Você está na página 1de 13

Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

ISBN 978-65-86753-13-4

EIXO TEMÁTICO:
( ) Ambiente construído e sustentabilidade
( ) Cidade e saúde: desafio da pandemia de covid-19
( ) Cidades inteligentes e sustentáveis
( ) Engenharia de tráfego, acessibilidade e mobilidade urbana
( ) Meio ambiente e saneamento
(X ) Memória, patrimônio e paisagem
( ) Projetos, intervenções e requalificações na cidade contemporânea

Arquitetura Bancária: Valorização da Memória, Ressignificação e Novos


Usos

Banking Architecture: Memory Appreciation, Ressignification and New Uses

Arquitectura Bancaria: Valoración de la memoria, Resignificación Y Nuevos Usos

Janércia Aparecida Alves


Mestranda em Ambiente Construído; Universidade Federal de Juiz de Fora
janercia.alves@arquitetura.ufjf.br

Frederico Braida
Doutor em Design; Universidade Federal de Juiz de Fora
frederico.braida@arquitetura.ufjf.br

José Gustavo Francis Abdalla


Doutor em Engenharia de Produção; Universidade Federal de Juiz de Fora
gustavo.francis@ufjf.edu.br

417
RESUMO
Este artigo aborda a arquitetura das agências bancárias, nacionais e internacionais, e as adaptações espaciais em seus
usos, considerando a temporalidade como fator transformador, conduzindo à ressignificação do espaço, sensibilizado
pela dinâmica permanente das mudanças tecnológicas. O objetivo principal é evidenciar a transformação da
arquitetura das agências bancárias face à remodelagem de seu uso segundo as novas demandas contemporâneas. A
metodologia utilizada apoia-se na pesquisa bibliográfica e iconográfica, de caráter exploratório e qualitativo. Os
resultados alcançados voltam-se para o levantamento sobre os edifícios históricos estudados e seus usos quando de
sua instalação e seus novos usos pós-adaptação. Ao final, percebe-se, desde o projeto inicialmente estabelecido aos
dias atuais, a manutenção da simbologia da arquitetura bancária e sua presença marcante na memória das cidades,
apesar da transformação de seu uso, reforçando a sua importância arquitetônica.

PALAVRAS-CHAVE: Arquitetura bancária. Memória. Transformação.

Abstract
This article discusses the architecture of national and international bank branches, and the spatial adaptations in their
uses, considering temporality as a transforming factor, leading to the redefinition of space, sensitized by the
permanent dynamics of technological changes. The main objective is to highlight the transformation of bank branch
architecture in view of the remodeling of its use according to the new contemporary demands. The methodology used
is based on bibliographical and iconographic research, of an exploratory and qualitative nature. The results achieved
are aimed at surveying the historical buildings studied and their uses when they were installed and their new post-
adaptation uses. At the end, it can be seen, from the project initially established to the present day, the maintenance
of the symbolism of banking architecture and its strong presence in the memory of cities, despite the transformation
of its use, reinforcing its architectural importance.

KEYWORDS: Banking architecture. Memory. Transformation.

Resumen
Este artículo analiza la arquitectura de las sucursales bancarias nacionales e internacionales, y las adaptaciones
espaciales en sus usos, considerando la temporalidad como un factor transformador, conducente a la redefinición del
espacio, sensibilizado por la dinámica permanente de los cambios tecnológicos. El principal objetivo es destacar la
transformación de la arquitectura de las oficinas bancarias de cara a la remodelación de su uso según las nuevas
demandas contemporáneas. La metodología utilizada se basa en una investigación bibliográfica e iconográfica, de
carácter exploratorio y cualitativo. Los resultados obtenidos están dirigidos a relevar los edificios históricos estudiados
y sus usos en el momento de su instalación y sus nuevos usos posteriores a la adaptación. Al final, se aprecia, desde el
proyecto inicialmente establecido hasta la actualidad, el mantenimiento del simbolismo de la arquitectura bancaria y
su fuerte presencia en la memoria de las ciudades, a pesar de la transformación de su uso, reforzando su importancia
arquitectónica.

PALABRAS CLAVE: Arquitectura bancaria. Memoria. Transformación.

418
INTRODUÇÃO

Este artigo tem por tema a arquitetura bancária e suas transformações ao longo do tempo, mais
precisamente, do início do século XX até o momento atual, destacando-se a presença e
permanência dos edifícios, simbologia institucional e o ressignificado para as cidades onde se
situam, suas novas formas de adequação objeto-espacial à contemporaneidade. Diante da
realidade atual das agências bancárias, este artigo é resultado de uma pesquisa que partiu da
seguinte questão: qual a lógica subjacente à ressignificação das agências bancárias ao se verificar
novas funções para esses espaços e, consequentemente, novos significados? Considera-se, em
especial, a perenidade de edificações de cunho histórico, as quais deixam o importante legado
temporal à sociedade, ainda que admitindo novos usos, trazendo dupla contribuição ambiental
aos usuários, nova utilidade e nova percepção.
Segundo Café (2011, p. 21), “o conceito de ‘lugar’ compreende um conjunto de informações
físicas e simbólicas relacionadas a uma identidade particular e a existência de um espaço
específico que se opõe à ideia de sítio genérico”. Suas avaliações acerca de lugar levam em
consideração Christian Norberg-Schulz e Kate Nesbitt, apontando lugar como “ambiente
identitário, configurado por um conjunto de especificidades que constituem um contexto”
(CAFÉ, 2011, p. 21). Café (2011, p. 21) toma por base lugar como o espaço “formado por um
contexto social, histórico, político, econômico, cultural e físico, englobando aspectos sensíveis,
empíricos e simbólicos”. Por esta compreensão, reforçado pela proposição de Campos-de-
Carvalho, Cavalcante e Nóbrega (2017, p. 291), um ambiente é multidimensional e indissociável
das relações humanas e vida das pessoas.
Em sendo a arquitetura uma atividade intelectual e econômica de conexão com variadas
ocupações físico-espaciais, e considerando ser um instrumento de mediação para a vivência das
pessoas e sociedades que traz consigo elementos humanos de expressão para suas ações, pode-
se admitir como um de seus resultados a questão identitária. Porém, não apenas a revelação de
uma identidade, mas também o simbolismo que se desvela através de sua existência como
objeto formal, utilitário e representativo-simbólico. Tal situação contribui para as formações
histórico e da memória pessoal e social, bem como a construção de uma materialidade estética
e cultural para a ambiência do lugar.
Arquitetura, através de requalificação da edificação e instalação de novos usos, mantendo-se
como um objeto preexistente, independentemente de ter atendido a qualquer outra finalidade
à atual, pode se consubstanciar como um documento autêntico e legível para a herança dos
lugares se preservada com a essência não utilitária de sua estrutura original. De acordo com
Jacobs (2011, p. 216), “essas transformações e conversões incessantes em prédios urbanos
antigos só com muito esforço podem ser chamadas de paliativas. É mais como se uma matéria-
prima tivesse sido encontrada no lugar certo. Ganhou um uso que de outra maneira nem teria
surgido”.
Jacobs (2011) preconiza a adequação do uso ao espaço, como se já existisse uma possível
programação para aquele novo uso, previamente à construção. Condição contrária à ideia
difundida de obsolescência programada. Ao defender a manutenção e renovação de prédios
antigos, a autora traz à reflexão o benefício oportunizado pela requalificação das edificações,
alertando que tornar obsoletos os elementos construtivos é também delegar o passado à morte.
Novos usos revitalizam os espaços, criam possibilidades, prolongam suas marcas na sociedade.

419
Nota-se a realização frequente de intervenções em arquiteturas preexistentes, através de novos
usos pela preservação e recuperação do patrimônio edificado, corroborando o pensamento da
viabilidade de permanência identitária, mesmo com a renovação do antigo nas cidades. “A
memória é filha do presente. Mas como seu objeto é a mudança, se lhe faltar o referencial do
passado, o presente permanece incompreensível e o futuro escapa a qualquer projeto” (KÜHL,
2009, p. 147). Sem memória, a mudança é alienante e desagregadora; é ela que funciona como
instrumento de identificação, conservação e desenvolvimento (KÜHL, 2009).
No que tange aos objetos arquitetônicos histórico e culturais representativos, o presente estudo
abarca a arquitetura bancária e sua adaptação à contemporaneidade. Sem romper com o
reconhecido legado da sua história, e considerando relevante a permanência das agências-ícone
pelo significado e importância para a comunidade onde se encontram estabelecidas, entende-
se que o espaço bancário tradicional transita por uma nova demanda de usos.
O espaço das agências bancárias sempre primou por ser local de negócios, de concretização de
transações financeiras entre as instituições e sua clientela. Dessa forma, a agência bancária
apresenta-se como instrumento mediador de atividades econômicas, importante templo
representativo de desenvolvimento para a sociedade (ABDALLA, 2011, p. 22). Entretanto,
embora estas edificações estejam presentes nas cidades, elas vêm tendo seus espaços
transformados e ressignificados na atualidade, em decorrência do permanente aprimoramento
tecnológico, redefinindo o processo de trabalho e relacionamentos da atividade bancária no que
se refere à maneira de prestação de seus serviços. Surgem, consequentemente, novas formas de
prestar o serviço, com o emprego da comunicação em tempo real entre os usuários e as
instituições financeiras, culminando na implementação de diversificados serviços do tipo e-
banking, contribuindo para a redução de tamanho das edificações, com obsolescência dos meios
e processos de trabalho convencionais que ocorriam nas grandes sedes bancárias.
Destaca-se que o objetivo principal deste artigo é apresentar algumas evidências das
transformações ocorridas na arquitetura de três agências bancárias, mostrando seus novos usos
e características das novas espacialidades, dado que foram remodeladas segundo as exigências
contemporâneas.

METODOLOGIA

A realização da pesquisa apoiou-se metodologicamente em estudos bibliográficos e


iconográficos (PRODANOV; FREITAS, 2013, p. 54), incorporando por temática principal a
arquitetura bancária e a história por ela narrada, as transformações que acontecem nesses
espaços segundo os registros temporais e a simbologia perpetuada. Quanto à sua natureza,
trata-se de uma pesquisa básica, de caráter exploratório e qualitativo (PRODANOV; FREITAS,
2013, p. 70).
Para o desenvolvimento da pesquisa, foram selecionadas três agências bancárias que
caracterizam-se, concomitantemente, pela distinção em sua arquitetura de valor histórico e
simbólico, além de apresentarem espaços ressignificados. As mudanças ocorridas, correlatas ao
sistema bancário mundial, amparam-se nos avanços tecnológicos pertinentes à atividade, a qual
acompanha os movimentos mercadológicos onde encontram-se inseridas, possibilitando a
compreensão no tocante aos novos usos dessa arquitetura perante a contemporaneidade.

420
A argumentação principal da pesquisa apoia-se em objetos arquitetônicos empíricos que
atenderam às edificações de uso bancário em seus projetos originais e que permaneceram,
enquanto materialidade físico-formal, mas se transformaram para atenderem a outras funções
e criaram não somente novos significados, mas, sobretudo, a permanência e identidade da sua
arquitetura.
As edificações estudadas são: (1) o Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro, (2) o Banespa
no Farol Santander, em São Paulo e (3) o Midland Bank em Londres, Inglaterra. Todas edificações
apresentam por período construtivo a primeira metade do século XX (1906, 1947 e 1924
respectivamente) e convergem importância na representatividade que as instituições que
retratam possuem em seu contexto, ocupando espacialidades de destaque no centro das
referidas cidades.
Os atuais usos das agências resultam de alterações registradas entre o final do século XX e início
do século XXI, época de efervescência e crescimento tecnológico, provocando mudanças nas
atividades bancárias. Os projetos tiveram análise fundamentada segundo critérios de localização
(cidade e bairro) e aspectos arquitetônicos (estilo, data de construção e de reforma), impelidos
pela carga simbólica que suas edificações traduzem e no legado que perpetuam através de sua
arquitetura icônica. Derivando das análises, abstrai-se a representatividade das edificações para
a sociedade que representam, prolongando sua existência através de novos usos e funções
assumidos, registrando sua atemporalidade.

PRESERVAÇÃO, RESTAURAÇÃO, REUTILIZAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO

A preservação de bens culturais, considerada relevante principalmente a partir de finais do


século XVIII, incorpora ao menos três razões fundamentadas em: (1) aspectos estéticos,
históricos, educacionais, memoriais e simbólicos; (2) motivações científicas, ao permitir
transmissão de conhecimento em vários campos do saber através do legado deixado pelas
obras; e (3) éticas, contemplando o público com o direito ao conhecimento dos traços de
gerações passadas (KÜHL, 2009, p. 30).
Kühl (2009, p. 31) expressa certa preocupação com a utilização do espaço meramente para fins
de crescimento e exploração imobiliária, de objetivo financeiro, a despeito da preocupação com
a sociedade que habita o local. A autora reforça que “o restauro não é mera operação técnica
sobre a obra – deve ser necessariamente um ato crítico antes de se tornar operacional; projeto
e criatividade fazem parte do restauro” (KÜHL, 2009, p. 32). Defende o percurso por um caminho
que valorize os princípios éticos e científicos, como preconizava Cesare Brandi, sendo,
sobretudo, necessária a interpretação dos “princípios da restauração para enfrentar as variadas
questões envolvidas numa intervenção, tais como as de uso, a inserção de elementos
contemporâneos em contextos históricos e o tratamento de superfícies” (KÜHL, 2009, p. 32).
Surgem então técnicas de revitalização, reforma, reciclagem, de “retrofit” na construção, como
maneira de sobrevivência a um mercado em permanente ebulição. Recursos “que não podem
ser confundidas com preservação, entendida como ato de cultura” (KÜHL, 2009, p. 195). As
técnicas visam à preservação da memória, da identidade, das questões formais e estéticas,
transpondo beneficamente a temporalidade através da reutilização, caso sua função primária já
não reverbere mais uma necessidade premente.

421
Considerando as reflexões acima, tem-se que as transformações impregnadas nas obras
necessitam, por parte do leitor, de uma crítica sensível à passagem do tempo, surgindo de
maneira inexorável à própria sobrevivência ou até mesmo pelo aparecimento de novas e
substitutivas atividades e contribuem para o fato de delegar permanente mudança, aplicada a
tudo que possa existir e persistir. Mediante esse contexto, os três exemplos apresentados neste
artigo revelam as adaptações e os novos usos assimilados pela arquitetura bancária.

AGÊNCIAS BANCÁRIAS: NOVOS USOS E SIGNIFICADOS


Simbolicamente, as grandes agências bancárias ou seus prédios-sede contextualizam o poderio
das instituições financeiras (ABDALLA, 2011, p. 22). “Há que se reforçar que este é um dos
segmentos existentes há muitos séculos nas sociedades e em vários continentes, o qual possui
significativos aspectos para as relações humanas” (ABDALLA; OLIVEIRA, 2019, p. 18). Seu
significado está permanentemente unido à imagem que emerge de seus símbolos, dentre os
quais pode-se ressaltar forma arquitetônica.

A força da imagem aumenta quando o marco coincide com uma


concentração de associações. Se o edifício que sobressai for o cenário
de um fato histórico ou se a porta em cores vivas for a da sua casa,
essas coisas irão realmente tornar-se marcos. Mesmo a atribuição de
um nome confere poder, pois, em geral, esse nome é conhecido e
aceito por todos. De fato, se quisermos que o nosso ambiente se torne
significativo, tal coincidência de associação e imaginabilidade será
imprescindível (LYNCH, 2011, p. 113).

Segundo Abdalla e Oliveira (2019, p. 13), considera-se a edificação de uma agência bancária ser
também parte representativa do capital social da empresa, mais do que a representa a própria
construção física. Assim, os autores ressaltam que “tais imóveis podem também nos revelar
aspectos sobre o caráter do lugar, por exemplo, como espaços cenográficos que preenchem na
cidade as condições de desenvolvimento de vivências urbanas” (ABDALLA; OLIVEIRA, 2019, p.
14). Percebe-se que sua inserção ao lugar ocupado se emoldura ao espaço, criando uma sintonia
com o entorno do qual também faz parte e, por muitas vezes, configura-se como objeto de
destaque. A tipologia bancária normalmente transmite a identidade corporativa, solidificando e
ressaltando aspectos de segurança, força e distinção, condições pertinentes às transações
financeiras incorporadas às atividades bancárias. “O diálogo com a cidade, no aspecto físico-
arquitetônico (desenho) ou no aspecto social (facilidade de negócios e segurança), aparece com
valores implícitos e explícitos para o conceito do projeto” (ABDALLA; OLIVEIRA, 2019, p. 14).
Entretanto, apesar da forte presença arquitetônica dos bancos em locais distintos e de destaque
nas cidades, muitas negociações bancárias, na atualidade, realizam-se virtualmente,
prescindindo dos espaços bancários tradicionais (ABDALLA; OLIVEIRA, 2019, p. 16). Tal situação
instiga as corporações financeiras a trilharem novas formas de tornar tangível o poder simbólico
dessas instituições. É nesse contexto que as instituições bancárias têm pesquisado novas formas
de dar visibilidade e perpetuar o valor de suas marcas, sendo a própria manutenção nos “lugares

422
ocupados”, uma renovação de sua identidade, ainda que seja através de novas funções, novos
usos e, consequentemente, novos significados.
A ideia da transformação pode, portanto, dar origem a novos conceitos do lugar, sujeitos “às
mudanças que se sucedem no espaço da cidade diante da complexidade dos fenômenos urbanos
contemporâneos” (CAFÉ, 2011, p. 18). Tal como a natureza se transforma em virtude de diversas
ações ocorridas ao longo do tempo, assim também se observa a necessidade de a humanidade
e o ambiente construído estar em constante processo de adaptação.
Para Braida e Nojima (2014, p. 65), “o significado, de fato, não se apresenta completamente
autônomo, pois está relacionado com a forma e com a função, seja condicionando-as ou sendo
condicionado por elas”. Também corrobora a mudança do significado dos objetos ao longo dos
tempos em parte pela “maneira como a sociedade em mudança aceita novos utensílios e
artefatos e como estes se desenvolvem semioticamente ao longo dos anos” (BRAIDA; NOJIMA,
2014, p. 65).
Em sendo a cidade o lugar de arquitetura, consequentemente sua representação torna presente
os seus valores e suas memórias. Pode incorporar marcos simbólicos e esses serem forma de
comunicação estratégica de seus negócios (ABDALLA; OLIVEIRA, 2019, p. 26). Situação que pode
ser observada na arquitetura bancária que, apesar de apresentar atual descentralização de seus
pontos de atendimento frente às alterações mercadológicas, seus imponentes edifícios
históricos ainda resistem à contemporaneidade, implementando novos usos às suas sedes,
ressignificando sua função, traduzida em interação sociocultural.
Os espaços das instituições bancárias estudadas evidenciam o destaque que sua arquitetura
ocupa perante a paisagem urbana, ressaltando-se que a nova função assumida reafirma que “a
função simbólica pode vir a se tornar a principal, inclusive, eliminando quase por completo a
função anteriormente predominante” (BRAIDA; NOJIMA, 2014, p. 82).

Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro (CCBB RJ)


Projetado em 1880 pelo arquiteto da Casa Imperial, Francisco Joaquim Betencourt da Silva, a
edificação hoje conhecida como CCBB RJ (CENTRO..., 2018), foi inaugurada, em 1906, como sede
da Associação Comercial do Rio de Janeiro, a qual incluía o pregão da Bolsa de Fundos Públicos
em sua rotunda. Adquirido pelo Banco do Brasil na década de 1920, abrigou sua sede até 1960,
quando passou a funcionar como Agência Centro do Rio de Janeiro e posteriormente Agência
Primeiro de Março. Essa nova função constituiu-se um marco para o mundo financeiro nacional
(CENTRO..., 2018; CCBB, [s.d.]).
O prédio possui características neoclássicas e foi a primeira agência bancária transformada em
centro cultural brasileiro. A inauguração do CCBB RJ aconteceu em 12 de outubro de 1989,
enaltecendo o valor arquitetônico e simbólico do prédio. Preservaram-se os elementos
construtivos como o requinte das colunas e dos ornamentos, o mármore do foyer às escadarias,
sendo dada especial atenção à reforma da cúpula sobre a rotunda, equipamento de grande
destaque no espaço. Possui área construída de destaque local em 19.243 m², sendo 15.046 m²
destinados à ocupação pelo CCBB RJ (Figura 1). A reforma do espaço trouxe ao público salas para
mostras alojadas no primeiro e segundo andares do prédio, sala de cinema no térreo, sala para
exibição de vídeos e três salas para espetáculos teatrais, além de um auditório no quarto andar
e uma biblioteca situada no quinto andar.

423
Para atendimento irrestrito aos usuários, atendendo às condições legais de acessibilidade,
foram implementadas adaptações arquitetônicas imprescindíveis como rampa de acesso à
edificação, sanitários para cadeirantes, boxes para cadeirantes nos espaços expositivos,
elevadores especiais no restaurante e na videoteca, telefones públicos para portadores de
deficiência auditiva e visual. Seu projeto de reforma contribui para um programa de revitalização
do centro histórico da cidade do Rio de Janeiro, se unindo a outros exemplares importantes para
a história da cidade.

Figura 1: CCBB RJ: Fachadas e vista interna da cúpula.

Fontes: (1) https://bit.ly/2M75197; (2) https://bit.ly/2q6m5Up

Bar do Cofre – Farol Santander – São Paulo (SP)


O prédio onde se encontra o atual e recém-inaugurado Bar do Cofre começou a ser construído
em 1939, sendo inaugurado em 1947. Homenageia-se através da edificação o primeiro presidente
do Banespa em 1929, Altino Arantes, constituindo-se um marco arquitetônico no centro
financeiro da cidade de São Paulo (DONATO; PRESTES, 2018; JAYO, 2018). A arquitetura do
edifício, proposta original do arquiteto Plínio Botelho do Amaral, teve inspiração na famosa
edificação nova-iorquina Empire State Building, de estilo art decó. Com 35 andares e 161 metros
de altura, foi considerada a maior construção de concreto armado do mundo e, por quase 20
anos, a construção mais alta de São Paulo. Ganhou notoriedade por abrigar a sede do Banco do
Estado de São Paulo (Banespa) até 2001.
Em 2000, consequência de fusões bancárias internacionais, o prédio foi incorporado ao
patrimônio do banco espanhol Santander e, em 2017, acrescentou ao espaço a função de centro
cultural do Banco Santander. Logo em sua entrada agiganta-se o espaço, com diferenciado pé
direito de 16 metros e lustre monumental de 13 metros, pesando uma tonelada (DONATO; PRESTES,
2018). Nos demais andares distribuem-se salas de exposições, restaurantes, pista de skate, um
mirante que é reconhecidamente marco local da cidade. Seu tombamento, em 2014, pelo
Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de
São Paulo (Condephaat), reafirmou o simbolismo arquitetônico importante do edifício para a
cidade e seu entorno.
De acordo com Sanchez (2019) e Nunes ([s.d.]), o Bar do Cofre (Figura 2) foi inaugurado em
fevereiro de 2019, ocupando o subsolo do prédio. O bar manteve as características originais,
inclusive o mármore que reveste paredes e piso. Com a inauguração do bar, abriram-se as portas
ao público de um espaço de suma importância para a atividade bancária nos moldes do passado,
local de transposição indisponível e de segurança inviolável. Para se ter acesso ao espaço do bar,

424
o usuário precisa passar por uma porta de 16 toneladas, instalada em espaço que se assemelha
a um bunker. O usuário é atendido entre as 1995 caixas de antigos depósitos de valores e joias.

Figura 2: Farol Santander SP / Bar do Cofre SubAstor SP.

Fontes: (1) https://bit.ly/30PxKGE; (2) https://bit.ly/38qQ22L

Midland Bank – The Ned – Londres

Construído para ser a sede do banco Midland Bank em Londres, em 1924, por Edwin ‘Ned’
Lutyens, o prédio recebeu recente reforma por Soho House & Co e Sydell Group (BRUNO, 2017).
Em três mil metros quadrados, que estiveram desocupados por mais de dez anos, o espaço antes
ocupado por renomada agência bancária, em 2017 foi transformado em hotel.
Conhecido como “The Ned” (Figura 3), o hotel atende seu público através de nove restaurantes,
252 quartos, um clube fitness com piscina no rooftop, academia de ginástica e spa, banho turco
e lounge bar (BRUNO, 2017). Os detalhes originais foram conservados em sua grande parte,
como as 92 colunas no centro do prédio, 3800 caixas de depósito bancário que foram mantidas
no espaço destinado a bar no cofre, lustres restaurados instalados nos quartos, que possuem
em sua decoração peças vintage de décadas 1920 e 1930. Tetos abobadados, balcões com
painéis de madeira, janelas originais de ferro forjado com altura dupla, monogramas no teto que
remetem ao Midland Bank (MB), uma grande e imponente tapeçaria fabricada em 1929
contendo brasões das principais cidades britânicas nas quais o banco estava presente.
Características do passado, presentes no novo uso do espaço. Do seu topo, pode-se observar
alguns dos principais marcos arquitetônicos da cidade (THE STORY..., [s.d.]).

425
Figura 3: The Ned hotel: fachada e interior.

Fontes: (1) https://bit.ly/2oqDw1v; (2) https://bit.ly/2P82CMT

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As três edificações apresentadas neste artigo foram estabelecidas em período que se distingue
como posterior à segunda revolução industrial, época marcada por grandes transformações em
instâncias econômicas e sociais, decorrentes do incremento produtivo, culminando em
fortalecimento do sistema financeiro internacional, grande concentrador de movimentação de
recursos, os quais, em expressiva parte, ocorreu por meio da formação das instituições
bancárias (Tabela 1).

Tabela 1: Informações comparativas sobre os bancos e os novos usos.

Fonte: os autores, 2020.

Essa situação levou ao quadro que pode ser observado, tanto nacionalmente quanto
internacionalmente, de grandes edificações ocupando lugares de ostentação de poder e riqueza
nos centros das cidades, em pontos estratégicos de atendimento a uma população passível de
ser clientela que, nos países ocidentais e ao longo do século XX, passaram a ser gradativamente
mais urbanos, seguindo a expansão desenvolvimentista da indústria. Vê-se então a implantação
de majestosos edifícios em áreas de localização privilegiada destinados às agências bancárias.
Como ponto em comum, tem-se que as edificações eram destinadas exclusivamente à atividade
bancária. Em duas delas, os períodos de construção (inauguração) remetem ao pós-Primeira
Guerra Mundial, momento de reconstrução, de necessidade de crescimento econômico e

426
financeiro. Os estilos arquitetônicos, apesar de distintos, guardam características de opulência e
suntuosidade. Exteriores e interiores provocam captação de olhares de admiração e curiosidade.
Trazem simbolicamente a imagem de poder e segurança, imperativos comuns aos condutores
de crescimento econômico.
Entretanto, os novos usos em muito se distinguem, apesar de todos serem passíveis de acesso
público. Por ser um centro cultural, o CCBB RJ tem visitação gratuita e um público visitante
comparado a importantes museus mundiais, apresentando permanentemente atrações
diversificadas, bem como exposições internacionais, transformando-se num importante centro
de divulgação cultural.
O Bar do Cofre, instalado na antiga agência do Banespa, abriu as portas para visitação ao espaço
mais reservado de qualquer instituição bancária: seu cofre. Entre equipamentos e mobiliários
que anteriormente resguardavam a propriedade de objetos de seus clientes, os usuários são
atendidos de forma curiosa e peculiar, onde jamais cogitavam adentrar. Os cofres revelam um
passado tradicional de guarda de valores, transformado pelo uso virtual monetário, na era de
novas moedas como “bitcoins”, do uso da digital como assinatura, de comunicação
criptografada. Os cofres entraram em desuso para a atividade bancária, porém surgem como
objeto ressignificado.
Por sua vez, o Hotel The Ned alterou e agregou inúmeras funções ao espaço bancário do início
do século XX; atende tanto a clientes eventuais como aqueles que se tornam associados,
ofertando atividades diversificadas para quem deseja deleitar de momentos em espaços
suntuosos de um prédio histórico importante na capital londrina.

Preservar significa pemitir, incentivar e assegurar que vários tipos de


testemunhos do fazer humano, atuais e pretéritos, existam e convivam,
oferecendo um amplo instrumental – que pode ser percebido e atualizado,
por uma consciência individual ou coletivamente, de infinitas maneiras, no
presente e no futuro – para a compreensão e apreensão da realidade,
proporcionando, portanto, meios abrangentes para ela se adaptar e construir
o futuro (KÜHL, 2009, 282).

O simbolismo do poderio das instituições bancárias se transforma ao se ver traduzido em novas


funções, porém mantendo a edificação no contexto da história arquitetônica, relativizando sua
importância para o espaço e cidade que ocupa. Esses espaços são objetos que provocam
admiração, independente da sua mimetização ao uso contemporâneo. Seu patrimônio se traduz
em monumento que pode ser coletivo, e continua contribuindo para a construção da história
das cidades.
Cumpre, ainda, destacar que, com as novas atividades e transformações dos usos das
edificações, pode-se permitir a revitalização dos locais que ocupam, em constante diálogo com
a transformação das cidades. Assim, as operações arquitetônicas apresentadas neste artigo
cumprem uma dupla função: a de preservação da memória, através da ressignificação de seus
espaços, e a de revalorização do espaço urbano. Logo, como pode-se notar, todas essas
transformações evidenciam a força do simbolismo da arquitetura bancária.

427
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os exemplos de novos usos de edificações bancárias apresentados neste artigo se correlacionam
tanto à passagem do tempo de forma histórica, memória de destaque de um tempo percebido,
bem como sua modelagem às atividades que se adaptam segundo a contemporaneidade.
Estagnação da história é algo improvável e impossível. Entretanto não implica na desvalorização
da preexistência, tampouco em permitir seu embalsamamento. Admira-se e respeita-se o
passado, apoio do presente e impulso do futuro. As instituições estudadas se destacam como
representantes de desenvolvimento econômico no passado e transportam essa notoriedade
para as atividades atualmente exercidas.
Os casos trazidos à baila revelam como passado e presente podem conviver de forma harmônica
na cidade contemporânea, onde novas funções podem surgir a despeito da forma para a qual as
edificações foram erguidas. Ao se respeitar o passado concede-se ao futuro a chance de se
compreender, de existir e transcender às permanentes transformações. Entendimento que se
equaliza ao desejo de preservação, reafirmando a inextinguibilidade do significado diante de um
mundo em constante transformação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABDALLA, José Gustavo Francis. Tipologia da arquitetura e cidades: uma investigação em Juiz de Fora, MG. In:
SIMPÓSIO BRASILEIRO DE QUALIDADE DO PROJETO NO AMBIENTE CONSTRUÍDO, 2, 2011, Rio de Janeiro. Anais [...].
Rio de Janeiro: SBQP, 2011. p. 14-24.

ABDALLA, José Gustavo Francis; OLIVEIRA, Juliana Similli de. Teatralidade da arquitetura bancária em Juiz de Fora:
arquitetura, planos e paisagem. In: BRAIDA, Frederico et al. (Orgs.). Arquitetura e urbanismo em Juiz de Fora:
bancos, clubes, museus e universidades. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2019. p. 6-30.

BRAIDA, Frederico; NOJIMA, Vera. L. Tríades do design: um olhar semiótico sobre a forma, o significado e a
função. Rio de Janeiro: Rio Book’s, 2014.

BRUNO, Mariana. Antigo banco se transforma em hotel de luxo em Londres. 2017. Disponível em:
https://casaclaudia.abril.com.br/ambientes/antigo-banco-se-transforma-em-hotel-de-luxo-em-londres/. Acesso em:
08 de out. 2020.

CAFÉ, Carlos. Álvaro Siza e Rem Koolhas: a transformação do “lugar” na arquitetura contemporânea. São Paulo:
Annablume, 2011.

CAMPOS-de-CARVALHO, Mara Ignez; CAVALCANTE, Sylvia; NÓBREGA, Lana Mara Andrade. Ambiência. In:
CAVALCANTE, Sylvia; ELALI, Gleice A. (Orgs.). Temas básicos em psicologia ambiental. Petrópolis, RJ: Vozes (ed.
Kindle), 2017.

CCBB. Saiba mais sobre o CCBB. [s.d.]. Disponível em: http://culturabancodobrasil.com.br/portal/o-ccbb/. Acesso
em: 26 out. 2019.

CENTRO Cultural Banco do Brasil (CCBB). In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo:
Itaú Cultural, 2018. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/instituicao16570/centro-cultural-banco-
do-brasil-ccbb. Acesso em: 08 de out. 2020.

DONATO, Verusca; PRESTES, Caio. Farol Santander, antigo prédio do Banespa, é aberto para visitação nesta sexta
em SP. 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/aniversario-de-sp/2018/noticia/farol-santander-
antigo-predio-do-banespa-e-aberto-para-visitacao-nesta-sexta-em-sp.ghtml. Acesso em: 08 de out. 2020.

JACOBS, Jane. A necessidade de prédios antigos. In: ______. Morte e vida de grandes cidades. 3. ed. São Paulo:
Martim Fontes, 2011. p. 207-220.

428
JAYO, Martin. Sobre o Farol Santander. Edifício Altino Arantes, antiga sede do Banespa, muda de nome.
Arquiteturismo, São Paulo, v. 11, n. 130.06, Vitruvius, jan. 2018. Disponível em:
https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/11.130/6858. Acesso em: 08 de out. 2020.

KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação do patrimônio arquitetônico da industrialização: problemas teóricos do


restauro. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2008.

LYNCH, Kevin. A forma da cidade. In: ______. A imagem da cidade. 3. ed. São Paulo: Martim Fontes, 2011. p. 101-
132.

NUNES, Brunella. Escondido no subsolo, antigo cofre no Centro de SP reabre como bar. [s.d.]. Disponível em:
https://www.hypeness.com.br/2019/04/escondido-no-subsolo-antigo-cofre-no-centro-de-sp-reabre-como-bar/.
Acesso em: 08 de out. 2020.

PRODANOV, Cleber; FREITAS, Ernani de. Metodologia do trabalho científico: métodos e técnicas da pesquisa e do
trabalho acadêmico. 2. ed. Novo Hamburgo: Universidade Feevale, 2013.

SANCHEZ, Leonardo. Antigo cofre de banco se transforma em bar de drinques no SubAstor no Farol Santander.
2019. Disponível em: https://guia.folha.uol.com.br/bares/2019/01/antigo-cofre-de-banco-se-transforma-em-bar-
de-drinques-do-subastor-no-farol-santander.shtml. Acesso em: 08 de out. 2020.

THE STORY of the Ned. The Ned London. [s.d.]. Disponível em: https://www.thened.com/notes/about-the-ned.
Acesso em: 08 de out. 2020.

429

Você também pode gostar