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Leituras de Fronteiras

“Leituras de Fronteiras: apontando caminhos, señalando


Organizadores: traçados apresenta a materialização em livro de discussões
acadêmicas consolidadas, que compuseram o VI Seminário
Eudes Fernando Leite, doutor em Quarto volume da coletânea que se
Leituras de Fronteiras ou VI Seminario Lecturas de Fronte-
História pela Unesp. Professor na gra-
duação em História e na pós-gradu-
ação na UFGD. Realizou estágio de
ras realizado no final de 2018, em Assunção no Paraguai.
Nosso objetivo é que este quarto volume da coletânea
Leituras de Fronteiras insere no conjunto de atividades pro-
postas dentro do Projeto de Pesqui-
sa “Educação, Fronteira e Civiliza-
pós-doutorado em História na UFRJ. some-se aos demais já publicados, sendo eles: Leituras de apontando caminhos, señalando traçados ção”, até então apoiado pela Fundect-
Fronteiras: trajetórias, histórias e territórios (2018); Leituras -MS/CNPQ/UFGD, e que ora é pu-
Herib Caballero Campos, doutor de Fronteiras: novas achegas (2017); e Leituras de Fronteiras: blicado com recursos próprios. Orga-
em História pela UNA, Paraguai. nizado a partir dos resultados obtidos
contribuições transdisciplinares (2016). Contribuindo, dessa
Realizou estágio de pós-doutorado do VI Seminário Leituras de Fron-
maneira efetivamente para a análise, compreensão e cresci-
em História na UFGD. Docente na teiras, envolve pesquisadores(as) das
mento das pesquisas acadêmicas sobre as fronteiras. Temos

Eudes Fernando Leite; Herib Caballero Campos; Leandro Baller


Unican, Paraguai. áreas de Educação, História, Geogra-
como propósito promover o acesso democrático e a reflexão fia, Antropologia, Ciências Sociais,
Leandro Baller, doutor em Histó- crítica constante acerca do que foi produzido até então, ins- Comunicação e Letras, oriundos(as)
ria pela UFGD. Realizou estágio de tigando futuras discussões, novas perspectivas analíticas, de universidades brasileiras com a
pós-doutorado interdisciplinar em e nesse caso em específico, que essas fronteiras nos unam contribuição de pesquisadores(as) do
Sociedade, Cultura e Fronteiras na Paraguai. Um trabalho interinstitu-
cada vez mais, em torno daquilo que aos poucos batizamos
Unioeste. Realizou estágio doutoral cional que apresenta perspectivas im-
como nossas Leituras de Fronteiras.”
na UNA, Paraguai. Docente na gra- portantes sobre as fronteiras.
Eudes Fernando Leite

(orgs.)
duação em História e na pós-gradu-
ação na UFGD. Leandro Baller,
professor na Universidade Federal da Grande Dourados Herib Caballero Campos
Leandro Baller
(orgs.)
ISBN 978-85-462-1977-3 /PacoEditorial

@PacoEditorial

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©2020 Eudes Fernando Leite; Herib Caballero Campos; Leandro Baller


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SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
L557

Leituras de fronteiras: apontando caminhos, señalando traçados/ organiza-


ção Eudes Fernando Leite, Herib Caballero Campos, Leandro Baller. – 1. ed.
– Jundiaí [SP]: Paco Editorial, 2020.
276p.; 21cm.

Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-462-1977-3

1. Tríplice Fronteira (Argentina, Brasil e Paraguai) – Condições


econômicas. 2. Tríplice Fronteira (Argentina, Brasil e Paraguai) – Condições
sociais. 3. Tríplice Fronteira (Argentina, Brasil e Paraguai) – Educação. 4.
Tríplice Fronteira (Argentina, Brasil e Paraguai) – Aspectos políticos. I. Leite,
Eudes Fernando. II. Campos, Herib Caballero. III. Baller, Leandro.

Meri Gleice Rodrigues de Souza – Bibliotecária – CRB-7/6439


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14. HISTÓRIA, CULTURA E
ESPACIALIDADES: SENTIDOS POLÍTICOS
E CONCEPÇÕES DE REGIÃO NA
FRONTEIRA ENTRE BRASIL, PARAGUAI E
ARGENTINA DURANTE O SÉCULO XX
Jiani Fernando Langaro

Apresentação

O capítulo que segue integra esforço mais amplo de histori-


cização das visões sobre a região fronteiriça do Brasil com o Para-
guai e a Argentina, no estado do Paraná, entre 1890 e 1950 e tem
como propósito colocar em questão o próprio conceito de “Oeste
paranaense”, por meio do qual a região é conhecida atualmente.
Muito já se discutiu sobre o local e o período estudado, acerca das
formas como autoridades brasileiras entendiam a região fronteiriça
e as populações que circulavam entre os três países limítrofes, por
meio de chaves de leitura tais como a “desnacionalização da frontei-
ra”– atribuída à presença paraguaia1 e argentina no lado fronteiriço
brasileiro – e a “violência” e “barbárie” das obrages exploradoras de
erva-mate e madeira, consideradas como empreendimentos que uti-
lizavam a mão de obra “escrava” ou “semi-servil” de “paraguaios”.
Sem pretensão de problematizar tais visões, tarefa que reservamos
para outra oportunidade, pretendemos, neste ensaio, analisar como
o conceito de “Oeste paranaense” foi sendo plasmado ao longo do
século XX, principalmente na sua primeira metade e como isso se
relaciona com a construção de outra relação com a fronteira.
1. Esse vocábulo é empregado, em livros de época e mesmo na historiografia regio-
nal, para identificar um grupo étnico mestiço, especialmente entre indígenas Gua-
rani e hispano-americanos, falantes das línguas espanhola e guarani. Portanto, não
significa que essas pessoas tenham, necessariamente, nascido na vizinha República
do Paraguai. Muitas vezes, indígenas e caboclos brasileiros são também designados
homogeneamente de “paraguaios”, termo que acaba por se tornar equivalente a
“trabalhadores do sertão” ou “peões de obrages”.

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Eudes Fernando Leite; Herib Caballero Campos; Leandro Baller (org.)

Colocar a própria concepção de região em questão, ou seja, his-


toricizá-la, pressupõe o entendimento de que o espaço denominado
atualmente por “Oeste paranaense” já foi conhecido por outras al-
cunhas e que, por outro lado, o termo nem sempre se referiu à área
atualmente delimitada e reconhecida por meio de tal vocábulo. Hou-
ve outros “Oestes” do Paraná, bem como outros termos para nomear
as plagas ocidentais da “Terra das Araucárias”. Enfrentar esta questão,
por outro lado, implica desnaturalizar as categorias espaciais, muitas
vezes tomadas como algo desprovido de historicidade e reconhecer
como os significados que as cercam são prenhes de sentidos políticos,
como aponta Niel Smith (2000, p. 139): “[...] a construção da escala
[espacial] é um processo social, (...) lugar de luta política intensa”.
Na historiografia brasileira, trabalho de referência é A invenção
do nordeste e outras artes, de Durval Muniz de Albuquerque Júnior
(2006), que defende a necessidade de pensarmos historicamente as
categorias espaciais, em especial, a de “região”. No estudo, o au-
tor problematiza o movimento que designa como de “invenção” do
Nordeste (do Brasil) e aponta que essa concepção de região possui
uma historicidade, sendo criada a partir do início do século XX
por um movimento regionalista que tinha como grande expoente
Gilberto Freyre. Conforme destaca, até então existia apenas a região
Norte, que englobava tanto o atual Nordeste como também a região
amazônica. Os historiadores, atualmente, quando tratam a porção
oriental do antigo Norte como Nordeste, antes da década de 1920,
cometem anacronismo, na visão do autor, pois:

Em nenhum momento, as fronteiras e territórios regionais po-


dem se situar num plano a-histórico, porque são criações emi-
nentemente históricas e esta dimensão histórica é multiforme,
dependendo de que perspectiva de espaço se coloca em foco, se
visualizado como espaço econômico, político, jurídico ou cultu-
ral, ou seja, o espaço regional é produto de uma rede de relações
entre agentes que se reproduzem e agem com dimensões espa-
ciais diferentes. Além disso, devemos tomar as relações es-
paciais como relações políticas e os discursos sobre espaços

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Leituras de Fronteiras: apontando caminhos, señalando traçados

como o discurso da política dos espaços, resgatando para a


política e para a história, o que nos aparece como natural,
como nossas fronteiras espaciais, nossas regiões. O espaço
não preexiste a uma sociedade que o encarna. (Albuquerque
Júnior, 2006, p. 25, grifos do autor).

Os espaços, segundo Albuquerque Jr. (2006), são produzidos


pela sociedade, em meio a relações de poder e lutas políticas, cujas
noções (espaciais) são disseminadas na cultura, cabendo, inclusive
à “história regional” o papel de auxiliar no processo de “natura-
lização” de categorias espaciais (regionais), apresentando-as como
a-históricas (Albuquerque Júnior, 2006, p. 29). Nesse sentido, frisa
a necessidade de se desconstruir tais conceitos e buscar as relações de
poder que os engendraram e que os pretendem cristalizar.
Outro trabalho significativo sobre movimentos regionalistas e
sobre como eles constroem concepções de região é o de Laurindo
Mékie Pereira, Em nome da região, a serviço do capital: o regiona-
lismo político norte-mineiro (2007). Para o autor, diversamente de
Albuquerque Júnior (2006), tais movimentos são engendrados nas
relações sociais e de classe e estão intimamente imbricados a proje-
tos classistas de desenvolvimento regional. Pereira (2007) discute,
especificamente, como movimentos regionalistas transformaram
as concepções de região no “Norte de Minas Gerais”, ao longo do
século XX. Assim, frisa que, no começo dessa centúria, os grupos
dominantes de Montes Claros – cidade considerada polo regional –
afirmavam a “mineiridade” da região, ao passo que, a partir dos anos
1960, com a criação da Sudene (Superintendência para o desenvol-
vimento do Nordeste), passaram a construir a noção de que o Norte
de Minas pertencia a uma região maior, que integrava inclusive o
estado vizinho da Bahia e até mesmo o Nordeste como um todo,
com vistas a inseri-lo nos projetos de desenvolvimento vislumbra-
dos para essa macrorregião brasileira. Após a extinção da Sudene, já
no século XXI, o autor observa um movimento de recuperação das
“raízes mineiras” no local e destaca como os movimentos regionalis-
tas tentaram conectar o lugar e suas referências espaciais aos projetos

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Eudes Fernando Leite; Herib Caballero Campos; Leandro Baller (org.)

de desenvolvimento para ele preconizados pelos grupos dominan-


tes. Tais planos chegaram a incluir divisionismos, organizados em
três momentos – nas décadas de 1960, 1980 e de 2000 –, quando
se pretendeu a divisão do restante do estado de Minas Gerais e, em
duas das propostas, a união com o Sul do vizinho estado da Bahia,
para se criar uma nova (e nordestina) unidade da federação.
De acordo com o autor, como parte da afirmação da “nordes-
tinidade” na região, passou-se a ressaltar temas como a seca e a po-
breza ali existentes, com vistas a se obter incentivos fiscais e finan-
ciamentos para projetos que auxiliariam os grupos dominantes a
“modernizar” seus empreendimentos, além de atrair novos capitais.
Isso acarretou a naturalização da pobreza, tratada como produto ex-
clusivo do clima e apresentou-se como solução o “desenvolvimento”
econômico da “região”, ao invés do combate a aguda desigualdade
social existente no local (e no Brasil como um todo, embora em
níveis diversos). Além disso, para Pereira, essa concepção de região
foi resultante da hegemonia conquistada pelos grupos dominantes
de Montes Claros e de seu entorno:

A maior conquista das elites regionais, no entanto, não foi


apenas ter construído uma ideologia ao longo da segunda
metade do século XX. O mais significativo é que a sua con-
cepção de mundo foi difundida pelo conjunto da socieda-
de, compartilhada por memorialistas, pela imprensa, por
setores do meio acadêmico e, possivelmente, por uma boa
parte da população em geral. Foi no bojo desse processo
histórico que as elites tornaram-se não apenas dominantes,
mas também dirigentes e conquistaram a hegemonia no
âmbito regional. (Pereira, 2007, p. 204)

Conforme destaca o autor, a hegemonia desses grupos se cons-


tituiu de tal forma que seus interesses deixaram de ser vistos como
sendo de classe e passaram a ser tomados como “regionais” e, por-
tanto, de todos. A partir disso, foram incorporados pela popu-
lação, como fórmula para entender e explicar a “região”, sendo,

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Leituras de Fronteiras: apontando caminhos, señalando traçados

de certa forma, introjetados até mesmo por movimentos sociais


críticos aos grupos dominantes que, se por um lado discordaram
de certos projetos de desenvolvimento e/ou das formas como fo-
ram implementados, por outro não deixaram de circunscrever sua
atuação a uma perspectiva “regional”, concordando que esse seria
o lócus e o raio de ação correto para suas lutas.
Tendo essas questões em vista, estudamos como se elaborou a
concepção de região “Oeste do Paraná” para o espaço pesquisado,
quem foram os sujeitos que a formularam e quais foram suas in-
tenções, pensando em quais relações sociais e de poder se faziam
presentes quando da criação de tal noção. Ao fim, refletimos sobre
como essa concepção se conectou com determinados projetos de
desenvolvimento vislumbrados para a região, sem, no entanto, nos
aprofundarmos em tal questão, tarefa impossível dentro dos limites
deste texto. Também nos detemos mais no uso da noção de “Oeste”
e de suas implicações, que propriamente nos sentidos que foram
sendo historicamente investidos à ideia de região evocada (como,
por exemplo, o binômio “moderno” e “arcaico”), questão importan-
te, mas que demanda oportunidade específica para que possamos
trabalhá-la devidamente.2 Cabe destacar, ainda, que empregamos o
“método indiciário” proposto por Carlo Ginzburg (2007) para o es-
tudo da história e buscamos em elementos geralmente vistos como
secundários – tais como as nomenclaturas empregadas para deno-
minar a região – possibilidades para refletir sobre a historicidade das
concepções de Oeste paranaense e de “Oeste do Paraná”, bem como
problematizar os projetos de desenvolvimento e de sociedade com
os quais essas noções espaciais dialogam.

2. Durante o percurso da investigação, nos deparamos com o importante traba-


lho de Liliane da Costa Freitag (2007), que analisa as relações entre história, o
território do atual Oeste do Paraná e as identidades regionais. A autora defende
que o termo “Oeste paranaense” foi inaugurado por Lima Figueiredo (1937) na
obra Oéste paranaense, durante a década de 1930. Entretanto, chegamos a con-
clusões diversas da autora.

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Eudes Fernando Leite; Herib Caballero Campos; Leandro Baller (org.)

Notas sobre a construção de uma concepção de região

Em nossa busca pela definição de “Oeste do Paraná” recuamos no


tempo e a encontramos em O Paraná no centenário, de 1900. Esse li-
vro foi escrito por José Francisco da Rocha Pombo (1980), considera-
do um dos grandes historiadores paranaenses do período, cujo nome
também tinha grande destaque nas letras e na imprensa do estado
(Machado, 1980, p. X-XXI). Ele escreveu seu livro nas comemora-
ções do quarto centenário do “descobrimento” do Brasil. A narrativa
insere o Paraná na epopeia marítima lusitana e, posteriormente, nos
processos de construção da sociedade nacional. A partir deles, narra os
elementos que considerava mais importantes na história paranaense.
No capítulo destinado à descrição física do estado, frisa que:

Todo o oeste do Paraná se acha quase inteiramente despo-


voado. Erram por ali ainda numerosas hordas selvagens,
umas de todo refratárias a civilização, outras procurando
de tempos a tempos as povoações mais próximas e parecen-
do mesmo dispostas a relacionar-se com os conquistadores.
(Pombo, 1980, p. 46)

A temática do (pretenso) despovoamento do Oeste é muito co-


mum em toda a historiografia regional que trata do período até a
primeira metade do século XX, assim como a visão de que os povos
indígenas – quando lembrados nestes enredos – precisavam ser “civi-
lizados”, ou seja, incorporados à sociedade nacional. Rocha Pombo,
como se percebe, também estava imbuído do ideal de modernidade
de sua época, no qual era preciso enquadrar o Oeste. Importa-nos
por ora somente pontuar o uso, pelo autor, do termo “Oeste do Pa-
raná”, que, por sinal, tem como característica delimitar os espaços
narrados com certa precisão, utilizando termos como o “Noroeste”
e “Sudoeste”, que também acabaram por nomear outras regiões do
estado. Todavia, o autor também se refere ao Oeste do Paraná como
“sertões do Oeste” e “zona ocidental” (Pombo, 1980, p. 54 e 56).
Apesar de manusearmos apenas a segunda edição do livro, publicada

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Leituras de Fronteiras: apontando caminhos, señalando traçados

em 1980, essa obra não foi atualizada, como constatamos ao obser-


var as diversas informações que o compõem. Isso possivelmente por-
que, conforme consta na ficha catalográfica da obra, Rocha Pombo
faleceu ainda em 1933, sendo póstuma a segunda edição.
Encontramos, em 1928, outro trabalho em que a região é de-
signada pela alcunha “Oeste paranaense”. Trata-se do trabalho de
Manuel Carrão (1928), Impressões de viagem à Fóz do Iguassú e Rio
Paraná. O autor era médico, professor da Faculdade de Medicina (da
Universidade do Paraná) e chefe da Diretoria de Saúde do Paraná
(Carrão, 1928, capa). Portanto, integrava o alto escalão do governo
estadual na época. Matéria do Museu Maçônico Paranaense cita Car-
rão entre a intelectualidade do estado, indicando que ele integrava os
grupos dominantes estaduais (Museu Maçônico Paranaense, 2011).
No livro, o autor narra que a motivação para sua viagem à cidade
de Foz do Iguaçu, naquele ano, foi devido à notícia de que ali havia
uma epidemia de varíola, a qual, posteriormente, não se confirmou
(Carrão, 1928, p. 5). Conforme destaca, na volta, concedeu uma
entrevista ao jornal A República, de Curitiba e, instigado por um
amigo, resolveu publicar o livro, argumento muito recorrente nesse
tipo de material, como incentivo para a escrita (Carrão, 1928, n.p.).
O autor utiliza o termo “Oeste paranaense” (Carrão, 1928, p.
46) ao narrar a paralisação das obras, em 1908, que tornariam a
picada que ligava Guarapuava a Foz do Iguaçu numa estrada carro-
çável. Também utiliza outros termos para definir a região, como “ex-
tremo occidente paranaense”, “Oeste do estado”, e “zona fronteiriça”
(Carrão, 1928, p. 45, 49 e 87).
Carrão viajou para Foz do Iguaçu através das vias férreas dos
estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, ingressando na Ar-
gentina, de onde concluiu a viagem por meio fluvial, através da na-
vegação do Rio Paraná. A decisão de não seguir viagem pela estrada
de Guarapuava, mas pelo itinerário platino é creditada às chuvas,
pois o autor reclamava das más condições da via térrea, destacando
que bastavam alguns dias pluviosos para ser preciso mudar o “(...)
itinerário, como a nós aconteceu, e aos que demandam as barran-

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Eudes Fernando Leite; Herib Caballero Campos; Leandro Baller (org.)

cas do Paraná” (Carrão, 1928, p. 47). Como observamos, Carrão


utiliza-se do rio como uma referência para a região, fazendo não
apenas o uso de diferentes referentes espaciais para designá-la, mas
também se utiliza de elementos da natureza, no caso, o rio Paraná,
que teve presença marcante em sua viagem.
As referências ao uso de “Oeste” para designar a região antes
da década de 1930 são abundantes e, mesmo sem a pretensão de
esgotar as fontes que possuímos, registramos, rapidamente, algumas
ocorrências, tais como, ainda na década de 1910, as expressões “[...]
extremo Oeste do Estado Paranaense” e “[...] fronteira Oeste do
Paraná [...]”, constantes da obra Do Guairá aos saltos do Iguassú,
livro de memórias escrito por Manoel de Azevedo da Silveira Net-
to (1914, p. 28 e 127), importante intelectual e poeta paranaense,
autor de várias obras, que viveu em Foz do Iguaçu entre 1905 e
1906, quando atuou como administrador da Mesa de Renda esta-
dual (Myskiw, 2009, p. 67-69). Termos semelhantes, como “extre-
mo Oeste de nosso Estado” e “Oeste do Estado” também compõem
A Fóz do Iguassú e as Cataratas do Iguassú e do Paraná (Descripção de
viagem) 1920, de Jayme Ballão (1921, p. 13 e 53), que viajou à re-
gião como integrante da comitiva do governador Affonso Camargo,
destinada a inaugurar as obras da estrada entre Guarapuava e Foz do
Iguaçu, no ano de 1920, equipe da qual Ballão tomou parte como
deputado estadual e representante do jornal curitibano A Republica
(Ballão, 1921, p. 11-12). Em certos casos, encontramos ainda o
uso da alcunha “Oeste” sem, no entanto, compor os conceitos de
“Oeste do Paraná” ou de “Oeste paranaense”, como no caso de Pela
fronteira, obra do militar Domingos Nascimento (1903) – que se
tornou um paradigma explicativo da região em princípios do século
XX –, em cuja introdução aparece a expressão “...lados de oeste de
nossa terra” (Nascimento, 1903, p. 2) para definir a região que o
autor visitou no ano de publicação da obra, a cargo do exército, no
intuito de fiscalizar as colônias militares de Chopim, de Chapecó e
de Foz do Iguaçu, localizadas nos atuais Oeste e Sudoeste do Paraná.
A título de adendo, constatamos que tal noção não ficou restrita
aos meios letrados e/ou intelectuais desse período, pois, em Foz do

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Leituras de Fronteiras: apontando caminhos, señalando traçados

Iguaçu, no ano de 1928, foi criado o Oeste Paraná Clube, conforme


destaca a revista Painel (Editorial, 2009),3 em matéria sobre a traje-
tória da entidade, cujo fechamento ocorreu em 2009. A publicação
reproduz memórias escritas em 1970, por Ottília Schimmelpfeng,4
filha de Jorge Schimmelpfeng, antigo mandatário local. Segundo
aponta, o clube era destinado aos membros da “seleta sociedade de
Foz do Iguaçu” (Editorial, 2009), portanto, voltada aos grupos do-
minantes que se formavam na cidade. Sobre o título da associação
recreativa, destaca que se procurou um “nome expressivo” (Edi-
torial, 2009), sem apontar maiores detalhes. A escolha do termo
“Oeste” para fi gurar na denominação do clube da cidade, todavia,
nos dá pistas de como essa noção já estava se popularizando na dé-
cada de 1920, em contrapartida à também popular noção de “Alto
Paraná” que, inclusive, dava nome a um periódico fundado em Foz
do Iguaçu em 1918 (Editora Tezza Ltda., [200-a]).

Lima Figueiredo, o Estado Novo e a concepção de


“Oeste paranaense”

Apesar da noção “Oeste paranaense” já ser utilizada nas


primeiras décadas do século XX, é inegável a importância da obra
de Lima Figueiredo (1937), que toma o Oéste Paranaense como títu-
lo para seu livro, dando-lhe inegável visibilidade, além de empregar
largamente o conceito dentro de sua obra. De acordo com Liliane
da Costa Freitag (2007), o militar José de Lima Figueiredo esteve

3. Encontramos reprodução desta matéria no site de José Vicente Tezza, que reúne
a trajetória do escritor, jornalista, editor e proprietário da editora Tezza e da revista
Painel. A página na internet efetua um trabalho de levantamento histórico e apre-
senta, além da trajetória de Tezza, algumas informações sobre a imprensa da cidade
de Foz do Iguaçu. A esse respeito ver: Editora Tezza Ltda. ([200-b]).
4. Essa escolha não foi aleatória, pois Ottília Schimmelpfeng foi voz recorrente
nos assuntos de história local de Foz do Iguaçu. Ao consultar o site, percebemos
relações existentes entre essa revista e famílias “tradicionais” da cidade, como os
Schimmelpfeng. Editora Tezza Ltda. ([200-c]).

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Eudes Fernando Leite; Herib Caballero Campos; Leandro Baller (org.)

em viagem pela região em 1936,5 quando foi chefe de uma expedi-


ção que visava o reconhecimento dessa área (Freitag, 2007, p. 90).
A publicação da obra também coincidiu com o lançamento do
programa Marcha para o Oeste,6 pelo governo Vargas. Como cons-
tatamos, a composição e impressão do livro se deu em agosto de
1937, conforme registrou a gráfica nas páginas finais da publicação
(Figueiredo, 1937). Marcha para o Oeste, destaca Freitag (2007, p.
40), foi criado no final de 1937 e o uso do termo “Oeste paranaen-
se” no título da obra de Figueiredo pode ter sido empregado no
intuito de torná-la mais “atual” ou até uma estratégia de marketing.
Isso pode ter colaborado para o sucesso do livro, que foi vencedor
do concurso do Touring Club do Brasil, que tinha por objetivo pre-
miar narrativas sobre o território brasileiro (Figueiredo, 1937, p.
71). A publicação se deu pela Companhia Editora Nacional, inte-
grando a “Coleção Brasiliana” e a “Biblioteca Pedagógica Brasileira”
(Figueiredo, 1937, p. 71 e folha de rosto).
No livro, as referências que ligam a região ao ponto cardeal Oes-
te são várias e não se limitam ao título Oéste paranaense. Tal noção,
além de denominar a obra, é citada ao longo de diversas partes do
livro,7 sendo que o autor também emprega expressões como “Oéste
5. Neste aspecto notamos uma controvérsia, pois, no momento em que Figueiredo
relata a visita ao povoado de Laranjeiras, destaca que a população discutia sobre as
eleições. Conforme narra, o grupo se dividia entre os partidários de Julio Prestes e de
Getúlio Vargas, candidatos à presidência da república. Portanto, são elementos que
indicam a presença do militar na região no ano de 1930. Em outro momento, o autor
destaca que fez ao menos duas viagens para a região, embora sua narrativa se estruture
como se tivesse realizado apenas uma. In: Figueiredo, 1937 (p. 35, 42 e 145).
6. A “Marcha para o Oeste” foi uma doutrina nacionalista que pretendia “integrar”
os diferentes territórios brasileiros e preencher os seus “vazios” populacionais para,
dessa forma, unificar o país dentro de um sentido de “nação”. Entendia-se que um
dos grandes problemas do Brasil era sua insularidade, ou seja, os pontos ocupa-
dos pela sociedade nacional não formavam um continuumao longo do território.
Como solução, apresentava-se a formação de colônias e migração para as regiões a
Oeste do país. In: Freitag (2007, p. 27-44).
7. Exemplos nesse sentido podem ser encontrados em: Figueiredo (1937, p. 158,
166 e 181).

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Leituras de Fronteiras: apontando caminhos, señalando traçados

do Paraná” (Figueiredo, 1937, p. 146) para definir o local. Todavia,


Figueiredo não abre mão do uso de outras expressões, como “Tercei-
ro planalto” (Figueiredo, 1937, p. 24), referindo-se ao aspecto físico
da geografia do estado; “Alto Paraná” (Figueiredo, 1937, p. 103); e,
por fim, “sertão” ou “sertões”, largamente empregados para definir
os territórios por onde o autor transitou.8
Esses elementos demonstram como “Oeste”, em fins da década
de 1930, não era o único termo utilizado para designar a região,
não tendo ainda a projeção que veio conquistar, como concepção
definidora do local em estudo. Porém, conseguimos observar nessa
obra uma inflexão, representada pela significativa ampliação no
uso desse conceito, não somente no conteúdo da publicação, mas
também como elemento escolhido para nominar aqueles espaços,
ao compor o título do livro.

Uma variedade de concepções de região

Constatamos, no levantamento realizado, que os termos “Oeste


do Paraná” e “Oeste Paranaense” – largamente empregados, no pre-
sente, para definir a região do estado situada na fronteira com Pa-
raguai e Argentina e na divisa com Mato Grosso do Sul – já eram
utilizados desde a passagem do século XIX para o XX. Todavia, nessa
época não tinham a projeção que possuem atualmente. Sua difusão e
popularização ocorreram de forma lenta, tendo existido diversos ou-
tros termos para definir a região, tais como “Vale do Iguaçu”, “Vale do
Paraná”, “sertão” e “sertões” e “Alto Paraná”, esse último usado prin-
cipalmente para o local onde se situava o povoado que deu origem a
atual cidade de Foz do Iguaçu e a faixa ribeirinha ao rio Paraná.
Nem sempre esses termos eram utilizados paralelamente às al-
cunhas “Oeste do Paraná” ou “Oeste paranaense”, pois, como pu-
demos notar, “Oeste” era utilizado topicamente, na maioria desses
trabalhos. Em certos casos, sequer era usado, como no livro Sertões
8. Essas expressões podem ser encontradas, entre outros lugares do livro: Figueire-
do (1937, p. 30, 70, 107 e 150).

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Eudes Fernando Leite; Herib Caballero Campos; Leandro Baller (org.)

do Iguassú, publicado por Cesar Pietro Martinez (1925), que, na


década de 1920, ocupava o cargo de secretário estadual de instru-
ção pública, durante o governo de Caetano Munhoz da Rocha. Em
1924 empreendeu viagem à porção ocidental do estado, a fim de
inspecionar as escolas e de acertar os detalhes da política estadual de
expansão da educação (Wachowicz, 1982, p. 51, 57 e 129).
O autor viajou por terra, junto com os demais integrantes de
sua comitiva, atravessando os “sertões” até chegar a Foz do Igua-
çu. Dessa cidade, visitou as povoações na beira no rio Paraná. Em
sua obra, os termos “sertão” e “sertões” são os mais utilizados para
definir a região, embora lance mão de outros como “região serta-
neja”, “sertão do Iguassú e do Paraná”, “Alto Paraná”, e “Sertões
do Iguassú” (Martinez, 1925, p. 5, 6, 27, 30 e 100), termo que dá
nome à sua obra. O autor também inicia o livro destacando que
trata da “[...] outra porção [do estado] que fica do parallelo 25 até
os barrancos do grande rio [Paraná] [...]” (Martinez, 1925, p. 5).
Isso demonstra como a alcunha “Oeste” foi somente aos poucos
conquistando espaço nos meios letrados para, por fim, ser expressão
dominante para designar o local. Todavia, salta aos nossos olhos o
termo “Alto Paraná”, outrora largamente empregado para designar a
região ou mesmo a sua porção ribeirinha, cujo uso, segundo Silveira
Netto, não se restringia aos intelectuais e era corrente entre os mo-
radores da fronteira (Silveira Netto, 1914, p. 37).
Mesmo após a década de 1940, quando obras como Oéste Pa-
ranaense, de Lima Figueiredo (1937) e Esboço da História do Oeste
do Paraná, de Eurico Branco Ribeiro (1940),9 já haviam estam-
pado o ponto cardeal ocidental em suas capas, continuam sendo
publicados livros que utilizam outros referentes para apresentar a
região. Isso demonstra que a substituição dessas noções não ocor-
reu automaticamente.
9. Eurico Branco Ribeiro é natural de Guarapuava e radicou-se em São Paulo, onde
atuou como jornalista e fez carreira como médico. O autor também se dedicou à
história, escreveu diversas obras, algumas delas, como a que apresentamos, coloca
em foco sua terra natal. A esse respeito ver: Begliomini, [200-].

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Leituras de Fronteiras: apontando caminhos, señalando traçados

Acerca desse movimento, é emblemático o trabalho de Arthur


Martins Franco, Recordações de viagens ao Alto Paraná publicado em
1973. O texto do livro, todavia, foi assinado pelo autor em setembro
de 1950, indicando que sua publicação se deu mais de duas décadas
depois da escrita final (Franco, 1973, p. 78). Nessa obra, Franco relata
as duas viagens que empreendeu até o “Alto Paraná”, uma em 1904 e
outra em 1913. Na primeira, como engenheiro a serviço do estado,
foi incumbido de efetuar as medições em duas concessões feitas para
empresas exploradoras de madeira e erva-mate, Nuñes y Gibaja e Do-
mingos Barthe. Ali permaneceu em serviço até 1905, quando foram
concluídos os trabalhos (Rocha Netto, 1973, p. 3). Em 1913, sua via-
gem foi por outro motivo, na época ele ocupava o cargo de secretário
da fazenda do estado do Paraná e se deslocou até Foz do Iguaçu para
inaugurar o Serviço Fiscal Estadual (Franco, 1973, p. 53). Tomando
como base as anotações efetuadas durante as duas viagens, o autor
compôs e publicou sua narrativa. Nela, não utiliza “Oeste” para se
referir a essa região, mas opta por “Alto Paraná” (Franco, 1973, p. 9,
58-59) e expressões como “sertão”10 – muito presentes em seu texto
–, além de “zona fronteiriça” (Franco, 1973, p. 53). Portanto, nota-
mos que, ainda em 1950, os termos “Oeste Paranaense” e “Oeste do
Paraná” não eram vocábulos consensuais para expressar (pelo menos
em termos históricos) a região de fronteira do estado.
Existe também, em algumas obras, o emprego mútuo de “Oes-
te” e outras denominações que, posteriormente, acabaram por en-
trar em desuso. É o caso da publicação de Coelho Júnior (1946),
Pelas selvas e rios do Paraná, que reúne as memórias de viagens do
autor à região, empreendidas entre as décadas de 1910 e de 1940,
sendo que a primeira, realizada em 1919, teve como objetivo o
levantamento topográfico do vale do rio Piquiri (Coelho Júnior,
1946, p. 178). Na obra encontramos o uso, paralelo, das concepções
de “Oeste paranaense”, “extremo Oeste”, “sertão” e “alto Paraná”
(Coelho Júnior, 1946, p. 29, 40, 44 e 15).
10. Algumas das passagens em que essa expressão aparece podem ser encontradas
em: Franco (1973, p. 9, p. 29, p. 33).

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Eudes Fernando Leite; Herib Caballero Campos; Leandro Baller (org.)

Apesar disso, foi nas décadas de 1940 e de 1950 que o emprego


do conceito avançou, principalmente após a criação de novos mu-
nicípios, fundados a partir das “colonizações” do “sertão”, que tam-
bém passaram a empregar largamente o termo “Oeste do Paraná”.11
Todavia, ao acompanharmos esse processo de plasmar da concepção
de Oeste do Paraná, percebemos que nem sempre seus contornos
foram os mesmos. O Oeste paranaense atual é muito diferente da-
quele apontado pelos visitantes de Foz do Iguaçu, nas décadas an-
teriores a 1940. Essas são questões de grande relevância, que, no
entanto, necessitam de espaço adequado para seu desenvolvimento,
razão pela qual as deixaremos para abordar em outra oportunidade.

Considerações finais

A noção de região “Oeste paranaense”, durante a primeira me-


tade do século XX, era utilizada, como vimos, paralelamente a uma
miríade de outras terminologias que, ao fim, não se referiam apenas
a espacialidade atualmente conhecida por tal alcunha, mas a um
lugar bem mais amplo. Oeste era um “semióforo” (Chauí, 2007, p.
11-14), que remetia aos “sertões” do estado do Paraná, a uma exten-
sa faixa de terras a ocidente da cidade paranaense de Guarapuava,
espaço entendido como bravio e incivilizado, lugar de mistérios,
perigos e aventuras, destino de viagens que, na volta, rendiam obras
que ajudaram a compor um gênero literário. A região das “barran-
cas” do rio Paraná, nas proximidades de Foz do Iguaçu, atualmente
conhecida como “Oeste do Paraná” e, muitas vezes, denominada de
“Tríplice Fronteira” – por se encontrar na fronteira do Brasil com o
Paraguai e Argentina –, era comumente chamada de “Alto Paraná”
ou de “Zona Fronteiriça” termo este que, no entanto, podia tam-
bém se referir ou mesmo abarcar o atual Sudoeste do estado, em sua
porção limítrofe à Argentina.

11. Algo nesse sentido pode ser visto em: Industrial Colonizadora Rio Paraná (Ma-
ripá, 1955). Sobre a dinâmica dos moradores desses novos municípios com suas
memórias, ver: Freitag (2007, p. 77-185).

266
Leituras de Fronteiras: apontando caminhos, señalando traçados

As transformações na denominação da região, de “Alto Para-


ná” para “Oeste paranaense” não são fortuitas, pois, como afirma
Raymond Williams (1979, p. 16), “[...] os conceitos, como se diz,
dos quais partimos – não são conceitos, mas problemas, e não pro-
blemas analíticos, mas movimentos históricos ainda não definidos
[...]”, ou seja, são carregados de sentidos historicamente construídos,
com implicações políticas e sociais. No plasmar-se de uma noção de
região, triunfaram os sentidos remissivos aos projetos de integração
nacional e regional; em seu escopo, era preciso converter “sertões” em
“regiões”, transformar práticas culturais, relações econômicas e criar
meios de comunicação que ligassem tais espaços às capitais. Nesses
projetos, as fronteiras oficiais do Brasil deveriam se materializar em
práticas concretas e o “Alto Paraná”, com sua característica de zona
limítrofe “aberta”, em que circulavam pessoas, culturas e mercadorias
dos três países vizinhos, precisava ter sua dinâmica transformada. Tal
movimento, como podemos observar no trabalho de Akhil Gupta e
James Ferguson (2000), não foi somente brasileiro, mas uma tendên-
cia mundial que se acentuou ao longo do século XX.
“Oeste paranaense”, neste caso, tomou o lugar de outras noções
espaciais que colocavam em primeiro plano o caráter fronteiriço da
região, ou mesmo o rio Paraná, referência direta aos limites nacio-
nais – e às dificuldades dos brasileiros em lidarem com sua navega-
ção comercial hegemonizada pelos vapores argentinos, símbolo da
preponderância econômica do país vizinho na fronteira, no período.
Nesse contexto de profundas transformações que marcou a região, as
mudanças nas formas de denominá-la e de compreender sua abran-
gência não compõem um mero detalhe, mas um dos fundamentos
desse câmbio. Para “nacionalizar” a fronteira e “desenvolver” os “ser-
tões” era preciso fundar uma nova noção de espaço – ou ressignificar
concepções difusas de região, como no caso estudado – que mate-
rializasse melhor tais sentidos. A passagem de “Alto Paraná” e aquela
gama polissêmica de referentes para “Oeste paranaense” ou “Oeste
do Paraná”, portanto, não “refletiu” as mudanças por que passou a
região, mas as integrou e lhes deu fundamental contribuição, não
sendo este estudo um mero inventário de palavras vãs.

267
Eudes Fernando Leite; Herib Caballero Campos; Leandro Baller (org.)

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