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Instituto de Ciências Humanas e Filosofia – ICHF

Disciplina: Teorias antropológicas sobre natureza e cultura


Aluno: Beatriz Alcantara Guedes do Amaral
Professor: Antônio Rafael Barbosa

SABERES LOCALIZADOS: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio


da perspectiva parcial
Donna Haraway, dentre suas diversas especializações, é tanto filosofa como
bióloga, por esse motivo trabalha muito bem acerca da dicotomia natureza e cultura, entre
outros dualismos que permeiam sua obra, tais como realidade social/ficção,
feminino/masculino, natural/tecnológico. Todos esses dualismos ela esmiúça em seu
trabalho “A cyborg Manifesto”, onde descontrói questões relativas à raça, sexualidade,
gênero e identificação feminina, a partir da perspectiva do ser Ciborgue, que é
representado como uma união do humano com o animal e o tecnológico, formando algo
que vai além das barreiras tradicionais. A partir desse trabalho principal, podemos
entender melhor as abordagens temáticas, com o foco no feminismo, tecnologia e nas
relações sociais que os envolvem.

Ao longo desse artigo, a autora busca definir o conceito de objetividade cientifica


sob uma perspectiva feminista, contrariando a objetividade vigente que é regida por
relações de dominação patriarcais, ocidentais, que foram construídas ao longo dos séculos
por homens brancos e europeus “ O "eles" imaginado constitui uma espécie de
conspiração invisível de cientistas e filósofos masculinistas, dotados de bolsas de
pesquisa e laboratórios” (HARAWAY, 2009, p.7). Esse “eles” em contraponto com as
estudiosas que enxergam para além de uma visão restrita e de um local privilegiado.
Ela propõe uma crítica justamente a essa ideologia engessada que propaga uma
neutralidade frente aos temas a serem tratados, que afirmam que, para uma produção
cientifica ser considerada válida, deve partir de um ponto de imparcialidade. No entanto,
uma produção feminista engajada deve se manifestar contra ou a favor de determinados
tópicos. A cientificidade feminista, que na verdade, parte de diversos feminismos, pois
são vertentes diferentes, cada uma com sua especialidade, busca explicar os temas
referentes a diferentes áreas da humanidade, como a ecologia, a partir do ponto de vista
das eco feministas, essas inclusive que são elogiadas pela autora que reforça o papel
essencial dessas na proposição de um enxergar o mundo, não como um objeto, mas como
um ser, que merece ser respeitado e tratado como um indivíduo, que tem seus limites e
direitos, não podendo ser simplesmente explorado o quanto o capitalismo quiser e o
quanto achar necessário para o desenvolvimento do seu modelo econômico.
Conhecimento esse que vem de forma embasada e transcendental, como é visto em:
Eu, e outras, começamos querendo um instrumento afiado para a desconstrução das
alegações de verdade de uma ciência hostil, através da demonstração da especificidade
histórica radical e, portanto, contestabilidade, de todas as camadas da cebola das
construções científicas e tecnológicas, e terminamos com uma espécie de terapia de
eletrochoque epistemológica que, longe de nos conduzir às questões importantes do jogo
de contestação das verdades públicas, nos derrubou vítimas do mal da personalidade
múltipla auto induzida.(HARAWAY, 2009, p. 13)
Haraway aborda também a questão da alternativa do relativismo, a perspectiva da
universalidade, ela se refere inclusive ao relativismo e a totalização como “truques de
deus” que promovem uma igualdade (HARAWAY, 2009 p.24), uma visão de todos, mas
que na verdade da forma como esse “todos” foi construído historicamente não abrange de
fato a totalidade dos seres e todas as visões possíveis. Por isso se faz necessária uma certa
desconstrução da sua noção de ser pois: “Não se pode "ser" uma célula ou uma molécula
- ou mulher, pessoa colonizada, trabalhadora e assim por diante - se se pretende ver e ver
criticamente desde essas posições. "Ser" é muito mais problemático e
contingente.”(HARAWAY, 2009p.25). Logo, para se adotar uma visão objetivista
feminista, se faz necessário esse entendimento do seu ser como uma totalidade, assim
como o ciborgue, que é formado parte humano, parte animal, parte tecnologia, uma
totalidade.
Ela reforça o fato de que devemos superar nossos pontos de vista a fim de produzir
um conhecimento “Identidade, incluindo auto identidade, não produz ciência;
posicionamento critico produz, isto é, objetividade” (HARAWAY, 2009, p 27). Assim
devemos nos posicionar em nossos trabalhos científicos, assumindo total
responsabilidade por aquilo que estamos escrevendo e levando para o mundo, pois para
além da academia, as nossas produções tem o objetivo de alcançar uma totalidade, para
assim ser algo transformador.
Através disso, no meu entendimento, concluo que esse artigo da Donna Haraway
é algo essencial não só para uma visão feminista, mas no saber ciência em geral, na
desconstrução de padrões de dominação que negam, ao invés de incluir, as diversas visões
que existem sobre o mundo. Inclusive, também menciona, a dicotomia fortemente
estudada no curso que é a natureza/cultura, ela claramente expressa uma visão contraria
ao antropocentrismo, não vendo a natureza como algo inferior ao ser humano, que merece
ser amplamente explorado para o nosso próprio uso, ela abomina essa ideia e a relaciona
com uma lógica colonialista capitalista (HARAWAY, 2009 p.36), defendendo que
devemos nos enxergar como seres da natureza, mais uma vez a ideia do ciborgue, que une
o ser humano ao mundo animal, e partir disso proteger a natureza.
Além disso, a visão que ela tem com relação a uma objetividade cientifica não
neutra, se insere de forma importante em estudos ecológicos, pelo motivo de não ser uma
tarefa fácil e nem coerente se abster de tomar uma posição critica com relação ao dano
real que o ser humano já causou na natureza, ficar em cima do muro com relação a essa
questão é não apenas uma ingenuidade, mas algo irresponsável, pois a natureza está em
perigo e é preciso um alerta quanto a isso.
Agora, para o entendimento dessa visão feminista, o artigo é essencial para o
rompimento de uma enorme barreira que se encontra ainda hoje enraizada, o
desmerecimento de saberes locais, o desmerecimento de saberes que contem intrínseco
uma não imparcialidade, que é o caso do cientificismo, que é radical e deve ser prestar
como tal, a fim de produzir um conhecimento que de fato nos de esperança para a
transformação do mundo, algo concreto que nos faça acreditar que exista um mundo
melhor.
O artigo toca num lugar especial em todas as mulheres feministas dentro do
mundo acadêmico, pois mostra a possiblidade de validação do “radicalismo” que existe
nos discursos e muitas vezes é tido como um defeito, algo desnecessário, nas falas de
diversas mulheres, assim, ele abre um espaço seguro para que todas se sintam incluídas e
tenham animo para expor suas heterogêneas visões de mundo.

Referencias:
HARAWAY, D. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio
da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, Campinas, SP, n. 5, p. 7–41, 2009. Disponível
em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1773. Acesso
em: 12 dez. 2021.
LONGTIN, R. Donna Haraway, “A Cyborg Manifesto”. Youtube, 5 de novembro de
2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=XiF9SBrzWoU

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