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Teorias da comunicação

Profa. Dra. Carina Adriele Duarte de Melo Figueiredo


1ª Edição
Gestão da Educação a Distância
Cidade Universitária - Bloco C
Avenida Alzira Barra Gazzola, 650,
Bairro Aeroporto. Varginha /MG
ead.unis.edu.br
0800 283 5665

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ção ficam reservados ao Unis
- MG.
É proibida a duplicação ou
reprodução deste volume (ou
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quer meio, sem autorização
expressa da instituição.
Autoria

Profa. Dra.
Carina Adriele Duarte de Melo Figueiredo

Doutora em Ciências da Linguagem. Concluiu o Mestrado em Letras (Linguagem, Cultura e Dis-


curso) em 2008 e graduação também em Letras em 2005. Foi professora efetiva na rede pública
de ensino de 2006 a 2009. Atuou como professora substituta no Centro Tecnológico de Minas
Gerais - CEFET/Varginha, no período de 2014 a 2015. Atualmente, é coordenadora no curso de
Letras no Centro Universitário Sul de Minas - UNIS/MG, instituição na qual também leciona em
diversos cursos de graduação desde 2009. Possui experiência na área de Letras, com ênfase
em Língua e Literatura, e desenvolve pesquisas sobre língua, literatura, discurso e formação de
professores.

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6909130283777291


FIGUEIREDO, Carina Adriele Duarte de Melo. Teorias da Comunica-
ção. Varginha: GEaD-UNIS/MG, 2020.

98 p.

1. Comunicação. 2. Linguagem. 3. Mundo. 4. Pensamento.

Unis EaD
Cidade Universitária – Bloco C
Avenida Alzira Barra Gazzola, 650,
Bairro Aeroporto. Varginha /MG
ead.unis.edu.br

5
Os escafandristas virão explorar sua casa
seu quarto, suas coisas, sua alma, desvãos
Sábios em vão tentarão decifrar
o eco de antigas palavras fragmentos de cartas,
poemas mentiras, retratos
vestígios de estranha civilização
(Chico Buarque, Futuros Amantes)

Caro estudante, proponho, nesta disciplina, que você seja um escafandrista no oceano
da linguagem: olhe para os sentidos das palavras, investigue a sensação das cores, explore as
diferentes formas de dizer, decifre os silêncios…
O Capítulo I investigará o objeto de estudos da Comunicação enquanto campo do sa-
ber. Ao final, há uma breve incursão na teoria dos signos na perspectivas dos estudos semioló-
gicos e semióticos.
No Capítulo II, vamos tentar compreender os (des)encontros entre as palavras Língua,
Linguagem, Texto e Discurso. Também falaremos sobre as práticas e os modelos de comunica-
ção.
O Capítulo III apresenta um breve panorama da história das Teorias da Comunicação e,
posteriormente, aborda com mais ênfase algumas dessas correntes teóricas.
Nos Capítulos IV e V, realizaremos discussões críticas e interdisciplinares a respeito da
comunicação, sobretudo, da comunicação contemporânea.
Há muito conteúdo para estudarmos? Há. Mas “não se afobe, não, que nada é pra já.” Nos
estudos das Teorias da Comunicação, pretendemos instaurar mais perguntas que respostas.
O filósofo Wittgenstein dizia que “Os limites da minha linguagem são os limites do meu
mundo.” Venha com os olhos bem abertos e os ouvidos atentos, a disciplina Teorias da Comuni-
cação nos ajudará a aprender a aprender e ampliará o nosso mundo a partir das novas lingua-
gens que conheceremos.
Seja bem-vinda(o)! Sinta-se acolhida(o).
Um abraço,
Carina
Ementa
O objeto da comunicação social: a informação e a comunicação. A semiologia e
a semiótica. Objetivo, identificação e compreensão das práticas de comunicação.
Estudos dos modelos e processos de comunicação. Comunicação: contribuição
interdisciplinar. Abordagem crítica dos meios de comunicação. A teoria da infor-
mação e da recepção. As diversas correntes teóricas da comunicação. Crítica da
comunicação na contemporaneidade.

Orientações
Ver Plano de Estudos da disciplina, disponível no ambiente virtual.

Palavras-chave
Comunicação. Linguagem. Mundo. Pensamento.
Unidade I - O Objeto da Comunicação Social: A Informação e a Comunicação 12
Introdução 12
1.1. Afinal, o que é a Comunicação? 12
1.2. As Produções de Sentido na Não Comunicação 16
1.3. O Objeto da Comunicação 18
1.4. Semiologia e Semiótica: Primeiras Palavras 19
1.5. Palavras Finais da Unidade I 33

Unidade II - As Práticas Comunicativas e os Seus Modelos 35


Introdução 35
2.1. Objetivo, Identificação e Compreensão das Práticas de Comunicação 35
2.2. Estudos dos Modelos e Processos de Comunicação 38
2.2.1. Modelo Linear de Lasswell 39
2.2.2. O Modelo de Osgood e Schramm 39
2.2.3. Modelos de Merton e Lazarsfeld 40
2.2.4. O Modelo Espiral de Dance 41
2.2.5. O Modelo Geral de Comunicação de Gerbner 42
2.2.6. Os Modelos de Produção de Notícias 44
2.2.6.1. O Gatekeeper 44
2.2.6.2. Newsworthness 45
2.2.7. Os Modelos de Schramm e de Westley e McLean 46
2.2.8. O Modelo de “Efeito de Enquadramento” 48
2.3. Palavras Finais da Unidade II 52

Unidade III - As Diversas Correntes Teóricas da Comunicação 54


Introdução 54
3.1. Panorama dos Estudos da Comunicação 54
3.2. A Teoria Hipodérmica 60
3.3. A Teoria Funcionalista 61
3.4. A Teoria Matemática da Comunicação 63
3.5. A Escola de Frankfurt e a Teoria Crítica 64
3.6. Palavras Finais da Unidade III 72
Unidade IV – Os Estudos Culturais e as Contribuições de Mcluhan e Edgar
Morin Para a Comunicação 74
Introdução 74
4.1. Os Estudos Culturais 74
4.2. A Técnica e os Meios de Comunicação 75
4.2.1. McLuhan e os Meios de Comunicação 76
4.2.2. Edgar Morin e a Crítica da Comunicação na Contemporaneidade 78
4.3. Palavras Finais da Unidade IV 82

Unidade V - Cibercultura, Comunicação Ubíqua e a Abordagem Interdiscipli-


nar 84
Introdução 84
5.1. Pierre Lévy e a Cibercultura 84
5.2. Lucia Santaella e a Comunicação Ubíqua 86
5.3. A Comunicação e Suas Contribuições Interdisciplinares 88
5.3.1. A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica 89
5.3.2. A Estética da Recepção 91
5.3.3. Damázio e Fabiano: a Força da Comunicação em Dois Exemplos Literários 93
5.4. Palavras Finais 94

Referências Bibliográficas 96
I
Unidade I – O Objeto
da Comunicação Social:
A Informação e a
Comunicação.

Objetivos da Unidade
- Compreender a comunicação como um campo do saber;
- Investigar qual é o objeto de estudo da comunicação;
- Introduzir os estudos semióticos;
- Conhecer teoria geral dos signos nas perspectivas de Saus-
sure, Barthes e Peirce.
Unidade I - O Objeto da Comunicação Social: A Informação e a Comunicação

Introdução

1.1. Afinal, o que é a Comunicação?

Sabemos que o tempo todo emanamos e consumimos sentidos: somos bombardea-


dos por diversas notícias, imagens, mensagens, mas também construímos sentidos através de
linguagens, o nosso próprio corpo significa, o nosso silêncio significa... As mensagens que re-
cebemos e as que enviamos constituem possíveis formas de comunicação. De acordo com o
Dicionário Aulete, o verbete comunicação tem as seguintes acepções:

(co.mu.ni.ca.ção)
sf.
1. Conceito, capacidade, processo e técnicas de transmitir e receber ideias,
mensagens, com vistas à troca de informações, instruções etc.: A comunicação é
um pré-requisito para a formação e consolidação de uma sociedade.
2. Ação ou resultado de comunicar(-se), de transmitir e receber mensagens:
Esta empresa precisa melhorar a comunicação com as filiais.
3. A mensagem transmitida ou recebida, oral ou por escrito: Chegou uma comu-
nicação da matriz.
4. O conjunto de conhecimentos, técnicas e procedimentos sobre essa trans-
missão e recepção de ideias, informações e mensagens, ministrado como disci-
plina: Ela estudou comunicação.
5. Exposição oral ou escrita sobre determinado tema
6. Capacidade de dialogar; ENTENDIMENTO: A comunicação entre os cônjuges é
fundamental.
7. Ação de conversar; COLÓQUIO; CONVERSÇÃO: Só têm comunicação por tele-
fone.
8. Aviso, participação (comunicação de noivado)
9. Ligação, passagem entre dois lugares: esse quarto tem comunicação com a
sala.
10. Elet. Transmissão à distância de informação por meio de sinais em fios ou
ondaseletromagnéticas
11. Med. Anomalia cardíaca na qual há comunicação (9) entre compartimentos
do coração que não deveriam tê-la (comunicação inter-auricular)

12
12. Telc. Conexão entre dois ou mais locais distanciados no espaço, por meio de
dispositivos elétricos, eletrônicos, telegráficos, telefônicos etc.
13. Mec. Transmissão de movimento de um sistema mecânico a outro
14. Ling. Processo de emissão (por um emissor) e recepção (por um receptor)
de mensagem em código linguístico comum a ambos
15. Psi. Inter-relação entre dois aspectos de uma personalidade, que propicia a
influência das alterações sofridas por um deles sobre o outro

[Pl.: -ções.]
[F.: Do lat. communicatio, onis.]

Comunicação de massa
1 Teor.in. Circulação ou difusão de mensagens dirigidas indiferenciadamente a
grandes parcelas da população, através dos meios de comunicação de massa
(televisão, rádio, jornais etc.).

Comunicação humana
1 Teor.in. A que se faz entre seres humanos, por meio de sistemas de signos
(como a linguagem falada e escrita), e não por instruções ou comandos (como
a que envolve animais e máquinas); comunicação social.

Comunicação interpessoal
1 Teor.in. A que que se faz diretamente entre dois ou mais indivíduos (pela fala,
por carta ou mensagem, por e-mail, pelo telefone etc.).

Comunicação não verbal


1 Teor.in. Comunicação que emprega sistemas de signos que não os da lingua-
gem falada ou escrita (como gestos, imagens, sinais etc.).

Comunicação social
1 Teor.in. A que, através de meios especializados e tecnicamente estruturados,
se realiza entre um órgão de informação (empresa, organização oficial ou go-
vernamental etc.) e a sociedade.
2 A atividade profissional que se dedica a planejar e realiza essa comunicação.
3 Lus. Ver Comunicação de massa.
4 Ver Comunicação humana.

Comunicação verbal
1 Teor.in. A que se realiza por meio da linguagem falada ou escrita, exclusiva
dos seres humanos.

13
Comunicação visual
1 Teor.in. Aquela que tem como principal suporte o aspecto gráfico ou visual de
uma mensagem (como expressa em formatação de textos, criação de cartazes,
concepção de logotipos e logomarcas etc.).
2 Programação visual, parte do desenho industrial que expressa o conteúdo
de mensagens e de informações em uma forma visual. (AULETE, 2011, p. 367)

Lendo assim, a palavra e suas acepções parecem de fácil compreensão. “Comunicação:


Ação ou resultado de comunicar(-se), de transmitir e receber mensagens.” No entanto,
nem sempre as mensagens são trocadas sem ruídos, sem falhas e problemas na compreensão.
As mensagens também não são sempre inocentes, sem implícitos, muitas vezes são arquite-
tonicamente construídas com intenções muito específicas. Investigar esses fenômenos e os
efeitos de sentidos que eles geram será um dos nossos objetivos.
Os estudos sobre “o que é a comunicação” e “como ela se faz?” constituem o que chama-
mos de Teorias da Comunicação. Como afirmam FRANÇA; SIMÕES (2016): “O estudo da co-
municação inicia com uma reflexão sobre o seu próprio objeto: o que é, afinal, comunicação?”.
Sabemos que a comunicação está em toda parte: nas séries a que assistimos, nos podcasts que
ouvimos, no “Bom dia” na padaria, nas conversas cotidianas, nos livros teóricos que lemos. Por
isso, o tempo todo estamos aprendendo algo, pois somos sujeitos constituídos de linguagem.
Em nós, falam os discursos de nossos avós, pais, os discursos dos livros que lemos, das nos-
sas filiações políticas e filosóficas. A comunicação produz em nós conhecimentos. As autoras
FRANÇA e SIMÕES (2016) ainda chamam atenção para esses conhecimentos que a comunica-
ção suscita:

14
Essa comunicação - dimensão sensível, concreta, material da re-
alidade social - suscita dois tipos de conhecimento. O primeiro
deles poderíamos chamar de conhecimento prático ou opera-
cional. A comunicação é do domínio do fazer: é ação humana,
intervenção especializada dos indivíduos no mundo. Enquanto
fazer, supõe e aciona um saber-fazer: o trabalho com a comuni-
cação supõe o domínio de técnicas e operações; a familiarida-
de com suas linguagens, o desenvolvimento de certas atitudes,
como a criatividade, o senso crítico, a capacidade de organiza-
ção e de síntese.
Podemos, no entanto, também falar de um outro conhecimen-
to, igualmente necessário, que vai além do conhecimento ope-
racional, que complementa o saber fazer, e constitui um saber
sobre o fazer, sobre os “fazeres” e sobre os “feitos”. Trata-se de um
conhecimento mais global, que vem indagar sobre o alcance e
o significado das próprias práticas comunicativas, sobre a inter-
venção e a criação dos indivíduos no terrenos das imagens e
dos sentidos, sobre a produção das representações e dos mun-
dos imaginais. Existindo enquanto fenômeno particular, prática
social que veio reconfigurar o perfil e a dinâmica da sociedade
contemporânea, a comunicação moderna vem sendo objeto de
uma reflexão acadêmica que busca compreender, explicar e por
vezes dominar o fenômeno comunicativo. (FRANÇA; SIMÕES,
2016, p. 20-21).

Interessante pensar nessa criação dos indivíduos no terreno das imagens e dos senti-
dos. Se nascêssemos no sul da Rússia, seríamos quem hoje somos? A fim de continuarmos com
essas reflexões, recomendo que você, estudante das Teorias da Comunicação, assista a dois
filmes:

15
a) Nell - Nell é uma jovem que cresceu em uma casa no meio da flo-
resta. A jovem foi criada apenas por sua mãe que aparentava ter al-
gum problema neurológico (possivelmente vítima de um AVA), pois
apresentava dificuldades na fala e no andar. Depois que sua mãe
morre, Nell é descoberta por um médico e se torna motivo de muita curiosidade: teria
a jovem algum distúrbio? Ou seria apenas a reprodução do que aprendeu na floresta e
na convivência com sua mãe.
b) O Enigma de Kaspar Houser - O filme apresenta uma temática semelhante à de
Nell. Kaspar Houser foi uma criança misteriosamente encarcerada e isolada até os 16
anos. Só a partir daí ele passou a ter contato com a civilização e com a língua. Kaspar
Houser nunca desenvolveu plenamente as habilidades da fala e apresentava compor-
tamentos muito distintos dos demais jovens que tiveram a interação desde criança. As
questões que ficam são: quais são os impactos de um isolamento social? Há reversão?

Ambos os filmes nos permitem pensar no quanto somos sujeitos de linguagem e o


quanto as nossas relações e o meio interferem em quem somos. As narrativas revelam, inclusi-
ve, a importância da comunicação no processo civilizador de um sujeito. Isso fica notório quan-
do viajamos para lugares com culturas muitos distintas das nossas. A forma como vivemos é
apenas um convenção, visto que existem várias outras formas de uma sociedade ser constituí-
da.

1.2. As Produções de Sentido na Não Comunicação

Até mesmo quando “a comunicação não comunica” há uma produção de sentido. Pen-
semos, por exemplo, nos boletins de números relacionados à pandemia de COVID-19 publica-
dos nas redes sociais dos jornais ou das prefeituras:

16
Figura 1 - Boletim Diário do Coronavírus, cidade de Varginha

Fonte: Imagem disponível no Instagram do perfil @noticiandovarginha

17
Neste contexto, se uma prefeitura evita publicar os números como os acima relaciona-
dos à contaminação, provoca, na sociedade, uma falsa sensação de que não existe uma con-
taminação pelo vírus. O mesmo podemos dizer sobre os casos de corrupção no Brasil, se não
há investigações de determinados políticos, gera uma possível falsa sensação de que aqueles
políticos não são corruptos.

Como se pode notar, até quando não há a comunicação,


construímos sentidos.

1.3. O Objeto da Comunicação

Até o momento, vimos a como as práticas comunicativas nos afetam, mas, ao pensar na
Comunicação como um campo do saber, qual seria, afinal, o seu objeto investigativo? Quando
pensamos nas Teorias da Comunicação em uma perspectiva mais empírica, somos induzidos a
questionar qual é o seu objeto de estudo.

[...] entendemos que o objeto de estudo da comunicação é exatamente a co-


municação: uma concepção, uma forma de ver, perceber e enquadrar uma
ação qualquer enfocando e resgatando sua dimensão comunicacional. Trata-se
de um modelo através do qual podemos ler um dado fenômeno, por exemplo,
um programa televisivo, um comício, uma conversa, enquanto prática comuni-
cativa, troca simbólica que envolve vários elementos. [...] A Comunicação, en-
quanto campo de estudo, apresenta-se como proposta de um novo caminho
para conhecer e tratar os fenômenos sociais. Neste sentido, e em princípio, a
análise comunicativa, isto é, o viés analítico comunicacional, pode se debruçar
sobre múltiplos objetos: a comunicação amorosa entre duas pessoas, as práti-
cas comunicativas de uma tribo urbana, a Rede Globo, um fórum na internet. O
que distingue a especificidade de um estudo sobre qualquer um desses temas
não é o objeto em si, sua empiria, mas a maneira como vai ser tomado e anali-
sado. Os meios de comunicação podem ser analisados sob um viés psicológico,
cultural, econômico... ou comunicativo. O que significa dizer, neste último caso:
18
enquanto processo comunicativo, processo de produção e circulação de senti-
do entre duas ou mais pessoas; atividade de troca simbólica através da produ-
ção de material discursivo em certo contexto. (FRANÇA; SIMÕES, 2016, p. 29).

Como podemos notar, o objeto de estudo da Comunicação é a própria comunicação.


No entanto, em uma análise, há que se considerar outros fenômenos decorrentes do processo
comunicativo e da própria mídia.

Tais fenômenos podem ilustrar aspectos culturais fundantes


de uma sociedade, visto que a comunicação está presente em toda
comunidade. Por exemplo, quando as pessoas não tinham acesso à
internet e escreviam cartas, a forma como cada um lidava com a noção
de tempo era diferente da atualidade em que uma mensagem instantânea visualizada
e não respondida no Whatsapp gera até certa ansiedade. Observa-se aí, nesse pequeno
exemplo, que o meio e o tipo de comunicação interferem nas formas de (con)viver.

1.4. Semiologia e Semiótica: Primeiras Palavras

Além da palavra Semiótica, é comum ouvirmos a palavra Semiologia. A noção de se-


miologia aparece em Ferdinand de Saussure, no Curso de Linguística Geral.

Você sabia que o livro Curso de Linguística Geral foi uma pu-
blicação póstuma? Trata-se do resultado de uma compilação realizada
pelos seus alunos de Saussure a partir das anotações que realizaram
durante o curso de Linguística.

Para Saussure, a semiologia é uma ciência que abrange as representações e tem como
principal objeto de estudos: o signo.
19
Dito de uma forma bastante simplificada, poderíamos dizer
que o signo = significante + significado. O significante é uma imagem
acústica que está atrelado ao significado que, por sua vez, é o próprio
conceito. A relação entre o significado e significante é arbitrária. O que

isso quer dizer? Tal relação é apenas uma convenção social. “O signo linguístico une não
uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica.” (SAUSSURE, 2000, p.
81). Por exemplo,

Figura 2 - Representação do signo linguístico

Fonte: Figura extraída de SAUSSURE, 2000, p. 81.

Roland Barthes - escritor, sociólogo, crítico literário, semiólogo e filósofo francês - am-
pliou a noção de signo desenvolvida por Saussure. Segundo Barthes, o signo é usado em sen-
tido figurado, metafórico ou simbólico, de acordo com o contexto em que é utilizado. A fim de
compreender melhor, leia com atenção o texto de Barthes:

A cozinha dos sentidos

Uma roupa, um carro, uma iguaria, um gesto, um filme, uma música, uma ima-
gem publicitária, uma mobília, uma manchete de jornal, eis aí, aparentemente, objetos
completamente heterogêneos.
Que podem ter em comum? Pelo menos o seguinte: todos são signos. Quando
me movimento na rua - ou na vida - e encontro esses objetos, aplico a todos, às vezes

20
sem me dar conta, uma mesma atividade, que é a de certa leitura: o homem moderno,
o homem das cidades, passa o tempo a ler. Lê primeiro e principalmente imagens, ges-
tos, comportamentos: tal carro me diz o status social do proprietário, tal roupa me diz
exatamente a dose de conformismo ou de excentricidade do seu portador, tal aperitivo
(uísque, pernod ou vinho branco com cassis) o estilo de vida do meu hóspede. Mesmo
quando se trata de um texto escrito, é-nos continuamente proposta uma segunda men-
sagem nas entrelinhas da primeira: se leio, em manchete com letras garrafais: Paulo VI
tem medo, isso quer dizer também: se você ler a continuação, saberá por quê.
Todas essas “leituras” são importantes demais na nossa vida, implicam dema-
siados valores sociais, morais, ideológicos para que uma reflexão sistemática não tente
assumi-las: é essa reflexão que, por enquanto pelo menos, chamamos de semiologia.
Ciência das mensagens sociais? das mensagens culturais? das informações segundas?
Apanhado de tudo que é “teatro” no mundo, da pompa eclesiástica à cabeleiras dos
Beatles, do pijama de gala aos certames da política internacional? Pouco importa no
momento a diversidade ou a flutuação das definições.
O que conta é poder submeter uma massa enorme de fatos aparentemente
anárquicos a um princípio de classificação, e é a significação que fornece esse princípio:
ao lado das diversas determinações (econômicas, históricas, psicológicas), será preciso
doravante prever uma nova qualidade do fato: o sentido.
O mundo está cheio de signos, mas esses signos não têm todos a bela simplici-
dade das letras do alfabeto, das tabuletas do código de trânsito ou dos uniformes mili-
tares: são infinitamente mais complicados. Na maioria das vezes, nós os vemos como se
fossem informações “naturais”; encontrou-se uma metralhadora tcheca nas mãos dos
rebeldes congoleses: aí está uma informação incontestável; entretanto, na medida mes-
mo em que não se faz menção, ao mesmo tempo, do número de armas americanas em
uso entre os governistas, a informação se torna um signo segundo, ela patenteia uma

21
escolha política.
Decifrar os signos do mundo sempre quer dizer lutar com certa inocência dos
objetos. Todos nós, franceses, entendemos tão “naturalmente” o francês que nunca nos
vem à cabeça a ideia de que a língua francesa é um sistema complicadíssimo e muito
pouco “natural” de signos e de regras: da mesma maneira, é necessária uma constante
sacudida da observação para ajustar o foco não sobre o conteúdo das mensagens, mas
sobre a sua feitura: enfim, o semiólogo, como o linguista, deve entrar na “cozinha do
sentido”.
Isso constitui uma empreitada imensa. Por quê? Porque um sentido nunca se
pode analisar de modo isolado. Se estabeleço que o blue-jeans é o signo de certo dan-
dismo adolescente, ou o cozido, fotografado por determinada revista de luxo, o de uma
rusticidade bastante teatral, e mesmo se multiplico essas equivalências para constituir
listas de signos como as colunas de um dicionário não terei descoberto absolutamente
nada. Os signos são constituídos por diferenças.
No início do projeto semiológico, pensou-se que a principal tarefa era, segundo
a palavra de Saussure, estudar a vida dos signos no seio da vida social e, consequente-
mente, reconstituir sistemas semânticos de objetos (indumentária, alimentação, ima-
gens, rituais, protocolos, músicas etc.). Isso está por fazer. Mas, ao avançar nesse projeto
já imenso, a semiologia encontra novas tarefas; por exemplo, estudar essa operação
misteriosa pela qual uma mensagem qualquer se impregna de um sentido segundo,
difuso, em geral ideológico, a que se chama “sentido conotado”: se leio num jornal a
seguinte manchete: “Em Bombaim reina uma atmosfera de fervor que não exclui nem o
luxo nem o triunfalismo”, recebo por certo uma informação literal sobre a atmosfera do
Congresso Eucarístico; mas percebo também certo estereótipo de frase, feito de um
sutil balanceamento de negações, que me remete a uma espécie de visão equilibrante
do mundo: esses fenômenos são constantes, é preciso desde já estudá-los em grande

22
escala com todos os recursos da linguística.
Se as tarefas da semiologia aumentam sem cessar, é que de fato descobrimos
cada vez mais a importância e a extensão da significação no mundo; a significação tor-
na-se o modo de pensar do mundo moderno, algo como o “fato” constituiu preceden-
temente a unidade de reflexão da ciência positiva.

Le Nouvel Observateur,
10 de dezembro de 1964.

Esse texto de Roland Barthes está disponível no livro A aventura


semiológica, publicado no Brasil pela editora Martins Fontes.

Como vimos, Barthes amplia a noção de signo proposta por Saussure. Ambos os auto-
res ainda utilizam a palavra semiologia. Muitos estudiosos consideram a Semiologia apenas
um subconjunto da Semiótica que, por sua vez, tem uma bem mais ampla, pois ela é uma
ciência dos signos em geral - e não apenas dos signos linguísticos, como propunha Saussure.
Segundo a professora e pesquisadora Lúcia Santaella:

a Semiótica é a ciência que tem por objeto de investigação to-


das as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exa-
me e dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno
como fenômeno de produção de significado e de sentido. (SAN-
TAELLA, 1983, p. 13)

23
Nos estudos semióticos, uma grande referência é Charles Sanders Peirce - americano
que se dedicou aos estudos da lógica, matemática, filosofia e, principalmente da semiótica.
Para os estudos semióticos, interessa-nos muito a relação objeto-pensamento desen-
volvido nas pesquisas de Peirce. Nos textos a seguir, há uma breve apresentação da tríade peir-
ceana:

Texto I

Charles S. Peirce (1839- 1914) funda a semiótica, corrente norte-americana


da ciência dos signos, contrapondo, ao sistema dicotômico de Saussure, uma
estrutura triádica básica formada pelo signo ou representámen, pelo objeto e
pelo interpretante que dinamiza a relação de significação. Peirce introduz a
imagem nesta trilogia, ao definir que “um signo, ou, para usar um termo mais
genérico e mais definido, um representamen é um ou outro destas três cate-
gorias: ou é um ícone, ou um índice, ou um símbolo” (Pierce, 1998, CP 4.447)
Os ícones são signos substitutivos, ou imagens que mantêm uma relação
de semelhança (conexão ótica), com a realidade representada (fotografia,
mapa), enquanto os símbolos são signos convencionais, que representam
algo através de diagramas comummente reconhecidos e aceites pelos intér-
pretes (pomba, símbolo de paz), e os índices são signos indiciais, que mantém
relações causais com os objetos ou as ideias que representam (fumo, indício
de fogo).

Figura 3 - Relação triádica do signo, segundo C. S. Peirce

Fonte: Texto disponível em: https://amusearte.hypotheses.org/1075 Acesso: 26 jul. 2020.

24
Texto II

Peirce listou três modos de o signo mediar os significados:

• Ícone: um parâmetro com relação de semelhança com o objeto. Uma foto, por
exemplo. Onomatopeias seriam ícones verbais. As limitações do ícone basica-
mente são duas: nem todos os seres reconhecem um ícone (animais se auto re-
conhecerem em uma pintura) e depende da qualidade da representação, como
um retrato cubista não ter um retratado tão facilmente reconhecível quanto em
uma pintura realista.
• Índice: um parâmetro cujo signo possua uma relação de causalidade sensorial
indicando seu significado. Alguns índices podem ser interpretados por animais.
Por exemplo, onde há fumaça geralmente há fogo. Uma poça d’água pode indi-
car que houve chuva. Pronomes demonstrativos e advérbios são equivalentes
verbais dos índices.
• Símbolo: uma relação puramente convencional entre o signo e seu significado.
Não há fortes evidências que animais na natureza usem os símbolos. Sinais de
chamados de baleias, cachorros e pássaros aproximam-se mais dos índices. A go-
rila Koko ou outro primatas que respondem a símbolos são exceções a serem
estudados. O símbolo é explicado ad infinitum por outros referentes, como nas
definições de um dicionário que levam a outra definição. Alguns símbolos são
não verbais, como a cruz para simbolizar uma sepultura, a religião cristã, uma
nacionalidade (em bandeiras), um hospital, dentre outros. Nas línguas, quase a
totalidade das palavras são símbolos, representando alguma coisa, quer nominal
(um substantivo ou adjetivo) ou uma ação.

Disponível em: https://url.gratis/kHAZ0 Acesso: 26 jul. 2020.

25
TEXTO COMPLEMENTAR

Um Leonardo das ciências modernas

C. S. Peirce (1839-1914) era, antes de tudo, um cientista. Seu pai (Benjamim Peir-
ce) foi, na época, o mais importante matemático de Harvard, sendo sua casa uma es-
pécie de centro de reuniões para onde naturalmente convergiam os mais renomados
artistas e cientistas. Portanto, desde criança, o pequeno Charles já conduzia sua exis-
tência num ambiente de acentuada respiração intelectual. É por isso que químico ele já
era, desde os seis anos de idade. Aos 11 anos escreveu uma História da Química; e em
Química se bacharelou na Universidade de Harvard.
Mas Peirce era também matemático, físico, astrônomo, além de ter realizado
contribuições importantes no campo da Geodésia, Metrologia e Espectroscopia. Era
ainda um estudioso dos mais sérios tanto da Biologia quanto da Geologia, assim como
fez, quando jovem, estudos intensivos de classificação zoológica sob a direção de Agas-
siz.
Em nenhum momento de sua vida, contudo, Peirce se confinou estritamente às
ciências exatas e naturais. No campo das ciências culturais, ele se devotou particular-
mente à Linguística, Filologia e História. Isso sem mencionarmos suas enormes contri-
buições à Psicologia que fizeram dele o primeiro psicólogo experimental dos EUA.
Como se isso não bastasse, conhecia ainda mais de uma dezena de línguas, além
deter realizado estudos em Arquitetura e cultivado a amizade de pintores. Conhecedor
profundo de Literatura (especialmente Shakespeare e Edgar Allan Poe), fez elaborados
estudos de dicção poética e chegou a escrever um longo conto (A Tale of Thessaly) para
o qual não encontrou editor. Mais para o fim de sua vida, estava escrevendo uma peça
de teatro. Praticava ainda a “arte quirográfica”, além de ser um grande experimentador

26
de vinhos, tendo desenvolvido essa aprendizagem numa estada de seis meses em Voi-
sin.
Como explicar essa quase assombrosa diversidade de campos e interesses?
Repetimos: Peirce era, antes de tudo, um cientista. E como cientista sobreviveu,
trabalhando para o governo federal a serviço da “Costa e Inspeção Geodésica”, durante
o dia, de 1861 a 1891, e simultaneamente, por algum tempo, no Observatório de Har-
vard College, durante a noite; trabalhos que aparentemente o afastaram da Química
para pesquisas em Astronomia e ciências correlatas. No entanto, ao se aposentar, aos 52
anos de idade, Peirce tentou se estabelecer como engenheiro químico, numa atividade
que hoje chamaríamos de free-lancer.
Um cientista, portanto, ele jamais deixou de ser, tendo produzido contribuições
importantes e originais na Matemática e outras ciências até poucos dias antes de sua
morte, em 1914. No entanto, por trás de tudo isso, existia um fio condutor: sendo um
cientista, Peirce era, acima de tudo, um lógico. Essa foi a grande e irresistível paixão de
toda a sua vida.
A quase inacreditável diversidade de campos a que se dedicou pode ser expli-
cada, portanto, devido ao fato de que se devotar ao estudo das mais diversas ciências
exatas ou naturais, físicas ou psíquicas, era para ele um modo de se dedicar à Lógica.
Seu interesse em Lógica era, primariamente, um interesse na Lógica das ciências. Ora,
entender a Lógica das ciências era, em primeiro lugar, entender seus métodos de ra-
ciocínio. Os métodos diferem muito de uma ciência a outra e, de tempos em tempos,
dentro de uma mesma ciência. Os pontos em comum entre esses métodos só podem
ser estabelecidos, desse modo, por um estudioso que conheça as diferenças, e que as
conheça através da prática das diferentes ciências.
Essa gigantesca empresa foi o que Peirce tomou para si, durante toda a sua vida.
E, pela enormidade dessa empresa, pagou o preço da solidão, da miséria e de uma exis-

27
tência sem qualquer tipo de glória. Durante 60 anos de sua vida, lutou pela considera-
ção da Lógica como uma ciência. Mas o dia da Lógica não havia ainda soado…
Peirce estava perfeitamente consciente (e isso ele declarou muitas vezes) de que
a deliberada diversificação de seu trabalho em múltiplas ciências impediria que ele atin-
gisse a eminência que ele deveria ter atingido, se tivesse concentrado seus esforços
em apenas uma delas, ou mesmo em algumas ciências proximamente relacionadas. No
entanto, para ele a Lógica não era uma opção, mas uma paixão da qual não podia se
desviar, mesmo que quisesse.
É por isso que as poucas e temporárias vezes que penetrou, como professor con-
vidado, os umbrais da Universidade do seu tempo, foram para ministrar palestras sobre
Lógica. É por isso que, ao ser nomeado membro da Academia Americana de Ciência
e Artes, em 1867, ele não apresentou senão cinco estudos, todos sobre Lógica. E, em
1877, ao ser nomeado membro da Academia Nacional de Ciências (depois de ter sido
indicado por cinco anos consecutivos), ele assim o foi, apesar de ter enviado apenas
quatro estudos sobre Lógica, pelos quais queria ser julgado um homem da ciência ou
não. Ao responderá Academia pela honra concedida, Peirce expressou sua satisfação
pelo reconhecimento implícito da Lógica como ciência.
Mesmo assim, foi apenas na edição de 1910 em Quem é quem na América que
compareceu, pela primeira vez, uma referência à profissão de Peirce como aquela de
um lógico. Mas foi só depois de sua morte que ele passou a ser considerado um filósofo.
E aqui começa uma outra estória.

Um só homem dialogando com 25 séculos de filosofia ocidental


Todo o tempo em que Peirce foi um cientista, ele foi também um filósofo. Aos 16
anos de idade, começou a estudar Kant e, alguns anos mais tarde, sabia a Crítica da Ra-
zão Pura de cor. Não há qualquer campo da especulação filosófica que lhe tenha passa-
do despercebido: dos pré-socráticos e gregos aos empiristas ingleses, dos escolásticos

28
a Descartes e todos os alemães...
Desde muito cedo, quando ele começou na Filosofia, pretendeu trazer para
esta uma aproximação alternativa que tinha, até então, poucos representantes, isto é, a
aproximação ao pensamento filosófico através das ciências. Um filósofo, portanto, que
levou para a Filosofia o espírito da investigação científica, que assumiu que as discipli-
nas filosóficas são ou podem se tornar também ciências e que, para tal, propôs aplicar
na Filosofia, com as modificações necessárias, os métodos de observação, hipóteses e
experimentos que são praticados nas ciências.
Não é difícil se perceber, a partir disso, o vínculo que se estabeleceu, no seu pen-
samento, entre a Lógica e a Filosofia. Para ele, o caminho para a Filosofia tinha de se dar
através da Lógica, mais particularmente, através da Lógica da ciência. Este caminho, por
seu turno, se bifurcava: de um lado, através da prática das diversas ciências, de outro,
através da História da ciência.
Conclusão: se, até quase o final de sua vida, Peirce não conseguiu ser reconhe-
cido como lógico, não é de se estranhar que, através do caminho pelo qual optou pela
Filosofia, tenha atravessado sua existência inteira, sem jamais ser reconhecido como
filósofo. Não é de se estranhar, ainda, porque nenhuma Universidade americana soube
lhe dar um emprego como professor: nem como cientista, nem como lógico, nem como
filósofo. Peirce chegou cedo demais para o seu próprio tempo.
Conforme uma afirmação de Max H. Fisch (filósofo norte-americano, venerável
figura humana que tem dedicado praticamente quase 50 anos de sua existência à recu-
peração da obra de Peirce e a cujos artigos devo grande parte das informações biográfi-
cas que ora exponho), “Peirce era uma espécie de filósofo que era, em primeiro lugar um
cientista, e uma espécie de cientista que era, em primeiro lugar, um lógico da ciência.
Nenhuma Universidade, grande ou pequena, do seu tempo, soube o que fazer com tal
filósofo ou com tal cientista”.
Mas aqui chegamos ao ponto de cercar uma outra questão: o que tem a Semió-

29
tica a ver com tudo isso?
A resposta, pelo menos em princípio, é simples: desde o começo do despertar
do seu interesse pela Lógica, Peirce a concebeu como nascendo, na sua completude,
dentro do campo de uma teoria geral dos signos ou Semiótica. Primeiramente, ele con-
cebeu a lógica propriamente dita (aquilo que conhecemos como Lógica) como sendo
um ramo da Semiótica. Mais tarde, ele adotou uma concepção muito mais ampla da
Lógica que era quase coextensiva a uma teoria geral de todos os tipos possíveis de sig-
nos. Na última década de sua vida, estava trabalhando num livro que se chamaria Um
Sistema de Lógica, considerada como Semiótica.
Mas o caminho de Peirce para a Semiótica começou muito, muito cedo. Diz
ele:”... desde o dia em que, na idade de 12 ou 13 anos, eu peguei, no quarto de meu ir-
mão mais velho, uma cópia da Lógica de Whateley e perguntei ao meu irmão o que era
Lógica, ao receber uma resposta simples, joguei-me no assoalho e me enterrei no livro.
Desde então, nunca esteve em meus poderes estudar qualquer coisa — matemática,
ética, metafísica, anatomia, termodinâmica, ótica, gravitação, astronomia, psicologia,
fonética, economia, a história da ciência, jogo de cartas, homens e mulheres, vinho,
metrologia, exceto como um estudo de Semiótica”.
De tudo isso, cumpre, por enquanto, ser enfatizado que foi de dentro do diálogo
de um só homem com 25 séculos de tradição filosófica ocidental, assim como foi de
dentro de um gigantesco corpo teórico que veio gradativamente emergindo a sua teo-
ria lógica, filosófica e científica da linguagem, isto é, a Semiótica. Aproximar-se, portan-
to, dessa Semiótica, ignorando suas fundações e seu caráter de diálogo com a tradição,
é “perder 99% de seu potencial instigador e enriquecedor para a história da Filosofia.
Trata-se da obra de um pensador solitário e incansável, figura de uma rara e ini-
maginável envergadura científica, que passou praticamente os últimos 30 anos de sua
vida estudando 16 horas por dia, e que deixou para a posteridade nada menos o que 80
000 manuscritos, além de 12 000 páginas publicadas em vida.

30
Considerando-se que, décadas depois de sua morte, apenas perto de 5.000 pá-
ginas (fragmentos mais ou menos arbitrariamente selecionados por entre essas 80 000)
foram publicadas; considerando-se que só recentemente, graças aos esforços de grupos
de estudiosos norte-americanos, esses manuscritos foram catalogados; considerando-
-se que só agora uma edição cronológica da produção de Peirce está sendo preparada
para restaurar, senão a integralidade, pelo menos a integridade do seu pensamento,
pode-se concluir que é com muito vagar que sua obra está sendo posta a público. Com
igual vagar está sendo decifrada, devido ao seu alto teor de complexibilidade e origina-
lidade.
Contudo, pelo que me foi dado conhecer por entre essas dezenas de milhares de
páginas — inclusive consultando diretamente os arquivos de Peirce, nos Estados Uni-
dos — posso afirmar que a Semiótica peirceana, longe de ser uma ciência a mais, é, na
realidade, uma Filosofia científica da linguagem, sustentada em bases inovadoras que
revolucionam, nos alicerces, 25 séculos de Filosofia ocidental. Afirmei isso, com alguma
timidez, alguns anos atrás. Cada vez mais, no entanto, sou levada a confirmá-lo com
menos hesitação. Evidentemente, neste pequeno volume, não poderei senão insinuar
certas pistas e aclarar alguns conceitos de sua teoria. Faço questão dessas afirmações,
no entanto, para que elas aqui compareçam como uma espécie de sinal de alerta.
Resta, entretanto, tocar uma outra questão. Não há dúvida de que a tarefa, que
assumi levar à frente neste livro, pode parecer ousada: traduzir para um nível de com-
preensão bem simples a visão geral de um pensamento e uma teoria que pulsam em
complexibilidades e desbordam de muito o campo mais estrito de minha própria capa-
cidade. No entanto, assumo os riscos de minhas possíveis e prováveis lacunas. Se a am-
plidão de horizontes da Semiótica de Peirce veio muito cedo para o seu próprio tempo,
que, pelo menos, não venha tarde demais para o nosso próprio tempo. E isso defendo
porque, tanto quanto posso ver, toda grande descoberta científica, assim como toda
grande obra de criação, não deveria, de direito, pertencer a um grupo, uma classe ou

31
mesmo uma nação, mas ao acervo da espécie humana.

O texto acima foi extraído do livro O que é Semiótica, de Lúcia


Santaella, uma boa referência para quem pretende iniciar os estudos
semióticos.

Antes de iniciarmos a próxima unidade, faça um breve resumo dos tópicos que estuda-
mos até o momento. Construir mapas mentais referentes aos conteúdos estudados também
pode ajudar na compreensão dos tópicos.

32
1.5. Palavras Finais da Unidade I

Nesta primeira unidade vimos um pouco sobre a Comunicação e o seu objeto de es-
tudo e nos enveredamos na introdução à semiótica. Conhecemos brevemente a teoria dos
signos nas perspectivas de Saussure, Barthes e Peirce.
Esperamos que essa primeira leitura tenha contribuído para que nos reconheçamos
como sujeitos de linguagem. Tal premissa possibilita a construção de um olhar mais crítico à
nossa volta e às leituras que fazemos da palavra e do mundo.
Na próxima unidade falaremos sobre o objetivo, a identificação e a compreensão das
práticas de comunicação e estudaremos modelos e processos de comunicação.

33
II Unidade II – As Práticas
Comunicativas e os Seus
Modelos

Objetivos da Unidade
- Compreender as noções de Língua, Linguagem, Texto e Dis-
curso;
- Identificar os objetivos e compreender as práticas de comu-
nicação;
- Estudar importantes modelos e processos de comunicação.
Unidade II - As Práticas Comunicativas e os Seus Modelos

Introdução

2.1. Objetivo, Identificação e Compreensão das Práticas de Comunicação

Antes de adentramos nas práticas comunicativas, vamos retomar alguns vocábulos que
recorrentemente aparecem nos estudos das Teorias da Comunicação, são eles: Língua, Lingua-
gem, Texto, Discurso e Comunicação.

Língua: A Língua é um sistema de comunicação de um povo. A Língua é arbitrária.

Linguagem: Mais ampla que a noção de Língua, a Linguagem engloba outras manifesta-
ções, como, por exemplo, a Linguagem Musical, a Linguagem Corporal, Linguagem Compu-
tacional etc.

Texto: A palavra “Texto” terá diferentes acepções a depender da teoria em que estiver in-
serida. No entanto, quando falamos de Texto em contraste a Discurso, podemos pensar no
texto mais atrelado ao código linguístico e com menos ênfase aos aspectos extralinguísticos.
Nesse contexto, texto seria apenas a materialidade, o encadeamento de palavras. Também é
importante dizer que temos os textos verbais (compostos por palavras), os textos não verbais
(imagens, símbolos…) e o textos mistos (junção dos textos verbais e não verbais).

Discurso: Não há como pensar em discurso sem pensar em sujeito e ideologia. Todo sujeito
fala de um lugar social e sua fala é interpelada pela ideologia.

Você sabe a diferença entre INTERTEXTO e INTERDISCURSO? A intertextualidade é a re-


lação entre textos. Um texto é criado a partir de outro pré-existente, há uma relação dialógica
entre eles. Podemos citar como exemplos, as paródias, as paráfrases, as citações, entre outros.
35
A interdiscursividade é a relação entre discursos. De acordo
com FIORIN (2006): “A relação dialógica no texto não é manifestada,
não é materializada linguisticamente quando ocorre a interdiscursivi-
dade, pois a interdiscursividade é a relação entre enunciados, os quais
são compostos por vozes sociais que o enunciam. A relação interdiscursiva é uma rela-
ção dialógica a partir do momento em que existe uma relação de sentido entre os dis-
cursos, seja ele negado ou afirmado em outros enunciados.” (FIORIN, 2006). Por exemplo,
o discurso “quase jurídico” de Bentinho em Dom Casmurro.

Em um processo comunicativo, devemos sempre considerar quem são os interlocuto-


res, qual é a produção discursiva e em qual contexto ela ocorre. De acordo com FRANÇA e
SIMÕES (2016):

O processo comunicativo compreende vários elementos: os


interlocutores (a presença correferenciada de um e do outro);
uma materialidade simbólica (a produção discursiva); a situação
discursiva (o contexto imediato; sua inserção numa estrutura só-
cio-histórica particular). A relação que se estabelece entre esses
elementos é móvel e diversificada. O objetivo da análise comu-
nicativa é justamente captar o desenho dessas relações; o po-
sicionamento dos sujeitos interlocutores; a criação das formas
simbólicas; a dinâmica de produção de sentidos. O que, sem
dúvida, é a contribuição ímpar para o conhecimento de nossa
realidade contemporânea. (FRANÇA; SIMÕES, 2016, p. 29).

Todos os três elementos são fundamentais na compreensão do processos comunicati-


vos. Vale ressaltar também suas condições móveis e diversificadas, se há alteração de um dos
três elementos é provável que haverá também alteração de sentidos.

36
Figura 4 - Elementos do processo comunicativo

Fonte: A autora

Vejamos como uma simples alteração dos interlocutores pode alterar o sentido da
produção discursiva. Imagine a frase “O sonho acabou” dita pelo músico John Lennon, agora
imagine a mesma frase dita por um padeiro. Os sentidos serão completamente diferentes. Atu-
almente, muitas fake news são construídas alterando apenas um ou dois elementos do proces-
sos comunicativos. Veja:

Figura 5 - Notícia verificada

Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/ Acesso 27 jul. 2020

37
Como se pode notar, existe a produção discursiva (o vídeo), existem os interlocutores,
no entanto, o contexto é diferente do que estava sendo falsamente divulgado: a comemoração
foi em função da Páscoa judaica (Pessach), que celebra a libertação dos hebreus da escravidão
no Egito. No entanto, estavam divulgando como se não houvesse mais nenhum paciente de
Covid-19 na unidade de saúde. A alteração do contexto afeta os efeitos de sentido.
As práticas comunicativas possuem diferentes funções. Reconhecer tais funções e saber
como as produções interferem nos resultados têm sido objeto de investigação desde o início
do século XX. Cada vez mais teóricos da comunicação tem aperfeiçoado suas pesquisas a fim
de investigar como cada prática comunicativa interfere socialmente o sujeito. Se a comunica-
ção tem diferentes funções, veremos também que há diversas formas de “dizer”. É sobre isso
que falaremos no próximo tópico: modelos e processos de comunicação.

2.2. Estudos dos Modelos e Processos de Comunicação

Vimos que os interlocutores e o contexto são fundamentais na compreensão da prática


comunicativa, mas como a produção discursiva pode se constituir? Existem diferentes modelos
de construção da mensagem? Sim. Existem! Nas próximas linhas vamos nos debruçar sobre
alguns desses modelos a fim de tentar compreender como eles se manifestam socialmente
através dos seus efeitos de sentidos.

Os modelos de comunicação são criados a partir de dados es-


pecíficos e atual como um retrato analítico de uma situação. O modelo
permite ao pesquisador ter uma imagem nítida dos dados e variáveis
observadas. (MARTINO, 2009, p. 27)

No entanto, há quem critique o uso de modelos, pois geralmente eles ilustram uma
contexto restrito no tempo e no espaço. Vejamos alguns exemplos para que tiremos a nossa
própria conclusão:
38
2.2.1. Modelo Linear de Lasswell

O modelo foi proposto em 1948 por Harold D. Lasswell, um dos maiores teóricos da
comunicação na primeira metade do século XX. Lasswell, que também era cientista político,
propôs um modelo a partir dos seus estudos sobre mídia e política. Ele se interessava pela po-
tencialidade da comunicação em criar atitudes e opiniões. Veja o modelo:

Figura 6 - O modelo de Lasswell

Fonte: (MARTINO, 2009, p. 29 - Biblioteca Pearson)

Apesar de uma aparente simplicidade, o modelo de Lasswell virou referência para vá-
rios outros modelos. Ele acredita que a comunicação tem funções e que a mídia funciona como
agente articulador da sociedade.
Existem críticas ao modelo de Lasswell por considerarem-no bastante funcionalista.
Lasswell cria um modelo de comunicação linear, mas a prática comunicativa é complexa. Por
isso o modelo não dá conta das variáveis. Mas, sem dúvidas, o modelo teve o seu mérito por ser
um dos primeiras dedicados exclusivamente à comunicação.

2.2.2. O Modelo de Osgood e Schramm

Formulado por Charles Osgood e Wilbur Schramm em 1954, o modelo considerava im-
portante a possibilidade de uma reformulação da mensagem e uma resposta pelo receptor,
39
por isso sua principal premissa é a circularidade dos processos de comunicação (recepção e a
resposta sempre existem).

Figura 7 - O modelo de Osgood e Schramm

Fonte: (MARTINO, 2009, p. 31 - Biblioteca Pearson)

Como se pode notar, o ponto forte desse modelo é a interação.

Osgood e Schramm enfatizam a existência de uma atividade de "interpretação"


agindo ao mesmo tempo na codificação e na decodificação. Na prática, isso sig-
nifica que uma mensagem é sempre construída, tanto por quem emite quanto
por quem recebe. Não existe uma mensagem pura, digamos, desvinculada das
pessoas ou elementos vinculados a ela. [...] (MARTINO, 2009, p. 32 - Biblioteca
Pearson)

2.2.3. Modelos de Merton e Lazarsfeld

Os autores Robert Merton e Paul Lazarsfeld seguiram o modelo de Lasswell acerca das
funções da comunicação. Para os autores, há que se perguntar: "qual é a extensão do poder da
mídia na sociedade partindo do princípio de que não é possível deixar de ver as transforma-
40
ções provocadas pelos meios em todos os universos sociais." (MARTINO, 2009, p. 32 - Biblioteca
Pearson)
Robert Merton e Paul Lazarsfeld voltaram a atenção para as transformações sociais em
que ocorria a substituição de uma cultura autêntica para uma cultura de massa produzida pela
mídia. Eles elencam três funções da mídia que ainda são atuais para nós:

• A função de conferir e garantir status;


• A função de reforçar padrões de comportamento;
• A “disfunção” narcotizante (espécie de droga que distrai os sujeitos).

2.2.4. O Modelo Espiral de Dance

Criado por Frank Dance em 1967, é o primeiro modelo a considerar como o tempo
transforma as relações da comunicação.

Não existe, para ele, uma comunicação estática: ela está sempre
se movendo no sentido do tempo. A estrutura de comunicação
tende a se alterar de acordo com a sequência de emissor-men-
sagem- receptor. [...] As falas de cada interlocutor ao mesmo
tempo alteram e são alteradas pelas do outro. Não apenas a
pergunta é alterada pela resposta, mas a cada frase os interlo-
cutores estão diferentes do que estavam no momento anterior.
(MARTINO, 2009, p. 35 - Biblioteca Pearson)

41
Figura 8 - O modelo espiral de Dance

Fonte: (MARTINO, 2009, p. 35 - Biblioteca Pearson)

2.2.5. O Modelo Geral de Comunicação de Gerbner

Criado pelo norte-americano George Gerbner em 1956, o modelo de Gerbner se expli-


ca da seguinte forma: "alguém percebe um evento e reage a essa situação através dos meios
disponíveis, criando um produto, em uma forma e dentro de um contexto, conduzindo o con-
teúdo com alguma consequência."

De acordo com Gerbner, seres humanos vivem em uma espécie


de ilusão: pensamos que damos conta de falar sobre tudo ou
de entender a totalidade das coisas. No entanto, o que perce-
bemos é apenas uma parte limitada, uma espécie de resumo da
realidade - seu modelo explica como esse resumo é formado.
Em sua representação gráfica, um evento (E) é percebido por
algo ou alguém (M). Essa percepção, isto é, a relação entre a re-
alidade e o indivíduo que percebe, é necessariamente transfor-
mada por ao menos três fatores: uma seleção do conjunto de
fatos, o contexto onde transcorre a comunicação e a disponibi-
lidade das mensagens. Esses elementos fazem com que exista

42
uma diferença entre o evento real (E) e o evento percebido por
(M), que Gerbner denomina (E1). Essa parte é a dimensão per-
ceptiva do modelo.
A parte produtiva tem início quando (M) transmite sua mensa-
gem. Sua mensagem será criada a partir de (E1), isto é, a sua
dimensão perceptiva do evento. No entanto, é necessário trans-
formar essa percepção em uma mensagem. Isso demanda a
existência de uma forma (F) e um conteúdo (C). Esse sistema
(FC) será transmitido a partir de um determinado canal ou mí-
dia, controlado por (A). Essa mensagem, por sua vez, será per-
cebida por outro indivíduo como uma mensagem (FC1) e assim
por diante. (MARTINO, 2009, p. 37 - Biblioteca Pearson)

Figura 9 - O modelo geral da comunicação de Gerbner

Fonte: (MARTINO, 2009, p. 37 - Biblioteca Pearson)


43
2.2.6. Os Modelos de Produção de Notícias

Os estudos de produção de notícias, conhecido como Newsmaking, preocupam-se em


analisar como a mídia conta uma história, visto que o evento é diferente do fato narrado. A
forma como o fato é narrado interfere no sentido, pense na diferença entre dizer manifestação
ou balbúrdia.
O jornalista, por exemplo, é responsável por colocar várias vozes das notícias na sua
própria voz. Interessante observar quando eles querem se isentar de alguma possível distor-
ção ou evidenciar que não é a voz deles e iniciam a notícia: "Segundo fulano, abre aspas...". Gaye
Tuchman chama isso de "ritual estratégico", ato que diminui a responsabilidade do jornalista.

2.2.6.1. O Gatekeeper

O norte-americano David M. White, em 1950, realizou a primeira pesquisa a respeito


da seleção de notícias. Ele nomeou como gatekeeper - guarda do portão - o responsável por
definir o que pode ou não entrar em um jornal. "Da quantidade de fatos apurados, apenas uma
parte será efetivamente transformada em texto." (MARTINO, 2009, p. 41 - Biblioteca Pearson)
Figura 10 - O gatekeeper

Fonte: (MARTINO, 2009, p. 41 - Biblioteca Pearson)


44
2.2.6.2. Newsworthness

Criado em 1965 pelos noruegueses J. Galtung e M. Rugue, foi um dos mais influentes
modelos de seleção e valoração de notícias que nasceu a partir dos gatekeepers. Os autores
analisaram o comportamento da imprensa na cobertura de crises política de Cuba em 1960 e
do Congo em 1964, e elencaram 12 critérios práticos para a transformação de um fato em no-
tícia, o modelo evidencia a transformação de eventos em imagens criadas na mídia:

Há quatro componentes no modelo:

• Os eventos cotidianos;
• A percepção que a mídia tem do evento;
• Doze fatores de seleção;
• A imagem do mundo criada pela mídia.

1. Frequência ou momento do acontecimento: quanto mais próximo um fato


estiver da realidade imediata, maior a chance de ser transformado em notícia. A
natureza dos fatos está ligada aos critérios de tempo de publicação. [...]
2. Magnitude do acontecimento: quanto mais importante um acontecimento,
em particular o número de pessoas que ele influencia, maior a chance de publi-
cação. Uma decisão política em uma cidade do interior terá menos chance de
ser pautada do que uma decisão do presidente da República em um jornal de
circulação nacional.
3. Clareza: quanto mais claro e simples de compreender um acontecimento,
maior a chance de publicação.
4. Significação: um acontecimento será noticiado não só pela proximidade ge-
ográfica, mas também pela relevância e proximidade cultural.
5. A correspondência ou consonância: um evento planejado e esperado tem
mais chance de se tornar notícia do que outro, de mesma característica, que
não tenha sido previamente informado para a mídia. Feriados, celebrações na-
cionais, eventos organizados por assessorias de comunicação e produtoras en-
tram nesse critério, bem como a suíte de um acontecimento prévio.
6. O inesperado: paradoxalmente, um fato raro ou inesperado também tem
grande possibilidade de ser pautado. [...]
7. Continuidade: um tema conhecido tem mais chances de continuar no notici-
ário do que outro, de mesmo teor, mas inédito.
8. Composição: uma notícia pode ser selecionada em razão do conjunto de no-

45
tícias do veículo, Em uma primeira página com diversas chamadas sobre políti-
ca, uma matéria de economia, mesmo que mais fraca, tem mais chances de ser
veiculada como uma espécie de contraponto às outras.
9. Notícias sobre o Primeiro Mundo. [...] os países ditos "desenvolvidos" ocupam
um lugar maior na mídia. [...]
10. Reportagens sobre as elites. Celebridades locais ou mundiais, em qualquer
área, têm maiores chances de serem pautadas.
11. Personalização: o chamado "interesse humano" do acontecimento é levado
em consideração na hora de escolher qual notícia será publicada.
12. O negativo: notícias ruins tendem a ganhar mais espaço do que notícias
boas. (MARTINO, 2009, p. 42-43, Biblioteca Pearson)

Figura 11 - O newsworthness

Fonte: (MARTINO, 2009, p. 42 - Biblioteca Pearson)

2.2.7. Os Modelos de Schramm e de Westley e McLean

Wilbur Schramm, em 1957, identifica a empresa de comunicação como responsável pela


codificação, interpretação e (re)decodificação das inúmeras mensagens que chegam até ela.
Cabe à mídia selecionar, dentre as informações possíveis, as que interessam às aspirações ins-
titucionais e dentro dos parâmetros da empresa. (MARTINO, 2009).

46
Figura 12 - Os modelos de Schramm e de Westley e McLean

Fonte: (MARTINO, 2009, p. 42 - Biblioteca Pearson)

“Em 1957, B.H. Westley e M. McLean ampliaram o modelo de


Schramm. Eles evidenciaram como os receptores podem adquirir in-
formações de outras fontes.
“Pensando em A como uma empresa de comunicação, respon-
sável por selecionar as mensagens de X1 X4, seu trabalho será fazer que o público B co-
nheça apenas a mensagem produzida por ela, Xn. No entanto, argumentam Westley e
McLean, há canais que podem atingir B diretamente com outras informações, X1, mesmo
dados contrastante, e mesmo influenciar sua resposta para A”. (MARTINO, 2009, p. 46 - Bi-
blioteca Pearson)

47
Figura 13 - Os modelos de Schramm e de Westley e McLean

Fonte: (MARTINO, 2009, p. 46 - Biblioteca Pearson)

2.2.8. O Modelo de “Efeito de Enquadramento”

Por volta dos anos 70, surge o modelo "framming effect", preocupada em como a mídia
afeta a maneira como as pessoas veem o mundo.

“Quando se está diante de uma informação, ela é enquadra-


da nos esquemas prévios de percepção do leitor. Esses esquemas, em
uma definição simples, são o conhecimento da pessoa. Essas referên-
cias vêm de algum lugar, e essa é uma das premissas mais importantes
do modelo Efeito de Enquadramento: os esquemas de recepção da informação são igual-
mente construídos pela mídia.” (MARTINO, 2009, p. 49 - Biblioteca Pearson)

48
Figura 14 - O modelo de efeito de enquadramento

Fonte: (MARTINO, 2009, p. 49 - Biblioteca Pearson)

A fim de darmos continuidade nos nossos estudos sobre os


modelos de comunicação, recomendo a leitura do livro “Teoria da Co-
municação”, de Luís Mauro Matino. Os exemplos do capítulo foram ex-
traídos dessa obra.

49
Antonio Prata é escritor e foi cronista da revista Capricho, reconhecido por seu jeito
descontraído de escrever assuntos ditos “sérios” para o público adolescente. Na edição do dia
30/11/2003, em sua coluna, Antonio Prata escreveu um texto intitulado A Ju e o Bush, onde o
principal assunto é convencer o público a ler o mundo a sua volta. A partir da referência de uma
pequena intriga entre adolescentes o autor conduz a história à temas mais universais: como
política e sociedade. Vejamos:

50
Questão: Considerando nossos estudos sobre como as notícias são veiculadas, leia a crônica
a seguir e analise o posicionamento do autor em relação às notícias que circularam a respeito
dos EUA e Iraque. Procure também observar como o autor, Antonio Prata, adéqua sua lingua-
gem ao público-alvo da revista: meninas adolescentes.

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2.3. Palavras Finais da Unidade II

Chegamos ao fim de mais uma unidade! Nosso objetivo aqui foi conhecer como surgi-
ram alguns dos primeiros estudos acerca da comunicação, bem como conhecer os seus mo-
delos. Embora muitas teorias já tenham ficado ultrapassadas, conhecê-las é fundamental na
compreensão da comunicação enquanto um campo do saber.
Na próxima unidade, vamos retomar alguns modelos e conhecer importantes correntes
teóricas da comunicação. Sigamos juntos! Ou, como diria Drummond, “vamos de mãos dadas.”

52
III Unidade III – As Diversas
Correntes Teóricas da
Comunicação

Objetivos da Unidade
- Conhecer panoramicamente os estudos da comunicação;
- Identificar as contribuições, dentro dos estudos da comu-
nicação, da Teoria Hipodérmica, do Funcionalismo, da Teoria
Matemática e da Escola de Frankfurt.
Unidade III - As Diversas Correntes Teóricas da Comunicação

Introdução

3.1. Panorama dos Estudos da Comunicação

Você com certeza estudou nas aulas de Língua Portuguesa a Teoria da Comunicação de
Roman Jakobson, a saber:

Dentro de um dado contexto (referente), o emissor envia pelo


canal a mensagem (produzida a partir de um código) ao receptor.

A Teoria do russo foi a mais difundida nas escolas de educação básica do Brasil, mas está
longe de ser única e de ser o modelo que melhor representa a comunicação hoje. Nem por isso
deixa de ter a devida importância dentro dos estudos da Comunicação. Outrossim, os demais
modelo de comunicação que vimos na Unidade II, ainda que muitos tenham sido superados
por teorias subsequentes, compõem o quadro de estudos das Teorias da Comunicação e repre-
sentam a força desse campo do saber.
Nesta Unidade, ainda vamos nos debruçar sobre algumas dessas teorias, não a fim de
esgotá-las, mas de trazer uma visão panorâmica dos seus avanços nos estudos da comunica-
ção e da linguagem de forma geral. A seguir, as autoras FRANÇA e SIMÕES (2016) nos apresen-
tam um pouco desse quadro panorâmico:

Para o bem ou para o mal, vale sempre lembrar que a ciência é social e é históri-
ca. É um produto dos seres humanos e das condições específicas por eles vividas; traz
as marcas de suas necessidades, de suas vicissitudes, de seus limites e de seus inves-
timentos. As dificuldades do campo teórico da Comunicação foram criadas e vividas

54
historicamente, e traduzem a forma de inserção da ciência no mundo. Traçar, mesmo
que de forma sucinta, um breve panorama das teorias, realçando as condições e os
estímulos que motivaram seu surgimento, bem como o seu caráter recente, pode nos
ajudar a situar melhor os aspectos apontados acima.
Naturalmente, sabemos que a comunicação é tão antiga quanto as primeiras
sociedades humanas e seria um equívoco afirmar que até então os indivíduos e as so-
ciedades não se preocuparam com a comunicação (ainda que nomeada de outra ma-
neira). Já entre os gregos, há mais de dois mil anos, encontramos os sofistas exercitando
o uso da palavra e ensinando a arte do discurso. Os filósofos, por sua vez, pregavam a
necessidade da discussão racional para a direção da pólis; Platão realça a importância
do discurso que busca a verdade, distinguindo-o da Retórica; Aristóteles conceitua a
Retórica como a busca de todos os meios possíveis de persuasão, classifica e organiza
suas técnicas.
Não obstante, estudos específicos sobre o fazer comunicativo, ou sobre os
meios de comunicação, datam do início do século XX. São contemporâneos das pro-
fundas mudanças que atingiram esse domínio, e que se referem ao desenvolvimento
vertiginoso das técnicas, à institucionalização e profissionalização das práticas às novas
configurações espaçotemporais que ganham forma no âmbito da nova realidade co-
municativa.
Se estabelecemos uma primeira correlação entre a intensificação das práticas
comunicativas e a maior necessidade de seu conhecimento, uma outra correlação fun-
damental que devemos estabelecer é entre o desenvolvimento dos meios de comuni-
cação e respectivos estudos com a dinâmica mais ampla que marcou a primeira metade
do século XX, com as transformações vividas pelo mundo, com as necessidades que as
sociedades ocidentais formularam à comunicação naquele momento. Os estudos sobre
a comunicação foram provocados tanto pela chegada dos novos meios como foram
também, e, sobretudo, demandados por uma sociedade que necessitava usar melhor

55
a comunicação para a consecução de seus projetos. O conhecimento da comunicação
surge marcado pelas questões colocadas pela urbanização crescente, pela fase de con-
solidação do capitalismo industrial e pela instalação da sociedade de consumo, pela
expansão do imperialismo norte-americano, pela divisão política do globo entre capita-
lismo e comunismo. A aceleração dos estudos reflete também o papel central ocupado
pela ciência, que responde cada vez mais pelo progresso e planificação da vida social.
É nesse contexto que vamos identificar o surgimento dos primeiros trabalhos.
Alguns autores apontam o pioneirismo do alemão de Otto Groth que, em Estrasburgo
(hoje, território da França), nas primeiras décadas do século XX, dedicou-se a escrever
uma espécie de enciclopédia sobre o jornalismo, conhecida como “teoria do diário”. Po-
rém, é nos Estados Unidos, a partir de 1930, que começa a se desenvolver um tipo de
pesquisa voltada para os meios de comunicação de massa, particularmente para seus
efeitos e funções. São esses estudos, conhecido como Mass Communication Resear-
ch, que teriam inaugurado - ou marcado o “nascimento” - da Teoria da comunicação1.
Este nascimento teve paternidade reconhecida; quatro pesquisadores apontados como
“pais fundadores” da pesquisa em comunicação. São eles: Paul Lazarsfeld, Harold Las-
swell, Kurt Lewin e Carl Hovland2. Naquele momento, vários institutos e centro de pes-
quisa são criados, com o desenvolvimento de projetos abrangentes e ambiciosos, com
a montagem de experimentos, possibilitando a formulação das primeiras teorizações
sobre o papel dos meios e o processo de influência.
1 Estudos da Escola de Chicago são anteriores, mas apenas recentemente são contabilizados na esfera
dos estudos da comunicação.
2 A denominação “pais fundadores” é dada por Wilbur Schramm, no livro Panorama da comunicação co-
letiva (1964). Paul Lazarsfeld era sociólogo, formado em Viena, e se dedicou, sobretudo, ao estudo das
audiências dos meios de comunicação de massa, à caracterização dos efeitos e processos de formação
da opinião pública. Harold Lasswell era cientista político, trabalhou com opinião pública; identificou as
funções básicas da comunicação; estabeleceu um modelo que se tornou quase um paradigma da área
(“Quem diz/o quê/em que canal/a quem/com que efeito”). Kurt Lewin era psicólogo, formado em Viena,
e desenvolveu estudos sobre a comunicação em pequenos grupos sobre líderes de opinião. Carl Hovland
era também psicólogo, desenvolvia pesquisas experimentais sobre influências e mudanças de atitude.

56
Tais estudos estavam intimamente ligados a motivações de ordem política e
econômica: por um lado, a expansão da produção industrial e a necessidade de ampliar
a venda dos novos produtos (de estimular a formação e a ampliação dos mercados con-
sumidores) impulsiona o investimento em pesquisas voltadas para o comportamento
das audiências e para o aperfeiçoamento das técnicas de intervenção e de persuasão.
Por outro lado, a reacomodação do mundo sob o impacto da fase monopolista do capi-
talismo, bem como a ascensão dos Estados Unidos como grande potência imperialista,
atribuem à comunicação um papel estratégico.
Já na Primeira Guerra Mundial, na Europa, os meios de comunicação são chama-
dos a desempenhar o papel de persuasores das vontades e dos sentimentos individuais
da população civil na sustentação da economia e no fortalecimento do sentimento na-
cional. Pouco depois, a crise de 1929 e a retomada econômica dos Estados Unidos sob a
égide do New Deal incluem a comunicação no projeto de planificação e racionalização
da sociedade.
Mas foi, sobretudo, a Segunda Grande Guerra que veio expor a potencialidade e
o alcance da comunicação, através dos programas empreendidos pela Alemanha nazis-
ta , sob a inspiração de Joseph Goebbels, com o uso da propaganda como mecanismo
de controle e manipulação político-ideológica, a combinação de formas interpessoais
e massivas, a utilização máxima dos meios disponíveis em programas voltados tanto a
um público interno quanto externo. Paralelamente, deve-se registrar também o volume
e a eficácia da propaganda dos aliados nessa guerra. Os Estados Unidos adaptaram as
técnicas de Goebbels e desenvolveram seu modelo próprio de intervenção. Instituições
públicas e privadas, civis e militares se dedicam a análises e experimentos, testando e
aperfeiçoando o desempenho e a eficácia da comunicação.
No pós-guerra, a comunicação continua a cumprir um papel crucial, sobretudo
no contexto da Guerra Fria e na política intervencionista americana. Dos serviços de in-
formação à difusão de produtos culturais, passando pela criação de agências de desen-

57
volvimento e institutos de pesquisa nos países do terceiro mundo, toda uma política de
intervenção centrada na manipulação ideológica (no “domínio das mentes e corações”)
vem incentivar e exigir o desenvolvimento das pesquisas e o maior domínio das técni-
cas e do fazer comunicativo.
Naturalmente, esta é apenas uma etapa da história que contextualiza o surgi-
mento dos primeiros estudos sobre os meios de comunicação de massa. Porém, é uma
etapa que marcou o desenvolvimento posterior desses estudos, imprimindo uma con-
cepção muito duradoura da comunicação, identificada como processo de transmissão,
e por seus objetivos de persuasão.
Mesmo nos Estados Unidos, vamos encontrar outras importantes tendências
de estudo voltadas para a comunicação humana e social, trilhando caminhos distintos,
tendo como ponto de partida o trabalho desenvolvido pelos pesquisadores da Escola
de Chicago. Tais estudos, no entanto, permaneceram até muito recentemente aparta-
dos da chamada “teoria da comunicação”, ou das abordagens que tratam da comuni-
cação institucional ou midiática, porque não estavam afinados com a problemática
formulada pela época, voltada para o conhecimento e a obtenção de efeitos. Apenas
mais recentemente, começa a se desenvolver uma confluência maior entre as diferen-
tes perspectivas de estudo, e a incorporação, na análise dos meios de comunicação de
massa, de referenciais oriundos da etnometodologia, de teorias sobre a produção social
da realidade, entre outros.
Na Europa, os estudos sobre os meios de comunicação, na primeira metade do
século XX, não se desenvolveram com a mesma intensidade e se construíram sobre
bases completamente distintas, seguindo uma orientação mais analítica e especulativa,
desvinculada de objetivos instrumentais ou administrativos.
O final dos anos 1920 e o início dos anos 1930 marcam o surgimento de impor-
tante corrente de estudos sobre a cultura da sociedade industrial, que também exerceu
uma influência decisiva na orientação de estudos posteriores sobre os meios de comu-

58
nicação - a Teoria Crítica, ou Escola de Frankfurt, como é mais conhecida. A Teoria Crítica
se desenvolve em contraposição - e quase como antídoto - para a perspectiva funcional
e positivista americana, promovendo uma crítica severa à mercantilização da cultura e
à manipulação ideológica operada pelos meios de comunicação de massa.
Na França, no final dos anos 1930, é criado o Instituto Francês de Imprensa onde
Jacques Kayser desenvolve e coordena um trabalho de análise morfológica dos jornais.
Alguns anos mais tarde, pesquisadores agrupado no Centre d’Études des Communica-
tions de Masse (CECMAS) desenvolvem importantes reflexões sobre a cultura de massa
e a ideologia dos produtos culturais. O surgimento do estruturalismo inspira o estudo e
a ênfase na linguagem dos meios.
Na Inglaterra, rediscutindo e se distinguindo da tradição estruturalista francesa,
os estudos sobre a mídia surgem no âmbito das análises sobre a dinâmica da produção
cultural na sociedade contemporânea. Ultrapassando as clivagens entre os diferentes
níveis de cultura, e estendendo o próprio conceito de cultura, os pesquisadores do Cen-
tre for Contemporary Cultural Studies, da Universidade de Birmingham, se propõem a
analisar a produção dos meios de comunicação inserida no contexto das práticas so-
ciais cotidianas e da experiência.
Na América Latina3, as primeiras investigações sobre a comunicação surgem nos
anos 1950 e 1960, marcadas por forte influência americana, tanto do ponto de vista do
modelo teórico como da formulação das temáticas a serem investigadas. Na década de
1970, o pensamento latino-americano no campo das ciências sociais é atravessado por
um profundo sentimento crítico e anti-imperialista; intelectuais de formação marxista
desenvolvem reflexões no campo das ciências sociais batizadas com o nome de “teoria
da dependência”. No seio dos estudos da comunicação, surge o conceito de imperialis-
mo cultural, bem como a proposição de um novo modelo e uma nova prática comuni-

3 Na primeira metade do século XX, foram desenvolvidos alguns estudos esporádicos sobre a história e
a legislação dos meios de comunicação.

59
cativa, a comunicação horizontal ou participativa. Em sintonia com debates também
desenvolvidos em outras partes do mundo, propõe-se uma nova ordem internacional
da comunicação; nos vários países, luta-se pela constituição de políticas nacionais de
comunicação, pela democratização dos meios.
Em linhas gerais, este é o quadro que se delineava até por volta de 1970. Novas
tendências de estudo se desenvolvem em nossos dias, tanto na América Latina quanto
na Europa e nos Estados Unidos. Algumas perspectivas caducaram e foram ultrapassa-
das; outras, anteriormente pouco evidenciadas, datas algumas do início do século, são
retomadas e ganham um novo investimento. Novas proposições e temáticas aparecem
em cena. Há uma reconfiguração do quadro das teorias, e uma perspectiva mais pro-
priamente comunicativa começa a se evidenciar. Tais mudanças traduzem os reorde-
namentos vividos pela sociedade naquele final de século, que dizem respeito a uma
verdadeira revolução no campo das tecnologias da informação, profundas alterações
no campo dos valores, no universo das representações, no desenho das relações inter-
nacionais e no quadro das sociabilidades. O mundo que encerra o século XX não é o
mesmo que iniciou. [...] (FRANÇA; SIMÕES, 2016, p. 35-41).

Gostou do texto?! Recomendo o acesso à Biblioteca Virtual Pe-


arson para a leitura completa do livro de França e Simões: Curso básico
de Teorias da Comunicação.

3.2. A Teoria Hipodérmica

Desde a Primeira Grande Guerra, a propaganda vem sendo usada para influenciar pes-
soas. A Teoria Hipodérmica surge nesse contexto, no período entreguerras em meados de 1920
e 1930.
60
A Teoria Hipodérmica é também chamada de Agulha Hipodér-
mica ou Bala Mágica, a metáfora se justifica porque a Teoria compara a
Mensagem a uma injeção (seringa hipodérmica). Segundo ela, a men-
sagem enviada pela mídia é aceita e se propaga rápida e igualmente
entre todos os receptores.

A Teoria Hipodérmica possui sua relevância por ter sido a primeira no período de en-
treguerras a se preocupar com a manipulação de massa através da propaganda, no entanto,
a Teoria se mostra muito simplista porque exclui da análise as subjetividades do sujeito, bem
como sua capacidade de escolha.
Vale lembrar que a Teoria Hipodérmica foi muito influenciada pela behaviorismo, se-
gundo os behavioristas todos os comportamentos se dão por influência do ambiente em que
o sujeito se encontra, o comportamento é baseado através do estímulo-resposta.

3.3. A Teoria Funcionalista

A Teoria Funcionalista é considerada uma evolução da Teoria Hipodérmica. Lembra-se


de Lasswell? Falamos dele na unidade anterior. A Teoria Funcionalista ganha força a partir dos
estudos de Lasswell, que se preocupava com a força que a comunicação tinha quando usada
como instrumento político. O modelo de Lasswell procura responder: Quem? Diz o quê? Atra-
vés de que canal? Com que efeito?
A Teoria Funcionalista desloca o interesse dos efeitos da comunicação de massa para
as funções que elas exercem. Se outrora a questão era "o que é que os mass media fazem às
pessoas?", agora pergunta-se "o que é que as pessoas fazem com os mass media?".
As funções podem ser:

• Latentes: não intencionais e difíceis de observar.

61
• Manifestas: visíveis.
• Relativas à sociedade: alertar os cidadãos contra os perigos e ameaças; e também for-
necer instrumentos para certas atividades cotidianas institucionalizadas na sociedade.
• Relativas ao indivíduo: atribuição de posição social e prestígio a pessoas que são objetos
de atenção dos mass media (cria-se heróis, personalidades…), reforça o prestígio da-
queles que se identificam com a necessidade e o valor socialmente difundido, de serem
cidadãos bem informados; reforça as normas sociais e da ética vigente na sociedade.

A Teoria Funcionalista explora também a disfunção dos meio de comunicação. Os te-


óricos nomeiam como “disfunção narcotizante”. O acesso a muitas informações provoca a
disfunção narcotizante. O excesso de informação pode "narcotizar" o sujeito em vez de estimu-
lá-lo. Ao ser bombardeado pelas inúmeras mensagens dos meios de comunicação, o sujeito
confunde o fato de conhecer os problemas da sociedade com a prática de atuar sobre eles.
Com isso, o sujeito se debruça para o mundo particular, para a esfera das experiências e rela-
ções próprias.

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Você sabe de onde vem a expressão mass media?

“O termo mass media é formado pela palavra latina media


(meios), plural de medium (meio), e pela palavra inglesa mass (massa).
Em sentido literal, os mass media seriam os meios de comunicação de massa (televisão,
rádio, imprensa etc.). Porém, esta denominação sugere que os meios de comunicação são
agentes de massificação social, o que nem sempre está de acordo com a realidade social
observável.” (Infopédia, acesso em 18 ago. 2020)

3.4. A Teoria Matemática da Comunicação

A Teoria Matemática da Comunicação foi um trabalho periférico às pesquisas sobre mí-


dia, mas que ganhou destaque no campo da comunicação. O trabalho foi publicado em 1948
pelo matemático C. Shannon e o engenheiro W. Weaver. Seu objetivo era organizar e sistema-
tizar a compreensão do processo comunicativo, estavam mais preocupados com a eficácia da
transmissão de informações.

[...] Na apresentação da proposta, Weaver (1978) registra inclu-


sive que, na comunicação, podem ser identificados três níveis de pro-
blemas:

• Problemas semânticos, que dizem respeito à interpretação dos sentidos envolvidos


na comunicação;
• Problemas pragmáticos, que estão ligados ao comportamento das pessoas, aos
efeitos desencadeados no que diz respeito às atitudes dos interlocutores;
• Problemas técnicos ou operacionais, relativos à transmissão.

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Embora esses três níveis sejam interligados, Weber adverte que a Teoria Matemática da
Comunicação busca dar respostas ao terceiro tipo: aos problemas técnicos. (FRANÇA; SIMÕES,
2016, p. 73)

A Teoria Matemática da comunicação desenvolveu-se como um sistema matemático


que tinha como objetivo estudar os problemas de transmissão de mensagens por canais físi-
cos, cujo objetivo foi medir "medir a quantidade de informação suportável por um dado canal,
em dadas circunstâncias (tempo, custo); prever e corrigir as distorções passíveis de ocorrer du-
rante a transmissão. (FRANÇA; SIMÕES, 2016, p. 73).

3.5. A Escola de Frankfurt e a Teoria Crítica

A Escola de Frankfurt ficou assim conhecido por se tratar de um grupo de autores de


tradição judaica que desenvolveram seus estudos no Instituto de Estudos Sociais na Universi-
dade de Frankfurt. Os autores iniciaram seus estudos na primeira metade do século XX, mas até
hoje há desdobramentos das pesquisas realizadas. No texto a seguir, FRANÇA e SIMÕES (2016,
64
p. 117) apresenta-nos brevemente o perfil biográfico de alguns dos intelectuais da Escola de
Frankfurt:

Theodor Adorno (1903-1969) nasceu em uma família rica e culta da Alemanha.


Filho de pai judeu e mãe católica, Adorno iniciou muito cedo sua formação em música
- que será objeto de reflexão do pensador anos mais tarde. Ele se doutorou na Univer-
sidade de Frankfurt com apenas 21 anos e, depois de tentar se estabelecer em Oxford,
foi para os Estados Unidos junto a outros intelectuais do Instituto de Pesquisa Social. No
exílio, ao lado de Max Horkheimer, escreveu um dos clássicos da Teoria Crítica, Dialética
do esclarecimento, e cunhou o conceito de indústria cultural - que será discutido em
seção posterior.
Max Horkheimer (1895-1973) era filho de um empresário do ramo de tecidos na
Alemanha, simpatizante do judaísmo ao lado de sua esposa. Conta os desejos do pai,
Horkheimer decidiu não seguir a profissão lucrativa daquele e ingressou na carreira uni-
versitária. Defendeu sua tese de doutorado em 1925, em Frankfurt, e ministrou ciclos de
palestras em filosofia contemporânea nos anos seguintes. Em 1931, assumiu a direção
do Instituto de Pesquisa Social e liderou a conformação da Teoria Crítica nessa institui-
ção. Sua discussão sobre a indústria cultural, em parceria com Adorno, é fundamental
nas reflexões sobre a mídia no campo da comunicação.
Herbert Marcuse (1898-1979) nasceu em uma família alemã judia e rica (seu
pai também era do ramo da indústria têxtil). Estudou literatura alemã (além de, para-
lelamente, filosofia e economia política) e defendeu sua tese de doutorado sobre o ro-
mance de arte alemão em 1922. Tornou-se professor de filosofia em 1928, em Friburgo,
onde viria a trabalhar ao lado de Martin Heidegger. Ele passa a atuar junto ao Instituto
em 1933, exila-se junto a outros membros nos EUA, onde construiu o restante de sua
carreira universitária. Um conceito importante na obra de Marcuse é o de sociedade
unidimensional, utilizado para pensar como a lógica capitalista conforma indivíduos
controlados, subjugados, sem consciência.

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Também de origem judia, Walter Benjamin (1895-1940) era filho de comercian-
tes alemães. Com formação em Filosofia, Benjamin defendeu sua tese de doutorado
sobre crítica de arte no romantismo alemão em 1919. Tentou ingressar na Universidade
de Frankfurt, em 1925, mas seu trabalho de habilitação foi recusado pela instituição;
passou, então, a fazer carreira de crítico literário e de arte na imprensa. Sua inserção no
Instituto acontece em 1937, mas não se prolonga muito: em setembro de 1940, fugindo
dos regimes totalitários da Europa, ele é capturado pela polícia franquista na Espanha
e, temendo ser entregue à Gestapo, se suicida. A discussão sobre a reprodutibilidade
técnica realizada por ele é fundamental para refletir sobre a indústria cultural [...].
Jürgen Habermas (1929- ) tem uma inserção tardia no Instituto e integrará a
chamada segunda geração da Teoria Crítica. Nasceu em uma família burguesa politi-
camente conformista - seu pai era presidente da Câmara de Indústria e Comércio, em
Gummers-Wachsen - e construiu sua formação em Filosofia, História, Psicologia, Litera-
tura Alemã e Economia. Defendeu sua tese de doutorado sobre Schelling, em Bonn, em
1954 e, em 1956, tornou-se assistente de pesquisa do Instituto. Seus trabalhos sobre
a construção da democracia e a realização do debate na esfera pública, bem como o
papel da mídia nesse processo, são importantes para refletir sobre a inserção dos media
na sociedade contemporânea. (FRANÇA; SIMÕES, 2016, p. 119).

Veja a fotografia de alguns dos principais autores da Escola:

66
Dentre os vários estudos nos campos sociológicos e filosóficos, o grupo ficou conheci-
do pela famosa Teoria Crítica:

O ponto de aglutinação do grupo de intelectuais de várias pro-


cedências e especialidades assim designado é de fácil identificação.
Trata-se da Teoria Crítica da Sociedade, uma linha de pensamento com
forte inspiração marxista e aberta a outras correntes, entre as quais, de
maneira pioneira na época, a psicanálise freudiana. (CITELLI et al., 2014).

A liderança de Horkheimer é fundamental na definição da te-


mática central das pesquisas do instituto (e do pensamento que será
conhecido como Teoria Crítica), que é a crítica das relações sociais alie-
nadas e alienantes. O pensamento crítico assume, para ele, o papel
e a tarefa de resgatar o sentido e a razão num mundo marcado pela dominação e pela
alienação. A tarefa do conhecimento - através da interpenetração crescente da filosofia e
das ciências, e de um trabalho interdisciplinar - é o resgate da consciência: a Teoria Crítica
pretende levar aos homens o inconformismo e a lucidez. (FRANÇA; SIMÕES, 2016, p. 115).

Assista ao vídeo do professor Franklin Leopoldo e Silva em que


ele aborda a teoria crítica de Herbert Marcuse:

https://youtu.be/KrFuihZXgQU

Não se pode falar da Escola de Frankfurt, sem mencionar a noção de Indústria Cultural.
Theodor Adorno e Max Horkheimer propuseram que a mídia de massa é semelhante a uma
fábrica que produz bens culturais padronizados (filmes, programas de rádio, revistas…) usados
para manipular a sociedade.
67
A indústria cultural

Inscrito na perspectiva da crítica da cultura e do anti-iluminismo, o conceito de


"indústria cultural", cunhado por Adorno e Horkheimer, num livro publicado em 1947 (A
dialética do esclarecimento), constitui uma contribuição fundamental da Teoria Crítica
para o estudo dos meios de comunicação e da moderna realidade midiática. Trata-se de
uma aplicação direta do conceito marxista de fetiche da mercadoria aos produtos cul-
turais: convertida em mercadoria, coisificada em produtos agora regidos por seu valor
de troca, a cultura se converte em apenas mais um ramo de produção do capitalismo
avançado.
Para uma melhor compreensão do conceito de indústria cultural, é interessante
discutir e explorar as várias noções e aspectos que ele inclui.

1. Cultura e arte. A primeira delas é a concepção de cultura que instrui a crítica da


cultura promovida por esses autores. Cultura é uma dimensão espiritual que se opõe
(se distingue) de civilização; esta corresponde ao progresso técnico, ao avanço das con-
dições materiais, à organização institucional da vida social e das condições de sobre-
vivência. Cultura é mais do que civilização e compreende a dimensão espiritual que
promove o crescimento da consciência, da sensibilidade e da autonomia. Diz respeito
ao conjunto de fins morais, estéticos e intelectuais que regem e dão uma outra dimen-
são à vida social: a cultura compreende o processo de humanização dos sujeitos. Nesse
sentido, ela não deve submeter, mas, ao contrário, guardar distância e autonomia com
relação à vida material; é isso que lhe confere seu caráter universal e faz com que a
cultura, "expressão do sofrimento e da contradição", possa apontar para a ideia de uma
"vida verdadeira". [...]

2. Massa/massificação. Outro elemento fundamental na construção do conceito de in-

68
dústria cultural é a noção de massa e massificação, que advém do pensamento político
conservador do século XIX, associando o advento da sociedade de massa com o tema
da decadência. [...] Na massa, as diferenças são apagadas, as individualidades se diluem
num processo de homogeneização. A massa é um coletivo que perde suas distinções
internas e se torna um todo disforme e facilmente conduzido e manipulável, movido
por estímulos externos ao próprio coletivo. [...] O conceito de massa também se contra-
põe à ideia de indivíduo, de individualidade. O indivíduo é a sede última de lucidez, da
autonomia, da reflexão; quem pensa, quem sente, quem tem consciência são indivídu-
os singulares. E são esses indivíduos - com potencial para crescer na sua singularidade
como seres dotados de sensibilidade e desejo - que desaparecem na massa. A massa
aborta sua possibilidade de emancipação. Para Adorno e Horkheimer, o homem-massa
odeia tudo que não é ele mesmo; ao perder sua identidade, ele busca o tempo inteiro
o semelhante, a padronização, o mesmo - para não se reconhecer na pequenez a que
ele foi convertido. Nas palavras de Adorno, "a ideia de que o mundo quer ser enganado
tornou-se mais verdadeira do que, sem dúvida, jamais pretendeu ser" (ADORNO, 1978,
p. 292).

3. Arte superior e arte inferior. A discussão da indústria cultural tem como contrapon-
to dois outros domínios, que Adorno e Horkheimer tomam como distintos: o domínio
de uma "arte superior" e o domínio de uma "arte inferior", que corresponderiam à arte
erudita e arte popular, respectivamente. Deixando de lado, por enquanto, o aspecto
valorativo (superior/inferior), sua compreensão supõe inicialmente um olhar histórico
sobre essa classificação. Numa visão um tanto idealizada, até o século XIX, esses domí-
nios culturais eram tomados como distintos e separados. De um lado, a vida e as formas
culturais da nobreza; de outro, o povo. Na via da corte, assistia-se ao florescimento das
artes: o teatro, a música, a pintura, as esculturas, a literatura. Numa outra esfera, campo-
neses e plebeus desenvolviam formas culturais mais rudes e prosaicas (destas, músicas,

69
encenações), mas não desprovidas de autenticidade e de ligação com a experiência.
Eram segmentos separados, mundos distintos, mas cada qual dotado de sua pureza e
forma próprias. O século XIX, com a Revolução Francesa e a ascensão da burguesia, ace-
na com um novo cenário: a libertação da arte dos poderes aristocráticos; a exuberância
da produção artística e cultural; a possibilidade de ampliar o acesso popular às formas
consagradas da arte.
Numa visão elitista da arte, que a toma como lugar das formas mais acabadas de criação
e espiritualização, Adorno e Horkheimer vislumbram, naquele momento, a possibilida-
de de ampliação das condições não apenas de acesso, mas de fruição da arte. Mas essa
é uma promessa que não se realiza. O século XX traz o desenvolvimento dos meios de
comunicação; a indústria cultural se impõe como um denominador comum que corrói
a força e a autenticidade dos dois domínios. Da cultura erudita, ela retira a pureza for-
mal, o rigor, o estranhamento, o novo. Da cultural popular, sua ligação com a vida. "A
arte superior se vê frustrada de sua seriedade pela especulação sobre o efeito; a inferior
perde, através de sua domesticação civilizadora, o elemento de natureza resistente e
rude, que lhe era inerente enquanto o controle social não era total" (Adorno, 1978, p.
287-288). A indústria cultural se impõe como um parasita, que suga e destrói o existen-
te.

4. A forma mercadoria. As formas culturais se orientam não segundo uma proposta


própria, mas em função da sua comercialização; a obra não obedece mais a seus requi-
sitos formais ou de conteúdo, mas ao seu sucesso. E sucesso quer dizer dinheiro, venda.
"Toda a práxis da indústria cultural transfere, sem mais, a motivação do lucro às formas
espirituais" (Adorno, 1978, p. 288).
A forma mercadoria não exige o novo; aliás, abole o novo (que pode ameaçar o sucesso).
"O que é novo na indústria cultural é o primado imediato e confesso do efeito" (Adorno,
1978, p. 188), que nunca tinha sido tão deliberada e escancaradamente colocado como

70
objetivo das obras culturais. [...]

5. Técnica e indústria. O conceito de técnica, na indústria cultural, não diz respeito,


como na obra de arte, "à organização imanente da coisa, à sua lógica interna" (ADORNO,
1978, P. 290); não é o detalhe que confere a singularidade da obra, a genialidade da cria-
ção (o traço que distingue e eleva um quadro de Picasso, a forma que marca a escultura
de Rodin). Ela permanece externa ao produto em larga escala, expande e disponibiliza
o produto, arrancando-o inclusive do seu contexto de criação e sentido (ex. da sinfonia
transmitida pelo rádio, e ouvida na cozinha, entre a atenção com as panelas e o barulho
do liquidificador).
Já o termo "indústria", para Adorno, diz respeito à produção em escala, à estandardi-
zação do processo de produção, à racionalização das técnicas de distribuição. Alguns
setores da indústria cultural (Adorno cita o cinema; poderíamos falar hoje da televisão)
funcionam dentro dos moldes de uma refinada produção industrial: divisão de traba-
lho, utilização de sofisticada infraestrutura técnica, estratégias mercadológicas etc. Mas
ela conserva também formas de produção individual e localizadas (como o artesanato,
as festas populares) que apenas aparentemente escapam da dinâmica industrial.

6. Ideologia e alienação. [...] Para a teoria crítica, a ideologia já penetrou em todas as


instâncias; na sociedade industrial avançada já não existe uma parte autônoma que
escaparia às relações de dominação. A consciência não é mais livre na sociedade in-
dustrial, uma vez que a realidade tecnológica envolveu a tudo e a todos; atingindo-se a
unidimensionalidade das consciências, qualquer contradição foi eliminada. [...]
Além disso, é preciso lembrar que a indústria cultural substitui as verdadeiras necessi-
dades supérfluas, e a satisfação que promete é uma satisfação enganadora (resultando
antes em um sentimento de frustração).

71
7. Indústria cultural X cultura de massa. É por todos esses aspectos que a expressão
"indústria cultural" foi cunhada: para evitar as ambiguidades de "cultura de massa", pois
não se trata nem das massas como produtoras de uma cultura (a massa não é sujeito),
nem mesmo de cultura , mas de um processo de produção de mercadorias culturais.
O termo "indústria cultural" nomeia um fenômeno de natureza mercantil e ideológica.
(FRANÇA; SIMÕES, 2016, p.122-131)

Como leitura complementar, recomendo o livro: CITELLI, Adil-


son... [et al.]. Dicionário de comunicação: escolas, teorias e autores.
São Paulo: Editora Contexto, 2014.

Recomendo o documentário “Minimalism: A Documentary


About the Important Things”, que aborda sobre diferenças entre “ter” e
“ser”.

3.6. Palavras Finais da Unidade III

Na Unidade 3 adentramos nos estudos das Teorias da Comunicação que ganharam for-
ça no século XX. Conhecemos desde a Teoria Hipodérmica até a Escola de Frankfurt, vimos
ainda como os estudos avançaram na medida em que os meios de comunicação também evo-
luíram. Mas não pararemos por aqui, na próxima unidade estudaremos os impactos dos meios
de comunicação do fim do século XX e início do século XXI nos estudos da Comunicação.

72
IV
Unidade IV – Os Estudos
Culturais e as Contribuições de
Mcluhan e Edgar Morin Para a
Comunicação

Objetivos da Unidade
- Compreender a importância das contribuições dos Estudos
Culturais na Comunicação;
- Conhecer alguns dos estudos de McLuhan e Edgar Morin no
campo da Comunicação;
- Relacionar os desenvolvimentos nas pesquisas em Comuni-
cação com os avanços da tecnologia.
Unidade IV – Os Estudos Culturais e as Contribuições de Mcluhan e Edgar
Morin Para a Comunicação

Introdução

4.1. Os Estudos Culturais

Na segunda metade do século XX, os estudos culturais surgem mais como uma abor-
dagem de pesquisa do que como uma disciplina em si. Entre os seus principais pesquisadores
estão Raymond Williams, E.P. Thompson e Stuart Hall, seus olhares se voltam para os estudos
de pequenos grupos e minorias. Essa abordagem de caráter multidisciplinar nasce na Escola de
Birmingham - Inglaterra.

O interesse dos cultural studies centra-se, principalmente, na


análise de uma forma específica de processo social, relativa à atribui-
ção de sentido à realidade, à evolução de uma cultura, de práticas
sociais partilhadas, de uma área comum de significados. Segundo tal
abordagem, a “cultura não é uma prática, nem é simplesmente a descrição da soma dos
hábitos e costumes de uma sociedade. Passa por todas as práticas sociais e é a soma de
suas inter-relações.” (Hall, 1980, 60). O objectivo dos cultural studies é definir o estudo da
cultura própria da sociedade contemporânea como um campo de análise conceptual-
mente relevante, pertinente e teoricamente fundamentado (WOLF, 2001, p. 108)

Contra a visão elitista do conceito de cultura, os pesquisadores do Centro para Estudos


Culturais Contemporâneos, da Escola de Birmingham, propõem um novo conceito de cultura:
[...] a cultura diz respeito a toda produção de sentido que emerge das práticas vividas dos sujei-
tos. Ou seja, ela não engloba apenas textos e representações, mas toda a dimensão simbólica
que constrói a experiência ordinária dos indivíduos. Para analisar a cultura, a perspectiva dos
74
Estudos Culturais atenta para as estruturas sociais e para o contexto histórico [...] (FRANÇA;
SIMÕES, 2016, p. 150).

Stuart Hall (1932-2014) foi um pesquisador jamaicano


que tem um papel importante na trajetória dos Estudos Cul-
turais. Ele se mudou para a Inglaterra em 1951 e lá construiu a
sua formação e trajetória acadêmicas. Em 1964, foi convidado
por Hoggart para ingressar o CCCS, do qual será o diretor entre
1969 e 1979, tornando-se uma referência central no desenvol-
vimento e disseminação das pesquisas do Centro. De 1979 a
1997, Hall integrou a The Open University. (FRANÇA; SIMÕES,
2016, p. 150).

Os Estudos Culturais muito contribuíram para a Comunicação. Segundo FRANÇA e SI-


MÕES (2016):

O conceito ampliado de cultura permite olhar para a experiên-


cia, para o cotidiano, para as práticas sociais que a engendram. Com
isso, as manifestações produzidas pela indústria cultural são vistas
como bens culturais, atravessados por relações de poder - o que evi-
dencia a dimensão política da cultura. A ênfase dos Estudos Culturais é no modo como
os produtos culturais trazem as marcas das relações sociais, ou seja, do contexto em que
se inscrevem. Além disso, essa perspectiva atenta para o âmbito da recepção como uma
nova produção de sentidos, enfatizando a circularidade que marca o processo comunica-
tivo. (FRANÇA; SIMÕES, 2016, p. 162).

4.2. A Técnica e os Meios de Comunicação

Desde que nos enveredamos pelo trajetória dos estudos da comunicação, temos per-
75
cebido que o avanço (e mudança) das pesquisas estão muito atrelados à evolução da técnica e
dos meios de comunicação. Diante disso, elencamos quatro pesquisadores que são referências
quando discutimos comunicação e técnica: McLuhan, Edgar Morin, Pierre Lévy e Lucia Santa-
ella. Nesta Unidade falaremos de McLuhan e Edgar Morin e na Unidade V estudaremos Pierre
Lévy e Lucia Santaella.

4.2.1. McLuhan e os Meios de Comunicação

Herbert Marshall McLuhan nasceu no Canadá em 1911 e foi considerado um grande


educador, intelectual, filósofo e teórico da comunicação. McLuhan já previa a internet bem
antes de ela ser inventada. Seus estudos ficaram muito conhecidos em vários campos do saber,
ele é o autor da máxima “O meio é a mensagem”, do conceito de “Aldeia Global” e das reflexões
de “Os meios de comunicação como extensão do ser humano”.

O meio é a mensagem

McLuhan considerava o meio também como mensagem, pois


também é conteúdo. Segundo o autor, o meio é determinante na co-

municação e não pode ser visto como um simples canal em que se passa o conteúdo,
ele vai além de um mero veículo de transmissão da mensagem.

Aldeia global

McLuhan propunha que pensássemos em um planeta como uma aldeia glo-


bal, em que todos se comunicassem com facilidade devido aos avanços dos meios de
comunicação. Podemos dizer que a internet concretizou a ideia de McLuhan. E vale
lembrar que ele apontou tais conceitos antes de a internet existir.

76
Os meios de comunicação como extensão do ser humano

Para o autor, os meios de comunicação funcionavam como uma extensão do ho-


mem, hoje isso pode parecer óbvio, mas na época não era visto assim. Pense nos fones
de ouvidos, nos óculos, nas próteses, nos smartphones… - todos funcionam como ex-
tensões do nosso corpo. Há um grupo de pesquisadoras em Análise do Discurso que já
propuseram inclusive o inverso: nós como extensões das máquinas, por exemplo, diante
do Kinect do Xbox, somos nós que repetimos os gestos que a máquina solicita.

Pesquise mais sobre o autor e você encontrará algumas curiosi-


dades sobre ele. Inicialmente, sugerimos esta entrevista com McLuhan:

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?fvRMpS-aGLE

77
Recomendamos ainda duas importantes obras de McLuhan:

Fonte: Amazon

Curiosidade:

No filme Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, de Wood Allen,


McLuhan tem uma participação especial. Seu personagem é ele mes-
mo (risos). Veja:

https://www.youtube.com/watch?v=lkxRFmXITag

4.2.2. Edgar Morin e a Crítica da Comunicação na Contemporaneidade

Edgar Morin (1921 - ) é considerado um dos maiores intelectuais da contemporaneida-


de. Morin é sociólogo, antropólogo e filósofo francês, desenvolveu estudos importantes sobre
a educação. Segundo suas pesquisas, precisamos reconstruir a ideia do pensamento comple-
xo: no lugar da especialização, da simplificação e da fragmentação de saberes, Morin propõe o
conceito de complexidade, os saberes tradicionais foram submetidos a um processo reducio-
nista que acarretou a perda das noções de multiplicidade e diversidade. Simplificar é estar a
serviço da falsa racionalidade.
78
A Revista Nova Escola fez um texto bem interessante sobre as contribuições do intelec-
tual. Vejamos um pequeno fragmento:

“Em sua defesa da religação dos saberes, Morin tocou numa in-
quietação disseminada nos dias atuais, quando a tecnologia permite
um acesso inédito às informações. Por isso a Organização das Nações
Unidas pediu a ele uma relação dos temas que não poderiam faltar
para formar o cidadão do século 21. Assim nasceu o texto Os Sete Saberes Necessários à
Educação do Futuro. A lista começa com o estudo do próprio conhecimento. O segundo
ponto é a pertinência dos conteúdos, para que levem a “apreender problemas globais e
fundamentais”. Em seguida vem o estudo da condição humana, entendida como unidade
complexa da natureza dos indivíduos. Ensinar a identidade terrena é o quarto ponto e
refere-se a abordar as relações humanas de um ponto de vista global. O tópico seguinte
é enfrentar as incertezas com base nos aportes recentes das ciências. O aprendizado da
compreensão, sexto item, pede uma reforma de mentalidades para superar males como
o racismo. Finalmente, uma ética global, baseada na consciência do ser humano como
indivíduo e parte da sociedade e da espécie.” (Revista Nova Escola, 2008)

Acesse o texto completo em: https://novaescola.org.br/conteudo/1391/edgar-morin-o-


-arquiteto-da-complexidade

No campo da comunicação Morin questiona a função da mídia e ressalta a importância


do receptor. Segundo Morin, os avanços tecnológicos não substituem a compreensão:

Quando falo de mundialização ou de globalização, fenômenos


que se tornam centrais nos últimos dez anos do século XX, é evi-
dente que percebo o papel relevante exercido pelo desenvolvimen-
to extraordinário dos meios de comunicação e das novas tecnolo-

79
gias (informática, internet, fax, e-mails, telefones celulares, tecnologias digitais...) na
consolidação e difusão desse estado das coisas. Mesmo assim, não reduzo a globalização
ao fator comunicacional, pois a comunicação não existe sozinha e está sempre em rela-
ção com outros problemas. Para usar a linguagem de hoje, a pesquisa em comunicação
exige sempre o exame da interface da comunicação com outras áreas do conhecimento.
Por isso, nunca me tornei um comunicólogo.
Hoje, considero prioridade criticar o mito da comunicação. Existem afirmações,
verdadeiros slogans, que não contam do real e geram novos reducionismos. Diz-se que
estamos na “sociedade da informação”, na “sociedade da comunicação” ou na “sociedade
do conhecimento”. Refuto. Estamos em sociedades de informação, de comunicação e
de conhecimento. Claro que estamos em sociedades de informações, até do ponto
de vista físico, da teoria da informação, basta pensarmos nas tecnologias digitais (DVD,
televisão digital, etc.), que são aplicações da teoria da informação. Mas a informação, mes-
mo no sentido jornalístico da palavra, não é conhecimento, pois o conhecimento é o
resultado da organização da informação.
Ora, na atualidade, temos excesso de informação e insuficiência de organização,
logo carência de conhecimento. Eis a razão para evitar o discurso publicitário que pro-
duz uma euforia que excede os ganhos con quis ta dos e mascara os problemas surgidos.
Ao discurso eufórico que diz “tudo comunica” oponho outra afirmação: quanto mais
desenvolvidos são os meios de comunicação, menos há compreensão entre as pesso-
as. A compreensão não está ligada à materialidade da comunicação, mas ao social, ao
político, ao existencial, a outras coisas.
Tudo consiste em fazer a diferença entre comunicação, informação, conheci-
mento e compreensão. Por isso, sempre cito Eliot: “Qual é o conhecimento que perde-
mos na informação? Qual é a sabedoria que perdemos no conhecimento?” Ou seja,
a sabedoria é a capacidade de integrar, incorporar conhecimentos à vida cotidiana. É
fácil constatar que estamos vivenciando uma degradação do conhecimento na/pela

80
informação, acarretando uma degradação da arte de viver no/pelo conhecimento.
Precisamos separar todas essas noções para melhor compreendê-las e praticá-las.
A compreensão humana é um tipo de conhecimento que necessita de uma relação
subjetiva com o Outro, de simpatia, o que é favorecido, talvez, pela projeção, pela identi-
ficação, como ocorre quando vamos ao cinema ou lemos romances e simpatizamos
com os personagens. A compreensão, mais do que a comunicação, ou em conseqüência
desta, é o grande problema atual da humanidade.
[...] Nos Estados Unidos, nos anos trinta do século passado, havia uma grande in-
quietação: imaginava-se que o cinema estimulava a violência e a delinqüência juvenil.
Depois, passou-se a fazer a mesma acusação contra a televisão. Enfim, uma concepção
totalmente vulgar do marxismo, embora sustentada por autores importantes como Mar-
cuse, defendeu que a mídia favorecia a alienação de trabalhadores, impedindo-os de
tomar consciência dos seus próprios problemas. No Brasil mesmo, muitos intelectuais
ainda pensam que o futebol é o “ópio do povo” e aliena os torcedores. As coisas
são simplesmente mais complexas. Pode-se amar o futebol e ter consciência da realidade
social. Quando falta essa consciência o responsável não é o futebol, mas certamente
a situação política, social e educacional do país. Ver telenovelas não impede de ter cons-
ciência política e de contestar as injustiças sociais. (MORIN, 2003, p.7 - 9)

Morin vai destacar que, diferente do que outros pensadores defenderam, o problema
não é da mídia, mas da educação.

PARA REFLETIR:

“Os homens e mulheres que trabalham durante o dia, situação da


maioria, voltam cansados e necessitam de relaxamento, de distração e
de divertimento. Se a civilização, a cultura, fosse outra, mais centrada

81
no lazer, na qual os seres humanos não estivessem diuturnamente ocupados com a pro-
dução, ou ocupados pela produção, pode ser que cada um buscasse mais nos meios
de comunicação outro tipo de programação.” (MORIN, 2003, p.9)

O que você pensa acerca da questão colocada por Morin?

Recomendamos a leitura completa do artigo de Edgar Morin: A


comunicação pelo meio (teoria complexa da comunicação), dispo-
nível no link:

https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/3197/2462

4.3. Palavras Finais da Unidade IV

Nesta unidade, conhecemos brevemente as contribuições do estudos culturais, em es-


pecial, o trabalho de Stuart Hall. Depois, adentramos nas pesquisas de McLuhan e nas noções
de aldeia global, o meio é a mensagem e os meios como extensões do homem. Por fim, com-
partilhamos um pouco da sabedoria de Edgar Morin e a necessidade de construção do pensa-
mento complexo.
Esperamos que as apresentações aqui expostas sejam ponto de partida nas suas pes-
quisas enquanto estudante da comunicação. Na próxima unidade, conheceremos o trabalho
de Pierre Lévy, Lucia Santaella e pensaremos nas possíveis abordagens interdisciplinares da
comunicação.

82
V
Unidade V – Cibercultura,
Comunicação Ubíqua
e a Abordagem
Interdisciplinar

Objetivos da Unidade
- Apresentar brevemente os estudos de Pierre Lévy e Lucia
Santaella referentes à comunicação;
- Discutir temas correlatos às contribuições interdisciplina-
res da comunicação.
Unidade V - Cibercultura, Comunicação Ubíqua e a Abordagem Interdiscipli-
nar

Introdução

Nesta unidade vamos nos adentrar em teorias mais contemporâneas da comunicação,


e para isso selecionamos dois autores: Pierre Lévy e Lucia Santaella. Posteriormente, retomare-
mos Walter Benjamin e o seu texto sobre a obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica,
os estudos da Estética da Recepção e exemplos literários a fim de evidenciar as contribuições
interdisciplinares da/na comunicação.

5.1. Pierre Lévy e a Cibercultura

Pierre Lévy nasceu na Tunísia, em 1956, é filósofo, sociólogo e pesquisador em ciên-


cia da informação e da comunicação. Ao estudar o impacto da Internet na sociedade, o autor
acredita que a internet pode possibilitar uma democratização do conhecimento. Pierre Lévy
escreveu importantes obras, tais como:

• A máquina universo: criação, cognição e cultura informática


(1987).
• As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era
da informática.
• A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço.
• O que é o virtual?
• Cibercultura.
• Filosofia world: o mercado, o ciberespaço, a consciência.
• A Conexão Planetária: o mercado, o ciberespaço, a consciência.
• Ciberdemocracia.
• A Esfera Semântica: tomo I, computação, cognição, economia da informação.
84
Uma das noções importantes na obra de Pierre Lévy é a cibercultura. Para o autor, a
cibercultura é um movimento que oferece novas formas de comunicação e coloca o homem
diante de muitos conhecimentos, por isso ele precisa escolher, selecionar e filtrar as informa-
ções, organizá-las, trocar ideias e compartilhar interesses para, assim, criar uma inteligência
coletiva. A internet modificou a forma como nós lidamos com a informação e com o mundo,
através dela formamos comunidades e compartilhamos conhecimentos. Lévy acredita que
hoje, concretizamos os sonhos do Iluministas, de termos as informações acessíveis e comparti-
lhadas.

“Povos desenvolvendo sistemas de agricultura, de escrita, de


construção similares apesar de estarem a milhares de quilômetros uns
dos outros. Buscas e ferramentas compartilhadas por civilizações de
culturas totalmente distintas. Uma reflexão sobre a história nos faz
pensar sobre um sentido comum à humanidade. Saber por que chegamos aqui revela
muito sobre quem somos e para onde estamos indo. Este grande sentido é o tema da fala
do filósofo francês Pierre Lévy, mundialmente conhecido por seus estudos ligados à ciber-
cultura, mas cujas áreas de interesse perpassam a arte, o oriente, a história e a psicologia.”
(Fronteiras do Pensamento) Confira o vídeo neste link:

https://www.youtube.com/watch?v=_cMKAQjK0R8&feature=emb_logo

Ao se interessar pela internet e seus impactos na forma como o homem vê o mundo,


Lévy constrói uma análise do ciberespaço e da cibercultura que são fundamentais para com-
preendermos as mudanças, mas Lévy também sofreu algumas críticas:

Não faltam crítica a Pierre Lévy, sobretudo por sua alegada falta de perspecti-
va crítica em relação aos problemas sociais e econômicos que, de alguma ma-
neira, estão sempre próximos das discussões a respeito do ambiente online.
Pensado algumas vezes como alguém "otimista", talvez não aponte para uma
felicidade generalizada com os dispositivos, mas, de fato, parece apostar nas
85
possibilidades de uma tecnologia na interação entre seres humanos e da cria-
ção entre eles. (MARTINO, 2015, p. 33)

Para saber mais, recomendamos os vídeos de Pierre Lévy no


canal Fronteiras do Pensamento:

https://www.youtube.com/watch?time_continue=5&v=VH5BPc2p3d-
c&feature=emb_logo

5.2. Lucia Santaella e a Comunicação Ubíqua

Lucia Santaella é professora e pesquisadora nas áreas de Comunicação e Semiótica, é


uma grande referência hoje no Brasil nos estudos da Comunicação. Dentre as várias obras da
autora, escolhemos para abordar aqui: Comunicação ubíqua: Repercussões na cultura e na Edu-
cação.
No livro em questão, Santaella explora a ideia de ubiquidade, que seria o mesmo que
onipresença: a faculdade de estar ao mesmo tempo em todos os lugares. A autora fala da ubi-
quidade dos aparelhos, ubiquidade das redes, ubiquidade da informação, da comunicação,
dos objetos e dos ambientes, ubiquidade das cidades, dos corpos, das mentes… Ubiquidade
que é consequência da hipermobilidade conectada, hoje as diversas informações podem ser
acessadas de diferentes lugares e tempos. De acordo com Santaella, “os atuais processos de co-
municação se realizam em situações fluidas, múltiplas não apenas no interior das redes, como
também nos deslocamentos espaço-temporais efetuados pelos indivíduos.”

[...] a hipermobilidade cria espaços fluidos, múltiplos não ape-


nas no interior das redes, como também nos deslocamentos espaço-
-temporais efetuados pelos indivíduos. Hipermobilidade conectada
redunda em ubiquidade desdobrada. Ubiquidade dos aparelhos, ubi-

86
quidade das redes, ubiquidade da informação, ubiquidade da comunicação, ubiquidade
dos objetos e dos ambientes, ubiquidade das cidades, dos corpos e das mentes (capítulo
3), ubiquidade da aprendizagem (capítulos 13 e 14), ubiquidade da vida no escoar do tem-
po em que é vivida (capítulo 7). Na definição de Souza e Silva (2006, p. 179):

O conceito de ubiquidade sozinho não inclui mobilidade, mas os apare-


lhos móveis podem ser considerados ubíquos a partir do momento em
que podem ser encontrados e usados em qualquer lugar. Tecnologica-
mente, a ubiquidade pode ser definida como a habilidade de se comuni-
car a qualquer hora comunicação ubíqua: Repercussões na cultura e na
educação e em qualquer lugar via aparelhos eletrônicos espalhados pelo
meio ambiente. Idealmente, essa conectividade é mantida independen-
te do movimento ou da localização da entidade. Essa independência da
necessidade de localização deve estar disponível em áreas muito gran-
des para um único meio com fio, como, por exemplo, um cabo ethernet.
Evidentemente, a tecnologia sem fio proporciona maior ubiquidade do
que é possível com os meios com fio, especialmente quando se dá em
movimento. Além do mais, muitos servidores sem fio espalhados pelo
ambiente permitem que o usuário se mova livremente pelo espaço físico
sempre conectado.

Alguns autores utilizam a metáfora de que a internet dá ao homem atribuições divinas:


a onipotência (o poder que temos ao fazer transações bancárias sem sair de casa…), onipre-
sença (nossas figuras virtuais estão em diferentes lugares: há um perfil seu no Facebook, outro
perfil no Instagram ou Whatsapp, e várias pessoas podem falar com a gente ao mesmo tempo),
e onisciência (o que não vemos, o “print” nos conta).

De 2006 para cá, o desenvolvimento tecnológico me levou à


convicção de que a condição contemporânea de nossa existência é
ubíqua. Em função da hipermobilidade, tornamo-nos seres ubíquos.
Estamos, ao mesmo tempo, em algum lugar e fora dele. Tornamo-nos

87
intermitentemente pessoas presentes-ausentes. Aparelhos móveis nos oferecem a possi-
bilidade de presença perpétua, de perto ou de longe, sempre presença. Somos abordados
por qualquer propósito a qualquer hora e podemos estar em contato com outras pessoas
quaisquer que sejam suas condições de localização e afazeres no momento, o que nos
transmite um sentimento de onipresença. Corpo, mente e vida ubíquas. Sem dúvida isso
traz efeitos colaterais, certo estado de frenesi causado pelo paradoxo da presença e ao
mesmo tempo da reviravolta constante nas várias condições físicas, psicológicas e com-
putacionais. (SANTAELLA, 2013, p.16).

A ubiquidade na comunicação evidencia a facilidade que temos em nos comunicar em


qualquer lugar e a qualquer momento com diferentes pessoas. Essa ubiquidade afetou, inclu-
sive, a forma como aprendemos. Pense na representação do neologismo “googlar”, quando
precisamos de uma informação, conseguimos em segundos fazer uma pesquisa na internet. A
comunicação ubíqua traz fortes repercussões em na cultura e na educação.

Para saber mais, recomendamos a leitura do livro: SANTAELLA,


Lucia. Comunicação ubíqua: repercussões na cultura e na educação.
São Paulo: Paulus, 2013.

5.3. A Comunicação e Suas Contribuições Interdisciplinares

Estando a comunicação em toda parte, sabemos o quanto outras áreas contribuíram


para os estudos da comunicação e o quanto os estudos da comunicação enriqueceram outras
áreas.

88
Poderíamos citar vários exemplos dos diálogos estabelecidos entre os estudos da co-
municação e outras áreas, mas elencamos apenas três: um texto Walter Benjamin sobre obras
de arte, a Estética da Recepção e duas passagens literárias.

5.3.1. A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica

Walter Benjamin publicou A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica pela
primeira vez em 936 e ainda hoje o ensaio é uma referência nos estudos da comunicação, da
89
mídia, fotografia, cinema, artes plásticas, literatura, artes em geral.
Em texto, Benjamin diz que com os avanços tecnológicos, facilmente podemos repro-
duzir uma pintura, por exemplo. No entanto, tal reprodução faz com que a obra de arte perca
sua aura. O texto de Benjamin tem muita relação com outras discussões que ocorriam na épo-
ca, tal como os debates sobre a indústria cultural.

“Em suma, o que é a aura? É uma figura singular, composta de elementos espa-
ciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante por mais perto que ela
esteja. Observar, em repouso, numa tarde de verão, uma cadeia de montanhas
no horizonte, ou um galho, que projeta sua sombra sobre nós, significa respirar
a aura dessas montanhas, desse galho. Graças a essa definição, é fácil identifi-
car os fatores sociais específicos que condicionam o declínio atual da aura. Ela
deriva de duas circunstâncias, estreitamente ligadas à crescente difusão e in-
tensidade dos movimentos de massas. Fazer as coisas "ficarem mais próximas"
é uma preocupação tão apaixonada das massas modernas como sua tendência
a superar o caráter único de todos os fatos através da sua reprodutibilidade.
Cada dia fica mais irresistível a necessidade de possuir o objeto, de tão perto
quanto possível, na imagem, ou antes, na sua cópia, na sua reprodução. Cada
dia fica mais nítido a diferença entre a reprodução, como ela nos é oferecida pe-
las revistas ilustradas e pelas atualidades cinematográficas, e a imagem. Nesta,
a unidade e a durabilidade se associam tão intimamente como, na reprodução,
a transitoriedade e a repetibilidade. Retirar o objeto do seu invólucro, destruir
sua aura, é a característica de uma forma de percepção cuja capacidade de cap-
tar "o semelhante no mundo” é tão aguda, que graças à reprodução ela conse-
gue captá-lo até no fenômeno único. Assim se manifesta na esfera sensorial a
tendência que na esfera teórica explica a importância crescente da estatística.
Orientar a realidade em função das massas e as massas em função da realidade
é um processo de imenso alcance, tanto para o pensamento como para a intui-
ção.” (BENJAMIN, 1936).

Percebe como a discussão sobre o que pode e não pode ser considerado arte ainda é
recente? A reprodução técnica pode afetar o valor de uma obra de arte? Você, sem dúvidas, já
deve ter ouvido alguma polêmica acerca de Romero Brito, muitos questionam se, pela forma
como ele (re)produz suas peças, o que faz é, de fato, arte.

90
Recomendamos a leitura completa do ensaio de Benjamin:

https://philarchive.org/archive/DIATAT

5.3.2. A Estética da Recepção

A Estética da Recepção, como o próprio nome diz, é uma proposta de estudo da lite-
ratura que procura analisar a historiografia literária sob a ótica da relação entre autor, obra e
leitor. Essa proposta veio para romper com concepções tradicionais e estáticas, que focavam a
literatura no texto, sem levar em conta o público leitor. Vejamos um pequeno trecho do texto
de Carlos Ceia sobre a Estética da Recepção:

Escola de teoria literária identificada na era pós-estruturalista, a partir dos finais


da década de 1960, em primeiro lugar na Alemanha e mais tarde nos Estados
Unidos, tendo em comum a defesa da soberania do leitor na recepção crítica
da obra de arte literária. Na Alemanha, tomou o nome de Rezeptionästhetik;
no mundo anglo-americano, vingou a expressão reader-response criticism; em
português, por força da dificuldade de tradução literal da expressão inglesa,
tem-se preferido a tradução estrita do original alemão.
Na origem, foi um grupo de críticos da Universidade de Konstanz, que come-
çou por divulgar as suas teses na revista Poetik und Hermeneutik, a partir de
1964. Numa época em que Hans-Georg Gadamer desenha um novo rosto para
a hermenêutica, com Wahrheit und Methode (1960), uma justaposição chama
de imediato a atenção para o facto de que, para uma estética da recepção do
leitor, as questões do sentido e da interpretação textual dos modelos herme-
nêuticos serem tão indispensáveis como as questões linguísticas e formais. (...)
Hans Robert Jauss, discípulo da hermenêutica de Gadamer, é o mais inflexível
dos críticos da estética da recepção. No seu ensaio nuclear, “A História Literária
como um Desafio [Provokation] à Teoria da Literatura” (1970; traduzido para
português com o título A Literatura como Provocação História da Literatura
como Provocação Literária, trad. de Teresa Cruz, Vega, Lisboa, 1993), procurou
ultrapassar os dogmas marxistas e formalistas que não privilegiam o leitor no
ato interpretativo do texto literário. Qualquer obra de arte literária só será efe-
tiva, só será re-criada ou “concretizada”, quando o leitor a legitimar como tal,
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relegando para plano secundário o trabalho do autor e o próprio texto criado.
Para isso, é necessário descobrir qual o “horizonte de expectativas” que envolve
essa obra, pois todos os leitores investem certas expectativas nos textos que
lêem em virtude de estarem condicionados por outras leituras já realizadas,
sobretudo se pertencerem ao mesmo género literário. (...)
Hoje, o tipo de questões teóricas que pré-ocupam o estudioso do fenómeno
literário tende a concentrar-se, auto-reflexivamente, nos conceitos que domi-
nam num dado momento histórico e nos conceitos que sempre dominaram a
própria história da linguagem. Como propõe Stanley Fish, o principal divulga-
dor da reader-response criticism norte-americana, a literatura não pode conter
propriedades formais pretensamente definidoras do que é ou não é a literatura:
“A literatura é o produto de um modo de ler, de um acordo comunitário acerca
daquilo que deverá contar como literatura, que leva os membros da comuni-
dade a prestar um certo tipo de atenção a criarem literatura.” (Is There a Text in
This Class?, 1980). O “modo de ler” não é fixo, mas varia ao longo dos tempos,
por isso Fish propõe a estética não como sendo a especificação definitiva de
propriedades literárias e não literárias, mas sim “uma descrição do processo his-
tórico pelo qual tais propriedades emergem”. O conceito de “comunidade inter-
pretativa” surge então como corolário deste conhecimento relativo da natureza
da literatura: “Os sentidos não são propriedade nem de textos fixos e estáveis
nem de leitores livres e independentes, mas de comunidades interpretativas
que são responsáveis tanto pela configuração das actividades do leitor como
pelos textos que essas actividades produzem.”
Todo o leitor pode ser de alguma forma, em algum momento, por algum moti-
vo um crítico. É impensável a crítica que não resulte de um acto de ler e porque
este é a sua origem, a escrita só se revela no acto de consumação da leitura.
Não há críticos/escritores em primeira instância. A produção do texto crítico
só é possível depois do acto de ler algo que também é escrita. A ideia barthia-
na-estruturalista do crítico como um prolongamento do escritor, continuando
sempre a ser escritor, um especialista da escrita, um demiurgo do texto, perde
a sua lógica na origem: antes de ser escritor, o crítico tem de ser leitor, tem que
estar dependente, subordinado por um dever de originalidade, a um texto já
concebido. Não tem como missão a reconstituição do objecto analisado, mas a
sua interrogação, não a sua repetição, mas a dissecação da sua natureza. Des-
de os Princípios de Crítica Literária (1924), de I. A. Richards, que a prática críti-
ca toma como princípio geral de actuação o postulado do crítico como leitor,
como um leitor mais atento e especializado, cuja missão é expor o seu ponto
de vista formado pela leitura explícita do texto literário. O Barthes estruturalista
recusará esta perspectiva. Para ele, a crítica literária não é identificável com a
leitura, o crítico não é um leitor, porque este é aquele que se limita ao acto de

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ler palavra por palavra um texto, simplesmente repetindo-o. Enquanto a leitura
é assumida como um processo de simples identificação com o texto, a crítica -
não faz, portanto, sentido a separação que nos parece natural entre leitura críti-
ca e leitura espontânea, em que a primeira se refere a um exercício especulativo
e a segunda a um mero acto de descodificação verbal sem intuito de "tocar"
no texto - coloca o crítico a uma certa distância do texto. (...) O papel do leitor
crítico não deve ser intervir na produção da obra de arte, interferir no trabalho
do autor, emitir juízos de valor sobre a obra criada a fim de a situar em qualquer
lista de referência. Se um leitor trabalha criticamente sobre um texto, não mo-
difica em nada a razão em que o autor desse texto quis assumi-lo como obra de
arte, por isso nenhum texto literário nem nenhum autor depende da existência
eventual de um leitor. Só podemos falar com rigor de dependência existencial
na razão inversa: não há leitores sem previamente existirem autores e textos
para serem lidos. A tarefa de ler do leitor só pode ser iniciada quando o escritor
tiver terminado a sua tarefa de escrever, pelo que o autor está sempre numa
posição privilegiada em relação ao leitor, apenas neste ponto da validação da
obra de arte como tal. Ora, se um leitor quiser agir criticamente sobre um texto,
não tem que se preocupar, aparentemente, com tal questão. Contudo, se se exi-
gir colocar no prato da balança o texto produzido para poder ser avaliado o seu
grau artístico, o que acontece irremediavelmente é o divórcio imediato com a
percepção que o autor tem ou teve desse texto no momento da sua produção.
(CEIA, 2009)

A Estética da Recepção deixou fortemente as suas marcas. Hoje, ao falarmos das mo-
bilizações do sentido, não podemos tirar de cena o leitor. Com a internet, a força do leitor fica
ainda mais evidente, pois hoje um leitor pode dialogar com o autor em seus perfis nas redes
sociais ou mesmo recriar suas obras (como ocorre nas fanfics). Trazer o receptor para a constru-
ção dos sentidos representa um avanço tanto nos estudos da literatura quanto nos estudos da
comunicação.

5.3.3. Damázio e Fabiano: a Força da Comunicação em Dois Exemplos Lite-


rários

Escolhemos dois exemplos literários para ilustrar os impactos da comunicação (ou não
comunicação) nos sujeitos e na sociedade. Inicialmente, falaremos de Damázio, personagem

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do conto Famigerado, de Guimarães Rosa.
Damázio é um jagunço, homem bravo, “com cara de nenhum amigo”. Certa vez, Da-
mázio foi chamado de famigerado por um homem do governo. Sem saber o significado da
palavra, ele vai em busca de um doutor a fim de tentar descobrir o que significa. O interessante
no conto é perceber como o personagem amedronta o leitor, pois imaginamos que ele está em
busca de vingança por ter sido chamado de algo que “aparentemente” não lhe parece bom. O
conto, de certa forma, ilustra o poder das palavras sobre nós.
O outro exemplo é Fabiano, personagem de Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Aqui, o
problema é a não comunicação. Fabiano, sente-se um bicho, pois não frequentou a escola e é
muito inibido toda vez que tenta se comunicar.

“Em Vidas secas, de Graciliano Ramos, o protagonista, Fabiano, é quieto. Lavra-


dor expulso de suas terras pelas terríveis condições de vida, inicia uma jorna-
da até a cidade grande, onde espera encontrar uma situação melhor. Vindo do
interior do Nordeste em uma situação de agricultura familiar em decadência,
sem acesso à linguagem legítima, Fabiano compreende o mundo com as cate-
gorias linguísticas que tem. Algumas situações lhe parecem incompreensíveis:
ele simplesmente não tem como dizer aquilo que está vendo. A linguagem é
seu limite, não pode ir além dela no terreno da compreensão mais ou menos
completa daquilo que está sendo visto.
Sem ter como falar, Fabiano é quieto. A personagem exemplifica uma das pro-
posições mais conhecidas do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein, segundo
a qual ‘os limites de minha linguagem são os limites do meu mundo”. (MARTI-
NO, 2009, p. 98).

A língua - como instrumento de comunicação - tem um papel


importante na constituição do sujeito. As palavras nos afetam o tempo
todo. Para pensar mais sobre isso, convido você a ler o romance Vi-
das Secas, de Graciliano Ramos, e o conto O famigerado, de Guimarães
Rosa.

5.4. Palavras Finais

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“Você é um terrorista? Graças a Deus. Entendi
Meg dizer que você era um teorista”.
Texto na contracapa de Teoria literária: uma introdução, de Jonathan Culler (1999).

A comunicação tem uma existência real, é um fato concreto de nosso cotidiano, trazê-la
para o campo teórico é um desafio, pois, de tão extensa, torna-se difícil não parecer superficial.
Bem longe de tentar esgotar as contribuições dos pesquisadores, o que fizemos aqui foi
uma sugestão de roteiro para ser um ponto de partida nos seus estudos da comunicação.
Ficaram muitas perguntas: com tantos avanços tecnológicos e com tanto acesso às in-
formações, conseguimos realizar os sonhos dos iluministas? “A modernidade cumpriu o que
se esperava dela? As promessas de emancipação e liberdade do ser humanos foram de fato
cumpridas? Essas perspectivas ainda são válidas e estão sendo lentamente implementadas ou
falharam e devem ser abandonadas? (MARTINO, 2014, p. 222).
Vimos que a nossa forma de comunicar modificou radicalmente a maneira como vive-
mos. “O surgimento da web 2.0 transformou o consumidor passivo de conteúdo em produtor
ativo de informação. A esfera pública se expandiu, incluindo novas vozes, novas perspectivas e
novas visões. Os jornais, as emissoras de televisão e rádio perderam o monopólio do acesso à
opinião pública. A lógica do broadcast (de um para muitos) foi suplantada pela lógica do mul-
ticast (de muitos para muitos).” (LAGO, 2020)
No percurso, ora vimos teorias mais otimistas, ora encontramos teorias mais pessimis-
tas. Todas elas reconheciam que o avanço tecnológico dos meios de comunicação sempre afe-
tará a forma como nos colocamos no mundo. Por isso, não podemos encerrar nossos estudos
aqui. É fundamental, para todo estudante que deseja conhecer mais sobre o ato de comunicar,
buscar constantemente novos conhecimentos. É pensando nisso que encerramos com as pala-
vras de Pepetela, em seu livro Mayombe: “O homem tem de saber muito, sempre mais e mais,
para poder conquistar a sua liberdade, para saber julgar. Se não percebes as palavras que eu
pronuncio, como podes saber se estou a falar bem ou não? Terás de perguntar a outro. Depen-
des sempre de outro, não és livre.” (PEPETELA, 2013)

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Referências Bibliográficas

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