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Boletim da SBNp - Atualidades em Neuropsicologia

04.19
www.sbnpbrasil.com.br

Neuropsicologia
do Amor
Sociedade Brasileira de Neuropsicologia (SBNp)

Presidente Leandro Malloy-Diniz Membros da SBNp Jovem


Deborah Amaral de Azambuja José Neader Abreu Alberto Timóteo (MG)
Paulo Mattos Alexandre Marcelino (MG)
Vice-presidente Ana Luiza Costa Alves (MG)
Rochelle Paz Fonseca Conselho Fiscal André Ponsoni (RS)
Fernando Costa Pinto Emanuelle Oliveira (MG)
Tesoureira Geral Lucia Iracema Mendonça Érika Pelegrino (RJ)
Andressa Moreira Antunes Marina Nery Giulia Moreira Paiva (MG)
Luciano Amorim (PA)
Tesoureira Executiva SBNp Jovem Maila Holz (RS)
Beatriz Bittencourt Ganjo Marcelo Leonel (RJ)
Presidente Mariana Cabral (MG)
Secretária Geral Victor Polignano Godoy Mariuche Gomides (MG)
Katie Almondes Patrícia Ferreira da Silva (RS)
Vice-presidente Priscila Corção (RJ)
Secretária Executiva Thais Dell’Oro de Oliveira Waleska Sakib (GO)
Luciana Siqueira
Secretário Geral
Conselho delibetarivo Lucas Matias Felix
Annelise Júlio Costa

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Expediente

Editora-chefe Revisores desta edição


Giulia Moreira Paiva
Thaís Dell’Oro de Oliveira
Editoras assistentes Doutoranda em Medicina Mo-
Mariuche Rodrigues Gomides lecular (UFMG). Integrante do
Thaís Dell’Oro de Oliveira Laboratório de Investigações em
Neurociência Clínica (LINC-INCT-
Coordenador editorial -MM-UFMG). Vice-presidente da
Alexandre Marcelino Sociedade Brasileira de Neuropsi-
cologia Jovem (SBNp Jovem).
Projeto gráfico e editoração
Luciano da Silva Amorim

Equipe de revisores Editada em: setembro de 2019


Alina Todeschi Última edição: março de 2019
Camila Bernardes Publicada em: setembro de 2019
Emanuel Querino
Giulia Moreira Paiva
Isabela Guimarães
Lucas Matias Félix
Thaís Dell’Oro de Oliveira
Victor Polignano Godoy

Sociedade Brasileira de Neuropsicologia

Sede em: Avenida São Galter, 1.064 - Alto dos Pinheiros


CEP: 05455-000 - São Paulo - SP
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Sumário

05 REVISÃO HISTÓRICA
O amor romântico por uma perspectiva científica

13 REVISÃO ATUAL
Neuropsicologia e amor: o que a psicologia social construiu e
como podemos atuar no desenvolvimento científico do enamo-
ramento

19 RELATO DE PESQUISA
A paixão do paciente: as implicações clínicas do amor

22 ENTREVISTA

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REVISÃO HISTÓRICA

O Amor Romântico por uma


Perspectiva Científica
Nathália Pacheco de Carvalho

O amor pode ser descrito como um instinto que conduz o indivíduo ao


investimento de recursos pessoais para um par romântico em espe-
cífico, mesmo com a possibilidade de se relacionar com outros pares,
além de ser uma vivência universal compartilhada por quase todas as
populações e que transcende a cultura e o tempo (Hatfield & Rapson,
2002; Soares, 2018). O amor romântico geralmente começa quando
um indivíduo passa a considerar o outro como especial e único. Quando
apaixonados, focam sua atenção na pessoa amada supervalorizando e
engrandecendo suas qualidades e ignoram ou minimizam suas falhas.
Caso o amor esteja indo bem, há o aumento de energia e êxtase, mas
se caso estejam passando por adversidades, o humor se modifica em
desespero (Fisher, Aron, & Brown, 2006).

Algumas pessoas descrevem o amor como algo involuntário e dificil-


mente controlado (Fisher, Aron, & Brown, 2006), além de ser uma forma
de contato social que é altamente específico e focado na pessoa ou no
objeto amado e envolve um desejo de estar perto, de tocar e beijar (Sha-
ver et al., 1987). Indivíduos apaixonados se mostram emocionalmente
dependentes, mudando suas prioridades e seus hábitos para continuar
perto da pessoa amada ou para impressioná-la. Além disso, há a pre-
sença de desejo sexual e possessividade intensos, gerando pensamen-
tos obsessivos e intrusivos sobre a pessoa amada. Esse sentimento
está ligado a uma série de sensações subjetivas, mudanças comporta-
mentais, alterações psicológicas e necessidade de união (Fisher, Aron,
& Brown, 2006). Dentre os fenômenos físicos e psicológicos associa-

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dos ao amor, destacam-se a ansiedade de separação, euforia, aumento


de energia, taquicardia, sudorese, obsessão, pensamentos intrusivos,
insônia, perda de apetite e sensação de borboletas no estômago (Ha-
tfield & Rapson, 2005; Hatfield & Rapson, 2007; Fisher, Aron, & Brown,
2006; Soares, 2018).

O amor apaixonado é, por definição, uma experiência amarga e doce. Se


a ênfase está no doce ou no amargo, no entanto, parece depender da
cultura em que os indivíduos estão inseridos (Hatfield & Rapson, 2002).
Registros literários e de outras formas artísticas tais como pinturas e
músicas retratam as vivências do amor em civilizações antigas, como
pode ser visto no simpósio de Platão, em que o filósofo retrata vivências
do amor em sua época, no primeiro poema escrito sobre o tema, a 2000
a.C., em que os sumérios expressam a dor da perda de um amor (Ha-
tfield & Rapson, 2002) ou nas formas de expressão artística advindas
das dinastias chinesas em que o amor e o sexo foram descritos em va-
sos e tapeçarias. (Hatfield & Rapson, 2005; Hatfield & Rapson, 2007).

Inicialmente, culturas como as dinastias chinesas e as tribos indígenas


australianas descreveram o amor como um sentimento relacionado à
satisfação, a alegria e a exaltação, (Hatfield & Rapson, 2005; Hatfield &
Rapson, 2007) porém, ao longo do tempo, muitas culturas e autorida-
des que detinham o poder passaram a ver o amor como algo primitivo e
ameaçador para a ordem social, religiosa e política, se esforçando para
suprimir tal sentimento (Hatfield & Rapson, 2002). Com a chegada do
Cristianismo no Ocidente, a queda das dinastias no Oriente e o advento
Renascentista, o amor foi associado ao sofrimento e à dor, como pode
ser visto, por exemplo, nos textos de Shakespeare ou nas histórias ro-
mânticas clássicas como de Romeu e Julieta ou Hamlet e Ofélia (Ha-
tfield & Rapson, 2005). Nas comunidades chinesas, o sexo e o amor se
tornaram gastos energéticos impuros, sobretudo pela visão energética
que essa população acreditava existir nos relacionamentos amorosos e
sexuais, o que levou ao desinteresse na representação desses fenôme-
nos através da arte (Hatfield & Rapson, 2002, Hatfield & Rapson, 2005).

Devido a influência cultural exercida na forma como os indivíduos vi-


venciam o amor, cientistas como Fisher, Aron e Brown (2006) dedica-
ram seus estudos para analisar esse fenômeno. Fisher (1992) estudou
os índices de divórcio em diferentes culturas, encontrando influências
importantes do contexto social. Na Mesopotâmia era permitido que
apenas homens se separassem de suas mulheres, além de ser permiti-

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do a infidelidade masculina e sua dominação perante o gênero femini-


no, que era posto como inferior. Em contrapartida, no Egito antigo, havia
a liberdade sexual da população, sendo que os casamentos podiam ser
temporários ou não. Para que o casamento fosse oficializado, o casal
deveria passar por um casamento temporário, como uma espécie de
teste de fidelidade e caso os parceiros não conseguissem se manter
fiéis devido ao adultério, a mulher era assegurada de uma pensão do
marido para protegê-la de separações abusivas (Ribeiro, 2005).

Com o aumento da ocidentalização do mundo, o casamento tomou um


formato de garantia de status social assumindo a função única de pro-
criação, não sendo necessário amor ou fidelidade para manter as rela-
ções. Entretanto, no período clássico dos gregos e romanos, casos de
divórcio devido à adultérios expostos, à esterilidade feminina ou caso as
mulheres fossem vítimas de violência doméstica eram aceitos, apesar
de as mulheres que passavam por esse processo não serem bem vistas
socialmente (Ribeiro, 2005). Ao longo dos tempos na Europa, por mais
diferentes posições e ações que homens e mulheres ocupavam social-
mente em lugares como Atenas, Esparta e Roma, o casamento era visto
como uma forma de posição social e submissão do sexo feminino sob
o masculino (Ribeiro, 2005). Com a chegada da Idade Média e do Cris-
tianismo, a visão do casamento se alterou e passou a ser realizado sob
um olhar religioso e autoritário, sendo que o divórcio passou a ser abo-
minado e pouco aceito (Hatfield & Rapson, 2002). O casamento só se
tornou uma instituição pautada no amor e na escolha de permanência
nos relacionamentos por afetividade na era da modernidade (Hatfield &
Rapson, 2005).

Com a globalização, novas normas sociais foram instituídas e com esse


advento, discursos de liberdade econômica e de tomada de decisões
pautadas no contexto individual surgiram, o que propiciou, por conse-
guinte, ideias e práticas advindas de movimentos sociais em diferentes
épocas e locais que defendiam a liberdade sexual para homens e mu-
lheres, além da quebra do paradigma que definia que o prazer obtido das
relações sexuais tinha relação com a impureza e o pecado, modificando,
assim, a vivência que diferentes culturas possuíam do amor apaixonado
(Hatfield & Rapson, 2005). Diante dos efeitos desse fenômeno em di-
versas culturas, psicólogos, sociólogos, neurocientistas e historiadores
passaram a se interessar sobre o estudo do amor, realizando diferentes
pesquisas na área (Hatfield & Rapson, 2002; Hatfield & Rapson, 2005;
Hatfield & Rapson, 2007).

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Entre os estudos propostos por Fisher (1992) a respeito do amor apai-


xonado e das relações estabelecidas em diversas culturas, foi possível
perceber um acréscimo substancial de divórcios no quarto ano de ca-
samento e, baseada nesses achados, a autora desenvolveu uma teoria
chamada “Four-year itch” (Coceira dos quatro anos), afirmando que os
relacionamentos adultos duram por aproximadamente quatro anos, já
que durante esse período a prole é mais vulnerável e depende do cui-
dado dos pais. Após essa fase, os casais podem ser desfeitos, permitin-
do que esses indivíduos se relacionem com novos pares a fim de uma
nova procriação. Ademais, a autora sugere que o sistema pelo qual nos
relacionamos não é pautado em relacionamentos para o resto da vida,
mas sim em relacionamentos monogâmicos em série, se assemelhando
ao sistema de relacionamento encontrado em vários animais monogâ-
micos em série que formam pares apenas nas épocas de reprodução
(Fisher, 1992; Fisher, Aron, & Brown, 2006). Para fundamentar sua teo-
ria, Fisher também descobriu que os quatro anos poderiam ser estendi-
dos para cerca de sete anos se o casal tiver outro filho, que exigirá, no-
vamente, a cooperação dos pais para os cuidados com a prole (Fisher,
1992; De Boer, Buel, & Horst, 2012).

Autores como Sternberg também se debruçaram sobre o estudo do


amor apaixonado (Monego & Teodoro, 2011). A Teoria Triangular do
Amor, proposta por Sternberg, é composta por três pilares que juntos
formam um triângulo, sendo eles a intimidade no vértice superior do
triângulo, a paixão no vértice esquerdo do triângulo e o compromisso
no vértice direito do triângulo (Sternberg, 1986). A intimidade pode ser
descrita como o sentimento de proximidade, respeito, felicidade, enten-
dimento, apoio emocional, valorização, conexão e união que sentimos
quando estamos em um relacionamento. A paixão representa impulsos
que levam à atração física e sexual, ao desejo de estar junto da pessoa
amada e ao romance. O compromisso inclui elementos cognitivos que
estão envolvidos na tomada de decisão e envolve, a curto prazo, a de-
cisão de manter o amor sentido pelo par e, a longo prazo, a vontade que
o relacionamento seja duradouro (Sternberg, 1986; Lemieux & Haley,
2000; Madey & Rogers, 2009; Monego & Teodoro, 2011). Em geral, os
componentes da intimidade e da paixão derivam em grande parte do
envolvimento motivacional no relacionamento, enquanto o compromis-
so possui maior relação com as decisões cognitivas envolvidas nesse
processo (Sternberg, 1986).

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A teoria postula que a intimidade, a paixão e o compromisso são ele-


mentos essenciais para alcançar o amor pleno ou completo, sendo que,
a depender da forma como esses componentes se relacionam, podem
apresentar outras formas de amar (Madey & Rogers, 2009). O com-
ponente intimidade parece estar presente em muitos relacionamentos
amorosos e caracteriza relações de amizade, de parentesco ou românti-
cas. Relações baseadas na combinação entre intimidade e paixão con-
figuram o amor romântico, sendo que, mesmo próximos e desejando
estar juntos, os pares não tem certeza de que haverá essa possibilidade
devido a falta do vértice do compromisso. A intimidade e o compromis-
so atuam diretamente na sensação de segurança e maior satisfação
conjugal, fazendo com que os pares permaneçam juntos mesmo com
a diminuição ou término do desejo sexual. Essa relação pode ser cha-
mada de amor companheiro ou fraterno (Sternberg, 1986; Monego &
Teodoro, 2011).

O componente da paixão tende a se limitar a certos tipos de relaciona-


mentos, em especial, os românticos e, isoladamente, pode estar mais
relacionada ao sistema de comportamento sexual que contribui para a
atração, ao ânimo e a excitação no relacionamento. Quando esse com-
ponente é associado ao compromisso, que está presente em diferentes
tipos de relacionamentos amorosos, pode ser chamado de amor à pri-
meira vista, já que existe atração física e vontade dos pares em estarem
juntos apesar de pouca intimidade. Estudos de análise de correlação
indicaram que intimidade, paixão e, principalmente, compromisso estão
altamente relacionados com a satisfação conjugal (Sternberg, 1986;
Madey & Rogers, 2009; Monego & Teodoro, 2011). A importância de
cada um dos três componentes do amor e a forma como eles se rela-
cionam define, em geral, se um relacionamento será de curto ou longo
prazo. Em relacionamentos amorosos de curto prazo, a paixão pode de-
sempenhar um papel importante, enquanto a intimidade e o compro-
misso participam moderadamente ou nem desempenham um papel.
Em contrapartida, a intimidade e o compromisso geralmente desempe-
nham papeis importantes em relacionamentos amorosos de longo pra-
zo (Sternberg, 1986).

Sabe-se que o amor romântico evolui ao longo do relacionamento e, as-


sim como ele, os componentes descritos na Teoria Triangular do Amor
também se desenvolvem (De Boer, Buel & Horst, 2012). Alguns psicó-
logos definiram três fases que compõem as relações amorosas, sendo
elas: amor apaixonado, amor passional e amor companheiro. A primeira

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fase, a saber, amor apaixonado, dura relativamente pouco, geralmente


por seis meses e pode ser caracterizada por altos índices de paixão, um
aumento abrupto na intimidade e no compromisso, além de estresse e
excitação constantes (Berscheid, 2010). O estresse é causado, em ge-
ral, pela insegurança, podendo acarretar mudanças de humor (De Boer,
Buel & Horst, 2012).

A fase inicial vista no amor apaixonado com a presença de euforia, ex-


citação e estresse progride para uma fase de amor passional, que é ca-
racterizada por sentimentos de calma, equilíbrio e segurança (Starka,
2007). Durante a segunda fase do amor, os níveis de paixão continuam
intensos, além dos componentes de compromisso e intimidade conti-
nuarem crescendo, enquanto o estresse diminui consideravelmente,
melhorando a saúde dos indivíduos. A fase do amor passional pode du-
rar vários anos até que evolua para o amor companheiro, que lembra
muito o relacionamento com amizades. Nessa fase, há uma diminuição
dos níveis de paixão, enquanto a intimidade e o compromisso permane-
cem altos (De Boer, Buel, & Horst, 2012).

Ainda não está claro quais os fatores que influenciam para que o relacio-
namento siga um curso específico, apesar de sabermos que nem todas
as relações conseguem evoluir até a fase do amor companheiro, sen-
do que muitos relacionamentos terminam durante as fases anteriores.
Como foi descrito anteriormente pela teoria do “Four-year itch” (Co-
ceira dos quatro anos) proposta por Fisher (1992), esse acontecimento
geralmente se relaciona com o final da fase do amor passional, o que in-
dica uma fragilidade nesse período dos relacionamentos, haja vista que
quando temos índices baixos de intimidade e de paixão, o compromisso
precisa estar aumentado entre os pares para que consigam passar pela
fase. Alguns casais indicam que alguns relacionamentos podem nunca
evoluir para o amor companheiro, permanecendo nas fases anteriores
por períodos maiores (De Boer, Buel, & Horst, 2012).

Teorias como as de Sternberg (1986) e Fisher (1992) continuam sendo


exploradas ao longo do tempo através de estudos que buscam com-
provar a eficácia dos modelos. O amor romântico demonstrou ser um
fator-chave na qualidade vida dos indivíduos, podendo ser uma fonte
de alegria e/ou de tristezas, que incluem depressão, perseguição, suicí-
dio e homicídio (Aron, Fisher, & Strong, 2009). Ademais, relacionamen-
tos de má qualidade afetam diretamente a qualidade de vida dos sujei-
tos gerando insatisfação conjugal. (Monego & Teodoro, 2011; Soares,

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2018) Dessa forma, estudar o amor apaixonado se faz necessário ao


passo que, através do conhecimento dos aspectos históricos, culturais
e neurobiológicos envolvidos nesse construto, possibilita-se um olhar
clínico mais assertivo, que auxilia, por sua vez, nas questões conjugais.

Referências
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De Boer, A., van Buel, E. M., Ter Horst, G. J. (2012). Love is more than just a kiss: a
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Hatfield, E., Rapson, R. L. (2005). Passionate Love, Sexual Desire, and Mate Selection:
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Hatfield, E., Rapson, R. L. (2007). Passionate love and sexual desire: Multidisciplinary
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Madey, S. F., Rodgers, L. (2009). The effect of attachment and Sternberg’s Triangular
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tividade. 57 f. Tese (Mestrado) - Faculdade de Medicina, Pós Graduação em Medicina
Molecular, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018.
Starka, L. (2007). Endocrine factors of pair bonding. Prague Med Rep 108(4):297–
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REVISÃO ATUAL

Neuropsicologia e Amor:
o que a psicologia social
construiu e como podemos
atuar no desenvolvimento
científico do enamoramento
Erika Pelegrino

O amor é tema de poesias, textos, músicas e preocupação da maioria


das pessoas, de forma que a psicologia, enquanto ciência, não pode-
ria ficar em silêncio sobre o estudo rigoroso desse construto. São co-
muns então, pesquisas sobre o amor entre mães e filhos, conceitos de
amor, níveis de amor e, dentre esses, o estudo das relações conjugais e
seu envolvimento com o amor. De maneira histórica, o amor foi pensa-
do inicialmente por Freud, Theodor Reik e Abraham H. Maslow, os dois
primeiros dentro de uma perspectiva psicanalítica e o terceiro numa
perspectiva humanista. Os três pesquisadores basearam as principais
teorias que hoje fundamentam as pesquisas no campo do amor conju-
gal e do enamoramento. Essas surgiram por volta da década de 70/80 e
são conhecidas como, a saber: Teoria dos Estilos do Amor de John Alan
Lee (1977), Teoria do Apego de Bowlby (1980) e a Teoria Triangular do
Amor de Sternberg (1988) (Martins-Silva, Trindade & Silva, 2013).

O presente trabalho tem o objetivo de apresentar as principais teorias e


fazer um balanço sobre como a neuropsicologia atua hoje nesse tema,
que majoritariamente conta com pesquisas dentro da psicologia social.

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Através de uma busca na literatura atual do tema e do conhecimento da


mesma é possível pensar colaborações que essa área do conhecimento
pode prestar a esse campo. Sobretudo, tendo em mente as técnicas uti-
lizadas pela neuropsicologia como um todo para a avaliação e sugestão
de reabilitação, assim as teorias apresentadas não foram desenvolvidas
no campo da neuropsicologia, mas apontam possibilidades de inserção
desse campo do conhecimento.

A Teoria dos Estilos de Amor de John Alan Lee, baseia-se numa pers-
pectiva da concepção tipológica do Amor de Hendrick & Dicke, que fa-
ziam uma leitura do amor, sendo este associado às crenças e atitudes
da pessoa. A teoria forma uma taxonomia dos estilos de amor, os clas-
sificando em três estilos primários e três estilos secundários, respecti-
vamente: Eros, que valoriza o físico e sexual para ação conjugal; Ludus,
que lida com o relacionamento sem um comprometimento e Storge, for-
mado num companheirismo, que combinados formam Mania, um estilo
mais intenso de amor; Pragma, um nível mais racional de ler a relação;
e Ágape, um amor altruístico de doação excessiva ao outro (Andrade e
Garcia, 2014). Assim, a teoria entende que o amor é aprendido e que os
estilos de amor, na verdade, traduzem a diversidade humana de como
amar (.Martins-Silva, Trindade e Silva, 2013). Essa abre, também, a
possibilidade do tipo de amor ser ajustado de acordo com as relações
presentes, isto é, o amor passaria por questões políticas, ideológicas,
históricas e, em cada par, estabeleceria-se uma função e um sentido
(Cerqueira & Da Rocha, 2018).

Já a Teoria do Apego tem origem numa psicologia do desenvolvimento


infantil de berço psicanalista, que pensava o apego entre bebê e cui-
dador, mas que hoje tem desdobramentos no estudo da capacidade
do adulto de dar e receber apoio. Entendendo o adulto como portador
de um apego ‘seguro’ ou ‘inseguro’ que foi consolidado na puberdade
e cotidianamente atua em situações diádicas. O par precisa de prote-
ção, cuidado e senso de segurança, o apego visto como uma propen-
são biológica, usa a experiência social para se expressar. Atualmente,
consideram-se as representações mentais dentro da noção de apego
no que condiz a procurar, entender e reagir a experiências. Usa-se tam-
bém o conceito de script representando as estruturas de expectativas
e estratégias de resolução de problemas construídas em família. Logo,
dentro da teoria, o apego atua não só na formação do casal, em que as
experiências de acordo com o desenvolvimento influenciam no estilo de
relação construída, na escolha do parceiro e também quando pensa-se

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em apego compartilhado pelo casal, dentro da lógica protetora às ad-


versidades expostas a família (Semensato e Bosa, 2013).

Em outras palavras, estabelecemos apego com uma figura que nos ofe-
rece respostas, fortalecendo, ou não, um sentimento de segurança, o
qual interfere nas relações construídas a partir de então. Inicialmente,
entre pais e filhos e estendendo-se a todas as relações o comporta-
mento de apego descreve o que a pessoa faz para criar e manter proxi-
midade com o outro. Para tal, pode-se ter quando adulto, formado pelas
experiências anteriores um apego seguro, um apego ansioso ou ambi-
valente, ou evitativo, em que o primeiro gera uma capacidade de aceitar
e apoiar o outro independente das falhas, o segundo gera o medo da
intimidade, oscilações emocionais e ciúmes e o último acrescenta aos
problemas do anterior a obsessão e grande atração sexual (Cerqueira &
Da Rocha, 2018).

Por fim, a teoria de Sternberg (1986) intitulada a Compreensão Trian-


gular do Amor entende a intimidade, junto a paixão e o compromisso
como partes essenciais do relacionamento romântico (Andrade & Gar-
cia, 2014). Cada um desses componentes em uma ponta, forma a figura
geométrica de um triângulo que explica o que é preciso para o esta-
belecimento e manutenção do amor romântico. Dessa forma, o relacio-
namento entre as três variáveis, traça diferentes triângulos e diferentes
triângulos descrevem diferentes formas de amar e representam tam-
bém como e se esses amores são correspondidos. Ao mesmo tempo,
aspectos como autoestima, afiliação, adequamento do casal em termos
de dominância e submissão contribuem para a paixão ainda que de ma-
neira não tão direta como a manutenção do prazer sexual e a atração
física (Hernandez, 2016).

O topo do triângulo é marcado pela intimidade, sua angulação deter-


mina o vínculo e a conexão, a paixão permanece no vértice esquerdo
e se relaciona a atração física, relação sexual o que entende-se como
comportamento ‘apaixonado’, e o vértice direito diz do compromisso da
decisão de amar e de manter o amor. Por isso, os vértices podem ser
analisados separadamente, ou um em relação ao outro. Dessa forma,
cada indivíduo tem seu triângulo amoroso que se altera com o tempo,
oriundas da personalidade e convívio social, para que as relações se
mantenham é preciso que os vértices alinhem-se mutuamente, o que
pode ser corrigido com a iniciativa terapêutica (Cerqueira & Da Rocha,
2018).

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Sem uma comparação entre as teorias de forma a estabelecer a supre-


macia de uma em detrimento das outras os estudos brasileiros sobre
enamoramento tem buscado fazer validações de instrumentos estran-
geiros, ao mesmo tempo que a confecção de instrumentos nacionais
para um estudo dos construtos e comparação de como os mesmos se
estruturam no Brasil e no resto do mundo. Sendo o amor objeto da psi-
cologia social, essas diferenças culturais fazem ser necessário um estu-
do dos itens das escalas e como eles serão entendidos pelos indivíduos
que o responderão. A característica do Brasil ser um país de proporções
continentais dificulta a estruturação de pesquisas que busquem um
perfil nacional em relação a pesquisas de psicologia, sobretudo social.

Ao mesmo tempo, a pesquisa do termo “Romantic Love”, junto ao mar-


cador booleano “AND” e o termo “Neuropsychology” dentro da busca
assunto, no portal de periódicos capes a busca gerenciada da mesma
forma que a busca dentro da base abriu para 312 referências, 162 re-
visados por pares, 146 artigos e 51 nos últimos 5 anos. Dentre esses,
muitos artigos preocupavam-se com exames de imagem, estudos rela-
cionados à infância, família, autismo, ou com outros tipos de amor que
não o conjugal, ou então desenvolvidos por universidades estrangeiras
para seu público nativo, o que mostra que a neuropsicologia, em geral
no Brasil, não tem estruturado muitos estudos no tema.

Apesar disto, existe um esforço por parte dos estudiosos brasileiros do


tema em fazer a validação de instrumentos estrangeiros e sua adap-
tação para a realidade do país. São frutos desse esforço por exemplo
o desenvolvimento da versão brasileira da Escala de Componente do
Amor de Hernandez (1999; Cassepp-Borges, & Teodoro, 2007; Gou-
veia, Fonseca, Cavalcanti, Diniz, & Dória, 2009), a Escala de Avaliação
do Relacionamento (EAR) de Hendrick validada em 2014, a Escala
Triangular do Amor de Sternberg Reduzida (ETAS-R) validada em 2014,
e os atuais estudos diádicos considerando ambos os componentes do
casal para obter-se medidas de ajustamento conjugal, ciúmes e outras
variáveis tangíveis ao termo. Concomitantemente, é possível analisar
nas bibliografias dos artigos mais recentes correspondências entre as
três teorias na elaboração de referenciais teóricos dentro do campo da
psicologia social, essa correlação entre teorias junto aos construtos
pode ser campo de ação para Neuropsicologia.

Dessa forma, assim como nos estudos de imagem estrangeiros, estu-

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dos brasileiros estruturando componentes como níveis de desempenho


em funções executivas e escores em ciúmes, por exemplo, podem as-
segurar uma ponte entre as duas áreas do conhecimento de forma a
entender melhor como se estrutura o enamoramento e quais as pontes
com as funções cognitivas já conhecidas. Para tal, avanços nas técnicas
estatísticas, aprimoramento na validação de questionários e o próprio
avanço científico serão fundamentais para o cruzamento desses dados.

Logo, ao reconhecer a neuropsicologia como campo interdisciplinar,


cujos avanços contribuem para todas as áreas da psicologia. Estudos
teóricos entendendo as teorias principais e seus ajustamentos aos do-
mínios cognitivos, cruzamento entre instrumentos da neuropsicologia e
os atuais estudos do amor romântico mostram passos que podem ser
dados e que enriqueceriam ambas as áreas do conhecimento

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04.19

RELATO DE PESQUISA

A Paixão do Paciente: as
implicações clínicas do amor
Thales Vianna Coutinho

Desde o início da civilização humana, as pessoas se perguntam “o que


é o amor?”, “por que amamos?” e “qual a melhor maneira de amar?”. No
início, criaram-se mitos e lendas que foram, e continuam sendo, trans-
mitidos oralmente, geração após geração, para explicar esse fenômeno.
Depois, com o surgimento da escrita, começou-se a escrever poemas,
peças, músicas, romances, roteiros e, numa modalidade bem atual, de-
clarações em redes sociais como o Facebook, de maneira a tornar pú-
blico e notório o amor, principalmente no Dia dos Namorados.

Porém, o que poucas pessoas sabem é que não apenas a arte se aven-
turou a desvendar os mistérios do amor, mas a ciência também, inclu-
sive, adotando tecnologias bastante sofisticadas, como a ressonância
magnética funcional (que permite avaliar em laboratório, de maneira
não invasiva, o padrão de atividade neural em tempo real). Aliás, o mais
interessante é que, com base nessas descobertas científicas modernas,
é possível pensar até mesmo na valorização do amor em contextos clí-
nicos! Ou seja, estar em um relacionamento amoroso de qualidade com
alguém, independente da orientação sexual, pode trazer alguns benefí-
cios importantes para os pacientes.

Por exemplo, um estudo muito recente mostrou que estar apaixona-


do não apenas modifica a maneira como respondemos à pessoa que
amamos, mas também a arquitetura das conexões cerebrais mesmo
enquanto não estamos realizando qualquer atividade (ou seja, estamos
em estado de repouso), e entre as principais alterações está o reforça-

Boletim SBNp, São Paulo, SP, v. 2, n. 1, p. 1-25, abril/2019 19


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mento da conexão entre estruturas cerebrais envolvidas com a regula-


ção emocional, motivação e cognição social (Song et al, 2015). Além
disso, ocorre também uma elevada percepção subjetiva de felicidade
(Kawamichi et al, 2016), e uma melhora na capacidade de perseverar
em alguma tarefa, devido a uma elevação importante no controle inibi-
tório emocional, principalmente da tristeza, que realiza uma espécie de
blindagem contextual à frustração (Song et al, 2016).

Esses são apenas alguns exemplos de como, inclusive, os pacientes


podem se beneficiar com um relacionamento romântico de qualidade,
pensando em seu impacto na diminuição dos sintomas depressivos e
de ansiedade, em função, principalmente, do seu destacado efeito na
regulação emocional e motivação.

Contudo, desde os primeiros estudos sobre neurobiologia do amor, já


se percebeu que ele guarda muitas semelhanças com a dependência
química, ainda que esta seja considerada uma condição patológica por
causar um prejuízo significativo ao funcionamento diário. Porém, essas
semelhanças, apesar de aparentemente estranhas, podem ter efeitos
curiosamente positivos em termos terapêuticos (Zou et al, 2016).

Por exemplo, durante a abstinência à nicotina, já é esperado que pa-


cientes tabagistas respondam à imagens de cigarro com uma hiperati-
vação do circuito de recompensa cerebral, que é responsável pelo de-
sejo (craving) por consumir novamente a droga, e aliviar a sensação de
mal estar da abstinência. No entanto, um estudo concluiu que tabagis-
tas que estão intensamente apaixonados por alguém, manifestam uma
resposta neural menos intensa em resposta a imagens de cigarro (Xu et
al, 2012). Isso pode ser bastante útil no sentido de facilitar o abandono
do tabagismo.

Não sei se vocês concordam comigo mas, diante disso, ouso dizer que
as possibilidades clínicas do relacionamento amoroso de qualidade são
tão incríveis quanto as românticas histórias da ficção!

Referências

Kawamichi, H., Sugawara, S. K., Hamano, Y. H., Makita, K., Matsunaga, M., Tanabe, H.
C., ... & Sadato, N. (2016). Being in a romantic relationship is associated with reduced
gray matter density in striatum and increased subjective happiness. Frontiers in Psy-

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chology, 7.

Song, H., Zou, Z., Kou, J., Liu, Y., Yang, L., Zilverstand, A., ... & Zhang, X. (2015). Love-
-related changes in the brain: a resting-state functional magnetic resonance imaging
study. Frontiers in human neuroscience, 9.

Song, S., Zou, Z., Song, H., Wang, Y., Uquillas, F. D. O., Wang, H., & Chen, H. (2016). Ro-
mantic love is associated with enhanced inhibitory control in an emotional stop-signal
task. Frontiers in psychology, 7.

Xu, X., Wang, J., Aron, A., Lei, W., Westmaas, J. L., & Weng, X. (2012). Intense passio-
nate love attenuates cigarette cue-reactivity in nicotine-deprived smokers: An fMRI
study. PloS one, 7(7), e42235.

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04.19

ENTREVISTA

Nesta edição, Érika Pelegrino entrevistou José Augusto Evangelho Her-


nandez, psicólogo, mestre, doutor e pós doutor em psicologia do de-
senvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul docente
do Departamento de Fundamentos da Psicologia e do Programa de Pós
Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ). Parecerista Ad Hoc do Sistema de Avaliação de Testes
Psicológicos - Satepsi do Conselho Federal de Psicologia, da FAPERJ,
da FACEPE e revisor de diversos periódicos nacionais e internacionais.

Qual a importância das pesquisas quantitativas nas relações di-


ádicas?

Tradicionalmente, pesquisávamos relações amorosas levando em con-


sideração separadamente cada membro do casal e obtendo, portanto,
dois conjuntos de dados. Com o desenvolvimento das técnicas estatís-
ticas conseguimos pensar verdadeiramente de forma diádica, ou seja,
conseguimos ver a influência de um cônjuge na resposta do outro. Isso
se deu com a sofisticação dos softwares, tornando possível trabalhar
com modelagem de equações estruturais e, consequentemente, per-
mitindo o cálculo do quanto a resposta de um se relaciona com a res-
posta do outro e com a própria resposta. Com isso, podemos cruzar a
percepção que um dos pares tem sobre algo com o quanto que o outro
par pensa ter de influência. Fazemos equações de regressão direta em
relação ao próprio indivíduo e indireta cruzando dados de pares. Infe-
lizmente, tanto essa tecnologia como essa metodologia de tratamento
de dados são muito novas no Brasil, impossibilitando a comparação de
dados de pesquisas.

Qual a importância do conceito de coping nas relações amoro-


sas? Acha que ele agrega as pesquisas?

O conceito de coping é antigo na psicologia e trata do enfrentamento


à algo estressante. Pode-se ter um coping positivo ou negativo, além
de ser possível treiná-lo. Trazer esse conceito para as relações amoro-

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sas colabora muito, uma vez que tais relações naturalmente demandam
desse tipo de estratégia. Além disso, o ambiente ao qual cada par do
casal é submetido é um dado importante para manutenção desse par.
Por isso, quando temos, no século XXI, esse conceito aplicado aos ca-
sais, agrega-se muito à pesquisa e à parte prática de terapia de casais,
porque se individualmente as terapias já trabalham isso, em casais po-
de-se identificar e treinar os estilos necessários de enfrentamento, de
forma a melhorar a convivência e a relação amorosa.

O instrumental em relação à avaliação de casais vem crescendo.


O que acha da importância de validar escalas estrangeiras? Mes-
mo com as dificuldades relacionadas a autorizações e custos, é
importante manter esse esforço?

Sim, elas ainda são importantes para pesquisa e para a prática em psi-
cologia, mesmo com a questão cultural e com o trabalho de um proces-
so de validação, mesmo com questões de direitos autorais e monetárias
(que são agravadas pelo real ser uma moeda fraca frente ao dólar e ao
euro) e mesmo com a necessidade de lucro para a realidade comercial.
Na pesquisa, não temos os mesmos custos de quando se comercializa
instrumentos, principalmente pois a autorização de adaptação dos ins-
trumentos originais é relativamente rápida e não onerosa. Nesse campo
de relacionamento de casais, ainda não incorporamos muito a cultura
da mensuração e, mesmo com a Terapia Cognitivo-Comportamental
(TCC) sendo herdeira da quantificação, os consultórios não usam mui-
to isso. Uma vez em que não há mercado, o interesse em se adaptar
tais instrumentos se acaba. Seria mais fácil se criássemos instrumentos
novos? De novo, o interesse do mercado é um fator necessário. Faz-se
necessário esse mercado, mas, nessa área, os instrumentos brasileiros
continuam sendo escassos, assim como a procura por eles.

Com a mudança do perfil das famílias, de qual maneira isso in-


fluencia a construção das relações amorosas? E o que se pode
esperar de mudanças em pesquisas por causa disso?

O desenvolvimento das mulheres nas últimas décadas faz com que,


gradativamente, essas relações mudem. Ao mesmo tempo, isso não
pode ser generalizado. O Brasil é um país muito grande e mesmo uma
cidade como o Rio de Janeiro traz realidades extremamente distintas

Boletim SBNp, São Paulo, SP, v. 2, n. 1, p. 1-25, abril/2019 23


04.19

em relação a isso. Não é “uma população só”, são diferentes culturas


quanto aos relacionamentos conjugais. Temos partes da sociedade
muito desenvolvidas, do homem e da mulher aprendendo sobre isso, e
nichos da sociedade atrasados e com a conjugalidade de maneira que
remete a outro tempo, o mesmo com a família, quando esses casais têm
filhos, os papéis de pai de mãe e de irmão refletem isso.

Qual o perigo da importação de termos e conceitos para o senso


comum na hora de fazer pesquisa sobre relação conjugal? E de
que forma isso pode impactar a coleta de dados?

O senso comum diz de outro tipo de relação com o conhecimento, no


qual existe uma popularização de conceitos, o que, na realidade, é muito
bom. Se conseguirmos tornar o conhecimento popular sem perder de
vista a informação em si e seu critério metodológico, atingimos o grande
objetivo de ter nossa produção acadêmica vista por toda população!
Assim como no caso das vacinas, o conhecimento científico é que per-
mitiu a compreensão de sua importância para a saúde individual e co-
letiva, a popularização do que produzimos é sempre importante. Claro
que isso envolve tornar a linguagem do que produzimos mais acessí-
vel e facilmente compreendida por todos. Em termos de conjugalida-
de, termos mais técnicos (como relacionamento tóxico) precisam ser
entendido por todos os estratos sociais, para que o acesso e a coleta
de informações acuradas seja possível. Como disse, o Brasil é um país
com realidades muito diversas. No próprio Rio de Janeiro, as mudanças
são vistas dentre bairros. Isso implica na fase de coleta de uma pesqui-
sa pois, quando essa populações diversas são avaliadas, precisamos
nos tornar compreendidos, mas sem perder a fundamentação e o con-
teúdo teórico do assunto que estamos trabalhando. Essa habilidade de
comunicação por parte dos pesquisadores e a compreensão por parte
dos participantes garante, inclusive, a certeza de que os participantes
saibam o que queremos avaliar. Processos de validade de conteúdo e
grupo focal são procedimentos de adaptação de instrumentos que ga-
rantem a qualidade da coleta e, consequentemente, da divulgação para
a população.

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