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03/09/2020 Rede Globo > globo universidade - Pesquisadora Flora Süssekind fala sobre Literatura em entrevista

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06/03/2013 14h33 - Atualizado em 06/03/2013 14h38

Pesquisadora Flora Süssekind fala sobre


Literatura em entrevista
'O crítico é aquele que consegue dialogar com a sua
contemporaneidade', afirma
Por Miguel Conde Rio de Janeiro

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Flora Süssekind é professora da Unirio e


pesquisadora da Casa de Rui Barbosa
(Foto: Paulo Jabur)

Lá pelo final dos anos 1970, o poeta e ensaísta Sebastião Uchôa Leite dirigiu uma pergunta espantada ao
crítico literário Luiz Costa Lima, seu amigo: “Quem de nós, em sua idade, sabia o que esta garota sabe?”. A
garota era Flora Süssekind, então nos seus 20 e poucos anos, mas já reconhecida como um prodígio no curso
de Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Nos anos seguintes, uma série
de livros estabeleceria sua reputação como uma das críticas literárias mais agudas do país, ensaísta com um
talento raro para pensar o sentido político da literatura e sua relação com outros campos culturais.

Autora de diversos livros, entre eles clássicos como "Tal Brasil, qual romance?" (1984) e "O Brasil não é
longe daqui" (1990), Flora Süssekind hoje é professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(Unirio) e pesquisadora da Casa de Rui Barbosa. Nascida no Rio de Janeiro em 1955, diz que o crítico é
aquele que “consegue dialogar com sua contemporaneidade”.

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Globo Universidade – Uma das características mais impressionantes na sua produção é a precocidade.
Como foi sua primeira formação, ainda na graduação?
Flora Süssekind – Eu estudei no Colégio de Aplicação da PUC, fiz graduação, mestrado e doutorado em
Letras na PUC. Entrei na universidade em 1975. As universidades públicas tinham tido um esvaziamento
muito grande, e o curso da PUC foi muito importante para aquela geração, não só para as pessoas de Letras.
Ele acabou influenciando outras áreas também. A presença do Foucault na PUC, em 1974, foi muito forte.
Houve mesmo uma renovação de repertório. A PUC tinha o Silviano (Santiago), o (Luiz) Costa Lima, tinha a
Vilma (Areas). Como eram pessoas bem fortes e muito diferentes, havia um dado bem crítico. O Costa Lima
e o Silviano têm referências e maneiras de ver a literatura muito diferentes. Também fui muito influenciada
pela Vilma, que tinha uma visão muito política da literatura.

GU – O que te atraiu para o curso de Letras?


FS – Eu tinha muita vontade de fazer crítica mesmo. No primeiro ano de faculdade, lembro que o Silviano
perguntou na turma o que cada um queria fazer. Eu falei que queria ser crítica e ele riu à beça. Eu tinha uma
cara de bebê, usava um cabelo bem preso, um rabinho. Ele ficou rindo, achou que eu era maluca. Na verdade
eu fui fazer Letras porque eu gostava de crítica. Eu adorava ler um texto que me fizesse ver de outra maneira
algo que eu estivesse lendo.

GU – Houve alguma influência importante de fora da PUC?


FS – Uma outra pessoa que teve uma influência fortíssima para mim foi o (Hans Ulrich) Gumbrecht. Eu era
ainda bem jovem e ele veio dar um curso na PUC – eu ainda era da graduação, mas me deixaram assistir – e
foi um curso espetacular. Na minha época de formação praticamente ninguém dava História Literária, havia
uma dominância da análise imanente, até para fugir de um certo historicismo meio caído, cronológico, de
grandes autores e obras. O curso foi intensivo, durou uns 40 dias, e ele passou em revista concepções
distintas de História Literária. Ele mostrou também alguns trabalhos dele, muito bons mesmo, e apresentou a
História Literária para nós. Acabei resolvendo estudar História ali. Eu já tinha interesse por causa do Antonio
Candido, sobre quem eu tinha feito um trabalho num curso do Silviano. Quase todos os meus trabalhos
foram tentativas de pensar a historiografia, na verdade.

Flora
Süssekind: 'Você só pode pensar o passado a partir da perspectiva do presente' (Foto: Paulo Jabur)

GU – E o que move esse olhar historiográfico?


FS – A pessoa vai para a historiografia muito ligada a uma percepção da sua experiência contemporânea. A
tese sobre naturalismo, "Tal Brasil, qual romance?" (1984), é toda ligada a uma espécie de desgosto, de nojo
da produção que era minha contemporânea imediata. Está o tempo todo dialogando com a produção de fins
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dos anos 1970. A volta para o passado tem a ver com esse desconforto mesmo. Sempre tem uma ligação com
o contemporâneo, senão não tem graça, é tirar um osso do armário. O livro sobre literatura e técnica, o
"Cinematógrafo de letras" (1987), também tinha a ver com meu próprio espanto diante das transformações de
que eu era contemporânea, a informática.

GU – No "Literatura e vida literária" (1985) a senhora fala dessa dificuldade do contato com o
contemporâneo. Assumir esse risco é fundamental para o crítico?
FS – O crítico é aquele que consegue dialogar com a sua contemporaneidade, inclusive com negatividade.
Tem um dado de adesão evidente, mas você dialoga com nojo, também. É onde no fundo o crítico mostra
como ele funciona. Sua experiência em relação a seus contemporâneos você vive com eles, você não tem
onde se apoiar. Ao escrever um ensaio sobre Guimarães Rosa, escrever um ensaio sobre Machado, a pessoa
está a salvo – ainda que você possa fazer um ensaio péssimo e ser mais um imbecil, a milésima pessoa
escrevendo sobre aquela coisa. Mas para ser um crítico mesmo não adianta você ter como referência só o
conhecimento da tradição. Com isso você pode projetar possibilidades de leitura, descobrir referências, fazer
comentários aqui e ali. Mas o atrito com a contemporaneidade é que faz você pensar o passado de maneira
diferente. É a concepção do (Walter) Benjamin, e de muitos outros, de que a sua leitura é sempre um atrito de
tempos. Você só pode pensar o passado a partir da perspectiva do presente, e também só pode pensar o
presente a partir do que você conhece do passado, e que esse presente reativa, critica ou destrói.

GU – A senhora fala nesse livro também do dilema entre a visão ampla e a densidade analítica. Os
panoramas são recorrentes na sua trajetória. Por quê?
FS – Eu nunca me interesso só por literatura, eu sempre me interesso por outras coisas que estão
acontecendo ao mesmo tempo. E acho que isso determina um dos aspectos do panorama, sempre um campo
visto na sua relação com outros campos – a literatura com a técnica, a literatura com as artes visuais, as
ciências da comunicação, as ciências biológicas. Na verdade, nessas interações, eu acho que tem um dado de
aflição, de compreender o próprio tempo, mas eu também sinto muito desconforto das coisas que eu fiz
muitas vezes. Por isso esses anos agora eu parei de publicar. Porque eu comecei a achar que também não
fazia muito sentido, comecei a me achar sem sentido nenhum. E eu acho ainda. Acho fortemente às vezes
que não faz nenhum sentido.

Flora
Süssekind (Foto: Paulo Jabur)

GU - Mas a senhora acompanha os desdobramentos das suas pesquisas? No "Cinematógrafo de


letras", por exemplo, a senhora falou que o período de 1880 a 1920 estava meio num vácuo entre o pós-
romantismo e o pré-modernismo. Isso mudou?
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FS – Muitos autores do pré-modernismo ficaram muito mais estudados depois, não só por causa desse livro.
A gente fez um seminário na Casa de Rui Barbosa na época e muitas pessoas escreveram coisas. Não tinha
edição nova de João do Rio. Eu mesma participei com a Rachel (Valença) da edição do Jacques Pedreira, e
outras pessoas foram fazendo outras. Foi uma coisa interessante, como retomada de estudos, mas não sei se
mudou muito a compreensão. Quando você pega os programas de universidade, às vezes a impressão é de
que nada aconteceu.

GU – A senhora escreveu muito em jornal também. Poderia falar um pouco sobre a importância desse
trânsito, da academia para a imprensa?
FS – Nos anos 1970, como não tinha revista literária forte, as universidades não tinham publicação, houve
uma ida das pessoas de universidade para dentro dos jornais. O Folhetim era um suplemento extraordinário,
o próprio suplemento do Estadão também. Um pouco antes tinha o do Jornal do Brasil. A produção ficou
muito boa. Depois da abertura política, curiosamente foi havendo de novo um esvaziamento dos
suplementos. É uma coisa ligada à própria maneira de pensar a imprensa, houve quase que um desconforto
com uma reflexão que possa fugir ao imediato, pegar temas contemporâneos e criar outra pauta. É um fluxo
quase que imposto comercialmente, pelos lançamentos.

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