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PROCESSO DE PRODUÇÃO

DA CANNABIS MEDICINAL
E SISTEMA DE CONTROLE
DE QUALIDADE
UNIDADE II
PRODUÇÃO DE MEDICAMENTOS
Elaboração
Wendell Rodrigues Oliveira da Silva

Produção
Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração
SUMÁRIO
PRODUÇÃO DE MEDICAMENTOS................................................................................................1

UNIDADE II
PRODUÇÃO DE MEDICAMENTOS................................................................................................5

CAPÍTULO 1
EQUIPAMENTOS USADOS PARA PRODUÇÃO DE MEDICAMENTOS À BASE DE CANNABIS..... 5
CAPÍTULO 1
QUANTIFICAÇÃO DE CANABINOIDES EM EXTRATOS MEDICINAIS DE CANNABIS.................. 9
CAPÍTULO 2
CONTROLE DE QUALIDADE DOS PRODUTOS DE CANNABIS............................................... 29
REFERÊNCIAS.........................................................................................................................36
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PRODUÇÃO DE
MEDICAMENTOS
UNIDADE II

Capítulo 1
EQUIPAMENTOS USADOS PARA PRODUÇÃO DE
MEDICAMENTOS À BASE DE CANNABIS

Figura 9. Produtos de Cannabis.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/jar-hemp-white-lotion-cannabis-
cream-1492246823.

A regulamentação de produtos à base de Cannabis foi feita pela Agência Nacional de


Vigilância Sanitária, em dezembro de 2019. Com essa decisão, produtos produzidos à
base de Cannabis, com THC e/ou CBD, com finalidade de uso medicinal, podem ser
vendidos em farmácias e drogarias, mediante prescrição médica, e ficam sujeitos à
fiscalização da agência.

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UNIDADE II | Produção de medicamentos

A regulamentação é temporária, com validade de apenas três anos. Durante esse período,
a segurança e a eficácia serão testadas e uma nova resolução deverá ser editada ao
final dos três anos.

As embalagens dos produtos apresentando substâncias de cannabis devem apresentar


informação a respeito da concentração dos princípios canabinoides contidos
na formulação, dentre eles o CBD e o THC, mas apenas a concentração de THC é
considerada para essa classificação dos rótulos.

Todos devem apresentar a frase “Venda sob prescrição médica”, acompanhada de “Só
pode ser vendido com retenção de receita no caso de produtos com menos de 0,2%
de THC” ou acompanhada do texto “Uso desse produto pode causar dependência física
ou psíquica no caso de concentrações superiores a 0,2%”.

Quadro 1. Comparação entre medicamentos à base de cannabis e produtos de cannabis.

Medicamentos à base de Cannabis Produtos de Cannabis


Diferenças
Sujeitos a registro. Sujeitos a autorização sanitária.
Podem ser prescritos quando estiverem esgotadas
A prescrição segue a indicação aprovada no registro. outras opções terapêuticas disponíveis no mercado
brasileiro.
Validade de 10 anos. Validade de 5 anos.
Não está sujeito à renovação (deverá se regularizar
Sujeito a renovação.
como medicamento).
Não podem ostentar nomes comerciais (nome do
Podem adotar nomes comerciais. derivado vegetal ou fitofármaco acompanhado do nome
da empresa responsável).
Utilização de acordo com os dados de eficácia e Utilização apenas por via oral ou nasal, em formas de
segurança apresentados. liberação imediata.
Obrigatória a avaliação prévia da Anvisa. Não é necessária a avaliação prévia da Anvisa.
Devem seguir o estabelecido na RDC n. 47/2009 e Restrições e obrigações devem constar na rotulagem, na
RDC n. 71/2009. embalagem e no folheto informativo.
O paciente ou o seu representante legal deve assinar
termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).
Semelhanças
Aplicam-se todas as normativas relacionadas às ações de monitoramento e inspeção relativas a medicamentos.
Os requisitos para o controle de qualidade devem seguir o disposto na RDC n. 24/2011 ou RDC n. 26/2014.
A empresa responsável deve possuir:
» autorização de funcionamento empresa (AFE);
» autorização especial (AE);
» Certificado de Boas Práticas de Fabricação (CBPF) de medicamentos para a empresa fabricante.
É vedada a manipulação de fórmulas magistrais.
A dispensação deve ser realizada mediante a apresentação de notificação de receita específica, conforme Portaria
SVS/MS n. 344/1998.
A escrituração da movimentação deverá ser realizada por meio do sistema nacional de gerenciamento de
produtos controlados (SNGPC).

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Produtos de Cannabis de acordo com a concentração de THC


Até 0,2% de THC Acima de 0,2% de THC
Destinados a casos em que estiverem esgotadas Destinados a cuidados paliativos exclusivamente para
outras opções terapêuticas disponíveis no mercado pacientes sem alternativas terapêuticas e em situações
brasileiro. clínicas irreversíveis ou terminais.
Rótulo com faixa preta contendo as frases: “venda Rótulo com faixa preta contendo as frases: “Venda sob
sob prescrição médica” e “só pode ser vendido com prescrição médica” e “Atenção: uso desse produto pode
retenção de receita”. causar dependência física ou psíquica”.
Prescrição acompanhada da notificação de receita “B”. Prescrição acompanhada da notificação de receita “A”.

Fonte: elaborado pelo autor.

1.1. Equipamentos para cultivo e produção de


medicamentos
» Estufa para manter a temperatura ambiente do plantio da Cannabis: locais que
apresentam clima extremo (muito calor ou muito frio) pode dificultar o cultivo da
Cannabis. Mas as estufas de alta tecnologia podem compensar as desvantagens
do cultivo nesses ambientes.

» Câmara de propagação clonar: a clonagem é uma forma eficiente de perpetuar


e propagar o cultivo, sem a necessidade de germinar sementes. Os clones (ou
estaquias) são as mudas retiradas de uma planta crescida com o objetivo de se
obter novos pés idênticos à planta. As câmaras de propagação clonar deixam
a planta-mãe vegetando sob um regime de luz 18/6 (ou mais) e, dessa forma,
produzem clones que irão florescer e dar frutos.

» Painéis LED Full Spectrum: os LEDs entraram no mercado da Cannabis com


tudo nos últimos anos, pela possibilidade de produzir excelentes colheitas, sem
produzir muito calor e usando uma menor quantidade de energia. Com um LED
Full Spectrum de boa qualidade e um cultivo bem-feito, consegue-se colher entre
0,5 g até 1 g por Watt.

» Exaustor linear 100MM: exaustor é um item muito importante no cultivo porque


sem ele as plantas não resistiriam e morreriam sufocadas dentro da estufa. É o
equipamento que auxilia na renovação do ar no interior da estufa. Isso é necessário
devido às plantas estarem constantemente realizando suas trocas gasosas,
absorvendo gás carbônico e eliminando oxigênio.

» Exaustor turbo 100MM.

» Temporizadores analógicos.

» Equipamento ultrassônico da extração: os extratores ultrassônicos são


equipamentos superiores quando se trata da intensificação dos processos de

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extração ultrassônica. Assim como um método não térmico, sonication impede


a degradação de substâncias que não resistem à temperatura, como o CBD. A
utilização de ondas de ultrassom de alta potência leva à perfuração e ruptura de
células e tecidos e favorece a transferência de massa. Isso implica que o material
intracelular seja liberado da célula interna e transferido para o solvente.

» Câmaras de crescimento multicamada de alta capacidade.

» Sala/casa do crescimento.

» Sala Walk-in: é utilizada para acomodar equipamentos grandes e armazenar


tambores que representam algum risco, porém, não deve ser utilizada como um
armário de armazenagem.

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Capítulo 1
QUANTIFICAÇÃO DE CANABINOIDES EM EXTRATOS
MEDICINAIS DE CANNABIS

Figura 10. Óleo de Cannabis.

Fonte: https://sechat.com.br/conselho-federal-de-farmacia-regulamenta-atuacao-do-farmaceutico-em-
produtos-a-base-de-cannabis/.

Extratos medicinais de espécies de Cannabis estão sendo usados no tratamento de


várias condições patológicas, porém, os resultados clínicos no tratamento da epilepsia
refratária apresentaram papel destacado na regulamentação sanitária do país.
Apesar de a Cannabis sativa L. ser a principal espécie do gênero Cannabis, várias
subespécies e variedades de planta são também cultivadas.

Vários compostos produzidos no metabolismo secundário dessa planta apresentam


interesse farmacológico, principalmente os canabinoides (terpenofenólicos).
Os compostos majoritários são o ácido tetrahidrocanabinólico (THCA) e
ácido canabidiólico (CBDA), que a partir do momento que são convertidos
às suas formas neutras, tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD),
têm efeitos farmacológicos paradoxais no sistema nervoso central. O
THC é um psicoativo com propriedades euforizantes, ao passo que o
CBD é depressor com propriedades ansiolíticas e anticonvulsivantes.
O THC apresenta também efeito analgésico e antiemético e o CBD apresenta efeito
anti-inflamatório e antipsicótico. As proporções de THC e CBD são utilizadas na Europa
e na América do Norte para fazer a classificação da Cannabis como droga/maconha
ou como fibra/cânhamo e, dessa forma, variedades que apresentam teores de THC
superiores ao de CBD são classificadas como maconha e estão sujeitas a controle mais

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UNIDADE II | Produção de medicamentos

rigoroso em razão das propriedades psicoativas do THC, ao passo que variedades com
teores de CBD superiores ao de THC são classificadas como cânhamo e são permitidas
na fabricação de fibras, cosméticos e suplementos alimentares desde que o teor de THC
seja inferior ou igual a 0,3%.

No Brasil, a importação de extratos medicinais de Cannabis foi regulamentada pela


Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), por meio da RDC n. 17/2015, depois
de o Conselho Federal de Medicina (CFM), por meio da Resolução RE n. 2.113/2014,
autorizar a prescrição compassiva de canabidiol para tratamento de epilepsias refratárias
aos tratamentos convencionais. Em 2016, a Anvisa acrescentou na autorização de
importação para uso médico pessoal, por meio da RDC n. 66/2016, a planUai estouta
Cannabis sativa L., partes da planta e de seus compostos, incluindo o THC. Um ano após,
foi fornecido registro no Brasil ao medicamento Mevatyl®, indicado para controle da
espasticidade na esclerose múltipla, constituído por extrato hidroalcoólico de Cannabis
sativa L. possuindo 27 mg/ml de THC e 25 mg/ml de CBD, além de alguns outros
canabinoides minoritários e terpenos. Devido ao teor mais alto de THC em relação ao
CBD, esse medicamento não é indicado para controle de convulsões e para pacientes
com menos de 18 anos.

A matéria-prima utilizada na produção dos extratos medicinais de Cannabis são as


sumidades que floriram de espécimes pistiladas (fêmeas) ricas em THCA e/ou CBDA
que são aquecidas para descarboxilação dos canabinoides às suas formas neutras,
obtendo-se, dessa forma, os princípios ativos THC e CBD. Dependendo da temperatura,
das condições de armazenamento e do tempo de descarboxilação, a matéria-prima pode
apresentar o produto de degradação do THC, o canabinol (CBN). Esses 5 canabinoides
são os marcadores empregados no controle de qualidade de produtos medicinais
(figura 11).

Hoje, os extratos de Cannabis usados no Brasil no tratamento de epilepsias refratárias e


mais alguns quadros patológicos são importados e registrados em seu país de origem
como suplementos alimentares, e produtos nacionais são conseguidos no mercado
ilícito ou produzidos artesanalmente pelas famílias de pacientes. De acordo com os
rótulos dos produtos importados, o veículo mais utilizado é o triglicerídeo de cadeia
média (TCM), ao passo que, na preparação artesanal, a resina de Cannabis é, em geral,
dissolvida em óleos de oliva, de girassol ou de coco.

A regulamentação da utilização de extratos medicinais de Cannabis e a necessidade de


monitoramento e de fiscalização com fins de saúde pública explicam a padronização
de métodos de controle de qualidade que são aplicáveis ao insumo farmacêutico ativo
vegetal (IFAV) e aos extratos formulados em veículos oleosos. Será mostrado um método

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de controle de qualidade para os canabinoides que pode ser aplicado ao IFAV e aos
extratos medicinais de Cannabis formulados em matrizes oleosas.

Figura 11. Canabinoides de interesse no controle de qualidade de extratos medicinais


de Cannabis.

Ácido canabidiólico
Ácido (CBDA)
tetrahidrocanabinólico
(THCA) Descarboxilação por aquecimento
(perda de CO2)
Preparação da matéria-prima

Ácido
Canabidiol (CBD)
tetrahidrocanabinólico
(THC)
Degradação

Canabinol (CBN)

Fonte: Carvalho, 2020.

Materiais de referência certificados THCA, THC, CBD, CBDA e CBN nas concentrações
de 1 mg/ml podem ser utilizados na otimização e validação do método. Diazepam com
pureza de 99,9% pode ser utilizado como padrão interno. Em metanol e água ultrapura
(grau HPLC), n-hexano grau HPLC, prepara-se solução tampão (50 mM, pH 5,19) com
formiato de amônio e ajustado o pH com ácido fórmico.

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1.1. Extratos medicinais de cannabis


Alíquotas de 100 mg para amostras em veículo oleoso e 20 mg para amostras de resinas
(IFAVs) são transferidas para tubos de polipropileno e acrescentados 10 ml do solvente
metanol:n-hexano (9:1 v/v) apresentando padrão interno na concentração de 0,005 mg
mL. As amostras são homogeneizadas a 2.000 rpm por 1 min e submetidas ao banho
de ultrassom (US) por 30 min. As amostras em veículo oleoso são refrigeradas a -20 °C
por 30 min e centrifugadas a 4.000 rpm durante 20 min. As amostras de resinas diluídas
e que foram homogeneizadas por US e os sobrenandantes das amostras centrifugadas
são filtrados em membrana PTFE de 0,22 μm e transferidos para vials de HPLC e realizada
a diluição adequada de acordo com o perfil cromatográfico, como para os extratos em
torno de 50 mg/ml, o fator de diluição final será de 200 vezes.

Para cromatografia, utiliza-se um equipamento de Cromatografia Líquida de Alta


Eficiência (CLAE) acoplado ao detector de arranjo de diodos, dotado de bomba
quartenária Rheos 5600, automostrador Accela e detector PDA Accela de 20Hz. Os
dados são processados em software como o ChromQuest 5.0.

O método foi desenvolvido em coluna cromatográfica, dimensões 250 x 4,6 mm e


partículas de 5 μm em temperatura constante de 30 °C. Os analitos são eluídos no
modo gradiente, empregando como solvente A tampão formiato de amônio, 50 mM,
pH 5,19, e solvente B metanol nas seguintes condições: 0-10 min de 32 a 15% de A; 10
a 20 min de 15 a 8% de A; 20 a 22 min de 8 a 5% de A, 22 a 25 min 5% de A; 25 a 30
min retorna-se à condição inicial de 32% de A. O fluxo de 1,0 ml/min e injeção de 10
μl. A detecção é realizada em comprimento de onda de 240 nm.

Os canabinoides são identificados por meio dos seus espectros em comparação com
os padrões de referência e por meio dos tempos de retenção.

1.1.1. Validação do método

Os parâmetros avaliados foram a linearidade, a seletividade, a precisão, o limite de


detecção (LD), o limite de quantificação (LQ) e a exatidão de acordo com as orientações
da Anvisa, por meio da RDC n. 166/2017; da Instrução Normativa n. 4/2014, que
determina os critérios para registro de controle de qualidade de fitoterápicos; e pelo
International Conference on Harmonization (ICH). A curva de calibração foi realizada
com 7 pontos nas concentrações de 0,001 a 0,030 mg ml para os cinco canabinoides
que interessavam a partir de soluções-padrão. O LD e LQ foram determinados da forma
do ICH10 pela análise de seis amostras brancas de óleo de oliva misturado com óleo

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Produção de medicamentos | UNIDADE II

de girassol e usada a relação entre o desvio padrão e a resposta (área) e o slo pe (S)
da curva de calibração. Foi utilizado como critério 3,3σ/S para o LD e 10σ/S para o LQ.

A repetibilidade e a precisão intermediária foram medidas somente para os marcadores


farmacológicos THC e CBD. Os ensaios foram feitos utilizando soluções padrão
secundárias preparadas partindo de resina rica em CBD importada e resina rica em
THC nacional, ambas diluídas em metanol para se obter o padrão secundário de THC
na concentração de 200,00 mg ml e padrão secundário de CBD na concentração de
150,00 mg mL. Quantidades adequadas do padrão secundário foram evaporadas em
fluxo de N2 e ressuspendidas no branco de óleo de oliva misturado com óleo de girassol
para preparar as amostras controle de qualidade 1 (CQ1) nas concentrações 3,50 mg
mL para THC e 2,50 mg ml para CBD e das amostras CQ2 nas concentrações 52,00 mg
mL e 45,00 mg mL para THC e CBD. Dessa forma, a repetibilidade foi ensaiada por meio
da análise de seis replicatas das amostras CQ1 e CQ2 e a precisão intermediária pela
análise de seis replicatas de CQ1 e CQ2 em dois dias alternados.

A exatidão do método foi medida como percentagem de recuperação para os


canabinoides CBD, THC e CBN nas concentrações de 1,00 e 2,00 mg ml na matriz TCM,
por ter sido esse o veículo mais citado nos rótulos de produtos importados. Quantidades
corretas de materiais de referência certificados foram misturadas, o solvente evaporado
e feito a diluição dos canabinoides no branco de matriz.

Óleos comerciais foram utilizados nos ensaios de seletividade, como óleo de soja
orgânico (marca Korin, lote TG0950 08:53:069), óleo de coco orgânico extravirgem
(marca Copra lote 91005616), óleo de oliva orgânico extravirgem (marca O-live, lote
00002), óleo de girassol (marca Pazze, lote 41215/6) e triglicerídeo de cadeia média –
TCM (marca Lótus, lote 180807).

1.1.2. Separação cromatográfica e validação

A separação de cinco canabinoides (THCA, CBDA, CBD, CBN e THC) e do padrão


interno (diazepam) aconteceu em 21 minutos e mostrou boa resolução nas matrizes
ensaiadas. Métodos por cromatografia gasosa (CG) e CLAE são relatados na literatura
para determinação de canabinoides em várias matrizes, além de mais métodos pouco
difundidos, como a cromatografia em fluido supercrítico.

Os métodos por CG, apesar de robustos e rápidos, exigem derivatização dos canabinoides
ácidos por causa das altas temperaturas exigidas na operação. Dessa forma, quando a
análise de canabinoides é destinada ao controle de qualidade de produtos farmacêuticos
e suplementos alimentares, os métodos por CLAE são a melhor opção, pois não exigem
aquecimento, sendo assim aplicáveis aos canabinoides ácidos e neutros ao mesmo

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UNIDADE II | Produção de medicamentos

tempo, permitindo analisar se a descarboxilação necessitada na preparação do insumo


farmacêutico ativo vegetal foi adequada.

Entre os métodos por CLAE publicados, o relatado por De Backer et al. (2009) foi
lembrado no artigo de revisão de Citti et al. (2018) como o que foi mais referido na
literatura e escolhido para otimização e validação desse trabalho. Os fatores que levaram
a essa escolha foram:

» boa resolução para os analitos de interesse THCA, THC, CBN, CBD e CBDA;

» utilização do metanol como solvente orgânico na fase móvel que apresenta menor
custo comparado à acetonitrila;

» utilização do detector de arranjo de diodos que apresenta também menor custo


de aquisição e manutenção comparado à espectrometria de massas.

No trabalho original, foi usado prazepam como padrão interno, porém, por essa
substância não ser fabricada no Brasil, decidiu-se pelo diazepam, referido por Citti et
al. (2016), cujo material de referência é fabricado e fornecido pelo Instituto Nacional
de Controle de Qualidade em Saúde da Fiocruz.

Apesar de o método selecionado ter sido aplicado a amostras vegetais, empregando


coluna C18 com menor tamanho de partícula (2 μm) para melhor resolução dos picos,
a coluna empregada neste trabalho com tamanho de partícula de 5 μm e o gradiente
alterado se mostraram ideais para a separação dos cinco canabinoides no IFAV e nos
extratos produzidos em matrizes oleosas, conservando-se a sequência de eluição dos picos.

A padronização de métodos para quantificar aos canabinoides envolve alto custo no


Brasil, pois os padrões de referência necessitam ser importados e estão sob controle
internacional rigoroso.

Esses materiais de referências certificados são conseguidos em ampolas de 1 ml,


concentração de 1 mg/ml com valores aproximado de U$ 350 para os canabinoides
CBD, THC e CBN e U$ 700 para os canabinoides ácidos CBDA e THCA, que são instáveis
e precisam de transporte refrigerado com armazenamento a -20 °C. Mesmo os que
os teores de canabinoides nos extratos medicinais sejam, teoricamente, na ordem de
algumas dezenas de miligramas, parte da validação do método precisou ser feita na
ordem de microgramas, visto a solução estoque do material de referência certificado
apresentar teor de 1,0 mg ml.

A maior dificuldade de implantar o método de controle de qualidade para canabinoides


no Brasil está no elevado custo dos materiais de referência certificados, na demora na
entrega e na burocracia de importação.

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Produção de medicamentos | UNIDADE II

Mais uma dificuldade técnica para desenvolvimento e validação de método, no momento


que o foco é a avaliação de segurança dos tratamentos ou fiscalização de produtos, é
a grande variabilidade de veículos utilizados no preparo dos extratos medicinais. Ao
passo que os rótulos dos extratos importados declararam TCM como veículo, os extratos
artesanais foram feitos com óleo de girassol, óleo de oliva, óleo de soja, óleo de coco
e certos pacientes relataram misturas de óleos.

Alguns extratos também fornecidos no mercado nacional não regulado apresentavam


em seus rótulos a citação de glicerina como veículo.

No ensaio de seletividade, as matrizes que mostraram picos interferentes de mais


intensidade, com os tempos iguais de retenção do CBDA, CBD e THC (quadro 2), foram
óleo de oliva e óleo girassol (figuras 12 e 13).

Quadro 2. Interferentes nos tempos de retenção dos analitos de interesse.

Concentração de interferentes (mg/ml)


Matrizes
CBD CBDA THC
Óleo de coco 0,07 0,08 ND
Óleo de soja 0,05 0,08 ND
Óleo de girassol ND 0,06 0,05
Óleo de oliva 0,07 0,09 ND
TCM 0,07 0,08 ND
TCM: triglicerídeo de cadeia média; ND: não detectado.

Fonte: Carvalho, 2020.

Figura 12. Perfil cromatográfico do óleo de girassol.


0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 220 240
0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 220 240

Diazepam
mAU

CBDA THC
-20
-20

0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30

Minutos

Fonte: Carvalho, 2020.

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UNIDADE II | Produção de medicamentos

Figura 13. Perfil cromatográfico do óleo de oliva.

40 60 80 100 120 140 160 180 200 220 240


0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 220 240

Diazepam
mAU

CBDA CBD

20
0
-20

-20
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30

Minutos
Fontte: Carvalho, 2020.

Sendo o presente método sugerido para controle de qualidade e avaliação de segurança


dos extratos medicinais de Cannabis, cujos teores aguardados dos marcadores
farmacológicos (CBD e THC) são na ordem de mg/ml, decidiu-se pela mistura das
matrizes de óleo de girassol e óleo de oliva para o alcance do branco usado nos ensaios
de LD, LQ e precisão.

Os resultados dos parâmetros linearidade, LD, LQ, precisão e exatidão (quadros 3, 4 e 5)


alcançaram a finalidade de controle de qualidade dos produtos medicinais. A precisão
foi medida apenas para THC e CBD pois esses são os marcadores farmacológicos dos
extratos medicinais. A presença dos canabinoides ácidos THCA e CBDA indica que
a técnica de descarboxilação na preparação da matéria-prima não foi adequada e a
presença de CBN indica a degradação do THC. Dessa forma, considera-se que o método
foi validado completamente somente para os marcadores farmacológicos THC e CBD.

Quadro 3. Resultados dos ensaios de linearidade, LD e LQ.

Analito Equação da reta r2 LD LQ


THC y = 5,5402x + 0,0996 0,999365 0,22 0,66
CBD y = 6,9874x + 0,1077 0,999651 0,20 0,59
THCA y = 3,7752x + 0,1589 0,998592 0,15 0,44
CBDA y = 3,7436x + 0,1129 0,999396 0,11 0,35
CBN y = 2,1120x + 0,0802 0,999548 0,09 0,26

Fonte: Carvalho, 2020.

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Produção de medicamentos | UNIDADE II

Quadro 4. Resultados dos ensaios precisão.

THC CBD
3,50 mg/mL 52,00 mg/mL 2,50 mg/mL 45,00 mg/mL
Repetibilidade (CV%) 6,47 2,97 3,25 6,21
Precisão intermediária (CV%) 5,89 7,24 5,43 6,42

Fonte: Carvalho, 2020.

Quadro 5. Recuperação do método.

Concentração (mg mL) CBD THC CBN


1,00 89,51% 85,05% 97,09%
2,00 117,45% 99,49% 90,34%

Fonte: Carvalho, 2020.

Os valores do coeficiente de variação conseguidos nos ensaios de precisão contemplam


ao critério da Instrução Normativa n. 4/2014 para produtos fitoterápicos (CV ≤ 15%).

O método foi realizado nos extratos importados em veículos oleosos (n = 26) e resinas (n
= 7) e aos extratos nacionais em veículos oleosos (n = 62) e resinas (n = 6). Os extratos
oleosos importados têm como veículo principal o TCM, ao passo que os extratos oleosos
nacionais usaram glicerina, óleo de oliva, óleo de girassol, óleo de coco e óleo de soja.
Os extratos que foram importados eram todos suplementos alimentares, boa parte
importada dos Estados Unidos, enquanto os extratos nacionais, de acordo com relato
dos responsáveis dos pacientes, foram conseguidos em regiões diferentes do Brasil,
tais como Sul (Santa Catarina), Sudeste (São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro) e
Nordeste (Piauí e Paraíba), sendo que 15% das amostras nacionais foram fabricadas em
casa pelos responsáveis pelos pacientes. As amostras mostravam elevada variabilidade
nas características organolépticas.

O perfil cromatográfico dos extratos estudados orientou o planejamento das diluições


que foram utilizadas na fase final de preparação da amostra. Os extratos importados,
todos, mostraram perfil predominante do canabinoide CBD (figura 14) com teores
por volta de 100 vezes maior do que determinado nos extratos nacionais, nos quais o
canabinoide majoritário foi o CBD. Os extratos nacionais mostraram diferentes perfis,
podendo ser classificados primeiramente como extratos com perfil predominante do
canabinoide THC (figura 15) de origens na região Sul e Sudeste e traços de canabinoides
preparados em glicerina que as origens descritas foram os Estados do Piauí, da Paraíba
e de Minas Gerais.

A alta variabilidade dos teores de canabinoides, em especial nos extratos de origem


nacional, que não apresentam teores indicativos nos rótulos, traz dificuldade
no estabelecimento de um fator de diluição único. Dessa forma, para realizar as

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UNIDADE II | Produção de medicamentos

quantificações, foi necessária uma análise inicial para avaliação do perfil cromatográfico
e posterior diluição com solvente de extração, apresentando padrão interno para
as concentrações de canabinoides dentro da curva de calibração. A ausência de
padronização dos extratos nacionais e de certos produtos importados com teores muito
acima ou abaixo dos valores declarados nos rótulos exigiu duas corridas cromatográficas
para cada uma das amostras.

Figura 14. Perfil cromatográfico de extrato importado formulado em TCM rotulado como
CBD puro.
0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000 2200

0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000 2200
CBD
mAU

Diazepam
CBDA CBN THC
THCA
-200

-200
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30

Minutos
Fonte: Carvalho, 2020.

Figura 15. Perfil cromatográfico de extrato nacional formulado em óleo de oliva rico em THC.
0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000 2200

0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000 2200

THC
mAU

Diazepam
CBN
CBD
CBDA THCA
-200

-200

0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30

Minutos
Fonte: Carvalho, 2020.

18
Produção de medicamentos | UNIDADE II

Somente 10 dos 68 extratos nacionais mostraram perfil predominante de CBD e ainda


assim os teores foram bem abaixo daqueles determinados nos extratos importados.
Os teores de THC são superiores ao de CBD nos extratos nacionais e demonstraram
que eles são feitos, na maioria, com variedades de plantas de Cannabis reconhecidas
internacionalmente como maconha.

Mesmo a regulamentação americana adotando o padrão de uso e não a diferenciação


hemp ou marijuana para definir se a Cannabis é medicinal, os perfis dos produtos
nacionais mostrados não são comparáveis com os extratos importados e teriam uso
medicinal limitado aos quadros patológicos que necessitam THC, o que não é o caso
das epilepsias refratárias. Além dos extratos oleosos nacionais não possuírem teores
de CBD equivalentes aos descritos nos importados, ainda mostraram teores de CBDA e
THCA maiores (figura 16), sugerindo que o preparo da matéria-prima foi inapropriada,
pois a descarboxilação é exigida para conversão dos compostos ácidos em neutros e
alcance dos efeitos terapêuticos.

Figura 16. Comparação de médias e desvios-padrão dos teores de canabinoides nos extratos
oleosos.

150
Importado
140
Nacional

130

120

110

100
Mg/ml-1

100
V
80

60

40

20

10

Fonte: Carvalho, 2020.

19
UNIDADE II | Produção de medicamentos

Os maiores teores de THC identificados nas amostras nacionais podem ser explicados
pelo fato do mercado da Cannabis ser dirigido ao consumo recreativo. Esse fenômeno
também pode estar acontecendo em outros países. Em uma avaliação de 61 extratos de
Cannabis consumidos por crianças que apresentavam epilepsia em uma comunidade
australiana, notou-se que os perfis de canabinoides naqueles produtos foram parecidos
com os encontrados neste trabalho, predominando extratos com perfil THC, teores
muitos baixos de CBD ou traços de canabinoides.

Em 2018, foi registrado o primeiro medicamento à base de CBD pela Food and Drug
Administration (FDA) sob o nome comercial Epidiolex®. Esse medicamento, produzido
pela GW Pharma na apresentação de 100 mg/ml de CBD, é indicado para tratamento de
convulsões nos pacientes a partir de 2 anos que apresentam as síndromes de Lennox-
Gastaut e de Dravet, com doses que vão de 5 a 10 mg/kg/dia. Se a ação do CBD no
controle de convulsões associadas a determinadas síndromes já está comprovada,
pacientes que trocam protocolos terapêuticos convencionais por extratos com traços
de canabinoides ou teores muito baixos de CBD podem sofrer o agravamento do seu
quadro patológico pela falta de medicação apropriada.

Extratos ricos em THC, mesmo tendo indicação como tratamento paliativo no controle
da náusea, de dor e de vômitos em pacientes sob quimioterapia, podem piorar crises
convulsivas e levar a surtos psicóticos. Isso foi descrito por algumas mães de crianças
portadoras de epilepsia atendidas no projeto Farmacannabis.

Ao contrário dos Estados Unidos e Europa, que regulamentaram o cânhamo para


a produção de fibras, a regulação brasileira não fez diferenciação do perfil químico
entre cânhamo e maconha. Por exemplo, a Portaria n. 344/1998, que complementa
a Lei n. 11.343/2006, a chamada Lei de Drogas, aloca na lista E (plantas proibidas) a
Cannabis sp., o que abarca todas as espécies, subespécies e variedades do gênero. Os
resultados conseguidos nas amostras verdadeiras mostram a precisão do investimento
nacional no cultivo das variedades de Cannabis de interesse terapêutico, principalmente
as de cânhamo, e no desenvolvimento de produtos, porque a falta de padronização
farmacêutica dos extratos medicinais é um risco à saúde, principalmente para crianças,
que devido ao quadro patológico, apresentam dificuldade de relatar os sintomas, ficando
a avaliação médica e do cuidador restrita aos sinais clínicos observáveis.

O método mostrou-se adequado para análise de extratos formulados em diferentes


veículos oleosos e em resinas, podendo ser adotado no controle de qualidade do IFAV
e extratos medicinais de Cannabis.

20
Produção de medicamentos | UNIDADE II

A composição e teores de canabinoides dos produtos importados são diferentes dos


produtos nacionais. Ao passo que todos os importados mostraram perfil de extratos de
cânhamo, boa parte dos produtos nacionais mostraram perfil de extratos de maconha.

O perfil dos extratos nacionais mostra a necessidade de investimento nacional no cultivo


de variedade de Cannabis de interesse terapêutico, principalmente de cânhamo, e na
produção farmacêutica.

1.1.3. Obtenção de compostos ativos da Cannabis para a


produção de medicamentos

Figura 17. A Cannabis para a produção de medicamentos.

Fonte: https://blog.ingredientesonline.com.br/canabidiol-beneficios/.

Há anos, o uso da Cannabis para fins terapêuticos tem sido alvo de discussões e
embates pelo mundo todo, sob pressão da sociedade e o olhar atento de especialistas,
principalmente daquelas pessoas que possuem em suas famílias pessoas com casos de
doenças crônicas, que provavelmente podem ser tratadas com medicamentos à base
da Cannabis. As pesquisas têm avançado bastante nessa área, ao longo dos anos. No
entanto, mesmo com a urgência por uma solução, no Brasil, o impasse se encontra na
esfera federal.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso terapêutico de


canabidiol, em janeiro de 2015, que é um dos mais importantes compostos ativos
da Cannabis. Desde então, não houve grandes avanços no ambiente regulatório no
Brasil, tendo em vista que não se finalizou a abertura pela Anvisa de audiência pública

21
UNIDADE II | Produção de medicamentos

para debater não apenas a regulamentação da cultura da Cannabis no país, mas a


comercialização no mercado de acesso voltada para ensaios clínicos e venda de produtos
à base de Cannabis.

Figura 18. Molécula do canabidiol.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/cannabidiol-cbd-structural-skeletal-
formula-1197246646.

Acredita-se que os primeiros fármacos brasileiros a chegarem às farmácias serão


anticonvulsivantes para uso associado com outros medicamentos em síndromes
epiléticas resistentes à medicação convencional.

Se, no que envolve a regulamentação, existe um atraso nas definições nacionais,


no que tange à inovação, o Brasil partiu à frente do mundo no último ano, com o
desenvolvimento de um processo bastante inovador elaborado a partir de um contrato
de transferência de know how da Unicamp para uma empresa brasileira de pesquisa e
desenvolvimento (P&D) de medicamentos à base de Cannabis.

O desenvolvimento aconteceu nos laboratórios da Faculdade de Engenharia de


Alimentos (FEA) da Unicamp. A Cannabis apresenta mais de 500 compostos ativos e
o processo desenvolvido atua na extração de aproximadamente 120 das famílias de
THC (tetrahidrocanabinol), que é o composto relacionado à sensação de relaxamento,
diminuição da dor e aumento do apetite; e do cannabidiol, que tem sido relacionado
mais recentemente para o tratamento de crianças que apresentam epilepsia refratária.

Já temos tecnologias avançadas que obtêm produto a partir de matéria-prima certificada


e com um processo verde, que obtém compostos ativos sem resíduos. Nos processos de
extração tradicionais aplicados às plantas, podem ser obtidos compostos com resíduos
de solventes. Nessa situação, a aplicação medicinal pode ser afetada negativamente

22
Produção de medicamentos | UNIDADE II

em função desses resíduos. Já na extração supercrítica, o solvente usado é o dióxido


de carbono que é 100% removido e pode ser reciclado, o que apresenta ainda uma
função ecológica.

A planta Cannabis é considerada uma planta quimicamente complexa por apresentar


uma série de substâncias químicas de diversas classes, mas as que se destacam são
os canabinoides, por serem responsáveis pelos efeitos psicoativos e das atividades
farmacológicas da planta. Encontrados somente em plantas do gênero Cannabis, eles
apresentam uma concentração significativa no haxixe, uma resina extraída da planta.

Ela é conhecida por apresentar uma variedade de produtos químicos, sendo encontradas
mais de 500 substâncias, das quais, por volta de 80 compostos pertencem à classe dos
canabinoides. O canabinoide é composto por 21 átomos de carbono, formados por três
anéis, um cicloexeno (anel A), tetraidropirano (anel B) e um benzeno (anel C). Esses são
responsáveis pelos efeitos psicoativos da planta e estão classificados em dois grupos:

» os canabinoides psicoativos, onde se encontra o ∆ 9 - tetraidrocanabinol (∆9-THC)


e o ∆8-tetraidrocanabinol (∆8-THC);

» os não psicoativos que são o Canabidiol (CBD) e o Canabinol (CBN).

O ∆ 9 -THC é o mais abundante nas plantas e sua estrutura está representada na figura
19, indicando os principais sistemas de numeração encontrados na literatura.

Figura 19. Estrutura do ∆9 -THC e seus respectivos sistemas de numeração.

Fonte: Sousa, 2017.

23
UNIDADE II | Produção de medicamentos

O canabinoide psicoativo de importância terapêutica é o ∆9-THC, utilizado pela planta


como estrutura de defesa contra desidratações e ações aleloquímicas. Possui uso
terapêutico como analgésico, anti-inflamatório e antitérmico. Outros canabinoides
também encontrados na planta têm importância terapêutica, como o ∆8 -THC, que
apresenta menor efeito psicoativo que o ∆9-THC e tem como uso terapêutico a
diminuição da pressão intraocular. O canabidiol não apresenta efeito psicoativo e é
utilizado como sedativo e anticonvulsivante, já o canabinol possui efeito psicoativo
observado somente por via intravenosa e apresenta atividade anti-inflamatória.

Figura 20. Estruturas dos principais canabinoides com atividades terapêuticas.

Fonte: Sousa, 2017.

Por meio de suas biossínteses (figura 21), essas substâncias são primeiramente
sintetizadas pela planta sob a forma de ácidos carboxílicos e, somente após a influência
da luz e calor, são convertidas nos canabinoides, com a perda do grupo carboxílico sob
a forma de dióxido de carbono. A maioria do THC encontrado na planta está na forma
de seu ácido carboxílico THCA, cujo processo de descarboxilação ocorre parte na planta
e parte no seu modo de consumo, principalmente na forma de fumo, na presença de
calor sendo o ácido carboxílico convertido em THC.

24
Produção de medicamentos | UNIDADE II

Figura 21. Via de biossíntese dos principais canabinoides.

Fonte: Sousa, 2017.

A importância dessa classe de compostos pode ser comprovada pelo elevado número de
estudos registrados na literatura sobre o uso medicinal do produto natural e sintético,
o ∆9-THC, desde seu isolamento em 1964 por Gaoni e Mechoulam. Embora o uso de
canabinoides como medicamento tenha sido registrado muito antes disso, o isolamento
de seus princípios ativos só foi possível mais tarde, assim como estudos mais elaborados
dessas substâncias isoladas.

A síntese de novas substâncias derivadas de canabinoides está sendo proposta para


constituírem os medicamentos atuais, desde a descoberta dos receptores canabinoides
CB1 e CB2, e por meio de estudos que comprovam a sua atividade no sistema nervoso
no combate de doenças.

Estudos recentes mostram a aplicabilidade da planta Cannabis sativa no tratamento


clínico como a ação analgésica, diminuição da pressão ocular, estimulação do apetite,

25
UNIDADE II | Produção de medicamentos

atividade ansiolítica e antiemética. Esses efeitos ocorrem devido à sua atividade no


receptor canabinoide CB1.

A fim de se obter compostos análogos ao THC para fins medicinais, surgem estudos
para a produção de derivados sintéticos desse. Assim aparece o primeiro fármaco
a ser desenvolvido sinteticamente, o Dronabinol, que tem sua estrutura idêntica ao
THC natural. Ele é comercializado principalmente nos Estados Unidos, com o nome de
Marinol®. O dronabinol é um agonista nos receptores CB1 e é utilizado em pacientes
no tratamento de anorexia ou pacientes com Aids associados à perda de peso, como
também em pacientes pelo tratamento da quimioterapia contra o câncer associados a
náuseas e vômitos.

Os mesmos autores que isolaram e caracterizaram o ∆9-THC também foram responsáveis


pela sua primeira síntese. No entanto, a sua preparação foi feita em pequena escala,
sendo difícil adaptá-la para escala comercial. Posteriormente, surgiram várias estratégias
de síntese que foram empregadas para a sua preparação em larga escala, o que
possibilitou sua comercialização como medicamento. Na síntese do ∆ 9-THC, pode-se
gerar uma mistura de estereoisômeros, porém, apenas um deles, o isômero ∆9-6a,10a-
trans-THC (Dronabinol) possui aplicações farmacêuticas (figura 22).

Figura 22. Estrutura química do Dronabinol (∆ 9-6a,10a-trans-THC).

Fonte: Sousa, 2017.

Em 2008, Souza e colaboradores elaboram uma síntese com elevado rendimento e


estereosseletividade que foi patenteada com o número US 7.323.576 B2, expirada em
2011, a qual descreve a rota sintética a seguir do isômero de interesse. A síntese inicia-se
a partir da reação do cis-cicloexenodiol 1 com o Olivetol 2, disponível comercialmente,
que produz um cicloexeno substituído 3 com o grupamento arílico apropriado de
configuração transrequerida para o Dronabinol (esquema 2). A substância trans 3 obtida
é cristalina, sendo de fácil purificação por recristalização. Por fim, para produzir o anel
dibenzopirano, o tratamento de 3 com ácido de Lewis é obtido o dronabinol em 49%
de rendimento.

26
Produção de medicamentos | UNIDADE II

Figura 23. Síntese do dronabinol.

Fonte: Sousa, 2017.

Embora a síntese permita obter o estereoisômero de interesse, a preparação do


cicloexenodiol 1, um monoterpeno de configuração cis envolve 7 etapas, o que faz dessa
estratégia ainda um pouco longa. A síntese do monoterpeno 1 é realizada utilizando-se
como material de partida o 2-metil3-butin-2-ol 4, comercialmente disponível, que sofre
rearranjo ao l-acetoxi-3-metil-l,3-butadieno 5, na presença de anidrido acético (Ac2O)
e ácido fosfórico, catalisado por um íon de metal de transição, carbonado de prata I,
levando ao dieno. Esse é submetido a uma reação de Diels-Alder em temperatura elevada
com acrilato de metila na presença de um inibidor de polimerização, hidroquinona, para
formar o acetato-éster 6 em sua forma racêmica.

O acetatoéster foi hidrolisado ao seu respectivo ácido carboxílico livre 7 empregando


hidróxido de lítio. Para o isolamento do enantiômero desejado, foi adicionado a
metilbenzilamina quiral 8 à mistura 7, para a formação de seus respectivos pares de
diastereoisômeros, os quais puderam ser resolvidos por recristalização, em que o sal do
acetatoéster (1R, 2S) 9 pode ser exclusivamente precipitado. Após acidificação, pode-se
finalmente obter o ácido carboxílico 7 na sua forma enatiopura, o qual foi esterificado
com sulfato de dimetila na presença de carbonato de potássio para fornecer o éster
metílico. A adição de Gringard de 2 equivalentes de brometo de metilmagnésio conduziu
ao produto dialquilado desejado, monoterpeno 1.

1.1.4. Sínteses recentes do ∆9-THC e derivados

Vários esforços têm sido feitos na busca de sínteses mais eficazes do ∆9-THC, como
também no seu emprego para estudos farmacológicos e de biossíntese, como
demonstrado pelo trabalho recente de Karlsen e colaboradores. O artigo descreve a
síntese do THC marcado como isótopos de carbono 14 para o uso de padrões internos
empregado em testes farmacológicos e testes de drogas, doping e em programas de
reabilitação. Uma vez que essas análises são frequentemente realizadas por técnicas
espectroscópicas de massa, são necessárias amostras de referência da droga nativa e
seus principais compostos metabolizados e padrões adequados para fins de identificação
e quantificação.

27
UNIDADE II | Produção de medicamentos

A análise retrossintética da figura a seguir permite a obtenção do Olivetol 2, precursor


para a síntese do ∆9-THC, por dois caminhos, pela reação do tipo Wurtz ou pela reação
de Wittig, de acordo com o esquema representado na figura aseguir. Por questões
de disponibilidade dos reagentes, foi decidido preparar um derivado de Olivetol com
quatro carbonos na cadeia de alquilo, fazendo o uso da reação de tipo Wurtz, utilizando
o n-bromobutano comercialmente disponível.

Figura 24. Retrossíntese aos derivados de Olivetol.

Fonte: Sousa, 2017.

A reação descrita traz uma reação de tipo Wurtz entre 1-bromometil-3,5-


dimetoxibenzeno 11 e o reagente de Grignard 12, na presença de tetracloroclorato de
dilítio, do qual se obtém um rendimento de aproximadamente 78% de rendimento.
Porém, nessa reação, foi observado um subproduto principal, o dímero de
3,5-dimetoxibenzila. Karlsen e colaboradores relatam um aumento na formação de
subproduto quando se utiliza o tetraidrofurano (THF) como solvente da reação em vez
do éter dietílico. Para obter o Olivetol 2, os grupos metil do diéster 15 foram removidos
por aquecimento usando cloridrato de piridina.

28
Capítulo 2
CONTROLE DE QUALIDADE DOS PRODUTOS DE
CANNABIS

Figura 25. Estudo químico da Cannabis.

Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/hand-holding-black-bottle-hemp-
oilcbdcanabis-1696511416.

No Brasil, não há método farmacopeico de quantificação de canabinoides, nem em


outras farmacopeias ou compêndios oficiais reconhecidos pela Anvisa, portanto,
o método de quantificação é desenvolvido e parcialmente validado com base nas
normativas Resolução RE n. 899/2003, sua atualização RDC n. 166/2017 e regulação
de fitoterápicos Instrução Normativa n. 4, de 18 de junho de 2014, que trata sobre os
critérios de registro de fitoterápicos, inclusive o controle de qualidade.

O regulamento aprovado pela Anvisa exige, para fins de fabricação e comercialização de


produtos de Cannabis, além da autorização de funcionamento específica, o Certificado
de Boas Práticas de Fabricação (CBPF) emitido pela agência. A empresa requisitante
obriga-se a ter um conjunto de dados e informações técnicas, sempre em versão
atualizada, que comprovem a qualidade, os limites de especificação e os métodos de
controle de qualidade, além dos estudos de estabilidade e dos relatórios periódicos de
avaliação de uso.

Com relação ao controle de qualidade dos produtos de Cannabis, a RDC n. 327/2019


diz que o controle de qualidade dos produtos de Cannabis que apresentam fitofármaco
como ativo deve ser realizado de acordo com o disposto nas normas de medicamentos

29
UNIDADE II | Produção de medicamentos

específicos, e o controle de qualidade dos produtos de Cannabis que apresentam


derivados vegetais como ativo deve ser feito de acordo com o disposto nas normas
para medicamentos fitoterápicos.

Quando houver monografia na Farmacopeia Brasileira ou em outra farmacopeia oficial,


de acordo como o disposto na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n. 37, de 6
de julho de 2009, que trata da admissibilidade das farmacopeias estrangeiras, para a
matéria-prima ou produto acabado, passa a ser obrigatório o seu cumprimento.

O controle de qualidade dos produtos acabados de lotes importados deve ser feito em
território nacional.

A Anvisa permite a terceirização parcial ou total, em território nacional, do controle de


qualidade para produto acabado e dos estudos de estabilidade, desde que seja feito
em laboratório credenciado pela Rede Brasileira de Laboratórios Analíticos em Saúde
(REBLAS) ou em empresas fabricantes que tenham CBPF para fabricar medicamentos.

A análise de amostras de Cannabis tornou-se a principal área de estudos para muitos


analistas e químicos medicinais, à medida que vários laboratórios certificados montam
negócios para a pesquisa e identificação de componentes de Cannabis, e a potência
de produtos a partir daí, bem como as proporções de canabinoides que necessitam
ser determinadas.

As instalações que processam Cannabis necessitam de controle de qualidade


para fornecer produtos consistentes e seguros ao mercado, para garantir ao
consumidor/paciente que o produto atenda às especificações determinadas e pode
seguir a lista de declaração de ingredientes. Laboratórios que trabalham próximos às
instalações de fabricação utilizam métodos de High Performance Liquid Chromatography
(HPLC) para análise regular e para o controle de qualidade.

Alguns parâmetros de segurança que podem ser avaliados são: especificidade,


linearidade, intervalo, precisão, limite de detecção, limite de quantificação, exatidão e
robustez.

2.1. Especificidade
A especificidade é o parâmetro que se refere à capacidade de um método analítico de
diferenciar o sinal referente ao analito de interesse de sinais gerados por interferentes
presentes na matriz. Pode ser utilizado um detector de arranjo de diodo (DAD) acoplado
ao cromatógrafo, permitindo maior especificidade na identificação dos componentes
com auxílio da identificação dos espectros de absorção UV. Podem ser usados padrões

30
Produção de medicamentos | UNIDADE II

de referência certificados para os canabinoides THC, CBD, THCA, CBDA e CBN na


concentração de 0,1 mg/ml (Cerilliant, SigmaAldrich, 1 mg/ml em estoque) e serem
analisados individualmente, assim como o tempo de retenção para cada um desses
compostos pode ser identificado para comparação do perfil cromatográfico com as
amostras. Podem-se utilizar matrizes oleosas diferentes a fim de avaliar o efeito-matriz,
sendo elas óleo de coco, óleo de soja, azeite de oliva, óleo de girassol e triglicerídeos
de cadeia média (TCM).

2.1.1. Linearidade

A linearidade é a relação entre o sinal obtido na análise e a concentração do analito na


amostra, dentro de um intervalo previamente estabelecido. As curvas de calibração são
estabelecidas por meio da análise de concentrações crescentes de soluções contendo
padrões de referência certificados. Segundo critérios da Instrução Normativa (IN) n.
4/2014, a linearidade deve ser determinada pela análise de pelo menos 5 concentrações
diferentes das concentrações do material de certificado, na faixa de 80 a 120% da
concentração teórica do teste. O critério adotado nesta IN é de r ≥ 0,99 para curva de
calibração de padrão e r ≥ 0,98 quando a curva de calibração for preparada na matriz.
A curva de calibração pode ser construída por padronização interna com diazepam
(CITTI et al., 2016) na concentração de 5 µg/ml. As concentrações teóricas, no entanto,
podem ser normalizadas pela massa de cada composto (curva de calibração construída
por gravimetria).

2.1.2. Precisão

A precisão é definida pela proximidade de resultados obtidos por meio de uma


metodologia durante consecutivas replicadas de uma mesma amostra. A precisão
intraensaio, ou repetibilidade, refere-se à proximidade dos resultados obtidos por
meio de análises com o mesmo analista, reagentes, equipamento e em curto intervalo
de tempo, enquanto a precisão interensaio, ou precisão intermediária, deve ser
mensurada por meio da aplicação do método analítico sob condições diferentes
daquelas previamente mencionadas, no mesmo laboratório. A precisão interlaboratorial,
ou reprodutibilidade, contudo, refere-se à concordância entre os resultados obtidos
em diferentes laboratórios, o que é importante para a inclusão de um método na
Farmacopeia. Pode-se avaliar a precisão intraensaio apenas para os analitos THC e CBD,
que são os canabinoides de interesse nos tratamentos farmacológicos. Um exemplo de
ensaio que pode ser realizado é a análise de amostras de controle de qualidade (QC) em
concentração alta (QC1= 52µg/ml de THC e 45µg/ml de CBD) e baixa (QC2= 3,5µg/mL
de THC e 2,5µg/ml de CBD), de acordo com o intervalo do método, em 6 repetições para
cada QC. Esse parâmetro é avaliado em termos de imprecisão e para tanto é adotado

31
UNIDADE II | Produção de medicamentos

o desvio-padrão relativo (DPR), também chamado de coeficiente de variação (CV). Para


fitoterápicos, é aceito coeficiente de variação de até 15%.

2.1.3. Limite de detecção (LD) e limite de quantificação (LQ)

Entende-se como limite de detecção a menor concentração de um analito capaz de


gerar resposta no detector quando submetido ao método experimental, sem que
necessariamente possa ser quantificado de forma precisa e exata. O LD para os
canabinoides também pode ser determinado por meio da avaliação da relação de 3
vezes o ruído da linha de base de 3 curvas de calibração, compreendendo concentrações
de analito próximas ao suposto limite de quantificação.

O limite de quantificação, por sua vez, representa a menor concentração de um analito


que pode ser determinada com exatidão e precisão aceitáveis, quando submetidas ao
método analítico, a qual também pode ser determinada considerando-se uma relação
de 10 vezes o ruído da linha de base.

Pode-se optar por adotar como limite de detecção a menor concentração capaz de
proporcionar pico integrado pelo equipamento, diferenciado do ruído da linha de base
(método visual), enquanto, para o limite de quantificação, pode-se considerar o valor
correspondente ao menor valor ensaiado durante a execução da curva de calibração
corrigido para os fatores de diluição adotados na preparação da amostra.

2.1.4. Exatidão

A exatidão é entendida como a concordância entre os resultados obtidos a partir de


um teste analítico com um valor de referência aceito como verdadeiro.

A avaliação desse parâmetro pode ser feita por meio da análise de 6 determinações,
sendo duas concentrações, média (QC1= 10µg/mL) e alta (QC2= 20µg/mL), em
triplicata, de amostras preparadas numa matriz de TCM com a adição de padrão de
referência certificado em concentrações finais compreendidas dentro do intervalo
linear e submetidas ao método extrativo. Os resultados podem ser comparados com
as soluções de padrões de referência certificados diluídos em metanol.

2.1.5. Robustez

A robustez é o parâmetro que se refere à capacidade de um método de gerar os mesmos


resultados mesmo com pequenas e deliberadas alterações das condições analíticas,
tais como pH, soluções-tampão, proporção entre componentes da fase móvel, entre
outros. Uma lista de fatores que afetam a robustez de um método é elucidada na RE n.

32
Produção de medicamentos | UNIDADE II

899/2003, sendo eles a variação de pH da fase móvel, variação na composição da fase


móvel, mudança no lote ou fabricante da coluna cromatográfica, temperatura e fluxo
da fase móvel, no que tange à cromatografia líquida.

2.1.6. Comparação entre CLAE-DAD e cromatografia gasosa

Uma série de técnicas quantitativas podem ser empregadas na determinação dos teores
de canabinoides de amostras e determinação de perfis químicos, como, por exemplo,
CLAE, cromatografia gasosa com detecção de ionização de chama (CG-DIC), ressonância
magnética nuclear entre outras.

A forma mais comum de consumo de Cannabis acontece por via pulmonar, por meio do
fumo da planta, ou via oral, por meio da ingestão de produtos alimentícios preparados,
utilizando-a como ingrediente. Em ambos os casos, a utilização de elevadas temperaturas
para consumo ou preparo do material contribui para a descarboxilação da forma ácida
do THC, gerando a forma neutra e seu consequente efeito psicoativo. Por tratar-se de
uma planta proibida no Brasil, a detecção de canabinoides em uma amostra de planta
já é suficiente para fornecer evidência para a inclusão da amostra analisada como prova
em possíveis inquéritos policiais e ações judiciais. Portanto, para efeito de avaliação
forense, a simples detecção da concentração total de THC (constituído pela soma da
concentração de THC com a concentração de THCA) presente na amostra atende à
necessidade da rotina de trabalho dos peritos.

Para tal finalidade, tende-se a utilizar a cromatografia gasosa, por conta de sua alta
seletividade e sensibilidade, acoplada a diversos detectores, sendo os mais comuns o
detector de ionização de chama (DIC) e espectrômetro de massa (EM). A cromatografia
gasosa (CG) baseia-se na separação de compostos com base na afinidade do analito
entre uma fase móvel gasosa, geralmente composta por um gás inerte, tal como o
hélio, ou um gás não reativo, como o nitrogênio, e uma fase estacionária líquida, sob
alta temperatura, a qual promove a volatilização do composto a ser analisado. No
caso dos canabinoides, a análise no equipamento de CG promove a descarboxilação
das formas ácidas por conta da temperatura empregada, de modo que, para que seja
feita a análise desses componentes, é necessária a introdução de uma etapa extra de
preparo das amostras, que consiste na derivatização dos compostos ácidos, assim como
dos compostos derivados dos canabinoides em matrizes biológicas. Cabe ressaltar que
diferentes processos extrativos também podem influenciar na concentração final de
canabinoides em uma amostra, tal como em sua descarboxilação.

Contudo, em análises de material vegetal e extratos utilizados com finalidade terapêutica,


a distinção entre as formas ácidas e neutras de THC e CBD são de extrema importância.

33
UNIDADE II | Produção de medicamentos

Até o momento, os efeitos farmacológicos das formas ácidas dos canabinoides não foram
suficientemente explorados e descritos, de modo que a ação terapêutica é atribuída
massivamente às formas neutras, motivo pelo qual a validação do método, sobretudo no
ensaio de precisão, foi focada nos marcadores THC e CBD. Assim, é imprescindível para os
pacientes o acesso aos extratos que já tenham sofrido o processo de descarboxilação ou,
pelo menos, ter conhecimento dos teores de cada um dos principais canabinoides para
prospectar alternativas para providenciar a descarboxilação para maior aproveitamento
do material terapêutico, além de auxiliá-los no gerenciamento do tratamento, por meio
do ajuste de doses por parte dos médicos responsáveis.

Portanto, o uso de CLAE-DAD pode trazer algumas vantagens para o desenvolvimento


das análises, o que o tornou uma opção mais adequada à rotina. Primeiramente,
exclui-se a necessidade de derivatização das amostras para análise das formas ácidas
THCA e CBDA, posto que a baixa temperatura no equipamento mantém os compostos
estáveis durante a análise, sendo possível avaliar suas concentrações de forma
independente.

O uso medicinal de Cannabis emergiu de forma inusitada no Brasil a partir de 2015,


sobretudo em decorrência do movimento social liderado por mães de pacientes
portadores de epilepsia refratária como consequência de condições clínicas graves. Esse
cenário trouxe uma questão para o uso terapêutico da planta: a correta identificação dos
teores de canabinoides em produtos industrializados importados e artesanais nacionais.

No exterior, produtos à base de Cannabis são comercializados como suplemento


alimentar ao invés de produto farmacêutico. Devido a essa classificação, tais produtos
não passam pelo rígido controle de qualidade ao qual são submetidas as formulações
para uso terapêutico. Portanto, a homogeneidade intra e interlote não pode ser
assegurada, gerando o risco de ingestão inadequada de canabinoides, o que pode
ocasionar resposta fisiológica variável nos pacientes. Em 2015, foi feito um levantamento
de produtos alimentícios à base de Cannabis por meio da quantificação por CLAE e
determinou-se que 60% das amostras analisadas apresentaram rótulos que indicavam
teores de canabinoides maiores do que o declarado nos rótulos. Portanto, transportando
essa realidade para o panorama brasileiro, em que extratos são utilizados no tratamento
de doenças graves, a discrepância entre rótulo e concentração real pode gerar respostas
variáveis capazes de afetar profundamente o bem-estar de pacientes.

As recentes conquistas dos movimentos sociais pró-cannabis medicinal incluem a


autorização judicial para cultivo e manufatura de extratos com finalidade terapêutica
por meio da concessão de salvo-condutos. Para tais extratos, o mais interessante é
produzi-los a partir de cânhamo, ou seja, planta de Cannabis com teores expressivamente

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Produção de medicamentos | UNIDADE II

maiores de CBD quando comparado ao THC e demais canabinoides. Como essa


planta não se encontra caracterizada dentre as variedades cultivadas no Brasil, a
avaliação qualitativa e quantitativa dos extratos produzidos pelas famílias de pacientes
é essencial para monitoramento das terapias, o que vem sendo feito pelo projeto
Farmacannabis-UFRJ no âmbito da extensão universitária. Os resultados preliminares
evidenciam que a discrepância entre rótulos e concentração real, dados também
constatados por outros pesquisadores, se reproduz nos produtos que chegam ao
mercado brasileiro. Além disso, mostra que a variedade Harletsu apresenta um perfil
químico mais próximo do cânhamo (razão CBD:THC>>1). No entanto, futuros estudos
de otimização de processos extrativos e secagem das plantas precisam ser desenvolvidos
para o estabelecimento de protocolos seguros e confiáveis para secagem, extração e
ressuspensão da resina em óleo, sob formulação apropriada para a ingestão por via oral.

A ausência de uma metodologia de quantificação de canabinoides descrita e validada


na Farmacopeia Brasileira ou outras farmacopeias e compêndios reconhecidos pela
Anvisa apresenta um obstáculo à padronização de análises forenses e toxicológicas em
laboratórios do Brasil, posto que é possível que apliquem metodologias diferentes e,
portanto, variações nos resultados capazes de gerar discrepâncias entre os resultados
obtidos. Alguns trabalhos trazem uma nova perspectiva para essa realidade ao introduzir
uma metodologia validada segundo os parâmetros estabelecidos na legislação
sanitária vigente, portanto, adequado à aplicação em múltiplas unidades de análise,
mantendo-se a confiabilidade dos resultados obtidos.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. RDC n. 327, de 9 de dezembro de 2019. Dispõe sobre os procedimentos para a concessão
da Autorização Sanitária para a fabricação e a importação, bem como estabelece requisitos para a
comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis
para fins medicinais, e dá outras providências. Brasília, 2019.

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