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01/05/2020 Haiti.

Silenciando o presente, a luta atual e a “crise” profunda do país - Instituto Humanitas Unisinos - IHU

Haiti.
Haiti. Silenciando
Silenciando oo presente,
presente, aa luta
luta atual
atual ee aa
“crise”
“crise” profunda
profunda do
do país
país


01 Novembro 2019

 
"Desnaturalizar esse silêncio histórico e epistêmico em relação ao Haiti e aos
haitianos, exige de nós um posicionamento radical, uma autocrítica, uma crítica
radical desde dentro das sociedades hegemônicas (racial, econômica e
politicamente)", escreve o Prof. Dr. Handerson Joseph, coordenador do
Programa de Pós-Graduação em Estudos de Fronteira (PPGEF) / Unifap.

Faço referência à expressão silenciando o presente para parafrasear o


antropólogo haitiano Michel-Rolph Trouillot. Na sua obra clássica
“Silenciando o passado” (1995), Trouillot denuncia os meios acadêmicos, critica 
radicalmente o silêncio dos intelectuais, dos sociólogos, antropólogos,
particularmente historiadores que foram incapazes de relevar a História do
Haiti, notadamente a Revolução Haitiana ao seu devido estatuto político e
acadêmico. Quando fazem referência, o Haiti ou a Revolução Haitiana aparece
em notas de rodapé. Uma das Revoluções mais bem sucedida na historiografia
mundial a Primeira e única Revolução que se pode dizer com todas as letras
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mundial, a Primeira e única Revolução que se pode dizer com todas as letras,
REVOLUÇÃO NEGRA, derrubando uma das maiores tropas do mundo, as
tropas do Napoleão Bonaparte, as francesas.

Passando 215 anos, após a Revolução e a Independência do país, o silêncio


continua, os meios de comunicação internacional não fazem nem se quer,
referência ao que está acontecendo atualmente no Haiti. As poucas matérias e
textos veiculados na mídia e nas redes sociais, escritos por jornalistas e
acadêmicos, reforçam o silêncio, ou melhor, o estigma em relação ao Haiti, como
o lugar de onde se deve ajudar (chegada de ONGs estrangeiras) para o povo
sobreviver e a economia funcionar, se deve intervir (intervenção de forças
militares) para manter a ordem, se deve ocupar (ocupação internacional) para
garantir a estabilidade sociopolítica e se deve pesquisar (objeto de estudo)
para exacerbar o exotismo, o fracasso, a decadência. No fundo, no fundo, o que
não poderia ter dado certo, Revolução e luta feita por uma população negra,
continua lutando.

Como se não bastasse esse silêncio histórico, esse não reconhecimento


político e científico, hoje presenciamos o silêncio em relação ao cenário atual
do Haiti. Pergunto: Por que os meios de comunicação e acadêmico
internacional têm tanta facilidade para mostrar (fotografar, produzir vídeos),
falar (dar entrevistas) e escrever (pesquisar, etc) sobre a presença de forças
armadas estrangeiras, ONGs no Haiti e não têm a mesma facilidade para
mostrar as lutas atuais protagonizadas pelos próprios haitianos contra a
hegemonia vigente, contra corrupção que envolve o Governo atual haitiano e
Governos de outros países? Por que os meios de comunicação e acadêmico
internacional têm tanta facilidade de mostrar que a salvação do Haiti está
associada à comunidade internacional, particularmente Estados Unidos e têm
tanta dificuldade de mostrar que a população haitiana está sempre tentando,
buscando condições de possibilidades para o futuro do seu próprio país?

A minha ideia aqui, não é falar do silêncio do passado, mas sim do presente. Há
mais de um ano, há uma luta travada no Haiti, contra corrupção
generalizada, contra a crise econômica e política etc. Porém, os Chefes de
Estado, os meios de comunicação e acadêmico internacional permanecem em
silêncio.

Nesses últimos meses, tenho conversado (por ligação telefônica ou por


mensagem) quase diariamente com familiares, amigos, professores e intelectuais
haitianos residentes no Haiti. Por mais que as reivindicações iniciaram há mais
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de um ano por meio das reivindicações de corrupção do PetroCaribe (uma
aliança em matéria petroleira entre alguns países do Caribe com a Venezuela) e
dos partidos de oposição, mas é no mês passado que as manifestações ganharam
mais densidades e forças. Cada vez mais grupos políticos e sociais (organizações,
movimentos), grupos culturais (artistas, pintores), grupos religiosos (Padres
católicos, Pastores, Voduistas), grupos musicais (cantores, músicos), grupos de
escritores e de intelectuais haitianos residentes no país se juntaram pela mesma
causa, em prol do Haiti, fazendo marchas, protagonizando manifestações,
confrontando as forças de repressão do Governo, gritando palavras de ordem e
pedindo a renúncia do Presidente atual, Jovenel Moïse e de seu Governo, por
diversos fatores: corrupção, impunidade, PetroCaribe, inflação
(aproximadamente 20%), aumento desenfreado do preço da gasolina, dos
alimentos, desvalorização da moeda haitiana (gourdes) em relação ao
dólar americano, desvalorização do salário mínimo, além das mortes (até agora
mais de 200 mortos), da violência e do uso da força do próprio Governo para
manter a hegemonia política e o poder, entre outros fatores. Enfim, se antes a
vida era difícil no país, ela se torna quase impossível, visto que há mais de um
mês, boa parte das instituições, dos estabelecimentos, serviços públicos e
privados está fechada: escolas, universidades, bares, restaurantes, postos de
combustíveis, bancos, empresas, lojas, comércios, hospitais etc, para usar a
expressão haitiana, Peyi lòk (literalmente o país está bloqueado).

Nessas últimas semanas, os meios de comunicação internacional e os analistas


de plantão (cientistas políticos, sociólogos, antropólogos, internacionalistas, etc)
têm destacado o cenário atual no Equador, na Argentina, na Bolívia, no Chile, na
Espanha, na Argélia, no Iraque etc. Vários chefes de Estados se posicionaram
politicamente em relação à situação desses últimos países, porém há um silêncio
total em relação ao que está acontecendo no Haiti, as poucas matérias escritas
por jornalistas ou por acadêmicos, mais uma vez reforçam estigmas e
estereótipos, utilizando expressões como “O Haiti está um caos”, “Rebelião no
Haiti”, “a violência mais uma vez toma conta do Haiti”, “A fome e a miséria
tomam conta do país”. Enquanto as pessoas que ocuparam as ruas e algumas
que foram feridas e mortas no Chile, no Equador, entre outros países, são
vistas como mártires, pessoas que têm consciência de classe, intelectuais
orgânicos que lutam em prol dos direitos sociais, políticos, enfim dos Direitos
Humanos, no caso do Haiti, a luta não é vista em termos de luta para garantir
direitos, são vistos como aqueles que não são capazes de decidir o seu próprio
futuro, de manter a estabilidade política, de ser uma “grande nação”. Sem levar
em consideração as causas profundas da situação do país que o próprio
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imperialismo ajudou a manter ao longo da história. Essa retórica reforça a
mesma lógica estigmatizadora do neoliberalismo, do capitalismo, do
neocolonialismo, do racismo midiático, do racismo estrutural internacional e da
lógica da extrema direita que tanto se critica.

Dar visibilidade e reconhecer o cenário atual do Haiti como luta histórica e


atual dos haitianos, sendo agentes e protagonistas contra esses ismos (também)
impostos a eles, reconhecer a capacidade de articulação e de organização dos
movimentos sociais e políticos no país, reconhecer a consciência política e a luta
de classe no país, a luta em prol da democracia e contra as desigualdades, logo
seria também o reconhecimento do falecimento dos imperialismos, dos
neocolonialismos, do racismo e do fracasso das diversas intervenções
internacionais no país.

Desnaturalizar esse silêncio histórico e epistêmico em relação ao Haiti e aos


haitianos, exige de nós um posicionamento radical, uma autocrítica, uma
crítica radical desde dentro das sociedades hegemônicas (racial, econômica e
politicamente). O colonialismo também se manifesta através do silêncio, um
silêncio tão violento e profundo quanto o uso da força e da violência que tanto
falava Frantz Fanon em “Os Condenados da Terra”. No fundo, esse silêncio é
uma forma de afirmar que o Haiti é um condenado da terra.
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