Você está na página 1de 36

HistóriaTítulo

Inserir do Cristianismo:
Aqui
Inserir Título
Origem à Reforma
Aqui
Concílios, Doutrinas e Heresias

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Edgar da Silva Gomes

Revisão Textual:
Prof.ª Esp. Kelciane da Rocha Campos
Concílios, Doutrinas e Heresias

Fonte: Getty Images


Nesta unidade, trabalharemos os seguintes tópicos:
• Os Primeiros Concílios e a Definição Cristológica: Séculos I a V;
• Os principais Concílios da Idade Média: séculos VI a IX;
• Os Concílios “Papais”: Séculos XII a XIV;
• Constança e Basileia no Século XV.

Objetivos
• Apresentar os embates “doutrina versus heresias” e a ingerência do poder temporal nos
caminhos do cristianismo.

Caro Aluno(a)!

Normalmente, com a correria do dia a dia, não nos organizamos e deixamos para o úl-
timo momento o acesso ao estudo, o que implicará o não aprofundamento no material
trabalhado ou, ainda, a perda dos prazos para o lançamento das atividades solicitadas.

Assim, organize seus estudos de maneira que entrem na sua rotina. Por exemplo, você
poderá escolher um dia ao longo da semana ou um determinado horário todos ou alguns
dias e determinar como o seu “momento do estudo”.

No material de cada Unidade, há videoaulas e leituras indicadas, assim como sugestões


de materiais complementares, elementos didáticos que ampliarão sua interpretação e
auxiliarão o pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de
discussão, pois estes ajudarão a verificar o quanto você absorveu do conteúdo, além de
propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de
troca de ideias e aprendizagem.

Bons Estudos!
UNIDADE
Concílios, Doutrinas e Heresias

Contextualização
Para contextualizar nossas unidades, utilizarei o recurso de filmes e documentários,
porém será necessário, como em toda fonte histórica, refletir de forma crítica a situação-
-problema apresentada para a introdução dos estudos da nossa disciplina.

Assista ao vídeo disponível no link a seguir:

Los grandes concilios. Disponível em: https://youtu.be/-TIrbV_Y9jc

6
Os Primeiros Concílios e a
Definição Cristológica: Séculos I a V
Os primeiros concílios ecumênicos entre os séculos I a V da Igreja Cristã, definida
posteriormente como Católica, após a Reforma Protestante, estão dispostos dentro da
seguinte baliza cronológica: iniciam-se no século IV, no ano de 325, com Niceia, cidade
localizada na Turquia e que fazia parte do Império Romano do Oriente, assim como
Calcedônia no ano de 451. A marca destas assembleias será sua convocação realizada
por imperadores, e isto vai se dar até o Concílio Vaticano I, no século XIX. A partir
deste concílio, todos serão convocados por papas sem a intervenção de governos se-
culares. Veremos a seguir quais as principais definições e embates que enfrentaram as
autoridades civis e eclesiásticas nos concílios tratados neste tópico e consequentemente
nesta unidade.
A palavra “Concílio” significa assembleia reunida por convocação e,
na Igreja, um concílio sempre teve como objetivo discutir, definir e
deliberar sobre questões de doutrina, fé, pastorais e costumes. Antes
do século XIX, os concílios eram convocados pelos imperadores e, so-
mente a partir do Concílio Vaticano I, eles passam, então, a ser uma
reunião dos bispos convocados pelo papa. O texto de At 15, 6-35,
que narra o encontro dos apóstolos reunidos em Jerusalém, onde
discutiram a questão da disciplina a ser aplicada aos judeus-cristãos e
aos pagãos convertidos à fé cristã, pode ter sido a inspiração para a
realização dos concílios. Segundo este texto bíblico, após apresentada
a questão, eles a discutiram e depois rezaram invocando o Espírito
Santo, que suscitou o que eles deviam fazer, e todos acataram aquela
decisão como vontade de Deus. Apesar deste encontro ser chamado
de “Concílio de Jerusalém”, ele não pode ser considerado um concílio,
pois esta nomenclatura passou a existir somente depois do Concílio
de Niceia, no ano 325, o primeiro Concílio da Igreja. Ao longo do
tempo, até os dias de hoje, a Igreja Católica realizou vinte e um Con-
cílios Ecumênicos (Ecumênico aqui no sentido de universal ou global,
com representantes da Igreja de distintos lugares, bem como quanto
à doutrina e costumes eclesiásticos aceitos como norma para toda a
Igreja Católica).

Fonte: http://bit.ly/2MKsjTj

Tabela 1
LOCALIZAÇÃO ANO PAPA IMPERADOR
Concílio de Niceia 325 Silvestre I Constantino Magno
Concílio de Constantinopla 381 Dâmaso I Teodósio Magno
Concílio de Éfeso 431 Celestino I Teodósio, o Jovem
Concílio de Caldedônia 451 Leão I Marciano

7
7
UNIDADE
Concílios, Doutrinas e Heresias

Figura 1 – Império Bizantino


Fonte: Wikiwand

Figura 2 – Byzantium
Fonte: Wikimedia Commons

Concílio de Jerusalém (49)


[...] haviam descido alguns da Judeia e começaram a ensinar aos ir-
mãos: ‘se não vos circuncidardes segundo a norma de Moisés, não
podereis salvar-vos’. Surgindo daí uma agitação e tornando-se vee-
mente a discussão de Paulo e Barnabé com eles, decidiu-se que Paulo
e Barnabé e alguns outros dos seus subiriam a Jerusalém, após após-
tolos e anciãos, para tratar do litígio. (At. 15, 1-2)

Em quase sua totalidade, os Concílios Ecumênicos têm por finalidade sanar algum
“mal” que atinge a comunidade, algo que poderia, em tese, colocar a unidade cristã
em perigo. Neste caso, no ano de 49 d.C., chegou-se a um impasse no seio da comu-
nidade cristã de Antioquia, como vemos na pericope acima, extraída do livro dos Atos
dos Apóstolos, especificamente da Bíblia de Jerusalém. Diz-se que Paulo e Barnabé
rumaram para Jerusalém, atravessando a Fenícia e a Samaria, convertendo os gentios e

8
causando grande alegria por onde passavam, e ao chegarem a seu destino foram rece-
bidos por toda a Igreja e pelos apóstolos e anciãos de Jerusalém.

Em seu destino, os fariseus que abraçaram a fé cristã, após o narrado por Paulo e
Barnabé sobre a conversão de fenícios e samaritanos, “diziam que era preciso circunci-
dar os gentios e prescrever-lhes que observassem a lei de Moisés” (At. 15, 5). Seria esta a
segunda controvérsia que Paulo e Barnabé enfrentavam em um curto espaço de tempo.

“Reuniram-se então os apóstolos e anciãos para examinarem o problema”. (At. 15,6.)

O que se segue é de conhecimento de todos, Pedro tomou a palavra e discorreu so-


bre a sua pregação para os gentios de acordo com o que Deus lhe colocou no coração.
Segundo o apóstolo, como Deus conhece o coração dos homens, acolheu os gentios
e derramou sobre eles o Espírito Santo, assim como já fizera pelos judeus seguidores
de Cristo. A conversão deve ser para todos e não haveria nenhuma vantagem entre os
convertidos. Em síntese, a discussão entre os apóstolos e anciãos decidiu não colocar
sobre as costas dos convertidos nenhum fardo, ou seja, o que salva é a graça de Deus
e não a Lei, porém elaboraram uma “carta apostólica”, que foi entregue para Paulo,
Barnabé, Judas e Silas, a fim de exortá-los sobre algumas decisões tomadas no Concílio
de Jerusalém (At. 15, 22-29). Para termos uma imagem mental da localização de Antio-
quia, temos abaixo o percurso da “Segunda viagem de Paulo”.

Figura 3 – As viagens missionárias do apóstolo Paulo


Fonte: churchofjesuschrist.org

Por que resolvi iniciar nossa reflexão sobre os primeiros concílios com o Concílio de
Jerusalém, se tecnicamente, para muitos pesquisadores da “História dos Concílios”, este
concílio pode ser considerado tecnicamente um Sínodo ou Concílio Regional? Bem, pri-
meiro porque acredito que este é sim o primeiro concílio ecumênico cristão, haja vista que
por que seria regional se ali estavam reunidos “todos” os apóstolos e anciãos da Igreja
Cristã nascente?! Segundo porque ele, o concílio de Jerusalém, tem características do
que, em geral, leva os homens da Igreja a se reunir para formar um concílio, ou seja, uma
controvérsia que poderia colocar em risco a unidade da Igreja. Não vamos nos aprofundar
nesta questão, mas apenas indicar esta importante reunião cristã no ano de 49 d.C.

9
9
UNIDADE
Concílios, Doutrinas e Heresias

Concílio de Niceia (325)


Caros estudantes, agora vamos nos “transportar” para o século IV e fazer um cur-
to circuito pelo Concílio de Niceia, começando pelas principais discussões em que se
envolveram os participantes desta reunião convocada pelo Imperador Constantino e
o que estava em jogo neste contexto e que poderia causar ruídos na doutrina cristã
em desenvolvimento.

As principais decisões tomadas pelos homens da Igreja e do poder civil (pois se um


concílio é convocado por um imperador algum interesse ele teve para sua convocação)
foram as seguintes. Combate ao arianismo, com a elaboração de uma profissão de fé
pregando a igualdade de natureza do Filho com o Pai. A profissão de fé fixa a doutrina
sobre o princípio trinitário, representada por Orígenes, onde se prega: “Deus de Deus,
Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao
Pai”. Santo Atanásio de Alexandria, bispo que enfrentou o diácono Ário de Alexandria e a
doutrina do Logos, foi um defensor ferrenho desta profissão de fé (FRANGIOTTI, 1995,
p. 85-98). Nesta ocasião, também foi fixada a “data” para comemoração da Páscoa, ela
seria celebrada após a primeira lua cheia da primavera. Também ficaram estabelecidos os
Patriarcados em ordem de dignidade: Roma, Alexandria, Antioquia e Jerusalém.

Retomando a questão dos interesses civis dos imperadores na convocação dos con-
cílios, podemos citar Alberigo. Segundo este autor, que organiza o livro História dos
concílios ecumênicos, a intervenção do imperador Constantino em favor do cristia-
nismo é bastante clara na história da Igreja, porém o campo em que mais se sentiu sua
intervenção, e de outros que se seguiram, foi o instituto sinodal, que molda a questão
jurídica para se convocar estas assembleias através de “um preciso reconhecimento jurí-
dico e suas decisões passam a ter efeito no âmbito das leis imperiais. O caráter público
das assembleias eclesiásticas é, em particular, enfatizado pelo fato de que o imperador
se atribui a tarefa de convocar os concílios” (ALBERIGO, 1995, p. 16).

Em termos gerais, as leis do império definiram os modos de participação, desenvolvi-


mento de um concílio, além de dar sanção legal às decisões tomadas nos concílios. É o
que podemos chamar de “placet imperial”, ou seja, entra em vigor o que é aprazível ao
poder civil, quem sanciona as decisões eclesiásticas para que elas se tornem válidas em
um império. Constantino, porém, não fez nada mais do que estava acordado desde a
antiguidade, ou seja, “a conduta de Constantino era de acordo com as ideias da antigui-
dade, que reconheciam ter o imperador especial responsabilidade em matéria religiosa.
Essa imagem do soberano como pontifex maximus se infiltrará também no cristianis-
mo” (ALBERIGO, 1995, p. 17-18).

Constantino havia unificado seu império sob a égide do cristianismo, após uma crise
na igreja africana entre os donatistas e o bispo Ceciliano de Cartago, que precisou de
sua intervenção indireta; outras questões foram se avolumando entre os anos de 314 até
a convocação de Niceia. O temor de Constantino se justificava pelo fato de que a religião
cristã era a base da união de seu império no Ocidente. “Derrotado Licínio e unificado
o império sob o próprio cetro (324), Constantino percebeu ameaça à paz religiosa e,
com ela, à concórdia social que tanto prezava, na controvérsia surgida há alguns anos”

10
(ALBERIGO, 1995, p. 18). E qual era essa questão que sai de Alexandria e começa a
se espalhar por seu império? O arianismo, como colocamos acima. Hoje as questões
colocadas para se convocar Niceia e os conflitos existentes não são tão claros. Para
Alberigo, os elementos teológicos hoje são questionáveis, houve uma disputa doutriná-
ria, “que dizia respeito ao problema do relacionamento entre o Filho ou Logos de Deus
e Deus Pai, como ponto de chegada de uma reflexão que vinha se arrastando há mais de
dois séculos, especialmente no seio do cristianismo oriental” (ALBERIGO, 1995, p. 18).

Era esta a razão para uma disputa intelectual no seio do cristianismo em formação,
porém o imperador não poderia correr o risco de deixar sua base religiosa, o cristia-
nismo, ruir por causa desta disputa que vinha se arrastando, como dissemos acima, há
mais de dois séculos. Foi convocado o Concílio de Niceia na tentativa de se pôr um fim
nesta situação. Mas apesar das decisões conciliares, a pendenga continuou por muito
tempo no seio da Igreja, principalmente em seu ramo oriental, tendo em santo Atanásio
um dos pilares do combate aos arianos. Contudo, o imperador conseguiu seu intento ao
dar seu placet à condenação da heresia ariana.

Não é fácil fazer o percurso histórico do Concílio de Niceia, há muitas lacunas nas in-
formações e imprecisões inclusive sobre a data de encerramento do Concílio. De todos os
assuntos tratados e sobre a presença dos convocados, é certo que o início se deu no dia
20 de maio de 325, no palácio imperial da cidade, e a abertura oficial foi presidida por
Constantino. Segundo Alberigo, não temos um número suficiente de atas para discutir
questões importantes, “a falta dessa documentação condiciona amplamente as tentativas
de reconstrução histórica” (ALBERIGO, 1995, p. 23). Não se pode nem mesmo afirmar
que o imperador tenha tido a intenção de convocar uma assembleia conciliar em Niceia.
Para Alberigo, uma fonte siríaca dá a entender que o concílio deveria ter sido na cidade de
Ancira, na Galácia, cidade onde se encontrava Marcelo, um forte opositor de Ário, mas
há nesta lacuna de informações a possibilidade de o imperador ter mudado de ideia na
tentativa de promover uma política mais moderada e não aprofundar as diferenças entre
os adversários. Esta política é, segundo Alberigo, possível de se “ler” na convocação de
Alexandre e Ário. No fim das contas, o concílio se desenvolveu em Niceia e teve uma
ampla convocação, 318 padres, segundo as fontes imprecisas encontradas na “Vida de
Constantino”, escrita por Eusébio de Cesareia. Houve uma ampla participação das igrejas
orientais e pouquíssima visibilidade às igrejas ocidentais, muito limitada, mas isso também
foi a dinâmica dos primeiros concílios da igreja universal. A heresia ariana foi rejeitada e o
ato mais importante foi a redação e aprovação da definição de fé, na forma de “símbolo”,
um compêndio das verdades essenciais professadas pela Igreja. Tam-
bém para esse episódio central devemos recorrer ao testemunho –
sobre vários aspectos problemático – de Eusébio de Cesareia. Numa
carta aos fiéis da sua diocese, escrita em defesa da decisão conciliar
quando ainda se encontrava em Niceia, ele conta como se chegou ao
texto do símbolo, a partir de proposta sua [...] segundo a apresentação
feita por Eusébio, o símbolo Niceno nada mais seria que uma reela-
boração da profissão de fé que ele próprio havia exposto ao concílio.
Depois da sua leitura, o próprio Constantino teria expresso a sua
aprovação, exigindo apenas alguns complementos às suas formula-
ções. (ALBERIGO, 1995, p. 28)

11
11
UNIDADE
Concílios, Doutrinas e Heresias

O Credo Niceno reafirma a divindade consubstancial do Filho ao Pai e decreta um


anátema contra Ário e o arianismo, rebatendo as teses arianas segundo as quais o Logos
é criado do nada e não se dá nenhuma comunhão ontológica entre o Filho e o Pai, por
isso a fórmula antiariana “Deus verdadeiro de Deus Verdadeiro”. Eusébio de Cesareia
também afirmava esta verdade de fé ao dizer que o Pai é verdadeiro Deus e o Logos é
Deus. Segundo Alberigo, os arianos não pretendiam mais negar a divindade do Filho,
admitindo, inclusive, que era Deus e realmente existente.

Outra questão não menos importante abordada pelo concílio foi a doutrina ou “dis-
ciplina eclesiástica”, pois dela dependia também a unidade da igreja, e isto recai sobre
uma questão que indicamos acima, a data da Páscoa, ela deveria ser festejada no mes-
mo dia, pois a indefinição da data para se comemorar a Páscoa já havia causado certo
desconforto no Sínodo de Arles. Havia neste contexto três comemorações diferentes
para esta data em Roma, Alexandria e Antioquia. Havia diferença no cálculo para se
comemorar a Páscoa, porém estavam dispostos a entrar em um acordo. Muitas outras
decisões importantes foram sendo tomadas pelos cânones deste concílio, como, por
exemplo, sobre o “governo da Igreja e as instâncias locais e jurisdições regionais”, onde
os limites do bispado deveriam seguir os limites das instâncias civis; o poder de ação dos
bispos em suas dioceses; a hierarquização dos governos eclesiásticos locais e regionais,
ou seja, a jurisdição de cada bispo vai sendo definida a partir de Niceia. Há também a
preocupação em fixar o clero em um determinado território, evitando-se sua mobilidade
excessiva e outros abusos em uma instituição em expansão interna e externa, ou seja,
a Igreja crescia em territórios e internamente no aumento do contingente de vocações
para “ser padre”. O concílio também tenta criar normas para garantir a honra e dignida-
de do clero e evitar abusos (ALBERIGO, 1995).

O concílio também se ocupou de resgatar os grupos cismáticos para que estes retor-
nassem ao convívio eclesial. Os melacianos e os novacianos “podem ser readmitidos na
Igreja com a imposição das mãos, depois de declararem por escrito que se conformam
à sua doutrina” (ALBERIGO, 1995, p. 43). Esta exigência dizia respeito principalmente
ao fato de os novacianos, ou “puros”, aceitarem comungar com os casais que contraíram
segundas núpcias. O clero proveniente dos cismáticos “puros” só poderia exercer suas
funções em suas aldeias se não houvesse algum membro não cismático, ou seja, ortodo-
xo, do qual seriam subordinados. As regras para novacianos e melacianos são semelhan-
tes, os melacianos já estavam sob estas regras devido ao sínodo realizado na Igreja de
Alexandria. Os cismáticos paulianistas, seguidores de Paulo de Samosata (ALBERIGO,
1995), que não aceitaram a condenação de seu líder, sofreram imposições muito mais
severas. O concílio de Niceia procurou, em suma, uniformizar os costumes da Igreja em
contínua expansão.

Heresia ariana
Ário, diácono de Alexandria, formou o conceito do Logos sobre a doutrina Cristoló-
gica. Segundo Frangiotti, “Em suas pregações, de maneira inflamada, começou a expri-
mir algumas ideias sobre a Trindade que se apresentavam ao adocionismo e ao subor-

12
dinacionismo de seu mestre Luciano de Antioquia” (sic) (FRANGIOTTI, 1995, p. 85).
É com Ário que o subordinacionismo vai ganhar popularidade na Igreja cristã antiga.
Esta crença primitiva afirmava que Cristo era subordinado a Deus, o Pai em essência,
ou seja, igualdade ontológica.

A concepção da heresia subordinacionista, segundo Frangiotti:


Reconhece em Jesus Cristo não apenas um homem dotado por Deus,
mas o Filho criado pelo Pai antes da criação do mundo. Cristo foi
chamado à existência antes de todas as coisas e desempenhou uma
função mediadora na obra da criação. É uma criatura excelsa, mas
subordinada ao Pai. (1995, p. 75)

Figura 4 – Uma cronologia da controvérsia ariana


Fonte: Wikimedia Commons

A doutrina ariana consiste na afirmação de que existe “um único Deus”; portanto
esse ser Supremo e eterno era absoluto, imutável e incorruptível e não poderia se co-
municar com a humanidade, segundo Ário, “seu Ser, nem mesmo parcela dele, nem
por criação, nem por geração. Se Deus não é corpo, não pode ser composto, divisível.
Assim, é impossível a Deus gerar um filho. Tudo o que está fora dele, portanto, foi
criado do nada” (FRANGIOTTI, 1995, p. 97). Sendo assim, o Cristo é uma criatura de
Deus, um ser intermediário que serviria de instrumento da criação. Então, quem seria
Cristo? Só poderia ser, segundo Ário, o Logos, um ser superior e também anterior a
todas as criaturas, porém não seria um ser eterno, se foi gerado não poderia ser nem
“coeterno” e nem “consubstancial”. A heresia ariana afirmava que Cristo seria o recep-
táculo do Logos, ou seja, da palavra de Deus, que se encarnou em Jesus, era a alma
Dele, que foi adotado como Filho de Deus. Para ele, houve uma “contaminação” com o
corpo humano, portanto não seria Deus, que é incorruptível, intemporal, puro, eterno
e incomunicável.

13
13
UNIDADE
Concílios, Doutrinas e Heresias

Concílio de Constantinopla (381)


O Concílio de Constantinopla foi convocado no ano de 381 pelo imperador Teodósio
no pontificado de Dâmaso I. As principais pautas deste concílio eram estabelecer a divin-
dade do Espírito Santo, além de estabelecer uma condenação do patriarca Macedônio,
contrário à doutrina da igreja que fixava no credo o seguinte termo: “Cremos no Espírito
Santo, Senhor e fonte de vida, que procede do Pai, que é adorado e glorificado com o
Pai e o Filho e que falou pelos profetas. Com o Pai e o Filho ele recebe a mesma adora-
ção e a mesma glória”. Bizâncio (Constantinopla) foi tida como sede proeminente às se-
des de Antioquia, Alexandria e Jerusalém, era tida então como “A Segunda Roma”. Foi
também neste concílio que se formulou a profissão de fé Niceno-Constantinopolitana, o
bastante conhecido “Credo ou Creio”.

Segundo Alberigo:
Os desdobramentos do conflito sobre o arianismo dominam ampla-
mente a história política, eclesiástica e doutrinária até o concílio cons-
tantinopolitano [...] por isso, que a época que se segue a Niceia pode
ser vista [...] como história da recepção do concílio. (1995, p. 46)

Ou seja, para que um concílio seja “assumido” pela comunidade eclesial, é sempre
necessário um período de maturação do que foi promulgado pelos “anciãos” do povo de
Deus. Vai sempre haver um período de lutas internas e adaptações, sempre haverá um
grupo que sai vencido no debate em que se formulam as “regras” que nortearão a vida
da Igreja. Neste caso, havia o grupo que não se conformava com a condenação de Ário,
tido em sua comunidade como um homem de vida santa. O ponto alto do concílio para
a Igreja foi o reconhecimento do símbolo de fé promulgado em Niceia, reconhecendo-o
como tradição.

Segundo estudiosos do assunto, “foi graças a ele (Constantinopla) que o resultado


doutrinário de Niceia passou definitivamente a constituir parte do patrimônio comum
das Igrejas tanto do Oriente quanto do Ocidente” (ALBERIGO, 1996, p. 57). E não foi
apenas isso, a recepção do símbolo constantinopolitano ajudou a formar, de certa for-
ma, consciência sobre a autoridade conciliar em relação à regra de fé. Neste concílio,
houve protagonismo de Gregório de Nanzianzeno, e através das cartas deste padre da
Igreja é que conseguimos boas fontes para formular nossa visão sobre Constantinopla
I, fontes estas que se juntam às informações esparsas de historiadores eclesiásticos con-
temporâneos ao concílio.

Em Constantinopla, foram promulgados sete cânones, sendo quatro de caráter dou-


trinário e três cânones de caráter disciplinar. Vamos aos que trataram das mais impor-
tantes decisões para o contexto da Igreja. O primeiro cânone versa sobre a condenação
dogmática do arianismo e, com ele, do macedonianismo, “depois de ter reforçado a
validade permanente da fé nicena, são formulados anátemas para cada heresia, nome-
ando-se expressamente [...] as várias formas de doutrinas surgidas mais ou menos dire-
tamente do tronco do arianismo” (ALBERIGO, 1995, p. 67). O cânone seguinte reforça
a legislação emitida em Niceia sobre os limites impostos aos bispos diocesanos quanto à

14
restrição de se manterem em suas jurisdições. No terceiro cânone, houve a decretação
da dignidade do patriarcado de Constantinopla, que diz que “o bispo de Constantinopla
[...] deve ter a prerrogativa de honra, após o bispo de Roma, pois Constantinopla será
a Nova Roma”. Houve um motivo para esta prescrição do concílio, no ano de 330 a
capital do Império Romano foi transferida para Bizâncio, tornando-a um centro político
e eclesiástico de grande relevância.

Constantinopla, disponível em: http://bit.ly/2yJouVS

Mas, a decisão mais importante do concílio refere-se ao “símbolo dos 150 padres”, ou
seja, o credo niceno-constantinopolitano. Segundo Alberigo, ele é o credo mais impor-
tante de toda a história do cristianismo. Porém, este símbolo é também um grande enig-
ma para a história da Igreja, “nenhuma fonte relativa ao concílio nos fala dele e é preciso
esperar até 451 para que se inaugure formalmente a sua recepção [...] após um silêncio
que aparentemente durou decênios, o concílio de Calcedônia se reportara por primeiro
(a ele)” (ALBERIGO, 1995, p. 68). Neste contexto, Constantinopla não só havia confir-
mando a fé católica e apostólica de Niceia, como também extirpou as heresias que foram
surgindo depois. Estes dois concílios foram fundamentais para extirpar as heresias em
voga na época, ou seja, eles tiveram, segundo Alberigo, uma função anti-herética. Em
linhas gerais, são estas as mais importantes resoluções que Constantinopla deixou para
o aperfeiçoamento político e doutrinário da instituição eclesiástica.

Concílio de Éfeso (431)


No ano de 431 d.C., o papa era Celestino I e o imperador Teodósio, o Jovem, porém
as questões “em cima” das quais o concílio de Éfeso precisava se debruçar para resolver
ainda resvalavam em debates nada novos para os padres conciliares! Quais foram, en-
tão, as principais problemáticas deste concílio?

As principais decisões que o concílio deixou como legado foram: sobre a natureza
de Cristo - “Cristo é uma só Pessoa e duas naturezas”; também definiu “o dogma da
maternidade divina de Maria”, rebatendo o bispo Nestório, patriarca de Constantinopla,
que foi deposto por ser considerado “herético” - estava definido, então, que Maria é
THEOTÓKOS, “Mãe de Deus, não porque o Verbo de Deus tirou dela a sua natureza
divina, mas porque é dela que Ele tem o corpo sagrado dotado de uma alma racional,
unido ao qual, na sua pessoa, se diz que o Verbo nasceu segundo a carne”. Outra heresia
combatida pelo concílio de Éfeso foi o pelagianismo, disseminada pelo monge asceta
Pelágio, que negava os efeitos do pecado original.

Vamos nos deter neste ponto aos embates sobre a questão “Cristológica” que se arrasta-
ram até Éfeso sem solução! Segundo Bellitto, algumas questões estavam por ser debatidas:
Como se explicaria o fato de Jesus ser uma única pessoa, humano e
divino ao mesmo tempo?
Seria Jesus de fato duas pessoas distintas e, ao mesmo tempo, uma
fusão dessas duas pessoas em uma só?
Será que ele era humano em algumas ocasiões e divino em outras?

15
15
UNIDADE
Concílios, Doutrinas e Heresias

Quais seriam as consequências das respostas dadas a essas perguntas


para a sua relação com Maria e para a encarnação?
Será que Maria era mãe apenas do Jesus Humano (e nesse caso deve-
ria ser chamada de Christotókos) ou será que ela era também mãe de
Deus? (e então seria chamada de Theotókos) (BELLITTO, 2016, p. 39)

As questões debatidas neste concílio têm um personagem interessante para nossa re-
flexão, Nestório, bispo de Constantinopla, que perseguiu com afinco os hereges arianos
e apolinaristas, cai em desgraça ao fazer a defesa de que Maria era mãe do Jesus huma-
no. Havia também dentro do concílio a ala de padres que defendiam que Jesus era duas
pessoas separadas, conforme aponta Bellitto, seria Jesus o “outro e outro”. Ao defender
que Maria era mãe de Cristo, encontrou oposição para sua tese em Cirilo de Alexandria,
o papa deu permissão para que Cirilo falasse em seu nome no concílio.
O argumento para rebater o “nestorianismo” foi o de que Nestório estava dividindo
Jesus ao meio ao negar que o humano e o divino eram em Jesus uma única pessoa.
A tese de Nestório já havia sido debatida em sínodos locais, mas por falta de consenso
o debate precisou da convocação do concílio realizada pelo imperador Teodósio, o Jo-
vem. Com o aval do papa, a presidência deste concílio coube a Cirilo, que condenou o
nestorianismo e chamou Nestório de “um segundo Judas” em carta enviada ao bispo de
Constantinopla, para que ele tivesse consciência de sua condenação.
Este concílio foi bastante confuso em sua organização, pois Cirilo iniciou os debates
acerca das teses de Nestório antes que seus partidários chegassem e pudessem defendê-
-lo, nem mesmo a delegação papal estava presente. Com isso, os partidários de Nestório
tentaram uma assembleia paralela e condenar Cirilo, nem mesmo os delegados do papa
estavam contentes com tal atitude. O imperador chegou a dissolver a assembleia rea-
lizada em Éfeso devido a toda a confusão. Os partidos envolvidos nestas disputas pro-
curaram envolver o imperador em suas teses, porém não conseguiram seus intentos.
O conflito estava afetando a própria corte, Teodósio estava envolvido em uma difícil
missão de decidir por um dos lados e, “nessa obra de persuasão, Cirilo, graças aos seus
contatos e a maior disponibilidade de meios, levará a melhor, determinando amplamente
o resultado final favorável ao seu concílio” (ALBERIGO, 1995, p. 83).
O tempo deu, então, a Cirilo e seus partidários a vitória final nas disputas. Após dois
anos, os bispos orientais condenaram Nestório, “reconheceram Maria como Theotókos
[...] e afirmaram que Jesus realmente tinha uma natureza humana e uma natureza divina
que se uniam em uma só pessoa” (BELLITTO, 2016, p. 41). O papa na ocasião do acor-
do final era Sisto III e coube ao imperador decretar no ano de 436 d.C. o exílio de Nes-
tório e a queima de todos os seus escritos. Houve também o reconhecimento, pelo papa
Sisto III, da oficialidade da assembleia de Cirilo e seus seguidores e não da assembleia
paralela realizada por João de Antioquia, defensor de Nestório, como sendo o verdadei-
ro concílio de Éfeso. Cirilo também ressaltou em suas cartas, tanto na carta de condena-
ção das teses de Nestório quanto na carta que foi escrita para João de Antioquia, para se
“acertarem” que o Concílio de Niceia e seu credo deveriam ser mantidos como verdade
de fé e “que não será mais permitido produzir, escrever ou formular nenhum outro credo
que não seja aquele que foi definido pelos santos padres que se reuniram em Niceia por
obra do Espírito Santo” (BELLITTO, 2016, p. 42).

16
Concílio de Calcedônia (451)
O papa Leão, o Grande, estava no trono de Pedro e o imperador Marciano coman-
dava o Império Romano do Oriente durante a realização do concílio de Calcedônia no
ano de 451 d.C., no qual os principais debates estavam em torno de reafirmar a Cristo-
logia do Concílio de Éfeso, em que a decisão dos santos Padres pregava o ensinamento
da confissão em um só e mesmo Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, divino e humano,
verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, composto de uma alma racional e
de um corpo, consubstancial ao Pai segundo a divindade, consubstancial a nós segundo
a humanidade, que foi semelhante a nós em tudo, com exceção do pecado. Ainda se-
gundo Éfeso, foi ratificado que Jesus, nascido de Maria, a Virgem, a tornou Theotókos.
Em Calcedônia houve também a condenação da simonia, dos casamentos mistos e das
ordenações absolutas, realizadas sem que o clérigo tivesse determinada função pastoral.
O número de bispos que participaram deste concílio é incerto e segundo alguns historia-
dores, esse número pode variar da indicação de 600 membros, conforme o quer o papa
Leão, até o número de 350, média de participante por sessões.

Apesar da variação no número de participantes, Alberigo salienta que “a respeito do


desenvolvimento dos debates, somos amplamente informados pelas atas, cujo núcleo
original foi composto no pós-concílio [...] as atas oferecem uma panorâmica bastante
pormenorizada e concreta dos trabalhos conciliares” (ALBERIGO, 1995, p. 93-94). Este
autor nos informa ainda que nos registros das atas do concílio pode-se ter uma visão
ampla das posturas coletivas e individuais que permeavam as discussões e do contexto e
clima da assembleia, mas ressalta também que apesar disto essas atas não são relatórios
completos e objetivos dos fatos ocorridos durante o concílio.
Neste concílio, as disputas pela direção das assembleias foram marcadas pela queda de
braço entre o papa Leão e o imperador Marciano. O imperador deixa clara sua intenção
de manter uma linha precisa de política religiosa ao nomear para organizar o trabalho
uma comissão composta por funcionários imperiais, que deveriam cuidar do desenvolvi-
mento dos trabalhos para relatar a ele o que estava acontecendo. “A presença dos comis-
sários mostra claramente que a iniciativa no debate conciliar está, em grande parte, nas
mãos do imperador, embora Leão pretendesse a presidência para seus legados e formu-
lasse uma espécie de regulamento” (ALBERIGO, 1995, p. 94). Havia diferentes pontos de
vista entre o imperador e Roma. Segundo o papa, era papel jurídico de Roma julgar os
hereges, porém para o imperador, “o concílio era chamado a formular, em seu nome, uma
profissão de fé capaz de resolver o problema dogmático que dividia o Oriente, tratando-se
em segundo tempo os casos pessoais” (Alberigo, 1995, p. 94). Sendo assim, o papa e o
imperador tentavam resolver cada um “os seus problemas”. O papa mais preocupado com
as heresias sob o ponto de vista das formulações de fé, e o imperador com as questões que
poderiam dividir o seu império baseado nas disputas de fé.
A heresia a ser combatida em Calcedônia era o “monofisismo”, que surgiu do exa-
gero de partidários de Cirilo em se opor ao nestorianismo. Essa questão deu-se pela
condenação radical da heresia que combatiam, pois passaram a insistir no sentido da
“perfeita identidade”, em proveito da divindade e em detrimento da humanidade de
Cristo. Quando Nestório combateu o apolinarismo, caiu na heresia de dividir a pessoa

17
17
UNIDADE
Concílios, Doutrinas e Heresias

de Cristo, ou seja, para ele havia duas pessoas com duas naturezas. Os monofisistas
radicalizaram com a defesa da unidade da natureza de Cristo: monos = um só, único;
e fysis = natureza. Sendo assim, um grupo passa a enfatizar a divindade de Cristo e
quase “apagando” sua humanidade, continuava “a sustentar que a natureza divina de
Jesus sobrepujava e até mesmo suprimia, em certo sentido, a sua natureza humana [...]
encontrou o seu defensor mais apaixonado em Eutíquio, um monge que vivia em Cons-
tantinopla” (Bellitto, 2016, p. 43).

Um dado importante a ser exaltado sobre o concílio de Calcedônia foi o exemplo de


que um concílio pode se basear em outro concílio, ou seja, retomavam-se questões ante-
riores, confirmando-as ou esclarecendo pontos ainda em disputa para propor e resolver
questões que haviam suscitado a convocação do novo concílio. “Os concílios de Niceia I,
de Constantinopla I, de Éfeso e Calcedônia estavam começando a adquirir uma preemi-
nência e uma importância maior do que os sínodos locais e regionais que costumavam
elaborar a linguagem doutrinária” (Bellitto, 2016, p. 45). O papa Gregório I chegou a en-
fatizar a importância desses quatro concílios quando os comparou aos quatro evangelhos.

Os principais Concílios da
Idade Média: séculos VI a IX
Neste contexto, vamos ter mais três concílios em Constantinopla, os de números II, III
e IV e o concílio de Niceia II. Mas, o que aconteceu de importante nestes quatro concílios
que vão dos séculos VI ao IX?

Constantinopla II (553 d.C.)


O concílio de Constantinopla II foi convocado pelo imperador Justiniano II na época do
papa Virgílio e a questão se deu para que fosse resolvida a persistência do nestorianismo no
seio da Igreja cristã. O imperador insistiu na condenação dessa heresia e de seus promul-
gadores neste contexto: Teodoro de Mopsuéstia, Teodoreto de Cyr e Ibas de Edessa, que
através de suas obras mantinham vivos os debates sobre as ideias nestorianas. O caso era
o seguinte: “estes três autores foram acusados de simpatizarem com o nestorianismo, de se
opor aos ensinamentos de Cirilo e favorecer o monofisismo ao se aferrarem à ideia de que
Jesus tinha uma só natureza, o divino sobrepujando o humano” (BELLITTO, 2016, p. 46).

A nota interessante é que a esposa de Justiniano, a temida imperatriz Teodora, es-


tava morta quando se instalou o concílio. Ela era simpática ao monofisismo, apoiou a
eleição do papa Virgílio, que estava na ocasião do concílio em Constantinopla mas não
compareceu à assembleia. A ausência do papa, segundo alguns historiadores, tem uma
explicação: o imperador condenava as obras dos seguidores de Nestório, acima citados,
enquanto que o papa “havia prometido que negaria os ensinamentos de Calcedônia
sobre as naturezas e a pessoa de Jesus. O papa não poderia abandonar os ensinamentos
de Calcedônia [...] extraoficialmente [...] concordava com os monofisistas” (BELLITTO,
2016, p. 46).

18
Enfim, o concílio favoreceu os desejos do imperador ao condenar os escritos e a pes-
soa de Teodoro de Mopsuéstia. Condenou os escritos, mas não a pessoa de Teodoreto
de Cyr, porém Ibas foi absolvido das acusações de enviar uma carta herética a Teodoreto,
cuja autoria não foi confirmada, o que o livrou de qualquer condenação. Mais uma vez
o papa Virgílio foi pego em contradição, pois “recusou-se a cumprir as condenações, o
que acabou colocando-o em uma situação embaraçosa quando Justiniano tornou públi-
cas as cartas que o papa havia escrito ao imperador prometendo apoiar a censura dos
três capítulos” (BELLITTO, 2016, p. 47). Pressionado pelo imperador, o papa acabou
cedendo! Foram publicados quatorze anátemas contra as heresias preexistentes, ou seja,
este concílio não só condenava os hereges, como também deixou claro que não toleraria
os seus protetores. Este concílio faz a sinopse mais acessível sobre as questões cristoló-
gicas, mariologia e teologia trinitária. Os padres conciliares deixaram claro também que
os quatro concílios anteriores eram os pilares dos dogmas da Igreja primitiva.

Constantinopla III (680-681 d.C.)


Se a pessoa de Jesus Cristo portava duas naturezas, a saber, uma humana e uma
divina, então quantas vontades havia em Jesus, ou seja, quantas vontades Ele teria? No
concílio de Constantinopla III, estava colocada mais uma questão cristológica, pois para
os teólogos presentes neste concílio, apesar do concílio de Calcedônia ter aparentemen-
te resolvido as questões cristológicas, ele não teria respondido a esta questão! Mas por
que esta questão estava sendo debatida? É “simples” responder a esta pergunta naquele
contexto. Uma escola de pensadores estava “gestando” uma “nova heresia” e precisa-
va de uma resposta dos padres da Igreja, era o monotelitismo, que “fundia a vontade
oriunda da natureza humana de Jesus à vontade oriunda da natureza divina de Jesus”
(BELLITTO, 2016, p. 48). O papa Agatão havia convocado sínodos para debater este
ensinamento. Ao todo, foram três sínodos regionais (Milão, Roma e Inglaterra), que não
conseguiram dar uma resposta satisfatória à questão. Com isso, o papa Agatão, junta-
mente com o imperador Constantino IV, optou pela convocação de um concílio.

O concílio seguiu o padrão dos anteriores em relação à composição dos padres con-
ciliares, a maioria era de orientais. Segundo Bellitto, apesar da maioria dos padres
conciliares pertencer ao Oriente, os padres ocidentais tiveram importante participação
na condenação da heresia monotelitista. Assim sendo, o concílio de Constantinopla III
“condenou o monotelitismo, declarando que Jesus, que era uma só pessoa, tinha duas
vontades [...] que correspondiam respectivamente à sua natureza humana e à sua na-
tureza divina” (BELLITTO, 2016, p. 48). Nesta ocasião, os padres conciliares também
declararam que estavam falando sob inspiração divina e seguiam a tradição estabelecida
pelo concílio de Niceia. Um dado a ser ressaltado é que devido à condenação da here-
sia monotelitista, também houve a condenação de um papa, Honório I (625-638), que
acreditava que Jesus tinha uma só vontade, porém sua condenação não se deu por ele
ser herético, mas por não ter condenado a heresia monotelitista, haja vista que alguns o
consideravam mal informado e não um herege ou defensor de uma heresia.

O papa Agatão morreu no dia 10 de janeiro de 681; coube, então, ao imperador


Constantino IV e ao papa Leão aprovar suas declarações.

19
19
UNIDADE
Concílios, Doutrinas e Heresias

Niceia II (787 d.C.) e Constantinopla IV (869-870 d.C.)


Os concílios de Niceia II e Constantinopla IV têm em seu eixo normativo questões que
envolvem Fé e Política, não que sejam uma novidade o envolvimento da política e matéria
de fé nos concílios anteriores, porém o que ficava mais explícito nas assembleias anteriores
eram questões que envolviam a construção dogmática e a ortodoxia da Igreja primitiva em
relação às questões cristológicas, mariológicas e trinitárias. Os dois últimos concílios do
primeiro milênio vão abordar questões políticas e religiosas em suas reuniões.

Niceia II (787 d.C.)


Este é o sétimo concílio do primeiro milênio e em suas reuniões foram abordadas
questões litúrgicas bastante controversas. A discussão girava em torno da expressão
de fé dos fiéis em relação aos ícones e se eles deveriam ou não venerar os ícones que
representavam Jesus, Maria e os santos. Esse debate sobre o iconoclasmo consumiu o
Império Romano Oriental. O ataque à veneração dos ícones foi liderado por monges,
funcionários do governo e soldados (BELLITTO, 2016, p. 52).
Não se tem certeza de como surgiu o impasse em relação à veneração dos ícones,
mas pode ter surgido com a perseguição dos monofisistas a esta prática, já que exage-
ravam a divindade de Jesus em relação à sua humanidade e, segundo eles, uma imagem
jamais teria o alcance representativo da divindade de Jesus. Eles iam além em sua colo-
cação sobre a prática de adoração de um ícone de Jesus.
Como um ícone só poderia representar o ser humano Jesus, ele era
necessariamente herético [...] os iconoclastas consideravam idólatras
as reproduções de Jesus, de Maria e dos santos e citavam como argu-
mento o AT contra as imagens falsas. (BELLITTO, 2016, p. 52)

A convocação do concílio se deu pelas mãos da imperatriz Irene, regente no lugar de seu
filho pequeno, Constantino VI. Para ela, o concílio deveria dar o aval sobre o uso das ima-
gens. Houve concordância do papa Adriano I, pois a decisão do concílio poderia acabar com
a violência desencadeada pelos iconoclastas. O papa enviou seu legado para o concílio, que
foi dirigido pessoalmente pela imperatriz, que se dirigiu aos padres conciliares para que se
posicionassem sobre a questão. Foi, então, que o “concílio geral reafirmou o uso dos ícones
e, por extensão, o ensinamento tradicional da Igreja de que os santos, que já haviam falecido,
podiam interceder em favor dos cristãos que ainda estavam vivos” (BELLITTO, 2016, p. 52).

Figura 5 – “Panágia Eleusa”, o tocante ícone do carinho entre Maria Mãe e Jesus Menino
Fonte: Wikimedia Commons

20
Segundo Bellitto, este concílio ainda declarou que a produção de arte representativa
estava em “total harmonia com a história e difusão do evangelho”. Com isso, houve uma
declaração explicando por que os padres conciliares chegaram à conclusão de que as
imagens eram úteis para o culto e como elas deveriam ser utilizadas apropriadamente
pelos fiéis. Como já havia se tornado uma prática dos concílios, em Niceia II houve a
condenação dos iconoclastas e foram aplicados quatro anátemas contra eles. Houve
também a ordenação para que as relíquias dos mártires fossem exibidas nas igrejas
que os iconoclastas haviam consagrado sem a presença delas. Ainda recordava o con-
cílio que era preciso deixar clara a prática herética dos iconoclastas e que a difusão de
suas ideias era heresia. “O concílio determinou que todos os livros que eram contrários
aos ícones e à sua veneração deveriam ser reunidos e trancados em Constantinopla”
(BELLITTO, 2016, p. 53).

Constantinopla IV (869-870 d.C.)


Este foi o último concílio do primeiro milênio da “Era Cristã” e de novo se reuniu em
Constantinopla, onde a questão que se colocava aqui era bastante nova:
Dois homens, Fócio e Inácio, alegavam ser o legítimo patriarca de
Constantinopla. Como o papa Nicolau I havia interferido na disputa,
algumas pessoas [...] interpretaram a sua ação como uma intromissão
indevida do Ocidente nos assuntos do Oriente.
Sendo assim, esse oitavo concílio geral abordou a doutrina apenas
para recapitular os atos e as declarações dos sete concílios que o an-
tecederam [...] foi dominado por uma situação política bastante com-
plexa, reproduzindo-se mais ou mesmo a mesma situação que ocor-
reu no concílio de Constantinopla II, quando o papa Virgílio apoiara
ora um lado, ora outro. Embora fizesse séculos que Constantinopla
e Roma competiam pela primazia na Igreja, o conflito mais recente
entre o Oriente e o Ocidente, que o imperador Basílio I gostaria de
ver resolvido, havia irrompido há apenas duas décadas. (BELLITTO,
2016, p. 54)

A questão era que o papa considerava legítima sua intervenção, pois alegava que
estava exercendo sua função na direção da Igreja universal. O imbróglio só se tornava
mais complicado, “os legados de Nicolau haviam aprovado a pretensão de Fócio, mas
alguns anos depois o papa ignorou os seus legados, excomungou Fócio e declarou
Inácio patriarca de Constantinopla” (Bellitto, 2016, p. 54). A confusão se tornou ainda
maior quando o Oriente não aceitou a intervenção do papa, afirmou Fócio como pa-
triarca e, em um sínodo regional no ano de 867, Fócio anatematizou o papa Nicolau I.
Como tudo que está ruim pode piorar um pouco mais, o imperador Basílio I assassinou
o co-imperador Miguel III e depôs Fócio. Desta feita, Inácio é apoiado pelo imperador e
assume o patriarcado de Constantinopla; neste contexto o papa era Adriano II.

Foi então convocado o concílio de Constantinopla IV. Em suas decisões, estava pre-
sente a deposição de Fócio e foram tornados nulos todos seus atos, inclusive o anátema
contra o papa Nicolau I dado no sínodo regional do ano de 867. Outra decisão foi toma-
da: “ordenou a queima de todos os seus escritos [...] além de declarar a sua oposição aos
clérigos a quem Fócio havia ordenado e promovido, ordenando a reconsagração de suas

21
21
UNIDADE
Concílios, Doutrinas e Heresias

igrejas e de seus altares” (BELLITTO, 2016, p. 54). Este concílio foi tão descaradamente
político, que é considerado o menos importante do primeiro milênio. Apesar dos re-
gistros históricos serem inconclusivos sobre este fato, existe quem defenda que o papa
João VIII chegou a rejeitá-lo e escreveu para Fócio, que após a morte de Inácio assumiu
o patriarcado de Constantinopla mais uma vez. Havia, inclusive, a possibilidade de este
concílio ser anulado, porém “alguns séculos se passariam até que o Ocidente finalmente
reconhecesse o Concílio de Constantinopla IV como ecumênico e o listasse juntamente
com os sete primeiros concílios gerais” (BELLITTO, 2016, p. 55). Fócio é reconhecido
no Oriente como santo.

Figura 5 – Fócio
Fonte: floridamonastery.org

Fócio I de Constantinopla foi o patriarca de Constantinopla entre 858 e 867 e,


novamente, entre 877 e 886 Ele é reconhecido pela Igreja Ortodoxa como São Fócio,
o Grande. Fócio é considerado o mais poderoso e influente patriarca de Constantinopla
desde João Crisóstomo e como o mais importante intelectual de seu tempo, “a luz do
renascimento do século IX”. Ele foi uma figura central tanto na conversão dos eslavos
ao cristianismo quanto no cisma de Fócio. Ele era um homem bem educado nascido de
uma família nobre de Constantinopla.

Os Concílios “Papais”: Séculos XII a XIV


Durante a longa Idade Média, divisão de período consagrada apenas pela historiogra-
fia Ocidental, temos em parte dela sete concílios denominados pela historiografia eclesi-
ástica como sendo os “concílios papais”, a saber: os Lateranenses de I a IV, nos séculos
XII e XIII; os dois concílios Lionenses, no século XIII; e o de Vienne, no século XIV.

22
Estes concílios tiveram um motivo para estar na sede de Pedro em Roma. No ano de
1054, houve o primeiro grande cisma da cristandade, denominado por alguns historia-
dores como “O Grande Cisma do Oriente”.

Segundo Alberigo, a ruptura de 1054 foi aceita sem grandes problemas pelas par-
tes envolvidas, pois segundo o autor esta possibilidade de ruptura já durava por pelo
menos dois séculos “no plano político”. Os concílios não estavam impedidos de serem
realizados de forma universal, porém poderiam não ser um consenso entre as sedes
patriarcais, esse pelo menos era o consenso dos participantes dos concílios realizados
na Europa Ocidental no período medieval, após o Cisma com o Oriente. Esses concí-
lios reuniam cada vez mais participantes, entre bispos, arcebispos, abades, príncipes e
autoridades seculares. Segundo o entendimento das autoridades que convocavam estes
concílios, os participantes deveriam estar em comunhão com a “romana ecclesia”, na
qual o núcleo de autoridade que se destacava era o do papa e seus cardeais. Esses con-
cílios serão denominados como “Concílios Gerais”, marcando a descontinuidade com
os concílios anteriores. Os “concílios papais” são, na realidade, “o verdadeiro ponto de
apoio do Pontífice no esforço de emancipação do seu poder dos vínculos que lhe foram
impostos pela simbiose com a autoridade do imperador, pelas tradições e direitos locais,
pela colegialidade cardinalícia” (ALBERIGO, 1995, p. 187-188).

Os concílios lateranenses
Os quatro Concílios Gerais Lateranenses serão os primeiros do Ocidente e se desen-
rolam dentro dos muros da autoridade papal na “Cidade Sagrada” de Roma. Segundo
consta, o palácio lateranense foi propriedade de Constantino, que o doou ao papa
Melquíades. Segundo Bellitto, esta edificação foi sendo ampliada a partir de sua doação
no ano de 312 ou 313, até se tornar um complexo de edifícios ocupados pela Igreja
de Roma. Era bastante simbólico este conjunto de edifícios por causa da pretensão do
papado, pois
Os papas enfatizavam fisicamente a sua pretensão monárquica da
autoridade universal, na cidade onde Pedro havia sido martirizado.
Desse lugar os papas presidiram quatro concílios que abordaram prin-
cipalmente a questão da independência da Igreja, os procedimentos
legais internos, as reformas, as heresias, as outras expressões de fé, as
cruzadas e a peregrinação. (BELLITTO, 2016, p. 73)

Concílio de Latrão I (1123 d.C.)


Este concílio não tinha nenhuma grande questão teológica a ser resolvida. O papa
Calisto II esteve ocupado na maior parte do tempo desta assembleia tentando ratificar
as medidas que os papas tomaram nos concílios regionais e o principal tema a ser de-
batido tinha a ver com a questão das “investiduras”, querela que se arrastou por parte
dos séculos XI e XII, por causa dos papas reformadores que queriam tomar de volta o
direito de nomear seu bispos e abades. A nível de curiosidade, as investiduras são uma
tradição que remonta ao século VII, em que os reis da Península Ibérica, dos reinos da
Península Itálica e os reis Francos, além de seus nobres, ao fundar bispados e abadias,

23
23
UNIDADE
Concílios, Doutrinas e Heresias

poderiam nomear ou depor os clérigos locais, além de controlar suas ações (padres,
bispos e abades).

As investiduras estavam impregnadas de interesses políticos e pessoais dos reis e


nobres e, com a tentativa de retomar as ações em suas mãos, os papas enfrentaram
verdadeiras batalhas contra suas pretensões. Um dos problemas mais sérios destas no-
meações baseadas em interesses políticos e pessoais dos reis e nobres, e por que não
dizer dos bispos nomeados para os cargos ligados a estes interesses, foi o alastramento
da simonia, ou seja, a compra e venda ilícita de bens espirituais – indulgências, sacra-
mentos, cargos – ou coisas temporais ligadas aos benefícios espirituais. No concílio, a
questão estava praticamente resolvida, após a realização da “Concordata de Worms” no
ano de 1122, que decidiu que o imperador não mais disporia desta concessão de no-
mear representantes do clero e ostentar os símbolos do poder espiritual, mas o papado
garantia-lhe o direito de estar presente na eleição de um representante da Igreja para
oferecer aos escolhidos as insígnias de seu poder secular. Mas a questão era mesmo que
este tema estava presente no concílio, pois “o papado não poderia cruzar os braços e
permitir que um imperador desse a impressão de que ele pudesse dispor de seu poder
espiritual como bem entendesse” (BELLITTO, 2016, p. 74).

O que mais ficou resolvido em Latrão I para além desta questão importante para o
papado? Vejamos. Segundo Bellitto, ficaram resolvidas as questões relacionadas com as
peregrinações e as cruzadas, devido à convocação do papa Urbano II em 1095 para a
realização da primeira Cruzada, que tinha por objetivo “resgatar a terra Santa dos infiéis”.
Esta questão precisava ser regulamentada, ou seja, em Latrão o papa resolvia perdoar os
abusos cometidos pelos peregrinos durante a Cruzada, oferecia também proteção às suas
famílias e propriedades. O concílio pressionou todos aqueles que haviam prometido parti-
cipar de uma Cruzada ou de uma peregrinação e ainda não tinham deixado suas casas, era
necessário que cumprissem com seus “votos”, caso contrário estariam sendo ameaçados
de exclusão da Igreja. Havia também um anátema para todos aqueles que perturbassem
os peregrinos que se dirigissem para Roma ou qualquer Santuário sagrado. Admoestava
os soberanos leigos que não estivessem ministrando, ou que estivessem dificultando, os
serviços religiosos e os sacramentos nas igrejas sob seus domínios.

Concílio de Latrão II (1139 d.C.)


Este também, como havia sido em Latrão I, não foi um concílio inovador, mas “con-
tribuiu para o processo por meio do qual o papa atribuía uma importância maior e au-
mentava o raio de aplicação das decisões, que eram tomadas separadamente em cidades
dispersas por toda a Europa” (BELLITTO, 2016, p. 75). Os cânones deste concílio eram
em parte o que havia sido debatido no concílio anterior, e outra parte confirmava as
decisões das assembleias regionais ocorridas entre um e outro, ou seja, no curto espaço
de tempo de dezesseis anos. A “novidade” deste concílio é que ele poderia ter sido cha-
mado de ecumênico, pois havia um bispo oriental representando a sede de Antioquia.
Houve também a imposição da unidade papal sobre seus delegados depois de um pe-
ríodo de cismas; ou por causa da questão das investiduras ou das disputas políticas na
sede de Roma, houve durante estes conflitos a ascensão de algum antipapa, que durava
algum tempo até os litígios serem resolvidos.

24
Mas, um dos pontos mais importante para o debate do concílio de Latrão II e que
durou por um longo período foi mais uma vez a questão das heresias dentro da Igreja e
como conseguir impor uma ortodoxia que conseguisse blindar a Igreja dessas investidas!
Será o início da definição de uma ortodoxia e das doutrinas heréticas. Segundo Bellitto,
com essas definições o corpo eclesial poderia estabelecer procedimentos para que os
heréticos arrependidos pudessem retornar ao seio da Igreja. Latrão havia identificado
grupos de agitadores e heréticos, com isso o concílio definia instrumentos para serem
empregados no futuro para demonstrar quais seriam as recompensas para os que se
opusessem àqueles que ousassem desafiar a Igreja.

Concílio de Latrão III (1179 d.C.)


Este concílio foi o primeiro desta era que podemos comparar com os grandes con-
cílios da Igreja primitiva, pois ele promulgou um número de leis e empreendeu algumas
ações inovadoras. Uma das suas características mais surpreendentes foi a sua represen-
tatividade geográfica relativamente ampla para uma Igreja que ainda permanecia confi-
nada apenas à Europa (BELLITTO, 2016, p. 77).

Além de uma grande representatividade de países europeus, neste concílio vieram


representantes da Terra Santa, em número de sete, um representante grego e alguns
emissários reais. Latrão II reafirmou ainda a unidade papal, devido às constantes ame-
aças de um antipapa.

Esse concílio foi convocado pelo papa Alexandre III e uma das suas decisões mais
importantes foi relativa às eleições papais, em que deveria consolidar-se a exclusividade
da eleição papal pelo voto dos cardeais. Este processo já estava sendo aplicado desde o
papa Nicolau II (1059) na tentativa de diminuir a influência da nobreza romana/italiana
sobre o processo de eleição dos papas. Em relação às heresias, este concílio se debruçou
sobre a questão dos “cátaros” (ou puros), que rejeitavam a maioria dos sacramentos e
dos valores pregados pela Igreja, pois pregavam uma religião minimalista que se baseava
na fé interior e no ascetismo.

O concílio tomou algumas medidas contra os cátaros, “proibiu que se rezasse uma
missa fúnebre e que se providenciasse um enterro cristão a um cátaro, além de proibir
todas as outras pessoas de dar abrigo e comida a um cátaro ou ter negócios com eles”.
(BELLITTO, 2016, p. 78). Com isso, o concílio achava que estava estimulando os cristãos
a combater as heresias. Outro ponto a ressaltar neste concílio foi a tomada de medida se-
melhante em relação aos mulçumanos, proibindo os cristãos de se relacionarem com estes
povos, principalmente na questão comercial. O concílio foi inclemente com esses povos,
pois autorizava a expropriação de suas propriedades e o direito de escravizá-los. Ficou
proibido também a qualquer cristão de se empregar em negócios de judeus e mulçumanos.

Concílio de Latrão IV (1215 d.C.)


De acordo com alguns historiadores eclesiásticos, este concílio já se enchia de esplen-
dor e “diversidade” em relação ao número de regiões representadas pelos participan-
tes. Esses participantes haviam sido estimulados pelo papa Inocêncio III a apresentar
tópicos para serem discutidos no concílio. Foi também neste concílio que pela primeira

25
25
UNIDADE
Concílios, Doutrinas e Heresias

vez participaram das reuniões os superiores das ordens religiosas e os capítulos das
catedrais. A ausência ficou por conta dos representantes da Igreja grega, que apesar de
convidados não se fizeram representar no concílio. Este foi, segundo seus estudiosos,
um verdadeiro concílio ecumênico. Este concílio é a síntese dos dogmas, das estruturas
e dos problemas da Igreja no contexto vivido por ela na Idade Média. “O Concílio de
Latrão IV teve início com o anúncio de uma profissão de fé, que reafirmava, essencial-
mente, os antigos princípios teológicos resultantes das batalhas que haviam sido trava-
das contra a heresia ao longo do primeiro milênio” (BELLITTO, 2016, p. 79).

Ao elaborar uma legislação contra os heréticos, o concílio delegava aos bispos a obri-
gação de investigar a ação de hereges em suas dioceses, solicitava também às autoridades
seculares auxílio ao combate aos heréticos e reafirmava as concessões feitas no concílio
de Latrão aos cruzados que combatessem hereges. Foi convocada pelo concílio a Cruzada
que deveria partir para a Terra Santa no ano de 1217. Ao convocar esta Cruzada, o papa
pede que durante cinco anos reine a paz entre os cristãos para canalizar seus esforços no
combate apenas aos “hereges”, era preciso focar no inimigo comum. Neste concílio, foi
abordada a questão dos cristãos que eram obrigados a interagir com judeus e mulçuma-
nos, com isso houve a exigência do concílio para que os judeus e mulçumanos se vestis-
sem de modo distintivo. Como não havia nada que definisse esse “modo distintivo”, não
se sabe a efetividade desta imposição conciliar; na realidade, o concílio pretendia indicar
aos cristãos com quem eles estavam lidando. Aos judeus ficava vedada a possibilidade de
ocupar cargos públicos e de sair às ruas no Domingo de Ramos.

Em relação à questão importante no que diz respeito à Eucaristia, temos o emprego


do termo “transubstanciação” para garantir a antiga doutrina de que “o pão e o vinho”
realmente se transformam no corpo e sangue de Jesus Cristo; foi promulgada, ainda,
a obrigatoriedade dos cristãos comungar pelo menos na Páscoa, ou seja, pelo menos
uma vez por ano. Um dos pontos mais interessantes tocados pelo concílio diz respeito à
venda indiscriminada das relíquias dos santos, os padres conciliares alertavam os cristãos
sobre “histórias mentirosas e documentos falsos”. Houve uma decisão para que se con-
trolasse a difusão da prática da venda de relíquias, exigindo, inclusive, que as aprovadas
pelo papa fossem guardadas em relicários e que as “novas” que fossem surgindo deve-
riam ter o aval do papa para serem expostas. Um dado “cômico” a ser relatado sobre
o concílio foi a exigência para que os mendigos portassem uma licença para esmolar.

Em relação à moral, o comportamento dos fiéis começa a ganhar mais forma no Late-
ranense IV, no cânon 21. “Todo fiel, de um ou outro sexo, tendo chegado à idade da ra-
zão, confesse lealmente, sozinho, todos os pecados ao seu pároco, ao menos uma vez por
ano, e cumpra a penitência que lhe for imposta” (ALBERIGO, 1995, p. 203). Em relação
ao abuso de poder, a Igreja estava promovendo uma espécie de autorreforma, prescreveu
no cânon 57 que “aquele que abusa de um poder concedido merece perdê-lo”.

Lionenses I e II e Vienne
Este grupo de três concílios está, também, muito abaixo dos primeiros concílios da
Igreja primitiva. As questões debatidas nestes concílios levam em consideração basicamen-
te as atividades realizadas pelas Cruzadas. Apesar desta “instituição” estar em declínio,

26
continuam debatendo questões sobre a centralidade do papa e as heresias que ainda per-
meavam o cotidiano cristão, porém uma questão relevante para ser tratada é a investida
do poder dos reis e imperadores nas questões eclesiásticas, ou seja, estava de novo posta a
questão política. De acordo com Bellitto, “naquilo que os concílios de Latrão fizeram uma
demonstração efetiva da autoridade papal, esses três concílios seguintes demonstraram as
limitações dessa última em face do poder secular”. (BELLITTO, 2016, p. 83).
O objetivo da reunião conciliar em 1245 era destituir o poder do imperador Frederico
II, que estava causando bastante desconforto ao papado em sua tentativa de conquistar
e controlar os territórios papais, era como um “déjà vu” da “Era Constantiniana” e de
Carlos Magno. Os papas receberam um representante do imperador que veio defendê-lo
das acusações de interferência e heresia, no entanto o papa Inocêncio IV excomungou
o imperador e pediu sua deposição, decretando a liberdade daqueles que estavam sob o
mando de Frederico II; acusava ainda o imperador de ter negociado com mulçumanos,
prática vedada aos cristãos desde os concílios lateranenses. Em relação às Cruzadas, o
Lionense seguiu as prescrições adotadas pelo Lateranense IV. O único acréscimo era o
enfático pedido de financiamento para as Cruzadas. Assim, solicita que os nobres evitem
as extravagâncias dos banquetes e contribuam com as Cruzadas, para isso a contrapar-
tida seria o perdão dos pecados dos ricos que maneirassem em seus excessos. Exorta os
que estão à beira da morte à doação de seus bens para os cruzados.
Lyon I não promulgou nenhum cânone em relação à reforma ou às heresias, ape-
nas observou alguns procedimentos legais, julgamentos e apelações. A questão mais
evidente nos debates foi que houve política demais e comparecimento de menos; neste
concílio, o número de participantes, em relação aos anteriores, foi bem pequeno. Este
concílio foi tão insignificante, que, segundo Bellitto, precisou esperar alguns séculos
para ser contado entre os concílios ecumênicos da Igreja.
Lyon II foi presidido pelo papa Gregório X no ano de 1274, porém o poder do papa
parecia esvaziado se o compararmos ao que ocorreu sob a presidência de Inocêncio III
no Concílio de Latrão IV. O papa Gregório, assim como fez Inocêncio no concílio an-
terior, solicitou que os bispos convocados para o concílio elaborassem relatórios sobre
os problemas enfrentados em suas dioceses e apresentassem algumas sugestões para
serem debatidas. Na agenda para debates, havia vários tópicos, no entanto apenas as
questões sobre as Cruzadas e a reforma apresentaram resultados positivos. Em relação
às reformas, o concílio deu continuidade à matéria referente às eleições papais, tratou
também sobre sua frágil e efêmera unificação com as igrejas orientais.
O concílio teve um certo ar ecumênico devido à frágil situação política por que atra-
vessava o Império Romano do Oriente. O imperador Miguel VIII, o Paleólogo, procurou
o papa Gregório X na tentativa de convencer o Ocidente na defesa de seus territórios,
que sofriam ameaças de invasão por todos os lados, principalmente dos mulçumanos.
Apesar de chegarem com atraso ao concílio, os bispos do Oriente passaram a tratar
do tema da reunificação das igrejas do Oriente e do Ocidente e sobre a primazia papal.
Trataram também sobre a doutrina referente à palavra latina “filioque”, um dos moti-
vos teológicos no cisma de 1054, ou seja, o entendimento de que “o Espírito Santo é
proveniente do pai e do Filho”. A questão para o Oriente “não era tanto a da afirmação
doutrinária em si, mas o modo como o Ocidente a havia introduzido.

27
27
UNIDADE
Concílios, Doutrinas e Heresias

Essa palavra não fazia parte instituída pelo Concílio de Constantinopla I, mas foi acres-
centada posteriormente (no) Ocidente para o latim”. (BELLITTO, 2016, p. 86). A questão
estava nas alterações, tirar e incluir a palavra, ao longo do tempo. O Ocidente acabou
incluindo a palavra e os orientais questionavam o seu uso sem ter sido aprovado por um
concílio ecumênico. Em resumo, os orientais não estavam de acordo com essa alteração
porque segundo eles era uma “intromissão” do papa na doutrina elaborada por um con-
cílio ecumênico, ou seja, “ela era um exemplo do exercício da supremacia papal que o
Oriente não estava disposto a atribuir a Roma, mesmo reconhecendo que Roma possuía
certa primazia devido ao pontificado de Pedro”. (BELLITTO, 2016, p. 87).

Apesar da aceitação implícita desde a antiguidade da primazia da sede de Pedro por


inúmeras igrejas, os patriarcas orientais de Jerusalém, Alexandria, Constantinopla e
Antioquia achavam que o governo da Igreja deveria ser exercido de forma conjunta pelos
cinco patriarcados, de forma ecumênica, onde as decisões partiriam dos concílios para o
governo da Igreja. Para os orientais, o papa abusava de sua autoridade quando resolvia
legislar de forma unilateral ou interferir nas outras sedes patriarcais. De forma quase
que surpreendente, os representantes orientais não protestaram nem contra a primazia
papal e muito menos contra a cláusula relativa ao debate sobre a palavra filioque. O im-
perador solicitou que o Oriente mantivesse seu credo, o que foi consentido pelo papa.
Infelizmente essa paz não durou muito tempo e tudo voltou à estaca zero!

O Concílio de Vienne (1311-1312) marca o retorno da forte influência dos impera-


dores sobre os papas, ou seja, o poder secular estava assumindo as rédeas novamente.
“Esse concílio se reuniu quase na mesma época do início da longa permanência do pa-
pado em Avinhão, onde, em maior ou menor grau, a coroa francesa passara a exercer
uma influência sobre os papas” (Bellitto, 2016, p. 89). Este concílio tem forte influência
do rei francês Filipe IV, o Belo, que intimidou o papa Clemente V. A questão entre o rei
francês e o papado se deveu ao fato da grande pressão que o rei exerceu sobre o papa
Bonifácio VIII para que este cedesse aos caprichos dele, ou seja, o rei queria de toda for-
ma interferir nos assuntos da Igreja em seu território, usou como forma de pressão sobre
a Igreja a interrupção de envio de contribuições da Coroa francesa para Roma. Quando
Bonifácio se preparava para excomungar o rei, este foi surpreendido pelas tropas de
Filipe, que o aprisionaram; o papa faleceu pouco tempo depois.
A finalidade da pressão do rei francês sobre o concílio era a de extinguir a Ordem dos
Templários. A convocação do concílio foi também uma pressão do rei da França sobre o
papa Clemente, muito mais volúvel que seu antecessor. Este concílio foi marcadamente
envolvido por intrigas políticas proferidas por Filipe contra os Templários. Clemente
convocou poucos bispos e ainda submeteu sua convocação para escrutínio do rei fran-
cês, que se deu ao desplante de vetar alguns nomes. Compareceram aproximadamente
duzentos bispos. Todas as decisões tomadas pelo papa e seus bispos sofreram pressões
de Filipe IV, o Belo. O rei francês forçou o papa, que cedeu às suas pressões e extinguiu
a Ordem dos Templários. Estes monges-cavaleiros, apesar de passar por dificuldades
neste contexto, possuíam ainda muitos bens espalhados pela Europa, administravam
muitas propriedades e agiam como verdadeiros banqueiros. A França estava muito en-
dividada e isto colocou os Templários no radar do rei francês. Uma “investigação” fran-
cesa acusava os monges de serem idólatras e de terem práticas sexuais escandalosas.

28
Outros países católicos contradizem as atas deste concílio e inocentaram os Tem-
plários. Tarde demais, os interesses do rei francês obtiveram o êxito esperado! Não, o
papa, apesar de ser um fraco, não cedeu aos avanços de Filipe sobre os bens da Ordem
e os entregou à Ordem dos Hospitalários. Filipe IV continuou tentando por algum tem-
po controlar os bens dos Templários na França. O papa não acusou ou inocentou os
monges das acusações proferidas pelo rei francês. O concílio também abordou de forma
vaga a necessidade de se investigar as heresias existentes e colocou na ilegalidade dois
grupos religiosos, os begardos e as beguinas, em especial os que estavam nos territórios
alemães. O problema é que estes grupos de fiéis “flutuantes” não se enquadravam em
nenhum grupo cristão estabelecido.

Uma decisão importante, talvez a única que se possa elogiar, foi a decisão da me-
lhoria do ensino de idiomas para que os cristãos pudessem evangelizar os não cristãos.
Foram designados eruditos para centros universitários importantes, como, por exemplo,
Salamanca, Paris, Bolonha e Oxford, com esta finalidade.

Constança e Basileia no Século XV


Estes concílios precisam estar enquadrados dentro de uma grande questão do Oci-
dente, o cisma que persistiu durante os anos de 1378-1417, quando a Igreja chegou a
ter dois ou três papas ao mesmo tempo. Questão que será tratada oportunamente na
próxima unidade do curso. Sendo assim, vamos apenas tratar destes concílios em suas
linhas bem gerais.

Concílio de Constança (1414-1418)


O Concílio de Constança tinha como questão a tarefa de unir novamente a Igreja e
se deu entre os anos de 1414-1418. Para complicar o que não estava fácil, havia tam-
bém um concílio em Pisa. Se a tarefa deste concílio fracassasse, se ele fosse “incapaz
de acabar com o cisma, tornado ainda pior com a presença de três papados ao invés de
apenas dois, a Igreja teria de enfrentar uma divisão que poderia se tornar permanente”
(Bellitto, 2016, p. 118). A questão é que o concílio de Pisa havia tornado frágil o con-
ceito de “concílio geral”, que foi reunido para solucionar problemas. Neste concílio, o
problema foi agravado, mas,

Felizmente, o encontro de Constança reuniu as melhores cabeças da


cristandade em um concílio geral que foi, comprovadamente, o mais
impressionante de toda a história. Quase três dúzias de cardeais que
deviam obediência a três papados diferentes se juntaram a centenas
de arcebispos, bispos e abades, bem como a centenas de teólogos e
canonistas. O sentimento geral era de que se esse concílio se revelasse
incapaz de acabar com o cisma, nada mais poderia fazê-lo. A Igreja
se encontrava em uma das situações mais perigosas de toda a sua
existência. (BELLITTO, 2016, p. 118)

29
29
UNIDADE
Concílios, Doutrinas e Heresias

A diferença significativa deste concílio é que ele havia sido convocado por um papa
e isto lhe conferia alguma credibilidade, isto não ocorreu em Pisa. O papa João XXIII
(quando deposto, perdeu o direito ao nome e por isso temos no século XX um papa com
este nome) convocou o concílio sob pressão, por temer ser deposto, mas na aparência o
imperador do sacro império, Sigismundo, o apoiava na decisão. Do outro lado, temos o
papa Bento XIII em Avinhão, que não participou de nenhuma forma deste concílio, no
entanto o papa “romano” Gregório XII enviou uma delegação para participar dos debates.

Este concílio tinha três tarefas: unificar a Igreja de Roma, reformar a Igreja e comba-
ter as heresias daquele contexto. Apesar da precedência da unificação, ela foi tratada no
contexto das principais atribuições relativas à autoridade papal e conciliar. Houve neste
interim uma crise quando o papa João percebeu que sua abdicação para que o problema
fosse resolvido não significaria sua condução automática ao cargo novamente. O papa
partiu da cidade na noite do dia 20 de março com a intenção de esvaziar as discussões
para retornar mais forte, mas isto não aconteceu! Com isso, os membros do concílio de-
cidiram prosseguir com os debates e assumir a autoridade que a assembleia os delegava.

O teólogo da Universidade de Paris, Jean Gerson, foi a base teórica para que os
padres conciliares prosseguissem com as deliberações ao fundamentar-se no seguinte
argumento conciliarista, ele “havia elaborado uma teologia dos concílios gerais basean-
do-se no Espírito Santo [...] ele resumia as principais ideias conciliares. O Concílio havia
se reunido legalmente e poderia ser validado pela graça do Espírito Santo” (BELLITTO,
2016, p. 120), ou seja, o concílio geral é que representa a Igreja; sendo assim, todos os
cristãos, incluindo o papa, devem obedecer às suas decisões.

O concílio reunido tratou, então, de reunificar a Igreja pela sua autoridade, e seu
primeiro ato foi depor o papa João XXIII, com isso o concílio se colocou apto a julgar
questões pertinentes à fé. Os padres conciliares também julgaram as alegações de here-
sia que pesavam contra o sacerdote tcheco Jan Hus, que, condenado, foi levado à morte.
Hodiernamente, recebe um tratamento baseando sua condenação no que se refere à
disputa de poder dos padres conciliaristas mais dispostos naquele contexto a demonstrar
poder do que a investigar as acusações. Em relação ao cisma, o papa romano Gregório
XII concordou em renunciar pelo bem da Igreja, contribuindo, assim, com o fim do
cisma. Bento XIII se recusou a aceitar as decisões do concílio, os padres conciliares só
declararam sua deposição após terem a certeza de que haviam esgotado todos os argu-
mentos para que ele o fizesse espontaneamente, isso ocorreu em julho de 1417.

O concílio deliberou também a forma como o novo papa deveria ser eleito. Para
isso, alteraram as regras, de forma apenas provisória, as regras decididas nos concílios
de Latrão III e Lyon II. Para vencer as eleições, “um candidato precisaria reunir, além
de dois terços dos votos dos cardeais, dois terços dos votos de cada uma das cinco ‘na-
ções’. O objetivo era o de se alcançar um sólido consenso para evitar a repetição do que
havia ocorrido em Pisa”. (Bellitto, 2016, p. 123). Foi eleito em três dias o cardeal Odo
Colonna, que adotou o nome de Martinho V. Este papa conseguiu manter a unidade e
o respeito de todo o mundo cristão sob a jurisdição romana.

30
Concílio de Basileia et al.
O papa Martinho V não era conciliarista e tentou fortalecer novamente a autoridade
papal frente ao conciliarismo, para isto convocou o concílio de Pádua e Siena entre os
anos de 1423 e 1424. Este concílio não foi incluído na relação dos vinte e um concílios
ecumênicos. O seu substituto no ano de 1431, o papa Eugênio IV, também seguia esta
linha de raciocínio, para eles o papel do papa deveria ser fortalecido frente aos concílios.
O papa Eugênio convocou, então, o concílio de “Basileia”, que se reuniu em diversos
locais: Basileia, Ferrara, Florença e Roma e teve uma duração de quatorze anos, 1431-
1445. Apesar de relutar, o papa acabou convocando o concílio na Basileia no ano de
1431 e devido à baixa adesão, no mesmo ano, o papa dissolveu a reunião conciliar.

Porém os padres conciliares relutaram em deixar a cidade e o concílio. Os padres


decidiram, então, intimar o papa a comparecer na Basileia e retirar a declaração de
dissolução. Declararam também que se o papa morresse, a eleição do próximo papa
seria organizada por um concílio geral e emendaram que o papa eleito deveria jurar obe-
diência ao concílio geral. O papa era politicamente fraco e cedeu à pressão declarando
que reconhecia a decisão que lhe foi imposta pelo concílio. No decorrer dos debates, os
padres conciliares exigiam que os papas deveriam convocar concílios gerais com regula-
ridade e se submeter às suas decisões. Entre os debates, havia a tentativa de reconciliar
as igrejas do Oriente e do Ocidente, retomando os debates de Lyon II. Esta iniciativa
voltou a causar atritos entre Eugênio e o concílio, cada um queria a seu modo comandar
os debates, ou seja, nova disputa de poder entre o papa e os conciliaristas. Mas, onde
seria este encontro para a conciliação entre as partes romanas e gregas (os orientais
eram chamados de gregos pelos romanos)? O local escolhido foi, então, Florença, e esta
foi de certo modo uma vitória do papa Eugênio IV, pois os gregos aceitaram negociar
com o papa.

Para os orientais, era mais fácil negociar com o papa do que com uma quantidade
maior de padres conciliares. O papa ofereceu também todas as despesas pagas para o
encontro ser em Florença e mais: os orientais estavam atrás de apoio de Roma por cau-
sa da ameaça de invasão dos mulçumanos em Bizâncio, o cálculo foi uma tentativa de
conseguir do papa apoio militar e financeiro para a batalha que estava para acontecer.
O desacordo entre o papa e o concílio fez com que o Eugênio IV transferisse as reuniões
conciliares primeiro para Ferrara e depois para Florença.

Para além das disputas políticas entre o papa e os conciliaristas, outras questões
estavam por ser debatidas, ou melhor, retomadas de concílios anteriores, como, por
exemplo, a questão das almas do purgatório; se o pão da Eucaristia deveria ser com pão
ázimo; a natureza da jurisdição papal; e se o Espírito Santo procedia do pai e do Filho,
ou seja, a questão do filioque, que, conforme os orientais, procedia só do Pai, e para os
ocidentais do Pai e do Filho. Essas questões foram resolvidas por uma série de acordos,
mas, como sabemos, não foram resolvidas em definitivo, sendo retomadas em concílios
posteriores. Concordaram que o pão fermentado poderia ser utilizado no Oriente, con-
forme a tradição, e no Ocidente o pão ázimo, também conforme a tradição, e para o
concílio algumas almas eram realmente purificadas pelo fogo do purgatório.

31
31
UNIDADE
Concílios, Doutrinas e Heresias

O imbróglio continuou sendo a questão do filioque. que os orientais se recusavam a


colocar em seu credo, mas para isto recorreram a concílios anteriores para embasar seu
argumento, ou seja, isto já havia sido decidido em Éfeso e Calcedônia, proibindo qual-
quer acrescimento às fórmulas dos concílio de Niceia e Constantinopla. Mas o ponto po-
sitivo é que orientais e ocidentais concordaram com a palavra de padres gregos e latinos,
a quem recorreram para pôr fim às disputas. Para eles, o Espírito Santo procede do Pai
e do Filho, portanto resolveram o assunto de forma diplomática, fizeram um “remendo”
dizendo que os dois, com palavras diferentes, expressavam o mesmo significado. Os gre-
gos também aceitaram a primazia papal. Como ocorreu em Lyon II, ao retornar para o
Oriente, o imperador não promulgou as decisões do concílio e colocou tudo por “água
abaixo”. O problema foi a pressa em selar o acordo e esquecer que as questões políticas
entre Oriente e Ocidente passavam por cima das sutilezas teológicas.

O concílio acabou selando a união com outros grupos de cristãos, como, por exem-
plo, com os armênios em 1439, os coptas em 1442, os sírios em 1444, caldeus e ma-
ronitas em 1445. Esses acordos fortaleceram o papa em detrimento do conciliarismo e
no ano de 1443 houve nova transferência da sede conciliar para Roma, onde uma série
de sessões foi realizada, sem, contudo, pôr fim ao conturbado concílio da “Basileia” de
1431-1445. Digna de nota foi a tentativa dos padres que se “trancaram” na Basileia e
não concordavam com a transferência da sede conciliar, ao apostar na eleição de um
papa, Félix V, que foi rechaçada pro Eugênio IV, ordenando que Félix abandonasse suas
pretensões, mantendo, assim, a decisão da unidade conquistada no concílio de Constan-
ça. Mas foi Nicolau V, que sucedeu a Eugênio IV, após sua morte, que colocou um ponto
final nesta questão; foi também com os poucos padres conciliares que ainda estavam
vivos que o papa colocou um ponto final no Concílio da Basileia.

32
Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Os 20 séculos de caminhada da Igreja
CECHINATO, L. Os 20 séculos de caminhada da Igreja. Petrópolis: Vozes, 1996.

Caminhando pela história da Igreja


MATOS, H. C. J. Caminhando pela história da Igreja. Vol. III. Belo Horizonte:
O Lutador, 1996.

Cristianismo: 2000 anos de caminhada


ANTONIAZZI, A. Cristianismo: 2000 anos de caminhada. 3ª ed. São Paulo:
Paulinas, 1996.

História da teologia cristã


WOLFGANG, P. (Org.) História da teologia cristã. São Paulo: Loyola, 2010.

Vídeos
Los grandes maestros
https://youtu.be/zUv8yYAEx80

33
33
UNIDADE
Concílios, Doutrinas e Heresias

Referências
ALBERIGO, G. (Org.). História dos concílios ecumênicos. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 1995.

BELLITTO, C. M. História dos 21 concílios da Igreja: de Niceia ao Vaticano II. São


Paulo: Loyola, 2016.

CARLAN, C. U. Constantino e as transformações do Império Romano no século IV.


RHAA, v. 11, p. 27-35. Disponível em: <http://www.unicamp.br/chaa/rhaa/downloa-
ds/Revista%2011%20-%20artigo%202.pdf>. Acesso em: 31 mai. 2019.

FERNANDES, F. R.; DIEHL, R. de M. A cúria papal: de Roma para Avignon (c. 1250-
1350). Intus-Legere Historia, año 2017, v. 11, n° 1, pp. 21-44.

GOMES, E. da S.; SOUZA, N. (Orgs.) Trento em movimento: contexto e permanên-


cias. Jundiaí: Paco Editorial, 2018. E-book.

HOORNAERT, E. Origens do Cristianismo. São Paulo: Paulus, 2016. E-book.

MAGALHÃES, A. P. T. O papado avinhonense e os poderes civis: as décadas de 30


e de 40 do século XIV a partir de três obras de Guilherme de Ockham. História, São
Paulo, 27 (2): 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/his/v27n2/a11v27n2.
pdf>. Acesso em: 31 mai. 2019.

PIERINI, F. A Idade Antiga. São Paulo: Paulus, 1998.

_______. A Idade Média. São Paulo: Paulus, 1997.

34

Você também pode gostar