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Pasquale Nigro, 67 anos, italiano radicado em São Paulo, conta ao Portal do Envelhecimento
as aventuras e agruras de um apaixonado por tudo o que faz.

“Venha, você verá que vale a pena/chegar na Vila Madalena e


ver o povo sambar...”

Por Regina Pilar Galhego Arantes e Alessandra Anselmi


Fotos: Alessandra Anselmi e arquivo pessoal

F
ormado em Economia e Direito, Pasquale trabalhou em uma cooperativa
de seguros até os 56 anos. Em meados de 1996, ao cair de uma estrela
cadente ele fez um pedido: queria ser feliz. Mas por ironia do destino
acabou perdendo tudo o que possuía na época. De uma cobertura de 500
metros quadrados para uma pequena casa alugada, Pasquale se viu obrigado
a mudar de rumo.

Tentou ouvir a voz do coração e, embalado pelas suas memórias de infância


na Puglia, sul da Itália, resgatou seu lado “cozinheiro”, iniciando-se na arte da
gastronomia italiana. Sua cantina, que leva seu nome (Pasquale), fica em
frente à quadra da Pérola Negra, na Vila Madalena, sua escola de samba do
coração. Aliás, é dele a composição do Hino do Pérola Negra (1978), e um
trecho ilustra o título da entrevista, dada ao Portal do Envelhecimento nas
dependências do seu restaurante.

REVISTA PORTAL de Divulgação, n.29. Ano III. Fev.2013, ISSN 2178-3454. www.portaldoenvelhecimento.org.br/revista
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Portal - Pasquale, por favor, conte-nos um pouco sobre você.

Pasquale - Nasci em 18 de janeiro de 1945, em Minervino Murge, pequena


cidade da região de Puglia, no sul da Itália. Sou casado com Cleide Alves da
Mata e temos três filhos: Giuliana, 33 anos, Giorgio, 30, e Giulia, 27.

Portal - Quais as memórias da sua infância na Itália?

Pasquale - Vivi na Itália até os 5 anos. Meu avô tinha um restaurante na cidade
de Minervino Murge, foi o primeiro restaurante da cidade, e lá ele fazia
sopressata – salame não curado típico de Puglia e Calábria-, e vino porto, que
eu faço aqui – o vino porto é uma calda de uva que vai adensando no fogo e
vira como se fosse um mel, e que coloco em sorvete. E me lembro quando era
criança e pegava aquilo ali e punha com neve e pronto, tínhamos um sorvete
delicioso. Acho que fui incorporando esse amor pela cozinha só de ver meu
avô trabalhar no restaurante quando ainda era uma criança e vivia pelo sítio
dele. Esse conhecimento meu avô passou para a minha mãe, inclusive deixou
com ela um livro de receitas dele que agora está comigo e que guardo com
muito carinho.

Portal - Então, a sua relação com comida vem desde a infância?

Pasquale - Sim, a minha memória de infância é muito forte. É a minha


memória do sabor. Acho que resgatei o que já sabia de forma intuitiva e pude
adentrar no mundo da gastronomia.

Portal - Conte-nos como foi a passagem para a área gastronômica.

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Pasquale - Trabalhava em uma cooperativa de seguros em 1969, e fui me


aperfeiçoando na área. Fiz Economia e depois fui fazer Direito no Mackenzie.
Nessa época morava na rua da Consolação. Fiquei trabalhando nessa área por
muito tempo, mas com a informatização as coisas começaram a mudar, as
relações se tornaram muito impessoais e isso acabou afastando as pessoas.
Acabou de vez o meu gosto pelo meio corporativo.

Portal - A história da estrela cadente foi decisiva para a virada em sua vida?

Pasquale - Exatamente. Chegou um momento em que fiquei sem norte. Foi


quando um dia vi uma estrela cadente e decidi fazer um pedido. Como tinha
que ser rápido, logo pensei: quero ser feliz. Sabe o que aconteceu? Perdi tudo
que tinha. Morava numa cobertura de 500 metros quadrados e fui para uma
casa alugada, pequena. Daí, quando me dei conta que havia perdido o
emprego, pensei: e agora, o que vou fazer? Já estava com 56 anos, mas não
tive escolhas além de recomeçar. E foi assim que pensei em fazer antepastos,
os mesmos que meu avô fazia na Itália. Logo na primeira semana me pediram
umas massas e assim foi indo. Quando comecei a fazer quis me especializar
em antepastos e depois em molhos – hoje o restaurante tem o melhor molho
de tomate de São Paulo. Comecei a fazer antepastos em novembro de 2001 e
no ano seguinte fui indicado pela “Veja” como a melhor cantina de São Paulo.
Mas não aceitei de pronto, porque fiquei com certo receio. Imagine, mal
comecei e já havia sido premiado. Achava que tinha que me preparar, estudar
mais, e pensava que eles não estavam certos em me darem o prêmio. De lá
para cá, já ganhei cinco vezes como melhor cantina italiana de São Paulo. E é
preciso ter humildade. Certa vez, um camarada do meu antigo trabalho veio me
visitar aqui no restaurante, e me viu na cozinha lavando copos. Ele não se

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conformou: Pasquale, você é uma lição de vida para mim; quando ia ao seu
escritório – era uma sala de 36 metros quadrados -, para conseguir falar com
você, precisava ser anunciado, agora chego aqui e o vejo lavando copos. Eu
lhe disse: E daí? Não tem nada de mais. Na vida, você não pode ser arrogante
em nada. Quando saí da atividade lá da cooperativa e entrei nesse outro ramo,
comecei com o salto bem baixo, pois sabia que tinha que aprender muito.

Portal – E a família?

Pasquale - Eu me lembro que nessa época comecei a perceber que o meu


negócio era sustentar as pessoas. Sempre fui como o arrimo da família.
Estudei, trabalhei, e quando meu pai faleceu, mudamos para o Guarujá. Uma
casa alugada. Comprei um terreno lá. Todos os meus irmãos iam lá, mandei
fazer um forno de pizza e fui fazendo os testes com a massa e os recheios. Fui
errando, até que um dia acertei. O que em princípio fazia como um hobby, na
casa da minha mãe, na verdade sustentava a família. Percebi que minha
missão era prover as pessoas, e isso mais do que nunca seria possível com
um restaurante. Então, é assim que funcionou: pedi a felicidade e ela veio, mas
de outro jeito, e o dinheiro foi consequência.

Portal – Gosta muito dessa nova fase, não?

Pasquale - Minha mulher disse que tive sorte porque vi aquela brecha – o
momento da estrela cadente – e soube aproveitar essa virada na minha vida.
Tenho consciência de que se não sabe aonde quer chegar, dificilmente vai
chegar lá. É difícil vislumbrar isso, sobretudo o seu potencial. Tem que procurar
fazer o que gosta porque quando você faz o que gosta não trabalha mais, mas
se diverte. Mas não é só de alegria que é feita a vida, né? Um camarada
chegou até aqui e disse que, se adicionasse ao meu azeite óleo de girassol –
que não tem sabor – ia fazer mais volume, e ninguém ia perceber. Daí disse a
ele: mas eu vou perceber. Então veja só, você pode enganar o paladar, mas
não pode enganar o organismo, que certamente vai sentir a diferença. Vale a
pena arriscar um nome, anos de conquista e aprendizado para “economizar”
um pouco? O que adianta? Tenho um cuidado enorme com isso, e uma
preocupação constante com a qualidade dos meus ingredientes. Os sorvetes
que faço aqui, por exemplo, precisam ser consumidos rapidamente, porque não
levam conservantes. Uso pouco sal na comida, são essas coisas que prezo.
Tem que ser verdadeiro, principalmente com você mesmo. Saber que o que faz
é o melhor, e faz de forma honesta.

Portal - Seus filhos herdaram a vocação?

Pasquale - Meu filho Giorgio fez Gastronomia e depois Administração. Ele fez
até um estágio de um ano e meio na Puglia, em um restaurante. Minha filha
Giulia fez Gastronomia e fez pós-graduação em Panificação, mas não trabalha
com isso. O Giorgio fica na administração, onde ele mais se identifica. A outra
filha, Giuliana, é psicóloga formada na PUC, e vai fazer uma pós no Canadá. A
verdade é que esse meio é muito sacrificante, as pessoas pensam somente no
glamour, e se soubessem que é muito trabalho, desistiriam.

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Portal - Sua mulher o ajuda nessa empreitada?

Pasquale - A Cleide sempre me ajudou. Ela trabalhava comigo lá na empresa


de seguros desde 1970, como secretária. Mas quando saí da cooperativa, ela
continuou, e até hoje trabalha com seguros, mas ela me ajuda aqui sim, mas
não veio para cá só para trabalhar no restaurante comigo.

O sambista

Portal – E a sua relação com a música? Veio da infância, como o amor pela
gastronomia?

Pasquale - Certamente. Vou contar como foi a minha


relação com a música. Antes de chegar ao Brasil, no
fim da década de 40, o rádio era uma coisa rara em
virtude da guerra. Só para saber como era o clima
quando vim para o Brasil. Cheguei aqui aos seis anos
de idade, era pré-Carnaval, cheguei no dia 14 de
janeiro, e me lembro como se fosse hoje, que havia
dentro do navio uma bandinha tocando “Mamãe eu quero”. Fiquei encantando
com a melodia e quando desembarquei no porto de Santos, os alto-falantes
tocavam marchas. Fui então me apaixonando por aquilo. Fui “emprenhado pela
orelha”, como dizem, e pelo samba. Fui me contagiando e me tornei ali mesmo
um futuro sambista.

Portal – E quais foram suas influências musicais?

Pasquale - Todos os clássicos do samba, como Batatinha da Bahia, Nelson do


Cavaquinho, Cartola, Noel Rosa e outros, sempre ouvi esse tipo de
compositores antigos.

Portal - E sua relação com o samba e o Pérola Negra?

Pasquale - Minha relação com a Pérola é antiga, vem desde a adolescência.


Quando me mudei para a Casa Verde foi criada a Peruche por volta de 1957.
Naquele tempo o forte eram os cordões, como Vai-Vai, Camisa Verde, a
molecada toda ficava por ali, rondando, e no final da minha adolescência, como
gostava muito de música, vira e mexe comprava uns instrumentos na tentativa
de aprender a tocá-los, e assim comecei a compor. Depois, criei a Velha
Guarda em 2000, da qual sou presidente. Desenhei o pavilhão da Velha
Guarda, fiz o hino da Velha Guarda, enfim, é uma relação muito visceral.

Teve um momento em que tive que me afastar um pouco do samba, e quando


voltei, três anos depois, isso por volta de 1976, estava tudo mudado, queria
participar da ala dos compositores. Daí, cheguei lá e o camarada disse que eu
não podia porque agora tinha um regulamento, daí perguntei: mas que
regulamento? Você me conhece, já me ouviu cantar meus sambas a noite toda,

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e agora tem regulamento?! E isso começou a me encher tanto o saco que


sentei e compus: “fecharam as portas em nome do regulamento, não
permitiram que eu entrasse para a escola, e esqueceram que samba se faz
com sentimento, ninguém pode proibir ao sambista sambar, mas tanta bola
essa gente não merece, essa escola tem pouco aluno e muito mestre, mas é a
experiência que me diz que em matéria de samba a gente é sempre aprendiz”.

Então fazíamos samba de quadra – o samba feito na quadra da escola, que na


época eles não faziam. Há muitos compositores que concorrem a samba-
enredo, mas não fazem samba de quadra, porque não têm o mote.

O samba de quadra nasce das coisas simples e cotidianas que nos cercam.

Portal – Por exemplo...

Pasquale – Tenho sim. Por conta de nova


quadra da Pérola Negra, isso por volta de 1979,
tinha uma escadaria lá, daí fui e contei os
degraus. Eram 52 e compus: “se você quiser
onde tem samba legal, vai descer 52 degraus”.
Com isso você não imagina os sambas lindo que
foram feitos, porque dei o mote.

Nessa época, só para ter uma ideia do que as


pessoas pensavam do mote do samba de
quadra, fiz um samba de quadra que falava da
Vila Madalena, e ofereci parceria. Ninguém quis
saber, e hoje é simplesmente o hino da Pérola.
Um deles falou para mim que se arrependeu de
não ter querido. Daí eu disse: ah, se
arrependeu!? Quer fazer samba falando do
mundo e se esquece que o mundo também pode
ser o quintal da gente.

Portal - Como surgiu o nome da escola?

Pasquale - Sugeriram vários nomes, e o nome escolhido foi Pérola Negra.


Surgiu em virtude da música Pérola Negra, do Luiz Melodia. Na época, a
música fazia muito sucesso, e acabou influenciando o nome da escola, que
surgiu oficialmente em 7 de agosto de 1973, da união dos blocos Boca de
Bruxa e Acadêmicos da Vila Madalena. Eu fazia parte do bloco Boca da Bruxa.
Aqui na rua Teodoro Sampaio tinha um bar chamado Arrastão. Eu estava com
20 e poucos anos e tocávamos lá. E em 1973, quando a Pérola foi criada. Em
1977, fiz com o Borba – meu grande parceiro - um samba-enredo, concorremos
e ganhamos. No ano seguinte, eu e o Sílvio Modesto fizemos outro samba-
enredo e vencemos. Em 1985 ganhamos o nosso último samba-enredo:
Viagem à Antártida.

Portal - O restaurante fica em frente à escola de samba. Coincidência?

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Pasquale - Ah, agora ficou bem mais fácil, mas foi mera coincidência, meus
filhos encontraram o local disponível. Vou sempre lá, eles veem aqui. Os
diretores frequentam aqui sempre. Olha, Carnaval e samba têm um tempero
muito forte. Não é para qualquer um. Depois é o seguinte, você encontra tudo
quanto é tipo de gente, tudo é permitido, é meio anarquista. Minha mulher, por
exemplo, é uma pessoa organizada, sistemática, não combina muito com isso.
Mas ela gosta de samba e de dançar.

Portal - Você desenvolveu um prato em homenagem à escola de samba?

Pasquale - Sim, pensei em fazer essa homenagem e tentei compor os


ingredientes, até que saiu como eu queria, e então batizei o prato de Pene
Pérola Negra al Diavolo. É perfeito para quem vai precisar de energia. Há dois
ingredientes fundamentais: queijo pecorino romano - queijo curado feito com
leite de ovelha, que tem um sabor mais intenso do que o do parmesão, que é
de leite de vaca - e panceta. A panceta é parecida com o bacon, mas em vez
de defumada, ela é temperada com pimenta do reino e deixada para curtir,
enrolada, como um embutido, além de tomate picado, muzzarela, azeitonas
pretas, enfim, é o prato que tem mais saída aqui no restaurante.

Contato: PASQUALE – Rua Girassol, 66, Vila Madalena. Tel.: 11-3081-0333


www.pasqualecantina.com.br

Data de recebimento: 22/01/2013; Data de aceite: 22/01/2013.

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Regina Pilar G. Arantes - Pedagoga, Mestre em Gerontologia PUC/SP.


Presidente do Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento –
OLHE. E-mail: reginaarantes@uol.com.br

Alessandra Anselmi - Formada em Relações Públicas pela Metodista em


1996 e em Marketing e Vendas pela Anhembi Morumbi em 2012. Atualmente é
Coordenadora de Marketing e Comunicação e responsável pelo gerenciamento
de Redes Sociais do Portal do Envelhecimento / OLHE - Observatório da
Longevidade Humana e Envelhecimento. Atua também com Locução e
Fotografia. E-mail: alessandra.anselmi@uol.com.br

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