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HAITI... PARA AJUDAR ENTENDER!

Pr. André Souto Bahia


Missionário Brasileiro no Haiti pela Junta de Missões
Mundiais da Convenção Batista Brasileira

A República do Haiti, situada na península oeste da Ilha Hispaniola –


descoberta por Cristóvão Colombo em 1492, também ocupada pela República
Dominicana, é uma ex-colônia francesa e que desde sua Independência, em 1804
– a 1ª República Negra da História – é marcada por conflitos, exploração e
opressão, sendo considerado pela Organização das Nações Unidas o país mais
pobre da América e de todo Hemisfério Ocidental, tão miserável como
Timor-Leste, Afeganistão, entre outros. 79% dos 9,5 milhões de haitianos são
analfabetos, a expectativa de vida é de apenas 51 anos, e mais de 50% da
população vive abaixo do limiar de pobreza, com menos de dois dólares por dia.
É uma das nações com menor Índice de Desenvolvimento Humano1.

No fim do século XVI, quase toda a população nativa2 havia desaparecido,


sido escravizada ou morta pelos conquistadores. Atualmente sua economia
encontra-se destroçada e em ruínas. Na opinião de Luis Alcalá Del Olmo,
repórter radicado em Porto Rico, que passou quatro anos no País antes dos
conflitos atuais, a vida do haitiano sempre foi difícil, e que o vodu é visto como a
única maneira (da população) de se recuperar.

Em entrevista realizada durante a 6ª Semana de Culturas Francófonas na


Universidade Federal de Pernambuco, em 17 de março de 2008, o sociólogo
Laënnec Hurbon, considerado um dos mais influentes intelectuais haitianos de
sua geração, quando perguntado como situar o Haiti na aldeia global,
respondeu: “O Haiti é um microcosmo do mundo moderno; ali todos os grandes
problemas não resolvidos e escondidos da modernidade aparecem de maneira
inequívoca”.

Mais recentemente temos acompanhado a intervenção militar pelo


Conselho de Segurança da ONU, capitaneada pelo Exército Brasileiro que tem
1
Em 2010 ocupava o 145º lugar no IDH, de um total de 169 países. Em 2011 ocupa a 158ª posição de 187 países.
2
Os indígenas nativos da Ilha Hispaniola eram conhecidos como os “arawacos”.

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atuado como Força de Paz desde julho de 2004. Após a Catástrofe do Terremoto
de 12 de janeiro de 2010, a imprensa mundial passou a noticiar constante e
intensamente a realidade desumana que aquela Nação tem enfrentado
diariamente. E como um pedido de socorro, as imagens da miséria, do descaso e
do abandono são facilmente encontradas nos jornais, revistas e principalmente,
pela internet, chamando a atenção para a urgente necessidade de mudança.

Segundo a Constituição Haitiana em vigor o Haiti é um país laico3. Os


dados oficiais, de 2003, apontam o Catolicismo Romano professado por 68,8% da
população, seguido por 22,8% de evangélicos, e apenas 8,6% admitem seguir
outras religiões4. Porém, segundo Juslin Colá5, existem pessoas que chegaram a
se tornar padres da igreja católica, mas, continuaram por toda a vida com a
influência do vodu, seu nascimento e suas condições de vida sempre foram mais
baseadas na questão do vodu, e, com relação à igreja, esclarece: “o que é mais
forte é o sincretismo, através do qual as pessoas, em público e na ordem social
pertencem à igreja, mas, todos têm alguma nostalgia na qual memorizam sempre
a tradição haitiana do vodu”.

A África Americana, como é conhecido o Haiti, embora possua 206 anos de


Independência pouco soube experimentar o que é liberdade, tão pouco a
prosperidade dos anos de colônia francesa – a mais rica das Américas. Três
destaques históricos ajudam na análise e compreensão do porque o Haiti é, há
várias décadas, o país mais pobre do Ocidente:

1) Intervenção Militar Estrangeira:


o Os EUA ocuparam o Haiti por 19 anos, entre 1915 e 1934, aculturando
o ‘sentimento’ de dependência e a responsabilização do estrangeiro
pela mudança da realidade nacional.
o Em 1991 a OEA (Organização dos Estados Americanos) impôs
sanções econômicas para forçar os militares que estavam no
3
Seção D, Liberdade de Consciência, Artigo 30 da Constituição da República do Haiti, de 29 de março de 1987, disponível
em: http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Haiti/constitution_francais.pdf
4
Dados fornecidos pelo PNUD Haiti, em 31 de agosto de 2011: http://www.ht.undp.org/index.php
5
Juslin Colá, membro do movimento Justiça e Paz e do Coletivo de Educação para um Desenvolvimento Alternativo
(Cedal) – matéria de Adailma Mendes, publicada em 17.10.03 na página http://www.adital.com.br/?n=kgk.

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governo a permitirem a volta do presidente eleito no ano anterior


ao poder – Jean-Bertrand Aristide.
o Em 1994, o Conselho de Segurança da ONU decretou bloqueio total
ao Haiti. Em setembro tropas de vários países, lideradas pelos EUA,
ocuparam o Haiti a fim de reempossar Aristide.
o Em fevereiro de 2004, ex-integrantes do exército haitiano (tontons
macoutes) deram início a um levante militar em Gonaives,
espalhando-se por outras cidades nos dias subseqüentes. Aristide
foi retirado do país por militares norte-americanos em 29 de
fevereiro, contra sua vontade, e conseguiu asilo na África do Sul.
Considerando que a situação no Haiti ainda constitui ameaça para a
paz internacional e a segurança na região, o CS (Conselho de
Segurança da ONU) decidiu estabelecer a Missão das Nações
Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH) em 1º de junho de
2004.
2) Instabilidade Política e Econômica: desde os primeiros governos a guerra
civil, e os inúmeros golpes militares construíram uma cultura de medo,
sobrevivência e miséria no povo.
o Logo após a proclamação da independência, 1804, o país sofreu um
bloqueio econômico por 60 anos. Para por fim ao bloqueio, a
França impôs uma indenização de 90 milhões de francos,
endividando o país.
o Após a independência da República Dominicana, 1844, e até o início
do século XX, 20 governantes sucederam-se no poder. Desses, 16
foram depostos ou assassinados.
o Uma das mais severas ditaduras ocorreu por quase 23 anos pela
família Duvalier – Papa e Baby Doc (1964 a 1987), que fatiaram o
território entregando-o ao comando de milícias, extinguiram as
forças armadas, e declararam a moratória trazendo sobre o País

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bloqueio econômico, corte do fornecimento de energia elétrica


pela República Dominicana, e um estado de caos social e terror.
o No período de 1994-2000, apesar de avanços como a eleição
democrática de dois presidentes, o Haiti viveu mergulhado em
crises. Devido à instabilidade, não puderam ser implementadas
reformas políticas profundas.

Segundo os dados publicados nas páginas eletrônicas do PNUD6 e UNESCO7,


em 2010 o Haiti ocupava a 145ª posição no IDH, dos 169 países analisados, e em
2011 caiu para a 158ª posição de 187 países classificados. Alguns outros dados8
evidenciam a dura realidade do país mais pobre das Américas:

o 9,4 milhões de habitantes;


o 27.750 Km²
o 335 habitantes/km²
o 95% Negros, 5% Mulatos e Brancos
o 93% sem água e esgoto tratado;
o 78% estão na pobreza
o 53,9% estão abaixo da linha da pobreza extrema;
o Mortalidade Infantil: 130/1000 (antes do 1º aniversário):
▪ Doenças infecciosas intestinais, infecções perinatal e
desnutrição
o Mortalidade Materna: 523 mães/100.000 nascidos:
▪ Falta de assistência perinatal adequada: 80% sem auxílio
profissional!
o 51,3% dos adultos são analfabetos (acima de 15 anos);
o 43% das crianças em idade escolar estão fora da escola;
o 27,7% dos jovens são analfabetos (15 a 24 anos);
o 3º maior índice de desigualdade econômica (atrás apenas de
Namíbia e Comores);
6
Site visitado em 20 de agosto de 2011: http://www.pnud.org.br/rdh/
7
Site visitado em 21 de Setembro de 2011: http://www.uis.unesco.org
8
Dados fornecidos pelo PNUD Haiti, em 31 de agosto de 2011: http://www.ht.undp.org/index.php

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o 1,5% de cobertura vegetal;


o 68,8% católicos
o 22,8% evangélicos
o 8% outras religiões
o 50% praticantes de vodu (sincretismo)
3) Vulnerabilidade Geoclimática: o território haitiano está situado na faixa do
Globo conhecida como Circuito de Furacões onde há incidência
freqüente de tempestades tropicais no período de julho a outubro. Na
última década, encontramos:
● Em 2004, a República Dominicana e o Haiti foram, simultaneamente,
atingidos pelo Furacão Jeanne. Na República Dominicana, cerca de 2
milhões de pessoas foram afetadas e uma grande cidade ficou quase
destruída, mas houve apenas 23 mortes e a recuperação foi relativamente
rápida. No Haiti, morreram mais de 2 mil pessoas só na cidade de
Gonaives. E dezenas de milhares ficaram presas numa espiral descendente
de pobreza. Os impactos contrastantes não foram um produto da
meteorologia. No Haiti, um ciclo de pobreza e destruição ambiental
desnudou encostas de árvores e deixou milhões de pessoas em bairros de
lata vulneráveis9.
● Em 2008, cerca de 650 mil haitianos foram desabrigados após o país sofrer
com quatro tempestades tropicais em menos de um mês: a primeira foi a
tempestade tropical Fay que causou inundações e torrentes de lama,
matando 40 pessoas; uma semana depois, foi a vez do furacão Gustav,
deixando mais 77 mortos; oito dias após Gustav, Hanna atingiu a ilha,
ceifando a vida de mais de 500 haitianos destruindo a agricultura da ilha,
árvores frutíferas e as favelas da capital; por fim, o furacão Ike e a
tempestade tropical Josephine acertaram a região central do Haiti com
tanta chuva que os oficiais do governo “disseram não haver alternativa, se
não abrir uma represa no Vale do Artibonite, inundando mais casas e

9
Extraído do Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008, do PNUD, página 186.

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provavelmente destruindo por completo o ‘cinturão do arroz’ da região


mais fértil do país, região chave para livrá-lo da fome”10.
● Em 12 de janeiro de 2010, o Haiti foi vítima da pior tragédia registrada na
história das Nações Unidas desde a sua organização11. Um terremoto de
magnitude sete atingiu em cheio a capital Porto Príncipe, às 16h53,
matando, segundo os números do governo haitiano, 316 mil pessoas,
deixando outras 350 mil feridas, e mais de 1,5 milhão de desabrigados12.
● No final do mesmo ano um surto de cólera trazido por um acampamento
de tropas do Nepal que integravam as forças de paz da ONU se alastrou
por quase todos os dez departamentos da Nação Caribenha matando mais
de sete mil pessoas, afetando quase 300 mil haitianos.

Complexidade & Fé

Como vemos, a realidade em que o Haiti vive é bastante complexa. As


soluções são de difícil identificação e, por conseguinte, sua implementação. A
estabilidade momentânea ainda não é uma garantia de um futuro próximo que
nos permita avançar a passos largos na execução de profundas mudanças. A
incerteza do curso da história haitiana aparenta ser a variável de maior impacto
sobre toda e qualquer proposta, seja de intervenção, seja do próprio
desenvolvimento comunitário. Contudo, não podemos nos esquecer que essa é a
única certeza que temos sobre nossa própria história de vida: não temos certeza
de quase nada no que diz respeito ao nosso próprio futuro!
Penso que é nesse contexto que o Autor de Hebreus inspira o texto do
capítulo 11, conhecido como “A Galeria da Fé”. Não uma fé metafísica e alianada,
nem tão pouco uma fé meramente física e humanista. A fé, dom de Deus, que se
manifesta em obras que evidenciam o Reino: justiça, paz e alegria no Espírito
Santo. Homens e mulheres, gente como eu e você, que creram e por isso falaram;

10
Artigo de Naomi Spencer. World Socialist Web Site (13 Set 2008). Página visitada em 26 set 11.
11
Afirmação feita pela porta-voz do Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários, Elisabeth Byrs, em Genebra.
AFP Brasil (16 Jan 2010). Página visitada em 26 set 11.
12
Conforme afirmado pelo primeiro-ministro do Haiti, Jean-Max Bellerive. AFP Brasil (12 Jan 11). Página visitada em 26 Set
11.

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creram e por isso fizeram; creram e por isso morreram! Um Novo Haiti não é uma
utopia ufanista, mas, um projeto de fé – fé bíblica que vem e volta pra Deus.
Assim, o quadro pintado acima nos impulsiona ir além da reflexão estéril,
estática e irrelevante. O Projeto Por Um Novo Haiti é mais que uma resposta
emergencial às necessidades básicas de um povo sofrido. Penso que a melhor
ótica é aquela que nos permite enxergar, realísticamente, Um Novo Haiti, em
todos os aspectos inseridos no cumprimento da Missão de Deus, ou seja, a
implantação do Seu Reino em todos os seguimentos da Nação: físico, emocional,
intelectual, sócio-político-cultural e espiritual. Um plano de trabalho de longo
prazo é o mínimo que se espera daqueles que, ouvindo o clamor, se dispuseram a
estar na brecha.
A chegada da primeira família missionária batista brasileira em solo haitiano
no final de abril de 2012 confirma apenas a efetivação da etapa inicial na
concretização do ideal de Um Novo Haiti. A continuidade do Programa Conexão
Haiti, iniciado em julho de 2009 pelo Setor de Voluntários da JMM, e que
consiste no envio sistemático de caravanas de voluntários das igrejas evangélicas
brasileiras contribui para a ampliação tanto da participação da Igreja Brasileira
quanto do alcance da Igreja Haitiana. As ações tópicas realizadas nas quatro
primeiras edições (jul/09, abr/10, out/10 e jan/12) em saúde, educação infantil,
esporte e capelania comunitária vem gradativamente se voltando para o
treinamento e a capacitação da própria igreja nacional a fim de que esta mesma
seja agente de transformação comunitária.
Outras ações voluntárias também tem contribuido para o avanço do Projeto
Por Um Novo Haiti. A construção das instalações da 1ª Unidade do PEPE no
Haiti, em julho passado, é um bom exemplo. Fruto da iniciativa da Igreja Batista
Central em Japuíba (RJ), uma Caravana Missionária com 06 homens e 08
mulheres investiu tempo, recursos financeiros, habilidades profissionais e muito
amor na realização dessa obra. Ainda puderam marcar a história da juventude
batista haitiana com a realização da 1ª Conferência Jovem que contou com a

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presença estratégica dos 30 líderes de juventude dos 7 Departamentos (Estados)


Haitianos onde a Conexão Batista está presente.
Penso que tudo isso deva nos impulsionar a orarmos como Jesus nos ensinou:
“Venha a nós o Teu Reino. Seja feita a Tua vontade na terra como é feita nos
céus!”
Oração essa que, no próprio exemplo de Cristo, não são meras palavras
soltas ao ar, mas a entrega total da sua vida em favor de muitas outras para que
recebam a Vida Abundante que em nós já é uma realidade eterna, de hoje para
todo o sempre!
Juntos Por Um Novo Haiti.

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