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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PEDAGOGIA
CULTURA: O LOCAL E O GLOBAL II

RELATÓRIO DA AULA: MEIOS DE PESQUISA III

LETÍCIA TOMÉ

RIO DE JANEIRO
2023
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PEDAGOGIA
CULTURA: O LOCAL E O GLOBAL II

RELATÓRIO DA AULA: MEIOS DE PESQUISA III

Avaliação apresentada ao curso de


Pedagogia-FEBF, como parte dos
requisitos necessários para a
conclusão da matéria CLG II.
Professora: Maria Pilar Cabanzo

RIO DE JANEIRO
2023
RELATÓRIO DA AULA: MEIOS DE PESQUISA III

Às segundas-feiras, sete e meia da manhã, precisamente na sala 110, na


Faculdade de Educação na Baixada Fluminense, unidade acadêmica da UERJ,
acontecem as aulas de “Cultura: O local e global” para umas e “Educação, poder e
sociedade” para outras alunas. Começamos a estudar meios de pesquisa no final de
Setembro. Para tanto, tivemos encontros com produções da antropóloga Cláudia
Fonseca e do sociólogo americano Charles Wright Mills.
Em meu segundo período seguido com a professora Pilar, optei pela
realização do relatório. Há algum tempo minha trajetória na Pedagogia foi
atravessada pela pesquisa, faço parte do projeto de extensão da professora
Giovanna, no qual estudamos a potencialidade de veiculação de narrativas situadas.
Logo, minha escolha foi por uma aula que tratasse sobre produções de
conhecimento. Como todas as aulas, a professora Pilar disponibiliza referências
teóricos que dialoguem com a abordagem de cada aula. As referências da aula
“Meios de Pesquisa III” são o texto “Aquela sensação de ofício” da escritora inglesa
Zadie Smith e do filme brasileiro “Narradores de Javé” da diretora Eliane Caffé.
A professora Pilar inicia a aula perguntando se conhecíamos o filme, algumas
alunas já haviam assistido trechos para aula da professora Angélica. Era o meu
primeiro contato com o filme e, até dois dias antes (quando li o texto) era meu
primeiro contato também com Zadie Smith.
Iniciamos a aula, portanto, assistindo o filme. O filme conta a história sobre os
moradores de Javé, um vilarejo cuja existência é ameaçada pela construção de
uma represa. Para salvar a pequena cidade, os moradores se reúnem e planejam
escrever a história da cidade, tornando-a um patrimônio histórico. Para tanto, “Biá”,
também morador da cidade, recorre a narrativas orais, que acionam a identidade
cultural da cidade, para a construção de uma produção com valor científico.
Antes de começarmos a ver o filme, a professora Pilar nos propôs a pensar
também, em relação à escrita. Algo que ressoou em mim, acontece no ínicio do
filme, o personagem “Biá” é banido pela população de Javé após escrever cartas,
que contavam histórias mirabolantes e falsas sobre a comunidade, com intuito
movimentar as atividades dos Correios e manter seu trabalho de Carteiro. Ao
pensar na escrita, me remete, distintivamente, à abordagem de Biá, sobre o uso das
cartas como metodologia de pesquisa. ”No âmbito da troca de informações e de
saberes, uma carta pressupõe mais diretamente uma relação entre o eu e o outro.” (
CASTRO e MORAES, 2018, p.7). As cartas podem funcionar como dispositivo que
quebra a concepção elitista acadêmica de impessoalidade. Penso, nas aulas,
enquanto discutimos a construção da pesquisa, o quanto essa perspectiva é
socialmente afastada de nós, em maioria, mulheres, que ocupam a Baixada
Fluminense, que não se encontram nesse padrão de neutralidade imposto pela
academia. Entendo que essa neutralidade se diz aos padrões da classe dominante
na academia, que afastam grupos minoritários de se implicarem na escrita.
Quando terminamos de assistir o filme, a professora Pilar pergunta “ Qual
enredo do filme?” Carla responde e Marília acrescenta sobre o que chamou atenção
na história: a participação de múltiplas narrativas na construção de uma história e
sobre a sensibilidade de ouvir essas.
O que nos levou a refletir sobre os interesses que atravessam a produção de uma
narrativa. Em um dos momentos do filme Biá, o escrivão da história de Javé, ouve
duas versões sobre a Maria Dina. Em uma dessas versões, contada por outra
mulher, Maria Dina assumiu papel de protagonismo na construção da cidade, era
uma guerreira, que defende a cidade. Biá ouve a história sem muito interesse. Em
outra versão da mesma história contada por um homem, Maria Dina era apenas
mais uma mulher louca. Discutir essa cena, nos leva a pensar sobre quais
interesses compõem uma pesquisa, e entendemos que não existe linguagem
científica sem ideologia, é na verdade, um produto da disputa política.
“Escrever um romance é uma espécie de truque de confiança. A principal pessoa
que você tem de convencer é você mesma.” (SMITH, 2009, p.73). Durante a
faculdade de Pedagogia é comum que as referências teóricas sejam baseadas em
escritores homens e europeus, mas o que acontece quando encontramos escritoras,
com realidades próximas a nós? Penso na suposta hierarquização de experiências
que valham a pena a ser teorizadas e como estas se mostram distante de nós,
mulheres, assim como Maria Dina, socialmente desacreditadas e subalternizadas.

Ouvimos sobre a história da inundação da cidade de São João Marcos no


Rio de Janeiro, contata por um estudante, cujo pai trabalha na construção de um
museu na cidade, não mais inundada, mas deserta e em construção. Ao assistir um
vídeo sobre a cidade, um dos antropólogos presentes conta sobre a naturalidade de
Pereira Passos, que nasceu na cidade. Observamos como a manipulação da
linguagem transforma uma história. Estudamos a história a partir da Europa, como
se, sem eles, não houvesse vida, ou pelo menos, vida teorizada. Aprendemos com
a professora Pilar que a História também é um dispositivo de poder, o que nos
atenta a pensar sobre a necessidade de conflitos a partir de múltiplas perspectivas
em uma pesquisa, como por exemplo no filme, que ouvimos o conflitos das histórias
contadas por uma mulher, por homens mais velhos, quilombolas, e outros homens.
A ausência desses conflitos evidenciam a falta de uma análise crítica. No entanto,
não é possível produzir uma escrita com todas versões, é necessário localizar a
intenção política da escritora. Portanto, entendo que produzir uma escrita com valor
social, é uma possibilidade de confrontar paramentos sociais discriminatórios.
Biá recorre a memória afetiva dos moradores para construção de uma
escrita que revela identidade da cidade, por fim Biá não consegue escrever a
história da cidade, a represa é construída e a cidade inundada. Porém, assim como
São João Marcos, os moradores seguem vivos, e capazes de contar sobre a cidade.
Eles guardam o sino da Igreja, que marca o tempo e dizem sobre tradição, e de
acordo com estudante cujo pai trabalha na cidade, os moradores colaboram com o
museu, doando objetos inicialmente pertencentes a cidade. A professora, nos
propõe a pensar outros objetos que compõem uma linguagem, como por exemplo
fotos, não só como objetos ilustrativos, mas como suporte para pesquisa. A história
é construída a partir do trabalho humano, portanto, é também um trabalho criativo,
Outro seriam os museus, uma aluna conta sobre sua visita a Fazenda Pontial, em
uma das experiencias proporcionadas seria visitar a senzala da fazenda, mantida
com todos objetos de tortura, a noite. Ela conta sobre a angústia do corpo presente
em que hoje,funciona como um dispositivo de necropolítica ao lucrar com um
espaço de tortura, morte e violência a população negra.
Ao finalizar a aula a professora dialoga também sobre a imigração, e como as
pesquisas brasileiras devem considerar os deslocamentos que atravessam o Brasil.
Discutimos também, sobre a possibilidade e variedade de explorar essas
experiências na escrita.
Para terminar o relatório gostaria de destacar um trecho da escrita intitulada
“Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo” da
escritora GLORIA ANZALDÚA: Por que sou levada a escrever?
“Porque a escrita me salva da complacência que me
amedronta. Porque não tenho escolha. Porque devo manter
vivo o espírito de minha revolta e a mim mesma também.
Porque o mundo que crio na escrita compensa o que o
mundo real não me dá. No escrever coloco ordem no mundo,
coloco nele uma alça para poder segurá-lo. Escrevo porque a
vida não aplaca meus apetites e minha fome. Escrevo para
registrar o que os outros apagam quando falo, para
reescrever as histórias mal escritas sobre mim, sobre
você.”(ANZALDÚA, 2000, p.232).

REFERÊNCIAS TEÓRICOS

ANZALDÚA, Gloria. Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras


do terceiro mundo. Revista Estudos Feministas. Florianópolis, v. 8, n. 1, p. 229 -
236, 2000.

MORAES, Ana Cristina; CASTRO, Francisco M. F. M. Por uma estetização da


escrita acadêmica: poemas, cartas e diários envoltos em intenções
pedagógicas. Revista Brasileira de Educação, v. 23, p. 1-15, 2018.

SMITH, Zadie. Aquela sensação de ofício. Tradução de Débora Dornellas. Revera,


p. 71 – 83.

Narradores de Javé. 2001. Dir. Eliane Caffé.

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