazendo uso de sua autonomia, sem serem obrigados a dar satisfação a nenhum outro
Estado ou organização internacional.
Organization, na Palestina – e a UNMOGIP (1949) – United Nations Military Observer Group in India
and Pakistan. Todas elas eram “missões muito reduzidas, compostas somente de observadores”.
44
Ver o Documentário do Ministério da defasa do Brasil intitulado ‘Bombagai – 13 anos do Brasil no
Haiti’. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=hobP5G51lhw>. Youtube: 50h44min.
Acesso: 05 set. 2018.
40
Tabela 1 – Índice de paz global dos quinze Estados independentes menos violentos do
mundo em 2017
Por outro lado, países como Burundi, República Democrática do Congo, Mali,
Costa do Marfim, Sudão, entre outros, que sempre foram (e continuam sendo) alvos de
intervenções “humanitárias” e de Peacekeeping Operations, apresentam pontuação
geral extremamente alta. O gráfico 1 mostra a classificação geral de países que fazem
parte da lista de intervenções onusianas e, mesmo assim, continuam tendo índice de
violência muito alto.
É importante ressaltar que, como afirma Filho (2004), o maior número das
intervenções militares/ “humanitárias” da ONU é destinado ao continente africano, e,
sem sombra de dúvidas, isso não é uma mera coincidência.
Marcado por profundo quadro de instabilidade política e econômica, os
Estados africanos não têm conseguido solucionar seus problemas e diferenças
[conflitos internos gerados e sustentados pelos próprios interventores] através
da negociação político-institucional. (FILHO, 2004, p. 36).
Este é sempre o discurso que leva todos a acreditar que a África vive em uma
constante guerra civil e, portanto, é necessário que haja, permanentemente, presença de
missões de “paz” para promover a estabilidade e a segurança coletiva, sem que haja um
41
Classificação Geral
180
160
140
120
100
80
60
40
20
0
Fonte: Institute Economics & Peace / Global Peace Index 2017 (Elaboração própria).
Um caso típico, parecido com o Haiti, foi a Missão da Organização das Nações
Unidas na República Democrática do Congo (MONUC). Esta última teve seu mandato
prorrogado em 2010 após a aprovação, por unanimidade, da resolução 1925 (2010) pelo
Conselho de Segurança das Nações Unidas, que, em vez de pôr fim à missão, apenas
alterou seu nome para MONUSCO (Missão de Estabilização da Organização das
Nações Unidas na República Democrática do Congo). Vigente até os dias atuais. Pela
Resolução, a ONU elogiou “a valiosa contribuição que a MONUC fez para a
recuperação da República Democrática do Congo do conflito e para a melhoria da paz e
segurança do país”, destacando como razões principais que exigiram a permanência da
missão no território congolês:
a necessidade de apoio internacional sustentado para garantir atividades de
recuperação antecipada e estabelecer as bases para o desenvolvimento
sustentável;… [a preocupação] com a situação humanitária e de direitos
humanos em áreas afetadas por conflitos armados;… a necessidade
urgente do Governo da República Democrática do Congo, em cooperação
com as Nações Unidas e outros atores relevantes, para pôr fim às violações
dos direitos humanos e do direito internacional humanitário 45.
45
Ver ‘United Nations: 6324th Meeting (AM). Resolução 1925 (2010)’. Disponível em
<https://www.un.org/press/en/2010/sc9939.doc.htm>. Acesso em: 21 nov. 2018.
42
No entanto, desde 1999 até hoje, a suposta paz promovida pelas Nações Unidas
não resultou em nada, além de transformar o país em um dos onze mais violentos do
mundo, ocupando o 153º lugar na classificação geral entre os 163 Estados-nação
analisados.
Sendo assim, a África explorada e largada à própria sorte pela Europa e pelos
EUA tornou-se a maior referência mundial em questão de instabilidade sócio-política e
econômica, e, destarte, o maior laboratório para as operações de manutenção da paz das
Nações Unidas, que não resolvem nada, a não ser fortalecer cada vez mais o
imperialismo americano e europeu e o subimperialismo46 exercido pelos países ditos
semiperiféricos, como o Brasil, a Índia, entre outros:
(…) as operações de peacemaking47 e peacekeeping são na prática… [um]
fracasso do envolvimento das Nações Unidas nos conflitos africanos, como
por exemplo, das missões enviadas à Libéria (Unomil), Serra Leoa (Unomsil
e Unamsil), Angola (Unavem I, II e III), Ruanda (Unamir) e Somália
(Unosom I e II), a maior parte das quais não logrou solucionar o problema da
guerra (FILHO, 2004, p. 39).
Supõe-se que a violência seja um fator isolado que surja de repente sem
nenhum processo histórico envolvido. O que justificaria a presença dos peacekeepers
em um determinado território em que a paz é ameaçada pelo elevado grau de violência.
Desse modo, países como o Brasil, que inclusive liderou a MINUSTAH, Estados
Unidos, Nepal, Colômbia e República Dominicana cuja classificação global é,
respectivamente, 108º, 114º, 93º, 146º e 99º (gráfico 2), em vez de serem promotores da
paz, ainda segundo o resultado da pesquisa do Institute for Economics & Peace, eles
deveriam ser, pelo contrário, recebedores de missões pacificadoras das Nações Unidas
ou de qualquer outro órgão nacional e/ou internacional competente e qualificado, capaz
de combater a violência de maneira eficiente.
Outra ideologia para justificar a ocupação militar [a MINUSTAH] é que era
fundamental para combater a “violência”. Segundo essa outra versão, os
haitianos são muito violentos, e foi necessária a presença das tropas para
“pacificar” o país. Essa é outra mentira. O índice de homicídios – um dado
tradicionalmente usado para comparar a violência em distintas regiões – era,
em 2007, de 5 para cada 100 mil habitantes no Haiti, abaixo da média global
de 7 para cada 100 mil. No Brasil, no mesmo ano, era de 25,2 para cada 100
mil habitantes, e hoje [em 2017] é de 30,5 (mais de seis vezes o índice do
Haiti). Minha experiência pessoal indica a mesma coisa. Eu andava pelas
favelas de Porto Príncipe na primeira vez que fui ao país, com equipamento
46
(LUCE, 2014, p. 44): a emergência do subimperialismo se identifica “como uma nova etapa do
capitalismo dependente, mediante amadurecimento de um novo tipo de formação econômico-social, que
na América Latina [por exemplo,] se materializava [e continua materializando-se] no Brasil”.
47
Segundo Filho (2004), o Peacemaking é empregado geralmente para resolver conflitos mediante
“conciliação, arbitramento ou iniciativas diplomáticas”.
43
160
140
120
100
80
60
40
20
0
Fonte: Institute Economics & Peace / Global Peace Index 2017 (Elaboração própria).
48
Ver ‘Algumas verdades que não serão esquecidas sobre a Minustah’. Disponível em
<https://www.pstu.org.br/algumas-verdades-que-nao-serao-esquecidas-sobre-minustah/>. Acesso em: 26
nov. 2018.
44
e o Chile oscilou entre 3,1 e 3,7 (seu maior índice). Até 2017, com uma pontuação geral
equivalente a 1.373, o Canadá foi considerado o primeiro do continente americano e o
oitavo país mais seguro do mundo (IEP/GPI, 2017). Alguns países, como Honduras
(67), El Salvador (60,19), Colômbia (34,31), Guatemala (42,94) e Jamaica (53,09),
apresentam taxa média de homicídio intencional por 100 mil habitantes, entre 2005 e
2012, extremamente alta.
Tabela 2 – Taxa de homicídio intencional por 100 mil habitantes do Haiti e de outros
países do continente americano (2005-2012)
intencional por 100 mil habitantes, entre 2007 e 2012, foi 41,25; ou seja, 5,83 vezes
maior que a média haitiana (7,08) no mesmo período. Durante os seis anos (2007-2012),
o país sul americano manteve sua taxa anual acima de 20, enquanto liderava uma
operação de “paz” no Haiti, que, por sua vez, somente atingiu dois dígitos em 2012. O
gráfico 3 compara as taxas anuais de homicídio intencional por 100 mil habitantes do
Haiti com as do Brasil.
30
25
20
15 Brasil
Haiti
10
0
2007 2008 2009 2010 2011 2012
49
Ver ‘Les statistiques de la criminalité en Haïti : Moins d’homicides mais plus de kidnappings qu’en
2014’. Disponível em <https://lenouvelliste.com/public/article/152688/les-statistiques-de-la-criminalite-
en-haiti-moins-dhomicides-mais-plus-de-kidnappings-quen-2014>. Acesso em: 24 nov. 2018.
46
violência/ a criminalidade, como também havia, nesse mesmo período, uma missão
estrangeira presente no território atuando junto com a polícia nessa mesma área.
Pelo gráfico 4, elaborado a partir da base de dados da United Nations Office on
Drugs and Crime (UNODC), é possível acompanhar o crescimento do número total de
homicídio intencional por ano no Haiti. O número de casos passou de 486, em 2007,
para 1.033 em 2012, ano em que o número de casos computado bateu recorde: 10.2
pessoas foram assassinadas para cada 100 mil habitantes.
Gráfico 4 – Número total de casos de homicídio intencional no Haiti por ano (2007-
2012)
1200
1000
800
600
400
200
0
2007 2008 2009 2010 2011 2012
Nesses seis anos analisados, o valor médio anual de homicídios registrados foi
701. Vale destacar que em 2012, dois anos após o terremoto, que atingiu parte do país,
principalmente a capital (Porto Príncipe), a MINUSTAH já havia completado oito anos
no solo haitiano; tempo suficiente para manter a situação sob controle se isso realmente
fosse a preocupação dela.
Considerando ainda o mesmo período de análise, o crescimento médio anual
foi 109.4, isto é, de 2007 a 2012, em média, houve um aumento de 109.4 casos de
homicídios por ano. Número equivalente a 16.76%.
Conforme apresenta no gráfico 5, o período em que houve maior variação de
homicídios foi em 2011, com base no resultado de 2010. A variação foi de 35.01%. E
isso não ocorreu por acaso. A explicação para tal situação encontra-se no relatório
47
elaborado pelo Reseau National de Défense des Droits Humains – RNDDH50 – um ano
após o terremoto, que foi em 12 de janeiro de 2010:
No dia 12 de janeiro de 2010 [em uma tarde de terça-feira], em trinta e cinco
(35) segundos, a vida de milhões de haitianos mudou, visto à passagem um
violento terremoto de magnitude 7.3 na escala Richter. As perdas humanas e
materiais são incomensuráveis: mais de trezentas mil (300.000) pessoas
perderam a vida, duzentas e cinquenta mil (250.000) foram machucadas,
dezenas de milhares desapareceram, seis mil (6.000) outras foram amputadas
e cerca de um milhão e novecentas mil (1.900.000) são desabrigadas. (…)
um ano após este terremoto devastador, como apresenta a situação geral do
país no ponto de vista sócia, econômico e político? (RNDDH, 2011, p. 01).
Gráfico 5 – variação anual em (%) dos casos de homicídio intencional no Haiti (2007-
2015)
40
30
20
10
-10
-20
-30
Pois bem, um ano após o cataclismo ter mudado o cenário político, econômico
e socioambiental do país, a MINUSTAH e as ONGs/ Organizações Internacionais
presentes no território haitiano não mostraram competência em enfrentar os novos
desafios que estavam surgindo51: trata-se, principalmente, do número imenso de pessoas
sem teto e que precisavam, urgentemente, de algum lugar para abrigarem-se, nem que
seja de forma momentânea. Assim, as famílias, vítimas da catástrofe natural, foram
50
A RNDDH (Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos), resumidamente, é uma organização
haitiana que luta em prol da defesa dos Direitos humanos, da democracia e da justiça social.
51
RNDDH (2011, p. 15): um ano após o fenômeno natural, foi registrado um número absurdo de ONGs e
Organizações Internacionais dentro do país, como a « CONCERN Worldwide, l’Union Européenne,
OXFAM GB, OXFAM Intermonde, Christian Aid, MCC, FLM, Action AID, ACT Alliance, ICCO,
Developpement et Paix, Finn Church Aid, Trocaire, CARE, Médecins Sans Frontières, Médecins du
Monde, CRS, PAM, ACF, Compassion Internationale, World Vision, Save the Children, UNICEF, Plan,
Samaritan’s Purse, Handicap International, entre outros ». Muitas dessas organizações trabalhavam do seu
próprio jeito, sem respeitar os princípios básicos em questão de intervenção humanitária.
48
ocupando lugares públicos (como praças públicas, campus de futebol, ruas, etc.), cada
uma montando sua barraca e esperando ajudas do governo, que, por sua vez, cinco dias
depois do acontecido, decretou estado de emergência.
O novo patamar alcançado pela crise socioeconômica foi bastante relevante
para influenciar no aumento da criminalidade no país:
As diferentes regiões do mundo estão lutando contra realidades sociais,
políticas, econômicas e legais que possam influenciar bastante nas taxas da
criminalidade. (…) [os estudiosos da criminologia] argumentam que a
pobreza, as desigualdades, a estrutura demográfica, a governança e o
funcionamento das diferentes instâncias de controle social são todos fatores
suscetíveis a ter um impacto sobre as taxas de homicídios. (…) As condições
sociais adversas constituem o primeiro grupo de variáveis inclusas na teoria
dinâmica do homicídio (Ouimet et Montmagny-Grenier, 2014). Alguns
países enfrentam condições adversas que poderiam ter um impacto sobre o
nível de criminalidade. Dentre as variáveis examinadas… as desigualdades e
a pobreza fazem objeto de muitos estudos (LAFORTUNE, 2016, p. 11 e 20).
detalhes os números de pessoas que, até janeiro de 2011, ainda estavam sem lugar para
morar, e, por consequência, todas dependiam totalmente de ajudas “humanitárias”.
Tanto a MINUSTAH quanto a própria Policia Nacional do Haiti (PNH), que já
não era equipada o suficiente para lidar com tais situações, ambas falharam em suas
missões. Elas não conseguiram manter o problema da segurança sob controle. Aliás, o
terremoto, não só destruiu a vida de milhares de famílias, como também colocou a
sociedade em perigo: foi um momento propício para muitos criminosos presos que
aproveitaram para fugir da cadeia, ainda com armas e munições. E o pior, a maioria
desses foragidos não foram encontrados.
Somente em Port-au-Prince (Porto Príncipe), o município com maior espaço
ocupado, maior número de abrigos e, consequentemente, que abrigou maior número de
pessoas, ocorreu 495 casos de homicídios em um total de 677 casos registrados no país
todo. Ou seja, 73,12% dos homicídios cometidos em 2010 no Haiti ocorreram na
capital, próximo à base principal da MINUSTAH (gráfico 6). Nos três anos anteriores,
2007, 2008 e 2009, foram amputados, respectivamente, 60,49%, 32,53% e 49,66% do
total de homicídios intencionais ocorridos no país. Vale ressaltar que Porto Príncipe é
um dos municípios mais violentos do Haiti.
1200
1000
800
600 Haiti
Porto-Príncipe
400
200
0
2007 2008 2009 2010 2011 2012
52
Ver ‘Resumé du rapport final’. Disponível em
<https://www.fidh.org/IMG/pdf/ResumeExecutifFRJusticiaGlobal.pdf >. Acesso em: 25 nov. 2018.
51
baseia, no fundo, para definir se uma nação soberana necessita ou não de intervenções
estrangeiras? Em que a MINUSTAH foi importante/ útil para o Haiti? E a
MINUJUSTH, em que está sendo importante? E quando será seu fim? Até quando tanto
o Haiti quanto os países da África não serão mais alvos de intervenções militares/
“humanitárias”? Quando o Haiti terminará de pagar por sua independência? Qual é a
origem da pobreza, das Guerras civis que tanto usam como justificativa para naturalizar
a dominação e a superioridade do branco em detrimento do negro? Quando será o fim
do racismo estrutural presente nas relações interestatais? Enfim, e se o Haiti não fosse
um país de negros?
52
53
‘A pobreza no Haiti: Causas e Políticas de Saída’. Disponível em
<https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/25746/LCMEXR879f_fr.pdf>. Acesso em: 29 nov.
2018.
53
54
Ver <http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0/rankings/idh-global.html>. Acesso em: 29
nov. 2018.
54
55
Ver « Perspective Monde. Outil pédagogique des grandes tendances mondiales depuis 1945 ».
Disponível em <http://perspective.usherbrooke.ca/bilan/BMEncyclopedie/BMEphemeride.jsp>. Acesso
em: 29 nov. 2018.
55
único instrumento de proteção, não somente aos pequenos agricultores locais, mas à
economia haitiana como um todo, o país foi perdendo espaço cada vez mais no seu
próprio mercado até chegar ao ponto em que as importações começaram a ultrapassar o
total de bens e serviços produzidos anualmente no país.
Essa perda se deu gradativamente por falta de competitividade entre os
produtos produzidos internamente e os importados que, por sua vez, eram trocados no
mercado por um preço muito abaixo do preço vigente à época. Por exemplo, o arroz dos
Estados Unidos, quando surgiu no mercado haitiano, a partir da segunda metade da
década de 1980, o preço de um quilograma era menos de 50% do preço do arroz
produzido no país. Assim, a população parou de consumir produtos locais em
detrimento de produtos importados, empobrecendo os pequenos agricultores e os
microempresários, que depois migraram-se em massa para a capital ou para fora do
Haiti em busca de emprego e melhores condições de vida.
Em 1997, as importações já representavam 42,08% da Oferta Global (o
somatório do Produto Interno Bruto com o total das importações), isto é, do total de
produtos que circulavam no mercado haitiano, quase a metade era importado (gráfico
7). Esse número foi piorando cada vez mais e chegou a atingir 62,5% em 2010.
70
60
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20
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0
1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015 2017
A partir de 2001, ano em que a proporção das importações na oferta total foi
53,46%, o país caribenho, literalmente, passou a importar mais do que produzir. Por
56
Importações Exportações
25000
20000
15000
10000
5000
Ademais, o país importa quase tudo, desde produtos alimentícios (arroz, feijão,
óleo, farinha, fubá, açúcar, ovos, milho, macarrão, etc.) até produtos manufaturados e
outros tipos (como cimento, bebidas, tabacos, petróleo, carros, materiais de transporte,
etc.).
57
Gráfico 9 – Comparação entre o déficit comercial e o PIB anual do Haiti (em milhões de
gourdes)
18000
16000
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8000
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4000
2000
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1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015 2017
56
« Banque de la République d’Haiti ». É o nome da instituição que faz o papel do Banco Central
haitiano; dito de outra forma, é a instituição que detém a função de imprimir moedas, controlar os bancos
privados e a taxa de juros do país, implementar políticas monetárias, em conjunto com os governos, etc.
58
para fazer com que o saldo do BP, do mesmo ano, fosse equivalente a USD 41,26
milhões (superávit), apesar do saldo da CTC ter sido negativo (USD -216,91 milhões,
em 2017).
O resultado das exportações líquidas (X – M) no ano de 1997 foi 57,12% do
PIB do mesmo ano (gráfico 9); já em 2010, 2011, 2012 por diante, a proporção foi mais
de 100%. A maior proporção registrada foi em 2011 com um valor equivalente a
114,77% do PIB do mesmo ano.
As saídas de divisas no país influenciou significativamente na taxa de câmbio,
que foi desvalorizando com o passar do tempo. A abertura comercial trouxe junto o
regime cambial de flutuação no qual o preço da moeda estrangeira (o câmbio) se
negocia somente pelo mercado, sem a interferência de terceiro. Assim, o gráfico 10
apresenta o valor médio da taxa cambial a cada dois anos e sua evolução ao longo dos
últimos vinte anos.
70
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0
1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015 2017
O câmbio passou de 16,65 em média no ano 1997 e 21,17 em 2000 para 64,77
em média em 2017. Isto é, em 1997 um dólar americano em média se trocava no
mercado haitiano por 16,65 gourdes57, e esse valor subiu em média para 64,77 gourdes,
em 2017. Entre 2010 e 2011 o câmbio se estabilizou devido ao volume de dólar que
entrou no país para “ajudar” após a catástrofe natural ter ocorrido, contudo, a partir de
57
O gourde é o nome da moeda haitiana.
59
2012, com 41,95 em média, ele voltou a seguir seu ritmo de crescimento. Esse ano, de
janeiro até setembro de 2018, em média foi preciso de 66,17 gourdes para cada dólar
americano trocado no mercado de divisas.
58
Termo utilizado por Amartya Sem em sua obra « Desenvolvimento como liberdade ». Segundo o autor,
a liberdade econômica é o fato de direito a um emprego, uma renda… portanto, ela é um elemento
fundamental que qualquer indivíduo necessita para garantir a sua sobrevivência.
60
-2
-4
-6
-8
59
A conversão para dólar foi feita pelo próprio autor deste trabalho, dividindo o valor da renda per capita
em gourde pela da taxa média de câmbio do mesmo ano. Por exemplo, a renda per capita de 1997 foi
divida por 16,65.
61
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80
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60
50
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20
10
0
Essa queda que a renda per capita em dólar americano vem registrando ao
longo dos anos se explica pelo baixo crescimento do PIB. O país não produziu o
suficiente nos últimos vinte anos para acompanhar o crescimento demográfico. O total
de bens e serviços produzidos em 2017 é somente 29,24% mais alto que a produção
total de 1997. O que fez com que a renda por pessoa em gourdes, em média,
permanecesse basicamente constante, enquanto a taxa média de câmbio de 2017 foi
289% mais alta que a de 1997.
A população haitiana cresceu significativamente nos últimos cinquenta anos.
Com uma superfície equivalente a 27.750 km2, a densidade demográfica passou de
160,2 habitantes por km2 em 1967 para 395,72 habitantes por km2 em 2017 (gráfico 13).
Ou seja, o número de pessoas por quilômetro quadrado no Haiti aumentou 147,02% em
cinquenta anos (de 1967 a 2017). No período de 1997 a 2003, antes do surgimento da
missão de “paz”, a densidade populacional subiu em uma taxa equivalente a 10,66%,
enquanto durante os treze anos da MINUSTAH, o crescimento foi quase o dobro:
20,42%.
62
450
400
350
300
250
200
150
100
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0
1967 1972 1977 1982 1987 1992 1997 2002 2007 2012 2017
Fonte: http://perspective.usherbrooke.ca/bilan/BMEncyclopedie/BMEphemeride.jsp
É importante salientar que o problema que está sendo tratado aqui não se refere
exclusivamente ao aumento populacional, e muito menos fazer uso da teoria da
população malthusiana como fundamento para discutir a crise política e socioeconômica
do país, mas, trata-se de uma economia estagnada por mais de vinte anos, operando com
uma produtividade muito baixa, sem a capacidade de gerar empregos e renda, enquanto
a oferta de mão-de-obra cresce quase exponencialmente.
Em vinte anos, o total de investimentos (público e privado) na economia
haitiana subiu 102,95%, isto é, em 1997 3.054 milhões de gourdes haitianos foram
investidos, esse número duplicou em 2017, e passou para 6.198 milhões de gourdes
(gráfico 14). No entanto, tal aumento não foi suficiente para combater o desemprego
que cresce cada vez mais, principalmente no meio da juventude.
Em relação ao PIB, em 1997 24,61% eram dos investimentos. Esse número foi
subindo e chegou a 34,81 em 2003. Durante os treze anos da MINUSTAH (2004-2017),
a Formação Bruta de Capital Fixo (investimentos) somente subiu 78,05%, fechando o
ano 2017 com menos de 40% do PIB do mesmo ano.
63
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Enquanto as famílias possuem cada vez menos dinheiro para cobrir suas
necessidades, adquirindo bens e serviços, sem emprego e renda, os preços se mantêm
altos. O gráfico 15 mostra o comportamento da inflação nos últimos dez anos. Depois
de ter atingido 12,4% em 2008, a inflação média se manteve abaixo de dois dígitos por
cerca de cinco anos, e somente em 2016 que ela voltou a ser maior de 10%.
Considerando o período que está sendo analisado (de 2008 a 2018), a menor taxa média
de inflação já registrada foi 0,2% em 2009, enquanto a maior foi 14,7% no ano em que a
MINUSTAH apresentou o último relatório do seu “sucesso” no país, em 2017.
2008 foi o ano em que a inflação mensal registrou valores mais altos, depois
vem 2017 em segundo lugar. De março a outubro de 2008, a taxa mensal oscilou entre
16 a 20%, sendo o maior valor anotado 19,8% em setembro. Depois foram registrados
valore como 16,5% em abril, 18,3% em julho, 18,8 em agosto e 18,0% em outubro do
mesmo ano. A inflação mensal caiu em novembro e fechou o ano de 2008 com 10,1%.
O ano de 2017 iniciou-se com uma taxa inflacionária equivalente a 14,1%.
Depois ela subiu para 14,3% em março e 14,6 em abril. De maio a setembro, a taxa
mensal permaneceu acima de 15% cujo maior valor do ano registrado foi 15,8%, em
junho. Atualmente, em 2018, de janeiro até setembro, o valor médio da inflação foi
13,4%, sendo que a inflação do mês de setembro foi 14,6%, a maior do ano até então.
Com um valor equivalente a 9,3%, julho de 2015 foi o último mês em que a
inflação registrou valores abaixo de dois dígitos. A partir de novembro de 2015 até hoje,
a taxa inflacionária mensal se mantém acima de 11%.
64
16,0
14,0
12,0
10,0
8,0
6,0
4,0
2,0
0,0
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados IHSI
2009 foi o único ano em que houve deflação. Em sete meses consecutivos (de
maio a novembro) a taxa mensal foi negativa, chegando a ser -2% em julho, -2,8% em
agosto, -4,7% em setembro e -3,5% em outubro. Depois fechou o ano com 2%
(dezembro de 2009).
total das exportações e, portanto, aumentando o fluxo de saídas de divisas no país para o
exterior, o câmbio médio mensal se manteve estável e a maior taxa inflacionária
registrada foi em maio e junho no qual o valor foi o mesmo (6,4%). A menor inflação
registrada foi em outubro do mesmo ano (4,6%).
Depois de ter fechado o ano de 2009 com 42,26 (em dezembro), o ano de 2010
iniciou-se com queda na taxa média cambial, 40,58 em janeiro. No mês seguinte, em
fevereiro, o número caiu para 38,57; depois subiu em março para 39,48 e se mantém
nessa faixa até outubro do mesmo ano. O câmbio médio mensal permaneceu
relativamente baixo, com valores abaixo de 42, até julho de 2012. É importante destacar
que, no caso de um país como Haiti cujas importações representam a maior parte dos
produtos oferecidos no mercado interno, quanto maior for a taxa de câmbio, maior tende
a ser a inflação.
O rompimento do fluxo de crescimento seguido pelo câmbio até então se
explica pela forte entrada de dólar no país por meio de doações (gráfico 16). Em seu
histórico, o Haiti já costumava receber ajudas de outros países, porém, em 2010, após o
terremoto, as doações ultrapassaram o valor comum.
Gráfico 16 – Doações recebidas do exterior nos anos 2005 a 2016 (em milhões de
dólares US)
1800
1600
1400
1200
1000
800
600
400
200
0
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Isso reduziu significativamente o impacto da demanda por divisas no país sobre a taxa
de câmbio, e o déficit da Conta de Transações Correntes (fazendo com que o Balanço de
66
a 23,84%, com base no valor de 2010. Depois disso, a dívida só vem aumentando até
registrar seu último valor em 2017 (USD 2.128,8 milhões).
Gráfico 17 – A dívida externa haitiana de 2005 a 2017 (em milhões de dólares US)
2500
2000
1500
1000
500
0
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Entre 2005 e 2009 o valor médio da dívida externa haitiana foi USD 7.428,62
milhões por ano. Com USD 863,08 milhões, a dívida de 2010 foi 11,61% da média dos
cinco períodos fiscais anteriores. A de 2011, por sua vez, foi apenas 7,92% da média
dos seis anos anteriores, incluindo 2010. De 2012 a 2017, no qual o valor médio é USD
1.748,13 milhões (maior que a média dos cinco anos que antecederam 2010), a dívida
externa do Haiti subiu em média 23,37%.
básico. 92,7% das famílias haitianas não possuem um fogão em casa para preparar suas
refeições, elas fazem uso de pau ou carvão para cozinhar.
O número de pessoas desempregadas constitui 40,6% da população ativa, que,
por sua vez, representa 57% do total da população haitiana; simultaneamente, 57,1% do
total de emprego gerado vêm do setor informal. Cerca de 40% dos haitianos trabalham
na agricultura, cuja produção, em sua maioria, é voltada para a própria subsistência. Em
2013, apenas 0,29% do total da população haitiana trabalhava no setor têxtil; tal número
subiu para 0,34% em 2014. Quanto ao trabalho infantil, 407.000 crianças exercem
trabalho doméstico, dentre elas, 207.000 em situação inaceitável.
Trazendo de volta a discussão sobre a concentração da renda, de acordo com o
relatório OMD/PNUD (2013), 1% dos haitianos mais ricos têm a mesma quantidade de
riqueza que possui 45% da população mais pobre. Apenas 20% das mulheres e 36% dos
homens haitianos são trabalhadores assalariados, enquanto 34% dos homens e 19% das
mulheres são empregadores/ empresários. 51% das mulheres são independentes, contra
24% do total dos homens.
Os dados apresentados neste capítulo são pertinentes e servem como base
empírica para ampliar a discussão sobre os resultados atingidos pela MINUSTAH, no
ponto de vista socioeconômico, durante seus treze anos no território haitiano. Os
soldados da ONU se retiraram do país em 15 de outubro de 2017, e no dia seguinte foi
instalada a Missão das Nações Unidas para o apoio à Justiça no Haiti (MINUJUSTH,
que também é uma missão de “paz”), ou seja, o Haiti permanece sob dominação/
ocupação estrangeira enquanto sua situação socioeconômica continua sendo precária.
Treze anos após o golpe de Estado e a invasão estrangeira no país, nenhuma melhoria
foi registrada. Assim, torna-se evidente trazer de volta a perguntar do capitulo anterior:
« em que a MINUSTAH foi importante/ útil para o Haiti? ».
69
CONCLUSÃO
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