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TRADICIONAL
duação em Ciências Sociais da Uni-
versidade do Estado do Rio de Janeiro Nacional, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (PPGAS/MN/UFRJ)
BANTU
Bloco 4 Foundation - Research in Ac- e recebeu menção honrosa pela
tivism, Citizenship and Social Policies, Comissão de Jornadas Científicas
promovendo a construção de espaços
da Faculdade de Ciências Sociais
de pesquisa sobre ativismo, cidadania e
e Filosóficas da Universidade Peda-
políticas sociais em Moçambique. Além
disso, é integrante do grupo de pesqui-
gógica de Moçambique.
sa interinstitucional Áfricas: Política, So-
ciedade e Cultura (UERJ-UFRJ) e mem- Com a perspicácia de quem sabe aonde quer chegar,
O LOBOLO NO SUL DE
bro do grupo de pesquisa em Políticas,
Afetos e Sexualidades Não-Monogâmi-
“
Rhuann Fernandes leva-nos a conhecer a vida contemporâ-
nea de uma tradição milenar. O lobolo representa hoje modos
MOÇAMBIQUE
cas (UFJF). No momento, dedica-se às de solidariedade que contestam o puro liberalismo capitalis-
áreas de Estudos Africanos, Sociologia ta. Para além de cerimônia nupcial com distribuição de di-
das Relações Raciais e Sociologia das nheiro e presentes, o lobolo aparece aqui como uma potente 2 ª EDIÇÃO
Emoções, atuando principalmente nos afirmação de outros modos de viver a economia. Mais que REVISADA E
seguintes temas: cultura, subjetividade uma utopia, o livro apresenta a continuidade de uma tradição AMPLIADA
e emoções; relações amorosas e ar- que prova que toda troca econômica é um ato moral.”
ranjos conjugais contemporâneos; re-
lações raciais e identidade; espiritua- PROF. DR. MARCOS ALBUQUERQUE: docente do
lidade; família e parentesco; gênero e Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da
sexualidade. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPCIS-UERJ)
CONSELHO EDITORIAL
presidente
Thiago França
membros
Carlos Ziller
Eleonora Ziller Camenietzki
Rubens Barros Coelho
Maria Inês Delorme
Paulo Maia
RHUANN FERNANDES
GRU PO MULT I F O C O
Rio de Janeiro, 2022
Copyright © 2022 Rhuann Fernandes
direitos reservados a
GRUPO MULTIFOCO
Av. Mem de Sá, 126 - Centro
20230-152 / Rio de Janeiro, RJ
Tel.: (21) 2222-3034
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Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer
meios existentes sem autorização por escrito dos editores e autores.
Inclui bibliografia
ISBN: 978-65-00-56151-7
8 R H UA N N F E R N A N D ES
exercia em uma biblioteca comunitária na favela Jardim Catarina,
o meu lugar, que em uma determinada circunstância me ofereceu
um livro que mudou minha trajetória: Autobiografia de Malcolm X.
No mesmo período, tive contato com minha primeira professora ne-
gra no ensino médio, de sociologia, Juliana Rosas. Depois que entre-
guei um trabalho sobre Racionais Mc’s e desigualdades sociais, ela
disse que eu tinha potencial crítico e que não deveria me acomodar.
Serei eternamente grato por suas palavras. Por vezes, o que nos falta
é incentivo para acreditar em nossa capacidade.
O primeiro contato que tive com vestibular foi numa roda cul-
tural de rap, por intermédio de um amigo que tinha acabado de ser
aprovado para o curso de direito, na praça do Jardim Catarina. Era
um domingo à noite e ele expressou que negras e negros deveriam
ocupar mais espaços de poder, mas o que ele percebia é que falta-
va o básico: acesso à informação. Foi paciente e me explicou, em
uma hora, o que era a universidade pública. Wesley Matos, saiba que
você modificou inteiramente minha percepção do que “eu quero ser
quando crescer”, meus recursos eram limitados e você os expandiu.
Cronologicamente, há quatro pessoas que intervieram para fazer
com que canalizasse meu potencial e concretizasse meus sonhos e
objetivos. São as três mulheres de axé da minha vida, minhas rainhas/
guerreiras: minha avó, Maria; minha mãe, Tatiana, e minha tia, Ana
Paula. Além delas, meu pai, Julio César. Essas pessoas foram deci-
sivas e fundamentais pelo simples fato de acreditarem em mim e
fazerem todo esforço do mundo para angariar fundos e realizar inves-
timentos no meu percurso escolar.
Quero agradecer, especialmente, às pessoas da minha área que in-
telectualmente me inspiram e por quem tenho apreço descomunal:
Suzan Stanley, incansável na crítica por uma alternativa concreta
de conhecimento nas ciências sociais que saia dos parâmetros fin-
cados pelas clássicas percepções coloniais. Jonathan William, a
pessoa que me abraçou desde que ingressei na UERJ e me conce-
deu as orientações mais estratégicas possíveis para minha evolução,
compartilho com ele uma energia espiritual incalculável. Por fim,
CAS A M E N TO T R A D I C I O N A L B A N T U 9
Romário Nelvo, paciente, seguro e enérgico na busca pelo conheci-
mento. Não se contenta com limites traçados previamente por moldes
paradigmáticos, ao contrário, busca, de modo incessante, as brechas
para rompê-los.
Não posso esquecer de minhas irmãs e meus irmãos da organi-
zação comunitária Nós por Nós, os quais me fazem crescer a cada
conversa e a cada ideia compartilhada. Sou grande pela grandeza de
vocês, poucos terão esse privilégio. É reconfortante olhar nos olhos
de cada um, pois os admiro pelas incansáveis lutas contra atrocidades
cotidianas que a população negra atravessa. Um salve para Nelson,
Marcy, Emerson, Carolina, Caroline, Samara, Alessandra, Suelen,
Liana, Stephane, Rhyan e Rayff. Amo vocês nas singularidades.
Este trabalho só foi possível por conta da força de vontade e apre-
ço de pessoas como Vanusa Maria de Melo e Kátia Leonor Alves, que
além de tudo, são incansáveis na luta pelos direitos humanos. Sou
orgulhoso por ter vocês por perto. Obrigado por acreditarem e por
estarem comigo nos momentos mais difíceis da tensão gerada pelo
ato de escrever. Me atenderam em vários horários e nas mais variadas
circunstâncias, em nenhum momento hesitaram em ajudar.
Quero demonstrar minha gratidão ao povo moçambicano que
me recebeu de braços abertos e pelas amizades que fiz no país, as
quais me auxiliaram na adaptação e compartilharam comigo vi-
vências indescritíveis. Abel, Horácio, Rinhas Bar, Napaz, Larissa,
Amanda, Rodrigo, Donia, Iria, Selso, Quitéria, Arlindo, Edmil-
son, Ulysses, Vania e Adriano são apenas alguns nomes da imensa
família que criei. Vocês são incríveis, foram momentos mágicos e
memoráveis. Agradeço também a alguns irmãos específicos com
quem ultimamente venho estreitando cada vez mais os laços.
A reciprocidade é característica marcante de nossas amizades: Macos-
sa, Edu, Anthony, Rodolfo, Mpenzi, Mariah, Bruno e Jean, saibam que
são espelhos.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 13
PREFÁCIO 16
LINHAS INTRODUTÓRIAS 19
Os caminhos da pesquisa 21
REFERÊNCIAS 231
APÊNDICE 247
ANEXO 263
Apresentação
CAS A M E N TO T R A D I C I O N A L B A N T U 13
e rituais que constituem o cotidiano moçambicano e que, outrora,
foram brutalmente renegadas, oprimidas e desprezadas por uma
máquina desumanizadora: o colonialismo. Além disso, ao resgatar e
fazer uma análise minuciosa sobre os documentos (jornais e revistas)
do período pós-independência, o autor identifica como as práticas
tradicionais foram reexaminadas pelo Estado que se ergueu com for-
te identificação com o pensamento marxista. Assim, numa incansá-
vel leitura crítica, ele nos propõe quatro capítulos surpreendentes
pelos quais se pode compreender o lobolo no período pré-colonial,
colonial e pós-colonial.
Por meio de duas experiências de campo — um lobolo e o epi-
sódio que o autor denomina de “quase lobolo” — imergimos numa
etnografia profunda com uma descrição densa de fatos e situações so-
ciais. Isso revela que não estamos apenas diante de um estudo sobre o
casamento tradicional bantu, mas também diante de um instrumen-
to metodológico que tangencia e contempla múltiplas áreas das ciên-
cias humanas, desde a antropologia até as relações internacionais.
O fato de essas duas experiências serem vivenciadas em dois con-
textos distintos — urbano e rural — e com influências de religiosi-
dades diferentes, possibilita-nos compreender o lobolo por diversos
aspectos. Dentre várias interpretações possíveis, destaca-se o “sincre-
tismo religioso” presente no lobolo que, neste caso específico, nos
remete a outra categoria de análise: a compartimentação religiosa.
Portanto, este livro nos permite analisar o lobolo enquanto um ritual
simultaneamente sincrético e compartimentado. Nessa direção, ou-
tro elemento crucial é a forma como, por meio do lobolo, o autor
mobiliza uma discussão em torno da tradição e da modernidade, não
enquanto conceitos ou categorias opostas, mas entrelaçadas.
Por fim, este livro é, particularmente, uma grande contribuição
para os estudos antropológicos e sociológicos e seus variados temas,
como parentesco, economia das trocas simbólicas e performance.
Por ser a primeira obra no Brasil a tratar de um assunto tão im-
portante para nós, moçambicanos e moçambicanas, espero que se
consolide no mainstream universitário e se expanda para além dos
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muros das instituições de ensino superior, consolidando-se como
uma referência que aponta e explica uma das contribuições civili-
zatórias mais importantes de povos negro-africanos da África Austral.
Com isso, espero que as pessoas possam vislumbrar outra forma de
relação conjugal distinta dos parâmetros hegemônicos presentes
no Brasil.
CAS A M E N TO T R A D I C I O N A L B A N T U 15
Prefácio
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Augusto Iassine Cuaira e o casamento de Cândido Afonso Tune e
Fátima Tune. Ao longo da descrição, destacam-se vários traços e gra-
máticas sociais comuns nesses casos, dentre os quais, a consolidação
do laço matrimonial, a renovação e o aprofundamento de laços com
os espíritos bem como a valorização e a afirmação da identidade dos
sujeitos que o praticam.
A obra oferece uma experiência etnográfica marcante, com via-
gens pelo “Moçambique real”, o que demonstra a capacidade singu-
lar de Rhuann para produzir um corpus de dados robusto, superando
todos os problemas relacionados às condições sociais de pesquisa e os
constrangimentos de um terreno desconhecido, das línguas locais e
práticas culturais de uma complexidade assinaláveis.
O material etnográfico apresentado ao longo do livro, a autori-
dade como que aborda as diferentes situações sociais, a neutralidade
axiológica e a simplicidade da sua escrita mostram que este livro em
nada fica a dever aos trabalhos escritos sobre o lobolo, pois o tempo
de permanência em Moçambique, o trabalho bibliográfico extenso
e o contato com duas experiências de casamentos permitiram o apri-
moramento permanente do modo de operacionalizar o seu objeto
de estudo e de concretizar a sua pesquisa de forma muito particular,
observando o rigor e os desafios que a pesquisa etnográfica impõem.
O livro de Rhuann destaca-se, também, pela forma como discute
o lobolo, desde os elementos históricos pré-coloniais, aos tempos que
correm passando pelo período imediatamente a seguir à independên-
cia, quando esta prática cultural resiste a toda propaganda depreciati-
va e às tentativas de sua invisibilização postas em marcha pelos sujei-
tos políticos e dirigentes do recém-proclamado Estado moçambicano.
Uma das linhas teóricas defendidas pelo livro é a necessidade
de se estabelecer um diálogo com debates que ajudam a dissipar os
equívocos e mal-entendidos à volta da construção e reprodução da
consciência histórica e prática da identidade do lobolo, em que os
antepassados e a espiritualidade ocupam um lugar central.
Assim, o lobolo é prioridade, para a maioria das famílias, porque é
um meio pelo qual se adquire legitimidade no matrimônio e o equilí-
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brio necessário com a espiritualidade, através do sincretismo religio-
so, da integração do mundo dos vivos e do mundo dos mortos, como
sinal de interdependência entre estes dois mundos. Deste modo,
persistir na retórica que associa esta prática com questões econômi-
cas, é uma leitura que revela que não se compreende o verdadeiro
significado da prática, é perder de vista aquilo que, verdadeiramente,
é mais importante na cerimônia: os aspectos simbólicos e sociologi-
camente relevantes para as famílias envolvidas.
Como se pode notar, devido à trajetória que contribuiu para a
elaboração deste livro, ao conteúdo que versa e à sua relevância e
atualidade para a sociedade moçambicana — e não só —, apraz-me
dizer que ele representa uma fonte de inspiração para todos os jo-
vens universitários que hoje estão na condição na qual se encontrava
Rhuann em 2018, primeiro como meu estudante e, depois, no mes-
trado, quando fui coorientador da sua dissertação. Por isso, recomen-
do sua leitura em duas perspetivas: (i) como material de consulta; e,
(ii) como um exemplo de renovação da confiança, do potencial e da
capacidade para que se desenvolva um pensamento livre, crítico e
reflexivo, do qual podem resultar novos trabalhos de referência para
outros estudantes, à semelhança desta obra.
Portanto, o livro Casamento tradicional bantu: o lobolo no sul de
Moçambique é um convite para os leitores refletirem sobre o signifi-
cado cultural dessa forma de união entre duas famílias, a pertinên-
cia social e os modelos de realização atualmente vigentes. Por tal
conjunto de fatores, para mim, este livro representa um contributo
assinalável no debate teórico em torno do lobolo.
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