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Dedicatória

Durante muitos anos eu sonhei em fazer sucesso. Claro que muita


gente imagina que fazer sucesso é viajar muito e ganhar dinheiro. No entan-
to, talvez a maior conquista que eu tenha obtido na minha vida seja o prazer
de estar em casa. Muitas vezes, estou deitado no sofá da sala e a Malu apa-
rece apresentando alguma “queixa” contra sua mãe. Trata-se de um truque,
naturalmente. Entro na encenação e a acompanho até onde está Patricia,
que nos recebe sorrindo. E a minha filha, como uma artista merecedora de
aplausos, consegue a atenção dos pais. Eu acredito que os filhos são, de
fato, o espetáculo de nossas vidas – e nós, os espectadores.

Não posso deixar de mencionar minha relação com Victor. Emociona o


fato de ainda hoje, ele quase sendo um adulto, jamais esquecer de me dar um
carinhoso beijo de boa noite. Nas viagens, é cena comum andarmos aos
abraços, brincando, em perfeita sintonia. Acho que muito se deve ao fato de
eu ter sido pai dele muito jovem – Victor tem quase vinte anos. A relação
que temos, portanto, é de amizade: somos “brothers”, parceiros, sócios de
projetos. Ele é um cara que me escora naquilo que eu não sei, me atualiza
com relação ao novo – me apoia. Ter tudo isso em casa não tem preço. Agora
pense que há mais por vir: Patricia está esperando nosso terceiro filho, João.
Assim, terá início um novo espetáculo, e isso é viver de verdade.

Tive a sorte de encontrar a mulher da minha vida, a quem admiro mais


e mais, a cada dia, pela pessoa maravilhosa que é. Tudo isso tem me feito um
homem feliz, realizado, e essa é a mais genuína expressão do sucesso. Por
tudo isso é que dedico este livro à minha esposa Patricia, à minha pequena
Maria Luisa, ao parceirão Victor e ao mais novo integrante da família, João
Victor. Muito obrigado por fazerem parte da minha vida.

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Criatividade na fotografia de casamento


Everton Rosa

Produção: iPhoto Editora


Editor responsável: Altair Hoppe
Coordenador editorial: Alcides Mafra
Revisão: Alcides Mafra
Impressão: Gráfica Tipotil

Dados de Catalogação na Publicação

Rosa, Everton
Criatividade na fotografia de casamento / Everton Rosa -
Santa Catarina: iPhoto Editora, 2016

ISBN 978-85-63565-37-2

1. Fotografia 2. Fotografia de casamento 3. Criatividade

Índice para catálogo sistemático


1. Fotografia de casamento

iPhoto Editora
Rua 1950, 1022 - Centro, Balneário Camboriú - SC - 88.330-476
Atendimento ao cliente: atendimento@iphotoeditora.com.br
Website: www.iphotoeditora.com.br
Introdução 7

Capítulo 1 | O que é ser criativo na fotografia? 13


Inovação e releitura 16
Tenha um plano de carreira 22
Olhar e ver 25
O mérito da curiosidade 28
Investimento oportuno 29
Motivação e criatividade andam juntas 31
Não basta amar, é preciso saber fazer 35

Capítulo 2 | Curiosidade pelas pessoas 37


Busque a simplicidade 39
Venda sonhos, não produtos 41
Diga “não” a algumas coisas 42
Crie experiências insanamente diferentes 45
Desenvolvimento e divulgação de novos produtos 51

Capítulo 3 | Treine o seu olhar 55


Planejamento da cobertura 57
Uma dose de psicologia 65
A luz criativa 67
Luz natural ou artificial 71

Capítulo 4 | Olhar e compor 87

Capítulo 5 | Crônicas do sucesso 129


Ana Maria Braga: a força de uma conexão 130
Street Wedding: o conceito de uma marca 132
Jerusalém: quando o cenário assume o protagonismo do ensaio 134
Making-of: direção de cena ao natural 136
Cenas de cinema em Salzburgo 137
Festa de casamento: a lição do noivo 139
Um domingo para fotografar as famílias 140
Treino é treino, jogo é jogo 141
Fotografia se aprende em casa I: Dona Carlota 144
Fotografia se aprende em casa II: Seu Luizão 144
Introdução
Faz algum tempo que o amigo Altair Hoppe, publisher da iPho-
to Editora e conhecido especialista em tratamento de imagens, pro-
pôs-me o desafio de escrever uma série de livros a respeito de fo-
tografia de casamento. Naturalmente, não se trata de uma inovação,
visto que já existe no mercado alguns títulos à disposição do público
interessado no assunto. Por outro lado, não se pode dizer que tenha-
mos uma bibliografia muito vasta. Tampouco completa. Porém, minha
motivação principal ao aceitar o desafio proposto pelo Altair se baseia
num aspecto que considero muito importante e que fundamenta pra-
ticamente toda a minha noção do que venha a ser a criatividade, tema
deste primeiro volume: não dá para dissociar a produção artística (e a
fotografia se insere nesse contexto) da trajetória pessoal.

O acúmulo de experiências vividas referencia toda a nossa


criação, assim como molda a expectativa de quem busca significar
um momento marcante por meio da fotografia. Esse entendimento
é especialmente necessário para fotógrafos como nós, que temos
a missão de garantir que a memória de uma ocasião especial (e um
casamento está entre as mais significativas) perdure, preservando o
frescor e a emoção daquele momento, não importa quanto tempo
leve até que se volte a folhear o álbum de fotos. Esse pensamen-
to não apenas diz muito sobre a questão da criatividade, ele baliza
toda a nossa conduta pessoal e profissional. Minha convicção nisso
se baseia na minha própria experiência, visto que a fotografia está
na minha vida desde muito tempo. Sou de família de fotógrafos e
muitas das minhas recordações mais antigas são adocicadas pelo
cheiro característico dos químicos usados na revelação fotográfica.

Nasci em Chapecó (SC), onde meus pais eram operários de


um frigorífico. Minhas lembranças mais antigas são desse tempo.
Lembro de uma ocasião em que estava deitado com meu pai no
sofá, depois do almoço, na vila operária onde morávamos. A segun-
da cena que me vem à mente é a da minha mãe indo ao supermer-
cado, e eu tendo a chance de comprar um brinquedo.

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foto 1

foto 2 foto 3

Na foto 1, meu tio Carlos, eu e minha mãe Carlota. Na foto 2, eu, minha irmã Leia e minha
mãe na frente da loja de meu pai, a Foto Luizão, e na foto 3 o meu pai, cheio de estilo.

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Essa relação humana, impressa em imagens na nossa me-
mória, é o que eu acredito que as pessoas querem ver guardadas
em fotografias. Com sombras, relevos e a certeza definitiva de que
aquele momento aconteceu, do jeito que está ali, naquela foto.
Como se, ao olhar o papel, fosse possível recuperar o sentimento, a
atmosfera, o cheiro do lugar.

Depois de um tempo, meu pai, que havia comprado uma câmera


e fazia fotos nos fins de semana, conciliando esse trabalho com o em-
prego no frigorífico, montou uma loja de fotografia 3x4. Era precária, o
piso de chão batido. Mas as coisas melhoraram e ele montou seu ne-
gócio noutro ponto, ao lado de uma sorveteria (o que foi excelente para
mim, pois tomava sorvete todo dia). Foi nessa loja que me criei.

Na época, costumava bater no quarto escuro para anunciar a


chegada de algum novo cliente. Na frente da loja havia um posto de
gasolina e eu passava o dia inteiro sentado, olhando o vai e vem dos
caminhões de câmara fria (Chapecó é uma cidade de frigoríficos) e
conversando com meus pais e meu tio. Dispunha de muito tempo
livre, pois só havia trabalho quando aparecia alguém para bater uma
3x4. Assim, exercitava uma característica que tem muito valor na mi-
nha profissão: a observação.

Observava coisas e pessoas. O borracheiro que era amigo do


meu pai, a constante presença de irmãos da igreja que vinham visi-
tar-nos. Meu pai tinha forte relação com a igreja. Ele veio de família
católica, a minha mãe, de protestantes, mas ambos se converteram
à fé evangélica, e muito cedo percebi que nosso negócio dependia
de relacionamentos. Quase todos os trabalhos que meu pai pegava
na época vinham da igreja (casamentos, primeira comunhão, batiza-
dos). Tanto da evangélica quanto da católica, pois ele também era
muito amigo dos padres e das catequistas. E ambos viajávamos pelo
interior do estado, fotografando primeiras comunhões e eucaristias,
e pude observar que o que vendia suas fotografias era o quanto ele
conseguia se relacionar com as pessoas. Meu pai não era apenas um
fotógrafo: era o “gente fina”, o cara que conversava com todo mundo.

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Enquanto fazíamos essas viagens pelo interior, rodando com
nosso Corcel por estradas empoeiradas (lembro de uma ocasião em
que, voltando de uma viagem dessas, tínhamos poeira até dentro do
porta-malas), minha mãe ficava no comando da loja (chamava-se
Foto Luizão. Meu pai é Luiz; minha mãe, Carlota). Ela fazia as 3x4 e
revelava os filmes. Daí, meu pai pegava todas essas fotos e saía pelo
interior para vendê-las.

Conto tudo isso porque acho que todo mundo é assim. Todo
ser humano lembra daquilo que mais importa para ele. Quando eu
converso com alguém e procuro saber da sua história, eu tento en-
tender onde está o valor dessa pessoa. O que ela lembra. Se me
perguntassem, diria que o sentimento registrado na minha memória
foi a parceria com meu pai nessas viagens pelo interior e a cumpli-
cidade da minha mãe, que mantinha os negócios e era o esteio da
família – que, além de mim, contava com mais três irmãos.

Foram tempos de muito aprendizado. Não apenas no tocan-


te aos aspectos envolvidos no manejo do equipamento fotográfico,
mas no que diz respeito ao estabelecimento de uma estrutura de
negócio, questão fundamental para quem deseja viver de fotografia.
A nossa tinha como base o tino comercial do meu pai, o envolvimen-
to familiar e o entendimento de que, se ficar parado, os negócios não
vão vir, pois não adianta ter uma boa fotografia se você não for até o
seu cliente para vender. Muitas vezes, o cliente do meu pai não tinha
dinheiro. Ele então recebia em bens de consumo: arroz, milho, feijão
(que muitas vezes tinha que levar ao moinho e processar antes de
poder consumir). E isso me ensinou uma outra lição: é preciso saber
se moldar às condições do momento.

Em 1985, os meus pais se mudaram para o Rio Grande do Sul


e, a partir daí, começou uma outra história. Uma nova etapa. Mas
toda a minha trajetória profissional está alicerçada lá no início, diante
daquele posto de gasolina. Se não houvesse aquele posto na frente
do “foto” do meu pai, eu não entenderia de tantas coisas que enten-
do hoje. Eu entendo de logística, de caminhões, de estrada, porque

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ficávamos o dia inteiro falando sobre isso. Eu entendia do mercado
de sorvete, porque tinha uma sorveteria ao lado, com aqueles me-
ninos que pegavam carrinhos para vender picolé. Eu vendi picolé
algumas vezes e entendia desse mercado, sabia do problema que o
dono da sorveteria, o Evilásio, tinha com os meninos que prestavam
serviços (eram “freelancers”). Como fotógrafo, hoje, eu me utilizo
disso. Desde menino eu ouvi histórias sobre relacionamentos, sobre
confiar nas pessoas. Eu me lembro que, antes de ter a sorveteria,
havia um bar, e eu me lembro do tipo de pessoa que frequentava
aquele bar, o tipo de música. Tudo isso tem a ver com a nossa pro-
fissão. Toda essa essência, do menino que passava as tardes obser-
vando. Repito: a grande sacada do fotógrafo é a observação.

Quando viemos para o Rio Grande do Sul, o ambiente mudou.


Toda a referência mudou. Meus pais vieram morar em Sapiranga,
cidade próxima a Novo Hamburgo, onde atualmente vivo. Eles vie-
ram seguindo o fluxo de migração motivado pela ascensão da in-
dústria calçadista riograndense. Havia demanda por fotografias para
documentos e um outro tio, que morava em Sapiranga e tinha um
estúdio, sugeriu a mudança. Começou ali, então, uma nova vida, e
esse ambiente também trouxe um aprendizado muito grande, pois
a fotografia, como as ideias, se molda conforme o ambiente.

Mas o que importa, por ora, é o que começou lá atrás. Essas


experiências e “flashbacks” são a matéria-prima das ideias que pre-
tendo expor nesta série de livros. Como mencionei antes, é impos-
sível desligar a minha teoria da minha história. Assim é com todos
nós. Assim é como desenvolvemos a criatividade. Fico feliz de tê-lo
comigo nesta jornada de (auto)conhecimento.

Novo Hamburgo
21 de setembro de 2015.

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Capítulo 1

O que é ser criativo na fotografia?

Do ponto de vista de um observador distanciado, o casamen-


to se resume a uma sucessão de ritos que se repetem, como uma
peça que se encena diversas vezes – ainda que os atores mudem, o
roteiro é sempre igual. Talvez por isso haja nas pessoas o anseio por
encontrar no portfolio de algum fotógrafo um trabalho cuja abor-
dagem seja radicalmente diferente do que se vê normalmente em
fotografia de casamento. Um trabalho inovador. Criativo.

Quando pensamos nessa qualidade em particular, imagina-


mos alguém capaz de “enxergar” de um modo que normalmente
não faríamos. Que consegue extrair um bom resultado mesmo em
condições adversas. Alguns até diriam: “Alguém capaz de quebrar as
regras”. É comum, em locais turísticos, você encontrar muita gente
com câmeras fotográficas tão sofisticadas quanto as que usamos na
profissão. Em especial, nas mãos de orientais. Pois uma ocasião es-
távamos em Viena, na Áustria, fotografando no palácio Schönbrunn,
que pertenceu à imperatriz Sissi, e pedimos a um desses turistas
típicos que fizesse uma foto da gente (minha e da minha esposa).

Achei curioso que o rapaz, ao atender gentilmente ao nosso


pedido, executou uma complicada coreografia para bater a foto: deu
um passo atrás, se abaixou, inclinou-se primeiro para a esquerda,
depois para a direita, e fez vários cliques. Penso que, para ele, essa
ginástica toda era necessária para fazer uma foto diferente do tra-
dicional – e, portanto, criativa. Acho também que muita gente com-
partilha desta noção: de que ser criativo é variar os enquadramentos
e clicar muito. Durante muito tempo, condicionei o ápice da minha
criatividade ao seguinte esquema: com os noivos no altar, eu usava
um arranjo de flores como moldura no primeiro plano do enquadra-
mento e posicionava uma luz à esquerda, fora da câmera, entrando

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como se fosse uma luz de janela. Estava feito. Em favor desse meu
“recurso criativo”, devo dizer que a foto vendeu muito. Mas, no de-
correr dos anos, eu percebi que isso era muito pouco para chamar
de criatividade. E aqui voltamos à questão inicial deste tópico.

Comecei falando sobre a repetição de ritos de que o casa-


mento se nutre. No entanto, é preciso entender que, para o casal,
seus amigos e familiares, a situação é completamente nova. No caso
dos noivos, é possível que jamais se repita – mesmo que algum de-
les suba novamente ao altar, a emoção e as circunstâncias envolvi-
das serão totalmente diferentes. Não é possível, portanto, pensar na
cobertura sem compreender a razão pela qual essas pessoas estão
ali. Acredito que esta seja a primeira e mais importante manifestação
criativa: entender as razões do cliente – e os anseios do ser humano
que ele representa.

Você foi contratado por um casal que escolheu um local espe-


cífico para dizer os votos. Por exemplo, existem algumas igrejas aqui
no Rio Grande do Sul pintadas por Aldo Locatelli (1915-1962), artista
que ajudou a moldar a identidade épica do estado. Suas pinturas
são grandiosas, ora acadêmicas e formais, ora modernas (passei a
conhecer melhor o trabalho desse artista depois que fui contratado
para documentar a reforma de uma das igrejas pintadas por ele). Se
o casal escolheu uma igreja assim, é importante saber o motivo e
valorizar, na cobertura fotográfica, essa escolha. Isso é ser criativo.

Criatividade não é ter uma regra única de luz. Nem ter uma técni-
ca com uma lente e uma câmera específicas. Criatividade é saber mol-
dar o olhar para atender alguém. É entender de arquitetura, de pintura,
e principalmente de ser humano. Criatividade é submeter cada traba-
lho a uma assinatura, e essa assinatura não pode ser explicável – por-
que, de fato, não tem explicação. Como se explica um artista?

Eu busco todos os dias, em cada trabalho, saber um pouco


mais daquilo que eu vou fazer. E toda vez que concluo um trabalho,
percebo que preciso começar tudo de novo. Ser criativo, portanto, é

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estar ligado o tempo todo. É você ter todas as referências, não uma
só. Eu observo muito o cotidiano, o que está sendo notícia nos jor-
nais de hoje, pois o que está sendo escrito hoje está influenciando
todo mundo. E tento ter um panorama da história das pessoas, para
compor uma fotografia que se ajuste às referências e expectativas de
quem eu vou fotografar, pois entendo que ser criativo na fotografia é
criar uma obra autêntica, única, mas que agrade aos olhos de quem
encomendou o trabalho. Como não fotografamos para um perfil único
de pessoa, é necessário moldar o comportamento e o estilo fotográfi-
co a cada novo trabalho. E, claro, vender o trabalho exige um exercício
de criatividade à parte. Mas isso é assunto para outro momento.

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Inovação e releitura

A fotografia, assim como a moda, se alimenta de ciclos. Prati-


camente nada do que se tem feito hoje em dia já não foi usado em
algum outro momento. O que muda são os recursos à disposição. A
tecnologia. No mais, tudo é releitura.

Quer um exemplo? Hoje cedo eu estava diante do meu com-


putador, editando as imagens de um casamento realizado no fim de
semana. Olhava as fotos tiradas no momento em que o casal deixou
a igreja e selecionei uma sequência de 31 imagens. Acessei a minha
pasta de predefinições e apliquei àquelas imagens um preset simu-
lando o filme Kodak Plus-X. De imediato, me veio à memória a época
em que fotografava com câmera analógica e lente 50 milímetros – o
que me trouxe uma alegria muito grande. Fiz uma releitura, portan-
to, da minha própria produção, usufruindo das possibilidades que a
tecnologia digital dispõe.

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Para se inovar num contexto como o da fotografia social, o ca-
minho mais seguro é estar atento a tudo. A todas as referências pos-
síveis, pois provavelmente o seu cliente também vai estar. É comum
que as noivas façam pesquisas na internet em busca de ideias, e há
muita informação disponível nas mídias editoriais e nas redes sociais.
Antigamente, o público não tinha tanto acesso; era somente a revista
na banca. Hoje em dia, é possível saber o que estão fazendo no outro
lado do mundo com apenas alguns cliques. Por isso, é preciso estar
no mesmo compasso e ficar antenado a tudo – especialmente às ten-
dências da moda. O que inspira o cliente deve inspirar o fotógrafo. Se
não houver essa conexão, o fotógrafo perderá o cliente.

Considerando que nada é novidade em fotografia, é perfeita-


mente aceitável “rever” o próprio passado, desde que o produto seja
uma obra com personalidade própria – e, de preferência, melhor
que o original. Por outro lado, aplicar um efeito qualquer às imagens
com o intuito único de mudar o estilo não é o ideal. Tem de haver
um propósito nisso e, mais importante, a anuência do cliente. Ele
deve compreender que o fotógrafo está atualizado e confiar no seu
julgamento. Sobretudo, precisa gostar do resultado.

Suponha que você decide compor um álbum de casamen-


to todo em preto e branco, com as imagens granuladas num estilo
mais artístico (como as fotos que o norte-americano Bert Stern fez
de Marilyn Monroe em 1962, por exemplo). Sua motivação não tem
base na experiência (você não conhece o filme usado no ensaio em
questão), apenas considerou que seria interessante mudar um pou-
co. Talvez seja, mas se o cliente não compactuar com a sua ideia,
todo o trabalho será em vão.

Claro que não é necessário ter vivido a época do filme fotográ-


fico para estar habilitado a inovar através de uma releitura. Porém, é
recomendável entender o passado e pesquisar a história da fotogra-
fia para encontrar nela seus próprios referenciais. É quase obrigação
de um profissional que busca desenvolver um trabalho diferenciado
conhecer a obra dos nomes mais expressivos dessa arte, elegendo

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aqueles que mais dialogam com a sua própria produção. No meu
caso, cito o fotógrafo peruano de moda Mario Testino e a retratista
norte-americana Annie Leibovitz como grandes influências. Mas há
muitos outros artistas, clássicos ou contemporâneos, de diferentes
segmentos, cuja obra repercute em tudo o que é feito nos dias atu-
ais, influenciando não apenas a fotografia, como o cinema, a litera-
tura e outras áreas – que, por sua vez, têm grande influência sobre
a fotografia também.

Nos últimos tempos tenho assistido a muitas séries de tevê, es-


pecialmente uma chamada “Downton Abbey”. Ambientada na Inglater-
ra do início do século passado, a série faz uma impecável reconstitui-
ção de época. Chamou-me a atenção, entre outras coisas, a iluminação
utilizada nas cenas: uma luz suave e elegante, que me lembrou muito
a época em que eu aprendi fotografia. De certa forma, é um estilo que
venho aplicando nos meus casamentos mais recentes. Os modos im-
pecáveis da aristocracia inglesa retratados na série também me cha-
maram a atenção – afinal, compostura é algo importante na nossa pro-
fissão. Acredito que muitos dos meus clientes conhecem a série e se
encantaram por ela, o que a faz uma referência interessante.

Voltando à sequência de fotos que eu citei no início, dificilmen-


te eu poderia dizer que havia algo de novo naquelas imagens. Na
verdade, elas são iguais a muitas outras fotos sobre o mesmo tema
(a saída dos noivos). Considerando que a igreja onde ocorreu o casa-
mento deve ter pelo menos uns cem anos, quantas outras cerimônias
não têm a sua fachada e interior como cenários? Difícil não haver se-
melhanças. O casamento é feito de cliques inevitáveis (a entrada dos
noivos, o beijo, o voo do buquê...). Então, como inovar num contexto
assim? Eu sempre fotografei em altíssima resolução. A minha câmera,
na época do filme, era uma 645 da Pentax, de médio formato, com
dois flashes ligados via rádio, e tinha de segunda câmera uma Nikon
F5, com a qual eu fazia vários cliques com filme ASA 400. Nos casa-
mentos que venho fazendo ultimamente, tenho usado uma câmera
Nikon D810 de 36 megapixels com muita luz (uso um sistema de flash
Profoto) e outra de fotojornalismo (uma Nikon D4s) sem nenhuma luz

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– a não ser a do ambiente. Uso ISOs superaltos, como 12.000 ou mais,
com lentes superclaras (gosto muito da 58mm 1.4). Ou seja, faço a
mesma coisa que fazia nos anos 1990. A diferença principal está na
quantidade de cliques que se pode dar e na alta sensibilidade de ISO
com o digital. A tecnologia permite isso. As máquinas hoje possuem
um foco muito mais justo. As fotos saem muito mais nítidas, permitin-
do que se amplie a escalas que extrapolam o necessário para uma
fotografia impressa. No computador, é possível ampliar cem, duzen-
tas vezes a imagem e corrigir ninharias. Ou seja, toda essa capacidade
técnica está a serviço da inovação e permite que uma releitura ganhe
status de novidade. Mas não deve ser usada de modo impensado.
Não dá para ir levando os casamentos ao sabor de modismos, clican-
do ora de um jeito, ora do outro, como se isso fosse criativo ou inova-
dor. Em situações assim, em que o fotógrafo não possui um critério,
nem mesmo sabe discernir o bom do ruim, creio que seja mesmo o
caso de o sujeito refletir se quer realmente ser fotógrafo. Parece ra-
dical, mas se alguém quer persistir na carreira, tem de criar logo uma
identidade e definir seu tipo de fotografia. Saber qual o seu estilo.

Pessoalmente, gosto de fotos superiluminadas, bem enqua-


dradas, com o primeiro plano focado e o segundo desfocado (em
algumas situações, no entanto, prefiro aplicar uma ampla profundi-
dade de campo). Na verdade, desde garoto eu imaginava cenas e
planos, como um filme em minha cabeça. Essa capacidade de “via-
jar” é necessária: ouvir uma música e conseguir imaginar um clipe
para ela, viver com a cabeça abarrotada de imagens. São caracte-
rísticas de um criativo, e é isso que o fotógrafo precisa estimular.
No começo, eu estava mais para um comerciante, um vendedor de
fotos, mas fui desenvolvendo essas características na medida em
que ia aguçando meu senso de observação e buscando meios de
traduzir em fotografias o que vinha à mente.

Não custa lembrar, porém, que de nada adianta ter grandes


sacadas criativas se o cliente não comprar a ideia. Sem contar que
a cobertura de casamento impõe uma série de restrições: dentro da
igreja, o padre rege seus movimentos; no salão de beleza, o maquia-

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dor é quem manda. Há poucos momentos em que o fotógrafo dita o
ritmo. Em casamentos ao ar livre, as coisas correm mais facilmente,
mas vivemos num país tropical, sujeito a chuvas e altas temperaturas,
então, casamentos outdoor nem sempre são os mais requisitados. É
preciso se adaptar às circunstâncias. Claro que, uma vez estabelecido
o estilo, você começará a atrair determinado tipo de cliente, que o
contratará justamente pelo tipo de fotografia que você produz. Até
lá, porém, a regra é estar apto a desenvolver um bom trabalho sob
qualquer condição. Afinal, é daí que vem o seu ganha-pão, correto?

Uma das formas que encontrei de exercitar minha criatividade


e dar vazão às minhas aspirações cinematográficas foi através do li-
vro fotográfico. Desde a primeira vez que eu vi um livro desses, cuja
página era a própria fotografia, percebi que ali havia um caminho para
inovar e vender. Na verdade, posso dizer que a minha criatividade

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sempre esteve ligada ao produto. Tanto o álbum como a conduta do
fotógrafo durante a cerimônia são, a meu ver, determinantes para o
sucesso nesta profissão. O comportamento adequado, discreto e so-
lícito, o figurino alinhado e o bom trato com a equipe são uma garantia
de que você vai sair de um evento contratado para outro. Porém, o ál-
bum é a cereja do bolo. Se o profissional dispuser dessas duas cartas,
terá pavimentado um caminho seguro para o sucesso.

Um bom álbum, no entanto, não pode ser impessoal. Deve


ter uma linearidade, na qual a primeira foto comunica-se com a úl-
tima. Isso sugere que o criador mantenha-se a par de todo o de-
senvolvimento do produto. Deve usar o mesmo princípio que rege
o trabalho do estilista, principalmente em época de lançamento de
coleção: mesmo que não costure, ele mantém-se o tempo inteiro
próximo da costureira, supervisionando a produção de suas peças.
Em algum momento da era digital, tornou-se comum aos fotógra-
fos despacharem a tarefa para o designer e ficarem alheios a isso.
Atualmente, essa não é uma boa política. O mercado não dispensa
grande atenção a profissionais que agem dessa maneira. O mesmo
ocorre com o portfolio: ou o fotógrafo senta ao computador e cuida
pessoalmente de suas imagens – que, a rigor, são seu cartão de vi-
sitas – ou supervisiona o trabalho de alguém mais habilitado, tendo
plena consciência daquilo que ele quer. É preciso ter controle sobre
todo o processo. Do contrário, corre-se o risco de ficar muito pouco
tempo no mercado fotográfico.

Tenha um plano de carreira


Nestes últimos anos eu tenho intensificado o meu contato com
outros colegas de profissão em função da ER Escola, projeto de en-
sino de fotografia que criamos faz algum tempo. E essa proximidade
me fez perceber que são poucos os profissionais da nossa área que
possuem um plano de negócios. Muitos, na verdade, sequer pos-
suem um plano de vida. Quando você planeja uma viagem, você se

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prepara psicologicamente para isso. Se for de carro, provavelmente
irá pesquisar o itinerário, providenciar uma revisão no veículo e garan-
tir que o tanque esteja cheio. Dependendo do percurso, você poderá
estimar o tempo necessário para chegar ao destino. Poderá verificar
as condições da estrada e até mesmo se há trechos sujeitos a engar-
rafamentos ou desvios ocasionados por obras na pista.

Aplicando essa analogia à profissão de fotógrafo, o que se


pode depreender é que alguns “motoristas” saem para uma jornada
de mil quilômetros como se estivessem indo apenas à cidade vizi-
nha. Naturalmente, as dificuldades começam a aparecer – e a frus-
tração também. Em algum momento, sequer há a possibilidade de
continuar: o combustível acabou e não há nenhum posto de gaso-
lina por perto. Não há sinal mais inequívoco de falta de profissiona-
lismo do que não honrar com o compromisso assumido, pois não há
meios de um fotógrafo faltar à cobertura do casamento para o qual
foi contratado. Da mesma forma, não é muito profissional deixar de
planejar corretamente os custos de operação ou prodigalizar o di-
nheiro obtido em contrato, gastando-o por conta em coisas alheias
à empresa ao ponto de ficar sem dinheiro para finalizar o álbum do
casal. Em situações assim, é ridículo criticar a má sorte, o mercado
ou os clientes. O fracasso deve ser colocado única e exclusivamen-
te na conta do fotógrafo.

O principal atributo de alguém criativo e inovador é saber


olhar adiante. É saber onde quer chegar e ter um plano bem deli-
neado para ir até lá, considerando que no caminho haverão percal-
ços, desafios a superar. E que, em algum momento, será necessário
fazer ajustes de curso, se reinventar. Uma conjuntura desfavorável
pode exigir isso. Tomemos o momento do país: o atual contexto é
de recessão, crise econômica e insegurança. É preciso adaptar-se
ao período nebuloso para não sucumbir. Tudo, porém, são ciclos. A
natureza é assim, feita de estações – tudo o mais repete o mesmo
movimento. É possível fazer estimativas do momento difícil e su-
por quando haverá melhoras, como quem sabe o quanto de estrada
ruim há pela frente antes de alcançar um trecho de boa rodagem.

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O profissional que compreende isso está sempre criando, in-
vestindo em seu negócio, sem, porém, deixar de se precaver em
relação ao amanhã, pois sabe que a direção do vento pode mudar.
É por isso que precisamos de um projeto de carreira, e que este seja
de longo prazo, pois o percurso é longo. Já me ocorreu, em alguns
momentos da caminhada, cogitar desistir. Não o fiz, entretanto, pois
sabia onde queria chegar. Eu tinha um plano. O mesmo ocorre com
qualquer indivíduo imbuído de um plano, de um propósito: ele não
vai se deixar abater por um percalço. Consciente de que isso é parte
de um processo, vai saber seguir adiante.
Olhar e ver

Vivemos bombardeados de informação visual. A tevê, o compu-


tador, o smartphone, os letreiros e outdoors. Até as pessoas carregam
símbolos: nas roupas, nas tatuagens, nos cabelos. Para onde quer que
olhemos, há muita coisa para ver. Tanto que, muitas vezes, nos escapa
o óbvio. É como quando compramos um carro vermelho: até então, pa-
recia não haver carros dessa cor circulando pela cidade. Bastou com-
prar um e tudo o que você vê são carros vermelhos. Obviamente, eles
sempre estiveram ali. Você apenas não lhes prestava atenção.

Ser observador é saber o que é necessário ver. Quando vamos


à praia, podemos olhar a areia, o mar ou as pessoas – ou, mais espe-
cificamente, o comportamento delas. São nuances, e essas nuances
interessam ao fotógrafo. Porém, olhamos de acordo com aquilo que
levamos conosco. Não à toa, se tivermos vários fotógrafos clicando a
mesma cena, teremos diferentes versões dela. Porque está inserido
dentro de cada um uma história diferente. Cada um observou determi-
nada particularidade do momento, e permaneceu cego às outras. Daí
a máxima “cada foto é um autorretrato” – são reflexos do “eu” interior.
Também por isso certas imagens nos tocam mais que outras, mes-
mo um registro menos interessante do ponto de vista técnico pode ser
mais atrativo que uma imagem complexa, fruto de um momento raro.

No entanto, para um fotógrafo, a observação é fundamental.


O olhar atento ao conjunto da cena, mas capaz de esmiuçar deta-
lhes que muitas vezes ocorrem na periferia do assunto principal. Re-
lações que só sutilmente se pode perceber. Tudo isso requer curio-
sidade. No caso da fotografia de casamento, o alvo principal dessa
curiosidade deve ser as pessoas. Um fotógrafo social precisa ser
interessado por elas – seus dramas, suas alegrias, suas frustrações,
suas relações. As alegrias, fundamentalmente: o romance, a história
de amor que está na raiz de qualquer cerimônia de casamento e
o sonho que a sua consumação traduz. Casamento é assunto para
gente sonhadora. Se o fotógrafo desdenha disso, não dá a mínima

Criatividade na fotografia de casamento | 25


para as motivações dos clientes, dificilmente verá as nuances que
poderão transformar o seu registro numa grande foto. Durante certo
tempo eu fotografei cerimônias muito simples. Aquelas cujas festas
ocorrem em galpões e centros comunitários nas cidades do interior.
Se for comparar com os eventos badalados e as festas mais sofisti-
cadas que depois viria a documentar, posso dizer que aqueles não
eram os melhores cenários para se fotografar.

Não quer dizer, porém, que não possam render belas fotos.
Isso será possível se o profissional ajustar o seu olhar para o que
importa na cena: a emoção e o carinho do pai com sua filha prestes
a casar, a solitária expectativa do noivo, a alegria dos padrinhos e
parentes, a leveza das crianças. Ou seja, são situações assim que
desafiam a capacidade de um fotógrafo criativo, pois ele precisa
aplicar os recursos disponíveis – luz, linhas e enquadramento – para
destacar o que é belo e relativizar o que é acessório.
Também tive oportunidade de fotografar casamentos de
pessoas famosas em locais igualmente simples. Como o da modelo
gaúcha Shirley Mallmann em 2002. Na época, ela morava em Nova
York, mas retornou ao Brasil para se casar em sua cidade natal, San-
ta Clara do Sul (RS), e o fez de uma forma como se jamais houvesse
saído dali para se tornar uma top mundial. A cerimônia ocorreu num
pavilhão e eu consegui excelentes imagens, pois estava concentra-
do nas pessoas, na felicidade e nos sorrisos delas. E utilizei o recurso
do preto e branco para fazer planos gerais, pois sentia que as cores
não dariam um bom resultado.

Ao tirar as cores de uma fotografia, você consegue equalizar


melhor os traços. Isto é ser criativo: analisar e fazer a melhor leitura
do ambiente. Chegar ao local e observar o que de mais significativo
está acontecendo. E isso nada tem a ver com o quanto alguém in-
vestiu para decorar a igreja ou o salão de festas.
O mérito da curiosidade

Quando recebo algum novo casal em meu escritório, procuro


obter o máximo de informações a respeito dessas pessoas: como se
conheceram, do que gostam, onde vivem – enfim, qual é a história de-
las. Mas eu não sou curioso apenas com os meus clientes. Sou curioso
com tudo. O tempo inteiro estou fazendo perguntas. Porém, o impor-
tante não é a curiosidade em si, mas saber fazer as perguntas corretas.

O primeiro passo para quem deseja usar essa competência é


perder o medo. Mire-se no exemplo das crianças. Como ainda não
foram tolhidas pelos pudores do mundo adulto, nem aprenderam as
artes da dissimulação, elas perguntam o tempo todo. Primeiro, por-
que possuem uma curiosidade natural. Segundo, porque desejam
aprender. São insaciáveis nos seus “por quê?”. Assim, elas crescem.

Um adulto, por outro lado, pensa duas, três vezes, antes de per-
guntar. Na verdade, até pergunta, mas a si mesmo: “Será que devo?”.
Perde oportunidades, e a dúvida permanece. A vida adulta é cheia
de pudores. Muitas vezes, essa conduta se sobrepõe à naturalidade,
o que não é muito producente. Minha regra é evitar agir com vergo-
nha: se estou na casa de um cliente e este me convida para almoçar,
não tenho receio em aceitar o convite. Penso que esse tipo de atitude
abre muitas portas. Ser autêntico, ter uma certa ingenuidade ao per-
guntar, faz com que as pessoas deem respostas.

Certa ocasião, estava no shopping JK Iguatemi, em São Pau-


lo, e fui atraído por um relógio que estava na vitrine de uma loja.
Aquele era de uma marca francesa e tive dificuldade em pronunciar
o nome. Entrei na relojoaria e perguntei ao atendente como se pro-
nunciava. Expliquei que meus clientes talvez usassem o produto e
seria importante que eu soubesse pronunciar a marca direito. Como
resultado, não apenas o atendente me explicou, como o gerente me
deu um catálogo e contou muito mais coisas a respeito do relógio.
Essas informações me eram úteis, pois é possível traçar o perfil de

28 | Everton Rosa
um cliente por meio dos artigos que usa, dos seus gostos, e esse
conhecimento pode ajudar a encaminhar uma venda. Esse episódio
demonstra que é preciso haver um interesse genuíno ao perguntar.
Você precisa ser humilde e mostrar verdadeiro interesse em saber a
resposta. Perguntar de modo protocolar, descuidado, fará com que
o interlocutor ofereça uma meia-resposta. Se sentir verdade em sua
pergunta, ele não terá receio em responder. É necessário que as
pessoas sintam curiosidade em seus questionamentos. Muitas ve-
zes, a resposta vem simplesmente da observação. No entanto, as
respostas que envolvem negócios, ir ou não a algum lugar, crescer
ou não, exigem que se deixe a vergonha de lado e se faça a pergun-
ta certa, para a pessoa certa.

Investimento oportuno
Para alguém viciado em inovação, o mercado da fotografia
pode ser um pouco angustiante, pois a indústria está sempre lan-
çando novos equipamentos: são câmeras com maior resolução, len-
tes com novos recursos, flashes e equipamentos de estúdio mais
potentes. Tudo isso, obviamente, gera a dúvida: “Estarei devidamen-
te equipado para o trabalho?”.

Uma coisa é certa: a tecnologia sempre facilita a nossa vida.


Uma câmera com resolução maior sempre será preferível, assim
como uma lente mais clara e com construção mais robusta, pois re-
sulta em maior possibilidade de capturar uma cena em condições
adversas. Por exemplo, hoje em dia eu posso fazer fotos com ISO
elevado sem comprometer a qualidade da captura. Além disso, a
bateria do meu flash dura mais e eu também posso fotografar muito
mais sem precisar trocar o cartão de memória, pois ele agora pos-
sui capacidade de armazenamento maior. Só para fins de compara-
ção, na época do analógico, eu usava um filme de dezesseis chapas
numa médio formato; hoje, posso fotografar 700, 800 fotos em Raw
no meu cartão de memória de 64GB.

Criatividade na fotografia de casamento | 29


No entanto, tecnologia custa caro. E não faz sentido gastar uma
fortuna em equipamentos se não houver demanda para isso. O mais
importante é ajustar o seu instrumental às exigências do trabalho,
confiando na máxima que diz: “Enquanto não tenho a câmera dos so-
nhos, a melhor câmera é a minha”.

Minha relação com o meu equipamento é meramente profissio-


nal. Evidentemente que sou afeiçoado à minha câmera, mas apenas
porque ela me dá o resultado que eu quero. Quando não estou a traba-
lho, prefiro deixá-la em casa. Em seu lugar, levo uma câmera pequena,
ou uso o smartphone. Mas, no que diz respeito ao trabalho, não poupo
investimento – afinal, é da fotografia que eu tiro o meu sustento. Não há
motivo para economizar naquilo que facilita o processo criativo. Porém,
é preciso ter condições para isso. Sempre que eu vivenciei um cresci-
mento no meu trabalho, uma valorização da minha fotografia, investi no
negócio. Portanto, é preciso haver bom senso. O “upgrade” deve estar
condicionado às exigências do trabalho. O importante é o profissional
não se sentir limitado pelo seu equipamento, de modo que não possa
alcançar novos patamares na carreira por não ter uma câmera ou len-
tes compatíveis. Ajustar o investimento à necessidade é o segredo.

30 | Everton Rosa
Motivação e criatividade andam juntas

A fotografia de casamento não é muito amigável com a vida so-


cial do fotógrafo. Casais “normais” aproveitam o final de semana para
sair e se divertir. O fotógrafo, porém, tem de trabalhar. Casamentos
ocorrem, preferencialmente, aos sábados à noite. A festa segue, in-
variavelmente, até de madrugada. Depois disso, é preciso recolher o
equipamento, voltar para casa ou para o hotel, baixar e fazer backup
de todas as imagens. Se possível, fazer uma primeira triagem do ma-
terial. Assim, o domingo passará com o sujeito estatelado na cama.

Agora, pense encarar uma jornada dessas com a motivação


lá embaixo. Num dia de baixo-astral, de problemas familiares, de-
sacertos com a equipe e outros dissabores. Um bom profissional
provavelmente conseguirá desempenhar seu trabalho apesar dos
pesares, porém, é de se imaginar que desenvolveria um trabalho
muito melhor se estivesse num dia mais feliz.

Lamentavelmente, nem sempre se pode escolher estar feliz


no dia. O segredo, em situações assim, é tentar manter as emoções
sob controle. Ter paciência. Manter o foco e a concentração. Exata-
mente como fazem os times de futebol, o fotógrafo precisa concen-
trar-se antes de iniciar a jornada para atingir um estado de espírito
compatível com a missão que irá desempenhar. Quanto mais em
paz, motivado e satisfeito, mais apto estará para captar os momen-
tos de brilho e alegria da cerimônia. E mais criativa será a sua foto-
grafia. Se, por outro lado, não conseguir afastar o ânimo sombrio,
é provável que seu olhar esteja mais propenso a capturar um lado
menos glamuroso da festa.

Antes de iniciar o trabalho, minha equipe e eu costumamos


executar o seguinte ritual: damo-nos as mãos e fazemos um mi-
nuto de meditação e oração. Agradecemos a oportunidade e de-
dicamos uma prece aos noivos, organizadores, familiares e a todos
os convidados daquela noite. Também desejamos que os colegas

Criatividade na fotografia de casamento | 31


envolvidos em outras jornadas na mesma ocasião tenham êxito. É
uma questão de canalizar boas vibrações: se você se investe de um
estado de espírito positivo, vai se sentir mais leve e motivado para
realizar sua tarefa.

Obviamente, um bom trabalho independe das convicções


pessoais do fotógrafo. Creio realmente que um agnóstico esteja tão
apto a fazer uma excelente cobertura do casamento quanto qual-
quer outro. No meu caso, entretanto, a fé é um componente impor-
tante. Acredito firmemente que meu êxito se deve à minha crença
em Deus, em que há uma força superior orientando meus passos.
Isso foi determinante em muitos momentos. Independente disso, é
fundamental que o fotógrafo se coloque em sintonia com o estado
emocional da cerimônia e se sinta feliz e grato pela chance de tes-
temunhar um momento de sublime alegria.

Não há, entretanto, exercício mental capaz de remediar a fal-


ta de preparo. Enfrentar uma jornada de trabalho confiando apenas
na boa sorte não é receita de sucesso. Trabalho árduo, sim. Este é
o principal atributo de um inovador: a busca pelo aprimoramento
constante. Afinal, o mercado da fotografia é um território de compe-
tição voraz. Num ambiente assim, quem estiver mais bem preparado
terá melhores condições de se sobressair.

Porém, uma pessoa insegura pode ter dificuldades em de-


monstrar o conhecimento adquirido. É como o estudante que se
aplicou para a prova, estudando exaustivamente, mas que, no mo-
mento do exame, ficou tão nervoso que não conseguiu lembrar
sequer a mais simples resposta. Confiança, portanto, é um quesito
importante: estar técnica e mentalmente preparado para executar a
tarefa é uma garantia de êxito.

32 | Everton Rosa
Não basta amar, é preciso saber fazer

Existe um ditado que diz: “Faça o que ama e nunca mais terá
que trabalhar”. Ao lado da minha mesa, aqui no escritório, sobre a es-
tante, dividindo o espaço com duas câmeras “vintage”, há um trompe-
te. Sim, eu toco o instrumento. Amo tocar trompete. Quem não gosta
são minha esposa e filho e a nossa auxiliar. A razão é simples: eu toco
pessimamente. Esse é um exemplo de como o ditado pode ser equi-
vocado. A ele, eu oporia o seguinte: “Antes de fazer o que amo, devo
fazer o que sei”. Em 2005, resolvi que não iria mais fotografar casa-
mentos. Comecei a dirigir filmes publicitários. Peguei bons trabalhos,
mas, depois de duas longas produções, envolvendo um monte de
coisas que eram novas para mim, descobri que eu não era tão bom
diretor como sou fotografando casamentos. Havia sido uma decisão
passional, que não resistiu ao crivo da realidade. Então, retornei ao an-
tigo ofício de ânimo renovado, abraçando-o como a um velho amigo
– e cá estou. Em lugar de procurar emoções em alguma outra ocupa-
ção que a vaidade me sugeria, aprendi a amar o casamento.

Conheço alguns colegas que dizem a mesma coisa: “Amo fo-


tografar casamentos”. Mas é um amor pela metade: “Eu só não gosto
muito de fotografar a festa”, ressalvam. Ou: “O que é legal mesmo é fo-
tografar o making-of”. O problema é que não dá para escolher fotografar
apenas uma parte. Tampouco é possível dedicar o melhor da criativi-
dade a um aspecto da cobertura e levar o resto no automático. Não, o
melhor a fazer é aprender a amar o casamento na sua inteireza. Estamos
falando é do seu ganha-pão. O que não faz sentido, todavia, é insistir em
executar um trabalho que não traz a menor satisfação. Forçar-se a viver
uma rotina entediante, assumindo cada novo contrato como se fosse
um martírio, ou como um funcionário que apenas espera o momento
de bater o cartão para enfim desfrutar de uma happy hour. Ninguém
deveria esperar o fim do expediente para se sentir feliz. É preciso encon-
trar satisfação no próprio trabalho. Quando isso não ocorre, vale a pena
analisar os motivos que o prendem a essa profissão e, eventualmente,
buscar uma ocupação um pouco mais satisfatória.

Criatividade na fotografia de casamento | 35


Capítulo 2

Curiosidade pelas pessoas

Durante a cobertura de um casamento, quando encontro en-


tre os convidados um casal que me chama a atenção, tenho por
hábito ir até eles, me apresentar e perguntar se posso fotografá-los.
Peço que se abracem e faço várias fotos. A conversa costuma ser
mais ou menos assim:

– Nossa, vocês formam um belo casal! Por favor, deixem-me


tirar uma foto!
– Claro!
– De onde vocês são?
– Somos de tal lugar.
– E estão juntos há muito tempo?
– Sim, inclusive, estamos noivos.
– Parabéns! Vocês realmente formam um belíssimo casal.
Quando decidirem casar, por favor, lembrem de mim!

Faço isso sempre que encontro um belo casal, pois é parte


do meu trabalho fotografar pessoas assim. Nem me preocupo em
deixar cartão de visitas, pois confio que elas fixam na memória esse
encontro. De fato, a estratégia tem me garantido gratas surpresas –
como quando recebi um telefonema da Fernanda. Ela e o Juliano
formam um belo par que mora no interior do estado. Fernanda ligou-
me informando: “Eu vou casar dia tal (dali a um ano, mais ou menos)
e lembro que você nos encontrou naquele casamento e disse que
a gente formava um belo casal e que ligasse quando decidissêmos
nos casar. Estou ligando porque este fim de semana eu fui pedida
em casamento! E quero que você seja o fotógrafo”. Não apenas fui o
fotógrafo da cerimônia dos dois como fiz duas sessões fotográficas
– um pré-wedding e um Street Wedding – e o filme do evento.

Criatividade na fotografia de casamento | 37


A minha curiosidade é genuína: eu realmente sinto necessida-
de de conhecer as pessoas, conversar com os convidados e saber se
todo mundo está contente e satisfeito com a festa. Gosto de abordar
os casais mais fotogênicos, pois sei que rendem ótimas imagens. Mas
o faço de um modo muito polido, como condiz a um profissional. Uma
abordagem equivocada pode gerar um sentimento de desconfiança
que certamente não agregará valor ao seu trabalho. A boa educação e
a simpatia, por outro lado, deixam o seu trânsito entre tantas e diferen-
tes pessoas muito mais fácil. Além disso, é uma excelente ferramenta
de marketing. Qual melhor lugar para encontrar clientes em potencial
do que num casamento? Os padrinhos, em geral, são casais que ain-
da não subiram ao altar. Porém, seu comercial precisa ser investido de
uma certa espontaneidade. Se você forçar a barra, pode ser que acabe
gerando uma má impressão. O fotógrafo precisa ter esse “feeling”. Essa
atitude visando o futuro, entretanto, não deve ser o único cataliza-
dor da curiosidade do fotógrafo. É preciso estar atento ao presente,
fazer o melhor pelo evento atual. E uma coisa que se pode dizer
de um casamento, é que ele segue a consagrada lei de Newton da
ação e reação. Os gestos e palavras do padre, pastor, rabino, líder
espiritual ou celebrante repercutem nas pessoas presentes e geram
uma resposta, em geral emotiva. As crianças, seguindo suas pró-
prias leis, interagem, na linguagem típica da infância. Os mais velhos
demonstram a curiosidade de quem deixou a rotina para estar num
local atípico. Todas essas ações, muitas vezes simultâneas, interes-
sam ao fotógrafo tanto quanto o que ocorre no altar. E quanto mais
incomum a reação, maior a chance de render um registro único.

Certa ocasião, fotografei um casamento na Áustria. Era o iní-


cio da popularização dos tablets e, a certa altura, havia um tumulto
de pessoas no corredor usando seus recém-adquiridos aparelhos
para fotografar. Um monte de retângulos luminosos na minha cena.
Porém, em vez de reclamar da intromissão, eu fotografei. Tornou-se
um momento marcante daquela cerimônia, algo que de fato acon-
teceu, e merece ser lembrado pelos noivos. Por isso, costumo dizer
que não escolho o que vai acontecer, nem mesmo faço algo acon-
tecer: meu papel ali é registrar o que acontece.

38 | Everton Rosa
Há casamentos e casamentos. Uns geram reações mais inten-
sas; outros, são mais contidos. De modo geral, as celebrações que
provocam nas pessoas as reações mais variadas são aquelas cujo
cerimonial é mais rico em protocolos. Dos mais de mil eventos que
fiz na vida, foram nos casamentos judaicos que eu mais presenciei
o envolvimento dos convidados, pois as cerimônias dessa religião
costumam ser ricas em danças e liturgias. Na prática, há muita in-
teração do momento em que a cerimônia se inicia até o final. É co-
mum, por exemplo, os amigos do noivo jogarem-no para cima nem
bem o ritual terminou. Esse tipo de situação gera excelentes ima-
gens, portanto, é preciso estar atento.

A melhor forma de não deixar nada passar é sabendo como


cada cerimônia se desenvolve. Desse modo, é possível se antecipar
a qualquer reação importante, seja dos noivos, seja dos convidados.
Isso demanda um entendimento da matéria da mesma maneira que
um fotojornalista esportivo entende do esporte que está cobrindo.
Ou seja, o fotógrafo de casamento precisa entender de casamento.
Só assim ele saberá conduzir seu olhar e sua observação no ângulo
certo. É claro que é preciso contar com certa dose de imprevisto,
porém, sua atenção e a da sua equipe devem cobrir o “ângulo” onde
é mais provável que uma ação importante ocorra. Para isso, é funda-
mental saber como funciona o “jogo”.

Busque a simplicidade
Gosto não se discute. Muito menos deve ser imposto ao clien-
te. Faz alguns anos, fiz um trabalho no qual eu apliquei algumas
ideias que considerava descoladas e que, esperava, dariam um to-
que de suntuosidade à cobertura. Alguns dias após enviar as provas,
o contratante me ligou explicando que não era bem aquilo que ele
queria. Desejava algo menos rebuscado. Se eu tivesse aplicado o
princípio do “menos é mais”, obteria melhor êxito.

Criatividade na fotografia de casamento | 39


Em geral, a simplicidade é um valor positivo. Uma composi-
ção com poucos elementos, um close isolando o assunto principal,
toda a atenção reduzida ao essencial da cena, isso tende a produzir
belas fotos. Daí o recurso do desfoque, tão presente nos retratos
de noivos. O mesmo ocorre nos álbuns de casamento: páginas com
menos fotos e com grandes espaços em branco costumam dar um
resultado melhor do que páginas muito carregadas (embora, vol-
to a dizer, depende do perfil do público: há quem decore sua casa
com poucos móveis, e há quem prefira preencher todos os espaços.
Atendo ambos os públicos e minha fotografia precisa se ajustar aos
interesses do cliente).

Pessoalmente, aprecio obras onde é possível observar deta-


lhes e nuances de cor. Ou de tons. Gosto, por exemplo, de um cli-
pe da cantora britânica Adele, da música “Someone Like You”, feito
de uma única tomada, toda em preto e branco. É espetacular. Por
outro lado, temos um trabalho do DJ francês David Guetta, dirigido
por Jonas Åkerlund, caracterizado pelo contraste e cores saturadas
(“Dangerous”). Neste, há muito mais informação visual, mas o resul-
tado é igualmente impactante. São linguagens opostas, que servem
a propósitos diversos e funcionam em diferentes contextos. Ou seja,
nem sempre se pode lançar mão da mesma estética – inclusive
num mesmo trabalho.

Há o exemplo das séries de televisão, que muitas vezes utili-


zam paletas de cor como recurso narrativo, usando diferentes tem-
peraturas para assinalar mudanças de ambiente ou de tempo. Assim
é na cobertura de um casamento: o uso da cor, a sequência das
fotos escolhidas para a montagem do álbum, a composição na hora
do clique, tudo é planejado de acordo com o ambiente e em con-
formidade com as características do cliente. Porém, a noção de que
é melhor pecar por excesso nem sempre funciona na fotografia. Na
dúvida, busque o simples.

40 | Everton Rosa
Venda sonhos, não produtos

Um casal que chega ao estúdio de um fotógrafo, o faz não


exatamente com uma certeza. O faz pela expectativa. É fato que al-
guém, na maioria das vezes, indicou o profissional. O casal talvez o
tenha visto em ação na cerimônia de amigos. Certamente, viu o portfo-
lio, sabe do que é capaz. Trata-se de uma garantia. É com base nisso
que irão assinar um contrato, muitas vezes pagando no ato por algo
que só terão depois de um ano. Pagam por uma promessa.

Como disse antes, casamento é assunto de sonhadores. Os


noivos empenham-se numa aventura de meses, lidando com os mí-
nimos detalhes para que tudo esteja perfeito no grande dia. Enquan-
to ele não chega, tudo o que podem fazer é planejar – e sonhar. Nem
todo casal é igual, naturalmente, há alguns mais pragmáticos. Mas
o desejo de sair bem nas fotos é comum a todos. E os que sonham
mais farão questão de guardar muito mais lembranças daquele dia,
consumindo muito mais fotografias.

Porém, muita coisa acontece em doze meses. O imponderá-


vel pode dar o ar da graça nesse meio-tempo. Quantas reviravol-
tas não ocorrem num virar de folhas do calendário? Na vida de um
fotógrafo, isso pode significar aprimoramento, mudanças no estilo,
mudanças de ambiente, de equipe, investimentos e experiência. Ou-
tras coisas bem menos positivas podem ocorrer, também. O que é
imutável em tudo isso é o compromisso que assumiu. Sua presença
naquela igreja, na data e hora marcados, é inadiável.

Portanto, há muita responsabilidade envolvida. O profissional


precisa estar capacitado a fazer, no mínimo, o que foi acordado um
ano atrás. Precisa se manter ativo. Mais importante: precisa se man-
ter criativo, de modo que possa superar a expectativa do cliente. Se
é de sonhos que estamos falando, ele deve proporcionar uma ex-
periência única, na postura, no relacionamento, na condução da co-
bertura, na entrega do material e no pós-venda (após o casamento).

Criatividade na fotografia de casamento | 41


A concretização desse sonho se dá na forma de um trabalho irreto-
cável. Vender um sonho (ou uma “experiência”, termo tão em moda
nos manuais de marketing) exige, no entanto, que o fotógrafo tenha
em si a mesma capacidade de sonhar. De “viajar” nas aspirações do
cliente para buscar surpreender. Você tem de ser intenso, vibrante,
inventivo. Convencer não apenas com as imagens do portfolio, mas
com a atitude de alguém capaz de realizar o sonho mais delirante
do casal. Seu produto (o álbum) é o resultado concreto disso tudo.
Mas é a experiência que fará o cliente passar seu nome adiante.

Diga “não” a algumas coisas

Você certamente conhece pessoas que dizem não ter tempo


para nada. Vivem atarefadas e os compromissos acumulam. Você
liga, a chamada cai na secretária eletrônica e eles jamais retornam.
Agora, imagine você sendo um fotógrafo e os clientes ligando para
contratá-lo, mas você não atende. Não responde aos e-mails e tam-
bém não entrega no prazo os trabalhos que fez, pois seu HD está
abarrotado de imagens para editar. Alguns noivos até podem ser
compreensivos, mas a regra é a ansiedade falar mais alto. Fazê-los
esperar não os deixará muito felizes.

Conheço, por outro lado, algumas pessoas bem importantes,


diretores de empresas com dezenas de filiais, que são absoluta-
mente organizadas com seu tempo. Não deve ser, portanto, uma
missão impossível gerenciar um negócio de fotografia de peque-
no ou médio porte. O segredo está em delegar tarefas sempre que
possível e se concentrar no essencial: a criação. Também é interes-
sante exercitar o uso da palavra “não”.

Uma negativa bem empregada pode salvar o dia. Claro que


não é muito educado disparar um “não” a alguém próximo que ne-
cessita do seu auxílio. Porém, no dia a dia do negócio, há situações
em que o profissional se vê tentado a assumir algum “abacaxi”: um

42 | Everton Rosa
cliente cuja expectativa não condiz com seu perfil de trabalho, al-
guém que espera que você faça algo que não está habilitado a fa-
zer, um pechincheiro compulsivo que o arrasta para uma negocia-
ção interminável, tudo isso acaba tomando um tempo precioso e
resulta na maioria das vezes em frustração. Melhor oferecer logo um
“não” diplomático e educado, até mesmo indicar outro profissional
mais habilitado para a função, e se ocupar de coisas que se encai-
xam melhor na sua rotina de trabalho.

A faculdade de dispensar trabalhos que não condizem com a


sua especialidade depende, porém, do estágio em que o fotógrafo
se encontra na carreira. Quem está nos primeiros anos certamen-
te terá mais dificuldades em rejeitar uma encomenda. Sua coloca-
ção ainda é frágil e, quanto mais trabalhos conseguir, mais chances
terá de fechar as contas no fim do mês. Ocorre com todos. Ocorreu
comigo. No início, eu abraçava o que vinha: fotos de sapatos, fotos
aéreas, de fábricas, look books etc. Isso também acontece num mo-
mento em que o fotógrafo está buscando o seu real nicho de traba-
lho, experimentando diferentes modalidades para ver onde melhor
se enquadra. Faz parte do processo de amadurecimento, de conso-
lidação da trajetória profissional.

Entretanto, tendo o fotógrafo estabelecido seu nome no mer-


cado e conquistado uma situação estável, o desenvolvimento da
carreira exigirá que ele diga “não” àquilo que o afasta do seu real
propósito. Será o momento de trocar a quantidade pela qualidade,
diminuindo o ritmo em favor da dedicação, pois fica difícil obter o
nível de concentração adequado se você está correndo de um lado
para outro, cobrindo dois, três casamentos num fim de semana. Se
você não está dando conta da agenda, é momento de dispensar
alguns trabalhos em favor daqueles em que “rolou uma química”
entre profissional e cliente (sim, há situações em que as partes não
se tornam exatamente “melhores amigas”). Nesse estágio, é muito
melhor você se dedicar às pessoas que celebram o seu trabalho do
que se desgastar tentando agradar alguém cujas ideias não estão
em concordância com as suas.

Criatividade na fotografia de casamento | 43


Pessoalmente, faço o possível para conhecer previamente os
meus clientes. Seja por foto, por vídeo ou mesmo através de uma
mensagem de voz. Considero realmente importante determinar se
há empatia com o casal antes de nos reunirmos para conversar. Se-
ria muito ruim se eu assinasse um contrato sentindo que há qualquer
coisa que me distancia do casal. Isso não tem absolutamente nada
a ver com tipo físico, cor ou religião. É uma questão um pouco mais
pessoal. Creio que todo mundo já conheceu alguém cuja presen-
ça causa certo desconforto – certo desacordo. Isso ocorre também
numa relação comercial. Como é recomendável que eu não perca o
meu tempo, muito menos sacrifique o tempo do cliente, procuro me
certificar de que o perfil do casal fecha com o meu antes de enca-
minhar uma proposta.

O orçamento em si é outra forma de otimizar o tempo. Uma


vez que o cliente conheça o seu trabalho, entenda que o estilo con-
diz com a sua expectativa e concorde com os valores apresentados,
é praticamente garantido que assinará o contrato. Se, no entanto,
considerar a proposta acima da sua expectativa de gasto, irá pro-
curar outro profissional e ambos economizarão uma hora de con-
versação que teria tudo para dar em nada. Naturalmente, é possível
convencer um cliente reticente no momento da entrevista (inclusive,
se você está começando, sugiro deixar o orçamento para depois do
atendimento pessoal). No entanto, é preferível abrir conversações
com alguém já predisposto a aceitar os termos.

Delegar funções também é importante. No começo, o fotógra-


fo talvez não tenha muita escolha, caso seja uma espécie de “selfma-
de man”, trabalhe sozinho ou não tenha a quem recorrer. Sempre é
possível, no entanto, terceirizar. O profissional, como já foi dito, não
poderá ficar alheio ao que é feito por alguém contratado, mesmo as-
sim economizará tempo despachando um pouco do trabalho braçal.

Na medida em que você consegue montar uma equipe, a


situação fica mais cômoda. A menos, claro, que você seja do tipo
centralizador. Nesse caso, a sua condição não vai ter uma grande

44 | Everton Rosa
melhora. A estrutura que você montou precisa trabalhar para que
você possa usufruir melhor do seu tempo. Sua preocupação deve
ser: atender bem seus clientes e fotografar criativamente.

Um exemplo de como a organização pode otimizar o seu dia:


enquanto estou digitando estes parágrafos, o meu telefone pessoal
(que, aliás, é uma grande ferramenta de trabalho, pois você está o
tempo todo conectado) não está tocando. Todas as chamadas são
recebidas pela minha secretária, que também responde as mensa-
gens postadas nas redes sociais. Meu filho Victor está realizando o
tratamento das imagens, e a minha esposa está de olho nas finan-
ças. Também tenho uma agência que cuida da minha comunica-
ção e do e-commerce. Assim, apenas os assuntos que requerem
a minha imediata atenção são passados a mim. Por outro lado, se
alguém tem o meu número pessoal ou do whatsapp e resolve me
ligar, é necessário que eu atenda.

Crie experiências insanamente diferentes


Faz algum tempo, eu recebi um cliente e sua filha de quase
quinze anos, que ele apresentou como sendo “uma grande fã” do
meu trabalho. “Ela olha todas as suas fotos e vídeos”, garantiu-me.
O homem também era um grande investidor. Comprava e vendia
empresas. Era alguém que viajava pelo mundo. Obviamente, isso
representava um desafio: eu não poderia simplesmente propor um
ensaio convencional para celebrar o debut da menina. Precisava de
algo um pouco mais superlativo. Assim, sugeri não apenas um dia
de fotos – como é habitual nos meus ensaios de quinze anos –, mas
um roteiro de uma semana no exterior, com toda a família envolvida.

Em algum momento, um cliente disposto a pagar por uma ex-


periência exclusiva vai bater na sua porta. Quando isso acontecer,
sua capacidade inventiva precisará ser do tamanho da expectativa
desse cliente. Essa perspectiva tem pautado a minha vida profis-
sional nos últimos 25 anos, levando-me a tocar alguns projetos que

Criatividade na fotografia de casamento | 45


soariam como loucura no mercado de alguns anos atrás. Inúmeras
vezes eu saí do país para fotografar meninas na flor dos seus quinze
anos. Precisava contratar maquiadores, cabeleireiros e assistentes
de produção estrangeiros, ir a lugares que eu não conhecia e pre-
parar uma sessão com ares de ensaio internacional de moda (foto-
grafando meninas, lembre-se) a milhares de quilômetros de casa.
Depois, usei a mesma estratégia com casais dispostos a viver uma
sessão de Street Wedding no exterior.

Muitas pessoas que suspiram por um casamento de sonhos


não medem esforços para concretizá-lo. Dependendo do potencial
de consumo do cliente, pode representar um voo de imaginação e
tanto. Alguns já têm na cabeça um roteiro mirabolante ou alguma
ideia bastante incomum de ensaio. É preciso estar habilitado para
proporcionar essa viagem.

Outro aspecto importante diz respeito à embalagem que


manterá viva a recordação dessa experiência. Durante anos eu per-
sonalizei os meus álbuns de casamento, aproveitando-me de uma
matéria-prima abundante na minha região: o couro legítimo usado
na indústria calçadista. Fiz isso não exatamente para ter um produ-
to diferente, e sim melhor. É prerrogativa do fotógrafo estabelecido
oferecer um produto diferenciado, exclusivo, e o álbum é o pro-
duto de maior valor do seu portfolio. Naturalmente, na medida em
que o profissional cresce em conceito, a sua assinatura passa a ser
o produto mais valorizado. Pense num fotógrafo como o peruano
Mario Testino. Talvez seja o maior fotógrafo de moda da atualida-
de. Apenas a sua assinatura é suficiente para agregar valor a qual-
quer imagem. Quando estampa uma capa da Vogue, seu trabalho é
geralmente seguido de uma legenda citando o seu nome. Não são
muitos os fotógrafos que desfrutam desse privilégio.

Quando alcança certo patamar na carreira, o fotógrafo torna-


se um pouco mais exclusivo. Seu produto e sua capacidade de cria-
ção devem atestar essa condição. Não condiz com a estatura de
um fotógrafo “de ponta” realizar fotos impressionantes e entregá-las

46 | Everton Rosa
num álbum de qualidade inferior. Além disso, é preciso oferecer va-
riedade, de modo que possa contemplar diferentes perfis de públi-
co, pois muitos não se importarão em pagar um pouco mais para ter
o produto que desejam.

Eu ofereço um álbum com acabamento em acrílico que tem


sido bastante consumido. Mas tenho também um modelo no estilo
fine art. A maioria, porém, prefere o primeiro. Um cliente, no entanto,
ficou bastante interessado no fine art. Sua primeira reação foi supor
que o álbum que gostou era muito mais caro que o de acrílico. Ex-
pliquei que de fato custava mais, mas não era tão mais caro que o
outro. Imaginei o motivo que levou o cliente a atribuir um valor maior
àquele produto. Só posso crer que tenha a ver com seu perfil.

Em meados de 1997, eu entrei numa loja de noivas aqui de


Novo Hamburgo. Na época, ainda morava em Sapiranga, distante 15
quilômetros. O nome do estabelecimento era Rosamaria Noivas. Fui
recebido pela Rosaura, sócia da irmã, Rosamaria. Ambas são estilistas
conceituadas no sul do país e trabalham juntas até hoje. Expliquei o
motivo da visita: havia sido contratado por uma noiva, chamada Ros-
sana, que se casaria dali a uma semana. Ela pediu-me que fotografas-
se a prova do vestido, que estava sendo feito pelas duas. Por isso, fui
pedir-lhes que me deixassem instalar um estúdio no local.

Naquele período, eu considerava um grande diferencial mon-


tar um estúdio fotográfico na locação. Essa é uma estratégia que
muitos fotógrafos pelo Brasil utilizam: muitas vezes, eles precisam
instalar um estúdio (geralmente composto por um pano ou outro
fundo fotográfico e duas sombrinhas) para compensar a falta de um
plano de fundo interessante. Como eu também fotografava em lu-
gares bastante simples, empregava o mesmo artifício.

No entanto, aquele contrato de trabalho me colocou subita-


mente num novo patamar. Rossana era a minha primeira cliente com
um poder aquisitivo superior. Percebi isso ao entrar na loja: era um
ambiente fartamente iluminado, com várias vitrines por onde a luz

48 | Everton Rosa
entrava, paredes brancas, espelhos com bordas douradas e carpete
bege claro. Era óbvio que não havia necessidade de um estúdio: a
loja em si era o melhor cenário.

As proprietárias amaram a ideia. Haviam feito um investimento


considerável na loja, que era nova em folha. Também gostaram de
mim: consideraram-me um jovem entusiasmado com a profissão e
disposto a tentar coisas novas. Passaram a me indicar bons clientes
e somos amigos desde então.

Ainda nessa época, os fotógrafos costumavam oferecer um


pacote que incluía um álbum com certo número de fotos. Como eu
ainda não era conhecido, mas contava com o aval das duas me-
lhores estilistas da cidade, resolvi tentar uma abordagem diferente:
cobrava 300 reais de sinal para fotografar e o cliente comprava o
álbum depois se quisesse. Por esse valor eu fotografava e entregava
um catálogo de provas impresso. O dinheiro, se me lembro bem, era
suficiente para comprar os filmes que usava em minhas câmeras. Eu
trabalhava com uma médio formato e uma 135 milímetros.

Foi assim que comecei a minha trajetória em Novo Hamburgo.


Em 1999, eu tinha tantos clientes na cidade que me mudei para cá.
Saí de uma cidade com menos de 100 mil habitantes e fui morar
numa com 300 mil, e mais próxima de Porto Alegre. Somando toda a
região, são 2,5 milhões de pessoas. Com isso, meu universo de opor-
tunidades mudou completamente. Toda a minha estratégia precisou
se adaptar à nova situação: meus álbuns mudaram e a minha forma
de fotografar também. Precisei me reinventar.

Quando cheguei a Novo Hamburgo, aluguei um sobrado num


bairro descolado. Lá eu atendia os clientes e morava. O espaço era
enorme. Estava acostumado a um estúdio pequeno em Sapiranga.
No novo endereço, a maior parte da casa – inclusive a garagem – foi
usada para o estúdio. Era também um imóvel reformado e estava
em excelente estado. Decorei-o com os poucos móveis que dispu-
nha, naquilo que poderia ser considerado hoje um estilo minimalista.

Criatividade na fotografia de casamento | 49


Na ocasião, foi por necessidade mesmo, pois só o aluguel custava
quatro vezes mais do que eu pagava em Sapiranga. Estava dando
um passo enorme e sentia o peso do desafio. Por outro lado, me vi
inserido numa realidade completamente diferente: conheci muitas
pessoas novas, e muitas delas conheciam o mundo, viajavam em
virtude da moda – minha cidade é considerada a capital do calçado
(por isso acredito que somos parecidos com o ambiente em que vi-
vemos) – e uma em especial contou-me que comprava suas roupas
na loja paulistana Daslu, que gastava até 50 mil reais numa única
compra – muito mais do que eu poderia sonhar ganhar em um ano.
Aquilo abriu-me os olhos e eu pensei: “Talvez esse público de alto
padrão, que consome o que há de melhor, esteja sem um fotógrafo
à altura de suas expectativas. Se eu conseguir criar produtos e fo-
tografar segundo o gosto desse público, aumentarei consideravel-
mente a minha renda”.

Fui, então, em busca de uma encadernadora e desenvolvi um


pacote com quatro álbuns gigantes (se comparados com os que eu
costumava vender) e mais um kit com mil fotos impressas. Criei uma
tabela de serviços que ia dos 300 reais que eu praticava a R$ 9.900. Na-
quele tempo, com o preço máximo eu conseguiria comprar um carro.

Um dia, uma cliente foi até o estúdio (que, com a pouca de-
coração, tinha um aspecto de galeria de arte, o que causava boa im-
pressão), viu os álbuns, ouviu as propostas e percorreu com o dedo
a tabela de preços, parando nos R$ 9.900. Olhou para a mãe e disse:
“Eu quero esse”. O noivo não pestanejou: “Ok. Me passa o número
da conta que eu vou transferir o dinheiro”. No outro dia, conferindo
o extrato bancário, verifiquei que ele havia arredondado o valor: na
conta tinha 10 mil reais. Pensei: “Estou no caminho certo!”. Jamais
tinha visto alguém cobrar mais que mil reais por um casamento.

A minha grande sacada na época foi acreditar que mil fotos


13x18cm impressas e quatro álbuns 30x40cm com 60 fotos cada,
feitas com um equipamento de médio formato, mereciam o pre-
ço de R$ 9.900 (se o profissional não acreditar que vale, ninguém

50 | Everton Rosa
mais acreditará. Mas lembre-se: precisa ser melhor segundo o en-
tendimento do cliente). Dali em diante, nunca mais pus freios à mi-
nha imaginação. Conquistara o privilégio de transitar por ambientes
onde jamais pensei estar e passei a criar soluções para pessoas que
eu nunca havia antes conversado. No início eu era, mas creio que
hoje eu não seja o único fotógrafo a ter alcançado esse patamar.
No entanto, mantive o meu diferencial: meus produtos são únicos,
pensados exclusivamente para cada cliente. Diferentes perfis, dife-
rentes produtos. Diferentes experiências.

Desenvolvimento e divulgação de novos produtos


No início da carreira, eu desenvolvia meus novos produtos e
serviços sempre em parceria com estilistas e cabeleireiros. Para lan-
çar as novidades, contratava uma modelo, fazia uma sessão de fotos
e montava uma exposição num shopping center. Tudo isso era feito
com o intuito de vender os álbuns. Mais tarde, após fotografar algu-
mas personalidades, ganhei espaço na tevê. Por um tempo, cheguei
mesmo a ter um programa de televisão.

Depois que a internet consolidou o seu potencial como ferra-


menta de marketing, eu passei a usá-la como plataforma de divul-
gação (meu primeiro site entrou no ar em 2000). Atualmente, toda
vez que eu lanço um novo produto ou promovo um novo estilo de
fotografar, publico as imagens em meus canais de comunicação,
acompanhadas de uma matéria a respeito. Utilizo para isso o meu
site, o Facebook e o Instagram.

Penso que seja importante para o fotógrafo criar anualmente


uma nova linha de álbuns. Ele pode selecionar seus melhores clien-
tes para participar da ação ou contratar modelos para posar. Hoje em
dia, é comum fazermos sessões com o casal, tanto com roupas do
dia a dia como trajando o figurino do casamento. Também é comum
realizarmos editoriais de noivas para revistas e sites especializados.

Criatividade na fotografia de casamento | 51


Costumo sugerir aos meus alunos que ainda não têm uma
boa carteira de clientes que ofereçam a alguma pessoa conhecida
na sua cidade uma sessão gratuita de fotos, com o objetivo de criar
um portfolio. É uma estratégia que geralmente dá bons resultados.
Muitos relatam que, após a experiência, não faltaram clientes.

As empresas de encadernação exercem inegável influência so-


bre nossos lançamentos. Por isso, manter uma parceria com uma de-
las faz muita diferença. Especialmente porque você poderá ter aces-
so a materiais exclusivos e a novidades em primeira mão. Eu sempre
busquei estimular um relacionamento com algumas encadernadoras,
pois o álbum é o produto que vai sacramentar a cobertura.

Se você realizou um casamento envolvendo pessoas impor-


tantes da região, ou tenha feito um trabalho do qual se orgulha,
aproveite para potencializar a sua divulgação. Nesse caso, não é ne-
cessário imprimir um álbum exatamente igual ao que foi feito para o
seu cliente. Você pode propor uma leitura mais pessoal daquele tra-
balho para usar como mostruário. Particularmente, quando crio um
novo portfolio, eu não uso a mesma sequência de imagens que o
cliente comprou. Procuro dar uma visão diferente, pessoal, daquela
cobertura, e isso habitualmente tem um potencial de vendas maior.
Ocorre o mesmo na moda: o estilista apresenta na passarela toda a
sua capacidade criativa. Porém, o que vai para as lojas muitas vezes
é bem diferente.

Voltemos à questão das mídias sociais, que são cruciais para a


promoção de qualquer atividade nos dias de hoje. No Facebook, eu
tenho uma fanpage na qual publico meus melhores trabalhos, víde-
os e atividades da minha escola. Faço a mesma coisa no Instagram.
Também publico algumas coisas relacionadas à minha vida pessoal:
viagens, atividades e celebrações em família. Parto do princípio de
que as pessoas que nos seguem diariamente nesses meios querem
saber um pouco mais a nosso respeito, como vivemos e tudo mais.
Leio as mensagens e procuro responder a todas.

52 | Everton Rosa
É fundamental selecionar muito bem o que será publicado.
Se você não estiver certo da qualidade do material, melhor deixar
para lá. O ideal é evitar trabalhos que possam gerar um conceito ne-
gativo sobre a capacidade do profissional. Parece uma obviedade,
mas percebo que alguns colegas não respeitam essa norma. Você
também deve reservar temas muito pessoais, polêmicas e anedo-
tas para um perfil pessoal, o qual apenas os amigos mais chegados
têm acesso. Publicar uma foto do churrasco na casa dos amigos,
com todo mundo muito à vontade, pode ser legal – menos no perfil
profissional. Creio que qualquer imagem que precise de explicação
deve ser evitada. Uma foto que dispensa caracteres é uma posta-
gem que eu acredito que vale a pena.

O meu website tem um resumo dos meus melhores trabalhos,


fotos e vídeos. Tem também o meu contato e um press release. É
fundamental que o fotógrafo, assim como qualquer outro profissio-
nal, tenha em seu site um release, contando quem ele é, qual o seu
histórico, trabalhos realizados etc. Você pode fazer um texto bem
completo e apresentar ainda uma versão resumida desse material.
O importante é que as pessoas que tenham interesse nas fotos pos-
sam saber um pouco mais a seu respeito. Diferente da fanpage, que
é destinada a seguidores, gente que aprecia o seu trabalho, o site
mira nos potenciais clientes, pessoas que ainda não conhecem o
seu trabalho e acessam a página para saber detalhes e obter um
contato. Serve, portanto, para os clientes saberem quem você é e
qual o seu trabalho. E não descuide do e-mail: você deve responder
a todo e qualquer contato.

Por fim, publicar vídeos é outra atividade bastante recomendá-


vel. Desde quando eu percebi o potencial dessa ferramenta, criei o
hábito de publicar cenas de making-of – acho importante as pessoas
me verem trabalhando. Isso cria uma conexão muito forte com elas.

Criatividade na fotografia de casamento | 53


54 | Everton Rosa
Capítulo 3

Treine o seu olhar

O Barão de Itararé tinha um dito espirituoso que afirmava o


seguinte: “De onde menos se espera é que não sai nada mesmo”.
Adaptando essa subversão bem-humorada ao tema deste tópico,
acredito que seja difícil para alguém pensar criativamente se ele não
tem de onde puxar suas ideias. Se não possui referências para ba-
lizar a sua inventividade. Se ainda não construiu as suas influências.

Uma das minhas referências mais fortes são as produções do


cinema. É a isso que eu recorro primeiramente quando tenho algum
trabalho em vista. Também procuro ideias em revistas de moda, Vo-
gue, Elle, esse tipo de publicação que é comum encontrar em sa-
lões de beleza e as noivas costumam ler. Eu considero importante
estar atualizado sobre o que a minha cliente está lendo no momento
– especialmente no que diz respeito à fotografia de moda, que tem
uma presença marcante no meu trabalho.

Do mesmo modo que procuro estar ciente das últimas ten-


dências, eu busco inspiração no passado. Tenho em minha casa
muitos livros de fotografia (em qualquer cômodo que você entrar,
vai encontrá-los). No escritório também. São livros fotográficos de
todos os gêneros, não somente sobre fotografia social. Compro edi-
ções especiais, como uma que a Vogue publicou somente sobre
vestidos, e livros conceituais que algumas marcas do segmento de
moda produzem – tenho um da Guess contando a sua história na
última década. Todas as marcas precisam fotografar, e normalmen-
te elas retratam as tendências, o que faz dessas publicações uma
significativa fonte de consulta.

Assim como o cinema. Naturalmente, não me refiro apenas ao


que está em cartaz no momento, mas principalmente aos filmes das

Criatividade na fotografia de casamento | 55


décadas de 1920 a 1960, especificamente aos clássicos de Hollywood
e do cinema europeu. São filmes nos quais é possível expandir os con-
ceitos sobre fotografia – nas transições de claro e escuro, nos con-
trastes ou na suavidade das tomadas, assim como na maneira como
as cenas são iluminadas. Cito como exemplo “Bonequinha de Luxo”
(1961), cuja fotografia influenciou decisivamente o meu estilo.

De posse de todo esse background, o fotógrafo está devi-


damente preparado para enxergar o casamento de um modo mais
criativo. Evidentemente que ele precisa ter um conhecimento pro-
fundo dessa especialidade, ao qual irá acrescentar suas referências
de moda, de fotojornalismo e de tendências para desempenhar bem
o papel em qualquer circunstância, seja na cerimônia, no making-of
ou no momento das fotos posadas. A partir disso, irá também cons-
truir um estilo próprio de fotografar. Uma identidade artística.

Entre as minhas influências está ainda o trabalho de outros fo-


tógrafos. Gosto de conhecer a forma como atuam, os tipos de lentes e
câmera que usam. Assim, quando vou realizar o meu trabalho, acres-
cento um pouco de cada referência, inclusive daquilo que é feito por
alguns colegas, e consigo ter um melhor aproveitamento. Esse garim-
po, no entanto, deve ser permanente, até mesmo diário, pois as refe-
rências mudam, as tendências também – assim como o gosto pessoal.
Alguém que considerar já ter todas as referências que precisa dificil-
mente irá evoluir. De tempos em tempos estamos mudando os concei-
tos, as ideias (pense na maneira como você se vestia alguns anos atrás).

Uma época, estava viciado em fotografar com o flash fora da


câmera, usando radioflash. Depois, decidi que só iria usar luz contí-
nua. Trabalhei muitos anos desta forma, usando LED. Agora, voltei a
utilizar o flash. O que não mudou nesse tempo todo foi a direção da
luz. Muitas vezes mudam-se os instrumentos, mas a maneira como
você posiciona a sua iluminação permanece a mesma. A origem da
sua criatividade vai se ajustando, mas, uma vez que você tenha es-
tabelecido uma identidade, a tendência é que ela vá se aperfeiçoan-
do, mas não mude completamente.

56 | Everton Rosa
Planejamento da cobertura

Toda cobertura fotográfica redunda em algum material. Pode


ser um álbum fotográfico, uma revista, fotografias impressas ou um
CD com imagens. Saber como será apresentado o resultado do tra-
balho é a primeira preocupação que tenho. No meu caso, o produto
mais comum são os álbuns – e eles costumam ser grandes. Então,
preciso ter qualidade de captura. Eu organizo toda a parte de equi-
pamentos – câmera, lentes, cartões de memória – tendo em mente
que necessito voltar para casa com os arquivos em segurança e efe-
tuar o backup o quanto antes.

Vale lembrar que essa preparação toda não cabe só a mim.


Por isso, sempre lembro a equipe da importância do trabalho. Mui-
tas vezes, eles não tiveram contato com o cliente. Então, procuro
passar informações a seu respeito e sobre como ele espera que a
cobertura seja realizada, para que meu segundo e eventual terceiro
fotógrafos estejam sintonizados e mais cientes sobre como devem
atuar (além deles, sempre tenho comigo um ou dois assistentes,
responsáveis por segurar as luzes, carregar o equipamento, cuidar
dos backups, entre outros afazeres que não incluem fotografar). Por
exemplo, procuro condicionar a captura ao tipo de álbum que va-
mos entregar: se for um álbum vertical, daremos preferência às fo-
tos na vertical; se horizontal, às fotos horizontais. A equipe deve atuar
sob a mesma perspectiva. Deve saber qual é a nossa missão. Tam-
bém é interessante que saiba até que horas vamos trabalhar, o local
onde serão feitas as imagens – especialmente porque, dependendo
disso, poderemos usar certo tipo de equipamento ou não. Portanto,
toda a logística envolvendo equipamentos, pessoas e até mesmo
segurança é importante. Inclusive, o trajeto deve ser bem estudado:
eu não passo por lugares onde há alguma margem de risco. Quando
saio, vou direto para o local do trabalho. Na volta, a mesma coisa:
evito parar em qualquer outro lugar (imagine um larápio conseguir
“limpar” o carro com todo o material feito naquela noite dentro dele).

Criatividade na fotografia de casamento | 57


Sigo esses protocolos desde sempre. Já falei sobre como a
equipe se concentra alguns instantes antes de começar, mas devo
dizer que inicio a minha concentração um dia antes, preparando-me
psicologicamente para render ao máximo.

Durante um período, usei comunicação via rádio para estar


em contato com a equipe durante a cobertura. Atualmente, prefiro
confiar na intimidade: trabalho com o mesmo pessoal há muito tem-
po. A gente ensaia alguns sinais e, muitas vezes, basta um olhar para
que o outro entenda o recado. Com o segundo fotógrafo, realmente
não é necessário qualquer palavra: trata-se do meu filho, ele está
sempre comigo, então sabe exatamente o que deve fazer. O terceiro
fotógrafo eu costumo selecionar entre os meus alunos da ER Escola,
o que também garante ótimo nível de entrosamento.

Quando cada um sabe o que deve fazer, tudo funciona mui-


tíssimo bem. É claro que, como disse antes, conversamos bastante
durante a preparação e a cada intervalo da cobertura, como entre
a cerimônia e a festa. Afinal, um casamento não é tão frenético – há
muitas pausas. Nesses momentos, sempre se pode ajustar alguma
coisa. Algo que sempre definimos é onde cada um vai se posicionar,
de modo a cobrir o maior número de ângulos possível. É curioso,
mas acompanho alguns eventos onde os fotógrafos se colocam to-
dos no mesmo lugar. Não faz muito sentido. Como trabalho sempre
com duas câmeras, tenho possibilidade de alcançar dois planos di-
ferentes, os outros membros da equipe também. Assim, consegui-
mos uma cobertura mais rica em detalhes.

Como sinalizei acima, não é sempre que eu contrato um ter-


ceiro fotógrafo. Apenas nos eventos maiores. Sendo um ou dois fo-
tógrafos, via de regra os informo das fotos que quero que façam. Por
exemplo, é atribuição deles obter uma imagem de cima da noiva
entrando na igreja (quando isso é possível, por meio de algum bal-
cão ou mezanino). Exijo uma foto impecável. Geralmente, quando
entro acompanhando a noiva, não tenho um ângulo muito favorável.
Então, explico a eles: “Aqui, eu quero uma foto vertical que enquadre

58 | Everton Rosa
Criatividade na fotografia de casamento | 59
a cúpula da igreja com a noiva entrando, e eu quero versões dela
bem no início, no meio e mais na frente”. Depois, peço cliques dos
convidados que capturem a expressão deles. De preferência, sem
acionar o flash, com uma lente clara, como uma 85 ou uma 50mm
f/1.4, de modo a captar a emoção das pessoas sem ofuscá-las com
o flash ou a luz contínua.

O segundo fotógrafo chega na igreja antes de mim, pois é ele


quem acompanha o noivo. Assim que chega, faz as fotos do noivo
interagindo com seus familiares e faz imagens de detalhes da deco-
ração; fotografa o interior e o exterior da igreja.

A regra geral é: na dúvida, fotografe tudo. Procuramos cobrir


todas as situações, pois jamais uma cliente fez ressalvas à criativi-
dade das imagens, mas já ocorreu de alguém reclamar que faltou
algum aspecto da decoração, o retrato de um tio ou de um avô. As-
sim sendo, o segundo fotógrafo fica atento a tudo, clicando o noivo
cumprimentando os familiares e amigos do casal, enquanto eu saio do
making-of, acompanhando a noiva em sua chegada. Logo que che-
gamos à igreja, assumo todas as fotos principais. Não sou do tipo que
contrata alguém para garantir as imagens essenciais e se concentra
nas fotos artísticas. Não acho correto, pois considero importante com-
por o álbum com imagens de minha autoria. É isso o que o cliente
também espera. De outro modo, que razão teria para me contratar?
O homem da segunda câmera cobre somente o que eu não posso
cobrir. Noventa por cento das fotos do álbum têm a minha assinatura.
Por isso que levo duas câmeras a tiracolo: para ter liberdade e poder
fotografar todos os momentos. Minha preocupação não é obter uma
foto premiada, e sim construir a melhor recordação daquele evento.
Na minha concepção, todas as fotos são importantes.

Na cerimônia, eu utilizo uma câmera Nikon D810, de 36 mega-


pixels, ligada a um sistema de flash que eu adquiri recentemente, da
Profoto (escolha, a propósito, influenciada por uma das minhas gran-
des referências: a fotógrafa Annie Leibovitz). É um sistema muito mo-
derno, semelhante a um flash de estúdio, mas alimentado a bateria.

60 | Everton Rosa
E funciona em TTL. Eu aplico, no mínimo, duas fontes dessas na ceri-
mônia. Com elas, tenho sempre uma luz incrível. A câmera geralmen-
te é equipada com uma objetiva 24-70mm. Quando estou próximo do
altar, tenho a opção de colocar uma 200mm f/2.0. Uso esta lente para
flagrar a emoção dos noivos e dos convidados mais próximos.

Eu tenho comigo ainda uma Nikon D4s, que é uma câmera de


jornalismo super-rápida, a qual eu equipo com uma 58mm f/1.4. As-
sim, consigo captar detalhes sem precisar do flash. Também uso na
D4s uma lente grande-angular 14-24mm para fazer todos os planos
abertos da igreja. Essas fotos são tiradas igualmente sem o recurso
do flash. Claro que tudo isso muda no making-of e na festa – são
momentos distintos, que exigem uma estratégia diferente. Por isso,
carrego sempre uma bolsa cheia de lentes.

Em alguns contratos, eu fotografo o making-of, a cerimônia


e os noivos após saírem da igreja, no intervalo antes de irem para a
festa. E encerro meu expediente por aí. Geralmente, são contratos
de quatro horas. Faz algum tempo que passei a vender o meu traba-
lho por hora. Dessa forma, pude alcançar uma faixa de público inte-
ressada em me contratar mas limitada por um orçamento um pouco
mais reduzido. A vantagem adicional é estar em casa mais cedo num
sábado à noite, coisa que fiz muito pouco ao longo da minha carreira.
Consigo, dessa forma, curtir melhor a família.

Claro que há os contratos maiores, de oito e até dez horas. Nes-


ses casos, ao fim da troca das alianças, eu libero o meu segundo fo-
tógrafo para ir direto para o local da festa. Normalmente, é meu filho,
Victor Rosa, quem me auxilia nos casamentos. Sua primeira providên-
cia, ao chegar no salão de festas, é fotografar a decoração. Ele o faz
segundo os critérios e técnicas da fotografia de arquitetura e pensan-
do não apenas na composição do álbum, mas no trabalho da equi-
pe responsável pela organização: floristas, decoradores e os demais
profissionais que contribuíram para a montagem do cenário. Esse tipo
de preocupação nos permite estabelecer um relacionamento muito
positivo com todos os segmentos que movimentam o mercado, seja

Criatividade na fotografia de casamento | 61


a empresa responsável pelo bufê, o artista que decorou o bolo, a ce-
rimonialista ou o pessoal que providenciou as luzes do palco. Todo
mundo é referenciado, tem seu trabalho divulgado, e se torna, por
seu turno, um divulgador e parceiro em eventos futuros.

Ao chegar meia hora antes dos convidados no local da festa,


o segundo fotógrafo tem tempo para clicar tudo com calma. Com
base no que expus acima, previamente há uma conversa com a
organização do evento, na qual perguntamos se gostariam de ter
algumas fotos do seu trabalho. A resposta é, invariavelmente, sim.
Então, solicitamos um momento para fotografar o salão vazio, sem
a equipe circulando em torno. O importante nesse tipo de conversa
é deixar claro que o arranjo beneficiará a todos, não apenas ao fotó-
grafo – a organização ganhará com isso umas belas fotos promocio-
nais. Fica mais fácil, desse modo, obter o tempo necessário.

O passo seguinte é fotografar a chegada dos convidados. Em


geral, os pais dos noivos já estão ali para recepcioná-los, e Victor
se encarrega de documentar essa interação. Na igreja (ou no lo-
cal destinado à celebração), com o fim da cerimônia, eu sigo para
a festa. Enquanto os noivos se recompõem antes de ir para o sa-
lão, fico a postos no ambiente escolhido para fazer alguns retratos
dos recém-casados e de seus familiares. Essa pausa para as fotos
clássicas costuma ser previamente acertada com a cerimonialista e
os noivos. Alguns casais, porém, preferem fazer as fotos em outro
lugar – um jardim, por exemplo. Não me oponho, desde que haja
um aparato para garantir a segurança das pessoas e do equipamen-
to. Essa questão é muito importante: em locais abertos, principal-
mente à noite, é preciso se precaver para evitar surpresas. Por isso,
sempre que posso escolher, dou preferência a usar um espaço no
salão para realizar essas imagens. Em quarenta minutos eu faço os
retratos dos noivos (eles geralmente não ocupam muito espaço no
álbum) e as fotos com a família: padrinhos, pais, tios, crianças e avós.
É interessante dispor de uma lista com os nomes dessas pessoas.
Você pode entregá-la a alguém do cerimonial para que organize a
sessão e agilize o trabalho.

62 | Everton Rosa
Quando faço fotos posadas, procuro fazer com que todos es-
tejam olhando para a câmera. Sigo o padrão de revistas de pessoas
como a Caras, que normalmente publica fotos de famílias, pois enten-
do que a fotografia de casamento é um registro a ser legado às futu-
ras gerações, um documento no qual as pessoas poderão acessar o
passado e conhecer as raízes da sua própria ascendência. Por outro
lado, também me preocupo com o presente: imagino que a convi-
dada escolheu com zelo e carinho o seu vestido e, portanto, procuro
valorizá-lo, captando-o em sua inteireza e com fidelidade de cores
(imagine você fotografar um vestido vermelho e, na impressão, ele
aparecer laranja. Alguém certamente sairá desapontado com isso).

Após essa série de fotos, é hora de documentar a entrada dos


noivos. A primeira providência é apurar com o cerimonial onde e
como isso irá ocorrer. Com base nessas informações eu posiciono as
luzes e me preparo para garantir uma bela sequência de imagens, já
imaginando algumas fotografias impressas em página dupla ou pá-
gina inteira no álbum. Paralelamente, o Victor e um eventual terceiro
fotógrafo ficam atentos às reações dos convidados a essa entrada
triunfal. Como devo ter mencionado antes, casamentos são feitos
de ações e reações, e tudo isso precisa ser documentado, pois vai
render algumas boas sequências na edição final. Outra regra que se
aplica aqui também é: as imagens precisam ter excelente resolução.
Não é porque estou fotografando um momento de descontração
que vou relaxar na qualidade do meu clique. É por isso que eu uso
duas câmeras fotográficas, uma delas ligada a um sistema de luz
que permite imagens com qualidade de catálogo de moda e outra
servindo-se somente da luz ambiente. Desse modo, eu não perco
absolutamente nada daquilo que acontece.

Também fica sob a minha responsabilidade captar todos os


grandes momentos da noite: a dança, o corte do bolo, os noivos
cumprimentando seus convidados etc. Não costumo fazer aquelas
fotos das pessoas sorrindo em suas mesas, mas fotografo a ação
dos noivos passando por elas e interagindo com seus amigos. No
entanto, se o casal solicitar alguma foto específica, eu faço – afinal,

Criatividade na fotografia de casamento | 63


o álbum é deles. É claro que, enquanto eles jantam, eu aproveito
para fazer belas imagens do ambiente todo, como se estivesse re-
petindo as fotos de decoração – desta vez, com o salão repleto de
convidados. Essa pausa também me dá tempo para refletir sobre o
trabalho feito até aqui, revisar o material e verificar o que ainda falta
fazer. Se eu tenho um tempo maior, inicio ali mesmo o processo de
backup com o auxílio do meu assistente. Faço tudo isso antes de me
preocupar em jantar: procuro levar na bolsa uma barra de cereal ou
chocolate para me manter no pique e satisfeito. Mas me preocupo
em ter um local onde guardar o equipamento – normalmente, eu
acrescento essa solicitação no contrato. É um lugar onde posso des-
cansar um pouco, jantar (quando me for permitido), usar o notebook
– um local para dar um tempo.

Embora eu tenha em contrato um tempo determinado para


cobrir o evento, não quer dizer que ao final deste eu sairei em dispa-
rada. Na verdade, é comum fazermos “hora extra”, às vezes perma-
necemos mais uma hora no local. Depois disso, me despeço do ca-
sal, dando-lhes um abraço e fazendo uma foto com ambos. É hora,
então, de voltar para casa (ou para o hotel).

Vale reforçar a importância dos procedimentos de backup. In-


clusive, se você atua com uma equipe, como é o meu caso, sugiro
dividir os arquivos. Como nos deslocamos em dois veículos, num
deles eu levo os cartões de memória e, no outro, um assistente leva
um HD com a cópia dos arquivos. Exagero? Em se tratando de um
trabalho que não há chance de ser refeito, todo cuidado é justifica-
do. Pela mesma razão é importante gravar em cartões de memória
diferentes, um com arquivos Raw, outro com Jpeg. Assim, caso não
seja possível fazer o backup no local, você pode confiar uma versão
dos cartões ao seu assistente. Se houver alguma falha, perda ou até
mesmo roubo do material, os arquivos estarão seguros.

64 | Everton Rosa
Uma dose de psicologia

Quando se está há muito tempo numa profissão, é inevitável


que algumas coisas sejam feitas de modo automático. Não diria que
o casamento é uma repetição de atos, pois cada pessoa é única. No
entanto, o treino constante faz com que você consiga antecipar situa-
ções ao ponto de dificilmente ser surpreendido. É claro que, algumas
vezes, algo foge ao roteiro: já me aconteceu de uma noiva “empacar”.
Era um casamento fora do país e a moça – uma russa – desistiu de
subir ao altar. A organização do evento pediu-me que falasse com ela.
No fim, o impasse foi resolvido. Mas o normal é que tudo corra con-
forme programado. De todo modo, o maior segredo é ter paciência.

Controlar as próprias emoções também ajuda: numa sexta-


feira à noite, durante um casamento em Porto Alegre, logo ao fim da
cerimônia, estava organizando os padrinhos para uma última foto,
algo que costumo fazer, quando a cerimonialista da igreja chegou
até mim e, num tom um tanto ríspido, exigiu que eu terminasse logo,
pois estava atrasando o próximo casamento. Passou-me pela ca-
beça, num átimo, descompor a mulher, perguntar se ela sabia com
quem estava falando, essas coisas que pensamos ou dizemos em
momentos de ira. Não fiz nada disso, entretanto. Respirei fundo,
mantive a calma e respondi-lhe polidamente que estava acabando.
No sábado, eu tinha um casamento no mesmo local. No momento
de fazer aquela mesma foto, a cerimonialista se aproximou e disse:
“Faça igual a ontem, estava perfeito”. Se na noite anterior eu tivesse
cedido ao impulso inicial de discutir com ela, teria gerado um clima
ruim para o trabalho seguinte.

Muitas vezes, não nos damos conta de que a nossa importância


na cerimônia é relativa. O protagonismo pertence aos noivos. Além
disso, há muito mais gente atuando nos bastidores. Rebelar-se con-
tra essa engrenagem não é uma atitude producente. Alguns colegas
às vezes acabam exagerando – querem uma atenção que não lhes
cabe. Vale lembrar que ninguém fotografa exatamente o que quer,

Criatividade na fotografia de casamento | 65


mas o que esperam que fotografemos. De fato, em alguns momen-
tos, é possível impor condições. Se um casal vê no portfolio uma ima-
gem que gostaria de reencenar, explico que precisa se dispor a posar
o tempo necessário para executá-la. Se não quiser, não há problema.
No fim das contas, as fotos não são minhas – são do cliente.

Fiz um casamento no Rio de Janeiro, de uma personalidade co-


nhecida internacionalmente, e havia muitos convidados importantes:
alguns esportistas famosos e até astros de Hollywood. Logo após a
cerimônia, quando comecei a juntar os padrinhos e familiares para as
fotos protocolares, reparei que a mãe do noivo e alguns outros con-
vidados não pareciam dispostos a posar. Cheguei até o noivo e expli-
quei a situação: “Não preciso fazer essas fotos. Você é quem decide
se precisa tê-las. Na verdade, já tenho minhas fotos de família. Estas
aqui, são suas. São para o seu futuro. Para quando seus filhos cresce-
rem, poderem ver como foi este dia, e quem estava presente. Depois
daqui, na festa, será muito difícil reunir todo mundo e fazer as fotos.
Ou faço agora ou você não terá essas imagens. Porém, repito, a de-
cisão é sua”. Ele imediatamente pediu a atenção de todos e solicitou
que posassem para a câmera, pois entendeu o recado.

Ficar diante de uma câmera não é uma situação lá muito con-


fortável. Algumas pessoas têm verdadeira aversão a isso. É comum
que algum familiar não queira ou não consiga relaxar ao ser fotogra-
fado. Quando isso ocorre, procuro fazê-los compreender a impor-
tância de passar à posteridade de uma maneira um pouco menos
rígida. Se forem os pais do noivo ou da noiva, ataco o seu ponto
fraco: “Seus netos verão estas fotos. Querem chegar até eles pare-
cendo carrancudos e rabugentos ou querem que os vejam exibindo
seus melhores sorrisos?”. Normalmente, funciona. Não é algo que
eu aconselharia a quem está começando, mas depois que passei a
cobrar por hora consegui que as noivas se organizassem melhor para
fazer as fotos. Digamos que eu tenha um contrato de quatro horas. Se
a cliente não quiser preencher esse tempo, tudo bem. Mas quem, em
sã consciência, pagaria um cachê substancial a um fotógrafo e não
exploraria ao máximo aquilo a que tem direito?

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Fui contratado para fotografar um casal na Itália e a noiva logo
me informou: “Meu noivo não gosta de posar para fotos”. Disse a ela
que não haveria problema e tratei de fazer quase toda a cobertura
sem recorrer às poses. Alguns casamentos fora do país levam mais
de um dia e há uma série de eventos, passeios e jantares que ante-
cedem a cerimônia – por aqui, chamamos isso de ensaio pré-wed-
ding. Num deles, em Verona, diante do coliseu da cidade, sugeri ao
rapaz: “Que tal abraçar a sua noiva e a gente fazer uma foto diante
desse coliseu?”. Ele topou (um bom sinal). Após a cerimônia, estáva-
mos em um castelo fantástico e eu voltei a tentá-lo: “Já pensou seus
futuros filhos vendo uma foto dos pais diante deste castelo lindo?
Gostaria de ir lá fora fazer uma foto? Só vai levar cinco minutos”. Ele
entusiasmou-se com a sugestão e concordou. Mais tarde, já con-
cluído o trabalho, soube pela cliente que fui um dos prestadores
de serviço que atuaram no evento de quem seu agora marido mais
gostou. Creio que foi porque eu soube entendê-lo, pois coloquei as
suas necessidades acima das minhas expectativas em relação ao
trabalho. Essa compreensão é uma das gratificações da profissão.

A luz criativa
Há uma regra que rege o emprego da luz em fotografia de ca-
samento (na verdade, serve para qualquer situação): não importa o
dispositivo que está gerando a iluminação, e sim a sua posição relati-
va ao objeto e o quanto suave ela é. Mas eu poderia resumir a equa-
ção da seguinte forma: luz perfeita é aquela que molda o rosto da
pessoa da melhor forma possível.

Sempre que vou iluminar os noivos, eu considero primeiramen-


te o enquadramento (se usarei um plano aberto ou fechado) e, de-
pois, a forma como a luz irá esculpir o rosto dos modelos. Assim, o tipo
físico da pessoa irá determinar a posição do foco luminoso: quando
tenho alguém com o rosto mais redondo, coloco a luz de lado para
afinar a silhueta. Se for magro, procurarei iluminar mais de frente –
com isso, o rosto ganha mais volume.

Criatividade na fotografia de casamento | 67


Portanto, não importa se a luz utilizada é contínua (como os LED
tão populares em eventos) ou gerada por flash acionado via rádio. O
que importa é a direção e a suavidade da luz. Esta segunda condição
se justifica especialmente quando temos um casal um pouco mais
maduro. Na verdade, é muito comum hoje em dia os noivos não se-
rem mais tão jovens. Já sentem, com isso, a passagem do tempo. Sen-
do assim, quanto mais suaves as condições de iluminação, melhores
serão os resultados. Como consequência, praticamente durante toda
a cobertura eu utilizo softboxes acoplados aos flashes. Meu objetivo é
ter uma luz parecida com a do cinema.

A iluminação cinematográfica é projetada com o intuito de


provocar uma reação emocional no espectador. Tipo, estimular um
“caso de amor” com a atriz principal, acentuando a beleza, sensu-
alidade ou a pureza da mocinha do filme. Isso se faz aplicando a
combinação que mencionei acima: luz extremamente suave, posi-
cionamento enfatizando o desenho do rosto e com o acréscimo de
uma luz de cabelo ou recorte para dar um brilho especial. Se, por
outro lado, o que se quer é criar uma atmosfera de drama ou sus-
pense, é mais provável que os personagens ganhem uma luz mais
contrastada, posicionada no alto para sulcar as feições do sujeito ou
de baixo para cima, para dar um certo ar sinistro ao vilão da cena.
Resumindo: a luz sempre se propõe a algo. Quando fotografo uma
noiva, o que eu espero é que ela se apaixone por si mesma ao ver as
imagens. Evidentemente, se você estiver fotografando de dia, não
há muita necessidade de utilizar equipamentos de iluminação. Bas-
ta, por exemplo, aproveitar a luz vinda de uma janela. É um recurso
especialmente eficaz para o momento da maquiagem da noiva. A
cortina pode ser usada como difusor para atenuar o contraste da luz.
Dependendo do horário do dia (e a maioria dos casamentos ocorre
no fim da tarde), nem será necessário. Em situações como essas, uso
apenas a câmera. Nem preciso usar o flash.

Mas preciso estar sempre atento à direção da luz. Hoje em dia,


os equipamentos possuem um amplo alcance dinâmico (capacidade
maior de expor simultaneamente as áreas mais claras e mais escu-

68 | Everton Rosa
ras da cena), o que permite obter resultados como os que consegui
durante um casamento em Ibiza. Eu fotometrei nos tons médios da
cena e depois, na pós-produção, ajustei as altas-luzes, trazendo para
a imagem o pôr do sol e suavizando as sombras. Praticamente um
HDR. Por isso, saber utilizar o equipamento a todo momento para fa-
cilitar o trabalho é de extrema importância.

Fotografar casamentos de dia não é tão fácil quanto parece,


pois a direção da luz não pode ser determinada pelo fotógrafo. É pre-
ciso se virar com o que a natureza dispõe, uma vez que normalmente
eventos assim ocorrem ao ar livre. Alguns colegas aplicam flash para
compensar ou preencher a luz; eu prefiro deixá-la como está. Parto do
pressuposto de que o casal, ao escolher o horário e o local do seu en-
lace, pensou em ter aquelas condições de iluminação. Apenas procu-
ro, quando posso, posicionar as pessoas para ter um melhor desenho
da luz. Por exemplo, já cobri uma cerimônia ao meio-dia aqui no Rio
Grande do Sul. Como se pode imaginar, debaixo de luz dura. Optei por
preservar o clima, apenas ajustando a fotometria.

Aliás, ter atenção à fotometria é essencial, pois não podemos


deixar a pele estourada ou muito escura. Sempre fotografo em Raw,
então depois eu consigo ter uma regulagem mais precisa. Porém, se
na captura a fotometria for completamente equivocada, não haverá
recurso. Assim, o melhor ponto para fotometrar é no rosto da pessoa.
Além de ser o centro das atenções, a pele do local oferece uma to-
nalidade compatível com o cinza médio usado como padrão pelo fo-
tômetro das câmeras. Se optasse por fotometrar no vestido da noiva
ou no terno do noivo, induziria o dispositivo ao erro. Naturalmente que
a pele negra requer um ajuste, mas com o arquivo em Raw é possí-
vel resolver. Desde que se faça uma fotometria média, tudo bem. No
geral, eu zero o fotômetro no rosto e depois, na pós-produção, defino
melhor a relação entre luzes e sombra. É nesse ponto que a capaci-
tação faz a diferença: todo fotógrafo deve dominar tecnicamente o
seu equipamento e estar habilitado a fazer a pós-produção, de modo
a extrair o melhor. A tecnologia deve estar à disposição da nossa arte.

Criatividade na fotografia de casamento | 69


Luz natural ou artificial

A ideia do casamento ao ar livre é um sonho... para muitos fotó-


grafos. A possibilidade de clicar apenas utilizando luz natural, sem ter
que se atrapalhar com flashes ou geradores, parece a configuração
de um mundo perfeito. Já expliquei, no entanto, que não é bem assim.
Mas o mito persiste e, verdade seja dita, é um tipo de situação que
permite criar fotos espetaculares. Fora do país é muito popular, e a
variedade de cenários é um deleite para o profissional de imagem.

No Brasil também ocorre (já contei sobre o casamento com sol


a pino no Rio Grande do Sul), mas a esmagadora maioria dos noivos
marca suas cerimônias para o período da noite, e dentro de uma igre-
ja ou templo. Restam-nos os ensaios pré e pós casamento, que no
entanto só oferecem os noivos como modelos. O making-of possibili-
ta um pouco mais de interação, mas toda a riqueza visual e suavidade
de um casamento ao pôr do sol, por enquanto, ainda é exceção.

Analisando esse contexto, parece correto supor que o flash ou


a luz contínua ainda sejam os melhores amigos do fotógrafo de ca-
samento. Todavia, é possível aproveitar a luz natural mesmo nessas
condições predominantes, caso se tenha à mão uma câmera com
bom alcance de ISO e uma lente bastante clara. Utilizo esse recurso
sempre que posso, utilizando a câmera extra que, obrigatoriamente,
levo comigo nos eventos.

Portanto, há sempre oportunidade para exercitar o domínio de


um tipo de iluminação ou de outro. Para ilustrar melhor essa afirma-
ção, vou apresentar alguns exemplos de fotografias feitas sob luz
natural e com o uso do flash dedicado, acionado fora da câmera.
Começando por aquela sobre a qual falei de passagem, no tópico
acima, realizada ao pôr do sol de Ibiza.

Criatividade na fotografia de casamento | 71


Trata-se de um casamento bem recente, celebrado em 2015.
E foi estrategicamente planejado para coincidir com o pôr do sol
sobre o Mar Mediterrâneo (foi realizado no fim da tarde). Uma van-
tagem dos casamentos na Europa é que normalmente temos uma
luz bastante suave. Porém, em situações como aquela, é difícil con-
seguir na captura um equilíbrio tonal tal como aparece na imagem.
Isso porque, se você fotometrar no sol, todo o resto escurecerá,
como numa contraluz. Se fotometrar nos noivos, estourará a luz do
sol. O segredo, neste caso, é fazer uma fotometragem média. Supo-
nha que a área onde está o sol peça uma abertura f/16, enquanto
que os noivos ficariam bem expostos sob f/4. Eu, então, fotografaria
em f/8. Ou seja, fico no meio-termo. Mais tarde, no processamento
do arquivo Raw, eu ajustei o pôr do sol num layer e o casal em outro,
obtendo o resultado que se vê ao lado.

Engana-se, porém, quem acredita que aplicar dupla expo-


sição num mesmo frame só seja possível na fotografia digital. Na
época do filme, eu fazia a mesma coisa usando “tapagem”: com o
negativo no ampliador, eu cobria com a mão parte do papel fotográ-
fico, controlando assim o tempo de exposição. Hoje em dia, sem dú-
vida, é muito mais preciso: faço isso facilmente no Adobe Photoshop
Lightroom e no próprio Photoshop. Mas é preciso ter qualidade de
captura: explorar o alcance dinâmico da câmera, a qualidade ótica
da lente e fotometrar corretamente para conseguir, na pós-produ-
ção, acessar essa riqueza de tons.
Casamento Greisse e Nicholas | Ibiza, Espanha – 2015
Esta foto foi tirada numa suíte do hotel Sheraton de Porto Alegre
e a considero um exemplo de fotografia moderna: disparei o flash fora
da câmera em TTL, acionado via rádio, e sua luz moldou suavemente
o rosto da noiva (Clarissa), sem comprometer a ação da luz ambiente.
Não faz muito tempo, essa comunhão entre luzes seria impossível. O
que a tornou viável foi a combinação de um ISO alto (1000) com uma
grande abertura da lente (f/2.8) – sem dificultar, no entanto, o foco
na noiva. Com isso, eu preservei o clima da cena e apenas precisei
acrescentar, com o flash, a luminosidade necessária para realçar o
rosto – como já salientei, esse é o principal alvo da iluminação.

Vale dizer que ao flash foi acrescentado um softbox 30x40. Tra-


ta-se de um difusor pequeno, ideal para ser usado em casamentos.
Usei uma lente 58mm montada numa Nikon D810 e flash dedicado
Profoto, com sistema de rádio que transmite em TTL. A D810 é uma
câmera perfeitamente capacitada em termos de qualidade para im-
primir em qualquer tamanho. Sem contar que seu nível de ruído em
ISO alto é bastante aceitável. O resultado de tudo é uma imagem que
eu considero um belo exemplar do meu tipo ideal de fotografia: luz
impecável combinada com um correto posicionamento da modelo.
Observe como o vestido e o véu desenvolvem um caimento perfeito.
Isso valoriza a peça, o que é importante, visto que a noiva deve tê-lo
escolhido com muito cuidado e, futuramente, poderá exibir seu figu-
rino com orgulho entre os familiares. Inclusive, a forma como posou
evidenciou sua beleza e deixou visíveis, além do próprio rosto, o bu-
quê e o crucifixo. O trabalho de maquiagem também está bem repre-
sentado. Em resumo: é tudo o que uma noiva espera.
Casamento Clarissa e Renan | Porto Alegre (RS), 2015
Outro exemplo de uso do flash dedicado. Estas imagens fo-
ram captadas em Gramado, na serra gaúcha, e são do casal Annie e
Alexandre. Foram feitas no intervalo entre a cerimônia e a recepção.
Para isso, utilizei dois flashes SB-910 da Nikon, acionados via radio-
frequência: um focado no rosto dos recém-casados e outro no véu.
Usei também uma lente zoom 70-200mm com abertura 2.8 para ob-
ter um desfoque suave do fundo. As duas composições são resul-
tado do aproveitamento que eu faço da pose – realizo um plano de
corpo inteiro e outro mais fechado (americano).

As fotos foram tiradas num fim de tarde (cerca de 17h) e re-


presentam outra boa combinação de flashes com a luz ambiente. A
suavidade geral da cena se deve ao difusor que foi colocado neles
(daqueles que parecem um copinho) e o grande mérito destas ima-
gens é que você mal percebe a ação da luz artificial. Ocorre mui-
tas vezes que o espectador se concentra demais em descobrir qual
técnica foi usada e esquece da imagem em si. O ideal é que o resul-
tado pareça o mais natural possível.

Utilizei o sistema de radiofrequência da Radioflash, que é uma


solução barata e eficiente, e fiz a medição da luz pelo modo TTL, que
oferece a vantagem de poder fotografar tanto em high speed quanto
em velocidade normal e controlar o quanto de luz ambiente se quer
na cena – você tem a liberdade de determinar a estética da imagem.
Casamento Annie e Alexandre | Gramado (RS), 2014
Sempre que a luz estiver entrando diretamente pela lente da
câmera, você tem a oportunidade de compor uma foto criativa. Esta
imagem do making-of da Mariana, em Farroupilha (RS), ocorreu no
momento em que ela, já devidamente maquiada, saía para a saca-
da, onde colocaria o véu (uma cena sugerida para a minha câmera).
Assim que vi o efeito cromático proporcionado pelo flare, pedi que
parasse na porta e cliquei-a em contraluz. Praticamente não tive tra-
balho algum, bastou ajustar o meu posicionamento em relação ao sol.

O flare é o que chamamos “aberração cromática”. Ele é oca-


sionado pela reflexão da luz no interior da objetiva, quando incide di-
retamente contra sua superfície ótica. É resultado de um defeito de
construção da lente, que geralmente pode ser evitado pelo uso de
um parasol. Eu, no entanto, dispenso o acessório, pois gosto de explo-
rar as possibilidades criativas desse fenômeno.

A fotometragem, novamente, foi feita no rosto da noiva, o que


fez com que o exterior ficasse superexposto, evidenciando o efeito lu-
minoso. Se tivesse optado por fotometrar no sol, teria escurecido toda
a imagem. Outro detalhe é que foi necessário muito pouco trabalho
de pós-produção – a foto saiu praticamente pronta da câmera.
Casamento Mariana e Mateus | Farroupilha (RS), 2013
Quando há um belo entardecer em cena, fica fácil fazer fotogra-
fia. Neste exemplo, temos um “beijaço” protagonizado pelos noivos e
seus padrinhos. Claro que não foi apenas a luz natural que contribuiu
para o êxito desta imagem. Muito se deve à direção dos “modelos”.
A estratégia foi a seguinte: depois de retratar o grupo completo de
padrinhos, perguntei se todos eram, de fato, casais. Pedi licença aos
pares que não eram casados nem mantinham relação afetiva e de-
safiei quem ficou a expressar, num beijo, o sentimento que nutria por
sua companheira.

A reputação e “rodagem” do profissional ajuda em momentos


assim. Talvez um fotógrafo com menos estrada não tivesse a con-
fiança de propor uma situação dessas, temendo gerar algum tipo de
constrangimento. Ou os convidados não se sentissem muito seguros
em acatar uma ideia incomum. Mas note o primeiro casal à esquerda:
eu já havia fotografado o casamento deles e o marido estava prepa-
rado para a eventualidade de eu pedir uma pose assim. Desse modo,
ele caprichou no beijo.

Eu usei uma 35mm 1.4, que é uma lente de muita qualidade.


Obviamente, não usei a abertura total, mas f/6.3. Depois, na pós-pro-
dução, busquei um pouco mais do céu e tonalizei a imagem para
obter um clima mais romântico. É importante usar o pós-processa-
mento em sintonia com aquilo que você já visualizou no momento
da captura. Uma fotografia ao ar livre geralmente precisa de trata-
mento para revelar todas as tonalidades. Normalmente, a luz natural
incide sobre a cena de modo uniforme. Para obter o mesmo efeito
que tenho quando uso luz artificial, quando posso realçar com o flash
partes específicas da imagem, só mesmo na pós-produção. Portanto,
eu fotometro como costumeiramente faço, apontando nas pessoas,
e depois, no computador, trabalho os tons, realizando no software de
tratamento a minha pintura.
Casamento Flavia e Rogerio | Porto Alegre (RS), 2014
Este retrato traduz o que normalmente a noiva espera encon-
trar em seu álbum de casamento. Fotografei a Mari após a cerimônia,
em Porto Alegre, no momento em que ela se preparava para entrar
na festa. É praxe fazermos retratos num plano mais fechado para
mostrar os detalhes da maquiagem, dos adereços e da fisionomia
da estrela da noite. Neste eu empreguei iluminação contínua por
uma razão simples: queria realçar o verde incrível dos seus olhos.
Sabia que a luz faria contrair a pupila, valorizando ainda mais o seu
olhar para a câmera.

A foto também mostra como ter assistentes pode ser impor-


tante. Geralmente trabalho com dois, e aqui eles cercaram Mariana
com várias luzes de LED, iluminando em volta dela e também de
um ângulo mais baixo – por isso que quase não há sombras. O véu
contribuiu para dar suavidade ao retrato, porém, poderia ter causa-
do um problema se eu tivesse focado nele e não na modelo. Outro
detalhe importante é que apliquei um ISO alto (3200) e usei minha
zoom 70-200 em f/2.8.
Casamento Mariana e Bruno | Porto Alegre (RS), 2012
Com a mesma configuração tirei este outro retrato, mais aber-
to e com a noiva de rosto descoberto, segurando uma rosa. Na ver-
dade, são dois exemplos de uma série bem maior: mantive a técnica,
apenas variando a pose e o enquadramento, e fiz vários cliques. É
interessante aplicar esse recurso quando você precisa realizar uma
sequência com rapidez. Mas a combinação de LED com objetiva
zoom só é possível se a câmera desempenhar bem em condições
de baixa luminosidade, oferecendo um grande alcance de ISO sem
a contrapartida do ruído. A imagem precisa ter qualidade não ape-
nas para ser vista num iPad ou smartphone, onde a maioria das pes-
soas vê fotos hoje em dia, mas para ser impressa na página de um
álbum de 30x40cm, pelo menos.
Casamento Mariana e Bruno | Porto Alegre (RS), 2013
Capítulo 4

Olhar e compor

Há uma série de mandamentos que rege a boa composição,


esse atributo que as pessoas procuram impor a uma realização ar-
tística, seja uma fotografia, pintura, desenho, composição tipográfica,
escultura e o que mais for construído sob o carimbo da arte – mes-
mo que para fins comerciais. São regras que remetem aos grandes
pintores renascentistas e tiveram impacto em todos os movimentos
artísticos subsequentes, influenciando a obra dos grandes mestres
da fotografia mundial. Negligenciá-las seria uma atitude temerária,
ensinam todos os manuais, que nos lembram de observar o ponto
de ouro, a direção do olhar, a simetria, o diálogo, a linha do horizonte,
entre tantos outros procedimentos recomendáveis.

Obviamente, não se trata de um conhecimento vão: a harmo-


nia, um valor muito importante na construção do belo, está de fato na
sinuosidade das linhas, na relação entre os elementos que compõem
a cena, na simetria ou assimetria das formas. Porém, você consegue
imaginar alguém calculando a proporção áurea enquanto dispara
uma série de cliques? O mais provável é que uma boa parcela das
imagens que nos acostumamos a admirar tenha sido feita sem a pre-
ocupação formal de se enquadrar em tais regras. Heresia? Bem, talvez
seja exagero. Mas o fato é que todo criador de imagens bem-sucedi-
do precisa recorrer àquilo que falamos lá no início – suas influências.
É “tarefa de casa” de qualquer aspirante a bom fotógrafo se investir
do maior número de referências possível: do cinema, da música, da
fotografia, pintura etc. De nossa própria vivência, também. Precisa ter
bagagem cultural, como é habitual dizer. Ao fazer isso, ao consumir o
trabalho de grandes realizadores, estamos inconscientemente inter-
nalizando seus conceitos, acessando um conhecimento universal que
nos ajuda a formular uma noção daquilo que todos entendem como
“o belo”. Chame de bom gosto, se quiser.

Criatividade na fotografia de casamento | 87


Também disse, em algum momento deste livro, que a prática
leva o fotógrafo a agir muitas vezes de modo automático. Sua técni-
ca já foi tantas vezes posta à prova, o seu olhar está tão treinado, que
a foto sai sem pensar. Não se trata de descuido, mas de experiência
e confiança. Meus 25 anos de casamento confirmam isso.

Logo, quando penso sobre composição, tenho dificuldade em


realizar quais os momentos em que apliquei algumas dessas regras
conscientemente. Porém, bastou vasculhar o acervo para constatar
que os conceitos estão lá, estão internalizados na minha linguagem
artística e, por isso, aparecem naturalmente na minha fotografia. As-
sim, proponho uma análise de alguns aspectos da composição cria-
tiva com base em uma série de imagens – a começar por este preto
e branco com ares de fotojornalismo.

Acredito que o principal valor embutido nesta fotografia seja o


diálogo, uma relação entre os diferentes atores da imagem: temos a
noiva sendo conduzida pelo irmão até o altar, o chofer que acabou
de abrir-lhes a porta da limusine e a moça do cerimonial, que ajusta
o vestido enquanto a noiva caminha. Trata-se de um momento que
exige rapidez, por isso fotografei com o flash montado na câmera, o
que deu esse aspecto de fotojornalismo – além da própria questão
do contexto: há uma história sendo contada ali. Para isso, foi neces-
sário manter um plano mais aberto. Tivesse fechado o quadro, eu
perderia essa relação entre os personagens.

Esse tipo de luz também é bastante usado na moda. Aqui, eu


acrescentei um difusor ao flash para obter maior suavidade. Não se
trata de um tipo de foto que eu faça sempre em preto e branco. Mais
do que a questão da linguagem, importam-me a suavidade da cena
e a possibilidade de fazer várias fotos – para isso, é preciso que o
flash recarregue rapidamente.
Casamento Cristina e Cristiano | Gramado (RS), 2014
Casamento Fabiane e Daniel | Jerusalém, Israel – 2013

A assinatura do contrato é um momento muito importante do


casamento judaico. Fato é que isso acontece minutos antes de o
noivo casar, quando é feita a revisão do documento. Sabendo disso,
eu me preparei: fiquei na outra ponta da mesa, num plano muito pró-
ximo ao dos dois personagens. A iluminação da cena é uma mistura
da luz do ambiente com a do cinegrafista de um lado e a do meu
assistente do outro. Eu estava com a minha 70-200 e consegui uma
imagem de alto contraste. Diferente da foto anterior, aqui o preto e
branco se mostrou absolutamente necessário, visto que reduz os
elementos ao mínimo e ajuda a fixar a atenção na ação e no diálogo
entre rabino e noivo, em sua atenta leitura do papel. Se fosse colo-
rida, algum elemento poderia reivindicar maior atenção: os detalhes
do contrato, a caneta ou a gravata do noivo. Gosto bastante do preto
e branco, mas procuro utilizá-lo em situações assim, quando é pos-
sível valorizar a fisionomia das pessoas. Note também que há uma
simetria na composição, representada pela posição espelhada dos
personagens – que inclusive demonstram certa semelhança física.
Muitos fotógrafos de casamento são convidados para fazer
editoriais de noiva. São imagens que têm um caráter publicitário e
buscam evidenciar certas características de uma marca. Na essên-
cia, são muito parecidas com qualquer retrato de casamento. Neste
eu usei somente a luz que entrava pela janela da carruagem onde
a “noiva” estava e foquei apenas na sua fisionomia, aplicando uma
profundidade de campo um pouco curta, permitindo que o desfo-
que borrasse os detalhes do figurino. A razão disso é que o editorial
possuía uma pegada mais conceitual: o que importava era exprimir a
“atitude” da marca. Numa produção de moda, provavelmente os va-
lores se inverteriam e o destaque recairia sobre a produção. E como
é comum em retrato, o ponto de maior interesse está nos olhos da
modelo, que foram posicionados em um dos terços superiores. Mas
há aqui uma quebra da regra: normalmente se preconiza que o olhar
indique o interior da imagem, e não direcione o espectador para fora
dela. No entanto, como está, ele conferiu certo ritmo à cena, valori-
zando a composição.
Editorial produzido por Niely Hoetsch para Casarão da Noivas
Viena, Áustria – 2013
Valores como perspecti-
va, simetria, proporção e ritmo
são facilmente encontrados na
fotografia de arquitetura, espe-
cialidade que está sempre pre-
sente na cobertura de um casa-
mento, pois faz parte da missão
do fotógrafo social registrar o
ambiente em que a cerimônia
e a festa se desenrolam. Esta
foto é um exemplo disso: prati-
camente em todo casamento eu
componho uma imagem assim.
Para isso, recuo um pouco até o
corredor enquanto a celebração
ocorre e utilizo uma grande-an-
gular 14mm para captar com
maior profundidade a imponên-
cia do templo ou igreja, fazendo
com que as linhas conduzam até
o altar por meio da perspectiva.
Vale destacar que a posição dos
noivos, no terço inferior, conferiu
protagonismo ao Cristo que está
no fim da escadaria.
Igreja Nossa Senhora das Dores | Casamento Clarissa e Renan
Porto Alegre (RS), 2015
A direção é uma parte importante em ensaio de noivos. Você não
está lidando com modelos profissionais, que passam de uma pose a
outra com facilidade e muitas vezes dispensam o comando do fotó-
grafo. Pelo contrário: é preciso oferecer sugestões claras e estimular
o casal sempre... mesmo que isso exija algum esforço. Este despenha-
deiro fica na ilha de Formentera, próxima a Ibiza, e eu estava a uma boa
distância dos dois (cerca de 50 metros). Foi preciso acionar o alcan-
ce de 200mm da lente. Pedi que o noivo segurasse o véu, o lançasse
Street Wedding Greisse e Nicholas | Ibiza, Espanha – 2013

para cima e, ao mesmo tempo, desse um salto. E consegui a imagem


no primeiro clique. Até tentei outras, disparando a 10fps, mas esta foi a
melhor. Esse tipo de direção de cena é comum no cinema e gosto de
aplicar nos meus ensaios. Há um contraste evidente na textura das ro-
chas, em função da hora do dia e do calor do verão naquela região, mas
o que chama a atenção nesta foto é o ritmo imposto pela ação do noivo
e o posicionamento descentralizado dos elementos, o que favoreceu a
noção de amplitude oferecida pelo Mar Mediterrâneo.
Curso ER12 | Cambará do Sul (RS), 2015

Este tipo de enquadramento é mais uma inspiração no cine-


ma: é chamado over de shoulder (sobre o ombro) e é muito usado
em cenas de diálogo. Trata-se de um plano invertido que registra a
reação do noivo às palavras da sua futura esposa. Há uma interação
evidente entre os dois personagens, representada pelo olhar atento
do noivo, posicionado no terço superior da imagem. O recurso do
foco seletivo ajuda a manter o ponto de interesse em sua expressão
compenetrada.
Curso ER12 | Cambará do Sul (RS), 2015

O mesmo casal protagoniza este plano mais aberto, numa


composição que os colocou num dos pontos de ouro e a maioria dos
elementos no terço inferior, dando destaque a este céu estranha-
mente esverdeado. Trata-se de um capricho meu: gosto de alterar a
cor habitual da natureza para dar um ar mais artístico a algumas com-
posições. As fotos foram feitas durante um workshop que ministrei,
portanto, eram ideais para o experimentalismo. Perceba que, embora
o casal esteja integrado à paisagem e haja muita informação visual,
o ponto de interesse se concentra nos noivos. É uma prerrogativa da
fotografia de casamento mantê-los sempre no centro das atenções.
Curso ER12 | Cambará do Sul (RS), 2015

Aqui está uma variação do mesmo tema: o casal integrado


à natureza. Novamente temos um plano aberto e o céu ocupando
a maior parte do quadro. A diferença é que há poucos elementos
posicionados no terço inferior, numa composição que eu poderia
classificar de minimalista. A atitude do casal é o grande ponto de
interesse da imagem. Há um sentimento de cumplicidade que su-
gere algumas leituras: a insegurança que geralmente acompanha a
iminência de uma mudança, de uma vida nova (representada pela
neblina no segundo plano), é compensada pela certeza de que am-
bos terão um ao outro, em quem sempre poderão se amparar. Eu
geralmente procuro relacionar a minha fotografia com a vida que os
noivos terão depois do casamento, por isso retratei o casal abraça-
do, mostrando sua dependência diante de um universo tão grande
de possibilidades que eles terão no futuro.
Mais um sinal da presença da
regra dos terços: o detalhe do véu e
o olhar sonhador desta noiva foram
posicionados no terço superior da
imagem, um deles exatamente so-
bre o ponto áureo. Geralmente, nos
retratos, o olhar é o elemento de
maior interesse da imagem. Nes-
te caso não foi diferente, mas um
bom exercício é tentar identificar no
retratado a sua característica mais
marcante. Pode ser a boca, por
exemplo. Na Débora, no entanto, os
olhos verdes se sobressaem. Esta
foto foi capturada com luz de jane-
la, durante o making-of. Posicionei
a modelo para a luz, aproximei-me
bastante e fiz a foto com foco na
suavidade do olhar, na expressão
que sugere serenidade e na delica-
deza da iluminação.
Casamento Débora e Ricardo | Gramado (RS), 2011
Casamento Iara e Peter | Salzburgo, Áustria – 2010

Esta fotografia está no meu portfolio já há alguns anos. Ela é


um testemunho de como a observação atenta e a curiosidade fazem
bem ao trabalho de um fotógrafo, não importa o segmento. Princi-
palmente quando há crianças por perto – são sempre imprevisíveis.
Durante os preparativos de um casamento em Salzburgo, na Áustria,
eu observava a noiva sendo maquiada quando estas duas daminhas
chegaram, sentaram-se diante dela, falaram algo sobre as roupas e
começaram a provar os calçados que usariam em sua entrada na ce-
rimônia. Eu só precisei virar a câmera e fazer o clique, captando este
momento de espontaneidade e leveza que me faz lembrar algumas
das bailarinas de Degas. Perceba como a luz de janela ilumina de um
modo artístico as dobras do vestido e como a composição possui rit-
mo, tendo um sentido de movimento em função da tarefa que as pe-
quenas, compenetradas, executam.
Street Wedding Greisse e Nicholas | Ibiza, Espanha – 2013
(vestido feito exclusivamente para o Street Wedding by Solaine Piccoli)

Uma das regras de composição mais citadas diz que você não
deve centralizar o seu motivo no quadro. Porém, quando há uma série
de linhas convergindo para algum ponto, é possível compor de modo
harmonioso com os elementos no centro. É o que ocorre com esta
foto, feita em um dos paradores mais famosos do mundo, o Blue Mar-
lin de Ibiza. Veja como as diagonais conferem simetria e equilíbrio à
cena. Precisei apenas ajustar a pose dos noivos, o que exigiu algumas
tentativas: primeiro, pedi que se sentassem, depois que ficassem de
pé, mas o que deu melhor resultado foi quando ela deitou no colo
dele, permitindo que a cauda do vestido se alongasse, criando uma
diagonal que conduziu ao centro da ação.
Fotografar em externa é cor-
rer o risco de ser surpreendido. Para
esta sessão, realizada durante um
workshop, meus planos incluíam um
belo dia ensolarado. Aconteceu que
estava fechado de neblina (ou, como
chamamos aqui no Sul, cerração) – o
que não representou problema, antes
pelo contrário: o fenômeno contri-
buiu para dar profundidade e um to-
que de mistério a esta encenação da
aproximação da noiva. A perspectiva
atmosférica é um recurso muito utili-
zado em pintura para dar a noção de
que há objetos localizados a distân-
cia. Funcionou muito bem aqui tam-
bém. Além disso, proporcionou uma
difusão geral da luz, criando uma ilu-
minação com estética cinematográfi-
ca. Há alguns outros elementos que
eu poderia citar: a posição do noivo
ocupando uma das linhas verticais e
o rosto no ponto áureo, o diálogo en-
tre primeiro e segundo planos, com
o detalhe sutil de que a noiva não
se conecta diretamente com o noi-
vo, mas olha para seu buquê, o que
acentuou o toque de mistério, e por
fim uma certa assimetria no arranjo
da composição, com o deslocamento
dos modelos para a porção direita da
imagem, sem que isso resultasse em
desequilíbrio.
Curso ER12 | Cambará do Sul (RS), 2015
Toda festa de casamento tem na-
turalmente muita dinâmica. No entanto,
é preciso estar atento para captar um
momento especial de modo criativo. Ob-
serve como o vestido e o cabelo da noi-
va desenvolvem um movimento que dá
ritmo à composição e se complementam
de modo harmonioso, contrapondo-se à
atitude mais estática do noivo e à unifor-
midade geral do cenário. O semicírculo
em volta deles também ajuda a acentuar
esses valores, em função da variedade
de reações e do sentido de perspectiva e
profundidade que o posicionamento das
madrinhas inspira.

A foto foi capturada apenas com a


luz proporcionada pelos moving heads
da pista de dança e é resultado de um
clique certeiro, o tipo de imagem que eu
acredito traduzir tudo o que é preciso re-
gistrar numa foto de casamento. Mas o
que realmente me agrada nesta imagem
é o movimento do cabelo em sintonia
com o vestido. Isso me fez editar a foto
quadrada, o que foi possível pelo fato de
eu ter um arquivo com bastante defini-
ção. Usei uma câmera de 36 megapixels,
porém isso não teria grande serventia se
eu não tivesse uma lente com qualidade
compatível. Mas eu estava com a minha
14-24mm da Nikon, que me permitiu cap-
tar a cena com a resolução necessária.
Casamento Mariana e Bruno | Porto Alegre (RS), 2013
Curso de Street Wedding | Áustria, 2013
Produção: Niely Hoetsch. Vestido: Solaine Piccoli)
A “foto do vestido solitário” é tradi-
cional, porém eu penso que não precisa
ser uma presença obrigatória no álbum.
Pessoalmente, apenas faço quando
acredito que a composição mereça o
clique. Mas você pode justificar a foto
usando a sua criatividade. Por exemplo,
aqui eu propus uma brincadeira: primei-
ro fotografei o vestido no cabide, numa
contraluz proporcionada pelas aberturas,
e depois fiz uma composição parecida,
desta vez com a noiva vestindo a peça.
Lembre-se que é importante compor
pensando na edição do trabalho: sempre
que tiver alguma ideia em mente, procu-
re visualizar como isso poderá ser mon-
tado no álbum. A posição tanto da noiva
quanto do vestido, no terço inferior, em
um dos pontos áureos, assim como as
linhas da arquitetura do local, ajudam
a conduzir o olhar. Além disso, o plano
aberto realça a suntuosidade do aposen-
to. Eu poderia, na edição, ter forçado a
perspectiva das linhas, tornando-as mais
retas, porém acredito que isso teria dei-
xado a composição mais estática e me-
nos interessante. Por último, a posição
da noiva, olhando para “dentro” da ima-
gem, satisfaz mais um ditame compositi-
vo, que diz que é preciso sempre deixar
uma porção maior da foto na frente do
elemento principal.
Street Wedding Greisse e Nicholas | Ibiza, Espanha – 2013
Mais uma imagem realizada nos
penhascos de Formentera. Esta, em par-
ticular, representa uma quebra das mi-
nhas normas pessoais. Falei noutra foto
que os noivos devem ocupar sempre o
lugar de destaque na composição. Aqui,
no entanto, eles cedem parcialmente o
protagonismo à grandiosidade da natu-
reza. Digo parcialmente porque a dia-
gonal formada pelo paredão de rocha
conduz exatamente aonde está o casal,
estrategicamente posicionado no terço
superior, próximo a um dos pontos áure-
os. Ainda assim, é a textura das pedras e
o grafismo do mar em volta – acentua-
dos pelo contraste do preto e branco –
que fazem a beleza deste registro. Com
esta, citamos três referências das quais a
fotografia social se serve: já tivemos um
exemplo de imagem com características
de fotojornalismo e outras de arquitetu-
ra. Incluimos, agora, a fotografia de paisa-
gem – o que mostra como é importante
estudar diferentes estilos fotográficos.
Street Wedding Greisse e Nicholas | Ibiza, Espanha – 2013

Falando em fotojornalismo, que tal este flagrante que só a boa


sorte e o olhar atento podem proporcionar? Mais uma vez, o cená-
rio é Formentera, ilha pródiga em belas imagens. Saíamos da loca-
ção e resolvemos parar a van para fazer algumas fotos dos noivos
caminhando pela rodovia. Foi quando o casal que vinha na scooter
parou no acostamento para fotografar, provocando uma saudação
do noivo e proporcionando um diálogo espontâneo que consegui
captar, extraindo a cor para concentrar a atenção no primeiro plano.
Perceba também a ação das diagonais, representadas pelas linhas
do asfalto, o horizonte no terço superior e a vinheta que apliquei
para dar um ar mais “vintage” ao registro.
Casamento Mariana e Bruno | Porto Alegre (RS), 2013
É comum numa cerimônia
haver vários planos onde ocorrem
ações simultâneas. Isso implica
um desafio, porque é preciso ter
o cuidado de evitar que um gesto
inoportuno prejudique a imagem: a
gafe de algum convidado no fun-
do da cena, por exemplo. Esse tipo
de coisa pode funcionar para re-
vistas de fofoca, mas numa cober-
tura de casamento é essencial que
todos saiam bem. Esta é uma foto
tradicional de um momento impor-
tante da celebração: a benção aos
noivos. Temos em primeiro plano
o pai do noivo, levemente desfo-
cado e emoldurando o filho com
a sua mão. Na outra ponta, está a
mãe da noiva, cujo olhar promove
um diálogo com o centro de inte-
resse da imagem, o casal. Há mais
coisas ocorrendo ao fundo, que o
preto e branco ajuda a relativizar.
Vale lembrar que o noivo está pró-
ximo a um dos pontos de ouro, o
que, junto com a moldura propor-
cionada pela mão do pai, lhe dá
maior destaque.
A religião é um dos elementos icônicos da fo-
tografia de casamento. Não dá para dissociá-la do
registro desse momento porque o matrimônio é, es-
sencialmente, um ato de fé. Mas nesta imagem ela
está presente de modo indicial para ajudar a contex-
tualizar a cena: esta noiva está em Jerusalém, Israel,
diante do Muro das Lamentações, e lê o Sidur – o li-
vro de orações judaico – enquanto algumas mulhe-
res aparecem desfocadas no segundo plano. Eu fiz o
retrato usando uma teleobjetiva 200mm, pois estava
no local destinado aos homens – há uma separação
entre os gêneros na tradição religiosa judaica. Aliás,
é importante reforçar que o fotógrafo de casamen-
to necessita estar bem informado a respeito dos ri-
tos religiosos que irá documentar. Este casamento
ocorreu em 2012, e usei o foco seletivo para isolar a
noiva, o que acentuou a sua beleza e a singularidade
do momento. Porém, penso que hoje eu faria mais
imagens desse momento, variando nas técnicas: per-
mitiria maior profundidade de campo para mostrar
um pouco mais do segundo plano e, assim, identificar
melhor o local da imagem. São lições que o aprimo-
ramento nos ensina.
Casamento Fabiane e Daniel | Jerusalém, Israel – 2013
Casamento Flavia e Rogerio | Porto Alegre (RS), 2014
Reflexos oferecem ótimas oportu-
nidades ao observador atento. Este fla-
grante tem uma pegada de fotojornalismo
e explica o motivo do olhar sorridente da
noiva, promovendo um diálogo entre pai e
filha no momento decisivo da entrada na
igreja. Devo dizer que não é um tipo de fo-
tografia muito presente no meu portfolio,
mas não se pode negligenciar uma ima-
gem como esta. Detalhe para o posicio-
namento da noiva, que está saindo do en-
quadramento, porém o olhar para o lado
oposto equilibra a composição. O rosto
também ficou num dos pontos áureos e o
corpo ocupa uma das linhas de intersec-
ção da regra dos terços, o que justifica o
sentido de harmonia da fotografia.
Anote mais esta referência (que, aliás, é uma das minhas gran-
des influências): a fotografia de moda. Ela tem muito a oferecer ao
fotógrafo social, especialmente quando precisa compor um retrato
glamuroso como este. Além do olhar e da atitude da modelo, temos
o véu como importante elemento compositivo. O véu e a grinalda são
os companheiros mais assíduos de uma noiva, por isso é importante
saber desenvolver uma composição criativa com esses adereços. Es-
tes em especial criaram uma imagem com muito movimento e ritmo,
bastou lançar o tecido para o ar (veja foto do making-of abaixo). Ele
acabou criando uma diagonal que dividiu o quadro, tendo de um
lado o branco da renda e, do outro, o templo ao fundo. Portanto, a
dica é: brinque com o véu da noiva. É uma garantia de boas imagens.

Quero agradecer minhas amigas So-


laine, Gabriela e Camila Piccoli e Niely Ho-
etsch pela oportunidade de produzir esta
belíssima foto em Viena (editorial para a
marca Solaine Piccoli). Aproveito para agra-
decer toda a família Isoppo pelos longos
anos de amizade e parceria: Rosamaria,
Rosaura e Gisele. Se não fosse por vocês,
meninas, esta foto, que virou capa deste li-
vro, não existiria.

Observe como relacionamentos são


importantes. Eu conheci a Rosamaria e Ro-
saura, da Rosamaria Unique, ainda nos anos
90. Elas me apresentaram sua irmã, Solaine
Piccoli, eu apresentei a Solaine e suas filhas
para minha amiga e parceira de Viena, Niely
Hoetsch, e assim a vida é!
Editorial produzido por Niely Hoetsch para Solaine Piccoli
Viena, Áustria, 2014 (modelo: Jacqueline Sappert)
Evento em Viena, Áustria
Não se pode deixar de men-
cionar a fotografia de interiores.
Faz todo sentido fotografar o am-
biente onde ocorrerá a recepção
– especialmente quando é suntu-
oso como este aqui. Por isso, gos-
to de captar o cenário ainda sem
a presença das pessoas, de modo
a registrar toda a sua riqueza de
detalhes. É importante não dis-
torcer demais a imagem, porém é
preciso que toda a grandiosidade
do local seja documentada. Em
situações assim, é inevitável que
tenhamos uma composição está-
tica e equilibrada (não seria muito
correto “entortar” a linha do hori-
zonte), mas observe a ação das
linhas formando diagonais ao lon-
go do teto, que ocupou a maior
parte do terço superior. É um tipo
de foto que cai muito bem como
página dupla em um álbum de
casamento.
Curso de Street Wedding | Áustria, 2013 (produção: Niely Hoetsch)
Um exemplar de fotografia
com movimento e mais uma com-
posição inspirada no cinema. Po-
sar o casal numa estação de trem
inevitavelmente nos leva a imagi-
nar uma cena assim. Porém, não é
uma foto de fácil execução. É pre-
ciso combinar a baixa velocidade
do obturador com o foco preciso
no elemento principal. Sem con-
tar que a direção tem de harmoni-
zar gestos e expressões. Perceba
a atitude amorosa dos noivos, a
iluminação suave e uniforme, a in-
tensidade dos olhares. Para acer-
tar, precisei fazer uma centena de
cliques. Portanto, a colaboração
dos noivos foi essencial. Sempre
que penso numa composição que
resultará em certa dificuldade, eu
informo o casal. Costumo lem-
brá-los que a fotografia é eterna;
a dificuldade, momentânea. De-
pois de muitos testes, encontrei a
combinação ideal em 1/15 de ve-
locidade, abertura f/14, ISO 800 e
a zoom 70-200 na posição 70mm.
Precisei de mão firme, já que não
utilizei o tripé. Após tanta tentati-
va e erro, o resultado é este: uma
composição perfeita, com um
plano de fundo que não tira o pro-
tagonismo dos atores principais.
Capítulo 5

Crônicas do sucesso

Em alguma parte deste livro, eu comparei a carreira profis-


sional a uma viagem de carro. Disse que era fundamental estarmos
preparados para o tamanho da jornada que pretendíamos realizar
– do contrário, arriscaríamos a ficar sem combustível no meio do ca-
minho. Porém, é importante dizer que essa não é uma viagem que
se faz de um fôlego só, pois é longa. Há muitos pontos na estrada
que representam encruzilhadas, atalhos, um ponto de contempla-
ção que oferece descanso e algumas paradas no acostamento para
olhar o mapa e ajustar o roteiro.

Mudanças de percurso são possíveis, assim como um caden-


ciamento para observar melhor a paisagem. Mas o fato é que alguns
momentos são chave para o seu desenvolvimento na profissão. Um
trabalho que o eleva no conceito da clientela desejada, uma ideia
que alavanca os negócios, um ensinamento que se converte em sa-
bedoria. Tudo isso nos impulsiona e encaminha. Tenho sido agra-
ciado com muitos desses momentos ao longo de meus 25 anos na
estrada. Quero relembrar alguns deles, na intenção de compartilhar
algumas das lições que tirei e das soluções criativas que pude im-
plementar, experimentar, arriscar... enfim, aqui vão algumas crônicas
de um fotógrafo de sucesso.

Criatividade na fotografia de casamento | 129


Ana Maria Braga: a força de uma conexão

Muita gente acredita que fui “descoberto” pela apresentadora


de televisão Ana Maria Braga. Reconheço que ter fotografado o seu
casamento, em 2007, foi um momento significativo na minha carrei-
ra. Porém, antes disso eu já estava atendendo importantes clientes
no centro do país e meu trabalho já havia sido citado num dos mais
influentes telejornais da Globo – o Bom Dia Brasil. Uma equipe de
reportagem visitou-me no estúdio (eu já tinha meu próprio estúdio
há treze anos) e gravou uma matéria. Portanto, eu não era um des-
conhecido no segmento.

Entretanto, o episódio ilustra um aspecto decisivo em nossa


carreira: o networking. Em 2006, como possuía um estúdio realmen-
te grande, eu executava alguns trabalhos que normalmente fogem
à alçada de um fotógrafo social: fazia catálogos e fotos de publici-
dade. Na época, estava fotografando artigos para a indústria calça-
dista, a pedido da Associação Brasileira de Empresas de Compo-
nentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal), que tem sede
em Novo Hamburgo. A entidade havia contratado um estilista famo-
so para desenvolver um catálogo. Seu nome é Walter Rodrigues. Ele
ficou alguns dias trabalhando no estúdio conosco e ficamos amigos.

Em algum momento, mostrei ao Walter um dos meus álbuns


de casamento. Era de um dos trabalhos dos quais eu mais me or-
gulhava: o casamento de um inglês com uma brasileira feito aqui no
Brasil. Ele também se entusiasmou com o material e pediu-me uma
cópia do álbum. Fiz a reimpressão e depois enviei para São Paulo,
endereçada ao atelier do estilista.

Mais ou menos um ano depois, havia embarcado no avião para


a minha primeira viagem internacional, rumo à Itália, quando o tele-
fone tocou. Era o Walter, e tinha uma novidade importante: “A Ana
Maria Braga viu seu álbum e quer que você fotografe o casamento
dela. Ela está aqui, quer falar com você”. Passou o telefone para a

130 | Everton Rosa


apresentadora, que disse: “Amei as suas fotos, são lindas. Aliás, vi
sua foto no final do álbum. Você também é muito bonito”, elogiou.
Creditei a beleza nos dois casos ao Espírito Santo, e a frase causou
uma certa impressão nela, pois Ana é bastante religiosa.

Voltei ao Brasil menos de quinze dias antes do casamento.


Realizei as imagens e iniciamos uma relação de amizade, baseada
principalmente nesse aspecto. Não me considero religioso, porém
acredito ser espiritualizado e isso promoveu uma conexão. Até hoje
Ana Maria mantém uma reprodução gigante de um retrato que fiz
dela em seu estúdio de televisão. O cenário mudou algumas vezes,

Criatividade na fotografia de casamento | 131


mas a foto continua. Ela também convidou-me para participar do
seu programa, o que me permitiu lançar mão de uma ideia que, esta
sim, foi responsável pela enorme repercussão que meu trabalho
teve a partir de então: sugeri fotografarmos o casamento de uma
telespectadora, presenteando-a com o álbum do matrimônio.

O programa foi um sucesso e demonstra como é importan-


te estar atento às oportunidades. Também é necessário entender
que é preciso investir num projeto para conquistar resultados. Não
tivesse me disposto a oferecer algo, não teria colhido o retorno que
obtive. Minha caixa de correspondência ficou abarrotada de cartas
solicitando meus serviços e os pedidos de orçamento aumentaram
absurdamente de um dia para o outro. Tive que me reestruturar para
atender à demanda. Voltei outras vezes ao programa da Ana Maria
Braga, fiz o casamento da sua filha, Mariana, entre outros trabalhos
importantes que consegui por intermédio desse relacionamento.

Street Wedding: o conceito de uma marca


O Street Wedding nasceu em 2009. Naquele ano, sentia-me
cansado da rotina de fotografar apenas dentro de salões e igrejas.
Clamava por um pouco de liberdade. Já havia um tipo de ensaio em
externa sendo praticado, o Trash the dress, e embora eu gostasse
de muitas das fotos desse estilo, acreditava que ele não combinava
com o perfil dos clientes que eu atendia. Além disso, sentia que al-
guma coisa não se encaixava. As locações eram belíssimas, mas não
transparecia a emoção que caracteriza uma cerimônia de casamen-
to. Não havia veracidade.

Fiz algumas sessões com noivos e cheguei a uma conclusão:


o que faltava era um ritual. Pensei naqueles casais que jamais sa-
cramentaram o matrimônio; simplesmente passaram a viver juntos,
sem formalizar a união. Conversei com algumas pessoas, pesqui-
sei e, aos poucos, fui formulando um plano. A premissa eu já tinha:
quantos casais que hoje estão juntos não tiveram a possibilidade de

132 | Everton Rosa


fazer suas juras de amor e companheirismo? Então, por que não fa-
zer um “ritual” para esse pessoal que não subiu no altar? Considerei
também os casais que celebraram o casamento mas gostariam de
repetir os votos e até mesmo quem pensava numa futura cerimônia,
mas já cumpria uma rotina conjugal. Todos que, enfim, quisessem
viver uma experiência de noivo e noiva.

O passo seguinte foi registrar a marca. Requeri todas as paten-


tes envolvendo produtos ligados ao nome Street Wedding, proces-
so que levou uns cinco anos para ser concluído. Com o nome já em
processo de registro, passei a promover a ideia. Uma das primeiras
pessoas a quem contei foi Ana Maria Braga. Ela abriu-me espaço no
programa para apresentar a novidade e novamente utilizei o expe-
diente de sortear um ensaio entre as telespectadoras – uma equipe
da Rede Globo acompanhou a sessão de fotos com a sorteada.

Depois disso, criei uma série de televisão, que vendi para a afi-
liada da emissora aqui na região. Passava no canal TVCOM, da RBS,
nas noites de sábado e nas tardes de domingo, com uma excelente
audiência – foi um dos melhores ibopes do canal.

Criatividade na fotografia de casamento | 133


A série teve dez episódios e acompanhava as sessões que
eu realizava nos mais diferentes lugares: fotografei na Áustria, reuni
dois casais em Punta del Este, registrei outro dentro de um avião
em pleno voo (precisei de outro avião para acompanhar e gravar as
cenas), fiz fotos em barcos, noivos em motocicletas, em museu... en-
fim, cada episódio era bastante diferente do outro, o que mantinha
o interesse do público. Tanto que a rede Bandeirantes se interessou
pelo projeto e retransmitiu a série em rede nacional.

Outro cuidado que tive foi o de difundir o SW entre os fotógra-


fos. Assim que estabelecemos a marca, desenvolvemos um modelo
de workshop para treinar profissionais interessados em aplicar o esti-
lo. Ainda ministramos o curso e, sempre que o reeditamos, obtemos
um resultado expressivo. Trata-se de um “case de sucesso” que eu
pretendo levar mais adiante ainda. Uma curiosidade: o nome nasceu
de uma conversa que tive com meu filho, no trajeto para uma ses-
são de cinema em Porto Alegre. Victor tinha treze anos na época e
estávamos fazendo uma espécie de brainstorm. Raciocinando sobre
a ideia, ele aos poucos chegou ao ponto: “Casamento na rua... casa-
mento fora... pai, isso é um street wedding!”. E assim ficou.

Jerusalém: quando o cenário assume o


protagonismo do ensaio
Em 2012 eu fui a Israel documentar um casamento judeu. A
cerimônia terminou à meia-noite e tínhamos marcado uma sessão
de fotos para o dia seguinte, nas ruas de Jerusalém. Saímos do hotel
e fomos caminhando pelas vielas da Cidade Velha. Passamos pelo
Corredor Turco, onde são vendidos artigos das culturas árabe e ju-
daica, e seguimos fotografando até chegarmos às imediações do
Muro das Lamentações. Passamos por um posto de controle e fo-
mos todos, eu, minha equipe e o cameraman (havia um diretor de
cinema gravando um documentário sobre aquela viagem), subme-
tidos ao detector de metais. Há soldados em todas as esquinas de

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Israel e no local havia uma dezena deles. Pedi para tirar uma foto do
noivo com os militares e eles entraram no clima, proporcionando um
dos momentos de criatividade fotográfica daquela excursão.

Quando chegamos defronte ao Muro, outra oportunidade im-


perdível se desenhou: havia uma excursão de colégio, e muitas me-
ninas traziam bandeiras com a característica Estrela de Davi. Elas
foram até a noiva, deram-lhe uma das bandeiras, e começaram a
dançar em volta dela. Na tradição judaica, quando uma mulher está
prestes a casar, ela é abençoada e tem o poder de passar a bênção
do casamento adiante. Contagiada pelas garotas, Fabiane, a noiva,

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começou a dançar também, agitando a bandeira de Israel. Logo se
formou um círculo em volta dela, com as mulheres cantando e ba-
tendo palmas, o que converteu o ensaio de casal num momento de
interação cultural incrível. Fiz várias fotos. Aliás, o que mais marcou
a realização desse trabalho foi a maneira como as pessoas do lugar
reagiram à presença dos noivos. Não lembro de ter conduzido um
ensaio no qual houve um diálogo tão intenso entre os personagens
das minhas fotos e as pessoas que estavam em volta. Essa condição
mudou completamente a perspectiva que eu tinha para o ensaio e
foi um importante fio condutor para o documentário que gravamos.
No endereço www.erescola.com.br, na seção Palestras & Documen-
tários, é possível assistir ao vídeo.

Making-of: direção de cena ao natural


Quando cheguei na casa dos pais da Mariana para documen-
tar a sua preparação para o casamento, na cidade de Farroupilha
(RS), encontrei toda a família numa atividade intensa. Não lembro
de ter visto tanta movimentação num making-of. De certo modo,
parecia uma cena de cinema: a mãe andando com o vestido, uma
filha ajustando a gravata do pai, as amigas se maquiando em um
canto, a irmã inspecionando o buquê, e havia uma luz que entra-
va no aposento e dava a essa aparente agitação (apenas aparente:
tudo ocorria como se houvesse um diretor orientando a cena) um
toque de originalidade. Como estava ali não apenas para observar,
me pus a clicar o que via. “Estou visualizando um filme”, pensava. Em
situações assim, não é possível aplicar velhas fórmulas. Para fazer
justiça àquela luz cinematográfica eu decidi fotografar de um jeito
diferente – e publicar o ensaio inteiro num álbum. Deve ter sido a
única vez que eu fiz um álbum somente com o making-of da noiva.
Para coroar a sessão, fui premiado com uma contraluz belíssima no
momento em que Mariana foi até a sacada para vestir o véu (a foto
com o flare que eu mostrei no outro capítulo). Uma das melhores
fotos de making-of da minha carreira.

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Depois, fomos para o jardim da casa e eu continuei sendo sur-
preendido: consegui uma imagem incrível do cabeleireiro ajustando
o véu da noiva, com a mãe da moça auxiliando, e a luz dava um as-
pecto europeu à cena. Posso dizer que foi um dos meus melhores
trabalhos em making-of, especialmente porque havia um envolvi-
mento natural das pessoas e eu praticamente não tive dificuldade
alguma, mal precisei dizer uma palavra. Bastou apenas olhar e clicar.

Cenas de cinema em Salzburgo


Com 25 anos de altar, não é força de expressão dizer que perdi
a conta de quantos casamentos testemunhei. Acho que é compreen-
sível reconhecer que muitos eu esqueci, mas alguns são marcantes
demais para se perder na memória. Lembro de um em Salzburgo,
na Áustria, que foi celebrado durante quatro dias. Eu desembarquei
numa quinta-feira e havia uma série de cerimônias programadas: uma
no civil, que seria a bordo de um barco, uma festa típica austríaca e o
dia do casamento propriamente dito, que ocorreria no sábado. Nesse
dia, eu comecei a trabalhar às 9h, pois o casamento seria no início da
tarde. Portanto, o making-of começou bem cedo.

Ao contrário de quinta e sexta, o sábado amanheceu chovendo.


Poderia ter sido um sinal de má sorte. No entanto, a chuva promoveu
um cenário muito fotogênico. Logo após terminar o making-of, quan-
do entrei no carro do meu assistente para ir à cerimônia, olhei pela
janela e vi uma procissão de Mercedes pretas se dirigindo ao local.
Parecia a cena de um filme. Ao entrarmos na rodovia, passamos pelo
Rolls Royce dos anos 1950 onde estava a noiva. As daminhas que
iam com ela nos viram e começaram a dar tchauzinhos. Naturalmen-
te, não perdi tempo: apontei a câmera e me pus a clicar. Essas fotos
saíram em muitas revistas e acabaram se tornando uma espécie de
marca registrada do meu trabalho. Chegamos ao destino – que era
nada menos que um castelo. Chuviscava e a luz preenchia a paisa-
gem com os reflexos difusos de uma tela impressionista. No interior,

Criatividade na fotografia de casamento | 137


havia um espetáculo ao qual eu não estava acostumado. A cultura
austríaca é rica e sua celebração matrimonial difere bastante das
que nos habituamos a ver por aqui. Chamou-me a atenção de um
modo especial a maneira como são absortos: reparei num menino
louro que assistia ao ritual com olhar compenetrado e expressão sé-
ria. Aproveitei a luz de janela que entrava no salão e fotografei tudo.
Tem momentos em que ficamos em dúvida sobre seguir adiante. Já
contei como a incerteza me assaltou uma vez e me levou a tentar
um outro caminho. No caso dessa cerimônia em Salzburgo, ocorreu
o contrário. Ela me fez querer ser fotógrafo de casamento pelo resto
da vida. Ela mostrou-me que, mesmo depois de atuar tanto tempo
dentro desse ramo, ele ainda é capaz de me surpreender.

Após a celebração, todos descemos um patamar e seguimos


a noiva, que caminhava sob uma chuva de pétalas carregando uma
pequena gaiola. Tirou de lá um pombo, segurando-o entre as mãos.
Foi até a porta e o soltou. Consegui captar o exato momento em
que a ave iniciou o seu voo. Depois, voltando com os noivos em seu
Rolls Royce, pude fazer alguns retratos com uma bela luz natural.
Praticamente não precisei recorrer ao assistente em nenhum mo-
mento, pois havia sempre uma atmosfera perfeita para fotografar
sem flashes. É interessante destacar que casamentos como esse
normalmente dispõem de poucos convidados, o que facilita a ta-
refa do fotógrafo. Em suma, é uma outra dinâmica, o que me leva a
pensar na quantidade de fotógrafos estrangeiros que vêm ao país
ministrar workshops. Isso até pode empolgar os colegas daqui, mas
o tipo de trabalho ao qual eles estão habituados difere muito dos
nossos. Os cenários, a cultura, o envolvimento das pessoas. Não é o
caso de estabelecer comparação, apenas constatar que há diferen-
ças importantes. Antes de qualquer coisa, é fundamental que o pro-
fissional se especialize no tipo de cobertura que é feito aqui. Depois,
sim, quando embarcar numa aventura dessas, que possa abraçar
com entusiasmo essa experiência marcante.

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Festa de casamento: a lição do noivo
Amo fotografar casamentos judaicos. Gosto da maneira como
essas pessoas celebram a união do casal, a forma como o ritual é
conduzido, a austeridade do rabino, o detalhe dos quipás – todo o
conjunto forma um evento muito fotogênico. E o mesmo se pode
dizer da festa. Faz alguns anos, fiz um casamento desses em Porto
Alegre e lembro de ter ficado fascinado pela maneira como o salão
foi decorado. Estava fotografando do alto e podia observar a perfei-
ta simetria e organização dos arranjos. Parecia que tudo havia sido
milimetricamente posicionado.

Porém, é um outro detalhe que faz a festa de casamento ju-


daico ser diferente: durante boa parte da noite, as mulheres e os ho-
mens ficam apartados no salão. Uma espécie de cortina é colocada
no meio da pista para marcar a divisão de gêneros. Como resulta-
do, a certa altura os convidados fazem aquele movimento que todo
mundo que aprecia fotografia de casamentos já deve ter visto: eles
elevam o noivo e a noiva sentados em uma cadeira.

O motivo, que talvez muita gente não saiba, está assim expli-
cado: fazem isso para que os recém-casados possam se olhar por
sobre a cortina. Normalmente (aqui no Brasil, pelo menos), quando o
rabino enfim deixa o salão, o tecido é retirado e todo mundo se mis-
tura. Foi o que aconteceu naquele casamento em Porto Alegre. Após
o jantar, o líder espiritual foi embora e os casais se reencontraram na
pista de dança. Aí ocorreu algo curioso: Pedro, o noivo, veio até mim,
me abraçou, e disse: “Estou muito feliz de ter você aqui!”. Agradeci
sua gentileza e continuei o trabalho. Passou-se algum tempo, e no-
vamente o Pedro me abraçou e agradeceu-me a presença. Não me
pareceu problema de memória ou excesso de drinques, por isso, na
terceira vez que ele fez a mesma coisa, perguntei o motivo, repli-
cando que eu é que deveria me sentir grato, pois estava tudo muito
bonito e é sempre muito agradável fotografar uma festa tão alegre.

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“É que você está registrando o momento mais fantástico da
minha vida. E a sua fotografia vai me lembrar, depois, do quanto sou
feliz. Quando eu tiver algum problema no meu casamento, só vou
precisar olhar essas fotos para ser feliz de novo”, explicou-me Pedro.

Pensei sobre o sentido do que ele me disse. Logo, percebi


que o entendimento que ele tinha sobre aquilo que eu estava fazen-
do ia além do meu próprio entendimento. Jamais tinha pensado sob
esse ponto de vista, de que todo sentimento, quando é fotografado,
pode ser revivido no futuro. Certo, as pessoas costumam aconse-
lhar alguém que está mal: “Não fique remoendo o passado, isso só
piora”. Mas não havia até então me ocorrido que o inverso também
funciona: reviver um momento alegre pode espantar a tristeza.

Foi uma festa memorável. As fotos ficaram muito boas. Mas


esse casamento me marcou pela lição que o noivo, com simplici-
dade, me deu, demonstrando que a importância daquilo que nós
fazemos vai além de um registro momentâneo. É claro que temos
consciência que fazemos algo que vai perdurar – esse é o sentido
do álbum de casamento. Que as gerações irão conhecer um pou-
co da vida de sua família através daquelas páginas. Sabemos que o
que documentamos é a emoção de um momento. Mas nem sempre
realizamos que o sentimento daquelas horas felizes vai impregnar
nossos retratos e seguir como um testemunho vivo de felicidade.
Que basta reabrir o álbum para ela voltar.

Um domingo para fotografar as famílias


Quando se está começando na profissão, o primeiro obstácu-
lo a superar é conseguir pagar as contas apenas fotografando ca-
samentos. Dificilmente isso é possível. Se você for um fotógrafo do
interior, então, não tem jeito – precisa abraçar o que vier: batizado,
festinha infantil, retrato etc. Não melhora o fato de você ser o mais
recente na praça, e ter que concorrer com alguém já estabelecido.

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Quando comecei a trabalhar por conta própria, em 1993, eu
costumava bater ponto na igreja católica que havia próximo ao meu
estúdio, nos domingos pela manhã, quando ocorriam as celebrações
de primeira comunhão. Muitas vezes, estava lá poucas horas depois
de deixar uma festa de casamento. Havia sempre outros fotógrafos
trabalhando no mesmo local, mas a proximidade do meu estúdio me
dava uma vantagem: quando todos seguiam para a festa, eu conse-
guia segurar os meus clientes um pouco mais, levando-os até o es-
túdio para fazer alguns retratos debaixo do set que eu deixava pre-
parado. Fotografava a criança, fazia a foto tradicional da família, mas
também retratava todo mundo individualmente. Depois, eu montava
um álbum e conseguia vender mais fotos que meus colegas.

A posição estratégica permitiu-me criar um diferencial que eu


soube explorar. A ocasião era ideal: as pessoas estavam todas bem
arrumadas, era perfeito para fazer fotos de estúdio. Acabei inserindo
algo novo na cultura de Sapiranga: instituí o domingo como um dia
para a família visitar um estúdio fotográfico. Obtive êxito e consegui
um bom resultado. Não era algo que eu pretendia realizar por muito
tempo, pois minha ambição era a fotografia de casamento. Porém,
isso me permitiu superar uma fase de transição que sempre é com-
plicada e me manteve firme no caminho que eu pretendia trilhar.

Treino é treino, jogo é jogo


Em 2009, eu participei de uma feira de noivas em São Paulo,
chamada Casar, que é um dos eventos mais importantes e luxuosos
do segmento. Na mesma edição havia uma dupla de austríacas, que
estava lá tentando convencer eventuais casais a irem trocar alianças
em Viena, cidade com belíssimos castelos e palco de matrimônios
da realeza. Michaela e Niely viram o meu portfolio e consideraram
que eu tinha potencial para fotografar naquele romântico cenário.
Dois meses depois da feira, elas me contrataram para o que seria
meu primeiro trabalho internacional. Na época, eu estava com vários

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projetos em andamento: o Street Wedding, os programas de tevê e
o lançamento de um site por assinatura para fotógrafos, minha pri-
meira investida na internet. Seria uma excelente forma de promover
tudo isso se eu pudesse documentar a viagem, então pensei em
levar comigo um assessor de imprensa. Porém, eu dispunha de ape-
nas três bilhetes, enviados pelo cliente – um para mim, outro para o
assistente e o último para o cinegrafista.

Obviamente, sairia caro eu bancar a quarta passagem. Mas eu


tinha uma solução: transformar o jornalista que fazia a assessoria do
meu estúdio num assistente de fotógrafo. Treinei-o na nova função
e ele embarcou conosco para cumprir dupla jornada: registrar os
bastidores do trabalho e também me assistir durante a cobertura do
evento. Mas o Guilherme não estava tão preparado assim.

Logo que chegamos no primeiro trabalho, um casamento, dis-


se a ele: “Monta o teu flash que nós vamos começar”. Passaram-se
uns minutos até que chegou o meu novo assistente com tudo des-
montado ainda (na época, eu trabalhava com flashes Metz). Pergun-
tei qual era o problema, visto que ele tinha realizado essa operação
diversas vezes no Brasil, sem a menor dificuldade. “É que eu estou
um pouco nervoso”, confessou.

Precisei montar o equipamento para ele, mas foi o único con-


tratempo da viagem. Porém, o episódio validou a frase que corre os
gramados de futebol, atribuída ao craque botafoguense Didi: “Treino
é treino, jogo é jogo”. Por melhor que seja o ensaio, na estreia sem-
pre recai um frio na barriga que pode pôr tudo a perder. Só que tam-
bém ilustra uma questão importante, já bastante comentada neste
livro: é preciso estar atento e pronto a agarrar as oportunidades. Na
época, estavam aparecendo as primeiras câmeras reflex com capa-
cidade de filmagem, então pude fotografar e fazer takes de vídeo
ao mesmo tempo. Aproveitamos para gravar um episódio da minha
série televisiva sobre SW e ainda esticamos a viagem até o interior
da Itália, onde fomos conhecer uma encadernadora com a qual eu
planejava fechar negócio.

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É claro que o principal motivo de eu ter um cinegrafista era do-
cumentar tudo isso. Porém, eu consegui que ele viajasse por conta
do cliente porque ofereci ao noivo um vídeo de casamento. Ou seja,
você tem de estar disposto a dar algo se espera obter algo. A vanta-
gem não pode ser só sua. O interessante é que, naquela ocasião, eu
estava questionando o meu estilo de trabalho. Achava que era muito
clássico, que talvez devesse investir no chamado fotojornalismo de
casamento. Só que, assim que cheguei em Viena e reencontrei a
Michaela, uma das austríacas que haviam intermediado a viagem,
ela contou que a duas normalmente contratavam norte-america-
nos, porém o estilo deles era “muito fotojornalístico”, ao contrário do
meu, mais glamuroso e, por isso, mais de acordo com a expectativa
delas. Inclusive eu a surpreendi, pois estava acostumada a ceder
aos outros fotógrafos duas horas para que fossem feitos os retratos
dos noivos e convidados. Como no Brasil normalmente dispomos de
apenas alguns minutos para a mesma tarefa, ela ficou maravilhada
quando aceitei fazer os cliques pela metade do tempo habitual.

Essas circunstâncias encerram duas constatações: a primeira


é que você deve investir no seu estilo de fotografar, naquilo que você
sabe fazer bem. A segunda, é que o brasileiro, dadas as condições
de trabalho por aqui, está em excelente condição para competir
com fotógrafos de qualquer outra nacionalidade. No Brasil, fotogra-
famos à noite, temos centenas de convidados em cada casamento.
No exterior, os eventos são consideravelmente menores em públi-
co, ocorrem geralmente de dia, os cenários ajudam grandemente
na composição de boas imagens, há mais tempo para os retratos e
você não precisa disputar esse tempo com a equipe de vídeo – cada
qual dispõe de tempo para fazer o seu trabalho separadamente. Ou
seja, estamos prontos para esse desafio.

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Fotografia se aprende em casa I: Dona Carlota
Minha mãe criou seus quatro filhos dentro de um pequeno esta-
belecimento de fotografia. Não apenas cuidava da administração dos
negócios como especificamente ficava responsável pela revelação
dos negativos (lembro-me que uma vez por mês preparávamos os quí-
micos que iríamos usar no processamento das fotos). Desse período,
contraiu um gosto pela fotografia que se mantém firme até hoje. Minha
mãe sempre exerceu várias funções: fotógrafa, esposa, mãe, empresá-
ria. Tudo ao mesmo tempo. Hoje em dia continua na ativa, trabalhando
com a fotografia digital e todas as modernidades desse novo mundo
fotográfico. Quanto a mim, sempre tive o privilégio de contar com o
apoio incondicional dessa mulher. Sempre fomos cúmplices. Sou o pri-
mogênito e sei da importância de ter visto meus irmãos Leia, Alex e Cris
crescerem, e todos nos tornamos testemunhas da dedicação de nos-
sos pais ao negócio da fotografia. Apesar disso, passou-se muito tempo
até que eu tivesse uma emocionante revelação.

Faz alguns meses, estava na casa de meus pais, em Lontras


(SC), e fui com eles a uma celebração de primeira comunhão. Foi
a primeira vez, depois de tantos anos como profissional, que tive o
prazer de ver minha mãe fotografando. E então percebi, maravilha-
do, que dona Carlota executa exatamente os mesmos trejeitos, as
mesmas caras e bocas, que eu! Decifrei, assim, uma insuspeitada
herança. Mais do que isso, fiquei emocionado ao me ver nela.

Fotografia se aprende em casa II: Seu Luizão


Eu viajo com meu pai desde criança. Vivi minhas primeiras ex-
periências fotográficas ainda menino, aos seis ou sete anos de ida-
de, acompanhando-o pelo interior de Santa Catarina num trabalho
de catalogação de igrejas. Seu Luiz havia sido contratado para fazer
um apanhado fotográfico de todas as igrejas que havia naquela re-

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gião e ficamos dias na estrada. Ficávamos albergados na casa de
paroquianos, e fazia muito frio. Era necessário que eu dormisse junto
com ele para conseguir algum calor. Meu pai esfregava os meus pés
para que pudesse esquentá-los. Muitas vezes, chegávamos tarde
da noite na casa de um anfitrião, que àquela hora saía da cama para
acender o fogão a lenha e nos proporcionar alimento. Certa ocasião,
tivemos que recorrer a uma junta de bois para conseguir tirar nosso
Corcel de um atoleiro. Tudo isso, para um garoto, era fascinante.

Não consigo me recordar das fotos que meu pai fazia. Uma ou
outra apenas. Mas ficou gravada na memória a parceria que estabe-
lecemos. A alegria de estar ao seu lado naquilo que parecia ser uma
grande aventura. Como já mencionei no princípio deste livro, algo
que ele me ensinou foi o valor dos relacionamentos. Ele sempre se
dava muito bem com as pessoas. Era lembrado sempre que se pre-
cisava de um bom conselho. Era visto como um amigão. Depois de
adulto eu tenho viajado com ele, principalmente para o Mato Grosso
do Sul, e essas características persistem.

Em 2006, meu pai comercializava fundos fotográficos e outros


equipamentos de estúdio e viajamos para vender alguns. Em algum
momento, ele estacionou ao lado de uma casinha – uma “cohab” –
que pertencia a um fotógrafo. Mas o proprietário não estava lá. A es-
posa então ligou para o cliente do meu pai, que dali a pouco chegou,
montado em uma bicicleta. Eu estava esperando dentro do carro e fi-
quei observando a cena. Desde 2000 que eu fotografava com câmera
digital, em 2003 todo o meu equipamento era digital, e ali estava um
sujeito que ainda fotografava com filme, usando uma máquina na qual
era preciso puxar o rolo manualmente, sem foco automático, motor
drive, nada. Fiquei pensando na minha condição e percebi o quanto
eu havia subido na profissão – o quanto era privilegiado. Por outro
lado, o fato de viver numa condição material inferior à minha não fazia
dele um sujeito infeliz. Dava para ver pelo entusiasmo com que rece-
beu o meu pai, que representava para aquele fotógrafo um sopro de
novidade. Estamos habituados à internet e a tantos milagres tecnoló-
gicos, mas esquecemos que em muitos lugares do Brasil nada disso

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é realidade. Nesses rincões, a fotografia ainda é muito humilde – mas
talvez por isso seja ainda mais importante. Exerce a mesma importân-
cia que teve para minha família, onde ela nasceu para ser o sustento.

Hoje em dia, as pretensões de quem entra nesta profissão são


bem maiores. Em uma década muita coisa mudou, é possível fazer
uma boa foto usando apenas um telefone. Mas muitas vezes perde-
mos a dimensão da importância desse ofício que escolhemos. Não
nos damos conta do quanto evoluímos, nem nos sentimos satisfeitos,
embora sejamos privilegiados. Meu pai não vende mais equipamen-
tos fotográficos, mas ainda viajamos juntos. Uma vez por ano pegamos
a estrada e visitamos aquelas mesmas pessoas que antes eram seus
clientes, quando deixo de ser Everton Rosa e volto a ser o “filho do Lui-
zão”. Essa rotina me mostra do que o meu pai mais sente falta em sua
aposentadoria: não é de fotografar, nem de vender – é de se relacionar.
É de conversar com as pessoas. É importante a gente compreender o
motivo que nos leva a fotografar. O porquê de estarmos nesta profis-
são, qual o nosso papel nela e por que ela é tão importante para nós. Se
pararmos para pensar, um dos motivos talvez seja a possibilidade de
levar uma mensagem de conforto para as pessoas, uma palavra de es-
perança. Seja fotografando, seja visitando, seja palestrando em algum
congresso ou ministrando um workshop. Sempre tem um propósito – e
entender esse propósito eu acho que é o maior segredo.

Novo Hamburgo
04/11/2015

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