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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS

MICKENSON JEAN BAPTISTE

A ATUAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS NO HAITI: UMA ANÁLISE DO IMPACTO


SOCIOECONÔMICO DA MINUSTAH (1997-2017)

SEROPÉDICA
DEZEMBRO DE 2018
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MICKENSON JEAN BAPTISTE

A ATUAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS NO HAITI: UMA ANÁLISE DO IMPACTO


SOCIOECONÔMICO DA MINUSTAH (1997-2017)

Monografia apresentada ao Departamento de


Ciências Econômicas do Instituto de
Ciências Sociais Aplicadas da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro como
requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Economia.

ORIENTADORA: Profa. Dra. Grasiela Cristina da Cunha Baruco

SEROPÉDICA
DEZEMBRO DE 2018
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Dedicatória

Este trabalho é dedicado aos meus ancestrais, Padré


Jean, Boukman, Toussaint L’Ouverture, Jean-Jacques
Dessalines, François Capois, Henri Cristophe,
Alexandre Pétion entre outros, que libertaram os negros
do sistema escravocrata e fizeram do passado do Haiti
uma linda história da qual tenho muito orgulho.
4

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço aos meus dois amados, heróis e guerreiros que,


mesmo com pouco no bolso, nunca deixaram de assumir suas reponsabilidades. Por
muitas vezes, eles se esqueceram de si mesmos para fazer de mim quem sou eu hoje.
Trata-se da minha mãe Marie Violette Jean-Louis e do meu pai Egène Jean Baptiste.

Depois a Aline Borges de Souza, minha namorada, que sempre está ao meu
lado tanto nos bons momentos quanto nos mais difíceis, e que contribuiu de várias
formas para que este trabalho fosse realizado.

Sou muito grato por ter sido orientado pela professora Grasiela Cristina da
Cunha Baruco. Uma pessoa maravilhosa, com quem eu aprendi muito. Aproveito
também para agradecer aos professores Pablo Bielschowsky e Antônio José Alves
Júnior por terem aceitado o convite para compor a banca avaliadora deste trabalho.

Agradeço também a uma pessoa/ uma amiga muitíssimo importante, Evellyn


de Lima Santana, a quem devo toda gratidão por tudo que fez por minha pessoa. Quatro
anos atrás, se não fosse a presença dela, certamente hoje minha vida seria outra.

E por fim, não menos importante, agradeço a todos os colegas da minha turma
e de outras turmas; ao departamento, em especial, à profa. e atual coordenadora do
curso de Economia, Rubia C. Wegner, que, de alguma forma, contribuiu na minha
formação acadêmica; à Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ; ao
Programa de Educação Tutorial – PET; ao Programa de estudante-Convênio de
graduação – PEC-G; e ao Brasil como um todo por ter me acolhido, oferecendo a mim a
oportunidade de viver essa experiência incrível.
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EPÍGRAFE

« Face à ce constat d’échec de la voie étrangère de développement


d’Haïti, il ne reste qu’une alternative, une seule : la lutte véritable pour
les grandes transformations socio-économiques et politiques. Et, nous
devons le rappeler, cette lutte est faite de sacrifices, de générosité, de
détermination, de clarté idéologique et d’engagement sincère. Il
n’existe aucun autre chemin ».
Myrtha Gilbert

« Diante desta constatação de fracasso do caminho estrangeiro de


desenvolvimento do Haiti, resta apenas uma alternativa, somente uma:
a verdadeira luta pelas grandes transformações socioeconômicas e
políticas. E, devemos lembrar, essa luta é feita de sacrifícios,
generosidade, determinação, clareza ideológica e engajamento
sincero. Não há outro caminho ».
Myrtha Gilbert
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RESUMO

Em dezembro de 1492, a Europa desembarcou na Hispaniola, que, após a independência


de 1804, tornou-se República do Haiti. O segundo país independente do continente
americano. Contrário a Toussaint L’Ouverture que lutava somente pelo fim da
escravatura, sem romper com a dominação francesa, seu sucessor, Jean-Jacques
Dessalines, sonhava com um Haiti livre, igualitário e soberano, capaz de tomar suas
próprias decisões sem nenhuma interferência estrangeira. Ele lutou para isso, mas
infelizmente, falhou. O país voltou a ser dominada pela Europa ao longo do século XIX,
principalmente a partir de 1825, até que os EUA realizaram sua primeira intervenção
militar em 1915, permanecendo no país por dezenove anos. Mais de cinco missões de
paz da Organização das Nações Unidas foram instituídas no Haiti no decorrer da década
de 1990; em fevereiro de 2004, no mesmo dia em que foi dado um golpe a um
presidente eleito constitucionalmente, foi criada a MIF (Força Interina Multinacional)
que foi substituída três meses depois pela MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para
a Estabilização no Haiti). Esta última permaneceu por treze anos e, em outubro de 2017,
foi substituída por MINUJUSTH (Missão das Nações Unidas para o Apoio à Justiça no
Haiti). Entretanto, mesmo com todas essas intervenções externas, o índice de homicídio
intencional continua aumentando, e os indicadores socioeconômicos pioraram, tornando
o país cada vez mais vulnerável e dependente do exterior. Assim, o objetivo principal
deste trabalho é discutir a importância da MINUSTAH para a sociedade haitiana e
analisar, simultaneamente, seus impactos na economia do país.

Palavras-chave: Haiti; MINUSTAH; Economia.


7

ABSTRACT

In December 1492, Europe landed in Hispaniola, which, after independence from 1804,
became Republic of Haiti. The second independent country of the American continent.
Contrary to Toussaint L'Ouverture, who only fought for the end of slavery, without
breaking with French domination, his successor, Jean-Jacques Dessalines, dreamed of a
free, equal and sovereign Haiti capable of making its own decisions without any foreign
interference; he fought for it, but unfortunately failed. The country was again dominated
by Europe throughout the nineteenth century, especially from 1825 until the United
States undertook its first military intervention in 1915, remaining in the country for
nineteen years. More than five United Nations peacekeeping missions were established
in Haiti during the 1990s; in February 2004, the MIF (Interim Multinational Force) was
created on the same day that a constitutional president was struck. This was replaced
three months later by MINUSTAH (United Nations Stabilization Mission in Haiti). The
latter remained for thirteen years and in October 2017 was replaced by MINUJUSTH
(United Nations Mission for Support to Justice in Haiti). However, even with all these
external interventions, the rate of intentional homicide continues to increase, and
socioeconomic indicators have worsened, making the country increasingly vulnerable
and dependent on the outside world. Thus, the main objective of this work is to discuss
the importance of MINUSTAH to Haitian society and simultaneously analyze its
impacts on the country's economy.

Key Words: Haiti; MINUSTAH; Economics.


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RÉSUMÉ

En Décembre 1492, l'Europe a atterri sur Hispaniola, qui, après l'indépendance en 1804,
est devenue République d'Haïti. Le deuxième pays indépendant du continent américain.
contrairement à Toussaint Louverture qui menait la lutte contre l'esclavage sans rompre
avec la domination française, son successeur, Jean-Jacques Dessalines, rêvait d'une
Haïti libre, égal et souverain, capable de prendre leurs propres décisions sans aucune
influence étrangère. Il s'est battu pour cela, mais malheureusement il a failli. Le pays
s’est encore dominé par l'Europe tout au long du XIXe siècle, principalement à partir de
1825, jusqu'à ce que les Etats-Unis ont tenu leur première intervention militaire en
1915. Une occupation qui a durée dix-neuf ans. Plus de cinq missions de maintien de la
paix des Nations Unies ont été établies en Haïti au cours des années 1990; en Février
2004, le même jour qu’un coup d’État a été donné à un président constitutionnellement
élu, Le MIF (multinationale Force intérimaire), qui fut remplacé trois mois plus tard par
la MINUSTAH (Mission des Nations Unies de stabilisation en Haïti), a pris naissance.
Cette dernière a passé treize ans sur le territoire haïtien et, en Octobre 2017, s’est
remplacé par la MINUJUSTH (Mission des Nations Unies à l'appui de la justice en
Haïti). Cependant, même avec toutes ces interventions extérieures, le taux d'homicide
volontaire ne cesse pas d'augmenter, et les indicateurs socio-économiques se sont
aggravés, et le pays est devenu plus vulnérable et dépendant de l'extérieur. Ainsi,
l'objectif principal de ce travail est discuter l'importance de la MINUSTAH à la société
haïtienne et analyser à la fois son impact sur l'économie du pays.

Mots-clés: Haïti; MINUSTAH; Économie.


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REZIME

An Desanm 1492, Lewòp te ateri sou Hispaniola, ki devni Repiblik Ayiti aprè
endepandans 1804 la. Dezyèm peyi endepandan nan kontinan amerik la. Kontèman ak
Toussaint L'Ouverture ki te sèlman ap goumen pou met fen ak esklavaj, san wete peyi a
sou dominasyon blan fransè, siksesè li, Jean-Jacques Dessalines, te reve viv yon Ayiti
lib, egal epi souveren, ki tap kapab pran pwòp desizyonl san okenn enfliyans etranje. Li
goumen anpil pou sa, men malerezman li pa reyisi. Peyi a tounen domine pa Lewòp
diran tout XIXe syèk la, soti depi lane 1825 pou jouk rive nan lane 1915 lè Etazini rive
fè premyè entèvansyon militè li nan peyi a. Yon okipasyon ki te dire diznèf lane. Plis
pase senk misyon lapè Nasyonzini te etabli an Ayiti pandan lane 1990 yo; nan mwa
fevriye 2004, yo etabli MIF (Interim Multinational Force) nan menm jou ke yon
prezidan eli, de fason konstitisyonèl, frape pa yon kou deta. Twa mwa pita MIF ranplase
pa MINUSTAH (Misyon Nasyonzini pou Estabilizasyon an Ayiti), ki pase trèz lane sou
teritwa Ayisyen an. Nan mwa oktòb 2017, MINUJUSTH (Misyon Nasyonzini pou Sipò
Jistis an Ayiti) ranplase MINUSTAH. Sepandan, malgre tout entèvansyon etranjè sa yo,
pousantaj omisid entansyonèl nan peyi a kontinye ogmante; endikatè sosyoekonomik yo
vin pi mal. Sa ki koz peyi a deplizanpli vin pi vilnerab epi depann de eksteryè. Konsa,
objektif prensipal travay sa a se diskite sou enpòtans MINUSTAH pou sosyete ayisyèn
nan epi analize tou enpak misyon an sou ekonomi peyi a.

Mo-kle: Ayiti; MINUSTAH; Ekonomi.


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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Índice de paz global dos quinze Estados independentes menos violentos do
mundo em 2017 .............................................................................................................. 40

Tabela 2– Taxa de homicídio intencional por 100 mil habitantes do Haiti e de outros
países do continente americano (2005-2012) ................................................................ .44

Tabela 3– Censo de abrigos e de pessoas sem teto um ano após o terremoto de 12 de


janeiro de 2010 no Haiti ................................................................................................. 48
11

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Nível de violência em países que já receberam operações de “paz” das


Nações Unidas ------------------------------------------------------------------------------------- 41

Gráfico 2 – Nível de violência no Haiti em comparação a alguns países que


contribuíram para a manutenção da MINUSTAH-------------------------------------------- 43

Gráfico 3 – Comparação entre as taxas anuais de homicídio intencional do Brasil e as


taxas do Haiti (2007-2012) ---------------------------------------------------------------------- 45

Gráfico 4 – Número total de casos de homicídio intencional no Haiti por ano (2007-
2012) ------------------------------------------------------------------------------------------------ 46

Gráfico 5 – variação anual em (%) dos casos de homicídio intencional no Haiti (2007-
2015) ------------------------------------------------------------------------------------------------ 47

Gráfico 6 – Número de casos de homicídio ocorridos anualmente no Haiti e em Porto


Príncipe. -------------------------------------------------------------------------------------------- 49

Gráfico 7 – Proporção das importações no total de produtos disponíveis anualmente no


mercado haitiano (em %) ------------------------------------------------------------------------ 55

Gráfico 8 – Comparação entre o volume de Importação e de Exportação do Haiti (em


milhões de gourdes) ------------------------------------------------------------------------------ 56

Gráfico 9 – Comparação entre o déficit comercial e o PIB anual do Haiti (em milhões de
gourdes) -------------------------------------------------------------------------------------------- 57

Gráfico 10 – A média anual da taxa de câmbio no Haiti ------------------------------------ 58

Gráfico 11 – Taxa anual de crescimento do PIB haitiano em % (1997-2017) ----------- 60

Gráfico 12 – Renda per capita anual do Haiti (em US$) ------------------------------------ 61

Gráfico 13 – Densidade demográfica do Haiti nos últimos 50 anos (em habitantes/km2)


------------------------------------------------------------------------------------------------------- 62

Gráfico 14 – Proporção anual do total de investimentos no PIB haitiano (em %) ------ 63

Gráfico 15 – Taxa média da inflação por ano em % (2008-2018) ------------------------- 64

Gráfico 16 – Doações recebidas do exterior nos anos 2005 a 2016 (em milhões de
dólares US) ----------------------------------------------------------------------------------------- 65

Gráfico 17 – A dívida externa haitiana de 2005 a 2017 (em milhões de dólares US) -- 67
12

LISTA DE SIGLAS

BP Balanço de Pagamentos
BRH Banque de la République d’Haïti
CSNU Conselho de Segurança das Nações Unidas
CTC Conta de Transações Correntes
FMI Fundo Monetário Internacional
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IEP/GPI Institute for Economics & Peace/ Global Peace Index
IHSI Institut Haïtien de Statistique et d’Informatique
MANUH Missão de Apoio das Nações Unidas para o Haiti
MICIVIH Missão Civil Internacional no Haiti
MIF Força Interina Multinacional
MINUHA Missão das Nações Unidas no Haiti
MINUJUSTH Missão das Nações Unidas de Apoio à Justiça no Haiti
MINUSTAH Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti
MIPONUH Missão de Polícia Civil das Nações Unidas no Haiti
MITNUH Missão de Transição das Nações Unidas para o Haiti
MONUC Missão da Organização das Nações Unidas na República
Democrática do Congo
MONUSCO Missão de Estabilização da Organização das Nações Unidas na
República Democrática do Congo
MRE Ministério das Relações Exteriores
OEA Organização dos Estados da América
OMD Objetivos do Milenário para o Desenvolvimento
ONG Organização não Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
ONUVEH Organização das Nações Unidas para a Verificação das Eleições
no Haiti
PIB Produto Interno Bruto
PKO Peacekeeping Operations
PNH Polícia Nacional do Haiti
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
RNDDH Reseau National de Défense des Droits Humains
13

UNAMIR United Nations Assistance Mission for Rwanda


UNAMSIL United Nations Mission in Liberia
UNAVEM United Nations Angola verification Mission
UNDSS United Nations Department of Safety and Security
UNMOGIP United Nations Military Observer Group in India and Pakistan
UNODC United Nations Office on Drugs and Crime
UNOMIL United Nations Observer Mission in Liberia
UNOMSIL United Nations Observer Mission in Sierra Leone
UNOSOM United Nations Operation in Somalia
UNSCOB United Nations Special Committee on the Balkans
UNTSO United Nations Truce Supervision Organization
USD United Nations Dollar
14

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ----------------------------------------------------------------------------------- 15

CAPÍTULO 1 – INTERVENÇÕES ESTRANGEIRAS NO HAITI: UMA


PERSPECTIVA HISTÓRICA ------------------------------------------------------------------ 18
1.1 A invasão militar americana de 1915 ------------------------------------------------------ 22
1.2 Consequências da ocupação americana no cenário político e socioeconômico do
Haiti. ------------------------------------------------------------------------------------------------ 27
1.3 1990–2000: quantas Resoluções se fazem necessário para solucionar um único
problema? ------------------------------------------------------------------------------------------ 30

CAPÍTULO 2 – A MINUSTAH ---------------------------------------------------------------- 34


2.1 The Peacekeepers versus a violência no Haiti e no mundo ---------------------------- 38

CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DOS INDICADORES SOCIAIS E


MACROECONÔMICOS DO HAITI (1997-2017) ------------------------------------------ 52
3.1 O mito da pobreza haitiana ------------------------------------------------------------------ 52
3.2 O livre comércio e seus impactos na economia haitiana -------------------------------- 54
3.3 A MINUSTAH e a crise socioeconômica ------------------------------------------------- 59
3.3.1 A economia haitiana em 2010: um caso particular ------------------------------------ 64
3.3.2 Da MINUSTAH à MINUJUSTH, a economia haitiana permanece em “alerta
vermelho” ------------------------------------------------------------------------------------------ 67

CONCLUSÃO------------------------------------------------------------------------------------- 69

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS --------------------------------------------------------- 70


15

INTRODUÇÃO

A pérola das Antilhas foi invadida, colonizada e explorada pela Europa por
mais de três séculos. Embora ela tenha sido desejada por todas as potências europeias,
somente a França, em 1697, com o tratado de Ryswick, conseguiu oficializar a posse e
manter sob seu controle a colônia próspera e rica em termos de recursos naturais. Em
agosto de 1791, iniciou-se a luta armada contra o sistema escravocrata, que representava
a base da economia de plantation praticada nas colônias à época, e, em 01 de janeiro de
1804, treze anos depois, nasceu um Haiti livre e independente, sendo a primeira
república negra do mundo, o primeiro país do continente americano a abolir a
escravidão e o primeiro a espalhar por todo canto do universo o espírito revolucionário
contra a escravatura.
Uma independência sangrenta, porém, não reconhecida pelos Estados-nação à
época, que custou toda a riqueza do país e resultou em um embargo comercial. Este
último durou até 1825 quando o então presidente haitiano Jean-Pierre Boyer aceitou
pagar aos colonos franceses, pelos “danos” causados, uma indenização cujo valor foi
imposto pelo então rei francês (Carlos X) à jovem república.
Assim, mesmo com sua economia destruída, o Haiti dedicou grande parte do
século XIX, mais a primeira metade do século XX, ao pagamento de uma suposta
dívida equivalente a cerca de 90 milhões de francos à antiga metrópole. Durante esse
período que durou mais de um século, 80% do orçamento haitiano era destinado a esses
pagamentos, que, por sua vez, foram efetuados somente por empréstimos tomados com
bancos franceses a juros exorbitantes (HALLWARD, 2004).
Finalmente, a independência foi reconhecida, contudo, somente no papel. Pois
o país continuou sendo tratado como antes. Contrário ao que Jean-Jacques Dessalines
(um dos principais heróis da revolução haitiana) pregava: um país igualitário, soberano
e livre de qualquer interferência estrangeira, o Haiti passou a registrar um conjunto de
intervenções externas, por parte da França, Alemanha, Inglaterra, etc., entre o século
XIX e o início do século XX, até a chegada da primeira invasão/ ocupação militar dos
Estados Unidos da América, em 1915, que transformou-se em dezenove anos de
exploração, humilhação, opressão/ repressão, de torturas e assassinatos, fazendo com
que o Haiti voltasse a ser uma colônia.
16

As influências norte-americanas nas decisões políticas e econômicas do país


foram crescendo ao longo do século XX e isso passou a ser legitimado depois da
Organização das Nações Unidas (ONU) ter adotado o princípio da intervenção civil e/ou
militar como medida eficiente para evitar que conflitos intraestatais afetam
negativamente a paz e a segurança internacional1. Assim, a MINUSTAH (Missão das
Nações Unidas para a Estabilização do Haiti), a MINUJUSTH (Missão das Nações
Unidas para o apoio à Justiça no Haiti) e todas as outras missões de “paz” já conhecidas
pelo Haiti surgiram em um mesmo contexto.
Em 07 de fevereiro de 2001, o líder do partido político ‘Fanmi Lavalas’, Jean-
Bertrand Aristide, assumiu legitimamente o governo. Sendo ele um líder populista que
pregava a redução da desigualdade socioeconômica no país, fazem com que os mais
pobres tenham um mínimo de acesso ao mercado de consumo, a elite haitiana sentiu-se
ameaçada e se juntou aos EUA para destitui-lo do cargo. Portanto, em 29 de fevereiro
de 2004, ele foi forçado a renunciar a seu próprio governo.
No mesmo dia do golpe, o Haiti foi identificado como uma “ameaça para a paz
e a segurança internacional”. Daí a Resolução no 1529 foi aprovada pelo Conselho de
Segurança das Nações Unidas (CSNU), autorizando uma intervenção emergencial por
meio da Força Interina Multinacional (MIF). Depois, em 01 de junho do mesmo ano, O
CSNU aprovou a Resolução no 1542 na qual o MIF foi substituído pela MINUSTAH,
que durou treze anos no solo haitiano.
As intervenções estrangeiras no país não são novidades, aliás, elas surgem com
propósitos bem definidos que vão muito além dos discursos reproduzidos para justificar
sua existência. É um preço que o Haiti paga por ter sido o primeiro a questionar o
regime escravocrata que, até o século XIX, era visto como algo normal e natural. Trata-
se também da expansão e do fortalecimento do imperialismo e subimperialismo,
exercido pelos países ditos semiperiféricos, ao redor do planeta, reproduzindo o racismo
estrutural a fim de inferiorizar permanentemente os negros, em geral.

1
Com a ratificação da Carta de São Francisco, em outubro de 1945, a Organização das Nações Unidas,
oficialmente, passou a existir. Literalmente, o principal organismo no âmbito internacional nasceu para
substituir seu antecessor, a Liga das Nações que foi criada em 1919 após o fim da Primeira Guerra
Mundial, com o propósito de manter a paz entre as nações e a segurança internacional, Estimular a
cooperação internacional na área econômica, social, cultural e humanitária. Desta forma, as missões de
estabilização da ONU (intervenções militares e/ou civis) surgiram como forma de evitar que conflitos
internos gerem grandes riscos à paz mundial. Portanto, na teoria, qualquer estado membro é sujeito de
receber missão de paz, em caso julgado necessário.
17

Apesar da presença das Nações Unidas no Haiti, promovendo, supostamente, a


paz e o desenvolvimento econômico, os indicadores sociais e macroeconômicos
continuam sinalizando a fragilidade, a precariedade e a vulnerabilidade do país. Nos
últimos vinte anos, o PIB cresceu apenas em média 1,35%, enquanto isso, com 27.750
km2 de superfície, o número de haitianos por quilômetro quadrado subiu 147,02% nos
últimos cinquenta anos, passando de 160,2 habitantes por km2 em 1967 para 367,72
habitantes por km2 em 2017. Toda a riqueza do país se concentra na mão de 4% da
população, o que faz do Haiti um dos mais desiguais do mundo. Isso sem dúvida pode
ser considerado uma das metas dos capacetes azuis que foi atingida.
Desde 2001, o Haiti passou a importar mais do que produzir, isto é, as
importações ultrapassaram o PIB do país. A conta das transações correntes, desde 2007,
nunca fechou com saldo positivo, é um acúmulo de déficit que só é amenizado pela
forte entrada de renda secundária no país (transferências unilaterais correntes), e
compensado pelos saldos positivos da conta de operações financeiras. 58% da
população haitiana vive em situação de pobreza, sem condição para garantir a
sobrevivência; dentre eles, somente 11% recebem ajuda do governo. Enquanto isso, os
casos de homicídio intencional por 100 mil habitantes continuam aumentando: de 2007
a 2012, o crescimento médio foi 16,76%, colocando o país em 83º lugar na classificação
dos Estados-nação menos violentos do mundo. Agora pergunta-se: « em que a
MINUSTAH foi importante/ útil para o Haiti? ».
Este trabalho, cujo objetivo principal é discutir a relevância da MINUSTAH
para a sociedade haitiana e analisar os impactos socioeconômicos da missão sobre o
país, se divide em três capítulos, além do resumo, da introdução, da conclusão e das
referências bibliográficas. No primeiro capítulo, trata-se de um panorama histórico,
partindo do período pós-1804 para mostrar que as intervenções militares e/ou civis
estrangeiras não são fatos historicamente recentes; no segundo capítulo, é feito um
estudo sobre as Operações de Manutenção da paz das Nações Unidas, em particular, a
MINUSTAH, e suas relações com a violência no Haiti e no mundo como um todo; e
quanto ao terceiro capítulo, são analisados indicadores sociais e macroeconômicos
pertinentes com o intuito de verificar se há coerência entre os discursos (re)produzidos e
a evolução dos dados empíricos do Haiti.
18

CAPÍTULO 1 – INTERVENÇÕES ESTRANGEIRAS NO HAITI: UMA


PERSPECTIVA HISTÓRICA

Séculos após a invasão europeia e a manutenção do sistema escravocrata,


depois de muita luta, em 1793, o Haiti chegou a abolir a escravidão. A decisão, tomada
pelo então enviado pela França à colônia, foi ratificada somente em 1794. Anos mais
tarde, em 1º de Janeiro de 1804, o Saint Domingue (nome do Haiti colônia) tornou-se
uma República, livre e independente, ou seja, passou de colônia a Estado-nação.
Uma liberdade cara, sagrada e sangrenta. Conquistada, após ter enfrentado
diretamente o exército francês por quatorze anos2, em um contexto no qual não havia
mais opção, a não ser a expulsão dos colonos da Ilha. Por um lado, Napoleão Bonaparte,
então imperador da França, decidia reestabelecer a escravatura nas colônias francesas:
no artigo primeiro da Lei de 20 de maio de 18023, ele afirma que “nas colônias
restituídas à França em execução do Tratado de Amiens, do 6 Germinal, ano X, a
escravidão será mantida de acordo com as leis e regulamentos anteriores a 1789”. Por
outro lado, Jean Jacques Dessalines (1756-1806), ex-escravo e sucessor de Toussaint
L’ouverture (1743-1803) na liderança dos revolucionários, não cansava de bradar contra
a metrópole “Liberdade ou a morte”. Em suas palavras, expressadas através do ato
(“certidão”) da independência, escrito no mesmo dia em que a independência foi
declarada pelo secretário da nova república, Boisrond Tonnerre, o Governador Geral
(Dessalines) clamou: “Independência ou a morte… Que estas palavras sagradas nos
unam, e que elas sejam o sinal dos combates e da nossa reunião”.
Ele continuou lançando mensagens, não somente a seus contemporâneos, mas
desta vez, às gerações futuras:
Nós ousamos ser livres, ousemos sê-lo por nós mesmos e para nós mesmos…
Povos indígenas do Haiti! Meu agradável destino me reservava para ser um
dia a sentinela que tinha de vigiar o ídolo pelo qual vocês se sacrificaram: eu
vigiei, lutei, às vezes sozinho; e, se eu fui tão feliz em colocar de volta em
suas mãos o depósito sagrado que vocês me confiaram, lembrem que cabe a
vocês agora preservá-lo. Lutando por vossa liberdade, […] vossos líderes,
com quem me reúno aqui, e eu, nós devemos a vocês a última prova da nossa
dedicação.
Juramos a todo o universo, à posteridade, a nós mesmos, de renunciar para
sempre à França, e de morrer em vez de viver sob a dominação dela.
De lutar até o último suspiro pela independência do nosso país!

2
A última batalha, denominada “Bataille de Vertières”, na qual as tropas francesas, lideradas pelo general
Rochambeau, foram derrotadas pelos indígenas (as tropas haitianas), ocorreu em 18 de novembro de
1803.
3
Disponível em <http://mjp.univ-perp.fr/france/1802esclavage.htm>. Acesso em: 25 out. 2018.
19

Jure enfim de perseguir para sempre os traidores e inimigos da sua


4
independência.

Contrário a Toussaint – que lutava apenas pela emancipação dos escravos e


pela igualdade entre todos, independente da cor da pele5 –, Dessalines, por sua vez,
lutava também pela soberania nacional. Ele acreditava que o Haiti pudesse ser um
Estado soberano, capaz de tomar suas próprias decisões, sem interferência alguma de
outros Estados ou de organizações internacionais. Por isso, apesar de não ter sido
alfabetizado, ele promulgou, em 20 de maio de 1805, a segunda constituição do país 6 na
qual transformou o Haiti em um ‘Império Negro’ e se autoproclamou Imperador
vitalício sob o nome Jacques I.
Está explícito nesta constituição que brancos/ europeus não eram bem-vindos
no novo império e não podiam obter, em hipótese alguma, a nacionalidade haitiana;
enquanto isso um africano qualquer podia facilmente se tornar cidadão haitiano, bastava
querer (ROSA e PONGNON, 2013). O artigo doze dizia: “Nenhum branco, qualquer
que seja sua nação, pisará nesse território, a título de dono ou de proprietário e não
poderá no futuro adquirir nenhuma propriedade”. Entretanto, vale ressaltar que havia
exceções quando se tratava de mulheres, crianças e cidadãos de alguns outros países
europeus7. Havia também uma condição: uma vez naturalizado (a), o cidadão (a cidadã)
não era mais visto (a) como branco (a), pois o artigo quatorze afirmava que todos “[…]
os haitianos [nativos ou naturalizados] não serão conhecidos doravante sob a
denominação genérica de Negros”.
Por experiência própria, o Imperador sabia que não havia (como também nunca
haveria) qualquer tipo de igualdade entre negros e brancos. Tal motivo o levou a
destruir toda a riqueza do país durante a guerra colonial, e tomar medidas drásticas no
período pós-1804 em proteção à independência recém-conquistada, evitando possíveis
invasões estrangeiras, que, por sua vez, acabariam com o vento da liberdade que estava
soprando na Ilha e o espírito revolucionário que estava sendo espalhado por toda parte
do mundo, principalmente na América.

4
Acte d’indépendance d’Haïti. Disponível em <http://mjp.univ-perp.fr/constit/ht1804.htm>. Acesso em:
25 out. 2018.
5
Toussaint apenas queria criar um Estado autônomo sem romper o vínculo com a França, como é o caso
atual da Guiana Francesa, Martinica e Guadalupe (ROSA e PONGNON, 2013).
6
Disponível em <http://mjp.univ-perp.fr/constit/ht1805.htm>. Acesso em: 26 out. 2018.
7
Artigo 13 da constituição: “o artigo anterior não poderá produzir nenhum efeito sobre as mulheres
brancas que são naturalizadas haitianas pelo governo, e as crianças já nascidas ou que nascerão destas
mulheres. Estão inclusos nas disposições deste artigo, os Alemães e Poloneses naturalizados pelo
governo”.
20

A principal prioridade dos escravos que conquistaram a independência em


1804 foi impedir a volta à economia de plantation com a manutenção de
algum controle direto sobre seu meio de vida e sua terra. Diversamente da
maioria dos outros países latino-americanos e caribenhos, o desenvolvimento
de latifúndios voltados para a exportação foi limitado pela sobrevivência
generalizada de pequenas propriedades camponesas, e, hoje, 93% dos
camponeses haitianos ainda têm pelo menos algum acesso à própria terra
(HALLWARD, 2004, p. 222).

Dessalines almejava construir um país forte do ponto de vista político e


socioeconômico. Ele iniciou o processo de fortificação, como uma estratégia militar; fez
a Reforma Agrária para atender às necessidades básicas dos recém-libertos, o que foi
uma das principais causas de sua morte8; implementou políticas a fim de proteger a
agricultura e o comércio – identificados por ele como setores chaves para desenvolver e
enriquecer o império – garantindo a segurança e a proteção aos países neutros e amigos
que desejavam manter relações comerciais com o Haiti9. No entanto, em 17 de outubro
de 1806, em um lugar chamado Pont-Rouge, situado no Norte da capital do país (Porto
Príncipe), o imperador foi assassinado10. Daí todo seu projeto de reconstrução foi
embora junto com a sua alma.
A morte do herói da independência haitiana (pai da liberdade) marcou o início
de uma série de crises e instabilidade política: em vinte e dois presidentes conhecidos
pelo país no decorrer do século XIX, quatorze foram depostos e apenas um conseguiu
terminar seu mandato (ANDRADE, 2016). Conforme destaca Rosa e Pongnon (2013),
foi a partir deste momento que a jovem república começou a se tornar frágil, vulnerável
e desprotegida, registrando inúmeras interferências brutais estrangeiras nas decisões
políticas e econômicas internas, inclusive a primeira invasão dos Estados Unidos da
América na ilha, em 1915, que será tratada com detalhes na seção 1.1.
Por cerca de treze anos o país foi dividido: na região Norte havia como rei o
negro ex-escravo, Henri Christophe (1767-1820), enquanto no Sul, Alexandre Pétion
(1770-1818), filho de um grande fazendeiro e de uma miscigenada, era o presidente
vitalício. Somente em 1820, após a morte de Pétion e Christophe, a ilha foi reunificada
pelo então presidente miscigenado, Jean-Pierre Boyer. Segundo Vieira e Assunção

8
Em resposta às reclamações da elite descendentes dos colonizadores em favor de heranças, Dessalines
perguntou: “e os pobres negros cujos pais estão na África, eles não terão nada então?”.
9
Artigo 25 da constituição imperial de 1805 (disposições gerais): “o governo garante a segurança e a
proteção às nações neutras e amigas que virão manter com esta Ilha relações comerciais, cabendo a elas
[nações] se acomodarem às regras, hábitos e costumes deste país”.
10
Ato cometido pela camada da sociedade que se sentia ameaçada com as propostas do imperador que
visavam fortalecer a justiça social e a igualdade. Ver <https://tiloujeanpaul.com/blog/2016/10/16/17-
octobre-mort-assassinat-de-dessalines/>. Acesso em: 26 out. 2018.
21

(2006), toda a historia do Haiti república é desenhada por disputas inacabadas, tanto
pelo poder quanto por questões culturais e religiosas, entre negros oriundos da África, e
miscigenados descendentes de colonos e affranchis11 que, logo após a independência,
transformou-se em uma elite privilegiada existente até os dias atuais; como
consequência, foram registrados inúmeros golpes de estado, corrupção alarmante,
intervenções militares estrangeiras, como a MINUSTAH e as outras missões que
antecederam, e todas as precariedades existentes até hoje:
A aliança entre estes dois extremos poderia ter sido o maior legado desta
revolução, o que poderia ter levado o país a um grande desenvolvimento, mas
o hiato entre estas duas classes era profundo demais. O que podemos
perceber também (…) era que a elite mulata ainda se identificava com as
ideais de civilização vindas da França, reproduzindo todo um estilo desta
sociedade (…). Já os negros, principalmente os ex-escravos africanos,
pensavam em estabelecer um elo de ligação mais intenso com a África, e a
prática do vodu explicitava bem isso, um caráter homogeneizador das
diversas etnias africanas encontradas na ilha (VIEIRA e ASSUNÇÃO, 2006,
p. 03).

Os miscigenados uniram-se aos negros revolucionários para lutar contra a


dominação francesa sobre a ilha, o que resultou em uma grande conquista. No entanto,
essa união que poderia ser benéfica, acabou prejudicando a nação. O Haiti foi isolado,
sem nenhum parceiro diplomático e/ou comercial, e a independência não foi
reconhecida12; tendo a agricultura como principal atividade econômica, a produção era
voltada para a subsistência. A elite recém-formada, desejando se aproximar da antiga
metrópole, concordou em pagar, em 1825, sob o comando do presidente Boyer, uma
indenização imposta pelo então rei da França, Carlos X, equivalente nos dias de hoje a
USD 20 bilhões, segundo Nóvoa (2010), pelos “danos” causados – dito de outra forma,
o Haiti foi forçado a pagar pela “ousadia”13.
A França da Restauração só restabeleceu o comércio e as relações
diplomáticas essenciais para a sobrevivência do novo país depois que o Haiti
concordou, em 1825, em pagar à sua antiga senhora colonial uma
“indenização” de cerca de 150 milhões de francos pela perda dos escravos –
quantia mais ou menos igual ao orçamento anual francês da época, ou por

11
Termo utilizado para designar escravos/ servos que recebiam de seu mestre a liberdade. Ver o
dicionário de francês LAROUSSE.
12
Nem Simon Bolívar, que havia sido refugiado e ajudado, em 1815, pelo Haiti, mostrou gratidão ou
reciprocidade. Apesar de ter dado a ele armas, dinheiro e outros materiais para que ele pudesse continuar
com a luta pela independência da América do Sul, o mesmo “não convidou o Haiti para participar junto
com outros países latino-americanos à Conferência de 1826”, que ocorreu no Panamá. Sinal de que
Bolívar também não reconheceu a independência haitiana (NÓVOA, 2010; e PONGNON, 2013).
13
Mais de um século foi dedicado ao pagamento desta suposta dívida ao colonialismo francês. A última
parcela foi dada somente em 1947. O valor passou de 150 milhões para 90 milhões de francos. Segundo
Hallward (2004), esses pagamentos representavam cerca de 80% do orçamento anual do país, e foram
efetuados somente com empréstimos tomados em bancos franceses a juros exorbitantes.
22

volta de dez anos de receita total do Haiti – e conceder descontos comerciais


muito onerosos (HALLWARD, 2004, p. 222).

Além de empobrecer o país que já tinha sua economia arruinada após a


independência, este pagamento fez com que a França retomasse o domínio da produção
e do comércio haitiano (principalmente o café e o pau-Campeche), sem falar do controle
financeiro que se dava de forma explícita: tanto o Banco Nacional quanto o Banco
central do país, ambos eram franceses (VIEIRA E ASSUNÇÃO, 2006). Com o Haiti
“livre”, aberto para se relacionar com qualquer país estrangeiro, os interesses das
potências à época (Inglaterra, Alemanha, EUA, etc., além da França que já tinha o
controle) em dominar o país caribenho foram crescendo cada vez mais, até a chegada
dos militares estadunidenses, em 1915.

1.1 A invasão militar americana de 1915

Os EUA invadiram o Haiti em julho de 1915 e permaneceram por dezenove


anos, ou seja, somente em agosto de 1934 que o trigésimo segundo presidente
americano, Franklin D. Roosevelt, tomou “consciência” e ordenou finalmente a retirada
do exército estadunidense do território haitiano. De acordo com Fils-Aimé (2008), “o
imperialismo americano contou com o apoio das classes dominantes e dos intelectuais a
seu favor para ocupar em toda plenitude da palavra” o território haitiano por um período
de dezenove anos consecutivos. Os norte-americanos, segundo as argumentações de
Andrade (2016), tinham toda certeza de que invadir e ocupar o Haiti não seria uma
tarefa tão difícil; bastasse esperar apenas uma simples oportunidade. O que não
demorou muito para chegar14. Assim, enquanto as potências europeias estavam
envolvidas na primeira Grande Guerra, em novembro de 1914, o Departamento Naval
dos Estados Unidos
finalizou um plano para ocupar a cidade de Porto Príncipe, capital haitiana,
prevendo um cenário em que “autoridades locais admitiam sua inabilidade
para proteger interesses estrangeiros...”. Assim, “em nome da humanidade,
moralidade e civilização”, o secretário de estado Elihu Root estava

14
“A intervenção estadunidense do Haiti de 1915 a 1934 desenvolve-se, então, por um lado, como parte
da política estratégica dos Estados Unidos, norteada pela doutrina Monroe e no corolário Roosevelt, que
buscava defender seus interesses políticos e econômicos do país na região caribenha e latino-americana
(…) e, por outro, como uma consequência da fragilidade sociopolítica e econômica do Estado haitiano,
que acabava reforçando, ainda mais, os motes anti-haitianistas que recaíam sobre o país”
(VASCONCELOS, 2015, p. 57).
23

monitorando de perto o Haiti, aguardando “o momento psicológico” em que


os EUA poderiam estabelecer as “relações corretas” (ABBOTT, 1988, p. 34
apud ANDRADE, 2016, p. 181).

Para legitimar a ocupação, em 16 de setembro de 1915, aproximadamente dois


meses após a chegada dos invasores, um tratado foi assinado pelo então secretário
haitiano de Estado das Relações Exteriores e da Instrução Pública, Sr. Antoine François
Joseph Louis Borno (que, em 15 de maio de 1922, tornou-se presidente da República), e
por um responsável pelos assuntos dos Estados Unidos da América, Sr. Robert Beale
Davis Jr., nomeado pelo então presidente norte-americano, Thomas Woodrow Wilson.
O mesmo foi aprovado e ratificado pela câmara haitiana e, em fevereiro de 1916, pelo
senado dos EUA, em Washington.
A justificativa para a manutenção das forças armadas americanas no território
haitiano encontrava-se na ideia de que a independência do Haiti estava sendo ameaçada
– tanto por causa das frequentes crises internas quanto pelo desejo das potências
europeias à época de tomar o controle do mercado haitiano – e que tal intervenção
militar, baseada na declaração do ex-presidente norte-americano James Monroe (1758-
1831), “a América para os americanos”, era necessária para garantir a “proteção” e a
emancipação do país.
Em um cenário de instabilidade política e socioeconômica, no qual um
presidente em função, Vibrun Guillaume Sam, foi linchado pelo próprio povo, os EUA,
por um lado, aproveitaram da conjuntura e se fizeram de salvadores, protetores e
pacificadores para invadir o Haiti, prometendo a paz, a ordem pública e o resgate da
liberdade e da soberania nacional. Por outro lado, eles passaram a ter o domínio total
sobre a política e a economia do país, tomando, primeiramente, o controle de todos os
portos, com o intuito de inibir a influência da Europa no comércio haitiano, que era
controlado, em sua maioria, pelos alemães.
Pelos artigos três, quatro, cinco, seis e sete do tratado assinado, cabia a um
Recebedor Geral, nomeado pelo então governo norte-americano, tomar e/ou aprovar
qualquer decisão econômica. Por exemplo, “a gestão dos gastos públicos, a aplicação de
dispositivos relativos a importações e exportações” e mais, eram todas tarefas atribuídas
exclusivamente ao Recebedor Geral, que, uma vez sendo militar estadunidense, sua
função principal era proteger e defender os interesses do seu país e seu povo.
Simultaneamente, havia também um conselheiro financeiro cujas funções básicas eram
manter o “controle sobre o equilíbrio orçamentário, promover políticas econômicas a
24

fim de aumentar as receitas, supervisionar a evolução da dívida pública e fazer


recomendações ao ministro das finanças”15.
Percebe-se uma contradição entre os ideais vendidos e os fatos apresentados na
prática. Aliás, contrário ao discurso de paz, harmonia, estabilidade, de levar a
democracia a outros povos, etc., que os EUA propagavam para justificar as invasões, é
notório que por trás disso tudo havia um interesse puramente econômico, baseado na
exploração. Deste modo, eles nunca iriam abrir mão de seus próprios interesses para se
preocuparem com o bem estar do Haiti e muito menos oferecerem-se voluntariamente
como defensores da revolução e emancipação haitiana, aos quais sempre se
posicionaram contra (NÓVOA, 2010). Portanto, a invasão de 1915, além de ter sido a
abertura oficial das intervenções militares de “paz” no país, foi também um fenômeno
que marcou o início da predominância e do imperialismo norte-americano sobre o Haiti,
transformando o país novamente em uma colônia.
Segundo o escritor Saint-John Kauss, os dezenove anos da primeira
colonização americana foi um período de repressão e de assassinato: todos que eram
contra ou que simplesmente duvidavam do regime eram fuzilados pelos soldados
estrangeiros. Também foi o período em que os EUA criaram o campo de concentração
de Chabert, no qual mais de cinco mil camponeses perderam sua vida em cerca de três
anos, tanto mulheres quanto homens16. Esse período não deve ser apagado da memória
de nenhum haitiano, como explica Paul (2014):
Uma data marcante que os haitianos não devem esquecer. Sobretudo por
causa das humilhações, dos crimes, dos roubos e das destruições de bens que
as forças da ocupação infligiram ao povo haitiano durante 19 anos. As
sequelas das cenas de pilhagem e de repressão permanecem ainda
escancaradas por causa da crise econômica em que vegeta uma boa parte da
população, que sobrevive de alguma forma face às dificuldades da vida. Os
historiadores concordam que a terceira colonização do país, iniciada em 2004
[representada pela MINUSTAH?], é a extensão da primeira colonização
assim como a segunda.

Os camponeses haitianos sempre foram os mais vulneráveis, abandonados e


maltratados; eles foram as principais vítimas da ocupação militar norte-americana. No
período pós-independência, principalmente após a morte de Dessalines, cada um dos
camponeses somente queria uma parcela de terra para seguir sua vida livremente, mas já
havia uma elite dominante, formada por um pequeno grupo de pessoas, a quem

15
Ver Convention de 1915 entre Haiti et les États-Unis. Disponível em <http://mjp.univ-
perp.fr/constit/ht1915.htm>. Acesso em: 01 nov. 2018.
16
Ver Haiti et L’occupation Américaine. Disponível em <http://www.caraibeexpress.com/la-
une/article/haiti-et-l-occupation-americaine>. Acesso em: 01 nov. 2018.
25

pertencia quase toda a riqueza do país e, por conseguinte, todo o poder político e
econômico, que se distanciava do campo, tentando se aproximar cada vez mais da
cultura e da civilização europeia.
Durante toda a ocupação, eles – os camponeses – eram obrigados a trabalhar no
mínimo dez horas por dia para manter a sua sobrevivência; e mesmo assim, a maioria
não possuía um lar ou um emprego digno. Por isso, tinham como única alternativa
migrar para o país vizinho – a República Dominicana – ou para Cuba em busca de uma
vida melhor17. O que continua sendo comum no cenário atual do país.
Outra tragédia ocorrida durante a presença dos EUA no território haitiano foi o
‘Massacre de Marchaterre’. Este último refere-se à morte de 22 pessoas e mais o
ferimento de 51 outras que, em 06 de dezembro de 1929, estavam se manifestando
contra a miséria e as más condições de vida. Cerca de 1500 pessoas estavam na rua, na
cidade “Les Cayes”, situada no Sul do Haiti, gritando “abaixo a miséria”, abaixo a
pobreza e liberdade para os três líderes políticos, que haviam sido presos; em meio a
uma confusão, os soldados americanos que acompanhavam a manifestação atiraram na
multidão, causando a morte e o ferimento do número de pessoas supracitado18. Assim,
O dia 06 de dezembro de cada ano relembra sempre aos progressistas
haitianos que colocam seu amor pelo país acima das vantagens das potências
estrangeiras, duas péssimas lembranças. Em 06 de dezembro de 1492,
Cristóvão Colombo liderando três navios de mercenários desembarcou na
ilha, invadiu o território de seus primeiros habitantes para em seguida
submetê-los à escravidão. Em menos de 50 anos, mais de um milhão de
Tainós e de Incas foram dizimados pelos Europeus. Era o tempo das
premissas do capitalismo que Marx chamou “a acumulação primitiva do
capital”. Em 06 de dezembro de 1929, com o massacre de Marchaterre o
capitalismo havia atingido seu estágio imperialista. Torna-se imperativo a
todos os patriotas de se juntarem ao campo popular, não somente com o
19
propósito de expulsar os ocupantes da MINUSTAH para fora do nosso
território, mas também para que o país nunca mais conheça qualquer tipo de
ocupação (FILS-AIMÉ, 2008, p.04).

As opressões, repressões, torturas e os assassinatos cometidos pelos ocupantes,


ajudados pela nova força armada nacional – la Gendarmerie, criada por eles como
instrumento ideal e fundamental a ser utilizado para executar parte dos crimes do
regime central –, não foram suficientes para impedir que houvesse resistências contra a

17
Ver Haïti/1915-100 ans : La paysannerie, l’une des premières victimes de l’occupation américaine
(Multimédia). Disponível em <http://www.alterpresse.org/spip.php?article18500#.W-JSnZNKjZY>.
Acesso em: 03 nov. 2018.
18
Ver Kethly Millet : Les paysans haïtiens et l’occupation américaine 1915- 1934. Collectif Paroles.
1978.
19
Liderada por contingentes militares brasileiros, a MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para
Estabilização do Haiti), que será tratada com detalhes no capítulo 2, foi mais uma missão militar da
Organização das Nações Unidas que durou 13 anos no Haiti.
26

ocupação. Além dos inúmeros jornais de oposição à invasão que foram criados neste
período (como la Patrie, Haiti intégrale, La tribune, La Ligue, e outros), havia os
camponeses que, incansavelmente, apesar de suas vulnerabilidades e as situações
críticas, mobilizavam-se contra a presença dos americanos no território haitiano.
Charlemagne Péralte, herói da resistência camponesa que liderou um grupo de
revolucionários20, iniciou em 1917 a luta armada anti-ocupacionista. Porém, sem o
apoio da elite política e econômica do país, o conflito durou apenas três anos e não
houve sucesso nenhum. Ele foi capturado e assassinado, em 1º de novembro de 191921.
Alguns parlamentares se posicionavam contra a invasão americana. E, havia
também intelectuais (como Jean Price-Mars, Pauléus H. Sannon, Georges Sylvain,
Sténio Vincent, etc.), de uma pequena elite liberal, que se expressavam através do grupo
“União Patriótica”, criado por eles para discutir, combater a dominação dos EUA e
resgatar a soberania nacional. Nesse sentido pediam
o fim imediato da lei marcial, a revogação da Convenção de 1915 [aquele
tratado que fora assinado] que legalizava a ocupação, a criação de uma
assembleia constituinte e a retirada das tropas americanas no país, em um
curto período. […] assim, como a resistência armada era a peculiaridade do
campesinato, a luta política em Porto Príncipe [a capital do Haiti] acabou
tomando uma dimensão puramente intelectual e ideológica (ÉTIENNE, 2007,
p. 165-166).

Todavia, nenhum desses movimentos, tanto de resistência intelectual quanto ideológico,


foi suficiente para impedir que a colonização americana tivesse dezenove anos de
sucesso para os colonizadores, que atingiram seus objetivos usando armas e violência
como principais aliadas e defensoras.
Da segunda metade do século XIX até o fim da primeira metade do século XX,
o Haiti não era o único alvo das intervenções militares norte-americanas, embora fosse
considerado um território estratégico. Da mesma forma que os EUA não eram os únicos
que se interessavam em manter a ex-colônia francesa sob seu domínio.
Étienne (2007) afirma que a invasão militar americana no Haiti inseriu-se em
uma “política global de controle estratégico” da América central e do Caribe. Logo após
a construção do Canal do Panamá, que foi inaugurado oficialmente em agosto de 1914,
os Estados Unidos da América ocuparam militarmente toda a zona do canal, alegando

20
Conhecidos como CACOS, os revolucionários eram massacrados em grande número. Segundo o
cientista político, Sauveur Pierre Étienne (2007), apenas três meses após a invasão, 200 mortos já haviam
sido registrados. Outros 250 cacos foram assassinados pelo exército americano, entre 1916 e 1918.
Somente em 1919, durante os últimos ataques do Charlemagne Péralte, mais de 1.800 guerrilheiros foram
massacrados pela força armada nacional – la gendarmeie – com o apoio dos americanos.
21
Após a morte de Péralte, Bénoit Batraville, outro camponês, assumiu a luta, mas, em 19 de maio de
1920, ele também foi assassinado e a resistência armada encontrou seu fim.
27

que era preciso manter a segurança do mesmo. Depois, países como Nicarágua, Cuba,
Porto Rico, República Dominicana, Honduras, México e outros, foram atingidos pelas
políticas externas norte-americanas que se davam por meio de operações de polícia
internacional, controle das relações comerciais do país em questão, interferências diretas
nas decisões políticas e econômicas, intervenções militar, entre outros22.
No entanto, cada país supracitado consegue, de alguma maneira, enumerar os
principais impactos que essas intervenções estrangeiras tiveram na sua formação
sociopolítica e em seu processo de desenvolvimento, assim como no caso do Haiti que,
mais de um século depois da primeira invasão militar americana, sofre ainda com as
consequências.

1.2 Consequências da ocupação americana no cenário político e socioeconômico do


Haiti.

Até 1934, o fim da ocupação, o Estado haitiano já estava fortalecido,


internamente, mantendo a paz e a segurança pública, porém, com as autoridades
estrangeiras no controle. Aparentemente, a soberania foi recuperada, mas de uma forma
limitada. As fronteiras eram totalmente desprotegidas; não havia mais um exército
capaz de defender o país contra possíveis ataques estrangeiros. Criada e comandada
pelos ocupantes para substituir o exército indígena, vencedor da grande batalha contra a
França, a ‘gendarmerie’ era incapaz de estabelecer um plano de defesa em prol do
território nacional, como também não fazia parte de suas preocupações. Seu papel era
basicamente garantir, a qualquer custo, que os invasores atingissem seus objetivos, em
detrimento dos interesses nacionais.
Do ponto de vista militar, o país enfraqueceu tanto que nem conseguiu
defender-se do seu próprio vizinho – a República Dominicana. A prova disso foi o
silêncio do governo Sténiot Vincent diante do massacre de mais de 20 mil imigrantes
haitianos e dominicanos cujos pais eram do Haiti, ordenado pelo então ditador

22
“[…] Aliás, a necessidade de assegurar a segurança do canal [do Panamá] os levou a ocupar a zona
deste canal, no mesmo ano. Em 1905, eles [os EUA] realizaram uma operação de polícia internacional na
Nicarágua; em 1907, os americanos tomaram o controle das alfândegas da República Dominicana; em
1909, foi a vez do Honduras; em 1912, a segunda intervenção deles na Nicarágua se transformou em uma
ocupação militar [que durou doze anos, 1912-1924]; em 1914, as marines pisaram no solo do México,
desembarcando em Veracruz; em 1915, foi a ocupação do Haiti, seguida daquela da República
Dominicana em 1916; em 1917, os Estados Unidos compraram da Dinamarca as ilhas Virgens. Esses
fatos tendem a provar que nesta época havia um plano geral dos Estados Unidos da América visando a
assegurar o controle estratégico do Caribe e da América central (ÉTIENNE, 2007, p. 160-161)”.
28

dominicano Rafael Leonidas Trujillo, em outubro de 193723, três anos após a partida
dos EUA do solo haitiano (SILVA, 2017). Percebe-se que a jovem potência à época, os
Estados Unidos, apenas tinha por finalidade transformar o Haiti no que ele é hoje: um
país vulnerável, incapaz de garantir sua própria autodefesa; e, consequentemente, gerar
um estado de dependência externa perpétua. Dito de outra forma, a nação que era o
símbolo da liberdade (o Haiti) tornou-se de repente, para o resto do mundo, um péssimo
exemplo que, logo, deveria ser freado em seus impulsos libertários e emancipatórios.
Durante os dezenove anos da dominação do ‘Tio Sam’24, muitos investimentos
foram realizados em infraestrutura. Escolas, estradas, praças públicas e muitas outras
obras foram construídas. Entretanto, os dominantes não mostravam nenhum interesse
em desenvolver uma indústria nacional sólida, com base tecnológica, para que o país
pudesse recuperar seu espaço no mercado internacional, competindo com as potências
comerciais à época. Ou seja, não foi desenvolvida internamente sequer uma economia
com alguma dinâmica que pudesse sustentar investimento, emprego e renda.
Uma das principais consequências da ocupação foi, sem sombra de dúvida, a
abertura oficial para a “chuva” de intervenções militares estrangeiras no país. Tudo em
nome da “paz” e do humanitarismo. Depois vem a migração massiva de haitianos para
outros países. Fenômeno que se iniciou no mesmo período em que os ocupantes
estavam presentes no território, enquanto a miséria, a pobreza, o trabalho forçado e as
más condições de vida não paravam de crescer.
A pesquisadora e escritora, Myrtha Gilbert (2018), afirma que os impactos da
invasão e colonização americana se dividem em três: político, econômico e ideológico e
cultural. Segundo ela, a ocupação foi um dos principais fatores que contribuiu para a
expansão da hegemonia americana, tornando os Estados Unidos um centro no qual o

23
Tal tragédia é conhecida como “Massacre da Salsinha” [massacre del Perejil, em espanhol]. O fluxo de
imigrantes haitianos na República Dominicana aumentou significativamente durante a ocupação; isso
assustou bastante os dominicanos que, por sua vez, temiam que a presença dos haitianos gerasse crise no
país ou então que, no futuro, a maior parte da população fosse haitiana. Desse modo, o presidente
Leonidas deu ordem aos seus soldados para matar todos os haitianos que se encontrassem no país. Ver
<https://operamundi.uol.com.br/historia/31558/hoje-na-historia-1937-massacre-da-salsinha-ditador-
dominicano-ordena-erradicacao-de-haitianos>. Acesso em: 06 nov. 2018.
24
Surgido pela primeira vez em meio do século XVIII, na canção intitulada “Yankee Doodle”, Tio Sam
[Uncle Sam, em inglês] é utilizado, até hoje, para referir-se aos Estados Unidos da América. A história
nos conta que um velho vendedor de carne, cujo nome era Samuel Wilson (1766-1856), residente de
Nova Iorque, fornecia alimentação aos soldados americanos durante a guerra anglo-americana de 1812.
Assim, o U.S (United States) que era colocado nas caixas para identificar a origem da alimentação, foi
confundido com o nome do fornecedor, que por sua vez, sendo desconhecido pelos soldados e pela
população em geral, passou a ser chamado de Uncle Sam. Ver ‘Les mensonges de l’histoire: Oncle Sam’.
Disponível em <http://www.histoire-fr.com/mensonges_histoire_oncle_sam.htm>. Acesso em: 06 nov.
2018.
29

Haiti faz as devidas consultas antes de tomar qualquer decisão político-estratégica. Uma
relação de dependência que se estende até nas eleições presidenciais, cujo eleito, em
hipótese alguma, não pode ser contra a vontade e os interesses do Tio Sam; senão a
consequência será um golpe de estado. Desde 1915 até os dias atuais, somente um
presidente, Jean-Bertrand Aristide, chegou a ser eleito pelo povo, em 16 de dezembro de
1990, sem a aprovação de Washington25. Como resultado, o líder mais popular,
Aristide, sofreu um golpe em 1991; foi eleito novamente em 2000, mas sofreu um
segundo golpe em 2004, gerando instabilidade política e, por conseguinte, o surgimento
da MINUSTAH (HALLWARD, 2004).
Ainda sob a ótica da política, Andrade (2016) entende a ditadura militar
sangrenta do “Papa Doc” e “Baby Doc”, entre 1957 e 1986, “como resultado mais
profundo” da invasão americana no Haiti. O autor continua afirmando que “hoje, o país
está reduzido a quase uma neocolônia sob ocupação militar desde 2004 por tropas
majoritariamente brasileiras, mas sob comando de fato dos EUA e cobertura
institucional da ONU”.
Na esfera econômica, a extrema pobreza foi a consequência mais brutal que
boa parte dos haitianos passou a sofrer a partir da intervenção militar de 1915.
Obviamente, já existia a vulnerabilidade socioeconômica no país antes do desembarque
da marine americana, como foi discutido anteriormente, mas isso foi aumentando em
progressão geométrica com a exclusão dos camponeses do suposto projeto de
reconstrução nacional apresentado pelos invasores. A base produtiva do campesinato, a
produção agrícola, que representava – e continua representando – o principal meio de
sobrevivência para os camponeses, foi destruída, em nome da modernidade, sem
oferecer nenhuma alternativa aos mesmos. Assim, sem outra opção, eles foram
obrigados a trabalhar como escravos em grandes usinas de produção de açúcar em
República Dominicana ou em Cuba.
Outros impactos citados por Gilbert (2018) são a exploração dos recursos
naturais26, a destruição do “Kochon Kreyòl”27 e os milhares de Organizações

25
Ver ‘Les Impacts de l’ocupation américaine d’Haïti 1915-1934’. Disponível em
<https://lenouvelliste.com/article/182657/les-impacts-de-loccupation-americaine-dhaiti-1915-1934>.
Acesso em: 07 nov.2018.
26
Gilbert: “A pilhagem das minas graças aos contratos devastadores com as firmas como a REYNOLS
em Miragoâne e a SEDREN perto de Gonaïves; elas começaram a explorar em meio dos anos 1950”.
“Em 1965, a produção mineira delas atingia 427 000 TM. E somente quando elas obtiveram um lucro de
US 10 milhões, concederam uma maldita soma de US 240 000 ao Estado Haitiano”.
27
Porco crioulo, na tradução literal. No início da década de 1980, foi dada a ordem de matar todos os
porcos do país, em detrimento do porco americano e da importação de “sondeble” (farelo de trigo) e
30

Internacionais e ONGs presentes no território, trabalhando todas em prol do mesmo fim:


o desenvolvimento inalcançável do país. O que tem observado, empiricamente, é que
quanto maior o número de ONGs e/ou organizações internacionais presentes no país,
mais a pobreza aumenta; e, por outro lado, quanto maior o número de pessoas
socialmente vulneráveis, mais se justifica a permanência das organizações já
estabelecidas e o surgimento de novas ONGs para completar o fracasso e a futilidade
das outras. É um circulo vicioso no qual se cria uma relação de interdependência: a
pobreza alimenta as ONGs, e estas últimas, por sua vez, alimentam a pobreza, sem o
controle do governo.

1.3 1990–2000: quantas Resoluções se fazem necessário para solucionar um único


problema?

A última década do século XX, na história do Haiti, foi o período em que


houve mais resoluções aprovadas pela comunidade internacional na tentativa de
reestabelecer a paz, o Estado de Direito e a democracia nacional, promovendo diálogo
entre atores políticos. Foram cerca de dez missões estrangeiras, militares e civis,
lideradas pela Organização dos Estados Americanos – OEA – e/ou a Organização das
Nações Unidas – ONU. A pedido das Forças Armadas haitianas, em dezembro de 1990,
a ONU enviou sua primeira missão ao Haiti, intitulada ONUVEH – Organização das
Nações Unidas para a Verificação das Eleições –, para garantir que as primeiras eleições
democráticas do país fossem um sucesso (FONTOURA, 2005 apud OLIVEIRA e
SILVA, 2010).
Somente em 1991, após o presidente Jean Bertrand Aristide ter sido derrubado,
duas resoluções foram aprovadas pelo Conselho Permanente da OEA: a CP/Res.567, de
30 de setembro, e a MRE/Res. 2/91, de 08 de outubro. A primeira surgiu no mesmo dia
em que foi dado o golpe a fim de evitar possíveis consequências da retirada do Aristide
do poder, devido à instabilidade política que isso provocou. Ela exigiu que,
imediatamente, o governo deposto fosse restituído e que a “ordem democrática no país”
também fosse restaurada. Quanto à segunda, feita a pedido do presidente golpeado e
exilado, o propósito era congelar a entrada de recursos financeiros no país e impor um

diversos outros produtos americanos, com a justificativa de que os mesmos eram doentes e iam
contaminar a população.
31

bloqueio comercial cruel,28 que, como resultado, arruinou de vez a economia do país
gerando escassez até de produtos alimentícios e, consequentemente, deixando milhares
de pessoas sem condição de vida.
Numa segunda resolução, de 08 de outubro de 1991, os Ministros reunidos
em uma nova reunião ad hoc decidiram impor um embargo comercial
voluntário e o congelamento dos recursos financeiros destinados ao Haiti e
ainda, declararam o não reconhecimento por parte da organização de
qualquer representante do governo de facto. Atendendo ao pedido do
presidente Aristide, os Ministros também solicitaram ao Secretário-Geral que
organizasse e enviasse uma missão de caráter civil ao Haiti (a OEA DEMOC)
e mantivesse aberto o diálogo com grupos e instituições democráticas
29
naquele país .

Em 07 de dezembro do mesmo ano, foi aprovada uma terceira resolução: a


A/RES/46/13830. Desta vez, embora tenha acrescentado no documento oficial a crise
democrática haitiana também como preocupação, o objetivo principal era tentar reduzir
o fluxo de cidadãos haitianos que estavam migrando para os Estados Unidos, visto a
conjuntura política e econômica que fazia com que essas pessoas desacreditassem da
ideia de que o Haiti pudesse ter um futuro melhor.
Menos de dois anos depois, em 1993, iniciou-se a MICIVIH – Missão Civil
Internacional no Haiti31. Esta última foi realizada graças à participação das Nações
Unidas e da OEA, e teve por propósito observar qualquer tipo de ameaça aos “direitos à
vida, à integridade e segurança das pessoas, à liberdade pessoal, à liberdade de
expressão e de associação”, etc. Por motivo de segurança, a MICIVIH afastou-se do
país em outubro do mesmo ano, mas voltou para as atividades em janeiro do ano
seguinte. Em julho de 1994, o regime político que então governava expulsou-a do
território, contudo, voltou novamente em 15 de outubro de 1994, desta vez junto com o
presidente que fora destituído do seu cargo, três anos antes.
A MINUHA – Missão das Nações Unidas no Haiti –, que já havia se
estabelecido no território em 1993 pela aprovação da Resolução no 867 e depois fora

28
Esse embargo, que durou três anos, fez com que o Haiti conhecesse mais um momento de tristeza em
sua história. Com a destruição total do setor agrícola, foi o período em que o PIB do país mais sofreu
queda. Ver ‘Aristide Asks U.N. to Place a Total Embargo on Haiti’. Disponível em
<https://www.nytimes.com/1993/10/29/world/aristide-asks-un-to-place-a-total-embargo-on-haiti.html>.
Acesso em: 07 nov. 2018.
29
Ver ‘A Resolução 1080 e as lições dos anos 1990’. Disponível em <https://www.maxwell.vrac.puc-
rio.br/10852/10852_5.PDF>. Acesso em: 10 nov. 2018.
30
Ver Pongnon (2013, p. 22). E ‘VI. – Résolutions adoptées sur les rapports de la Troisième
Commission’. Disponível em <http://undocs.org/fr/A/RES/46/138>. Acesso em: 10 nov. 2018.
31
Ver ‘Haiti MICIVIH’. Disponível em <http://www.un.org/Depts/DPKO/Missions/micivih.htm>. E
‘United Nations Archives’. Disponível em <https://search.archives.un.org/international-civilian-support-
mission-in-haiti-micah>. Acesso em: 09 nov. 2018.
32

expulsa também pelas Forças Armadas nacionais, fez companhia da volta do presidente
Aristide e aproveitou da substituição do exército haitiano pela Polícia Nacional do Haiti
– PNH – para reestabelecer-se. Em seguida, o novo presidente eleito pelo povo em
1995, René Garcia Préval, pediu que a MINUAH permanecesse por mais tempo para
garantir que o país se recuperasse completamente da crise. Assim, para atender ao
pedido, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução no 1.063 que fez com
que a MANUH – Missão de Apoio das Nações Unidas para o Haiti – entrasse em ação
em julho de 1996. Depois, pela aprovação da Resolução no 1.123, foi a vez da MITNUH
– Missão de Transição das Nações Unidas para o Haiti, em novembro de 1997. E por
fim, para fechar o século com “alegria”32, o CSNU aprovou a Resolução no 1.141,
anunciando a chegada da MIPONUH – Missão de Polícia Civil das Nações Unidas no
Haiti, que entrou em vigor em dezembro de 1997 e foi até março de 2000 (OLIVEIRA e
SILVA, 2010; ALENCAR, 2012; PONGNON, 2013).
Como visto, as intervenções estrangeiras no Haiti, tanto militares quanto civis,
não são uma novidade. Desde a chegada de Cristóvão Colombo na Hispaniola (ilha de
São Domingos, onde foi estabelecida a primeira colônia da América: la Navidad), em
dezembro de 1492, até o surgimento da MINUJUSTH – Missão das Nações Unidas de
Apoio à Justiça no Haiti –, em outubro de 2017, é absurdo o número de interferências
externas registradas no país. Todas elas com a mesma finalidade: estabelecer uma
relação de domínio e posteriormente exploração econômica, sem constituir, no entanto,
qualquer autodeterminação política e sequer qualquer dinamismo econômico interno.
A primeira república negra da história de toda a humanidade só é vista, hoje
em dia, como um Estado fraco, precário, miserável, incapaz de sobreviver sem
assistências “humanitárias”33, vindas daqueles que nunca tiveram como verdadeiro
objetivo vê-la desenvolvida e emancipada. Entretanto, com o passar do tempo, a história

32
Aqui se faz uso da palavra ‘alegria’ em um contexto irónico para expressar o quanto foram maquiadas e
politizadas todas essas missões “humanitárias” desnecessárias. Lembrando que a década de 90 foi a
década em que foi elaborado e apresentado aos países Latino-americanos o Consenso Washington como
um conjunto de medidas e princípios neoliberais a serem adotadas por eles (como por exemplo, a abertura
externa – comercial e financeira, na esteira da defesa do Estado mínimo) cujo principal
beneficiário/ganhador foi os Estados Unidos, que, por sua vez, nunca tratou o Haiti como um país
soberano (inclusive demorou mais de 50 anos para enfim reconhecer a independência conquistada do
Haiti) e foi, no entanto, o país protagonista de todas as Resoluções citadas nessa seção. Ver ‘Porque os
EUA devem milhares de milhões ao Haiti’. Disponível em
<http://resistir.info/a_central/divida_haiti_jan10_p.html>. Acesso em: 10 nov. 2018.
33
“No Brasil, [e não só aqui] Haiti virou sinônimo de miséria e das piores mazelas da pobreza”
(Schwartsman, 2010 apud Vasconcelos, 2015).
33

tende a ser esquecida, reescrita e até apagada, assim, os maiores inimigos se disfarçam,
apresentando-se como amigos e voluntários na busca da dignidade que eles mesmos
tiraram, do progresso que eles mesmos impediram e da paz em meio da guerra criada
por eles mesmos. Basta lembrar que o maior “presente” recebido pelo Haiti por ter se
tornado um Estado-nação foi o não reconhecimento da sua independência conquistada e
o bloqueio comercial, que foi suspenso somente em 1825 quando o presidente Boyer
concordou em pagar indenização à França. Daí por diante o país voltou, tecnicamente, a
ser uma colônia.
34

CAPÍTULO 2 – A MINUSTAH

Jean-Bertrand Aristide foi eleito presidente novamente pelas eleições de 2000;


assumiu o cargo em 07 de fevereiro do ano seguinte e, três anos depois, em 29 de
fevereiro de 2004, sofreu um segundo golpe. No mesmo dia do golpe, o Conselho de
Segurança da ONU aprovou a Resolução no 1.529, dando origem à Força Interina
Multinacional (MIF), formada pelos Estados Unidos, França, Canadá e Chile. Sendo
instituída por medida provisória34, que contava com um mandato de apenas 90 dias, a
MIF surgiu a fim de manter a estabilidade política, facilitando a entrada de ajudas
humanitárias enquanto uma missão de paz de caráter permanente e estável estava
prestes a nascer (VIANA, 2009; SIMÕES, 2011).
Assim sendo, em 30 de abril do mesmo ano, pela aprovação da Resolução no
1542, foi criada a sétima missão de “paz” das Nações Unidas no Haiti – a MINUSTAH
(Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti), que entrou em função dois
meses depois, em 01 de junho. Foi a missão que ficou por mais tempo no solo haitiano
(01 de junho de 2004 – 15 de outubro de 2017), e a primeira liderada pelo Brasil, desde
o início até o fim. Os “capacetes azuis” iniciaram seu trabalho com um mandato de seis
meses, suscetível à prorrogação por período de igual duração. Durante o seu mandato, a
missão perseguiu basicamente quatro objetivos principais:
o estabelecimento de um ambiente seguro e estável; a estabilidade política
por meio de reforço à democracia, e através de assistência eleitoral; o
desenvolvimento e a profissionalização da Polícia Nacional do Haiti; e a
restauração e manutenção do estado de direito, incluindo a promoção e
35
proteção dos Direitos humanos .

O sucesso da MINUSTAH foi incomparável36. Peter Hallward, no seu texto


intitulado ‘Opção zero no Haiti’, argumenta que o triunfo obtido pelo neocolonialismo
“em fevereiro de 2004 visava claramente a garantir que o Haiti jamais [seria] outra vez

34
A MIF também surgiu para atender ao pedido do novo presidente, Boniface Alexandre, para o qual não
havia nenhuma alternativa. Em conversa por telefone, Boniface disse ao então secretario geral da ONU,
Kofi Annan: “peço que me ajudem. Precisamos de uma força de intervenções para deter a desordem que
reina atualmente”. Ver ‘ONU se reúne para autorizar força multinacional no Haiti’. Disponível em
<https://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u69832.shtml>. Acesso em: 05 nov. 2018.
35
Ver « La MINUSTAH: 13 ans au service d’Haiti ». Disponível em <https://minustah.unmissions.org/la-
minustah-13-ans-au-service-d%E2%80%99ha%C3%AFti>. Acesso: nov. 2018.
36
Tal sucesso não se deu por ter atingido completamente aqueles objetivos postos no papel, mas sim, por
ter conseguido manter o Haiti sob o controle dos imperialistas (exemplo: dos Estados Unidos e França) e
subimperialista (exemplo: Brasil), fazendo com que o país deixasse de ser soberano para tornar-se
“quintal” dos mais de 20 países integrantes da MINUSTAH.
35

a ameaça de um bom exemplo”. Embora o fracasso das intervenções anteriores à


MINUSTAH tenha deixado várias dúvidas e críticas em geral quanto às operações de
paz da ONU, não houve muita dificuldade para implantar a nova missão no território e
transformar seus treze anos em uma experiência saudável para todos, menos para o povo
haitiano. Foi tudo bem calculado: ao capturar o presidente legítimo, constitucionalmente
eleito, forçando-o a renunciar a seu próprio governo, criou-se um clima de instabilidade
política, que, por sua vez, serviu como fundamento para a chegada de fuzileiros
internacionais, sob o comando das Nações Unidas, com o intuito de restabelecer a paz, o
estado de direito, a segurança e a ordem pública, tomando o controle do país. O autor
inicia seu texto contextualizando a nova conquista de Washington, que foi abençoada
pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas - CSNU:
Enquanto seus assessores ponderam sobre as consequências cada vez mais
problemáticas da mudança de regime no Iraque, Bush merece algum consolo
com a operação muito mais bem-sucedida que acabou de se realizar no Haiti.
Nenhum ataque preventivo brusco, nenhuma lamentação interna nem
coalizões rachadas sujaram a cena. (…) Ao derrubar o governo
constitucionalmente eleito de Jean-Bertrand Aristide, dificilmente
Washington daria uma demonstração mais exemplar de cortesia multilateral.
Consultaram-se os aliados, buscou-se a bênção, imediatamente concedida, do
Conselho de Segurança da ONU (HALLWARD, 2004, p. 219).

Apesar de não ser tão explícito nas escritas, segundo as argumentações de


Vasconcelos (2010), o velho discurso de que negros não são capazes de se
autogovernar, manter seu ambiente estável, garantindo a seus cidadãos os direitos
básicos e o bem-estar social, ainda vigora nas relações entre os Estados. Assim, os
critérios utilizados pela comunidade internacional, não somente para instituir a
MINUSTAH, como também para fazer com que ela permanecesse por treze anos no
solo haitiano, e depois substituindo-a pela MINUJUSTH37, foram fundamentais para
perceber o quão presente estão o “colonialismo predador”, o preconceito e o “racismo
aparentemente inamovível”.
A ruptura estabelecida pela Revolução [haitiana] não fora profunda o
bastante para eliminar o preconceito e o racismo que sempre orientaram as
relações colônia-metrópole, criando, ou reforçando estruturas discursivas
que, indiferentes às conquistas dos escravos haitianos, acabaram
conformando uma estrutura social e uma narrativa negadora do haitiano
enquanto sujeito de sua própria história (VASCONCELOS, 2010, p. 166).

Ainda segundo o autor, “é necessário compreender, ou melhor, não esquecer,


como esse quadro [a estrutura política e socioeconômica do Haiti] se desenha, sua
37
Ver ‘De la MINUSTAH à la MINUJUSTH’. Disponível em <https://onu.delegfrance.org/Haiti-De-la-
MINUSTAH-a-la-MINUJUSTH>. Acesso em: 07 nov.2018.
36

composição, sua trama”. Os discursos que sustentam a ideia de que países ditos
pequenos, vítimas de frequentes invasões, como o Haiti, representam ameaças à
democracia e à segurança internacional e, portanto, necessitam de assistências
estrangeiras para resolver supostos conflitos internos e estabelecer a paz, são elaborados
e reproduzidos olhando apenas para a situação vigente do país em questão, sem nenhum
interesse em buscar conhecimento e/ou comentar sobre as principais e verdadeiras
causas desses conflitos apontados. Geralmente, tais discursos são fomentados pelos
próprios interventores/ invasores, que, por sua vez, criam e/ou alimentam cenários de
confrontos dentro desses países, resultando em crises e vulnerabilidade socioeconômica.
Desse modo, Vasconcelos, (2015, p. 62) explica o porquê do Haiti ser visto sempre,
pelo senso comum, como uma nação debilitada que vive eternamente em crise,
necessitando, portanto, de um branco ‘salvador”, detentor da sabedoria, para resgatar a
paz, a ordem pública, ensinar a boa governança e promover o desenvolvimento:
Trata-se, assim, da apropriação e da reprodução de determinados discursos
com o propósito de, por um lado, fortalecer determinados estereótipos que
pesam sobre o Haiti e seu povo, e, por outro, isentar a comunidade
internacional pelos sucessivos fracassos experimentados no Haiti. (…) É,
portanto, pelo agenciamento desses discursos (textuais ou imagéticos) pela
mídia – ou pelo colonizador –, que dada tradição de identidade sobressai e se
mantém. (…) A partir dos trechos apresentados, podemos depreender a
existência de uma tendência em se reforçar ou perpetuar essa imagem
negativa do Haiti, retratando-o como um Estado em permanente anarquia e
caos.

Assim, continua o autor, os treze anos da MINUSTAH, o surgimento da


MINUJUSTH (cujo mandato foi prorrogado para 15 de abril de 2019, após o Conselho
de Segurança da ONU ter aprovado a Resolução 2410/201838) e de todas as outras
missões de “paz” que já foram empregadas e, acima de tudo, impostas ao Haiti, servem
como meios para entender a lógica de que o haitiano, por ser negro, é visto como
incapaz de se cuidar sozinho, tomando suas próprias decisões, e, por conseguinte, ele é
naturalmente inferior ao branco civilizado.
O outro, branco, civilizado e dotado de capacidades que o haitiano ‘não
possui’, enfatiza neste apenas o que, por outro lado, lhe confere uma
superioridade aparentemente natural. (…) É essa imagem que, (re)produzida
desde os tempos coloniais, orienta os discursos produzidos acerca do Haiti:
um país de negros incapazes, débil, caótico e totalmente dependente da ajuda
internacional (VASCONCELOS, 2015, p. 63).

Peter Hallward segue o mesmo raciocínio afirmando que os golpes contra o ex-
presidente Aristide, principalmente o de 2004, embora tenham sido claramente obras
38
Ver <https://undocs.org/fr/S/RES/2410(2018)>. Acesso: nov. 2018.
37

dos Estados Unidos, foram também utilizados como critérios para concluir que o Haiti,
por ser um país de negros, não merece ser um Estado livre e independente, pois até hoje,
os haitianos continuam dependendo da comunidade internacional para garantir uma boa
governança no seu território:
(…) a derrubada de Aristide foi apresentada, a maior parte das vezes, como
mais uma demonstração do tema talvez mais constante nos comentários
ocidentais sobre a ilha: aquele pobre povo negro continua incapaz de
governar a si mesmo (HALLWARD, 2004, p. 221).

É importante lembrar que não se trata de uma novidade, como também não é
surpreendente. Apenas é a história que está se repetindo; pois, o próprio Nicolau
Maquiavel, mais de cinco séculos atrás, já dizia que a humanidade funciona como um
círculo, os homens são os mesmos e o presente nada mais é uma fotografia do passado.
Essas práticas, que se reproduzem ainda nos dias atuais, surgiram na época da
escravidão – onde os negros africanos escravizados na América eram considerados seres
irracionais e, portanto, somente os brancos europeus possuíam inteligência.
Enquanto Simões (2011) enxerga a MINUSTAH como um “elemento
fundamental na preservação do ambiente de segurança propício à reconstrução do país
[Haiti]”, Motta (2016), não só considera a missão improdutiva e ineficiente nas suas
funções, mas define também os recursos investidos em sua manutenção como um
desperdício. Milhares de dólares foram investidos para sustentar uma operação militar
que, além de ferir a integridade nacional, levou para o Haiti uma epidemia que matou
mais de 30 mil pessoas, enquanto mais de 700 mil outras ficaram doentes. O próprio
General Ajax Porto Pinheiro, ex-comandante da MINUSTAH (2015-2017), afirmou que
os capacetes azuis, especialmente os soldados nepaleses, foram a principal causa do
surgimento da epidemia de cólera39. Mais um motivo que explica a ineficiência e o
fracasso das operações de “paz” da ONU.
É importante salientar que não é apenas a cólera que está inclusa no histórico
das tropas das Nações Unidas no Haiti, como também os abusos sexuais, o massacre de
Cité Soleil que deixou cerca de 30 mortos cujo 72,4% deles eram mulheres, e sem falar
dos diversos outros tipos de violência cometidos dentro do território haitiano durante os

39
Ver ‘Após 13 anos, Brasil deixa o Haiti entre paz frágil e miséria’. Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=Dwqs-E3rub0>. TV FOLHA, youtube. Duração 05min21s. Acesso:
set. 2018.
38

treze anos da missão. Foram registradas mais de 2 mil denúncias de estupro, no qual
300 envolveram crianças40.
Em vez de gastar aproximadamente USD 500 milhões por ano para alimentar
uma intervenção militar estrangeira no território de uma nação livre e independente há
mais de 200 anos41, valeria muito mais a pena se esse dinheiro fosse utilizado para
promover a “paz positiva”. Esta última, de acordo com Alencar (2012), é um conceito
que vai muito “além do significado de paz como ausência de guerra ou conflito, pois
traz a ideia de um modelo de paz que busca o desenvolvimento e justiça social”.
Portanto, principalmente após o terremoto de 2010, o Haiti não precisava de reforço
militar, que é uma máquina de guerra e de repressão social; mas sim, de solidariedade,
de médicos, escolas, hospitais, etc., ou seja, era necessário receber da comunidade
internacional “uma verdadeira colaboração” que seria fundamental para a reestruturação
e a reconstrução do país (MOTTA, 2016).

2.1 The Peacekeepers versus a violência no Haiti e no mundo

Júnior (2012) explica toda ambiguidade que se encontra na busca de uma


definição exata ou concreta a respeito das Operações de Manutenção da paz das Nações
Unidas (Peacekeeping Operations – PKO). São inúmeras as interpretações e
entendimentos formados sobre o que seria realmente uma missão de paz, e todos “esses
entendimentos agregam em todos os casos expectativas tanto políticas quanto táticas”.
Segundo o autor, eles apenas se “divergem quanto à extensão, mandato e expectativas
das PKO”. Não há nenhuma previsão para o surgimento de qualquer missão de Paz na
Carta de São Francisco42, destaca Uziel (2010). Assim, as mesmas surgiram de repente,
de maneira imprevisível, logo depois da Carta ter entrado em vigor, ainda na década de
1940, e se fortaleceram com o passar do tempo, principalmente na década de 90, após o
fim da Guerra Fria43.

40
Ver ‘Estupros, cólera e 30 mil mortos: conheça o legado da Minustah no Haiti’. Disponível em
<https://www.brasildefato.com.br/2017/09/01/estupros-colera-e-30-mil-mortos-conheca-o-legado-da-
minustah-no-haiti/>. Acesso em: 26 nov. 2018.
41
Ver ‘Missão de paz no Haiti custa quase US$ 500 milhões por ano à ONU’. Disponível em
<https://www.tribunapr.com.br/noticias/missao-de-paz-no-haiti-custa-quase-us-500-milhoes-por-ano-a-
onu/>. Acesso: nov. 2018.
42
Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco, em 26 de Junho de 1945. Disponível em
<https://www.cm-vfxira.pt/uploads/writer_file/document/14320/Carta_das_Na__es_Unidas.pdf>.
43
De acordo com o autor, as primeiras missões de paz foram a UNSCOB (1947) – United Nations Special
Committee on the Balkans, em Bálcãs –, a UNTSO (1948) – United Nations Truce Supervision
39

Embora seja difícil dizer explicitamente o que é uma missão de paz, do ponto
de vista acadêmico, é notório que, basicamente, pelo senso comum, uma das principais
razões da sua existência é promover a paz, a estabilidade, o estado de direito e a
segurança coletiva, garantindo que os Direitos humanos não sejam violados, em
hipótese alguma, e, simultaneamente, evitando possíveis consequências que conflitos
sociopolíticos dentro de um país possam ter sobre as relações interestatais e a segurança
internacional. Nisso, o papel da MINUSTAH, como o de todas as outras PKO ao redor
do mundo, foi específico e bem definido.
Ao desembarcar no Haiti em 2004, conforme salienta o General Floriano
Peixoto, ex-comandante da MINUSTAH (2009-2010)44, a missão se deparou com uma
situação caótica, em que não havia um acordo político entre os partidários pró e contra o
regime que fora destituído; o que fez com que a mesma adotasse medidas drásticas em
prol do restabelecimento da paz e da ordem pública, diminuindo significativamente a
violência. Contudo, treze anos após essas medidas terem sido adotadas, estudos feitos
pelo Institute for Economics & Peace (da Global Peace Index – GPI), em 2017,
mostram que, dentre 163 Estados independentes analisados, o Haiti é o 83º menos
violento. Posição bastante crítica para um país cuja redução da violência foi objeto
principal dos treze anos da MINUSTAH, que, por sua vez, recebeu milhares de dólares
americanos para resolver essa questão.
A pesquisa elaborada pela equipe IEP/GPI revelou o grau de violência em
cada um dos Estados analisados (dito de outra forma, o quão seguro é um país em
comparação ao resto do mundo, particularmente a seus vizinhos) atribuindo, portanto,
uma pontuação geral a cada um. Quanto menor for a pontuação, melhor a classificação
do país, portanto, menos violento ele é. Os quinze países que lideram a classificação
geral da pesquisa, cuja maioria é do continente europeu, conforme consta na tabela 1,
nunca tiveram a presença de uma missão de “paz” da ONU dentro do seu território. Ou
seja, eles mesmos tomaram medidas apropriadas para combater a violência interna,
fazendo uso de sua autonomia, sem serem obrigados a dar satisfação a nenhum outro
Estado ou organização internacional.

Organization, na Palestina – e a UNMOGIP (1949) – United Nations Military Observer Group in India
and Pakistan. Todas elas eram “missões muito reduzidas, compostas somente de observadores”.
44
Ver o Documentário do Ministério da defasa do Brasil intitulado ‘Bombagai – 13 anos do Brasil no
Haiti’. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=hobP5G51lhw>. Youtube: 50h44min.
Acesso: 05 set. 2018.
40

Tabela 1 – Índice de paz global dos quinze Estados independentes menos violentos do
mundo em 2017

País Pontuação Geral Classificação Geral


Islândia 1.111 01
Nova Zelândia 1.241 02
Portugal 1.258 03
Áustria 1.265 04
Dinamarca 1.337 05
República Checa 1.360 06
Eslovênia 1.364 07
Canadá 1.371 08
Suíça 1.373 09
Irlanda 1.408 10
Japão 1.408 10
Austrália 1.425 12
Butão 1.474 13
Noruega 1.486 14
Hungria 1.494 15
Fonte: Institute Economics & Peace / Global Peace Index 2017 (Elaboração própria).

Por outro lado, países como Burundi, República Democrática do Congo, Mali,
Costa do Marfim, Sudão, entre outros, que sempre foram (e continuam sendo) alvos de
intervenções “humanitárias” e de Peacekeeping Operations, apresentam pontuação
geral extremamente alta. O gráfico 1 mostra a classificação geral de países que fazem
parte da lista de intervenções onusianas e, mesmo assim, continuam tendo índice de
violência muito alto.
É importante ressaltar que, como afirma Filho (2004), o maior número das
intervenções militares/ “humanitárias” da ONU é destinado ao continente africano, e,
sem sombra de dúvidas, isso não é uma mera coincidência.
Marcado por profundo quadro de instabilidade política e econômica, os
Estados africanos não têm conseguido solucionar seus problemas e diferenças
[conflitos internos gerados e sustentados pelos próprios interventores] através
da negociação político-institucional. (FILHO, 2004, p. 36).

Este é sempre o discurso que leva todos a acreditar que a África vive em uma
constante guerra civil e, portanto, é necessário que haja, permanentemente, presença de
missões de “paz” para promover a estabilidade e a segurança coletiva, sem que haja um
41

mínimo de interesse em questionar a origine desta guerra. O mesmo discurso também


foi empregado para fundamentar a instauração da MINUSTAH e mantê-la firme durante
seus treze anos no solo haitiano.

Gráfico 1 – Nível de violência em países que já receberam operações de “paz” das


Nações Unidas

Classificação Geral
180
160
140
120
100
80
60
40
20
0

Fonte: Institute Economics & Peace / Global Peace Index 2017 (Elaboração própria).

Um caso típico, parecido com o Haiti, foi a Missão da Organização das Nações
Unidas na República Democrática do Congo (MONUC). Esta última teve seu mandato
prorrogado em 2010 após a aprovação, por unanimidade, da resolução 1925 (2010) pelo
Conselho de Segurança das Nações Unidas, que, em vez de pôr fim à missão, apenas
alterou seu nome para MONUSCO (Missão de Estabilização da Organização das
Nações Unidas na República Democrática do Congo). Vigente até os dias atuais. Pela
Resolução, a ONU elogiou “a valiosa contribuição que a MONUC fez para a
recuperação da República Democrática do Congo do conflito e para a melhoria da paz e
segurança do país”, destacando como razões principais que exigiram a permanência da
missão no território congolês:
a necessidade de apoio internacional sustentado para garantir atividades de
recuperação antecipada e estabelecer as bases para o desenvolvimento
sustentável;… [a preocupação] com a situação humanitária e de direitos
humanos em áreas afetadas por conflitos armados;… a necessidade
urgente do Governo da República Democrática do Congo, em cooperação
com as Nações Unidas e outros atores relevantes, para pôr fim às violações
dos direitos humanos e do direito internacional humanitário 45.

45
Ver ‘United Nations: 6324th Meeting (AM). Resolução 1925 (2010)’. Disponível em
<https://www.un.org/press/en/2010/sc9939.doc.htm>. Acesso em: 21 nov. 2018.
42

No entanto, desde 1999 até hoje, a suposta paz promovida pelas Nações Unidas
não resultou em nada, além de transformar o país em um dos onze mais violentos do
mundo, ocupando o 153º lugar na classificação geral entre os 163 Estados-nação
analisados.
Sendo assim, a África explorada e largada à própria sorte pela Europa e pelos
EUA tornou-se a maior referência mundial em questão de instabilidade sócio-política e
econômica, e, destarte, o maior laboratório para as operações de manutenção da paz das
Nações Unidas, que não resolvem nada, a não ser fortalecer cada vez mais o
imperialismo americano e europeu e o subimperialismo46 exercido pelos países ditos
semiperiféricos, como o Brasil, a Índia, entre outros:
(…) as operações de peacemaking47 e peacekeeping são na prática… [um]
fracasso do envolvimento das Nações Unidas nos conflitos africanos, como
por exemplo, das missões enviadas à Libéria (Unomil), Serra Leoa (Unomsil
e Unamsil), Angola (Unavem I, II e III), Ruanda (Unamir) e Somália
(Unosom I e II), a maior parte das quais não logrou solucionar o problema da
guerra (FILHO, 2004, p. 39).

Supõe-se que a violência seja um fator isolado que surja de repente sem
nenhum processo histórico envolvido. O que justificaria a presença dos peacekeepers
em um determinado território em que a paz é ameaçada pelo elevado grau de violência.
Desse modo, países como o Brasil, que inclusive liderou a MINUSTAH, Estados
Unidos, Nepal, Colômbia e República Dominicana cuja classificação global é,
respectivamente, 108º, 114º, 93º, 146º e 99º (gráfico 2), em vez de serem promotores da
paz, ainda segundo o resultado da pesquisa do Institute for Economics & Peace, eles
deveriam ser, pelo contrário, recebedores de missões pacificadoras das Nações Unidas
ou de qualquer outro órgão nacional e/ou internacional competente e qualificado, capaz
de combater a violência de maneira eficiente.
Outra ideologia para justificar a ocupação militar [a MINUSTAH] é que era
fundamental para combater a “violência”. Segundo essa outra versão, os
haitianos são muito violentos, e foi necessária a presença das tropas para
“pacificar” o país. Essa é outra mentira. O índice de homicídios – um dado
tradicionalmente usado para comparar a violência em distintas regiões – era,
em 2007, de 5 para cada 100 mil habitantes no Haiti, abaixo da média global
de 7 para cada 100 mil. No Brasil, no mesmo ano, era de 25,2 para cada 100
mil habitantes, e hoje [em 2017] é de 30,5 (mais de seis vezes o índice do
Haiti). Minha experiência pessoal indica a mesma coisa. Eu andava pelas
favelas de Porto Príncipe na primeira vez que fui ao país, com equipamento

46
(LUCE, 2014, p. 44): a emergência do subimperialismo se identifica “como uma nova etapa do
capitalismo dependente, mediante amadurecimento de um novo tipo de formação econômico-social, que
na América Latina [por exemplo,] se materializava [e continua materializando-se] no Brasil”.
47
Segundo Filho (2004), o Peacemaking é empregado geralmente para resolver conflitos mediante
“conciliação, arbitramento ou iniciativas diplomáticas”.
43

de filmagem e fotografia nas mãos, como não andaria em muitas cidades do


48
Brasil.

Gráfico 2 – Nível de violência no Haiti em comparação a alguns países que


contribuíram para a manutenção da MINUSTAH

160
140
120
100
80
60
40
20
0

Fonte: Institute Economics & Peace / Global Peace Index 2017 (Elaboração própria).

Dados empíricos levam muitos pesquisadores e pessoas comuns a questionar os


motivos apresentados pela ONU para justificar o surgimento da MINUSTAH. O
discurso propagado baseava-se em uma suposta guerra civil que havia no Haiti e que era
necessário que houvesse, urgentemente, uma intervenção civil e militar no país para
manter a situação estável. Contudo, a tabela 2 (no qual está contido o índice de
homicídio intencional por 100 mil habitantes no Haiti e em diversos outros países do
continente americano a partir de 2005 até 2012) mostra que, na verdade, se fosse por
questão de violência, o país caribenho seria um dos últimos Estados soberanos a serem
ameaçados por invasão estrangeira.
Mesmo com 10,2 em 2012, dentre os dezoito países analisados na tabela 2, o
Haiti ainda foi o quarto país com menor taxa de homicídio intencional. Até 2011 o país
apresentava taxas abaixo de dois dígitos, enquanto isso, apenas o Canadá, a Argentina e
o Chile mantiveram suas taxas abaixo de 10 desde o início até o fim (considerando
apenas o período que está sendo analisado). O Canadá manteve suas taxas abaixo de 02,

48
Ver ‘Algumas verdades que não serão esquecidas sobre a Minustah’. Disponível em
<https://www.pstu.org.br/algumas-verdades-que-nao-serao-esquecidas-sobre-minustah/>. Acesso em: 26
nov. 2018.
44

e o Chile oscilou entre 3,1 e 3,7 (seu maior índice). Até 2017, com uma pontuação geral
equivalente a 1.373, o Canadá foi considerado o primeiro do continente americano e o
oitavo país mais seguro do mundo (IEP/GPI, 2017). Alguns países, como Honduras
(67), El Salvador (60,19), Colômbia (34,31), Guatemala (42,94) e Jamaica (53,09),
apresentam taxa média de homicídio intencional por 100 mil habitantes, entre 2005 e
2012, extremamente alta.

Tabela 2 – Taxa de homicídio intencional por 100 mil habitantes do Haiti e de outros
países do continente americano (2005-2012)

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012


Haiti – – 5,1 5,2 6,1 6,8 9,1 10,2
Brasil – – 23,5 23,9 23 22,2 23,4 25,2
Colômbia 39,6 36,8 34,7 33 33,7 32,3 33,6 30,8
Equador 15,4 17 15,9 18 17,8 17,6 15,4 12,4
Bolívia 07 6,3 8,1 8,6 8,4 10,4 10 12,1
Rep. Dominicana 25,6 22,6 22 24,6 24 24,7 24,8 22,1
Guatemala 42,1 45,3 43,4 46,1 46,5 41,6 38,6 39,9
México 09 9,3 7,8 12,2 17 21,8 22,8 21,5
Panamá 10,8 10,8 12,7 18,4 22,6 20,6 20,3 17,2
Argentina 5,5 5,3 5,3 5,8 5,5 5,5 – –
Peru 11 11,2 10,4 11,6 10,3 9,3 9,6 9,6
Canadá 1,8 1,7 1,6 1,7 1,6 1,4 1,5 1,6
Honduras 46,6 44,3 50 60,8 70,7 81,8 91,4 90,4
Jamaica 62,4 49,7 58,5 59,5 61,6 52,6 41,1 39,3
Trinidad and
Tobago 29,8 28,5 29,8 41,6 39,3 35,6 36,4 28,3
El Salvador 62,2 64,4 57,1 51,7 70,9 64,1 69,9 41,2
Chile 3,5 3,6 3,7 3,5 3,7 3,2 3,7 3,1
Paraguai 18,2 15,5 12,8 13,4 12,9 11,5 10 9,7
Fonte: Elaboração própria a partir de dados disponíveis em <http://www.unodc.org/gsh/en/data.html>.

Quanto ao Brasil, país presente em diversas missões de “paz” das Nações


Unidas, em muitos lugares do mundo (Haiti, República Centro-Africana, Líbano,
República Democrática do Congo, Chipre, etc.), sua taxa média de homicídio
45

intencional por 100 mil habitantes, entre 2007 e 2012, foi 41,25; ou seja, 5,83 vezes
maior que a média haitiana (7,08) no mesmo período. Durante os seis anos (2007-2012),
o país sul americano manteve sua taxa anual acima de 20, enquanto liderava uma
operação de “paz” no Haiti, que, por sua vez, somente atingiu dois dígitos em 2012. O
gráfico 3 compara as taxas anuais de homicídio intencional por 100 mil habitantes do
Haiti com as do Brasil.

Gráfico 3 – Comparação entre as taxas anuais de homicídio intencional do Brasil e as


taxas do Haiti (2007-2012)

30

25

20

15 Brasil
Haiti
10

0
2007 2008 2009 2010 2011 2012

Fonte: http://www.unodc.org/gsh/en/data.html (Elaboração própria).

No Haiti, durante todo seu mandato, os capacetes azuis não conseguiram


impedir que a violência crescesse, embora fosse abaixo da média global. Portanto, no
lugar da estabilidade que estava sendo promovida, eles deixaram o país em um estado
pior do que antes. Dados coletados pela United Nations Department of Safety and
Security – UNDSS (apud THEOSMY, 2015, ‘Le nouvelliste’)49 mostraram que, em
2014, 2,58 casos de sequestros foram registrados por mês e, no ano seguinte, o número
aumentou para 3,5 por mês. Somente na primeira metade do mês de novembro de 2015,
foram calculados 106 casos de homicídio. Número bastante preocupante para um país
que não somente possui uma polícia nacional cuja função principal é combater a

49
Ver ‘Les statistiques de la criminalité en Haïti : Moins d’homicides mais plus de kidnappings qu’en
2014’. Disponível em <https://lenouvelliste.com/public/article/152688/les-statistiques-de-la-criminalite-
en-haiti-moins-dhomicides-mais-plus-de-kidnappings-quen-2014>. Acesso em: 24 nov. 2018.
46

violência/ a criminalidade, como também havia, nesse mesmo período, uma missão
estrangeira presente no território atuando junto com a polícia nessa mesma área.
Pelo gráfico 4, elaborado a partir da base de dados da United Nations Office on
Drugs and Crime (UNODC), é possível acompanhar o crescimento do número total de
homicídio intencional por ano no Haiti. O número de casos passou de 486, em 2007,
para 1.033 em 2012, ano em que o número de casos computado bateu recorde: 10.2
pessoas foram assassinadas para cada 100 mil habitantes.

Gráfico 4 – Número total de casos de homicídio intencional no Haiti por ano (2007-
2012)

1200

1000

800

600

400

200

0
2007 2008 2009 2010 2011 2012

Fonte: http://www.unodc.org/gsh/en/data.html (Elaboração própria).

Nesses seis anos analisados, o valor médio anual de homicídios registrados foi
701. Vale destacar que em 2012, dois anos após o terremoto, que atingiu parte do país,
principalmente a capital (Porto Príncipe), a MINUSTAH já havia completado oito anos
no solo haitiano; tempo suficiente para manter a situação sob controle se isso realmente
fosse a preocupação dela.
Considerando ainda o mesmo período de análise, o crescimento médio anual
foi 109.4, isto é, de 2007 a 2012, em média, houve um aumento de 109.4 casos de
homicídios por ano. Número equivalente a 16.76%.
Conforme apresenta no gráfico 5, o período em que houve maior variação de
homicídios foi em 2011, com base no resultado de 2010. A variação foi de 35.01%. E
isso não ocorreu por acaso. A explicação para tal situação encontra-se no relatório
47

elaborado pelo Reseau National de Défense des Droits Humains – RNDDH50 – um ano
após o terremoto, que foi em 12 de janeiro de 2010:
No dia 12 de janeiro de 2010 [em uma tarde de terça-feira], em trinta e cinco
(35) segundos, a vida de milhões de haitianos mudou, visto à passagem um
violento terremoto de magnitude 7.3 na escala Richter. As perdas humanas e
materiais são incomensuráveis: mais de trezentas mil (300.000) pessoas
perderam a vida, duzentas e cinquenta mil (250.000) foram machucadas,
dezenas de milhares desapareceram, seis mil (6.000) outras foram amputadas
e cerca de um milhão e novecentas mil (1.900.000) são desabrigadas. (…)
um ano após este terremoto devastador, como apresenta a situação geral do
país no ponto de vista sócia, econômico e político? (RNDDH, 2011, p. 01).

Gráfico 5 – variação anual em (%) dos casos de homicídio intencional no Haiti (2007-
2015)

40

30

20

10

-10

-20

-30

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados da UNODC e UNDSS.

Pois bem, um ano após o cataclismo ter mudado o cenário político, econômico
e socioambiental do país, a MINUSTAH e as ONGs/ Organizações Internacionais
presentes no território haitiano não mostraram competência em enfrentar os novos
desafios que estavam surgindo51: trata-se, principalmente, do número imenso de pessoas
sem teto e que precisavam, urgentemente, de algum lugar para abrigarem-se, nem que
seja de forma momentânea. Assim, as famílias, vítimas da catástrofe natural, foram

50
A RNDDH (Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos), resumidamente, é uma organização
haitiana que luta em prol da defesa dos Direitos humanos, da democracia e da justiça social.
51
RNDDH (2011, p. 15): um ano após o fenômeno natural, foi registrado um número absurdo de ONGs e
Organizações Internacionais dentro do país, como a « CONCERN Worldwide, l’Union Européenne,
OXFAM GB, OXFAM Intermonde, Christian Aid, MCC, FLM, Action AID, ACT Alliance, ICCO,
Developpement et Paix, Finn Church Aid, Trocaire, CARE, Médecins Sans Frontières, Médecins du
Monde, CRS, PAM, ACF, Compassion Internationale, World Vision, Save the Children, UNICEF, Plan,
Samaritan’s Purse, Handicap International, entre outros ». Muitas dessas organizações trabalhavam do seu
próprio jeito, sem respeitar os princípios básicos em questão de intervenção humanitária.
48

ocupando lugares públicos (como praças públicas, campus de futebol, ruas, etc.), cada
uma montando sua barraca e esperando ajudas do governo, que, por sua vez, cinco dias
depois do acontecido, decretou estado de emergência.
O novo patamar alcançado pela crise socioeconômica foi bastante relevante
para influenciar no aumento da criminalidade no país:
As diferentes regiões do mundo estão lutando contra realidades sociais,
políticas, econômicas e legais que possam influenciar bastante nas taxas da
criminalidade. (…) [os estudiosos da criminologia] argumentam que a
pobreza, as desigualdades, a estrutura demográfica, a governança e o
funcionamento das diferentes instâncias de controle social são todos fatores
suscetíveis a ter um impacto sobre as taxas de homicídios. (…) As condições
sociais adversas constituem o primeiro grupo de variáveis inclusas na teoria
dinâmica do homicídio (Ouimet et Montmagny-Grenier, 2014). Alguns
países enfrentam condições adversas que poderiam ter um impacto sobre o
nível de criminalidade. Dentre as variáveis examinadas… as desigualdades e
a pobreza fazem objeto de muitos estudos (LAFORTUNE, 2016, p. 11 e 20).

Tabela 3– Censo de abrigos e de pessoas sem teto um ano após o terremoto de 12 de


janeiro de 2010 no Haiti

Municípios Espaços ocupados No de abrigos No de pessoas


Carrefour 145 28.849 120.748
Cité Soleil 46 14.017 61.687
Croix des Bouquets 85 13.021 54.908
Delmas 255 66.195 287.294
Ganthier 07 1.217 4.195
Port-au-Prince 169 62.994 278.049
Tabarre 80 12.720 55.193
Pétion-ville 100 20.570 97.445
Grand Goave 41 2.464 10.772
Gressier 40 4.041 17.943
Jacmel 22 2.064 9.033
Léogane 125 7.783 33.464
Petit-Goave 84 6.587 28.122
Total 1.199 242.522 1.058.853
Fonte: Rapport du RNDDH, janvier 2011, p. 03.

O número de pessoas desabrigadas passou de 1.300.000, em 2010, para


1.058.853 em 2011. Ou seja, um ano após o desastre natural, dentre as vítimas sem teto,
apenas 241.147 conseguiram recuperar um lugar “descente” para morar; número
equivalente a uma taxa de 18,55% do total desabrigados. A tabela 3 apresenta com mais
49

detalhes os números de pessoas que, até janeiro de 2011, ainda estavam sem lugar para
morar, e, por consequência, todas dependiam totalmente de ajudas “humanitárias”.
Tanto a MINUSTAH quanto a própria Policia Nacional do Haiti (PNH), que já
não era equipada o suficiente para lidar com tais situações, ambas falharam em suas
missões. Elas não conseguiram manter o problema da segurança sob controle. Aliás, o
terremoto, não só destruiu a vida de milhares de famílias, como também colocou a
sociedade em perigo: foi um momento propício para muitos criminosos presos que
aproveitaram para fugir da cadeia, ainda com armas e munições. E o pior, a maioria
desses foragidos não foram encontrados.
Somente em Port-au-Prince (Porto Príncipe), o município com maior espaço
ocupado, maior número de abrigos e, consequentemente, que abrigou maior número de
pessoas, ocorreu 495 casos de homicídios em um total de 677 casos registrados no país
todo. Ou seja, 73,12% dos homicídios cometidos em 2010 no Haiti ocorreram na
capital, próximo à base principal da MINUSTAH (gráfico 6). Nos três anos anteriores,
2007, 2008 e 2009, foram amputados, respectivamente, 60,49%, 32,53% e 49,66% do
total de homicídios intencionais ocorridos no país. Vale ressaltar que Porto Príncipe é
um dos municípios mais violentos do Haiti.

Gráfico 6 – Número de casos de homicídio ocorridos anualmente no Haiti e em Porto


Príncipe.

1200

1000

800

600 Haiti
Porto-Príncipe
400

200

0
2007 2008 2009 2010 2011 2012

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados da UNODC

Combate à criminalidade e o restabelecimento da paz, fortalecendo a PNH,


entre outros, foram o pano de fundo para que a MINUSTAH se instalasse no Haiti em
2004, após o então presidente Aristide, constitucionalmente eleito, ter sido pressionado
para renunciar a seu governo; todavia, depois da aprovação de infinitas Resoluções pelo
50

CSNU, prorrogando o mandato da missão, finalmente em 2017, a “peça de teatro”


encontrou seu fim, cedendo o “palco” à MINUJUSTH, que, por sua vez, logo iniciou
seu “show”.
A Resolução de 1542 do Conselho de Segurança da ONU do 1º de junho de
2004 que estabeleceu a MINUSTAH havia fixado três direções de trabalho
em torno de um mandato forte: restabelecer um ambiente estável e seguro,
desarmando particularmente as milícias, apoiar o processo político e a boa
governança a fim de preparar as próximas eleições, e monitorar a situação
dos direitos humanos. O relatório mostra que a MINUSTAH não fez nenhum,
senão alguns progressos muito fracos em relação aos três objetivos pré-
definidos52.

Quatorze anos depois da ocupação onusiana (treze da MINUSTAH e um ano já


da MINUJUSTH), o Haiti continua sendo considerado um país carente que ainda
necessita de intervenções estrangeiras para resolver seus problemas. Chega a ser um
círculo vicioso: a ONU/OEA intervém para “ajudar”, em geral, na reconstrução do país,
violando o princípio de soberania nacional; tira a autonomia das instituições, que
tornam-se cada vez mais fracas e dependentes de apoio externo para tomar decisões. O
que gera, no médio ou longo prazo, conflitos internos, instabilidade política, crises
adversas e vulnerabilidade socioeconômica. Estas, por sua vez, são elementos chave
para justificar o discurso de que o país em questão não sabe cuidar de si, representa uma
ameaça à paz e à segurança internacional e, por isso, é preciso que haja mais e mais
intervenção militar/ “humanitária”.
A invasão americana de 1915 teve como finalidade estabilizar a conjuntura
política, equilibrar as contas nacionais e resgatar a soberania da Ilha caribenha; as
intervenções civis e militares no período pós-Guerra Fria também não fugiram dessa
utopia. Todas tiveram por objetivos principais promover a paz e a estabilidade política,
criando rumo para o desenvolvimento socioeconômico do país; e, por fim, tanto a
MINUSTAH quanto a MINUJUSTH, ambas surgiram com o propósito de fortalecer a
Polícia e a Justiça haitiana, fazer respeitar os Direitos humanos, promover a paz, a
ordem pública, a segurança coletiva, etc. Mas, depois de todas essas intervenções e
outras não citadas, por que o Haiti ainda é considerado o país mais pobre do continente
americano?
Afinal, além do que é dito e repetido, qual a verdadeira função das operações
de manutenção da paz das Nações Unidas? Qual a principal função da ONU? Em que se

52
Ver ‘Resumé du rapport final’. Disponível em
<https://www.fidh.org/IMG/pdf/ResumeExecutifFRJusticiaGlobal.pdf >. Acesso em: 25 nov. 2018.
51

baseia, no fundo, para definir se uma nação soberana necessita ou não de intervenções
estrangeiras? Em que a MINUSTAH foi importante/ útil para o Haiti? E a
MINUJUSTH, em que está sendo importante? E quando será seu fim? Até quando tanto
o Haiti quanto os países da África não serão mais alvos de intervenções militares/
“humanitárias”? Quando o Haiti terminará de pagar por sua independência? Qual é a
origem da pobreza, das Guerras civis que tanto usam como justificativa para naturalizar
a dominação e a superioridade do branco em detrimento do negro? Quando será o fim
do racismo estrutural presente nas relações interestatais? Enfim, e se o Haiti não fosse
um país de negros?
52

CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DOS INDICADORES SOCIAIS E


MACROECONÔMICOS DO HAITI (1997-2017)

O proposito deste capítulo é projetar e discutir sobre os indicadores sociais e os


agregados macroeconômicos, como o Produto Interno Bruto (PIB), a Renda per capita,
a pobreza, a dívida externa, a inflação, a taxa de câmbio, a geração de emprego, a
proporção do total de investimentos em relação ao PIB, as Exportações e Importações,
etc. Os dados utilizados são fornecidos por instituições oficiais do Haiti (como IHSI –
Institut Haïtien de Statitistique et d’Informatique, e BRH – Banque de la République
d’Haïti), relatórios gerados por programas específicos das Nações Unidas e o site
canadense “Perspective Monde”.
A MINUSTAH continua sendo o objeto central do nosso estudo. Assim, serão
estabelecidas relações entre a mesma e os resultados encontrados. No decorrer do
capítulo, serão feitas análises comparativas entre o período pré-2004 (período dos
governos Préval e Aristide) e o período pós-2004 (desde o surgimento da MINUSTAH
no território haitiano, após o golpe de Estado, até sua transição para a MINUJUSTH, em
outubro de 2017).

3.1 O mito da pobreza haitiana

Tanto pelo senso comum quanto em trabalhos acadêmicos e matérias


jornalísticas, É muito frequente ouvir que Haiti é o país mais pobre do continente
americano e um dos mais pobres do planeta. É o caso do trabalho de Alencar (2012) e
do relatório intitulado « La Pauvreté en Haïti: Situation, Causes et Politiques de
Sortie », elaborado por Montas (2005)53, que afirmam que, com sua economia
predominada pela agricultura que, baseada na exploração de pequenos camponeses, vem
sendo substituída cada vez mais pela importação de produtos alimentícios vindo dos
Estados Unidos, da República Dominicana e de outros lugares, a antiga pérola das
Antilhas tornou-se hoje o detentor do mais precário Índice de Desenvolvimento

53
‘A pobreza no Haiti: Causas e Políticas de Saída’. Disponível em
<https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/25746/LCMEXR879f_fr.pdf>. Acesso em: 29 nov.
2018.
53

Humano (IDH, equivalente a 0,483) da região do Caribe e um dos mais frágeis e


vulneráveis do mundo, ocupando a 163º posição dentre os 188 países classificados54.
No entanto, são poucos os trabalhos que se proporcionam a questionar e/ou
discutir sobre a origem dessa pobreza. Conforme pergunta Fouquet (2015), como é
possível que uma ex-colônia afortunada, a preciosa e mais próspera da França,
transformou-se de repente, logo após sua independência, em uma das repúblicas mais
pobres do planeta? O que explica tal fenômeno? Embora este capítulo não tenha por
propósito ampliar a discussão sobre a natureza e o contexto histórico que há por trás de
toda a realidade atual em que vive o Haiti, vale ressaltar que nada surge de repente,
independente do fato, há sempre um processo envolvido, visível ou invisivelmente.
A crise haitiana é de ordem histórico-política, econômica, sociocultural e
ambiental. Dois fatores são essenciais, dentre outros, para a explicação desta crise
perpétua: a exploração das potências estrangeiras e a desigualdade socioeconômica. A
primeira, afirma Fouquet (2015), está relacionada à trajetória do país, desde o período
pós-independência – incluindo o embargo comercial, as invasões francesas, inglesas,
alemãs, etc. do século XIX, as crescentes invasões e ocupações norte-americanas a
partir do século XX – até o surgimento da MINUSTAH e da MINUJUSTH, além dos
mais de três séculos sob a tutela das antigas metrópoles europeias:
Mais recentemente, nos anos 1980, o Haiti se encontrou em uma situação em
que foi obrigado a reduzir significativamente suas tarifas alfandegárias como
parte dos programas de ajustes estruturais do FMI [Fundo Monetário
Internacional] e do Banco Mundial. Tal política de liberalização comercial
teve então como consequência o favorecimento dos produtos estrangeiros
(especialmente o arroz americano) em detrimento das produções locais
contribuindo assim no aumento da dependência [do Haiti] em relação às
importações e empobrecer os agricultores haitianos (FOUQUET, 2015, pag.
online).

Portanto, com suas riquezas exploradas e roubadas, sem deixar de mencionar o


complô da comunidade internacional (junto com a elite local) para impedir seu
progresso, é inconsistente e infundado afirmar, simplesmente, que o Haiti é um país
pobre, mas sim, uma vítima de forças hegemônicas, imperialistas e subimperialistas e de
pressões internacionais, ao longo do tempo, que resultaram em um empobrecimento.
Quanto ao segundo fator supracitado, a desigualdade socioeconômica, trata-se
de uma enorme discrepância no que se refere à distribuição de renda no país.
Infelizmente, por mais que seja de tamanha importância, esta última continua sendo um

54
Ver <http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0/rankings/idh-global.html>. Acesso em: 29
nov. 2018.
54

assunto pouco discutido entre os cidadãos haitianos. De acordo com o relatório de


Nasyonzini an Ayiti (Nações Unidas no Haiti, 2017), intitulado « Haiti: Bilan Comum
de pays », apenas 4% do total da população detém toda a riqueza do país. Obviamente,
isso gera uma divisão na sociedade; por um lado, há uma minoria extremamente rica e,
por outro, encontra-se os pobres, que também se subdividem em grau de pobreza:
A pobreza multidimensional está profundamente enraizada na sociedade
haitiana. De fato, o Haiti é uma sociedade dual que se organiza em torno de
dois pólos formados, por um lado, de uma minoria que representa apenas 4%
da população que detém a riqueza do país e, por outro lado, da vasta maioria
da população que vive em extrema pobreza. Isso criou uma bipolarização da
sociedade que tem uma forte influência na dinâmica da sociedade
(NASYONZINI AN AYITI, 2017, p. 08).

A parte ocidental da ilha de Hispaniola (o Haiti) apresentou em 2012 índice de


Gini equivalente a 60,79 (maior que o penúltimo, 59,48 em 2001) e, consequentemente,
passa a liderar a lista dos países em que a renda é distribuída da pior forma possível –
considerando somente os 80 países, aproximadamente, que tiveram dados mais recentes,
entre 2012 e 201355. O índice de Gini é um parâmetro que serve para medir o grau de
afastamento entre a renda média dos mais ricos e a dos mais pobres em um determinado
país; quanto mais próximo de 100 ele for, mais desigual o país é.
Além de ser um dos lugares do mundo cuja concentração de renda é mais alta,
o Haiti também registrou uma variação negativa no seu índice de felicidade, entre 2008-
2010 e 2015-2017, em valor próximo de 0,224. Segundo o World Happiness Report
(2018), elaborado por Helliwell, Layard e Sachs, a República do Haiti é atualmente o 9º
país menos feliz do mundo (com o novo índice equivalente a 3,582, colocando-o na
posição de 148º da classificação mundial).

3.2 O livre comércio e seus impactos na economia haitiana

Sem sombra de dúvida uma das maiores consequências da abertura comercial,


ocorrida nos anos 1980 e 90, foi a substituição de produtos nacionais por produtos
importados, gerando uma dependência contínua do Haiti em relação ao exterior. Ao
diminuir fortemente, sob pressão do FMI/ EUA, as tarifas alfandegárias que eram o

55
Ver « Perspective Monde. Outil pédagogique des grandes tendances mondiales depuis 1945 ».
Disponível em <http://perspective.usherbrooke.ca/bilan/BMEncyclopedie/BMEphemeride.jsp>. Acesso
em: 29 nov. 2018.
55

único instrumento de proteção, não somente aos pequenos agricultores locais, mas à
economia haitiana como um todo, o país foi perdendo espaço cada vez mais no seu
próprio mercado até chegar ao ponto em que as importações começaram a ultrapassar o
total de bens e serviços produzidos anualmente no país.
Essa perda se deu gradativamente por falta de competitividade entre os
produtos produzidos internamente e os importados que, por sua vez, eram trocados no
mercado por um preço muito abaixo do preço vigente à época. Por exemplo, o arroz dos
Estados Unidos, quando surgiu no mercado haitiano, a partir da segunda metade da
década de 1980, o preço de um quilograma era menos de 50% do preço do arroz
produzido no país. Assim, a população parou de consumir produtos locais em
detrimento de produtos importados, empobrecendo os pequenos agricultores e os
microempresários, que depois migraram-se em massa para a capital ou para fora do
Haiti em busca de emprego e melhores condições de vida.
Em 1997, as importações já representavam 42,08% da Oferta Global (o
somatório do Produto Interno Bruto com o total das importações), isto é, do total de
produtos que circulavam no mercado haitiano, quase a metade era importado (gráfico
7). Esse número foi piorando cada vez mais e chegou a atingir 62,5% em 2010.

Gráfico 7 – Proporção das importações no total de produtos disponíveis anualmente no


mercado haitiano (em %)

70

60

50

40

30

20

10

0
1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015 2017

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados IHSI

A partir de 2001, ano em que a proporção das importações na oferta total foi
53,46%, o país caribenho, literalmente, passou a importar mais do que produzir. Por
56

último, em 2017, apenas 40,81% do total de produtos disponíveis no mercado haitiano


foi produzido no país; os outros 59,19% vieram do resto do mundo. Percebe-se que o
Haiti foi forçado a abrir seu mercado, não para se competir com outros países, mas,
simplesmente para se tornar um mercado de consumo das potencias comerciais e seus
aliados.
A MINUSTAH chegou justamente para reforçar essa relação de dependência
comercial entre o Haiti e o resto do mundo. E, além disso, durante seus treze anos no
território, os indicadores socioeconômicos só pioraram. No mesmo ano de sua chegada,
em 2004, o PIB sofreu a maior queda até então desde 1995 (-3,8%).
Desde o início da década de 1990 até os dias atuais o país nunca registrou
superávit na sua balança comercial (gráfico 8). A pauta exportadora do Haiti se define,
basicamente, por produtos primários (como café, cacau, mangas, frutos do mar, etc.) e
uma pequena indústria, sem competitividade nenhuma a nível internacional, cujos mais
relevantes são os produtos manufaturados, que representam mais de 50% do total das
exportações.

Gráfico 8 – Comparação entre o volume de Importação e de Exportação do Haiti (em


milhões de gourdes)

Importações Exportações
25000

20000

15000

10000

5000

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados IHSI

Ademais, o país importa quase tudo, desde produtos alimentícios (arroz, feijão,
óleo, farinha, fubá, açúcar, ovos, milho, macarrão, etc.) até produtos manufaturados e
outros tipos (como cimento, bebidas, tabacos, petróleo, carros, materiais de transporte,
etc.).
57

Como visto, o déficit comercial já se tornou uma prática no registro da balança


comercial do país, que, por consequência, depende de doações de outros Estados/
organizações internacionais ou então de transferências feitas por cidadãos haitianos
residentes em países estrangeiros, a fim de reduzir o impacto do déficit no saldo da
conta de transações correntes (CTC) e no Balanço de Pagamento (BP).
De 2007 a 2017, segundo o Banco da República do Haiti (BRH) 56, somente os
resultados da conta de transferências correntes foram superávits (pois, o país recebe
mais de fora do que enviar); todas as outras contas de TC (as contas de Bens, Serviços e
de Renda) registraram resultados negativos. Portanto, os déficits da CTC foram USD
85,78 milhões (em 2007), USD 204,83 milhões (em 2008), USD 122,17 milhões (em
2009)… e USD 216,91 milhões (em 2017).
A movimentação de capital no país é muito fraca; o maior valor já registrado
foi em 2010 (USD 1 470,98 milhões). Depois disso, em 2012 foi registrado saldo final
equivalente a USD 75,69 milhões que foi diminuindo até fechar o ano fiscal de 2017
com USD 20 milhões.

Gráfico 9 – Comparação entre o déficit comercial e o PIB anual do Haiti (em milhões de
gourdes)

18000
16000
14000
12000
10000
8000
6000
4000
2000
0
1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015 2017

Déficit Comercial PIB do Haiti

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados IHSI

O que segura o superávit no BP é a Conta de Operações Financeiras (COF).


Esta última registrou em 2017 um saldo positivo de USD 130,37 milhões. O suficiente

56
« Banque de la République d’Haiti ». É o nome da instituição que faz o papel do Banco Central
haitiano; dito de outra forma, é a instituição que detém a função de imprimir moedas, controlar os bancos
privados e a taxa de juros do país, implementar políticas monetárias, em conjunto com os governos, etc.
58

para fazer com que o saldo do BP, do mesmo ano, fosse equivalente a USD 41,26
milhões (superávit), apesar do saldo da CTC ter sido negativo (USD -216,91 milhões,
em 2017).
O resultado das exportações líquidas (X – M) no ano de 1997 foi 57,12% do
PIB do mesmo ano (gráfico 9); já em 2010, 2011, 2012 por diante, a proporção foi mais
de 100%. A maior proporção registrada foi em 2011 com um valor equivalente a
114,77% do PIB do mesmo ano.
As saídas de divisas no país influenciou significativamente na taxa de câmbio,
que foi desvalorizando com o passar do tempo. A abertura comercial trouxe junto o
regime cambial de flutuação no qual o preço da moeda estrangeira (o câmbio) se
negocia somente pelo mercado, sem a interferência de terceiro. Assim, o gráfico 10
apresenta o valor médio da taxa cambial a cada dois anos e sua evolução ao longo dos
últimos vinte anos.

Gráfico 10 – A média anual da taxa de câmbio no Haiti

70

60

50

40

30

20

10

0
1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015 2017

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados BRH

O câmbio passou de 16,65 em média no ano 1997 e 21,17 em 2000 para 64,77
em média em 2017. Isto é, em 1997 um dólar americano em média se trocava no
mercado haitiano por 16,65 gourdes57, e esse valor subiu em média para 64,77 gourdes,
em 2017. Entre 2010 e 2011 o câmbio se estabilizou devido ao volume de dólar que
entrou no país para “ajudar” após a catástrofe natural ter ocorrido, contudo, a partir de

57
O gourde é o nome da moeda haitiana.
59

2012, com 41,95 em média, ele voltou a seguir seu ritmo de crescimento. Esse ano, de
janeiro até setembro de 2018, em média foi preciso de 66,17 gourdes para cada dólar
americano trocado no mercado de divisas.

3.3 A MINUSTAH e a crise socioeconômica

É notório que a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti


(MINUSTAH) não foi inventada, conforme foi discutido no capitulo anterior, para
resolver o problema da suposta violência, tampouco para propor alternativas devido à
crise socioeconômica enfrentada pelo país. Aliás, foi a própria crise e a instabilidade
político-econômica que serviu como fundamento para garantir, não somente seus treze
santos anos no solo do país caribenho, mas em geral, a permanência do Haiti como
“quintal” das potencias e subpotências internacionais.
Embora o crescimento econômico (aumento do PIB) não seja um indicador tão
eficiente quanto os indicadores sociais ao discutir sobre a “liberdade econômica”58 de
um país capitalista cuja tendência é concentrar cada vez mais a renda (GERMAIN,
2014), é importante observar e analisar, através do gráfico 11, a evolução do Produto
Interno Bruto nos períodos pré-2004 (governo Préval-Aristide) e pós-2004 (período da
MINUSTAH).
Após ter fechado quatro períodos fiscais consecutivos com saldo positivo
(1997-2000), duas quedas seguidas foram registradas durante o período pré-
MNUSTAH: -1% (em 2001) e -0,5% (em 2002). Assim, a economia do país só voltou a
crescer em 2003 (0,4%), mas recuou novamente em 2004 (3,8%). De 1997 a 2017, o
maior crescimento registrado foi em 2011 (5,5%), um ano depois de ter computado uma
queda fatal do mesmo valor (5,5%).
07 de fevereiro de 2001 foi o dia em que o ex-presidente eleito, Jean-Bertrand Aristide,
assumiu o governo pela segunda vez. Com a contestação do resultado das eleições, que
ocorreram no ano anterior, a oposição, formada, em sua maioria, por uma elite
capitalista apoiada pelos Estados Unidos da América, não quis reconhecer a
legitimidade do Aristide, alegando que havia fraudes na apuração dos votos. Isso gerou

58
Termo utilizado por Amartya Sem em sua obra « Desenvolvimento como liberdade ». Segundo o autor,
a liberdade econômica é o fato de direito a um emprego, uma renda… portanto, ela é um elemento
fundamental que qualquer indivíduo necessita para garantir a sua sobrevivência.
60

uma instabilidade política que, logo, influenciou na dinâmica da economia,


principalmente no consumo total. Este último sofreu queda em dois anos seguidos, após
ter registrado seu maior crescimento (14,78%) em 2000. Em 2001 o recuo foi
equivalente a 1,59% e no ano seguinte, 2,3%.

Gráfico 11 – Taxa anual de crescimento do PIB haitiano em % (1997-2017)

-2

-4

-6

-8

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados IHSI

Entre 1997 e 2003, antes da chegada da MINUSTAH, o crescimento médio do


PIB haitiano foi 1,05% por ano, enquanto no período da MINUSTAH, entre 2004 e
2017, o crescimento médio anual foi apenas 1,5%. No total, de 1997 a 2017, a economia
haitiana cresceu em média 1,35%. Número muito abaixo do suficiente para atender às
necessidades básicas de uma população que cresceu no total 35,37% nos últimos vinte
anos. A população total passou de 8.111.951 de habitante em 1997 para quase 11
milhões em 2017, destarte, a renda per capita que era 1529,84 gourdes (US$ 91,88) em
1997, caiu para 1460,58 gourdes (US$ 22,55) em 201759. Observa-se que em 1997, cada
haitiano em média vivia com US$ 7,66 por mês, esse valor reduziu para US$ 1,88 em
2017 (gráfico 12). Ou seja, em média um haitiano vive com menos de dois dólares
americanos por mês.

59
A conversão para dólar foi feita pelo próprio autor deste trabalho, dividindo o valor da renda per capita
em gourde pela da taxa média de câmbio do mesmo ano. Por exemplo, a renda per capita de 1997 foi
divida por 16,65.
61

Gráfico 12 – Renda per capita anual do Haiti (em US$)

100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados IHSI

Essa queda que a renda per capita em dólar americano vem registrando ao
longo dos anos se explica pelo baixo crescimento do PIB. O país não produziu o
suficiente nos últimos vinte anos para acompanhar o crescimento demográfico. O total
de bens e serviços produzidos em 2017 é somente 29,24% mais alto que a produção
total de 1997. O que fez com que a renda por pessoa em gourdes, em média,
permanecesse basicamente constante, enquanto a taxa média de câmbio de 2017 foi
289% mais alta que a de 1997.
A população haitiana cresceu significativamente nos últimos cinquenta anos.
Com uma superfície equivalente a 27.750 km2, a densidade demográfica passou de
160,2 habitantes por km2 em 1967 para 395,72 habitantes por km2 em 2017 (gráfico 13).
Ou seja, o número de pessoas por quilômetro quadrado no Haiti aumentou 147,02% em
cinquenta anos (de 1967 a 2017). No período de 1997 a 2003, antes do surgimento da
missão de “paz”, a densidade populacional subiu em uma taxa equivalente a 10,66%,
enquanto durante os treze anos da MINUSTAH, o crescimento foi quase o dobro:
20,42%.
62

Gráfico 13 – Densidade demográfica do Haiti nos últimos 50 anos (em habitantes/km2)

450
400
350
300
250
200
150
100
50
0
1967 1972 1977 1982 1987 1992 1997 2002 2007 2012 2017

Fonte: http://perspective.usherbrooke.ca/bilan/BMEncyclopedie/BMEphemeride.jsp

É importante salientar que o problema que está sendo tratado aqui não se refere
exclusivamente ao aumento populacional, e muito menos fazer uso da teoria da
população malthusiana como fundamento para discutir a crise política e socioeconômica
do país, mas, trata-se de uma economia estagnada por mais de vinte anos, operando com
uma produtividade muito baixa, sem a capacidade de gerar empregos e renda, enquanto
a oferta de mão-de-obra cresce quase exponencialmente.
Em vinte anos, o total de investimentos (público e privado) na economia
haitiana subiu 102,95%, isto é, em 1997 3.054 milhões de gourdes haitianos foram
investidos, esse número duplicou em 2017, e passou para 6.198 milhões de gourdes
(gráfico 14). No entanto, tal aumento não foi suficiente para combater o desemprego
que cresce cada vez mais, principalmente no meio da juventude.
Em relação ao PIB, em 1997 24,61% eram dos investimentos. Esse número foi
subindo e chegou a 34,81 em 2003. Durante os treze anos da MINUSTAH (2004-2017),
a Formação Bruta de Capital Fixo (investimentos) somente subiu 78,05%, fechando o
ano 2017 com menos de 40% do PIB do mesmo ano.
63

Gráfico 14 – Proporção anual do total de investimentos no PIB haitiano (em %)

45
40
35
30
25
20
15
10
5
0

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados IHSI

Enquanto as famílias possuem cada vez menos dinheiro para cobrir suas
necessidades, adquirindo bens e serviços, sem emprego e renda, os preços se mantêm
altos. O gráfico 15 mostra o comportamento da inflação nos últimos dez anos. Depois
de ter atingido 12,4% em 2008, a inflação média se manteve abaixo de dois dígitos por
cerca de cinco anos, e somente em 2016 que ela voltou a ser maior de 10%.
Considerando o período que está sendo analisado (de 2008 a 2018), a menor taxa média
de inflação já registrada foi 0,2% em 2009, enquanto a maior foi 14,7% no ano em que a
MINUSTAH apresentou o último relatório do seu “sucesso” no país, em 2017.
2008 foi o ano em que a inflação mensal registrou valores mais altos, depois
vem 2017 em segundo lugar. De março a outubro de 2008, a taxa mensal oscilou entre
16 a 20%, sendo o maior valor anotado 19,8% em setembro. Depois foram registrados
valore como 16,5% em abril, 18,3% em julho, 18,8 em agosto e 18,0% em outubro do
mesmo ano. A inflação mensal caiu em novembro e fechou o ano de 2008 com 10,1%.
O ano de 2017 iniciou-se com uma taxa inflacionária equivalente a 14,1%.
Depois ela subiu para 14,3% em março e 14,6 em abril. De maio a setembro, a taxa
mensal permaneceu acima de 15% cujo maior valor do ano registrado foi 15,8%, em
junho. Atualmente, em 2018, de janeiro até setembro, o valor médio da inflação foi
13,4%, sendo que a inflação do mês de setembro foi 14,6%, a maior do ano até então.
Com um valor equivalente a 9,3%, julho de 2015 foi o último mês em que a
inflação registrou valores abaixo de dois dígitos. A partir de novembro de 2015 até hoje,
a taxa inflacionária mensal se mantém acima de 11%.
64

Gráfico 15 – Taxa média da inflação por ano em % (2008-2018)

16,0
14,0

12,0
10,0
8,0
6,0

4,0

2,0
0,0
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados IHSI

2009 foi o único ano em que houve deflação. Em sete meses consecutivos (de
maio a novembro) a taxa mensal foi negativa, chegando a ser -2% em julho, -2,8% em
agosto, -4,7% em setembro e -3,5% em outubro. Depois fechou o ano com 2%
(dezembro de 2009).

3.3.1 A economia haitiana em 2010: um caso particular

Em janeiro de 2010 ocorreu a maior catástrofe natural que o Haiti já conheceu


na sua história. Tal fenômeno desestabilizou a economia do país, destruindo uma parte
e, consequentemente, causando prejuízo à população como um todo, conforme foi
discutido anteriormente. No momento em que o assunto sobre a retirada dos militares da
ONU no solo haitiano estava em pauta de discussão, o terremoto surgiu como principal
argumento para justificar a necessidade de prorrogar o mandato da MINUSTAH, que
antes tinha por tarefa restabelecer a paz e a segurança nacional, de repente tornou-se
uma missão assistencialista, promovendo um suposto desenvolvimento socioeconômico.
Assim, o mandato dos capacetes azuis foi prorrogando até chegar ao fim, em 2017.
Após ter registrado números positivos em cinco anos consecutivos – 1,8%
(2005), 2,2% (2006), 3,3% (2007), 0,8% (2008) e 2,9% (2009) – em 2010 o PIB sofreu
a maior queda (5,5%) desde 1995. Certamente, é um dos maiores impactos da catástrofe
sobre a economia haitiana. Apesar do saldo das importações ter sido muito acima do
65

total das exportações e, portanto, aumentando o fluxo de saídas de divisas no país para o
exterior, o câmbio médio mensal se manteve estável e a maior taxa inflacionária
registrada foi em maio e junho no qual o valor foi o mesmo (6,4%). A menor inflação
registrada foi em outubro do mesmo ano (4,6%).
Depois de ter fechado o ano de 2009 com 42,26 (em dezembro), o ano de 2010
iniciou-se com queda na taxa média cambial, 40,58 em janeiro. No mês seguinte, em
fevereiro, o número caiu para 38,57; depois subiu em março para 39,48 e se mantém
nessa faixa até outubro do mesmo ano. O câmbio médio mensal permaneceu
relativamente baixo, com valores abaixo de 42, até julho de 2012. É importante destacar
que, no caso de um país como Haiti cujas importações representam a maior parte dos
produtos oferecidos no mercado interno, quanto maior for a taxa de câmbio, maior tende
a ser a inflação.
O rompimento do fluxo de crescimento seguido pelo câmbio até então se
explica pela forte entrada de dólar no país por meio de doações (gráfico 16). Em seu
histórico, o Haiti já costumava receber ajudas de outros países, porém, em 2010, após o
terremoto, as doações ultrapassaram o valor comum.

Gráfico 16 – Doações recebidas do exterior nos anos 2005 a 2016 (em milhões de
dólares US)

1800
1600
1400
1200
1000
800
600
400
200
0
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados BRH

Isso reduziu significativamente o impacto da demanda por divisas no país sobre a taxa
de câmbio, e o déficit da Conta de Transações Correntes (fazendo com que o Balanço de
66

Pagamento terminasse o ano fiscal com um saldo superavitário equivalente a 186,15


milhões de dólares americanos).
Somente em 2010, as doações recebidas representaram 85,61% do total
recebido nos cinco anos anteriores. O valor médio anual recebido entre 2005 e 2009 foi
USD 399,29 milhões, enquanto o total de doações que entrou no país somente no ano de
2010 atingiu 1.709,19 milhões de dólares americanos (ou seja, 428,06% a mais do
médio dos cinco anos antecedentes). Os EUA aumentaram seu valor de USD 268,98
milhões, em 2009, para USD 610,00 milhões (seja 126,78% a mais); Canadá passou de
62,60 milhões de dólares americanos também em 2009 para 134,87 milhões de dólares
americanos em 2010 (um aumento de 115,45%).
A França e a Alemanha não doaram em 2008 e 2009. Porém, em 2010 o Haiti
recebeu deles USD 34,68 milhões e USD 24,87 milhões, respectivamente. A Alemanha,
especialmente, deu um grande salto, pois as três doações anteriores dela eram muito
abaixo da soma de 2010: USD 3,08 milhões, USD 0,88 milhões e USD 0,75 milhões,
em 2005, 2006 e 2007, respectivamente.
Países como a Espanha, Brasil, Dinamarca e a Venezuela que nunca havia feito
doações ao Haiti, deram, respectivamente, USD 261,17 milhões, USD 62,08 milhões,
USD 16,54 milhões e USD 99,00 milhões. Vários outros países não citados tiveram
suas contribuições para que o total das doações pudesse atingir esse patamar. Com um
montante equivalente a USD 83,00 milhões, a União Europeia também teve seu nome
inscrito na lista de doadores. Depois de 2010, o total das doações foi caindo até fechar o
ano de 2016 com apenas USD 210,67 milhões (87,67% a menos do montante de 2010).
Apesar de que não seja o propósito desta seção discutir sobre o destino dessas
doações e seu uso na prática, torna-se necessário informar que nenhum doador entregou
sua parte ao então governo haitiano, que, por sua vez, sendo o Haiti um país soberano,
teria a autoridade de decidir sobre a distribuição do dinheiro e fazer com que isso
servisse para a reconstrução do Haiti. Foram criadas milhares de organizações
internacionais e ONGs (cujos funcionários, em sua maioria, eram estrangeiros), cada
uma com uma quantia de dinheiro em mãos para gastar, criando uma quantidade
absurda de programas assistencialistas, sem nenhum controle do governo vigente. No
final, o dinheiro dado ao Haiti, voltou a sua origem piorando a situação do país.
Os credores do Haiti também fizeram sua parte ao perdoar parte/ ou por
completo a dívida do país com eles, provocando em 2010 uma queda de 30,8% em
relação ao ano anterior (gráfico 17). Em 2011 foi registrado mais um recuo equivalente
67

a 23,84%, com base no valor de 2010. Depois disso, a dívida só vem aumentando até
registrar seu último valor em 2017 (USD 2.128,8 milhões).

Gráfico 17 – A dívida externa haitiana de 2005 a 2017 (em milhões de dólares US)

2500

2000

1500

1000

500

0
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

Fonte: Elaboração própria a partir da base de dados BRH

Entre 2005 e 2009 o valor médio da dívida externa haitiana foi USD 7.428,62
milhões por ano. Com USD 863,08 milhões, a dívida de 2010 foi 11,61% da média dos
cinco períodos fiscais anteriores. A de 2011, por sua vez, foi apenas 7,92% da média
dos seis anos anteriores, incluindo 2010. De 2012 a 2017, no qual o valor médio é USD
1.748,13 milhões (maior que a média dos cinco anos que antecederam 2010), a dívida
externa do Haiti subiu em média 23,37%.

3.3.2 Da MINUSTAH à MINUJUSTH, a economia haitiana permanece em “alerta


vermelho”

Segundo o relatório da equipe Nasyonzini an Ayiti (2017), 24% da população


haitiana vive em extrema pobreza e o índice de pobreza monetária é de 58,6% – ou seja,
6,3 milhões de haitianos vivem em situação precária, sem condição financeira para obter
o básico e garantir sua sobrevivência; dentre eles, somente 11% recebem assistência
social por parte do governo. Apenas 58% dos haitianos têm acesso à utilização de água
potável, enquanto 72% da população urbana continua vivendo sem acesso a saneamento
68

básico. 92,7% das famílias haitianas não possuem um fogão em casa para preparar suas
refeições, elas fazem uso de pau ou carvão para cozinhar.
O número de pessoas desempregadas constitui 40,6% da população ativa, que,
por sua vez, representa 57% do total da população haitiana; simultaneamente, 57,1% do
total de emprego gerado vêm do setor informal. Cerca de 40% dos haitianos trabalham
na agricultura, cuja produção, em sua maioria, é voltada para a própria subsistência. Em
2013, apenas 0,29% do total da população haitiana trabalhava no setor têxtil; tal número
subiu para 0,34% em 2014. Quanto ao trabalho infantil, 407.000 crianças exercem
trabalho doméstico, dentre elas, 207.000 em situação inaceitável.
Trazendo de volta a discussão sobre a concentração da renda, de acordo com o
relatório OMD/PNUD (2013), 1% dos haitianos mais ricos têm a mesma quantidade de
riqueza que possui 45% da população mais pobre. Apenas 20% das mulheres e 36% dos
homens haitianos são trabalhadores assalariados, enquanto 34% dos homens e 19% das
mulheres são empregadores/ empresários. 51% das mulheres são independentes, contra
24% do total dos homens.
Os dados apresentados neste capítulo são pertinentes e servem como base
empírica para ampliar a discussão sobre os resultados atingidos pela MINUSTAH, no
ponto de vista socioeconômico, durante seus treze anos no território haitiano. Os
soldados da ONU se retiraram do país em 15 de outubro de 2017, e no dia seguinte foi
instalada a Missão das Nações Unidas para o apoio à Justiça no Haiti (MINUJUSTH,
que também é uma missão de “paz”), ou seja, o Haiti permanece sob dominação/
ocupação estrangeira enquanto sua situação socioeconômica continua sendo precária.
Treze anos após o golpe de Estado e a invasão estrangeira no país, nenhuma melhoria
foi registrada. Assim, torna-se evidente trazer de volta a perguntar do capitulo anterior:
« em que a MINUSTAH foi importante/ útil para o Haiti? ».
69

CONCLUSÃO

O contexto em que a MINUSTAH está inserida remete-se a um círculo vicioso,


no qual as intervenções externas geram dependência econômica e enfraquecem as
instituições, dividindo o poder de decisão com as autoridades locais, e,
consequentemente, violam o princípio da soberania nacional. Em seguida, o
enfraquecimento institucional gera crise política e socioeconômica que, em muitos
casos, resulta em conflitos armados. Estes últimos, por sua vez, são utilizados como
fundamento para provar a necessidade do país em questão continuar sendo alvo de
peacekeeping operations para restabelecer a paz e a segurança pública, criar um estado
de bem-estar social, combatendo a crise gerada pelos próprios interventores. Assim,
cada intervenção precede o surgimento de inúmeras outras.
Os capacetes azuis surgiram no Haiti em fevereiro de 2004, após o ex-
presidente legítimo Aristide ter sido derrubado e forçado a renunciar a seu próprio
governo, como uma forma de fortalecer a relação unilateral (ou seja, a relação colônia-
metrópole) existente desde 1915, a partir da primeira invasão militar americana, entre os
Estados Unidos da América e o país caribenho (Haiti), promovendo um suposto
desenvolvimento econômico que não passa longe de uma utopia. Aliás, a chegada da
missão, além de não ter trazido nenhuma melhoria para a economia haitiana,
aprofundou o país em uma crise fatal que o mesmo enfrenta há mais de um século.
Mesmo sendo seis vezes mais violento que o Haiti, o Brasil comandou a
MINUSTAH desde o início até o fim. Isso mostra que a ONU não instituiu a missão
com o propósito de combater violência no país, conforme se fala muito nos discursos
oficiais. Mas, a pedido também da burguesia/ a elite local que sempre foi contra
qualquer decisão econômica em prol da distribuição de renda, ela foi implantada a fim
de acabar com os pequenos avanços que estavam acontecendo no país em termos de
igualdade e justiça social cujo promotor principal foi o ex-presidente Aristide.
70

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